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André Rodrigo Rech Kayna Agostini Paulo Eugênio Oliveira Isabel Cristina Machado (Organizadores) Biologia da Polinização

Biologia da Polinização - hbjunior19.files.wordpress.com · biologia vegetal, dedicada a estudar a questão funcio - nal e a biologia floral, que seria dedicada apenas às flores

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Andr Rodrigo RechKayna Agostini

Paulo Eugnio OliveiraIsabel Cristina Machado

(Organizadores)

Biologia daPolinizao

Biologia daPolinizao

Biologia daPolinizao

2014

Rio de Janeiro

1 edio

Andr Rodr igo Rech

Kayna Agost ini

Paulo Eugnio Oliveira

Isabel Cr ist ina Machado

(Organizadores)Ilustrao: Raoni Rebouas

Nota dos Organizadores

Os organizadores desta obra envidaram os seus melhores esforos para referenciar todas as fontes bibliogrficas e virtuais consultadas, bem como creditar todas as fotografias e ilustraes utilizadas e,

colocam-se a disposio para corrigir quaisquer eventualidades em uma prxima edio.

BIOLOGIA DA POLINIZAO1 edio

Copyright 2014 dos Organizadores

A reproduo desta obra livre e irrestrita, desde que citadas as fontes.

Fotos da Capa

Ivan e Marlies Sazima

Organizadores

Andr Rodrigo Rech([email protected])

Kayna Agostini([email protected])

Paulo Eugnio Oliveira([email protected])

Isabel Cristina Machado([email protected])

Revisores

Ceres BelchiorComit Editorial do Ministrio do Meio Ambiente

Comit Editorial de Reviso (nominados ao final do livro)

Servios Editoriais

Editora Projeto Cultural([email protected])

DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)

Ficha catalogrfica elaborada pela bibliotecria Lioara Mandoju CRB-7 5331

Seo de Abertura

Prefcio .......................................................................................................................................................................................................... 9

Palavra dos organizadores ..................................................................................................................................................................... 11

Mensagens laudatrias ........................................................................................................................................................................... 13

Seo 1. Fundamentos

Captulo 1. Biologia da polinizao: uma sntese histrica ............................................................................................................ 27

Andr Rodrigo Rech e Christian Westerkamp

Captulo 2. A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos ............................................................................................................ 45

Simone de Pdua Teixeira, Cristina Ribeiro Marinho e Juliana Villela Paulino

Captulo 3. Sistemas reprodutivos ....................................................................................................................................................... 71

Paulo Eugnio Oliveira e Pietro Kiyoshi Maruyama

Captulo 4. Reproduo assexuada ...................................................................................................................................................... 93

Ana Paula de Souza Caetano e Priscila Andressa Cortez

Captulo 5. Flores no tempo: a florao como uma fase da fenologia reprodutiva ................................................................ 113

Mauricio Fernndez Otrola e Mrcia Alexandra Rocca

Seo 2. Recursos e Atrativos

Captulo 6. Recursos florais ................................................................................................................................................................. 129

Kayna Agostini, Ariadna Valentina Lopes e Isabel Cristina Machado

Captulo 7. Atrativos .............................................................................................................................................................................. 151

Isabela Galarda Varassin e Lercio Peixoto do Amaral-Neto

Seo 3. Polinizadores

Introduo. Sndromes de polinizao: especializao e generalizao .................................................................................. 171

Andr Rodrigo Rech, Rubem Samuel de Avila Jr. e Clemens Schlindwein

Captulo 8. Polinizao abitica ......................................................................................................................................................... 183

Andr Rodrigo Rech, Pedro Joaquim Bergamo e Rodolfo Antnio de Figueiredo

Captulo 9. Polinizao por abelhas .................................................................................................................................................. 205

Mardiore Pinheiro, Maria Cristina Gaglianone, Carlos Eduardo Pereira Nunes, Maria Rosngela Sigrist e

Isabel Alves dos Santos

Captulo 10. Polinizao por lepidopteros ....................................................................................................................................... 235

Reisla Oliveira, Jos Arajo Duarte Junior, Andr Rodrigo Rech e Rubem Samuel de Avila Jr.

Captulo 11. Polinizao por besouros ............................................................................................................................................. 259

Hiplito Ferreira Paulino-Neto

Sumrio

Captulo 12. Polinizao por dpteros ............................................................................................................................................... 277

Tarcila de Lima Nadia e Isabel Cristina Machado

Captulo 13. Polinizao por vespas .................................................................................................................................................. 291

Rodrigo Augusto Santinelo Pereira

Captulo 14. Polinizao por vertebrados ........................................................................................................................................ 311

Erich Fischer, Andra Cardoso de Araujo e Fernando Gonalves

Captulo 15. Polinizao por engodo ................................................................................................................................................ 327

Fbio Pinheiro

Seo 4. Perspectivas

Introduo. Fronteiras do conhecimento em ecologia da polinizao: novas ferramentas e perspectivas de

abordagens integradoras ...................................................................................................................................................................... 345

Rogrio Gribel

Captulo 16. Seleo fenotpica mediada por polinizadores ....................................................................................................... 349

Santiago Benitez-Vieyra, Marcela Mor e Felipe W. Amorim

Captulo 17. Interaes planta-polinizador e a estruturao das comunidades .................................................................... 373

Leandro Freitas, Jeferson Vizentin-Bugoni, Marina Wolowski, Jana Magaly Tesserolli de Souza e

Isabela Galarda Varassin

Captulo 18. Interaes entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogentica .................................................. 399

Andr Rodrigo Rech, Aline Cristina Martins e Fernanda Baro Leite

Captulo 19. Ecologia cognitiva da polinizao .............................................................................................................................. 417

Vincius Brito, Francismeire Telles e Klaus Lunau

Captulo 20. Gentica nos estudos com polinizao ..................................................................................................................... 439

Jaqueliny Zocca Canuto, Alessandro Alves-Pereira e Marina Corra Crtes

Captulo 21. Economia e polinizao: custos, ameaas e alternativas ...................................................................................... 461

Mrcia Motta Maus

Captulo 22. Polinizao e demografia de espcies vegetais ...................................................................................................... 483

Silvana Buzato

Captulo 23. Conservao dos polinizadores .................................................................................................................................. 493

Isabel Alves dos Santos, Marcelo Aizen e Cludia Ins da Silva

Corpo editorial de reviso .......................................................................................................................................................................... 527

Sumrio

Foto: Thomas Lewinsohn

Seo DeABeRTURA

Prefcio

A polinizao considerada um servio ecossistmico bsico e que suporta os outros servios ecossistmicos disponibilizados pela natureza, como aumento da produo agrcola, do controle biolgico e da eroso do solo, ciclagem de nutrientes, conservao da vida selvagem etc. Nos ltimos anos, as alteraes antrpicas,

ou seja, os impactos causados pelo homem na sua utilizao dos recursos naturais, levaram ao decrscimo de

populaes de alguns polinizadores fundamentais para a produo de alimento no mundo. Como consequncia,

um alerta geral sobre a importncia do tema surgiu nos cenrios cientfico e econmico. O valor da polinizao

na agricultura mundial foi estabelecido em aproximadamente 10% do valor econmico dos produtos agrcolas.

O assunto passou a ser abordado em muitos setores e foram feitas projees econmicas de acordo com as

externalidades de mercado e as ambientais.

O valor da polinizao bitica, entretanto, que compreende a polinizao pelos animais (insetos como

abelhas, mariposas, besouros, borboletas; pequenos vertebrados, destacando-se algumas aves e os morcegos),

foi estabelecido para as poucas espcies que compem a maior parte da alimentao humana comercializada.

Mas a estimativa mais recente de que a polinizao por animais favorece cerca de 87,5% das espcies

botnicas conhecidas (308.000 espcies aproximadamente), portanto o seu valor para a manuteno da

biodiversidade incalculvel. Neste momento da vida do planeta, as interaes entre plantas e polinizadores

e o impacto na biodiversidade so de vital importncia e focalizados, nesta dcada da biodiversidade, como

prioridade.

No Brasil, os pesquisadores Marlies Sazima e Ivan Sazima estabeleceram um grupo de estudos de polinizao

de nossas plantas nativas, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na dcada de 1980. Foi um

trabalho pioneiro, bem estruturado, de alta qualidade e que trouxe frutos importantes, entre eles a formao

de uma gerao bem preparada de bilogos da polinizao, que continuam multiplicando este conhecimento.

A atividade acadmica da Dra. Marlies Sazima, que alvo desta homenagem ao completar seus 70 anos, se

reflete na produo cientfica e na formao de excelentes pesquisadores, que ocupam posies de destaque

em universidades e centros de pesquisa de todo o pas e no exterior.

Este livro, cuidadosamente preparado para esta ocasio, o mais importante e atual sobre Biologia da

Polinizao publicado no Brasil, em portugus, e est entre os melhores da literatura internacional. Destaca-

se a abordagem evolutiva, precisa e ao mesmo tempo simples. Os captulos foram bem elaborados, utilizaram

ampla literatura e nos trazem um panorama muito completo sobre o que conhecido atualmente sobre a

polinizao. A leitura muito agradvel e permeada de dados histricos para a construo dos conceitos. As

figuras apresentadas so de muita qualidade e ilustram muito bem o texto. Ser certamente um clssico da

literatura cientfica brasileira.

Um livro com a sntese do conhecimento est entre as mais preciosas homenagens que alunos e colaboradores

podem prestar a uma cientista. Ele reflete de maneira clara e objetiva a enorme contribuio acadmica da Dra.

Sazima, um exemplo a ser seguido. Sem dvida, a sua utilizao trar um grande avano para o desenvolvimento

da rea no Brasil. Conheci Marlies e Ivan quando ainda ramos alunos do curso de Cincias Biolgicas, no

Instituto de Biocincias da Universidade de So Paulo (USP). Os estudos sobre polinizao e os lindos slides

apresentados por eles, alm da preciso da informao, nos encantavam. Eu trabalhava com as abelhas e eles,

com os sistemas de polinizao. Comportamento animal era o nosso interesse comum. Mais tarde, a polinizao

e, mais diretamente, focalizar as abelhas como os polinizadores muito importantes para a biodiversidade

brasileira fizeram parte da minha rotina de estudos e trabalho. Durante essa longa trajetria, foi sempre um

prazer ler os trabalhos publicados, acompanhar a produo dos alunos e compreender a teia da construo do

conhecimento, com flores, abelhas e outros animais.

Este livro ter um lugar de destaque na nossa biblioteca e no dia a dia de pesquisadora e professora. Fiquei

muito sensibilizada com essa importante contribuio e com a possibilidade de externar aqui o meu respeito

e a minha considerao por todos os autores e, especialmente, por Marlies Sazima.

Vera Lucia Imperatriz-Fonseca

(Universidade de So Paulo)

Prefcio

O projeto que culminou com a redao desse livro nasceu da preocupao coletiva de dispormos de um material de relevncia acadmica na rea de biologia da polinizao acessvel aos estudantes de todo o Brasil. Iniciamos os trabalhos com conversas isoladas entre estudantes na sala de uma repblica de Baro

Geraldo, em Campinas. Aps algumas discusses j era fato que integrvamos um projeto muito maior, sonhado

muitas vezes por muitos dos autores. medida que as ideias foram tomando corpo, muitas pessoas comearam

a acreditar nessa proposta e, com o passar dos meses e muitos e-mails, logo tnhamos uma equipe de excelncia

e entusiasmada agregando a empolgao que nunca tivramos imaginado. Com o apoio de todos ficou claro

que estvamos em busca de uma obra que primasse pela qualidade tcnica e que tivesse tambm coerncia

conceitual e sntese cientfica. Ao longo de trs anos de trabalho intenso buscamos chegar o mais prximo

possvel do almejado.

Planejamos escrever um livro dividido em captulos que constitusse ao mesmo tempo uma sntese do

que j se sabe sobre os diversos tpicos no Brasil em consonncia com as discusses internacionais dos temas.

Primamos por uma abordagem na perspectiva ecolgico-evolutiva em detrimento de estudos de caso especficos.

Ao longo de 23 captulos oferecemos uma abordagem introdutria sincronizada com a identificao de lacunas

e caminhos para cobri-las.

Aps muitas tentativas de organizar os captulos de forma lgica e conectada resolvemos apresentar o livro

em quatro sees. Na primeira so tratados a histria, os aspectos morfoanatmicos das estruturas florais, os

sistemas sexuais e reprodutivos e a fenologia. Na segunda seo so abordados os temas recursos e atrativos.

A terceira parte consta de uma introduo especfica das principais ideias sobre evoluo de sistemas de

polinizao, e os captulos seguintes se prestam a apresentar e discutir os grandes grupos de polinizadores

conhecidos atualmente. A Seo 4 tambm inicia com uma introduo geral sobre o que consideramos novas

abordagens em biologia da polinizao, ao que se seguem os captulos tratando especificamente de cada um

desses campos de estudo na rea.

Esperamos que este livro-texto possa ser um estmulo s pesquisas em biologia da polinizao no Brasil.

Entendemos que, apesar dos muitos esforos de cada autor e revisores, restar o que ser melhorado em verses

futuras, no entanto entendemos tambm que a publicao desta obra no significa apenas um avano terico

para leitores da lngua portuguesa, mas concretiza igualmente a integrao de um grande grupo de pesquisadores

interessados no avano do ensino e da pesquisa no Brasil. Por fim, fazemos deste livro uma singela homenagem

Palavra dos organizadores

carreira de ensino e pesquisa dos Professores Marlies e Ivan Sazima, mestres e referncias, que fundaram o

campo de pesquisas no Brasil e desde o incio primaram pela qualidade e relevncia de suas investigaes. Mais

do que isso, na figura integradora e sempre disposta a acolher da Professora Marlies que esperamos orientar

o futuro da biologia da polinizao no Brasil.

Andr Rodrigo Rech

(Professor Adjunto na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri)

Kayna Agostini

(Professora adjunta na Universidade Federal de So Carlos)

Paulo Eugnio Oliveira

(Professor associado na Universidade Federal de Uberlndia)

Isabel Cristina Sobreira Machado

(Professora titular na Universidade Federal do Pernambuco)

Palavra dos organizadores

O s professores Marlies e Ivan Sazima fundaram, no Brasil, a escola de Biologia da Polinizao, razo pela qual lhes homenageamos com este livro na ocasio do aniversrio de 70 anos da Professora Marlies. Embora o casal represente com propriedade a cincia brasileira de qualidade, seu reconhecimento vai muito

alm de nossas fronteiras. Nas pginas a seguir apresentamos os comentrios de lderes mundiais no campo

da Biologia da Polinizao acerca do trabalho de Marlies e Ivan Sazima e sobre este livro que lhes dedicado.

esquerda, o casal Marlies e

Ivan retornando de uma das

excurses mensais ao campo

em Picinguaba, litoral de So

Paulo, e, direita, com os

sorrisos que eles deixam na

memria de todos aqueles

que com eles convivem. Fotos

de Lorena Coutinho Neri da

Fonseca.

Mensagens laudatrias

(Traduo por Gleiton Matheus Bonfante)

Como um colega, que nutre j h quase trinta anos

uma relao acadmica e de amizade com Marlies

e Ivan Sazima, uma grande alegria e uma honra

poder contribuir com uma pequena introduo para

este coerente compndio. O volume traz uma viso

sinttica e contempornea dos aspectos atuais de

nossa cincia, os quais tambm so de significativa

relevncia econmica. Vrios colegas e um conjunto de

no menos que cinquenta pesquisadores prepararam

(Verso original em alemo)

Als einem Kollegen, der Marlies und Ivan Sazima

seit beinahe dreiig Jahren in wissenschaftlicher

und freundschaftlicher Verbindung steht, ist es fr

mich eine Freude und Ehre, diesem ausgewogenen

Kompendium das Geleit geben zu drfen. Der Band

gibt auf hohen Niveau einen zeitgemen berblick

ber alle aktuellen Aspekte unserer Wissenschaft,

die auch von erheblicher wirtschaftlicher Bedeutung

sind. Kollegen und ein Ensemble von nicht weniger

StEFAN VOGEL, Diviso de Botnica Estrutural e Funcional, Universidade de Viena Austria

esta obra como uma homenagem pela ocasio de sua

aposentadoria depois de tantos anos devotados

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) um

empreendimento redacional impressionante. O livro

um atestado da estima por Marlies Sazima como

professora e pesquisadora.

H duas dcadas realizando pesquisa de campo

engajada na regio Sudeste do Brasil, compreendendo

a Serra do Cip, a Serra do Japi e at o Pantanal, ela

difundiu, tanto no Brasil como no exterior, mais de

trinta publicaes sobre o fenmeno da polinizao.

Assim, ela conseguiu reconhecimento e

admirao em todo o mundo graas qualidade de

suas anlises e ao seu engajamento sem descanso na

empresa cientfica. Devido a suas contribuies claras

e objetivas, ela vigora como pioneira em seu campo e

como fundadora de uma escola exemplar em seu pas.

So dignas de destaque as muitas e complicadas

expedies noturnas para o estudo e esclarecimento

das flores polinizadas por morcegos, as quais, para sua

execuo, contaram com a colaborao de estudantes

e de seu marido, o zologo Ivan Sazima. O mesmo

sucesso obtido como pesquisadora pode ser visto no

seu comprometimento com a famlia e com o ensino.

Ela tambm colaborou intensivamente com

a produo do conhecimento acerca de plantas

ornitfilas e da polinizao por insetos no Sudeste

do Brasil, levando em considerao aspectos

da competio entre agentes polinizadores,

compatibilidade e relaes biticas. Ela ajudou na

coleo de conhecimentos que servem classificao

e definio das peculiaridades ecolgicas dos seres

vivos e que em grande medida so relevantes tambm

taxonomia.

Marlies Sazima no vai cessar sua produo

frutfera. De fato, o inventrio cientfico da flora

als fnfzig Schlern haben Marlies Sazima dieses

Werk als Hommage aus Anlass ihrer Emeritierung

an der Universitt von Campinas gewidmet - ein

beeindruckendes redaktionelles Unternehmen.

Allein dies zeugt von der Wertschtzung von

Marlis Sazima als Professorin und Forscherin.

Sie hat seit zwei Jahrzehnten, von Jugend auf

spontan engagiert, im engeren und weiteren

Umkreis des sdlichen Brasiliens, ausgedehnt auf

die Serra do Cip, Serra do Japi, und das Pantanal,

Feldforschung betrieben und mehr als dreiig,

im In- und Ausland erschienenen Publikationen

zum Bestubungsgeschehen herausgegeben.

Dadurch hat sie Anerkennung und Verehrung

in aller Welt dank der Qualitt ihrer Analysen

und ihres rastlosen Engagements in unserer

Wissenschaft verdient. Sie kann mit ihren klaren

und objektiven Beitrgen als Pionierin in diesem

Feld und als Begrnderin einer vorbildlichen

Schule in ihrem Land gelten. Allein die vielen,

nicht unproblematischen nchtlichen Expeditionen

zur Aufklrung der Fledermausblumen, die sie

zum Teil unter Mitwirkung ihres Mannes, des

Zoologen Ivan Sazima, und einigen Studenten

durchgefhrt hat, sind hervorzuheben, und das

bei aller Beanspruchung durch Familie und Lehre.

Sie t r ug auch in tens i v z ur Kenn t nis

ornithophiler Pflanzen und Insektenbestubung

in Sd-Brasilien bei; mit Bercksichtigung von

Aspekten der Bestuberkonkurrenz, Kompatibilitt,

biocnot ische Bez iehungen u .a . Sie half,

Erkenntnisse zu erzielen, die auch zur klaren

Bestimmung und Definition der kologischen

Eigenschaften der Lebewesen dienen, die in

steigendem Mae in die Diagnosen der Taxonomie

Eingang finden.

Marlis Sazima wird nicht aufhren, ihr fruchtbares

Wirken fortzusetzen. Unerschpflich bleibt ja der

Mensagens laudatr ias

Sou colega e amigo de Marlies e Ivan Sazima

desde os idos tempos de mestrado. Como ela

fui estagirio e depois orientado do Professor

Ailton Joly trabalhando com algas. Passamos

muitos momentos de tima convivncia coletando

nossos materiais em Ubatuba e escrevendo nossos

mestrados. Depois o Dr. Joly convidou-nos para

contribuir com a fundao do ento Departamento

de Botnica da Unicamp que naquele tempo estava

sendo estruturada. Ento viemos eu, Marlies e

Ivan ser professores do Instituto de Biologia da

Unicamp. Aqui na Unicamp contribumos para a

formar e ensinar taxonomia, ecologia e polinizao

no Brasil. Marlies foi uma excelente companheira

JOO SEMIR, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas Brasil

Regine ClaSSen-BoCkhoff, Institut fr Spezielle Botanik, Johannes Gutenberg-Universitt Mainz Alemanha

de preparao de aulas e ensino. Aprendemos

muito juntos enquanto nos organizvamos para

dar nossas aulas. Alm disso, tambm fomos

juntos quase todos os meses por um longo tempo

para o campo na Serra do Cip. Foram muitas

caminhadas, muitas conversas, muitas alegrias...

Minha admirao pela Marlies vai muito alm da

qualidade incrvel que a marca registrada de seus

trabalhos. A Marlies tem alm da competncia, o

empenho na qualificao de cada um dos seus

alunos, o que os leva a terem um carinho visvel

por ela. Enfim, falar da Marlies, falar de uma

Amiga, Professora e Orientadora por quem tenho

profunda admirao e respeito.

(Verso original em ingls)

Scientists have friends all over the world. Even

if they live far away, they know there is somebody

who shares the same interest and enthusiasm

on a specific subject. Your field of interest is the

interaction of plants and pollinators and your

scientific work is now honored with a wonderful

book on pollination ecology in Brazil. Without your

longtime efforts in research and teaching such a

book would be unthinkable. It will affect students,

stimulate research projects and provide knowledge

(Traduo)

Os cientistas possuem amigos em todo o mundo

e, mesmo morando longe, sabem que h algum que

compartilha o mesmo interesse e entusiasmo sobre

um tema especfico. O campo de interesse neste caso

a interao das plantas e polinizadores, e o trabalho

desses pesquisadores agora homenageado com um

livro maravilhoso sobre a ecologia da polinizao no

Brasil. Sem os seus esforos de longos anos em pesquisa

e ensino, este livro seria impensvel. Ele interessar aos

alunos, estimular projetos de pesquisa e proporcionar

Mensagens laudatr ias

brasileira continua inesgotvel. O livro em mos alcana

seu objetivo de levantar informaes relevantes para

a rea e incita o entusiasmo e a criatividade no amplo

campo da biologia da polinizao.

wissenschaftliche Fundus der brasilianischen Flora.

Der Leitfaden mge sein Ziel erreichen, Information

zu liefern und zur Begeisterung und Kreativitt im

weiten Feld der Bltenbiologie anzuregen.

(Traduo)

O estudo da biologia da polinizao fornece

os exemplos mais fascinantes de como detalhes da

histria natural so fundamentais para entender a

evoluo da biodiversidade e sua manuteno. Biologia

da Polinizao uma reviso abrangente que une estes

detalhes com atraentes interpretaes. O volume

representa uma homenagem aos Profs. Marlies e Ivan

Sazima, um casal entre os mais influentes bilogos

especialistas em polinizao tropical e naturalistas

perspicazes. Seus estudos detalhados sobre as plantas

e os polinizadores brasileiros servem como modelo,

inspirao e guia para muitos pesquisadores em todo o

mundo. Este livro uma iniciativa que oportunamente,

de alguma forma, estende sua herana para as novas

geraes de ecologistas de polinizao.

(Verso original em ingls)

The study of pollination biology provides the

most fascinating examples of how natural history

details are central to understand the evolution

of biodiversity and its maintenance. Biologia da

Polinizao is a comprehensive review that bridges

these details with insightful interpretations. The

volume represents an homage to Prof. Marlies and

Ivan Sazima, a couple among the most influential

tropical pollination biologists and two keen

naturalists. Their detailed studies with Brazilian

plants and pollinators are a model, inspiration and

guide for many researchers worldwide. And this

textbook is a timely initiative that somehow extends

their heritage to new generations of pollination

ecologists.

(Traduo)

Muitos bilogos especialistas em polinizao

estavam esperando esta excelente e necessria

atualizao do trabalho reunido neste manual por

uma escola efervescente de eclogos(as) neotropicais.

Mas este trabalho tambm deve ser considerado uma

(Verso original em ingls)

Many pollination biologists were waiting

this excellent and necessary update of the work

gathered in this manual by a school of effervescent

Neotropical ecologists. But this work must also be

considered as a part of the rich legacy that Marlies

PEDRO JORDANO, Estacin Biolgica de Doana Espanha

LUIS NAVARRO, Universidade de Vigo Espanha

Mensagens laudatr ias

o conhecimento dos processos evolutivos para os

programas de conservao da natureza. Estou muito

feliz por poder parabeniz-los pela dedicao e

ansiosa por um contato amigavelmente contnuo e

uma inspiradora troca de conhecimentos.

from evolutionary processes to nature conservation

programs. I am very happy to congratulate you

on the dedication and I am looking forward to a

continuing friendly contact and inspiring exchange

of knowledge.

(Traduo)

Marlies e Ivan Sazima so certamente dois dos

poucos ecologistas de polinizao completos. O mais

emocionante de interagir com Marlies que no s

o seu enorme conhecimento sobre a polinizao

partilhado, mas tambm o seu entusiasmo com o

estudo da biologia da polinizao. O livro Biologia

da Polinizao apenas uma consequncia disso.

(Verso original em ingls)

Marlies and Ivan Sazima are certainly two of

the few complete pollination ecologists. Most

exciting to interact with Marlies is that you do

not only share her enormous knowledge about

pollination but also her enthusiasm for the study

of pollination biology. Biologia da Polinizao is

but one consequence.

KLAUS LUNAU, heinrich-heine Universitt Dsseldorf alemanha

John n. ThompSon, Department of Ecology and Evolutionary Biology, University of California Estados Unidos

(Traduo)

Os estudos inovadores dos professores Sazima

ao longo de muitos anos ajudaram a todos ns, que

estudamos interaes entre espcies, a perceber

que as formas como as plantas coevoluem com

polinizadores e os manipulam so ainda mais

diversificadas do que suspeitvamos.

(Verso original em ingls)

Profs. Sazimas innovative studies over many

years have helped all of us who study species

interactions to see that the ways in which plants

coevolve with pollinators, and manipulate

pollinators, are even more diverse than we

suspected.

Mensagens laudatr ias

parte do rico legado que Marlies e Ivan Sazima nos

trazem. Os diferentes captulos deste livro resgatam

a essncia da curiosidade sobre o conhecimento

que ambos tm transmitido a inmeras geraes

de pesquisadores, principalmente os brasileiros.

Sentimo-nos fortemente atrados por suas descries

da beleza espetacular deste mundo de interaes

entre plantas e polinizadores que nos legaram com

a sua grande vocao naturalista. Quando comecei a

explorar o universo de interaes, a descoberta de

seus trabalhos se tornou diretamente ligada escolha

da minha carreira profissional, a qual eu adoro.

and Ivan Sazima bring to us. The different chapters

of this book recover the essence of curiosity of

knowing that both have transmitted to several

generations of researchers. Mainly, Brazilians, but

also elsewhere, we have felt strongly attracted

by their descriptions of the spectacular beauty

of this world of interactions between plants and

pollinators that have bequeathed with their great

naturalist vocation. When I started to explore the

universe of interactions, the discovery of their work,

had much to do with my choice of my professional

career which I adore.

Mensagens laudatr ias

(Traduo)

O livro Biologia da Polinizao, organizado por

Andr Rodrigo Rech, Kayna Agostini, Paulo Eugnio

Oliveira e Isabel Cristina Machado, representa

uma homenagem trajetria dos Profs. Marlies

e Ivan Sazima, j que a maioria dos autores se

formou com eles. Marlies seguramente sentir-se-

feliz vendo como tantos orientados prepararam

esta sntese sobre polinizao de 528 pginas,

abrangendo, entre tantos outros, aspectos

ecolgicos e evolutivos sobre a conservao

dos polinizadores. Sua grande dedicao boa

cincia, sua generosidade permanente e a infinita

pacincia para escutar, conversar e sugerir

sutilmente os possveis caminhos acadmicos e

na vida que cada um de seus orientados escolheu

e seguiu tambm esto implcitas na dedicao

com que cada autor estampou seu conhecimento

em cada captulo do livro. Trata-se de um livro

valioso, principalmente para aqueles que esto

iniciando no fascinante mundo da polinizao e

ainda no tm conhecimento suficiente em lngua

inglesa para apreciar as sutilezas dos conceitos e

a amplitude temtica deste belo campo de estudo.

Quando evoco Marlies em minha memria,

a primeira imagem que aparece o seu lindo

sorriso, que transmite sua profunda percepo

e grande inteligncia. Marlies um exemplo

de vida desenvolvido em um equilbrio entre

suas extraordinrias dedicao e paixo para

desenvolver conhecimento cientfico de excelncia

e a possibilidade de cultivar encantadoras relaes

humanas com sua famlia, colegas, orientados e

alunos. Sinto-me muito privilegiado de fazer parte

da grande famlia de Marlies.

(Verso original em espanhol)

El libro Biologia da Polinizao organizado por

Andr Rodrigo Rech, Kayna Agostini, Isabel Cristina

Machado y Paulo Eugnio Oliveira representa un

homenaje a la trayectoria de los Profs. Marlies e

Ivan Sazima, ya que la mayora de los autores se

ha formado con ellos. Marlies seguramente sentir

felicidad viendo como tantos orientados pueden

construir esta sntesis sobre polinizacin de 528

pginas, cubriendo aspectos ecolgicos, evolutivos,

sobre la conservacin de los polinizadores, entre

tantos otros. Su gran dedicacin a la buena ciencia,

su generosidad permanente e infinita paciencia

para escuchar, conversar y sugerir sutilmente los

posibles caminos en lo acadmico y en la vida en

que cada uno de sus orientados fue eligiendo y

recorriendo, tambin subyacen en la dedicacin

con que cada autor plasm su conocimiento

en cada captulo del libro. Es un libro valioso,

principalmente para todos aquellos alumnos que

se inician en el fascinante mundo de la polinizacin

y aun no tienen el suficiente nivel en lengua inglesa

para apreciar las sutilezas de los conceptos y la

amplitud temtica de este hermoso campo de

estudio.

Cuando evoco a Marlies en mi memoria,

lo primero que aparece es su imagen con una

hermosa sonrisa, la cual transmite su profunda

percepcin y gran inteligencia. Marlies es un

ejemplo de vida, desarrollada en un equilibrio

entre su extraordinaria dedicacin y pasin para

desarrollar conocimiento cientfico de excelencia,

y la posibilidad de cultivar encantadoras relaciones

humanas con su familia, colegas, orientados y

alumnos. Me siento muy privilegiado de formar

parte de la gran familia de Marlies.

LEONARDO GALEttO, Universidad Nacional de Crdoba Argentina

(Verso original em ingls)

The biology of South American plants and

their pollinators has proven to be richer and more

complex than we could ever have predicted, and

Brazilian scientists, as well as those from other

countries, continue to make new discoveries that

highlight the international importance of these

regions. Against this backdrop, the contribution of

Marlies and Ivan Sazima to Brazilian science cannot

be underestimated, both for the quality of their work

and for the inspiration they have provided to younger

colleagues. It is a legacy that demonstrates the best

of Brazilian ecological research.

(Traduo)

Marlies e Ivan Sazima tm sido um modelo e uma

inspirao para muitos alunos e colegas pelo excelente

trabalho no campo da biologia da polinizao.

Desejamo-lhes muitos anos bem-sucedidos em seus

empreendimentos cientficos.

(Traduo)

Marlies Sazima provavelmente a pessoa que mais

contribuiu individualmente para a nossa compreenso

da polinizao neotropical, e ela tem sido uma inspirao

para os estudantes de histria natural no Brasil e em outros

pases. Em seu trabalho, os Sazima misturaram observao

detalhada com compreenso ecolgica aguada para

JEFF OLLERtON, University of Northampton Inglaterra

PEtER E MARy ENDRESS, Institut fr Systematische Botanik, Universitt Zrich Sua

SCOtt ARMBRUStER, University of Portsmouth Reino Unido, e University of Alaska Estados Unidos

(Traduo)

A biologia de plantas da Amrica do Sul e seus

polinizadores tem provado ser mais rica e mais

complexa do que poderamos ter previsto e os

cientistas brasileiros, assim como os de outros pases,

continuam a fazer novas descobertas que destacam

a importncia internacional dessas regies. Neste

contexto, a contribuio de Marlies e Ivan Sazima para

a cincia brasileira no pode ser subestimada, tanto

pela qualidade do trabalho quanto pela inspirao

que forneceram para os colegas mais jovens. um

legado que demonstra o melhor da pesquisa ecolgica

brasileira.

(Verso original em ingls)

Marlies and Ivan Sazima have been a role model

and an inspiration for many students and colleagues

by their outstanding work in the field of pollination

biology. We wish them many more successful years

in their scientific endeavours.

(Verso original em ingls)

Marlies Sazima has probably contributed more

to our understanding of neotropical pollination

than any other single person, and she has been an

inspiration for students of natural history both in

Brazil and further afield. In their work, The Sazimas

have blended detailed observation with keen

Mensagens laudatr ias

(Traduo)

Em 1976, pouco depois de me tornar chefe do

departamento de Biologia Vegetal da Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP) (naquele tempo

chamado de Departamento de Morfologia e Sistemtica

Vegetais), fui abordado por Marlies e Ivan Sazima, que

perguntaram se eu poderia ler um trabalho que tinham

acabado de finalizar. Eu antecipei que poderia ser uma

tarefa rdua, porm mais tarde, naquele mesmo dia, eu

encontrei-me lendo com crescente interesse um relato

competentemente produzido reportando de forma

meticulosa observaes de campo na polinizao de

morcegos em Passiflora mucronata. Em contraste com

flores com formato de pincel ou de sino dos estudos

clssicos de polinizao com morcegos, existe a espcie

Passiflora, com flores apenas ligeiramente modificadas e

cinco estames, mas que abriu noite e atraiu morcegos.

Eu mal percebi, no momento, que esse trabalho seria a

minha introduo para uma srie mais ou menos contnua

de estudos cuidadosamente pesquisados sobre biologia

da polinizao que Marlies, Ivan e seus colaboradores

produziriam durante quase quatro dcadas.

(Verso original em ingls)

In 1976, shortly after I had taken over as Head

of the department of Plant Biology at Unicamp

(at that time the ineptly named Departmento

de Morfologia e Sistemtica Vegetais) I was

approached by Marlies and Ivan Sazima who

asked if I would read through a paper they had just

completed. I anticipated that this might be a bit of a

chore, but later that day I found myself reading with

growing interest a very competently constructed

paper reporting meticulously carried out field

observations on bat-pollination in Passiflora

mucronata. In contrast to the brush or bell-shaped

flowers of classic bat-pollination studies, here

was Passiflora species with only slightly modified

flowers and just five stamens, but which opened

at night and attracted bats. Little did I realize at

the time that this paper would be my introduction

to a more or less continuous series of carefully

researched studies in pollination biology that

Marlies, Ivan and their collaborators would produce

over almost four decades.

Mensagens laudatr ias

PEtER GIBBS, Plant Science Laboratories, University of St. Andrews Esccia

desvendar algumas das histrias de polinizao mais

emocionantes que conhecemos. , portanto, extremamente

apropriado que este importante livro sobre polinizao

em ecossistemas (principalmente) do Brasil seja dedicado

a Marlies e Ivan Sazima. Espero que esta obra inspire a

prxima gerao de bilogos especialistas em polinizao

tropical tanto quanto os Drs. Sazima tm inspirado a

gerao anterior. Este trabalho de alta qualidade sobre

a polinizao no Brasil ser cada vez mais importante no

futuro prximo, visto que enfrentamos crescentes ameaas

de transformao da paisagem, perda de biodiversidade

e servios ecossistmicos.

ecological understanding to unravel some of the

most exciting pollination stories we know of. It is

thus tremendously fitting that this important book

on pollination in (mostly) Brazilian ecosystems be

dedicated to Marlies and Ivan Sazima. I hope this

book will inspire the next generation of pollination

biologist as much as Drs. Sazimas have inspired the

previous. Such high-quality work on pollination in

Brazil will be increasingly important in the near

future as we face increasing threats of landscape

transformation and loss of biodiversity and

ecosystem services.

E que srie! A gama de vetores por si s

impressionante moscas sirfdeas, besouros, abelhas,

pssaros, mariposas falco, gambs, morcegos

e lagartos embora, eu tenha detectado certa

predileo por Trochilidae. Este trabalho abrange

estudos focados em espcies de cerca de 37 famlias

de angiospermas.

Marlies e seus colaboradores tambm foram

pioneiros em vrias vertentes: eles logo perceberam

que estudos one off de uma espcie de planta e

seus polinizadores tm suas limitaes, por isso

iniciaram estudos sobre as comunidades florestais,

efeitos de zonao altitudinal, fenologia de florao,

redes de polinizadores, eficcia do visitante

floral e sistemas de reproduo abrangentes

(autoincompatibilidade, distilia, dioicia). Em pouco

tempo os estudos foram publicados em revistas

internacionais, e alguns adotaram a moda universal

americana com ttulos peculiares: Nctar de dia e

de noite..., Pica-pau desfruta refrigerantes... e

Pequenos drages preferem flores a donzelas...

so os meus favoritos.

A alta qualidade dos estudos dos Sazima

incentivou a colaborao internacional de diversos

pesquisadores ao longo dos anos Stefan Vogel,

Leonardo Galetto, Andrea Coccuci e Jeff Ollerton

so apenas alguns exemplos que me vm mente.

Entretanto o mais importante, o cerne da misso

acadmica, talvez seja a abordagem de Marlies aos

estudos de biologia de polinizao, o que atraiu um

grande fluxo de timos ps-graduandos, imbudos da

importncia de um trabalho de campo de qualidade e

da necessidade de lucidez em documentos escritos,

e que posteriormente construram suas prprias

carreiras em diversas universidades brasileiras.

Tenho tido a sorte de contar com alguns desses

produtos da escola dos Sazima e t-los como meus

amigos.

And what a series! The range of vectors

alone is impressive, from syrphid flies, beetles,

bees, humming and passerine birds, hawk moths,

opossums, bats and lizards although I detect

a certain predilection for the Trochilidae. And

equally amazing, these papers encompass studies

focused on species of some 37 angiosperm

families.

Marlies et al. were also pioneers in various

ways: they soon perceived that one off studies

of a flowering plant species and its pollinators

have their limitations, and they initiated studies on

forest communities, effects of altitudinal zonation,

flowering phenology, pollinator networks, floral

visitor effectiveness, and embraced breeding

systems (self-incompatibility, distyly, dioecy).

And very soon the studies were published in

international journals, and some adopted the

then American but soon to be universal fashion

for quirky titles: Nectar by day and by night...

and Woody woodpecker enjoys soft drinks... and

Little dragons prefer flowers to maidens... are

my favourites.

The high quality of the Sazimas studies

encouraged international collaboration over the

years with diverse researchers Stefan Vogel,

Leonardo Galetto, Andrea Coccuci, Jeff Ollerton

are just a few that come to mind. But perhaps most

importantly, because it lies at the heart of the

academic quest, Marlies approach to pollination

biology studies attracted a stream of first class

post-graduate students who were in turn imbued

with the importance of good quality fieldwork,

and need for lucidity in written papers, and who

subsequently forged their own careers in diverse

Brazilian Universities. I have been fortunate to

count some of these products of the Sazima and

Ivan school as friends.

Mensagens laudatr ias

Mensagens laudatr ias

Alguns acadmicos se aposentaram e deixaram

o mundo acadmico para fazer outras coisas. Outros

se aposentaram, mas continuam a fazer pesquisas.

Esperamos que Marlies Sazima escolha a segunda opo.

Some academics retire and leave the University

world for other things. Others retire but continue

to do research. We must hope that Marlies Sazima

will take the latter option.

Biologia daPolinizao

Ilustraes: Raoni Rebouas

Seo 1

Fundamentos

Foto: Leonardo R Jorge

* Captulo 1 *

Biologia da polinizao: uma sntese histricaAndr Rodrigo Rech1 e Christian Westerkamp2

1 Instituto de Biologia, Universidade estadual de Campinas (Unicamp) Rua Monteiro Lobato, 255 CeP: 13083-970 Campinas-

SP Brasil Caixa postal 6190. e-mail: [email protected]

2 Agronomia, Universidade Federal do Cariri Rua Vereador Sebastio Maciel Lopes, s/n Bairro So Jos CeP: 63133-610

Crato-Ce Brasil.

N esse captulo tratada a evoluo do conhecimento em biologia da polinizao. Destacamos a relao da humanidade com as flores desde a constituio de grupos tribais at a contemporaneidade. Quanto ao aspecto cientfico apresentamos a histria da biologia da polinizao desde os primeiros registros formais at seu desenvolvimento ao longo do sculo XX. Apresentamos o cenrio europeu com as primeiras investi-gaes e debates tericos, bem como a expanso das pesquisas em biologia da polinizao para alm dessas fronteiras. No Brasil chamamos a ateno para a figura de Fritz Mller, um investigador simples e dedicado, que produziu uma vasta gama de dados e conceitos, utilizados inclusive no suporte teoria da evoluo de Charles Darwin. No mbito mais recente percebe-se um avano contnuo tanto na quantidade quanto na qualidade das pesquisas com a temtica que vem sendo desenvolvida no pas. Acreditamos que a histria da biologia da polinizao, permeada por muitas relaes de amizade e informaes debatidas entre pares com entusiasmo, servir de exemplo orientador do futuro dessas pesquisas no Brasil.

No sei ver nada do que vejo; vejo bem apenas o que relembroe tenho inteligncia apenas nas minhas lembranas.

(Les Confessions Jean Jacques Rousseau)

Ilustrao: Raoni Rebouas

28 Biologia da polinizao: uma sntese histrica

Pinturas nas paredes de cavernas sugerem que as flores encantam os seres humanos desde os tempos pr-his-tricos (Goody 1993). Entre os ndios brasileiros, flores so parte das explicaes acerca do surgimento dos seres humanos na Terra, revelando sua importncia esttica e representativa (Fig. 1.1; Pereira 1985). Mais do que fascinantes, as flores possuem uma funo que vai muito alm do deleite que podem proporcionar aos seres humanos. no mecanismo de polinizao, uma interao ecolgica que conecta mais de um milho de espcies de organismos, garante a perpetuao das angiospermas e fornece boa parte dos itens da dieta humana, que reside a invisvel importncia das flores (Waser & Ollerton 2006). Nesse captulo, apresentaremos parte da histria de como as flores passaram a ser entendidas como a unidade reprodutiva e dos processos que permeiam a polinizao.

De maneira geral, a ecologia da polinizao con-tribuiu e continua a contribuir de forma significa-tiva para o entendimento do mecanismo evolutivo e do cenrio natural no qual os organismos esto inseridos (Allan 1977, Willmer 2011). Estudos com cruzamentos de plantas estiveram na base de grandes revolues cientficas e econmicas, como a teoria evolutiva e a revoluo verde. Pensadores como Aristteles, Darwin, Mendel e tantos outros dedi-caram boa parte do seu tempo ao entendimento do processo reprodutivo em plantas e suas descobertas tiveram implicaes em inmeras outras reas do conhecimento.

Como registro histrico, os babilnios foram os primeiros a dar importncia a pequenos animais que possivelmente auxiliassem na produo de figos (Goody 1993). No entanto Herdotus, quando viajou ao Oriente, provavelmente foi o primeiro a trazer o reporte de um evento de polinizao em palmeiras. Entre os assrios ele descreveu ter presenciado uma cerimnia religiosa relacionada com o que mais tarde

se chamou polinizao. Nessa cerimnia, um homem subia em uma palmeira (provavelmente tamarei-ra) com flores masculinas e trazia as flores para um sacerdote que as colocava em contato com flores femininas e assim abenoava as colheitas da estao com a induo da frutificao (Maheshwari 1950). Atualmente no Oriente Mdio, especialmente no Iraque e nos Emirados rabes Unidos, a poliniza-o das tamareiras feita quase que exclusivamente de forma artificial. Nesses locais possvel cultivar apenas indivduos femininos e adquirir o suplemento de plen necessrio para polinizao diretamente de mercados locais (Iddison 2011).

Em um contexto investigativo, provavelmente Aristteles foi o primeiro a mencionar o mecanismo reprodutivo das plantas. No entanto, ao faz-lo, ele no reconheceu a presena de sexos diferentes em plantas (Maheshwari 1950). A maioria dos escritos da biblioteca de Aristteles foi repassada ao seu discpulo Theophrastus, que foi o primeiro a mencionar deta-lhadamente as flores. Em seu livro Investigaes sobre plantas (traduo livre) ele enfocou especialmente a fenologia e alguns aspectos morfolgicos das plantas que ocorriam na Grcia daquele tempo (Capps et al. 1916). Theophrastus abordou tambm a produo de odores em diversas partes das plantas, especialmente nas flores, bem como a diversidade de cores entre flores de ervas e de rvores. Ao descrever a interao entre abelhas melferas e o manjerico, ele recomenda a erva para a produo de mel (Capps et al. 1916). Essa foi, provavelmente, a primeira recomendao prtica decorrente de um estudo de interaes entre plantas e polinizadores.

Embora Theophrastus, Herdotus e Plnio tenham mencionado a possvel existncia de sexo em plantas, aps seus escritos o tema permaneceu adormecido por muito tempo. Durante os scu-los XV e XVI a questo de sexo em plantas foi

Andr Rodrigo Rech Christian Westerkamp 29

Figura 1.1 Breve resumo do mito sobre a origem da humanidade na cosmovi-so Irntxe-Manoki (retirado de Pereira 1985). No incio, todos os humanos vi-viam dentro de uma rocha. Um dia um ndio resolveu ver o que havia fora da pedra, ento transformou-se em uma ave (Urubuzinho) e saiu voando por uma abertura no alto da rocha. L fora ele viu animais, mata, campos e o que mais lhe chamou a ateno: as flores. Para demonstrar aos demais a beleza do mundo exterior ele coletou a flor que mais lhe impressionou, a flor da caro-binha ( Jacaranda decurrens). Quando retornou para dentro da pedra ele es-condeu o ramo florido embaixo da perna e, embora explodindo de felicidade por dentro, manifestou um rosto triste, pois estava novamente vendo a realidade de dentro da rocha. Explicou ento a to-dos como l fora era lindo e cheio de possibilidades e como dentro era um mundo sem graa. Para dar mostras do que falava, ofereceu aos irmos a flor que trouxera. Todos ficaram empolgados querendo tambm sair dali. Um velho enrugado lhes advertiu que ali dentro havia paz, sade e no se corriam riscos, enquanto l fora tudo era incerto e havia muita guerra. Os animais que de fora ouviram o desejo dos ndios de sair da pedra, resolveram ajudar. A paca, a cutia e a lavadeira tentaram roer a pedra, mas no conseguiram. Veio ento o pica-pau-de-cabea-vermelha e com seu bico forte abriu uma fenda na pedra. Comearam ento a sair os povos indgenas e no in-dgenas, cada um abrigando-se embaixo de uma rvore especfica. Ilustrao de Raoni Rebouas.

30 Biologia da polinizao: uma sntese histrica

novamente negada e at considerada um assunto obsceno (Maheshwari 1950). Nesse perodo, estames foram considerados rgos secretores. Foi apenas aps o invento do microscpio que Grew (1682), no livro Anatomia de plantas, retomou a descrio de estames como rgos masculinos das flores. Porm, apesar do avano quanto ao estame, o gro de plen continuava sendo considerado portador do eflvio vivificador, que, ao repousar sobre o estigma, induzia o ovrio a converter-se em fruto (Maheshwari 1950).

A primeira abordagem experimental da poliniza-o veio com Rudolph Jakob Camerarius, quando ele se tornou diretor do Jardim Botnico de Tbingen, em 1687 (Maheshwari 1950). Camerarius observou que amoreiras (Morus) femininas, quando cresciam afastadas de indivduos com flores masculinas, for-mavam apenas frutos com sementes abortivas. Com base nessa observao, ele cultivou alguns indivduos de flores pistiladas de Mercurialis annua, outra es-pcie dioica, em potes completamente isolados de indivduos de flores estaminadas, obtendo apenas frutos estreis. Os mesmos resultados foram obtidos ento com plantas hermafroditas de Ricinus communis (mamona) e de Zea mays (milho). Como concluso ele afirmou: No reino vegetal, a produo de sementes, que so o mais perfeito presente da natureza e o meio geral de manter as espcies, no acontece a menos que as anteras preparem, previamente, a planta jovem contida no ovrio. Essas observaes esto contidas na epstola: De sexu plantarum (Camerarius 1694), que configura o primeiro tratado experimental na histria da ecologia da polinizao.

Embora Camerarius tenha apresentado dados consistentes, suas concluses no foram unanime-mente aceitas. Johann Jakob Dillenius, ao descrever a cleistogamia (polinizao no interior de flores que no se abrem) em 1732, utilizou-a como um argumento a favor da inexistncia de sexo em plantas. Os estudos

reafirmando as concluses de Camerarius continua-ram sessenta e cinco anos depois, com Joseph Gottlieb Klreuter. O cenrio em que viveu Klreuter foi o do sculo XVIII, no qual destacou-se a taxonomia alavancada por Linnaeus. Alm de demonstrar a exis-tncia de sexos em plantas, Klreuter buscou provar a epignese (desenvolvimento de estruturas morfolgicas apenas aps a fecundao) em seus primeiros traba-lhos (Mayr 1986). Depois de seis anos trabalhando em So Petersburgo, na Rssia, Klreuter retornou Alemanha, onde foi diretor do Jardim Botnico de Baden. Na posio de diretor ele enfrentou conflitos com o chefe dos jardineiros; sem acesso ao jardim botnico, ele transferiu os experimentos para o jardim de sua casa, o que se encerrou aps casar-se e mudar-se para uma casa sem jardim (Mayr 1986).

Uma das marcas da obra de Klreuter foi a falta de hierarquizao da importncia de suas descobertas, o que tornou sua obra prolixa. Prova de sua minucio-sidade pode ser vista no teste da hiptese acerca da necessidade de fermentao do nctar para a forma-o de mel. Para isso ele coletou nctar de milhares de flores de laranjeira e as colocou para desidratar, verificando que no era necessria a fermentao. No entanto, para ampliar o poder da concluso, testou o mesmo experimento para outras 10 espcies (Mayr 1986). Testando a polinizao de uma espcie de Hibiscus, ele descobriu que algo como cinquenta a sessenta gros de plen eram suficientes para po-linizao. Mais do que sessenta no aumentava o nmero de sementes, porm menos de cinquenta o diminua progressivamente. Como uma flor produz muito mais gros de plen do que vulos, nascia a a ideia de competio sexual em plantas, a qual foi formalizada apenas no sculo XX.

Klreuter tambm se interessou pela hibridao, processo que igualmente despertou a ateno de Linnaeus. No entanto, muito do que foi classificado

Andr Rodrigo Rech Christian Westerkamp 31

como hbrido mostrou-se mais tarde ser espcie. Linnaeus ficou to convencido da importncia da hibridao na diversificao das angiospermas, que reformulou sua hiptese sobre a criao das espcies, tentando torna-l mais natural, mais conectada ao que ele via acontecer na natureza. Para ele, Deus teria, agora na nova verso, criado apenas a cate-goria taxonmica classe, e todas as infracategorias teriam surgido por hibridao. Klreuter discordou de Linnaeus por razes filosficas e religiosas. Como essencialista, Klreuter acreditava que o gro de plen continha a essncia masculina e a superfcie do estigma, o fluido feminino. Para testar isso, ele removeu a umidade do estigma de uma espcie e transferiu o lquido de outra espcie. Em seguida ele polinizou o tal estigma e constatou que, prova-velmente, o lquido retirado era incuo. Embora sua hiptese no tenha sido corroborada, ele permaneceu com ela e deixou o mecanismo aguardando por novos resultados (Mayr 1986).

Uma teoria anteriormente proposta por Theophrastus e Caesalpino afirmava que, na fe-cundao, a me prov a medula e o pai, o crtex. Klreuter, cruzando hbridos nos dois sentidos (ambos sendo pais e mes), revelou que ambos contribuem da mesma forma; para ele isso era uma evidncia de que as essncias se misturavam completamente (Mayr 1986). Com os resultados ele concluiu que era possvel transformar uma espcie em outra, o que consonava com as ideias da alquimia de trans-formao de metais em ouro, um forte paradigma da poca. O trabalho de Klreuter influenciou tambm os botnicos Michel Adanson, Grtner (pai e filho) e, especialmente, Darwin com a teoria evolutiva. No livro The variation of animals and plants under domestication, Darwin citou Klreuter 32 vezes.

Talvez o maior mrito da obra de Klreuter tenha sido sua inf luncia nas pesquisas de seu

contemporneo Christian Konrad Sprengel. Na obra chamada Das entdeckte Geheimniss der Natur im Bau und der Befruchtung der Blumen, que literalmente sig-nifica: O mistrio descoberto da natureza na construo e polinizao das flores, Sprengel fez aluso forma como Klreuter se referia polinizao por insetos, revelando a conexo terica entre ambos. Na obra de Sprengel, percebe-se a extrema modernidade com que lidou com polinizao h mais de duzentos anos. Guias e contineres de nctar, dicogamia (tambm tratada por Klreuter), hercogamia, polinizao por vibrao, flores que enganam e cognio em insetos polinizadores foram temas que perpassaram a sua obra e o evidenciaram como um cientista frente de sua poca (Vogel 1996).

No incio, a obra de Sprengel tambm foi te-leolgica, marca do paradigma vigente na poca e da sua formao familiar religiosa (Zepernick & Meretz 2001). Uma de suas primeiras indagaes no primeiro captulo de seu livro diz: Continuo sem entender por que a natureza sempre tem apenas suas principais propostas em mente... deixando cada flor existir meramente pelo tempo necessrio para a fertilizao... to logo o carpelo fertilizado todos os ornamentos florais so lanados fora... porque agora eles no tero mais serventia (Sprengel 1793).

No possvel ler a obra de Sprengel sem situ-la na sua histria de vida. Sprengel estudou teologia e filosofia e apenas interessou-se por botnica aps seu mdico, reconhecendo que ele era hipocondraco, recomendar-lhe como tratamento que evitasse am-bientes fechados (Zepernick & Meretz 2001, Vogel 1996). Sprengel acabou dedicando mais tempo botnica do que sala de aula, o que lhe trouxe problemas com pais e diretores do colgio onde tra-balhava. Para Wichler (1936), Sprengel jamais teria feito o trabalho que fez se tivesse estudado botnica na academia alem da poca. Como autodidata e

32 Biologia da polinizao: uma sntese histrica

com alto nvel educacional, estava em uma posio na qual podia pensar livre e intuitivamente. Como seu trabalho foi feito com nada mais do que uma lupa de bolso em ambientes naturais, ele nunca dependeu de financiamentos para suas pesquisas. Pesquisas ao ar livre eram algo inovador para a poca e Sprengel disse que tentava capturar a natureza em ao (Vogel 1996). Essas marcas do trabalho de Sprengel fazem um alerta no contexto atual de pesquisas, no qual, dadas as presses intitucionais, muitos pesquisadores tm preferido a produtividade em detrimento da criatividade, ousadia e profundidade dos trabalhos.

No fim de sua vida, devido sua baixssima aceitao no contexto cientfico, Sprengel voltou-se novamente para a filosofia, que era a sua formao, e abandonou completamente a botnica. A princi-pal razo de sua baixa repercusso na poca era o paradigma de que as plantas no devessem evitar a autopolinizao. Uma de suas frases a natureza parece no permitir que flor alguma seja fertilizada pelo seu prprio plen (traduo livre de Sprengel 1793, p. 34) soava extremamente inadequada. Uma vez que flores, assim como toda a natureza, teriam sido criadas em perfeita harmonia, interpret-las com uma viso materialista com finalidade em si mesmas era realmente ousado. Sprengel ainda menciona in-setos tolos sendo enganados, pilhagem de recursos e ideias que sugeriam certa desordem no sistema, o que era amplamente controverso para a poca.

Sprengel definiu a si mesmo como um filsofo botnico, sendo o primeiro a pensar em ecologia fun-cional na polinizao (Vogel 1996). No entanto ele nunca conseguiu se desvencilhar completamente de suas convices religiosas. Percebe-se, na descrio das estruturas e dos ajustes morfolgicos com polinizado-res, a nfase na expedincia. Na perspectiva filosfica de Toms de Aquino e Spinoza, a expedincia era a demonstrao clara da existncia de um deus criador.

A controversa influncia do pensamento criacionista o impediram, por exemplo, de entender flores que no produzem nctar mas oferecem apenas plen como recurso; nesse caso ele no conseguia entender a coexistncia da criao perfeita e o fato de uma mesma estrutura (plen) servir para duas funes distintas (Vogel 1996).

medida que os trabalhos de Sprengel e Klreuter evidenciaram a importncia do gro de plen, comeou-se a perguntar qual era exatamen-te sua relao com o vulo. Aparece a a figura do matemtico e astrnomo Giovanni Battista Amici, que, observando a superfcie estigmtica de Portulaca oleracea, acidentalmente viu um gro de plen ini-ciando a germinao. Ao observar uma estrutura em crescimento, ele permaneceu trs horas ininterruptas ao microscpio para descrever o que estava aconte-cendo. Foi assim que ele viu tambm o deslocamento de grnulos (ncleos celulares), ento se distraiu e perdeu as estruturas de vista. Na sequncia ele iniciou uma srie de estudos com tubos polnicos que lhe renderam a admisso na Academia de Cincias de Paris. Embora tenha feito estudos promissores, Amici encontrou forte oposio s suas ideias no grupo li-derado por Matthias Jakob Schleiden, que retomou o debate acerca da inexistncia de sexos em plantas com base tambm em estudos com tubo polnico (Maheshwari 1950).

Em uma reunio na Itlia, Amici tentou provar que o embrio no vinha do gro de plen, mas do vulo. Essa discusso seguiu com os debatedo-res de nimos exaltados at que, em 1847, Amici produziu evidncias mais convincentes estudando Orchis. A proposta de Amici foi apoiada por Wilhelm Hofmeister (1849) a partir de observaes em outras 38 espcies, mostrando que a clula que d origem ao embrio materna. Embora houvesse evidncias con-trrias, o grupo de pesquisa de Schleiden continuou

Andr Rodrigo Rech Christian Westerkamp 33

insistindo nas suas ideias sobre fecundao, recebendo inclusive um prmio da Universidade de Amsterd (The Imperial Institute of the Netherlands). Para finalizar o debate, Radlkofer (1856) escreveu uma monografia apoiando Hofmeister e, a partir da, Schleiden, entendendo a situao como uma derro-ta, mudou-se para Dresden, abandonou a pesquisa e passou a ensinar histria e filosofia (Maheshwari 1950). Percebe-se desse captulo da histria que o progresso cientfico bastante destoante de uma perspectiva linear e neutra, como acreditam alguns pesquisadores ingnuos. Boa parte dos paradigmas somente so superados com a substituio daqueles que os pensaram.

A embriologia vegetal de maneira geral avanou muito na segunda metade do sculo XIX. Strasburger (1877) confirmou a presena de dois ncleos no gro de plen de angiospermas. Em 1875, o zologo Oscar Hertwig definiu pela primeira vez a fertilizao (unio dos ncleos das clulas masculina e feminina). Aps quase vinte anos, a dupla fecundao em plantas foi descrita por Nawaschin (1898) e por Guignard (1899). Antes disso, Mottier (1897) j tinha obser-vado o segundo ncleo masculino prximo aos dois ncleos polares do vulo, no entanto interpretou como acidente o que poderia ter sido a descrio da fuso tripla. Mais interessante ainda foi quando Finn (1940), reanalisando lminas do pesquisador W. Arnoldi preparadas muito antes de 1898, iden-tificou claramente a fuso tripla, o que, no entanto, passou despercebido para Arnoldi (Maheshwari 1950). Esse ltimo fenmeno demonstra que descobertas no carecem apenas de serem observadas, mas tambm de conhecimentos prvios e de um arcabouo terico que permita sua interpretao. Nas palavras da professora de cincias Anne Martins, que despertou cedo na vida do primeiro autor desse texto o interesse pelo estudo da vida, no basta ver, preciso enxergar....

No campo da ecologia da polinizao propria-mente dita, aps os trabalhos de Klreuter e Sprengel, o conhecimento avanou lentamente, revelando a no linearidade do progresso cientfico. Apenas se-tenta anos mais tarde seus trabalhos foram redes-cobertos e amplamente promovidos por Charles Darwin. Alm de Darwin, nessa fase destacaram-se tambm os nomes de Hermann Mller, Severin Axell e Friedrich Hildebrandt, na Europa, Asa Gray e Charles Robertson, na Amrica do Norte, e Fritz Mller no Brasil.

Das 7.700 pginas publicadas por Darwin, 1.100 trataram de biologia floral (Schneckenburger 2009). O livro sobre orqudeas (Darwin 1862) foi o primeiro do autor a tratar de flores e desencadeou uma avalan-che de trabalhos nesta rea quando se avalia a lista de referncias contidas na traduo do livro de Hermann Mller (1883; ver tabela em Schneckenburger 2009). Um caso muito divulgado deste livro o da flor de Angraecum, cujo polinizador foi sugerido por Darwin, embasado no comprimento do esporo floral, e descoberto apenas 21 anos depois (e fotografado visitando a flor muito mais tarde, Wasserthal 1997). No entanto, mesmo antes da descoberta e do registro fotogrfico do polinizador de Angraecum, Fritz Mller j havia encontrado uma mariposa sul-americana com lngua to longa que demonstrava a existncia de bichos semelhantes quele previsto por Darwin (Mller 1873a, b).

O livro The different forms of flowers on plants of the same species foi o primeiro de Darwin a abordar os polimorfismos e a evoluo da dioicia em plantas (Darwin C. 1877). Foi em 1842, devido a problemas de sade, que Darwin e a famlia se mudaram para Down, em Kent (hoje um subrbio de Londres). Com mais espao e mais reas abertas, Darwin comeou ento a estudar plantas. Os estudos com plantas assumiram tamanhas propores que, mais tarde,

34 Biologia da polinizao: uma sntese histrica

ele despendia mais tempo s plantas do que a outros organismos (Allan 1977). Embora usando plantas para responder a numerosas perguntas, Darwin nunca se considerou um botnico.

No livro citado anteriormente, Darwin escre-veu: infinita diversidade de estruturas... para atingir exatamente o mesmo fim, a saber, a fertilizao de uma flor pelo plen de outra planta (Darwin 1877, p. 284). Esse trabalho marca o incio do seu interes-se em cruzamento de flores. Seguindo o texto, ele prope o grmen do que veio depois a ser a hiptese de segurana reprodutiva, explicando a evoluo da autocompatibilidade em Ophrys apifera dentro de um grupo de espcies autoincompatveis. Darwin usou redes para excluir os visitantes florais em cinquenta e sete espcies de cinquenta e dois gneros e depois considerou o desempenho da prognie, concluindo que a autopolinizao produzia uma prole de menor vigor.

No entanto ele mesmo reconheceu um vis em seus experimentos: foi um grande lapso do meu tra-balho o fato de no ter experimentado naquelas flores em que era difcil faz-lo (Darwin 1876, p. 387). Como estava interessado em polinizao cruzada, ele excluiu o grupo que lhe daria a melhor resposta, que seriam as plantas completamente autocompatveis. Entre os fatores que pesaram na escolha das plantas erradas estava o fato de terem corolas grandes e fceis de manipular, um problema que, segundo Barrett (2010), perdura pelas geraes de pesquisa-dores subsequentes. Como demonstrao da ateno que dedicou s plantas, a seguinte frase de Darwin parece bastante conclusiva: Eu no acredito que algo em minha vida cientfica tenha me dado mais satisfao do que entender o significado das estruturas das flores heterostlicas (Barlow 1958, p. 134).

Um problema que deixou Darwin intrigado por muito tempo foi a heteranteria (diferentes tipos de

anteras em uma mesma flor). Esse fenmeno ocorre em mais de 20 famlias e Darwin o estudou por mais de 20 anos. Em uma carta para Asa Gray ele escreveu: Eu estou agora tentando um experimento com Melastomataceae; eu suspeito muito de que os dois conjuntos de anteras possuem diferentes fun-es (Darwin 1887). No mesmo ano, dessa vez para Hooker, ele escreveu: com relao aos dois tipos de anteras... Estou muito decepcionado, gastei um tempo e um trabalho enorme com elas e no consi-go vislumbrar o significado dessas partes (Darwin 1887). Foram os irmos Fritz e Hermann Mller que esclareceram o assunto (Mller 1881a, 1881b, 1882, Mller 1883). Baseando-se em muitas observaes no Brasil, feitas por Fritz, eles falaram em anteras de alimentao e de polinizao como uma diviso de trabalho na flor. Vallejo-Marin et al. (2009) usaram um experimento simples, colando os poros dos dois tipos de anteras, e confirmaram a hiptese dos ir-mos Mller. Esse exemplo mostra como problemas antigos muitas vezes carecem apenas de criatividade para serem solucionados.

medida que a teoria evolutiva de Darwin come-ou a ser divulgada e aceita, outros pesquisadores co-mearam a considerar sua utilizao na interpretao de seus resultados. Um deles foi Frederico Delpino, que, embora se autodenominando evolucionista, integrou suas explicaes com a participao da in-teligncia psicovitalstica. Ao mesmo tempo em que tentava usar os princpios da teoria de Darwin, Delpino permanecia com uma teleologia equivalente de Sprengel (Aliotta & Alliota 2004). Delpino refinou a classificao ecolgica de Sprengel e criou termos como ornitofilia, melitofilia e assim por diante. Delpino e Hermann Mller trabalharam basicamente com o mesmo objeto de estudo, mas divergiram na abordagem, o primeiro mais interessado em padres e o segundo mais interessado em autoecologia. Essa

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divergncia suscitou boa parte das crticas de Mller s concluses de Delpino (ver introduo da Seo 3 deste livro).

Delpino dividiu com Sprengel tambm o fato de ser professor e a recomendao de trabalhar em ambientes abertos como o jardim em decorrncia de problemas de sade (Mancuso 2010). Ele planejou uma viagem de estudos ao redor do mundo, mas por falta de recursos financeiros a viagem foi interrompida antes do final planejado; no entanto ele esteve no Brasil e realizou coletas no Rio de Janeiro. Em seus estudos com asclpias e orqudeas, apoiou Thomas Andrew Knight e Charles Darwin, reafirmando que nenhuma espcie deveria ser autopolinizada indefi-nidamente. A esse princpio Darwin chamou Lei de Knight (Faegri & Pijl 1979). Alm disso, ele tambm mostrou claramente que o hermafroditismo no im-plicava necessariamente autopolinizao (Aliotta & Aliotta 2004).

Em sua primeira classificao das plantas con-forme o modo reprodutivo, Delpino as separou em anemfilas e zofilas. Mais tarde refinou a segun-da categoria em subcategorias, como: entomfilas, ornitfilas e malacfilas, entre outras. Alm disso, tambm ofereceu explicao para a existncia de cores em flores e as classificou em: ordinrias, brilhantes, metlicas e pretas (Aliotta & Aliotta 2004). Props ainda uma hierarquia de percepo das cores basean-do-se no contraste com um plano de fundo verde na seguinte ordem: branco, amarelo, vermelho, vermelho vibrante, prpura e azul, bem como inferiu que a mudana de cores de acordo com a idade das flores teria importncia na sinalizao aos polinizadores (Aliotta & Aliotta 2004).

Com relao aos odores, Delpino classificou 45 tipos e abordou inclusive uma possvel funo re-pelente, o que o contextualiza em uma discusso

extremamente atual sobre a funo de odores florais (Junker & Blthgen 2010). Para os atrativos criou onze categorias, destacando nctar e plen, os quais, neste livro, so tratados como recursos (Captulo 6). Alm disso, props a criao das reas de pesquisa de biologia vegetal, dedicada a estudar a questo funcio-nal e a biologia floral, que seria dedicada apenas s flores. Ele defendia que a morfologia nunca deveria ser estudada sem uma abordagem funcional. Nas suas palavras: sem o suporte da biologia, o que a morfo-logia seno a mera e estril contemplao de formas e metamorfoses... (Delpino apud Mancuso 2010).

Contempornea a Delpino e Darwin, por uma feliz coincidncia no Brasil, se fez a trajetria de Fritz Mller, que estudou um grande leque de interaes entre organismos (Westerkamp 2013, Westerkamp et al. 2013). Em comparao com o seu irmo, ele fez uma contribuio modesta na rea de ecologia da po-linizao, no entanto estimulou muitas pesquisas com as suas primeiras observaes do uso, por exemplo, da coleta de nctar em membracdeos por abelhas; de abelhas que pilham colnias de outras espcies em vez de visitarem flores; de abelhas que usam carne em decomposio em vez de plen; de abelhas que coletam leos gordurosos e de abelhas cujos machos coletam perfumes (detalhes em Westerkamp 2013).

Um trabalho que se destacou e ainda citado, at mesmo literalmente (Weiss 1991) foi o da mu-dana de cores durante a antese em Lantana (Mller 1877a, 1877b), especialmente nesse trecho: apenas as flores jovens de cor amarela so frteis, possuem nctar e valem visitas. As flores mais velhas (verme-lhas) permanecem na inflorescncia e, pelo contraste, deixam as poucas flores frteis mais vistosas (traduo dos autores). Em feijoa (Acca sellowiana, Myrtaceae), ele descobriu a polinizao por grandes pssaros fru-gvoros. As aves devoram as bagas brancas (ptalas suculentas) que circundam o androceu vermelho com

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o qual contrastam fortemente (detalhes em Sazima & Sazima 2007). Na verdade, o primeiro a obser-var os polinizadores (aves do gnero Thamnophilus popularmente conhecidas como chocas) foi seu neto Hans Lorenz, ento com quase cinco anos, colocado pelo av ao lado da planta para esperar os visitantes (Mller 1886). Assim, podemos dizer, hoje, que o mais jovem eclogo da polinizao do mundo nasceu no Brasil.

Fugitivo da Alemanha porque viveu seguindo rigorosamente as suas convices ideolgicas e por isso no conseguiu emprego, Fritz recomeou a vida em plena Mata Atlntica no Brasil. Como colono bem formado viveu de olhos atentos na mata, conectado floresta, observando-a continuamente. Estudou a natureza, sempre com questes inovadoras que nasciam da observao atenta, do raciocnio criati-vo e da enorme capacidade de sntese. Fritz Mller demonstrou, na prtica, como chegar ao conheci-mento sem aparelho algum. Um bom exemplo o estudo da descarga explosiva de plen em Posoqueria (Rubiaceae), no qual ele at conseguiu determinar o ngulo e a velocidade do disparo, utilizando apenas ferramentas caseiras simples (Mller 1866).

Com um bom conhecimento em matemtica, ele sempre acumulou grande nmero de repeties, s vezes milhares, antes de descrever um novo caso (Westerkamp 2013). Foi o primeiro a usar uma argumentao matemtica na biologia de popula-es quando estudou um novo tipo de mimetismo (Mller 1879), posteriormente chamado de mime-tismo mlleriano. O modelo matemtico criado por ele to simples, que Zillig (2011) ousou republicar os nmeros originais na sua coluna em um jornal dirio no sul do Brasil.

J Hermann Mller foi, provavelmente, o maior observador das interaes entre flores e insetos

(Proctor et al. 1996). Depois do doutorado, ele se destacou como coletor de musgos e colepteros (Schmidt-Loske et al. 2013). Em 1873, ele publi-cou o primeiro de dois livros importantes, alm de inmeros artigos cientficos (Hxtermann & Schneckenburger 2010). Em um dos seus artigos, discute as ideias sobre a viso em cores das abelhas melferas (Mller 1882). O primeiro livro: A ferti-lizao das flores por insetos e as adaptaes mtuas de ambos; uma contribuio para o conhecimento da relao causal na natureza orgnica (traduo livre), traz, pela primeira vez, o que ele descobriu sobre as adaptaes de insetos s flores e vice-versa tudo isso na perspectiva de um morador da Europa Central, j que Hermann nunca viajou para alm desta rea. Insetos e flores foram tratados equivalentemente pela primeira vez por isso seu trabalho representa o primeiro livro sobre ecologia floral. No livro ele trata intensamente a coadaptao ou coevoluo de flores e insetos sem ainda usar estes termos (Schneckenburger 2010). Darwin o achou to impor-tante, que mandou traduzi-lo para o ingls (Mller 1883). A obra em ingls no representa uma simples traduo, sendo na verdade uma reviso crtica que contm muitos novos resultados, os quais podem ter sido, inclusive, introduzidos sem conhecimento do autor.

Darwin e os irmos Mller formaram uma rede mais ntima de troca de informaes, o tringulo Down-Blumenau-Lippstadt, no qual os trs influen-ciaram-se mutuamente (Schneckenburger 2013). Fritz Mller foi um dos mais importantes informantes de Darwin, atrs apenas de Hooker (Darwin 1899). No caso de Hermann Mller, foi o irmo Fritz que o dirigiu para a ecologia floral. Sabendo dos seus inte-resses em entomologia e em botnica, ele o estimulou a estudar as interaes entre insetos e flores com a frase: L, com certeza, ainda h uma imensido

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de novidades para se descobrir (carta de FM para HM, 1/7/1866). Essa frase com toda certeza pode ser repetida aos eclogos da polinizao brasileiros, pois aqui tudo isso continua vlido mesmo cento e cinquenta anos depois de a frase ter sido dita. Quando Fritz soube que o irmo continuava titubeando, ele lhe escreveu na prxima carta sugerindo um proje-to vitalcio de pesquisa, o qual utilizava o livro de Sprengel como ponto de partida (carta de FM para HM, 29/10/1866) a dica do livro veio do prprio Darwin, que j o conhecia desde 1841, por indicao de Robert Brown (Darwin 1887, p. 258). O tringulo Down-Blumenau-Lippstadt chama ateno para a importncia da discusso amigvel entre pares para o avano do conhecimento.

Um antecessor importante de Hermann Mller, tambm correspondente de Darwin e Fritz Mller, foi Friedrich Hildebrand (Schneckenburger 2010). Ele aproveitou as sugestes de Darwin sobre a sexualidade das flores (Junker 2011) e estudou a distribuio dos sexos nas plantas e a lei da autofertilizao evitada e desvantajosa (Hildebrand 1867), tema que tornou-se ttulo do seu primeiro livro. Ele tambm foi o primeiro a ter uma ideia sobre a fsica da retirada de plen por vibrao (Hildebrand 1865): no seu texto, ele imitou, onomatopaicamente (e convincentemente), as diferentes frequncias do zumbido de Bombus em voo e coletando plen.

No desenvolvimento das pesquisas com ecologia da polinizao, a virada para o sculo XX foi marcada no mbito europeu pela obra monumental de Paul Knuth: Handbuch der Bltenbiologie (Knuth 1898a, 1898b, 1898c), continuada aps sua morte por Otto Appel e Ernst Loew (Knuth et al. 1904a, 1904b). Ao longo das 2.972 pginas dessa obra, os autores sin-tetizaram o que se sabia at ento acerca da ecologia da polinizao para plantas. O perodo histrico que se sucedeu morte de Paul Knuth foi politicamente

agitado na Europa, especialmente na Alemanha, em tempos de Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Nesse contexto, os principais avanos cientficos se deram nas reas de fsica, qumica e fisiologia, no entanto a ecologia, ento nascendo como cincia, incorporou ferramentas e ideias das reas em franco desenvolvimento e aos poucos consolidou-se como uma fonte de importantes conhecimentos.

Carl von Hess, em 1912, usando conhecimen-tos da fisiologia humana, fez um trabalho no qual defendia que as abelhas no enxergavam cores. Essa hiptese era revolucionria, uma vez que falseava as ideias de Sprengel, Delpino e Darwin acerca das cores como atrativos sujeitos a seleo natural. Dessa forma, suas ideias foram a motivao para o surgimento da linha de pesquisa de cognio em polinizadores (Captulo 19). Nessa linha de pesquisa destacou-se Karl von Frisch, que fez inmeras descobertas, entre elas provou que as ideias de Hess eram equivocadas (Meeuse 1961).

Estudando a viso em abelhas melferas, Frisch props que elas enxergam quatro categorias de cores, o que serviu de motivao para que ele buscasse na natureza as combinaes que fossem mais facilmente detectveis por elas. Aps estudar flores de noventa e quatro espcies, encontrou as combinaes que ele havia pressuposto como mais contrastantes na maioria delas. Esse achado corroborou as ideias de Hermann Mller de que os padres de cores na natureza no eram coincidncias. Igualmente para o paladar, Frisch demonstrou que abelhas podem diferenciar quatro categorias. Ele descobriu ainda que, quando em ina-nio, abelhas so capazes de detectar quantidades pequenas de acar diludo em gua, embora nem mesmo assim se comparem s borboletas, que seriam ainda mais sensveis a quantidades muito diludas (Meeuse 1961).

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A abordagem experimental em laboratrio foi a marca clara dos trabalhos de Frisch. Em experi-mentos de treinamento com abelhas melferas, teve sucesso com quase todos os odores testados, embora nunca tenha conseguido atrair e treinar abelhas para substncias com cheiro de carne em decomposio ou peixe. Teria sido uma surpresa para Frisch ver os estudos de Fritz Mller, descrevendo espcies de abelhas-sem-ferro que utilizam carne como fonte proteica no lugar de plen. Para entender a distino na percepo de cores e odores, ele desenvolveu os experimentos com amputao de antenas, os quais revelaram que as abelhas no percebem apenas os odores, mas tambm a forma das estruturas que cheiram (Meeuse 1961). O achado mais famoso na carreira de Frisch foi a descrio da dana utilizada pelas abelhas europeias (Apis mellifera e hoje se sabe tambm por algumas espcies de Meliponini) para informar outras forrageiras dentro da colmeia acerca da localizao de fontes de alimento (Frisch 1927). Na poca da publicao o trabalho no foi levado muito a srio, mas terminou por render Frisch, juntamente com Nikolaas Tinbergen e Konrad Lorenz, o prmio Nobel de Fisiologia em 1973.

Em paralelo ao desenvolvimento dos trabalhos de Frisch, Fritz Knoll iniciou uma srie de estudos denominada Insetos e flores, investigando cognio em moscas e borboletas. Usando cmaras de vidro, ele identificou o papel de cor e odor na atrao de Bombylius fuliginosus (Diptera). Em parceria com Dora Ilse descobriu que Macroglossa stellatarum en-xerga cores no espectro do vermelho, alm de possuir preferncias inatas (Captulo 19). Knoll tambm investigou a funcionalidade de guias de nctar uti-lizando um experimento muito criativo. Para tes-tar a capacidade de mariposas detectarem guias de nctar e as utilizarem na localizao do recurso, ele utilizou duas chapas de vidro e prensou flores entre

elas, mudando a posio das flores e das partes flo-rais isoladamente. No momento em que a mariposa tocava a placa de vidro, a probscide deixava uma marca nela, a qual era depois corada para interpre-tao. Os resultados sugeriam a funo claramente indicativa do nctar pelas guias. Posteriormente, Aubrey Manning demonstrou que as guias de nctar eram detectadas apenas em distncias muito curtas, eliminando assim a possibilidade de que elas funcio-nassem como atrativos florais em geral (Meeuse 1961).

Contemporaneamente a Frisch e Fritz Knoll na Alemanha, Frederic E. Clements e Frances L. Long, nos Estados Unidos, formalizaram o que pode ser entendido como o primeiro tratado metodolgico da ecologia da polinizao, preocupados especial-mente com o desenho experimental para coleta e anlise de dados na rea. O livro Polinizao experi-mental: uma viso geral da ecologia de flores e insetos (Experimental pollination: an outline of the ecology of flowers and insects) consiste em estudos de casos com espcies alpinas e nfase clara na tomada de dados e no suporte experimental das afirmaes de cunho ecolgico. Com relao ao uso indiscriminado de listas de espcies para interpretaes de interaes ecolgicas os autores afirmam: impossvel indicar a importncia de insetos para uma flor usando listas de espcies, porque o esforo para aumentar a lista incorre no exagero da importncia de espcies raras e casos excepcionais (Clements & Long 1923, p. 6, traduo livre). Ao longo do sculo XX vrios outros livros foram dedicados a orientaes metodolgicas em ecologia da polinizao (e.g., Faegri & Iversen 1989, Dafni 1992, Kearns & Inouye 1993, Dafni et al. 2005).

Voltando-se para o cenrio dos trpicos, um dos temas que praticamente surgiu e foi desenvolvido ao longo do sculo XX foi a polinizao por vertebrados (Captulo 14). Antes desse perodo, apenas alguns

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comentrios isolados so encontrados na literatura. Georg Eberhard Rumpf (tambm latinizado como Georgius Everhardus Rumphius) e Mark Catesby j haviam reportado aves em visitas a flores antes da segunda metade do sculo XVIII, mas no fize-ram associao alguma com polinizao. A primeira descrio nesse sentido foi feita por Thomas Belt, que relatou a polinizao por aves em Marcgravia nepenthoides no livro O naturalista na Nicargua (Belt 1874). Em detrimento dos comentrios feitos previamente acerca da polinizao por vertebra-dos, Otto Porsch e Stefan Vogel figuram entre os principais nomes no estudo desses polinizadores, especialmente morcegos e aves, ao longo do sculo XX nas regies tropicais.

Outras contribuies importantes no entendi-mento da ecologia da polinizao de espcies tropicais foram feitas por Herbert G. Baker. Os destaques vo para estudos com polinizao por morcegos na frica, mimetismo e polinizao por engano em flores de uma mesma espcie, sistemas reprodutivos e fenologia de espcies tropicais (Koptur 2006). Baker atuou tambm no entendimento da produo, com-posio e ecologia de nctar e nectrios, tema que Stefan Vogel tambm estudou brilhantemente (Vogel 1997). A regra de Baker, nomeada em aluso s suas ideias (Stebbins 1957), postula que espcies hbeis a colonizar ambientes insulares devem ser autocom-patveis (Baker 1955). Essa regra foi posteriormente adaptada para explicar colonizao de novas reas, no apenas ilhas, englobando tambm generalizao da polinizao, e no apenas flexibilizao do sistema reprodutivo (Faegri & Pijl 1979).

Na segunda metade do sculo XX, pode-se dizer que o conhecimento em biologia da polinizao avan-ou em duas frentes, uma focada em padres e outra, em processos. Na frente baseada em processos houve um esforo de reaproximao dos conceitos genticos,

com os quais a ecologia da polinizao dialogou muito pouco na primeira metade do sculo, quando as ideias de Mendel foram redescobertas. Nesse cenrio des-tacaram-se os nomes de Eric Charnov, David Lloyd, Debora e Brian Charlesworth, entre outros. En