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Dez jovens repórteres saíram em busca de personagens que ilustram uma das principais balizas do jornalismo: toda história tem, pelo menos, duas versões Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Sul Edição 3 Porto Alegre Dezembro 2013 Venda Proibida ESPM-Sul lados 2

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Jornal da Faculdade de Jornalismo da ESPM-Sul

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Dez jovens repórteres saíram em busca de personagens que ilustram uma das principais balizas do jornalismo: toda história tem, pelo menos, duas versões

Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Sul

Edição 3Porto Alegre

Dezembro 2013Venda Proibida

ESPM-Sul

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JORNAL BLOG DE PAPEL é uma publicação semestral dos alunos do curso de Jornalismo da ESPM-Sul na disciplina de Oficina de Redação I. DIREÇÃO DA FACULDADE DE JORNALISMO: Prof. Dra. Janine M. P. Lucht. Equipe da Edição Número 3 (Agosto/Dezembro de 2013): TEXTOS: Ana Lívia Monção, Eduarda Lemos, Eric Raupp, Isabella Westphalen, Juliana Baino, Marina Krapf, Mariana Azevedo, Nicolle Manduré, Victória Campos, Vinícios Sparremberger. Coordenação de Conteúdo: Profa. Dra. Ângela Ravazzolo. FOTOS: Amanda Treter; Camile Fornasier; Carolina Hickmann; Carolina Pascuetti; Danilo Pedrazza; Guilherme Thofehrn; Lauren Graef; Lucas Abati; Mariana Ceccon; Felipe Braun; Marthin Manzur; Matheus Pandolfo; Roberta Santiago; Thamara Riter; Valeska Linauer; Vicente Lütz. Foto da capa: trabalho conjunto da turma CSJ4-02/2013. Orientação: Prof. Vlademir Canella. Coordenação do Design Editorial e Produção Gráfica: Vinícius Kraskin / Kraskin Comunicação. Criação do nome do Jornal Blog de Papel desenvolvido por Micaela Ferreira e Richard Koubik e projeto gráfico por Eduardo Diniz e Marcos Mariante. Nossos contatos online: portaldejornalismo-sul.espm.br – ESPM – Sul – Rua Guilherme Schell, 350 e 268 - Santo Antônio - Porto Alegre - RS, 90640-040 - (0xx)51 3218-1300.

Impressão: Gráfica Odisséia - Tiragem: 1.000 exemplares.

Toda história tem, pelo menos, dois lados. As 16 páginas desta edição do

Blog de Papel foram produzidas por um time empenhado em construir um recorte jornalístico sobre personagens e situações marcadas por rupturas, contradições e transformações.

O leitor vai encontrar surpresas, como o encontro do homem que combateu a ditadura militar com o jovem que se destacou nas recentes manifestações de junho. Ou ainda as contradições de Priscila, que se transforma em Fernandinha, compondo a vida dupla de uma garota de programa que estuda Psicologia.

As mudanças também estão presentes em perfis como o de Rose Guindani, que, aos 62 anos, inicia um novo momento. Nas páginas 12 e 13, os perfis dos artistas Britto Velho e Calu formam, juntos, um retrato das diferenças e dos contrastes que podem marcar uma mesma atividade profissional.

A parceria com a turma da disciplina de Fotojornalismo garantiu boas imagens estampadas no papel e permitiu a interlocução entre imagem e texto, fundamental no jornalismo impresso.

O trabalho ao longo do semestre aconteceu em mão dupla: alunos e professora confirmaram que erros e acertos são a essência do aprendizado. Assim como os personagens das reportagens, enfrentamos todos um processo de transformação, focados na busca caprichada pelo objeto mais desejado de todo repórter: uma boa história.

Ângela Ravazzolo

10 autores em busca de um personagem

EXPEDIENTE EDITORIAL

VINÍCIOS SPARREMBERGER, 21 ANOSProduziu uma reportagem que retrata os desafios enfrentados por duas pessoas que decidiram assumir sua sexualidade

3EDUARDA LEMOS, 19 ANOSApurou a reportagem sobre um ex-dependente químico que encontrou um novo caminho de vida por meio da religião.

10

MARINA KRAPF, 18 ANOSEscreveu a matéria do gremista fanático que mora ao lado da Arena e nunca conheceu o estádio do seu time de coração por não ter condições financeiras.

4VICTORIA CAMPOS, 18 ANOSEntrevistou Carlos, um homem que conviveu com a magia negra durante os primeiros anos da sua vida e hoje é pastor.

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ANA LÍVIA MONÇÃO, 18 ANOSFez reportagem sobre a reviravolta na vida de uma senhora de 62 anos que decidiu se separar do marido para viver a terceira idade em estado de liberdade e tranquilidade.

6ERIC RAUPP, 18 ANOSTraçou dois perfis de personagens que vivem da arte: Calu, pintor sonhador e que expõe no Brique da Redenção, e Britto Velho, renomado artista gaúcho.

12

NICOLLE MANDURÉ, 18 ANOSContou a história de uma estudante de Psicologia que usa um pseudônimo para se prostituir e sustentar a família.

7ISABELLA WESTPHALEN, 18 ANOSRealizou a reportagem sobre a falta de luz elétrica na Ilha do Pavão, em Porto Alegre, em pleno século XXI.

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MARIANA AZEVEDO, 18 ANOS Entrevistou o último preso político solto do Estado, Antônio Losada, e o ativista dos direitos humanos Matheus Gomes, que participou das manifestações de junho.

8JULIANA BAINO, 23 ANOSFoi a responsável por acompanhar e contar como foram os bastidores da realização do Blog de Papel de 2013.

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Vinícios Sparremberger

Insegurança, medo e rejeição. A decisão de assumir a sexualidade diante da família é a grande

dificuldade de quem se sente atraído por uma pessoa do mesmo sexo. Gabriel Galli Arévalo e Luana são homossexuais e suas histórias de aceitação e rejeição, respectivamente, revelam dois lados dessa realidade.

A situação chave tanto na vida de Luana quanto na de Gabriel aconte-ceu no momento em que eles aceita-ram a própria sexualidade e decidiram assumi-la frente à família. Ela, aos 13 anos e ele, aos 15, encararam as con-sequências e contam que demonstrar o verdadeiro sentimento é libertador.

– A partir do momento em que tu te assumes, te sentes podendo ser inte-gralmente você. Se existe algo errado, são as coisas que as pessoas pensam, não o que eu sinto – desabafa Gabriel.

Há dois anos, ele mantém um rela-cionamento com o parceiro e tem total apoio dos pais. Mas esse processo de aceitação não foi simples.

– Quando minha mãe descobriu e falou para meu pai, ele não aceitou, disse que era outra fase e, durante al-gum tempo, evitaram o assunto como se realmente fosse passar – recorda.

O tempo nem sempre consegue mudar o pensamento da família, como é o caso de Luana, cuja histó-ria revela uma realidade. Aos 42 anos, lembra o quanto precisou ser forte para se assumir travesti:

– A maior parte da minha criação aconteceu em São Paulo, onde morei com a minha tia, e ela nunca aceitou o fato de eu não ser como a sociedade determina – enfatiza.

Luana nasceu em São Raimundo Nonato, no Piauí. Aos nove anos, foi morar com tios no Sudeste. A mudan-ça alterou o rumo da história de Lua-na. A partir daquele momento, a vida

ganhava contornos de dificuldade. – Minha postura demonstrava que

eu não era como os outros, e isso co-meçou a incomodar meus tios – conta.

Mesmo sem entender, sabia que havia algo que não condizia com o que falavam sobre a postura masculina.

Gabriel também teve um processo de aceitação pessoal complicado:

– Desde criança, fui efeminado e mais delicado. As pessoas me chama-vam de bicha. Com o tempo, percebi que eu não gostava tanto de garotas e gostava mais de garotos.

Após assumir a sexualidade, ele e a família viveram momentos difíceis. A relação começou a melhorar depois que ele voltou de um intercâmbio na

Costa Rica, na América Central. – Quando perceberam que doeu

perder o contato, pararam para pensar se valia a pena perder o filho por não aceitar o que acontecia – explicou.

Atualmente, formado em Jornalis-mo, Gabriel trabalha e mora em Porto Alegre e ressalta que o convívio com os pais acontece com naturalidade.

– Hoje percebo que o fato de seu ser homossexual não diminuiu o orgu-lho que eles têm de mim.

Luana, após assumir a sua sexuali-dade, precisou enfrentar a convivência diária de quem não a aceitava.

– Minha tia não aceitava. Apanhei muito. Para ela, aquilo era uma doença, ela me levou no médico várias vezes.

Durante o período em que viveu sob a tutela da tia, a rigidez a fez fu-gir de casa várias vezes, mas sempre acabava voltando, voluntariamente ou obrigada. Mesmo não tendo apoio, Luana permaneceu ao lado da tia até os últimos dias de vida. Quando ques-tionada se em algum momento a tia chegou a desculpar-se, ela revela nega-tivamente, com o balançar da cabeça.

Luana e Gabriel não são duas histórias isoladas, representam outros milhares de brasileiros. Para Luana, a aceitação social ainda é superficial:

– Diariamente, precisamos convi-ver com o olhar preconceituoso das pessoas. Eu sei que isso não vai acabar, mas tenho esperança que diminua.

CONTRA O PRECONCEITO

Mesmo em pleno século XXI, homossexuais e travestis ainda enfrentam obstáculos para assumir sua opção sexual. As histórias de Gabriel e Luana revelam nesta reportagem duas faces dessa realidade e confirmam que contar com o apoio da família é sempre fundamental

A dor e a alegriade uma decisão

Apesar dos desafios iniciais com a família, o jornalista Gabriel Galli Arévalo, 23 anos, hoje sente verdadeiramente o apoio dos pais para a sua opção

ORGULHO

“Hoje, eu percebo que o fato de euser homossexual não diminuiu o

orgulho que eles (os pais)têm de mim”, conta Gabriel.

DIFICULDADE

“Ela colocava a polícia atrásde mim quando eu demorava avoltar para casa. Era difícil quandoeu não apanhava”, recorda Luana.

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Figurinhas do campeonatoRafael nasceu em São Paulo, mas

morou grande parte de sua infância em Recife. Ele garante que foi no nordeste brasileiro que começou a se identificar com o time tricolor de Porto Alegre. “Antes de vir pra cá, assisti a um jogo de um time de Reci-fe contra o Grêmio, na verdade nem me lembro qual jogo era e quantos anos eu tinha, mas o Paulo Nunes es-tava. Aí, nessa época, eu colecionava as figurinhas do campeonato brasi-leiro e comecei a me interessar pelo Grêmio”, relembra.

Com 13 anos, o torcedor gremis-ta veio para Porto Alegre devido a uma proposta de emprego recebida pela mãe. Rafael deixou a família toda na capital de Pernambuco e nunca mais retornou. “Sinto falta de família grande, quando brinca-va com meus primos na praia e nas árvores. Pretendo voltar”, recorda, emocionado. Ele garante que ainda consegue sentir o cheiro do peixe que tanto gostava de comer na com-panhia da família.

A paixão pelo tricolor começou a ficar mais forte com as influências dos chefes de sua mãe. Eles o pre-senteavam com camisetas do clube e visitas à Churrascaria Mosquetei-ro. “Adorei. Foi assim que me tor-nei gremista de verdade”, explica. Desde então, passou a acompanhar o time mais de perto, literalmente, quando a Arena ficou pronta a pou-cos metros de sua casa. “Eu imagi-no, pelo pouco que consigo ver na televisão, que seja muito grande. Fico emocionado, pensando como seria se eu estivesse lá”, fala, com um sorriso.

Porém, assim como todo bom torcedor da dupla Gre-Nal, ele gos-ta mesmo é de provocar os rivais colorados. “Tenho alguns vizinhos colorados na frente da minha casa, e sempre que o Grêmio ganha eu vou

lá gritar pra eles. Eles ficam falando do Beira-Rio, mas nem ficou pronto ainda. Acho que a Arena vai continu-ar sendo o mais bonito do Rio Grande do Sul, afinal, o Estádio do Inter foi só uma reforminha”, provoca.

O fã de Paulo Nunes acredita que virou mais gaúcho do que muitos nas-cidos no próprio estado dos pampas, devido à grande admiração pelo chi-marrão que também foi apresentado pelos patrões de sua mãe.“Não sou daqui, mas sou viciado em chimarrão. Tomo todos os dias. Sou mais gaúcho que muito gaúcho.”

Aposta no futuroSua mulher, Jaqueline, com quem

está casado há sete anos, também é gremista. “Penso em ter filhos, mas o que me afasta disso é a condição financeira. Não tenho nada próprio, pretendo ter, e aí sim construir minha família.” Rafael trabalha há nove anos na empresa Della Nona, onde é fun-cionário de serviços gerais. Maria de Lourdes Manduré, dona da empresa, não economiza elogios: “Ele está há muito tempo aqui, é uma pessoa em quem podemos confiar totalmente”.

Rafael sabe que é apenas um dos milhares de torcedores gremistas que não têm a oportunidade de ir aos jo-gos. “Seria muito legal se o clube se mobilizasse para fazer projetos com as pessoas que não têm condições de irem ao estádio. Afinal, somos tor-cedores iguais aos outros. Não vou porque ainda não me dou o luxo de gastar caro em algo que possa es-cutar na rádio, mesmo que eu tenha muita vontade. Quando eu estiver mais estruturado na vida, pretendo ir a muitos jogos”, comenta.

Ainda assim, o morador da Vila Farrapos se sente feliz ao comen-tar que pode acordar e olhar pela janela e encontrar um gigante que, mesmo de “longe”, proporciona muitas alegrias.

O SONHO DE CONHECER A ARENA

Marina Krapf

Como seria ter como vizinho o estádio do seu time de coração? Para muitos um

motivo de orgulho, a possibilidade de acompanhar seu clube de mais perto e ir a todos os jogos. Contudo, para Rafael Castro, 28 anos, a história não é tão simples. O paulista mais gaúcho que o bairro Humaitá já viu nunca pisou nas arquibancadas da Arena do Grêmio, time pelo qual torce apaixonadamente.

De um lado, um gigante. O pro-jeto milionário que recebe em média 20,5 mil torcedores por partida é con-siderado por muitos fanáticos como a “segunda casa”. A estrutura de luxo tem a capacidade de abrigar 55,5 mil torcedores. A oito minutos a pé do lo-cal, está localizada a casa de Rafael e de sua esposa, Jaqueline. A entrada é um corredor estreito que leva até a co-zinha. O lugar tem somente um quar-to. Nada de luxo, porém aconchegan-te para o casal.

Na entrada da casa, Rafael mexe em seu computador com um pequeno rádio ligado na Gaúcha. Essa cena se repete a cada partida disputada pelo Grêmio. É assim que ele consegue acompanhar cada movimento que acontece dentro do campo da Arena tricolor. Os gritos da torcida podem ser claramente ouvidos do local, o que deixa o jogo ainda mais emocio-nante e ao mesmo tempo frustrante pela vontade de estar junto aos de-mais admiradores do clube.

O torcedor acompanhou a cons-trução do estádio de pertinho. Ele ainda fica impressionado como o projeto ficou pronto tão rápido e so-nha em um dia largar o radinho de casa e finalmente gritar o gol das arquibancadas. Contudo, sua con-dição financeira impede que con-siga realizar esse sonho. “A gente torce para que o valor do ingresso seja mais acessível. Está tudo mui-to caro. Já fui procurar várias vezes, mas é fora do que eu posso pagar.”

Rafael Castro, 28 anos, tem como vizinho o estádio do seu time de coração. Mesmo com tanta proximidade, nunca conseguiu conhecer por dentro a casa do tricolor gaúcho, por falta de condições financeiras

À distância do

«Eu costumava acompanhar a construção do estádio pela internet e agora consigo escutar o barulho da torcida da minha casa. Escuto-os cantando. Me arrepia todo, sabe?»Rafael Castro

RAFAEL CASTRO

Um rádio é o maior companheiro de Rafael nas partidas do Grêmio. O portão de entrada foi o mais próximo que o torcedor conseguiu chegar da Arena.

l O custo total da obra ficou em torno de

R$ 700 milhõesl Foi desenvolvida pela construtora OAS

l Tem capacidade para

55,5 mil torcedoresl Abriga dois telões de alta definição, acesso a elevadores,

100 lugares especiaispara cadeirantes e diversas lojas espalhadas pelo estádio.

OS INGRESSOSOs preços para assistir a um jogo do Grêmio variam de R$ 40,00 a R$ 160,00, dependendo do local. O valor de um ingresso também pode ser alterado de acordo com a competição que o time está disputando.

MAIS INFORMAÇÕES EM:arenapoa.com.br

Conheça a Arena Tricolor

maior vizinhoEm frente à Arena, Rafael Castro sonha com o dia em que vai acompanhar o time de perto

ARENA DO GRÊMIO

O estádio tricolor foi inaugurado no dia 8 de dezembro de 2012. Milhares de torcedores compareceram ao jogo de abertura.

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Renovar é viver,RECOMEÇAR AOS 60

Rose Guindani, 62 anos, passou por um período de renovação. O novo rumo permitiu que ela tenha mais tempo para se cuidar e fazer as coisas de que gosta, como ler e ir à academia. Ela é exemplo de mulher que não se cansa de viver intensamente, em busca de novos caminhos

Ana Lívia Monção

Para Rose Guindani, chegar à terceira idade significa autonomia. Ao se separar do

marido, ela viu a vida mudar. Aos 62 anos, diz que está mais feliz. “A vida que eu tive com o Oswaldo foi boa, não tenho reclamação, só que, agora, comecei uma vida sozinha, e sabe que achei boa”, completa. “Eu casei aos 18 anos, porque tinha encontrado o meu grande amor.”

Atualmente, Rose não precisa se preocupar com ninguém, a não ser ela mesma. “Levanto quando quero, final de semana faço o que quero, antes não era assim, sempre tinha algo para fa-zer, tinha que me preocupar em servir as pessoas, porque o Oswaldo neces-sitava de ajuda.” Oswaldo Guindani, 83 anos, é o ex-marido.

Ela conta que ainda está sendo di-fícil se adaptar ao novo ritmo. “Estou me organizando, essas mudanças são muito drásticas, tanto que eu ia à casa do meu filho visitar o Oswaldo todos os dias, mas aí foi passando”, relata.

Ela e o filho têm um escritório de advocacia. Com a corrida do dia

a dia, ela acha bom ter um tempo sozinha quando chega em casa. “O nosso dia aqui é agitado, o trabalho é puxado, então quando chego em casa gosto de tranquilidade”, co-menta a advogada.

Socialmente, ela sempre foi muito ativa, fundou o Clube So-roptimista Internacional de Cano-as, que tem a proposta de ajudar o desenvolvimento de mulheres na faixa de risco. Além disso, de 1979 a 1983, foi Primeira Dama de Ca-noas, já que o ex-marido havia sido nomeado prefeito.

Rose comenta que sente falta

dele em alguns momentos, como quando assiste à TV. “Nós assistí-amos à televisão, e eu comentava o noticiário com Oswaldo. Depois que ele se mudou, eu tinha vontade de conversar, às vezes parecia até que ele estava aqui”, contou. “Po-rém, agora eu saio de manhã cedo, e chego de noite, não tenho tempo para ficar em casa, faço as refeições fora também, e isso é muito práti-co”, completa Rose.

“Vou à academia cinco dias por semana. Quando era casada, eu ia se desse tempo, mas agora sempre dá tempo. Não posso ficar sem, é mui-to bom para a saúde e para arejar a cabeça”, afirma. Vaidosa, ela reitera que passou a se cuidar mais após a separação e, aos risos, conta que já aplicou botox.

Rose diz que gosta das coisas como estão, pois tanto ela quanto ele têm mais conforto assim. Em relação ao futuro, ela responde: “Se der para continuar assim, está bom. Sempre fui livre, sempre tive esse espírito de liberdade, mas agora estou aprovei-tando mais.”

o lema de Rose«Eu casei nova, aos 18 anos, porque tinha encontrado meu grande amor. Separei por essas coisas da vida.»Rose Guindani

ESTATÍSTICAS

Segundo dados do IBGE, em 1990, somente 10,4% das mulheres com mais de 50 anos se divorciavam. Em 2010, esse número saltou para 16,5%.

NOVA FASE

Rose se separou em 2013, após 44 anos de casada. Apesar de ter que enfrentar os desafiosda nova vida, ela não se arrependedo divórcio.

Rose mudou-se para um apartamento menor após

a separação. Da sacada, ela admira a vista de Canoas,

cidade onde morou grande parte de sua vida

Felip

e B

raun

“De dia sou FernandinhaVIDA DUPLA: NAS RUAS E NA FACULDADE

A história de uma mulher de 29 anos que criou uma segunda identidade para entrar na prostituição. Com o dinheiro que recebe como garota de programa, ela paga uma faculdade particular de Psicologia, ajuda a sustentar a família e sonha em mudar de vida

Nicolle Manduré

“Das duas horas até as seis e meia da tarde, eu viro Fernandinha.”

“Das sete horas até as dez e meia da noite, eu sou Priscila.”

Fernanda e Priscila são a mesma pessoa. No período da tarde, com rou-pas decotadas, salto alto e um batom discreto, Fernanda trabalha como ga-rota de programa. À noite, com roupa mais reservada e livros nas mãos, Pris-cila vai para a faculdade de Psicologia. A garota é filha de um zelador e de uma empregada doméstica. “Minha família sempre teve problemas finan-ceiros, muitas vezes passava fome.”

Com a ideia de ajudar a família a comprar um terreno para morar, aos 21 anos, saiu de casa para se prosti-tuir. Com o dinheiro que ganhava nas noites, priorizou a compra da casa dos pais. Há oito anos, usa uma segunda identidade para se prostituir. À tarde, em seu trabalho, é conhecida como Fernandinha. “No começo, foi estra-nho, pois ter duas imagens era muito complicado. Muitas vezes, eu esque-cia, mas, quando alguém me chamava na rua de Fernandinha, eu rapidamen-te associava ao meu trabalho.”

Começou com os programas nas esquinas, depois passou a trabalhar em uma boate. Com o dinheiro ganho no serviço, conseguiu comprar uma casa e hoje paga a faculdade.

Mesmo com poucas condições, não abriu mão dos estudos. “Sempre gostei de estudar. A escola era uma di-versão,” conta Priscila. Em função da família sempre estar mudando de cida-de em busca de melhores empregos, a menina foi reprovada em alguns anos.

Depois que conseguiu comprar a casa, decidiu finalizar o Ensino Médio. No ano de 2012, concluiu a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Hoje, com vinte e nove anos, Pris-

cila cursa o segundo semestre de Psi-cologia em uma faculdade particular que ela prefere não identificar.

O estudo como uma saída Ao longo do curso, descobriu

que utilizava a Psicologia desde a in-fância. “Como minha mãe era muito depressiva, quem era a mãe dela era eu”, diz Priscila. Até dentro da pró-pria prostituição ela utiliza os seus co-nhecimentos de Psicologia.“Já salvei muitos casamentos”. Muitos homens a procuram para sair e conversar, Fer-nanda acaba dando conselhos para a melhoria do relacionamento de casais. “O meu trabalho acaba sendo o meu estágio, aprendo muita coisa.”

Fernandinha evita sair com pes-soas de quem não gosta. “Eu estou na prostituição, mas sei que é por um tempo, só entrei nesse mundo pelo di-nheiro.” A garota fez uma promessa: quando completar trinta anos, vai se dedicar à Psicologia.

Quando pequena, sofreu abuso se-xual e não tinha com quem desabafar. Dos doze aos vinte anos, Priscila foi abusada pelo irmão de criação da mãe. Esse foi um dos motivos que a leva-ram a escolher o curso de Psicologia, para ajudar as pessoas.

Os estudos sempre foram uma saída, para fugir dos problemas pessoais. Aos vinte anos, tomou coragem e deu um basta. Mais tar-de, conseguiu contar para os pais. Para superar o passado, Priscila faz tratamento psicológico dentro da própria faculdade.

Priscila explica que Fernanda é uma personagem que foi criada, na qual tem o objetivo de atuar bem para que Priscila possa viver em socieda-de, com integridade, sem preconceito e medo. “Fernandinha não é real, mas Priscila é real, eu vivo dois paralelos.”

*A entrevistada preferiu não se identificar

e à noite sou Priscila”

FERNANDINHA

“Eu vou cumprir a minha promessa: quando completar 30 anos, saio deste mundo.”

PRISCILA

“Já tenho uma pessoa me esperando. Sonho em casar e ter filhos.”

Priscila aproveita o que aprende na faculdade de Psicologia para dar conselhos aos clientes de Fernandinha que enfrentam problemas no casamento

Vale

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Lina

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DA DITADURA À DEMOCRACIA

O último preso político da ditadura no Estado, Antônio Losada, 79 anos, e o ativista dos direitoshumanos Matheus Gomes, 22 anos, atuante nas recentes manifestações de junho, destacam os pontos que fizeram parte das lutas pela democracia, nas décadas do regime militar e hoje

Losada e Gomes têm uma diferença de idade de mais de 50 anos. Ainda que tenham os mesmos princípios, as formas como eles militam são diferentes. Abaixo, os ativistas abordam temas que fizeram parte das duas lutas, mas de maneiras distintas

Mariana Azevedo

Um foi oprimido através de paus-de-arara. Outro, por meio de gás lacrimogênio.

Um lutou contra a Ditadura Militar. Outro luta contra a atual democracia. Antônio Losada, 79 anos, é o último preso político solto do Rio Grande do Sul. Matheus Gomes, 22, é um ativista dos direitos humanos que se destacou nas manifestações de junho de 2013. quando era coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). São quarenta e nove anos que separam a luta dos dois.

Ainda que os tempos sejam ou-tros, Losada e Gomes começaram a militar pela mesma razão: a pobre-za que os cercava.

O ex-preso político vem de uma família pobre. Ele é natural de

Bagé, veio para Porto Alegre em 1944. “Deparamos com muita di-ficuldade na moradia, no trabalho, na sobrevivência”, lembra. E foi circulando pelas periferias da capi-tal gaúcha que Losada viu a possi-bilidade de mudar o país. “Ali eu descobri o jornal da juventude do Partido Comunista, que dava uma mensagem de protesto àquele qua-dro e à situação de miséria, de dife-rença, de incerteza”.

Mais tarde, o militante filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. A von-tade de consertar os problemas sociais o acompanhava desde cedo. “Eu acho que já trazia alguma coisa diferencia-da dentro de mim”, acredita.

Nos dias hoje, o ex-preso políti-co ainda luta por justiça. Em 1996, foi eleito vereador e atualmente faz parte do Comitê Carlos de Ré da Verdade.

Filho de pais militantes do mo-vimento sindical, Matheus Gomes também tirou da desigualdade a vontade de lutar por uma socieda-de mais justa. “Foi em 2008 que comecei a militar, quando eu ainda era estudante secundarista de esco-la pública e houve uma greve dos professores”, recorda. “Sempre fui educado de uma maneira que me possibilitou enxergar o movimento social com muito respeito.”

A luta de Gomes ganhou desta-que forte nas manifestações de ju-nho que agitaram todo o país. Nos protestos das ruas, o estudante teve uma participação ativa. A polícia chegou a revistar sua residência e outros locais com um mandado de busca e apreensão. “Quando a polí-cia realiza essas ações, sua tentati-va é desmoralizar e amedontrar os ativistas”, acredita Matheus.

Dois tempos de luta

ENTRE CINCO DÉCADAS

Losada“A forma de contato eram os pontos antecipados e alterna-tivos.Às vezes, nos encontrá-vamos parados, e outras vezes caminhando, de tão difícil que era, para nós, conversar naquele momento. Nós usávamos muito as pensões, os terrenos baldios e as igrejas para fazer reuniões.”

Matheus“O principal meio de divulga-ção das ações do movimento é a internet. Não tem como ne-gar que ela colocou em outro patamar o potencial de alcance das mobilizações, principal-mente nas redes sociais. A web é muito mais fácil para qual-quer tipo de monitoramento.”

Losada “É uma preparação física, educativa e psicológica não só para os soldados que estão cum-prindo uma ordem, mas também para os sargentos e oficiais que orientam para uma prática vio-lenta e cruel. Essas raízes estão presentes até hoje.”

Matheus “Os arquivos da época da Ditadura estão começando a ser mostrados para o grande público agora. Pouca coisa realmente mudou no ponto de vista da repressão, e nas mani-festações de junho a gente viu isso muito presente.”

LOSADA

“Quando fui vereador, acabei com a aposentadoria dos vereadores, e hoje a

minha não dá nem para compraros remédios que eu tomo.”

MATHEUS

“A ditadura caiu em 1985 e seinstituiu um novo regime,mas o aparelho repressivo doestado continua intacto.”

COMUNICAÇÃO DITADURA

Losada“A clandestinidade é duríssima, é pior que a cadeia. Fiquei três meses com um capuz na cabeça, apanhando. Eles torturavam um na frente dos outros e todos nus. Em alguns casos, os torturadores passavam a noite nos batendo com um pau na cabeça, o sangue escorria e não podia limpar.”

Matheus “Desde abril, estamos tendo um processo de perseguição muito grande. Diversos ativistas estão sendo convocados a ir à delega-cia prestar depoimento. Nós temos denúncias de grampo telefônico, policiais que coagem manifestantes. Eu mesmo já fui vítima de ameaças desse tipo.”

REPRESSÃO

Losada “Eu poderia ter evitado muito sofrimento meu, mas, por uma questão de fidelidade a uma causa tão nobre, eu acho que vale a pena. Medo a gente tem, mas também tem coragem.”

Matheus “É bem complicado, mas é um risco que vale a pena correr. É parte da gente seguir construindo essa perspectivade transformação social.”

MEDO

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10 11portaldejornalismo-sul.espm.brportaldejornalismo-sul.espm.br

Um olhar de mãe“Ele não era feliz”, são essas as palavras com as quais Dona Celi Gorete Cardoso Peres, 58 anos, define Moisés. “É horrível, a gente que é mãe sofre muito, passei por momentos muito difíceis naquela época, mas sempre orei para Deus para Ele tirar meu filho das drogas. Graças a Deus, tivemos essa bênção, agora ele vai ser feliz.”

A confiança investida Cindy Gindri da Silva, 28 anos, esposa de Moisés, afirma que os momentos mais difíceis que passou ao lado de seu marido foram os momentos em que ele roubava dela e de sua família, e depois ficava dias sem dar notícias, e também em situações como as que Moisés aproveitava a ausência de Cindy para levar os “amigos” para se drogarem em sua casa.Apesar de todos os momentos difíceis que passou ao lado de Moisés, Cindy conta que o que a motivou a passar por tudo isso foi em grande parte por pena.

ele, não podem ser curadas por remédios, pois não existe nenhum remédio que você vai tomar que vai lhe livrar dos vícios. Moisés procurou ajuda para os seus pro-blemas em diversos psicólogos, e em remédios, porém nenhum conseguiu amenizar, muito menos curar seus males.

Entretanto, durante a recupe-ração na fazenda, em contato com o Evangelho, Moisés encontrou um novo caminho, a cura e logo a salvação. “Jesus Cristo disse as-sim: se você decidir, ele faz você nascer da água, que é a palavra de Deus, e do espírito, que é o Es-pírito Santo”, disse Moisés sobre sua recuperação pelo Evangelho. Hoje, livre das drogas e com uma nova vida, está casado, voltou aos estudos, está com 60% do Ensino Médio completo, frequenta a As-sembleia de Deus e tem planos para fazer cursos técnicos.

Após cincos anos de desilusão, Moisés considera o seu casamento uma de suas maiores conquistas, pois muitos disseram para sua es-posa, Cindy, o deixar, porque ele não tinha caráter para manter sua palavra, porém, ela o acompanhou e o apoiou em todos os momentos de dificuldade. “Deus deu força e graça para ela crer que desta vez iria dar certo”, comenta Moisés so-bre a atitude de sua esposa.

“O meu objetivo agora é buscar recuperar algumas coisas que já eram para terem sido estabelecidas na minha vida. Agora, esse período vivenciado está me proporcionando uma maturidade e uma visão maior sobre todos os acontecimentos da vida, porque, depois que tu passa por tudo isso, cria uma visão bem melhor da vida em termos gerais”, concluiu Moisés sobre sua recupe-ração e planos futuros.

LIBERTAÇÃO PELA RELIGIÃO

Eduarda Lemos

Tomar uma decisão que muda completamente o rumo da vida pode não ser

fácil. Moisés Peres, 26 anos, tomou talvez a decisão mais importante da sua caminhada no momento em que decidiu largar a dependência química e ir para o GISEDA (Grupo de Inclusão Social e Tratamento a Droga, Dependência e Alcoolismo). Dentro do grupo, encontrou um novo caminho para a vida quando se converteu à igreja evangélica. Livre das drogas há um ano e cinco meses, Moisés traba-lha hoje como padeiro nas sedes de trabalho do GISEDA, por onde conseguiu sair da dependência quí-mica e segue sua vida pelas oportu-nidades dadas pelo grupo.

Moisés entrou no mundo das drogas aos 13 anos, iniciando o uso com maconha e loló. Em 2000, o crack ficou conhecido em Traman-daí, cidade onde morava com a fa-mília, a partir daí iniciou o uso de

drogas mais agressivas. Ele diz que o auge de sua drogadição foi no mo-mento em que conheceu as drogas sintéticas - como ecstasy e LSD -, alucinógenos que têm um poder tão devastador que deixam a pessoa sob o efeito durante 24 horas.

Os motivos e as fases“Acredito que parte foi pelo

meu caráter, porque o que leva uma pessoa às drogas são falhas no seu caráter, que não deixam com que ela tenha responsabilidades e tenha uma vida mais sem limites. Outro fator é onde a pessoa foi criada, eu fui criado grande parte da mi-nha vida em uma vila, então isso tem grande influência”, diz Moisés sobre o que o levou a entrar na de-pendência química.

Durante a drogadição, Moisés con-ta que teve inúmeras perdas, entre elas a confiança das pessoas a seu redor, pois, por mentir para seus parentes e amigos, eles não acreditavam mais na sua palavra e no seu caráter. Perdeu também sua saúde mental em conse-

quência de drogas muito fortes, como o crack e o LSD. Perdeu quatro anos, dos quais não se sente à vontade em relembrar, no Presídio Central do Rio Grande do Sul, por envolvimento com tráfico e roubo, e adquiriu também di-versas cicatrizes.

Moisés lembra que, muitas ve-zes, tentou parar de consumir dro-gas, porém não da forma correta, pois afirma que a maioria dos usu-ários de drogas se acha no controle da situação, porém o vício é quem os comanda. Além da drogadição, Moisés esteve presente também na vida do crime, por meio das drogas, pois, segundo ele, o pensamento de quem está neste meio é de que quan-to mais dinheiro, mais condições de manter o vício, e tendo mais droga se tem mais poder. Para adquirir esse “poder”, Moisés roubou de amigos e parentes, traficou substâncias ilegais e cometeu diversos delitos.

Por causa da dependência, o ex--dependente químico passou a so-frer da síndrome do pânico e depres-são profunda, doenças que, segundo

Moisés Peres, 26 anos, casado. Ex-dependente químico, reabilitado há um ano e cinco meses. Encontrou um novo sentido para vida pelo grupo GISEDA e em contato com a Assembleia de Deus

A transiçãode Moisés

NA ASSEMBLEIA

Hoje tem emprego, é casado, dá valor à família, cultiva a fé e pretende estudare recuperar o tempo perdido.

NAS DROGAS

Perdeu confiança de todos ao seu redor, perdeu quatro anos no Presídio Central, e teve muitos prejuízos à saúde mental e física.

Victoria Campos

Carlos Adriano Ribeiro Leitão teve sua vida mudada numa noite

do inverno de 1994. Na Igreja Evangélica Família de Deus, no bairro Aparecida na cidade de Bento Gonçalves-RS, tudo aconteceu. Ele tinha 16 anos quando foi convidado por Elisandra Ribeiro dos Santos, uma amiga, para ter o primeiro contato com a religião. “Eu me senti bem pela primeira vez em muito tempo”, declarou ele com expressão emocionada.

O momento crucial para o jo-vem foi quando o Pastor Francis-co perguntou se alguém gostaria de “aceitar Jesus como o único e legítimo salvador”, relembra. Sem saber direito o que o impul-sionou, Carlos levantou o braço. “O Pastor me deu um abraço e disse: verdadeiramente, quem tem um propósito de Deus não morre antes de cumpri-lo. E você tem um grande propósito. Eu dis-se que aceitava Jesus, mas não imaginava o tamanho da conse-quência disso na minha vida.”

Quando Carlos voltou para casa, foi surpreendido. “Minha avó colo-cou todas as minhas coisas em cin-co sacos de lixo preto e deixou na frente de casa. Ela não me deixou entrar naquela noite. Ela disse que, a partir daquele dia, eu devia pedir recurso para os crentes”, disse.

“Não entendia o que era aquilo”Antes dessa transformação,

Carlos havia convivido com ritu-ais de magia negra. Diante das di-

ficuldades financeiras e dos maus -tratos pelo pai alcoólatra, o mais velho de cinco irmãos decidiu mu-dar-se para a casa da avó paterna aos 14 anos de idade.

Maria do Carmo Cunha era uma senhora forte de cabelos ne-gros até a cintura. Ganhava a vida praticando magia negra. “Eu não sabia e não entendia direito o que realmente era aquilo. Então, co-mecei a ajudá-la, era o sustento dela e, consequentemente, o meu também.”

Encorajado pelas palavras que Deus teria dito na noite que mudou sua vida, o jovem resolveu voltar para a casa dos pais. Carlos e a amiga que o levou pela primeira vez, Elisandra (na época, eram apenas amigos, hoje são casados e têm um filho) continuaram fre-quentando a Igreja Evangélica.

Com o tempo, ambos decidi-ram que aquela seria sua escolha religiosa. “Eu vi que era aquilo que eu queria de verdade”, diz Leitão. A caminhada até que Car-los se tornasse Pastor exigiu cur-sos e preparação. “Há dois anos, surgiu a oportunidade de cuidar de uma obra, iniciei os trabalhos da Assembleia de Deus Madureira Jacareí”, destaca.

Hoje, com 35 anos, o pastor Carlos, juntamente com sua espo-sa, cuida da Assembleia de Deus Madureira Jacarei, no bairro São Roque, em Bento Gonçalves, na serra. Todos os dias da semana, a Igreja tem algum tipo de progra-mação, como culto de jovens, noi-te de orações e culto da família. A média de frequentadores é de 60 pessoas por noite.

Hoje, a Bíblia

UM NOVO CAMINHO

Antes, a magia negra.

«Eu disse que aceitava Jesus, mas não imaginava o tamanho da consequência disso na minha vida.»Carlos Adriano Ribeiro Leitão

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Como funcionaGISEDA (Grupo de Inclusão Social e Tratamento a Droga Dependência e Alcoolismo) é uma instituição fundada em Canoas e hoje tem sua sede no bairro Niterói. Atualmente tem filiais em Bom Retiro do Sul, Santa Cruz do Sul e Lajeado. A clínica está localizada na Rua Washington Luis, 256, Bairro Niterói – Canoas (RS).Telefones para contato: (51) 3465-8163 ou (51) 8400-5189

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Eric Raupp

Quem passeia pelo Brique da Redenção aos domingos é atraído pela grande

quantidade de cores das pinturas do box número seis. Sentado em uma cadeira de praia, um homem observa o movimento de quem aprecia suas obras, que estão penduradas em grades expositoras e exibem elementos do mundo da música. “Sou um cantor frustrado que encontrou na pintura uma maneira de se conectar com a música”, admite Calu.

Cândido Luís Silveira, 49 anos, ou simplesmente Calu, carrega uma paixão pela arte desde criança. “Na minha infância, passava um dese-nho na TV, o Banana Splits, e eu re-produzia os personagens em argila. Também ajudava minha mãe a fazer macramê”, recorda. Aos dezessete, o porto-alegrense começou a tocar em uma banda com mais três ami-gos e a cantar em bares da capital. “Amava, mas não tinha talento, en-tão desisti”, brinca.

Calu começou, então, a esculpir em pedra grês e sabão, expondo, a partir de 1991, seu trabalho na po-pular feira. Entretanto, em 1997, renunciou às esculturas e inaugu-rou trabalhos em telas, devido a um problema de coluna. “Foi difícil, pois eu não tinha técnica”, comen-ta. As habilidades evoluíram, mes-mo sem estudos sobre arte, e, em 2004, o artista começou a trabalhar com arame de alumínio, utilizado para fazer as cordas dos instrumen-tos que aparecem em suas pinturas.

Calu pinta em seu apartamento, com a técnica de acrílico sobre tela. “Eu desenho o que quero, depois pin-to, recorto e colo na tela. Então utilizo o arame, fixo na tela e espalho a re-sina por cima para colar”, revela. Ele leva em média três dias para terminar uma obra. “A minha profissão permi-te uma liberdade, mas sei que tenho que entrar no quarto onde pinto pelo menos uma vez por dia”, salienta.

As pinturas são vendidas por um preço que varia de R$ 50,00 a R$ 400,00, e o valor influencia no sonho de viver da arte. “Em abril deste ano eu vendi R$ 3.000,00, mas em maio só R$ 150,00”, re-lata. Ele conta que, sem o auxílio da esposa, a vida seria difícil. “Se fosse só eu para viver, seria bem apertado, mas ela trabalha e tem um salário fixo”, desabafa.

Entre as produções, Yellow, que exibe um submarino amarelo com colagens relacionadas aos Beatles, é a sua obra preferida. “É um trabalho recente, mas faz tanto sucesso que eu tenho que manter um estoque”, conta.

O sonho de expor em galerias de arte já se concretizou por seis ve-zes, quando participou de mostras na capital, em Pelotas e Uruguaia-na. A mais importante foi realizada em 2010: Calu foi convidado pela Orquestra Sinfônica de Porto Ale-gre para integrar o grupo que reali-zou a exposição dos 60 anos da ins-tituição. “Foi um momento único e um desafio, porque eu pintei só instrumentos clássicos”, destaca. Mas ele ainda almeja feitos maio-res. “Meu objetivo é participar de uma Bienal, que, para mim, é sem comparação”, revela o artista.

A sala principal do aparta-mento número 465 fun-ciona como um ateliê.

Os cavaletes de madeira estão cobertos de tinta, e Britto Velho, com um pequeno pincel nas mãos, restaura uma pintura coberta por fuligem, resultante de um incêndio ocorrido há oito anos. Nos demais cômodos, as paredes estão cobertas por quadros e recortes de madeiras, todos de autoria do artista gaúcho.

Aos 67 anos, o porto-alegrense Carlos Carrion de Britto Velho, mais conhecido como Britto Velho, é um dos ícones do surrealismo no Estado. A relação com a arte come-çou em 1957, quando ele se mudou para a capital argentina, onde o pai, Victor, foi estudar psicanálise. “Buenos Aires era o centro cultural da América Latina, e eu tive a sorte de conviver muito com a arte. Na década de 60, os artistas queima-vam as pinturas porque diziam que a arte tinha morrido. Essa loucura me influenciou um pouco”, brinca.

O artista foi pupilo de Danúbio Gonçalves, considerado um dos maiores expoentes da arte contem-porânea do Estado, e estagiou na Gráfica Desjobert, em Paris, onde acompanhou processos gráficos de

reprodução de obras de arte. Hoje, ele coleciona mais de cento e se-tenta exposições nacionais e in-ternacionais, incluindo a segunda Bienal Nacional, em 1976. Mas é a mostra O Realismo Mágico de Britto Velho, apresentada no Museu de Arte de São Paulo, em 1991, que mais marcou sua carrei-ra. “Eu realizei o sonho de expor no salão principal do MASP e ter uma reportagem de duas pági-nas na Veja, o que é raro”, conta.

O pintor tem uma percepção ne-gativa sobre os festivais de arte, que o consagraram no ramo. “Hoje não

vejo sentido. É dinheiro gasto que não tem uma função, porque, com a internet, as pessoas estão por dentro do que está acontecendo no mundo”, critica. Ele acredita que a arte está eli-tizada e por isso aceitou participar do Circuito de Arte Santander, projeto que transforma a fachada de agências do banco em galerias. “A ideia de ir às ruas é perfeita, porque não tem como uma pessoa escapar das obras”, avalia.

O artista já utilizou várias téc-nicas, mas hoje trabalha com tinta acrílica sobre tela e papel. Com o processo, demora aproximadamen-te dez dias para finalizar um quadro de 80cm x 120cm, que será vendido pelo preço mínimo de R$ 8.000,00.

O gaúcho afirma que não tem obra preferida e que não gosta de nomear suas produções, porque isso oculta a percepção do público. “Quem vê o meu trabalho fica preso àquilo que eu disse, mas o artista não tem relação ne-nhuma com ele”, revela. Nas quartas--feiras, Britto Velho ministra aulas no seu ateliê para oito alunos, das 14h às 18h, e tenta inspirá-los com sua experiência. “E assim criei um mun-do lúdico particular. Mas quem qui-ser fazer parte é sempre bem-vindo.”

A ARTE DE PINTAR O MUNDO

Eles são apaixonados pela arte e vivem dela, mas em contextos distintos. De um lado, Calu expõe suas pinturas no Brique da Redenção. Recolorindo os espaços urbanos da cidade, ele sonha em ser grande. Do outro lado, o veterano artista gaúcho Britto Velho desfruta de uma carreira consolidada, com mais de 160 exposições no currículo

«Na década de 60, os artistas queimavam as pinturas porque diziam que a arte tinha morrido. Essa loucura me influenciou um pouco.»Britto Velho

COR EUROPEIA

O pintor irlandês Francis Bacon é um modelo para Britto Velho. O artista europeu mostrava a transitoriedade humana em suas obras, desmembrando e transformando as figuras em algo novo.

ARTE NO ROCK

Calu encontra no som do rock a energia para pintar. Fã de Beatles e Guns N’ Roses, acredita que música e arte externalizam os sentimentos.

Dois homens, uma paixão

DA MÚSICA ÀS TELAS

REALISMO MÁGICO

Galeria ao ar livre: Cândido Luís, o Calu, costuma exibir e comercializar suas pinturas no box 6 do Brique da Redenção, com preços entre R$ 50 e R$ 400

Em seu ateliê, em Porto Alegre, Britto Velho trabalha na confecção de novas obras e na restauração de pinturas, e ainda encontra tempo para ministrar aulas a jovens aprendizes interessados em arte

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14 15portaldejornalismo-sul.espm.brportaldejornalismo-sul.espm.br

Vivendo sem luzLONGE DA CIVILIZAÇÃO

A realidade do dia a dia dos moradores da Ilha do Pavão bate de frente com toda a tecnologia e conforto disponíveis na sociedade contemporânea

Isabella Westphalen

A Ilha do Pavão é um lugar de casas de madeira, onde o lixo fica empilhado ao

redor das moradias. Lá vivem cerca de 200 famílias, que enfrentam um problema, no mínimo, inesperado e surpreendente: a falta de energia elétrica legalizada.

Os moradores do Pavão contam com um “gato” da luz do posto de saúde, que fica em frente à vila, do outro lado da rodovia. A frequência com que essa luz chega à Ilha é bai-xa e não tem força o suficiente para manter funcionando os aparelhos domésticos dos moradores.

A cidade de Porto Alegre é uma das maiores do país. No ano de 2012, foi apontada como a quarta região metropolitana mais populo-sa do Brasil, tendo 99,19% (IBGE 2010) da população com acesso a energia elétrica. Na Ilha do Pavão, os moradores têm de contar com a sorte de que a luz “roubada” do posto de saúde funcione, caso con-trário, têm de aceitar o blackout. “Queremos pagar pela luz. Estamos

pedindo por um direito que é nosso, prometeram luz para todos, por que nós não estamos incluídos nesse to-dos? Parece que não fazemos parte disso”, argumenta a líder comunitá-ria da Ilha, Loreci Gomes, mais co-nhecida como Lola.

Loreci entrou com um pedido de fornecimento de luz para a CEEE no ano passado, tendo como pro-metido a implantação do poste para Dezembro de 2012. “Nós não pode-mos mandar conta de luz para quem não tem endereço”, afirmou o as-sistente do Diretor Geral da CEEE, Gustavo Cassel.

A dura realidade Loreci também sofre. “Estou com

meus três freezers queimados e não te-nho como mandar consertar, é um pre-juízo porque eu tiro meu sustento des-se bar”, diz Lola sobre a situação em que se encontra seu estabelecimento.

A Ilha do Pavão é a primeira ilha que pode ser avistada depois da Tra-vessia Régis Bittencourt, mais conhe-cida como Ponte Móvel, identificada pelo lixo que se concentra logo na en-trada da vila.

Para que pudesse ser encaminhada a solicitação de energia, foi pedido a Loreci que reunisse uma série de do-cumentos para que o poste fosse co-locado à disposição dos moradores. A data de validade dos papéis expiraria em outubro deste ano.

A solicitação de luz segue no papel, a luz clandestina roubada do postinho continua desaparecendo, e as crianças da Ilha do Pavão continuam tendo suas noites iluminadas apenas pela luz vinda da grande Porto Alegre. Apesar do cres-cimento da Capital Gaúcha, nota-se que em algum momento alguns foram dei-xados para trás, gerando o pior dos con-trastes, aquele que esquece de pessoas.

no século XXI«A pior coisa que tem é ficar esperando por eles, porque vão te enrolando. É uma situação humilhante.»Loreci Gomes

PORTO ALEGRE

Desde o ano de 1887, Porto Alegre conta com a presençade energia elétrica na cidade.

ILHA DO PAVÃO

Em 2013, 200 famílias vivem na ilha com a falta de luz elétrica, sem previsão de implantação.

Moradores da Ilha do Pavão, em Porto Alegre, sofrem com a falta de infraestrutura

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DO OUTRO LADO

Juliana Baino

Definir o tema que nortearia as reportagens do Blog de Papel não foi uma tarefa fácil.

Depois de muita discussão e muitas ideias descartadas, os 10 estudantes da turma finalmente chegaram a uma conclusão: iriam em busca de histórias que fossem marcadas por dois lados contrastantes. A partir daquele momento, os futuros jornalistas começaram a experimentar os prazeres e os desprazeres da profissão.

– O meu texto foi um exercício de paciência. Parecia que não ia dar certo nunca – relembra Ana Lívia Monção.

Ana Lívia não foi a única a ter pro-blemas para definir o tema que aborda-ria em sua reportagem. Eric Raupp, que entrevistou dois artistas, também depa-rou com inúmeros percalços, entre pau-tas derrubadas e deadlines estourados:

– Minha ideia de pauta inicial caiu poucos dias antes do deadline. Apesar do estresse, foi benéfico, porque me aproximou da rotina da profissão.

Mas a experiência do Blog de Papel não se resumiu a problemas. Para Edu-arda Lemos, a realização da reportagem rendeu uma história que ela poderá con-tar aos netos e, também, foi um aprendi-zado que ela levará para a vida.

– Fui a uma vila conhecida por ser bem perigosa. Eu e meus fotógrafos ficamos com muito medo. Depois que chegamos à igreja na qual falaríamos com a personagem, o pessoal orou uma missa para nós – conta Eduarda.

Para Isabella Westphalen, apesar das dificuldades, mostrar a história dos moradores da Ilha do Pavão, que não têm energia elétrica, só reafirmou a cer-teza de estar trilhando o caminho certo:

– Tive que lidar com sentimentos extremos. Fui do céu ao inferno em um só dia, e, ainda assim, essa experiência me fez amar ainda mais o jornalismo.

Os assuntos reunidos no Blog de Pa-pel variam de homossexualidade e reli-gião até temas como as manifestações de junho. Alguns alunos escolheram duas personagens contrastantes, outros encontraram em uma única pessoa o contraste que procuravam.

– Apossar-se da história de alguém é muito difícil. E a gente tem que se apos-sar mesmo, para poder transmitir ao lei-tor – diz Victoria Campos.

Os diferentes caminhos trilhados pe-los alunos também foram marcados por contrastes, de sentimentos e de ideias. O resultado está registrado em cada vírgu-la do Blog de Papel. Desejamos a todos uma boa imersão nas histórias que con-tamos com os nossos corações.

Estudantes de Oficina de Redação comentam sobre os desafios e as descobertas que ocorreram ao longo da apuração das reportagens

Bastidoresda reportagem

O MELHOR O MAIS DIFÍCIL

Escutar relatos da Ditadura Militar de um dos principais

protagonistas da história.

Interligar os dois personagens na reportagem.

Mariana Azevedo

Passar pelas etapas reais de apuração dos

fatos e produção da matéria.

Lidar com prazos, fontes que não respondem mais, pautas que caem.

Victoria Campos

Adquirir conhecimento sobre a vida e o

jornalismo.

Saber que ainda existe gente sem energia elétrica em 2013.

Isabella Westphalen

Ir à Vila Farrapos, conhecer o local

de trabalho e a casa de Rafael.

Descobrir que torcedores fanáticos não têm a oportunidade de acompanhar seus times de perto.

Marina Krapf

Conhecer as histórias de Luana e Gabriel.

A dificuldade de encontrar minhas fontes para a matéria.

Vinícios Sparremberger

Poder contar a reviravolta que Priscila

deu na sua vida.

Lidar com a emoção da entrevistada.

Nicolle Manduré

Conhecer a realidade do jornalismo e de seus

bastidores.

Lidar com a queda de duas pautas.

Eric Raupp

Entrar em contato com uma nova realidade e ver

de perto a recuperação por meio da fé.

Dificuldade de achar um entrevistado em clínicas de reabilitação.

Eduarda Lemos

Contar a história de alguém que teve a

coragem de mudar de vida depois dos 60 anos.

Encontrar uma pauta que desse certo e se encaixasse no tema.

Ana Lívia Monção

Os 10 alunos enfrentaram percalços mas também descobriram o prazer de construir uma reportagem

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Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Sul