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VOLUME I Organizador: Filipe Lage de Sousa 1ª edição RIO DE JANEIRO – OUTUBRO DE 2012

BNDES60anos_PerspectivasSetoriais_livro

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VOLUME I

Organizador: filipe Lage de Sousar i o D e JA n e i r o o u t u B r o D e 2 0 1 2

1 edio

Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDESP re side nt e

Luciano CoutinhoV i Ce - P r e side nt e

Joo Carlos Ferraz Os artigos assinados so de exclusiva responsabilidade dos autores, no refletindo, necessariamente, a opinio do Bndes. permitida a reproduo parcial ou total dos artigos desta publicao, desde que citada a fonte. esta publicao no pode ser comercializada. As publicaes editadas pelo Bndes esto disponveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais informaes em www.bndes.gov.br/faleconosco.

B661

Bndes 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage de sousa. 1. ed. rio de Janeiro: Bndes, 2012. v. 1: il. 384 p. Vrios autores. isBn: 978-85-87545-44-2 1. Banco nacional de desenvolvimento econmico e social. 2. economia - Brasil. 3. desenvolvimento econmico - Brasil. i. sousa, Filipe Lage de (org.). Cdd 332.28

Av. repblica do Chile, 100 rio de Janeiro rJ CeP 20031-917 Central de Atendimento 0800 702 6337 Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873

S um r i oVOLUME 1PreFCiO ................................................................................................................ 5 APresentAO ....................................................................................................... 9 A eCOnOMiA BrAsiLeirA: COnquistAs dOs LtiMOs dez AnOs e PersPeCtiVAs PArA O FuturO ........................................................................... 12Adriana Inhudes Gonalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga, Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento

COMPLexO eLetrniCO: A eVOLuO reCente e Os desAFiOs PArA O setOr e PArA A AtuAO dO Bndes ................................ 42Ricardo Rivera de Sousa Lima

O PAPeL dO Bndes nO desenVOLViMentO dO setOr AutOMOtiVO BrAsiLeirO ... 98Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro

A indstriA AerOnutiCA nO BrAsiL: eVOLuO reCente e PersPeCtiVAs ....Srgio Bittencourt Varella Gomes

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O setOr de Bens de CAPitAL nO BrAsiL e O PAPeL dO Bndes COMO indutOr dO desenVOLViMentO, nO PerOdO 2003-2011 ........................Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos, Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado

PersPeCtiVAs PArA O desenVOLViMentO industriAL e teCnOLgiCO nA CAdeiA de FOrneCedOres de Bens e serViOs reLACiOnAdOs AO setOr de P&g ......................................................................Bruno Plattek de Arajo, Andr Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa

224 274 300 334

A retOMAdA dA indstriA nAVAL BrAsiLeirA .................................................Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomo Lage e Lucas Duarte Processi

sAde COMO desenVOLViMentO: PersPeCtiVAs PArA A AtuAO dO Bndes nO COMPLexO industriAL dA sAde ...............................................Vitor Pimentel, Renata Gomes, Andr Landim, Joo Pieroni e Pedro Palmeira Filho

A indstriA de PAPeL e CeLuLOse ....................................................................Andr Carvalho Foster Vidal e Andr Barros da Hora

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Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis

VOLUME 2PreFCiO ................................................................................................................ 5 APresentAO ....................................................................................................... 9 A indstriA quMiCA e O setOr de FertiLizAntes .............................................. 12Leticia Magalhes da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva

O FuturO dO setOr suCrOenergtiCO e O PAPeL dO Bndes .............................. 62Artur Yabe Milanez e Diego Nyko

APOiO dO Bndes AgrOindstriA: retrOsPeCtiVA e VisO de FuturO ............ 88Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes

indstriAs trAdiCiOnAis de Bens de COnsuMO nO BrAsiL: desAFiOs e OPOrtunidAdes ..............................................................................Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva

122 160 190 232 272 310

CriAtiVidAde e desenVOLViMentO ...................................................................Marina Moreira da Gama

O setOr eLtriCO BrAsiLeirO e O Bndes: reFLexes sOBre O FinAnCiAMentO AOs inVestiMentOs e PersPeCtiVAs .......Alexandre Siciliano Esposito

situAO AtuAL e PersPeCtiVAs dA inFrAestruturA de trAnsPOrtes e dA LOgstiCA nO BrAsiL ......................................................Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira

O sAneAMentO AMBientAL nO BrAsiL: CenriO AtuAL e PersPeCtiVAs ..........Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira

trAnsPOrte urBAnO: O PAPeL dO Bndes nO APOiO sOLuO dOs PrinCiPAis gArgALOs de MOBiLidAde .......................................................Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos

Pref c i o A construo do futuroAo longo do sculo xx, a economia brasileira passou por mudanas significativas. O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primrios para se transformar notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo impulso de quatro ciclos relevantes de avano industrial entre 1950 e 1980 em uma economia urbanizada, diversificada e complexa. J no longo perodo que se iniciou com a crise da dvida externa no incio dos anos oitenta, at o rpido processo de robustecimento da posio cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanos estruturais no que toca ao seu sistema industrial e de servios. A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de expanso, interrompido pela ecloso da grave crise bancria e financeira mundial de 2008-2009. desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desafios derivados do acirramento global da concorrncia comercial e industrial. diagnosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal desta publicao. Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existncia este ano, o Bndes se orgulha de ter sido, ao longo de sua histria, um ator importante no processo de desenvolvimento econmico e social. e uma das virtudes da instituio foi sua capacidade de antever os desafios do pas e se reestruturar para atend-los. nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. simultaneamente, comeou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento das indstrias de base. nos anos setenta, impulsionou a formao de um amplo setor de bens de capital (seriados e sob encomenda), alm da expanso das indstrias de insumos bsicos (siderurgia, metalurgia de no ferrosos, qumica e petroqumica, celulose e papel), bem como a expanso das indstrias de bens de consumo durveis, sem deixar de apoiar o esforo continuado de investimentos em infraestrutura, inclusive de telecomunicaes.

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Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis

nos oitenta, o Banco ganhou mais uma misso relevante: a de apoiar o desenvolvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento bsico e transportes de massa, alm da ateno ao crdito s pequenas empresas. no difcil perodo de alta inflao e alta vulnerabilidade cambial, nas dcadas de 1980 e 1990, em que a Formao Bruta de Capital Fixo/Produto interno Bruto (FCBF/ PiB) veio declinando, o Bndes teve sua atuao restringida pelas circunstncias adversas. no obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o processo de modernizao do setor pblico, tendo sido o agente operativo do programa nacional de desestatizao. desde 2004, com a retomada do crescimento, o Bndes voltou a apoiar firmemente a expanso dos investimentos em infraestruturas, indstria e servios, colaborando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento (FBCF/PiB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. essa trajetria ascendente foi interrompida pela gravssima crise financeira global detonada pela falncia do Lehman Brothers em setembro de 2008. O acmulo de reservas efetuado no perodo 2004-2008 somado aos bons fundamentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em trs dcadas, uma firme poltica anticclica baseada em um conjunto de iniciativas de estmulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os investimentos. O Bndes atuou proativamente desde o incio da crise e, com as demais instituies financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rpida superao do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, no apenas recebeu emprstimos de grande escala do tesouro nacional em 2009 e 2010, mas atuou de forma inovadora, sugerindo vrias iniciativas ao governo federal. essa capacidade de adaptar as suas formas de atuao pode ser explicada pelo conhecimento setorial da instituio sobre os diversos setores da economia brasileira. A partir de diagnsticos precisos e realistas, foi possvel adequar as polticas pblicas para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viveis. Os desafios atuais requerem superao das dificuldades antepostas pelo cenrio internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em pases desenvolvidos, acompanhada pela ascenso de pases em desenvolvimento, tem resultado

PreFCiO

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em maior competio internacional no mercado de bens transacionveis. simultaneamente, a continuidade das rpidas mudanas tecnolgicas demanda agilidade na elaborao de polticas de fomento. Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de crescimento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos comprovadamente competitivos tende a aumentar e, por consequncia, a atrair mais recursos para o pas. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem oportunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e servios ao longo da cadeia produtiva e que requerem contedo tecnolgico de fronteira. nossos agronegcios so extremamente competitivos e podem capturar oportunidades relevantes com o desenvolvimento avanado das cadeias supridoras de bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas reas de nossa indstria de bens de capital e da indstria automotiva, os setores de caminhes e o de nibus, considerando as oportunidades de transio tecnolgica em direo a novos padres de sustentabilidade ambiental, incluindo veculos hbridos e eltricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentvel coloca o Brasil em posio de destaque por sua capacidade de aglutinar solues de baixo carbono, eficincia energtica e incluso social. Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expanso das infraestruturas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a partir de 2007, com o Plano de Acelerao do Crescimento, e continuaro a crescer nos prximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edio desse plano. Mais recentemente o lanamento pelo governo federal de um ciclo de concesses e parcerias pblico-privadas em infraestruturas logsticas (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de equipamentos, insumos e servios alm do impacto positivo para a competitividade sistmica da economia. no se deve, porm, considerar apenas os desafios de avanar nas cadeias e setores onde o Brasil j tem constitudo vantagens competitivas reveladas ou onde os gargalos existentes criaram oportunidades rentveis. preciso pesquisar e fomentar as nossas chances de desenvolver indstrias e cadeias intensivas em conheci-

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Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis

mento cientfico e inovao. no h razo para no ambicionar capturar oportunidades empresariais nas tecnologias de informao e comunicao, como os setores de software, de telecomunicaes, de semicondutores, de automao dos servios e comrcio. entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacutica de biossintticos e vrias famlias de equipamentos do complexo industrial da sade, alm de nosso complexo aeronutico, aeroespacial e de defesa. ressaltam-se, ainda, novas oportunidades nas reas de energias renovveis, biomassa, etanol de terceira gerao, assim como as energias elica e solar. H possibilidades de desenvolvimento de cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avanar no desenvolvimento de geraes avanadas de produtos e processos. no h por que amesquinhar a perspectiva brasileira e no pensar de forma ambiciosa em relao aos potenciais de desenvolvimento do pas. nesta edio especial comemorativa do aniversrio de sessenta anos da instituio, o Bndes mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potencialidades brasileiras. esta edio traz um olhar sobre o desempenho dos setores com um breve histrico da ltima dcada, mas volta-se principalmente para as perspectivas nos prximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras, este estudo propicia uma viso de como as polticas do Banco podem se adequar s demandas setoriais. desafios e oportunidades emergem, e o Bndes est atento e pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentvel em todos os sentidos. Luciano Coutinho Presidente do Bndes

APreS entA odesde o incio do sculo xxi, ocorreram marcantes transformaes econmicas que mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos euA; crise bancria e soberana na europa; China como principal motor do crescimento mundial; ritmo intenso de progresso tcnico gerando novos produtos a preos consistentemente decrescentes; termos de troca favorveis s commodities; incluso econmica de uma nova classe mdia em pases em desenvolvimento. diante dessas transformaes em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira, principalmente do ngulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora. Ao completar sessenta anos de existncia, o Bndes organizou a presente publicao com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencialidades de cada setor so considerveis, porm, esse exerccio pode trazer contribuies positivas para o pas e para o Bndes. identificar e compreender melhor as vicissitudes e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, para a formulao de polticas pblicas e auxilia o Bndes a traar os rumos de sua atuao. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores per se, permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a sociedade sobre os desafios que a economia brasileira ter que enfrentar. dividida em dois volumes, esta publicao rene 18 artigos, sendo um introdutrio e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia brasileira a partir da performance dos ltimos dez anos e dos cenrios mais provveis acerca dos mercados mundial e domstico. O artigo introdutrio utiliza os resultados da balana comercial, da expanso do mercado domstico, do investimento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira no perodo recente, bem como suas perspectivas. entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia so particularmente relevantes na discusso de crescimento econmico sustentvel. O primeiro artigo setorial do Volume i trata do Complexo eletrnico, analisado tanto pelos equipamentos e componentes eletrnicos (inclusive microeletrnica e displays),

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Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis

quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e servios correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilstico e avalia no s a produo de veculos como tambm o setor de autopeas. A evoluo da indstria aeronutica apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube aproveitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente competitivas e examina os principais desafios para mant-las. A performance da indstria de bens de capital, o apoio do Bndes ao setor e suas perspectivas futuras so apreciadas no quarto artigo setorial deste volume. Alm da anlise geral de mquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da especificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da explorao do pr-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e servios relacionados explorao e produo offshore de petrleo e gs natural. O assunto abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e servios necessrios para extrao de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas descobertas das reservas o de construo naval, analisado no sexto artigo setorial, no qual possvel perceber a existncia de grandes oportunidades para o Brasil voltar a desempenhar papel de relevo na produo mundial. O Complexo industrial da sade, formado pelas indstrias farmacutica e de equipamentos mdicos, avaliado no penltimo artigo do Volume i, em um contexto em que promover a inovao constitui meio para ampliar o acesso da populao brasileira a novos produtos de sade. Outros setores so caracterizados como fornecedores de insumos para outros. um exemplo o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no ltimo artigo do Volume i. J no Volume ii, o primeiro artigo trata da indstria qumica, com foco em fertilizantes, setor que tem um considervel potencial de crescimento e de contribuio para a expanso agrcola no pas. O desenvolvimento de fornecedores nacionais do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta publicao: biocombustveis e agroindstria. Com relao ao setor de biocombustveis, uma anlise do crescimento de sua importncia nos ltimos anos por conta da necessidade de desenvolver uma economia sustentvel apresentada no artigo seguinte. A agroindstria avaliada no terceiro artigo como um processo integrado, contemplando desde a produo no campo at as etapas industriais que a sucedem.

APresentAO

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O quarto artigo do Volume ii aborda alguns setores tradicionais de bens de consumo, exemplificados por mveis, calados, txteis e confeces, bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosmticos. O quinto artigo analisa a evoluo da economia criativa assim como as perspectivas futuras. infraestrutura outro grande setor abordado na publicao. A evoluo estrutural do setor eltrico brasileiro e o seu financiamento so discutidos no sexto artigo. O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logstica e sua evoluo nos prximos anos em diversos modais, tais como: rodovirio, ferrovirio, porturio e aquavirio. Com relao infraestrutura urbana, o stimo artigo aborda a questo de saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o ltimo artigo do Volume ii apresenta outra questo relevante para os anseios da populao nas cidades: a capacidade de mobilidade urbana. A importncia dos setores abordados nesta publicao no se resume a sua representatividade no Produto interno Bruto (PiB) brasileiro, mas tambm na sua relevncia para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangncia, uma boa performance desses setores auxiliar o Brasil a mudar de patamar, passando para pas de renda alta. essa mudana representa um grande salto de desenvolvimento por sua dificuldade e complexidade. A expectativa que o conhecimento aqui demonstrado possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira. Por ltimo, necessrio registrar e agradecer a contribuio de todos os autores dos artigos desta edio comemorativa e das equipes de todas as reas envolvidas nesse projeto: industrial (Ai), insumos Bsicos (AiB), infraestrutura (Aie), social (As), Operaes indiretas (AOi), Comrcio exterior (Aex) e Pesquisa econmica (APe). O empenho e a dedicao desses autores foram essenciais para garantir a qualidade das reflexes encontradas na publicao. Cabe tambm um agradecimento aos colaboradores do departamento de divulgao do gabinete da Presidncia do Bndes envolvidos na edio do livro. Filipe Lage de sousa Organizador

Adriana inhudes Gonalves da cruz Antonio marcos Hoelz Ambrozio fernando Pimentel Puga filipe Lage de sousa marcelo machado nascimento*

* respectivamente, coordenadora de servios do departamento de acompanhamento econmico e operaes da rea de Pesquisa e acompanhamento econmico (aPe/dae); gerente do departamento de Pesquisas e operaes (aPe/dePeQ); superintendente da aPe; economista do Bndes e editor do peridico BNdes setorial; e chefe de departamento da aPe/dae do Bndes.

ECONOMIA BRASILEIRA

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Res um oNeste estudo, analisamos as transformaes recentes e os desafios da economia brasileira. A emergncia da China como potncia econmica mundial implicou um choque de preos relativos, com barateamento de bens industriais e aumento dos preos de commodities, nos quais o Brasil tem vantagem comparativa, o que impactou de forma favorvel as contas externas. No front interno, o aumento do crdito e a gerao de empregos, aliados a polticas de incluso social, possibilitaram uma melhoria no padro de consumo de milhes de brasileiros, o que, em conjunto com uma expanso dos investimentos, impulsionou o dinamismo do mercado domstico. A robustez do mercado interno, fortalecido por medidas anticclicas fiscais e creditcias, foi determinante para a resilincia da economia brasileira ante a crise financeira internacional de 2007-2008, e continuar a ter papel importante para impulsionar o crescimento do pas. Apesar de todos os avanos recentes, ser preciso enfrentar o desafio de aumentar a produtividade brasileira. Argumentamos ainda que o futuro apresenta obstculos, mas oferece tambm oportunidades, que permitiro um aumento tanto dos investimentos quanto da produtividade da economia brasileira.

Abs tR Ac tIn this paper, we analyze the recent transformations in and challenges for the Brazilian economy. The emergence of China as a world economic power has changed terms of trade with a reduction of the prices of manufacturing goods and an increase in commodities prices, in which Brazil has comparative advantage. This change of terms of trade has positively impacted the Brazilian trade balance. In the domestic market, the expansion of credit and employment together with social inclusion policies managed to improve the consumption pattern of millions of Brazilians. The growth in investments has also boosted the domestic market. The robustness of the internal market, strengthened by fiscal and credit anti-cyclical

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BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

policies, was a determining factor for the resilience of the Brazilian economy after the international financial crisis in 2007-2008. Moreover, the internal market might have a relevant role in the years to come. Despite all the recent progress, it will be necessary to improve Brazilian productivity. We argue that there are not only drawbacks in the future but also opportunities which may be able to boost investments in and the productivity of the Brazilian economy.

ECONOMIA BRASILEIRA

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Um dos grandes desafios econmicos para qualquer nao a conciliao de crescimento econmico, estabilidade e reduo das desigualdades. Quanto a esse aspecto, os ltimos anos representaram um perodo de grande sucesso para a economia brasileira. Por diversos motivos, que envolvem fatores externos, internos e o desenho de polticas pblicas, a economia brasileira alcanou crescimento mdio anual prximo a 4% a.a. entre 2000 e 2011 (Grfico 1), valor superior ao observado nas duas dcadas anteriores, que foi cerca de 2% anuais. Entre 2004 e 2011, quando a economia apresentou melhor performance, a inflao tambm se manteve sob controle, com taxa anual mdia de 5,4%. Durante esse perodo, tambm foi possvel perceber uma substancial melhoria na renda e na qualidade de vida das famlias mais pobres, uma queda quase contnua da taxa de desemprego e forte expanso do crdito. Como resultado, houve o fortalecimento do mercado domstico, que desempenhou um papel crucial na resilincia da economia perante a crise internacional de 2007-2008.

Grfico 1 Variao do Produto interno Bruto (PiB) a Preos constantes (em %)

8

7 5,71 6,09

4,31

5

3,38

3,16

4

3,96

5,17

6

7,53

1,31

2

2,15

3

2,66

0 -0,33

-1 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

0,04

0,25

1

1,15

2009

2010

2011

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

2,73

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BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

No front externo, a China se consolidou como potncia econmica. O desempenho chins proporcionou uma crescente demanda por commodities e aumentou o comrcio de recursos minerais e energticos. Avanos na renda e padro de vida nos mercados emergentes elevaram o consumo de alimentos com elevado ndice proteico, produtos dos quais o Brasil produtor eficiente. Apesar da crise financeira internacional iniciada em 2007, a economia brasileira continuou obtendo desempenho acima da mdia. Os efeitos da crise sobre o Produto Interno Bruto (PIB) foram relativamente tnues, com queda de apenas 0,3% em 2009. Em virtude da fora do mercado domstico e de polticas anticclicas, nas quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) teve importante participao, a recuperao ocorreu de forma rpida e vigorosa, com crescimento de 7,5% em 2010. Apesar dos resultados positivos do perodo e do alvio de problemas sociais que historicamente afligiram o pas, existem desafios a serem enfrentados no futuro prximo. O aumento da competitividade da economia e a continuidade dos avanos sociais dependem de avanos na infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimento e da acelerao na qualificao da mo de obra. Tendo como pano de fundo as conquistas dos ltimos dez anos, decndio entre as comemoraes de cinquenta e sessenta anos do BNDES, bem como os desafios que se erguem para o futuro prximo, este texto examina o comportamento das principais variveis econmicas que ilustram o perodo e analisa as transformaes pelas quais os principais setores da economia passaram. Para cumprir esse objetivo, este artigo est dividido em outras cinco sees. A primeira seo trata do cenrio internacional e analisa como este afetou a balana comercial brasileira. O desempenho do mercado domstico nos ltimos anos analisado na seo seguinte. A terceira seo analisa os investimentos no Brasil nos ltimos anos e prev os prximos a serem realizados. Em seguida, expe-se o desafio da produtividade brasileira, com base em seu desempenho recente e em suas perspectivas. Na ltima seo, so delimitadas as consideraes finais.

ECONOMIA BRASILEIRA

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1. cenR i o i nte R n A c ion A L e bAL An A com e R c iA L b R A s iL e iR AA ltima dcada ficou marcada por dois fenmenos internacionais que afetaram o desempenho da economia mundial e se traduziram em mudanas importantes para a economia brasileira: (a) a consolidao da China como potncia econmica e importante provedora de bens industriais para o mundo; e (b) a crise financeira internacional e seu impacto sobre a distribuio de foras econmicas e polticas entre economias avanadas e emergentes. Depois de trs dcadas de crescimento prximo a 10% a.a., a China ganhou dimenso importante como potncia econmica, superando, em volume de produo, pases como Alemanha e Japo. H at mesmo a perspectiva de se tornar a maior economia do planeta, possivelmente, antes de 2020, conforme previses do Fundo Monetrio Internacional (FMI).1 Apesar de o crescimento elevado ter se iniciado na dcada de 1970 e se mantido nas dcadas posteriores, foi nos anos 2000 e, sobretudo, a partir da adeso Organizao Mundial do Comrcio (OMC), ocorrida em novembro de 2001, que a economia chinesa consolidou seu papel como importante provedora de bens manufaturados gerais, em escala global. O Grfico 2 ilustra o aumento da participao da China nas exportaes mundiais de bens manufaturados. Em dez anos, essa participao praticamente triplicou, passando de 4,7% em 2000 para 14,8% em 2010. A emergncia da China como parque industrial do planeta trouxe importantes repercusses sobre o dinamismo de pases emergentes e desenvolvidos e influenciou, at mesmo, a orientao da poltica econmica em escala mundial. A queda dos preos de produtos manufaturados, tornada possvel graas ao avano da indstria chinesa, contribuiu para a manuteno de inflao e juros em patamares historicamente baixos. Essa condio de preos e poltica monetria, que ficou conhecida como perodo da grande moderao (great moderation), pro-

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no obstante, a supremacia econmica chinesa no um fato novo na histria mundial. dahlman (2011) mostra que a economia chinesa era uma das maiores antes da revoluo industrial.

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BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

longou a fase de crescimento econmico com estabilidade de preos nos pases avanados, iniciada no fim da dcada de 1980.Grfico 2 ParticiPao das exPortaes chinesas (%) no total das exPortaes mundiais de manufaturados14,8 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1,9 1991 1992 1993 1994 1995 1996 3,3 1997 1998 1999 2000 4,7 4 2 0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 16

14

12

10

(%)

8

6

Fonte: Organizao Mundial do Comrcio.

O desempenho chins guarda relao direta com o aumento dos desequilbrios globais (global imbalances). A combinao de preos baixos com a elevada competitividade dos produtos chineses proporcionou o aumento dos dficits comerciais de pases desenvolvidos concomitante com o acmulo excessivo de poupana na China [Bernanke (2005)]. Os juros baixos, combinados a regras excessivamente permeveis para os mercados financeiros, contriburam para inflar os preos de ativos, fomentando bolhas que se traduziram em maior fragilidade nos mercados. Entre 2007 e 2008, a instabilidade latente dos mercados converteu-se em fenmeno concreto: a pior crise financeira do ps-guerra e, provavelmente, a segunda mais grave ps-revoluo industrial. A crise comeou a se configurar com a percepo dos mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preos de ativos, sobretudo no segmento de imveis, quanto s condies de alavancagem de bancos e famlias. A associao entre os desequilbrios globais e a crise financei-

ECONOMIA BRASILEIRA

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ra foi amplamente explorada pela literatura econmica. Exemplos importantes de estudos que abordaram essa interao so Obstfeld e Rogoff (2010) e Caballero, Farhi e Gourinchas (2008). Durante a crise, e mesmo no perodo de recuperao, ficou clara uma diferena entre o potencial de resistncia de economias emergentes e a vulnerabilidade das economias desenvolvidas. O desempenho das economias emergentes antes e depois da crise financeira continuou elevando a demanda por commodities. Em razo das condies bastante restritas de resposta pelo lado da oferta, os preos desses produtos se mantiveram elevados (Grfico 3).Grfico 3 Preo de commodities (ndice 2005 = 100)500 450 400 350 346,7 300 250 200 150 100 50 0 126,6 455,9

1970

1971

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1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

Fonte: Banco Mundial.

Essa evoluo do cenrio internacional teve relevante implicao sobre o comrcio exterior do Brasil. O crescimento da participao chinesa no comrcio mundial, por exemplo, se refletiu no aumento da importncia do pas como parceiro comercial e afetou de forma positiva, pelo menos quantitativamente, o saldo da balana comercial brasileira nos ltimos anos. As exportaes brasileiras saltaram de um patamar de US$ 55 bilhes em 2000 para US$ 256 bilhes em 2011, enquanto as importaes de US$ 56 bilhes para US$ 226 bilhes. Como

2012

20

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

consequncia, o saldo deficitrio de US$ 700 milhes em 2000 alcanou um supervit de US$ 30 bilhes em 2011.2 Embora essa nova ordem do comrcio internacional tenha favorecido a economia brasileira de maneira geral, houve um comportamento bastante heterogneo do resultado comercial entre diversos segmentos. O Grfico 4 mostra a evoluo do saldo comercial acumulado em 12 meses desde 2000 para cinco grupos de setores: agropecurio; setores intensivos em recursos naturais; setores intensivos em trabalho; setores intensivos em escala; e setores intensivos em engenharia e tecnologia.3Grfico 4 saldo comercial Por gruPos de setores (acumulado em 12 meses)100

80

60 Saldo comercial em US$ bilhes

40

20

0 jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012

-20

-40

-60 Agropecurio Intensiva em recursos naturais Intensiva em trabalho Intensiva em escala Intensiva em engenharia e tecnologia

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados da Secex/MDIC.

o pice do supervit da balana comercial ocorreu em maio de 2007, quando este atingiu us$ 48 bilhes no acumulado de 12 meses. 3 os setores intensivos em recursos naturais so: indstria extrativa, alimentos e bebidas, madeira, papel e celulose, coque e refino de petrleo e produtos minerais no metlicos. os intensivos em trabalho compreendem: txtil, vesturio e acessrios, couro e calados, produtos de metal e mveis e indstrias diversas. os setores produtos qumicos, borracha e plstico, metalurgia bsica e veculos automotores so os intensivos em escala. Por ltimo, os intensivos em engenharia e tecnologia so mquinas e equipamentos, mquinas para escritrio e informtica, mquinas e aparelhos eltricos, material eletrnico e de comunicaes, equipamentos mdico-hospitalares e outros equipamentos de transporte.2

ECONOMIA BRASILEIRA

21

A partir de uma situao inicial, em janeiro de 2000, em que os diversos grupos eram caracterizados por dficits ou supervits de pequena magnitude, evoluiu-se para uma situao na qual alguns grupos j superavitrios em 2000 passaram a exibir grandes supervits comerciais (agropecurio e intensivo em recursos naturais) enquanto outros j deficitrios em 2000 passaram a exibir grandes dficits (intensivo em escala e em engenharia e tecnologia). A exceo foi o grupo intensivo em trabalho, cujo saldo ficou quase estagnado no perodo, passando de um pequeno supervit a um pequeno dficit comercial. Cabe destacar que o aumento dessas diferenas ocorreu justamente a partir de 2007, quando o saldo da balana comercial brasileira tinha atingido seu pice. Ademais, o ritmo de crescimento, tanto dos supervits quanto dos dficits, se intensificou a partir de 2010. O crescimento do saldo comercial nos grupos agropecurio e intensivos em recursos naturais foi influenciado pela exploso dos preos das commodities agrcolas e minerais. O boom exportador desses grupos, no entanto, no pode ser explicado apenas pelo aumento dos preos internacionais, uma vez que tambm houve expressivo aumento do quantum exportado.4 J o grande aumento do dficit comercial dos grupos intensivos em escala e engenharia e tecnologia, a despeito do crescimento de suas exportaes, pode ser explicado pela intensificao das importaes, principalmente de produtos chineses. Esse alargamento das importaes, embora em alguns segmentos represente elevao da competio no mercado domstico, reflete em geral a forte expanso da demanda sustentada por significativo aumento do crdito e um mercado de trabalho aquecido que vem ocorrendo a um ritmo superior ao do crescimento da oferta nos ltimos anos. Assim, o alargamento das importaes vem sendo o instrumento usado para viabilizar o crescimento econmico sem gerar maiores presses inflacionrias. Iglesias e Rios apud Bacha e Bolle (2011) chamam a ateno para o fato de que a menor participao no mercado internacional dos produtos brasileiros deve estar relacionada com melhores oportunidades no mercado

4

na seo 4, o box ilustra que o aumento da quantidade exportada pode ser parcialmente explicado pelo ganho de competitividade em alguns setores via crescimento da produtividade.

22

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

domstico. A prxima seo mostrar como a elevao da renda e do emprego foram fundamentais para o desempenho favorvel do mercado domstico.

2. ec o no m i A Do m s t ic A : o DesenVoLVimento com incLuso sociALNo front interno, o destaque foi a ascenso de milhares de brasileiros a um novo padro de renda e consumo. Entre 2001 e 2009, a renda per capita das famlias do dcimo percentil inferior de renda alcanou crescimento anual mdio de 6,8% (Grfico 5A). Considerando o crescimento demogrfico em torno de 2% a.a. para essas famlias, as taxas de crescimento real seriam da ordem de 9% anuais. Esse aumento de renda dos extratos sociais mais pobres viabilizou a migrao de milhes de famlias das classes D e E para a classe C, engrossando a nova classe mdia brasileira, conforme definida por Nri (2008). Esse fenmeno est ilustrado no Grfico 5B.

Grfico 5 indicadores de distriBuio de rendaGrfico 5a crescimento da renda real Per cAPitA Por Percentil na distriBuio dos rendimentos (% a.a.)

100 90 80 70 60 50 40 30 20 10

1,5 2,4 3,2 3,9 4,5 4,8 5,3 5,8 6,1 6,8

ECONOMIA BRASILEIRA

23

Grfico 5b distriBuio da PoPulao Por classes de renda (em milhes de haBitantes)250

200 13,3 150 8,8 12,9 65,9 45,6 100 55,4 105,5 22,5

MILHES DE HABITANTES

55% DA POPULAO

50

92,9

83,3

96,2 63,6

0 1993 Classes A e B Classe C 1995 Classes D e E 2003 2011

Fontes: FGV e Ministrio da Fazenda.

Entre os fatores que contriburam para a mudana na pirmide social brasileira esto as polticas governamentais de valorizao real do salrio mnimo e de transferncia de renda. A poltica de valorizao do salrio mnimo levou a sucessivos aumentos reais de renda entre 2002 e 2011. Os ganhos reais cresceram em mdia 5% a.a., acumulando variao de 63,3% no perodo, como mostra o Grfico 6. Adicionalmente, as polticas pblicas de transferncia de renda, capitaneadas pelo Bolsa Famlia, cuja cobertura chega a mais de 13 milhes de famlias em todo o territrio nacional,5 possibilitaram maior capacidade de consumo a indivduos at ento sem acesso completo a bens essenciais. Ainda entre as iniciativas do governo, possvel citar o estmulo ao microcrdito, no apenas produtivo, mas tambm para consumo. A partir de 2003, foi iniciado um processo de bancarizao, com foco nas camadas mais baixas da populao, que trouxe avanos significativos no acesso ao crdito [Barone e Sader (2008)]. Esse processo abrangeu a ampliao da rede bancria, at mesmo via cor-

5

informao do ministrio do desenvolvimento social e combate fome, em . acesso em 28 set. 2012.

24

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

respondentes bancrios em todo o Brasil, alm de mudanas jurdicas e institucionais, como a criao da modalidade de crdito consignado, que diminuiu o risco de inadimplementos nos emprstimos a trabalhadores e aposentados de menor renda. Somando-se o aumento da renda e do emprego e a reduo gradativa da taxa de juros, tais transformaes permitiram que o volume de crdito total da economia em relao ao PIB praticamente dobrasse entre 2002 e 2011, saltando de um percentual de 26% para 49% (Grfico 7). O crdito s pessoas fsicas subiu de 6% para 15,3% do PIB, como pode ser visto no Grfico 7. Dentre as modalidades de crdito voltadas pessoa fsica, destacam-se as operaes consignadas, com desconto em folha de pagamento, que, desde que foram autorizadas, em 2004, at 2011, cresceram a uma taxa mdia anual de 39%. Esse incremento s no foi maior do que o avano dos financiamentos imobilirios, de 48,4% na mdia anual. Turbinado pelo grande dficit habitacional existente no Brasil, o crdito imobilirio, que em 2002 representava 1,7% do PIB, alcanou 4,8% em 2011 e segue crescendo a taxas elevadas.

Grfico 6 salrio mnimo deflacionado Pelo iPca (ndice 2002 = 100) e Variao (%) anual14 13,1 170 163,3 160 9,89,2

12

10

150 7,4

8

140 6 3,9 3,6 130

3,1

4

0,7

2

120 0,3

-2 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

-1,3

0

110

100

Variao (%) anual

ndice 2002 = 100

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

ECONOMIA BRASILEIRA

25

Grfico 7 relao crdito/PiB (%) Pessoa fsica (Pf) e Pessoa jurdica (Pj)50 40,5 45 35,2 40 30,9 35 25,7 30 24,6 26 25 20 15 10 5 6 0 2002 PJ PF 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 8,8 10 11,8 12,8 14,3 14,6 15,3 20 18,8 18,7 28,3 43,7 49 45,2 33,7 29,4 27,7 23,4 20,9 19,5 30,6 5,8 7

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

Nesse cenrio de rpido alargamento dos recursos para operaes de crdito, o endividamento das famlias, isto , a relao entre o saldo de suas dvidas e suas rendas, elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011, como mostra o Grfico 8. No entanto, a melhoria nas condies de crdito, tanto em relao a juros quanto a prazo, freou o aumento no nvel de comprometimento da renda das famlias com dvidas. Em 2005, cerca de 18% da renda das famlias estava comprometida com o servio de suas dvidas, indo para 22%, em 2011. Como resultado, chegou-se a um percentual similar aos padres internacionais, o que deve levar a uma acomodao no crescimento do crdito s famlias. No tocante ao mercado de trabalho, depois de um longo perodo de convivncia com taxas de desemprego de dois dgitos, o Brasil assistiu a uma intensa mudana estrutural nos ltimos dez anos, que levou a taxa de desocupao de patamares prximos a 12% em 2002 para algo em torno de 6% no fim da dcada, como mostra o Grfico 9. O dinamismo do mercado domstico desempenhou um papel crucial para o crescimento do emprego ao longo desse perodo, particularmente depois de 2004.6

6

Para a importncia da demanda interna na gerao de emprego vis--vis fatores como mudana tecnolgica e penetrao de importaes, ver ambrozio e santanna (2012).

26

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

Grfico 8 endiVidamento e comPrometimento da renda das famlias (em % da renda Pessoal disPonVel)45 40 35,4 35 30 25 20 15 10 5 0 2005 Amortizao 2006 Juros 2007 Comprometimento total 2008 2009 Endividamento 2010 2011 11,9 12,4 11,5 11,4 12,2 12,3 14,2 24,5 21,5 17,6 5,7 18,6 17,6 18,5 19,6 19,4 8,0 6,2 6,1 7,1 7,4 7,2 22,2 29,1 32,2 39,2

42,4

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

Grfico 9 taxa de desemPrego dessazonalizada (em %)14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 7 7 5,8 9,5 9 9 8,0 11,7 11 11 13

5 mar. 2002 mar. 2003 mar. 2004 mar. 2005 mar. 2006 mar. 2007 mar. 2008 mar. 2009 mar. 2010 mar. 2011 mar. 2012 set. 2002 set. 2003 set. 2004 set. 2005 set. 2006 set. 2007 set. 2008 set. 2009 set. 2010 set. 2011

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

ECONOMIA BRASILEIRA

27

Todas essas transformaes observadas ao longo da dcada criaram uma conjuntura favorvel ao aumento da renda da populao, em especial de indivduos at ento localizados na base da pirmide social. E, principalmente, ampliaram a capacidade de demanda desses milhares de brasileiros, promovendo acesso mais igualitrio a bens e melhor qualidade de vida. A melhoria na distribuio de renda foi acompanhada por reduo das disparidades entre as regies do pas. O Grfico 10 mostra que Norte e Nordeste se destacaram no crescimento do consumo do varejo, que inclui desde bens essenciais e artigos de vesturio at bens de consumo durvel, como eletrnicos. O incremento acumulado das vendas no comrcio varejista da Regio Norte atingiu 102,2% entre 2002 e 2011, seguido pelo comrcio nordestino, com aumento de 99,1%. Tais variaes superam em muito a mdia do pas, de 75,5%.Grfico 10 Volume de Vendas no Varejo Por regies ndice 2002 = 100 e Variao (%) acumulada no Perodo210 102,2% 99,1% 190 81,2% 76,6% 75,5%

170

56,8% 150

130

110

90 2002 Brasil 2003 Norte 2004 Nordeste 2005 Sudeste 2006 Sul 2007 2008 Centro-Oeste 2009 2010 2011

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

Em suma, o Brasil da ltima dcada cresceu com distribuio de renda e incremento na qualidade de vida dos cidados e criou um mercado domstico de

28

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

consumo que foi fundamental no enfrentamento da crise financeira internacional em 2007-2008. Alm do consumo, o investimento foi outro fator importante para o crescimento do PIB nos ltimos anos. A prxima seo mostra as transformaes ocorridas no investimento.

3. o s i nV es time n t osA criao de um importante mercado de consumo, analisada na seo anterior, foi um dos principais determinantes do crescimento econmico brasileiro, nos ltimos anos. Entretanto, o investimento tambm foi fator relevante. O Grfico 11 mostra o desempenho do PIB e seus determinantes. Pode-se observar a importncia da demanda domstica, tanto pelo consumo das famlias quanto por investimento, para o crescimento do PIB.Grfico 11 determinantes do crescimento do PiB comPosio do crescimento do PiB Pela tica da demanda (Variao anual e contriBuio em Pontos Percentuais)7,5 1,3 0,9 6,1 5,7 0,5 2,7 1,5 1,1 1,1 -0,8 -0,2 1,1 0,8 1,2 0,3 -0,7 -0,4 0,9 0,9 2,1 1,3 3,2 0,6 0,5 2,5 0,5 -1,0 1,5 -0,8 -0,2 2,3 -1,0 2,4 -1,5 4,0 0,5 3,5 3,0 3,2 0,7 4,0 2,6 0,9 -1,1 -0,3 -2,2 -0,3 2002 FBCF 2003 2004 2005 2006 2007 Exp. liq. 2008 Var. est. 2009 2010 2011 -2,7 -0,7 -0,4 0,3 1,1 5,2 0,3 0,7 4,1 2,7 0,4 2,5

Consumo das famlias

Consumo do governo

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

O perodo de maior expanso do investimento foi entre 2005 e 2008. Entre 2006 e setembro de 2008, o Brasil viveu um importante ciclo de investimentos.

ECONOMIA BRASILEIRA

29

Depois de mais de vinte anos de inverses preponderantemente voltadas atualizao do parque industrial existente (bronwfield), apareceram grandes projetos em ampliao da capacidade produtiva (greenfield), com a construo de novas unidades fabris e plantas industriais. Como resultado, houve forte elevao da taxa de investimento, de 15,9% do PIB em 2005 para 19,1% do PIB em 2008, como ilustrado no Grfico 12.Grfico 12 taxa de inVestimento (inVestimento/PiB) em %19,5 19,3 2011 20 19,1

19

16,4

16,1

15

14

13

12

1999

2000

2001

2002

2003

15,3

16

15,7

2004

2005

15,9

2006

16,4

17

16,8

17,0

2007

17,4

18

2008

2009

18,1

2010

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

A expanso dos investimentos nos diferentes setores da economia se deve tanto ao desempenho dos mercados domstico e internacional quanto a polticas pblicas e reformas estruturais. Resumindo alguns dos principais determinantes da acelerao dos investimentos, tem-se:1.

Agropecuria: a competitividade obtida pelo Brasil nesse setor e a disponibilidade de recursos puseram o pas em destaque no mercado internacional. Adicionalmente, houve um crescimento da demanda mundial para esses produtos em virtude da emergncia dos pases em desenvolvimento. Como consequncia, houve um aumento do preo desses produtos bem acima da mdia histrica. Em virtude das condies domsticas e do ambiente internacional

30

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

mais favorvel, houve um grande aumento do investimento nesse setor.2.

Indstria: a expanso do mercado domstico proporcionou um deslocamento de empresas para o Brasil, o que acabou elevando os investimentos, principalmente nos setores produtores de bens de consumo durveis. Infraestrutura: o governo lanou o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) em 2007. Esse programa oferecia um volume expressivo de investimentos em infraestrutura, incluindo energia eltrica. Construo residencial: reformas ocorridas no passado, como a alterao no instrumento de garantia em financiamento habitacional e segurana para os adquirentes de imveis na planta, e uma situao macroeconmica mais estvel viabilizaram uma intensa expanso do crdito habitacional e da construo. Mais recentemente, houve a contribuio do programa Minha Casa Minha Vida, o qual visa produo de imveis residenciais para famlias de baixa renda. A crise financeira, em 2009, comprometeu a continuidade do crescimento dos in-

3.

4.

vestimentos, derrubando a taxa de investimento para 18,1%. Entretanto, em 2010, amparada pela atuao anticclica do BNDES e por programas de governo de investimento em infraestrutura e construo residencial, o investimento retornou com fora, alcanando o patamar de 19,5% nesse ano. A existncia de um expressivo ciclo de inverses em energia e infraestrutura contribuiu tambm para sustentar parcela expressiva dos investimentos planejados da economia. A robustez desse ciclo pode ser explicada pela existncia de grandes projetos com retornos de longo prazo, que dependem de decises menos afetadas pela crise. Em 2011, a taxa de investimento ficou em 19,3%. Apesar da significativa deteriorao no cenrio internacional, esse percentual significativamente maior do que os 15,9% de taxa de investimento de 2005. Ao avaliar os investimentos futuros, nota-se que o cenrio ser promissor. Segundo o levantamento, realizado no incio de 2012 pelo BNDES, publicado no Perspectivas do Investimento, haver inverses de R$ 1,86 trilho em importantes setores da indstria e infraestrutura e na construo residencial. Para esses setores, foram reunidas informaes sobre os planos estratgicos das empresas. Como resultado, possvel comparar as perspectivas com os investimentos ocorridos em anos recentes (Tabela 1).

ECONOMIA BRASILEIRA

31

Tabela 1 PersPectiVas de inVestimentocaractersticas Setores investimentos ocorridos em 2007-2010 (r$ bilhes) 122 investimentos previstos para 2012-2015 (r$ bilhes) 113 crescimento (%)

maiS VolTadoS ao mercado eXTerno

eXTraTiVa mineral, SiderurGia, papel e celuloSe, aeronuTica auTomoTiVo, Qumica, TXTil e confeceS, eleTroeleTrnica, compleXo induSTrial da Sade enerGia elTrica, TelecomunicaeS, SaneamenTo, loGSTica conSTruo reSidencial peTrleo e GS

(7,4)

maiS VolTado ao mercado domSTico com maior induo Via polTicaS pblicaS infraeSTruTura com maior induo Via polTicaS pblicaS conSTruo reSidencial auTnomoS ToTal

100

130

30,0

336 596 238 1.392

401 860 354 1.858

19,3 44,3 48,7 33,5

Fonte: BNDES.

As perspectivas so de expanso nos setores mais voltados ao mercado domstico, cuja dinmica se mostra capaz de contrabalanar o cenrio de retrao dos investimentos de setores mais voltados ao mercado internacional. A consolidao do mercado de consumo de massas, criado pela combinao de aumento da renda e reduo de desigualdades sociais, vem atraindo investimentos diretos para o Brasil, que revela perspectivas de crescimento acima da mdia mundial nos prximos anos. Os grupos seguintes compreendem setores em que o cenrio de crescimento guarda pouca relao tanto com a conjuntura internacional quanto com a domstica. Os projetos mapeados mostram expressiva capacidade das polticas pblicas de induo de maiores investimentos na economia. Cabe destacar a presena de grandes projetos com horizonte de longo prazo nessa lista de investimentos. Entre estes, h as inverses no setor de petrleo e gs por conta da explorao do pr-sal, hidreltricas na Regio Norte e ferrovias. Um efeito direto desses investimentos, tanto passados quanto futuros, o crescimento da produtividade, o qual ser abordado na prxima seo.

4. o Des Af i o DA P R oD u t iV iD A D eOs desafios para a prxima dcada so distintos daquele do incio da dcada passada. Em um ambiente de taxas de desocupao prximas natural em muitos seto-

32

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

res, os aumentos reais de salrios se tornaram maiores. Nesse sentido, o desafio de elevar a competitividade da economia nacional ficou maior, tornando ainda mais premente a necessidade de elevar a produtividade brasileira. Um fato estilizado quando se observa o desempenho econmico de diferentes pases a relevncia do crescimento de produtividade como um fator fundamental para o desenvolvimento. Na atual conjuntura internacional, o menor dinamismo da economia mundial impe maior presso competitiva, elevando ainda mais o papel da produtividade. Com base nas informaes de valor adicionado (VA) e de nmero de empregados possvel obter a produtividade do trabalho, definida como o quociente entre essas duas variveis. Na primeira dcada do sculo XXI, a produtividade cresceu a uma taxa mdia de 0,88% a.a., conforme verificado na Tabela 2. Os grandes setores revelaram desempenho bastante distinto. Somente a agropecuria conseguiu obter crescimento significativo da produtividade. Esse resultado foi explicado por um aumento da eficincia nesse setor, uma vez que houve um crescimento do VA agropecurio concomitante com uma manuteno dos postos de trabalho no setor. J a indstria e servios passaram por uma estagnao da produtividade no perodo analisado, no qual o primeiro apresenta uma ligeira queda e o segundo um aumento modesto.Tabela 2 nVel e crescimento da ProdutiVidade entre 2000 e 2009 (em r$ mil a Valores constantes de 2000)SetoraGropecuria indSTria SerVioS ToTal

Valor em 2000 3.250 18.395 14.819 12.937

Valor em 2009 4.731 17.377 15.461 13.992

Variao (% a.a.) 4,26 (0,63) 0,47 0,88

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

No entanto, h uma disperso considervel ao analisar a produtividade dos 56 segmentos, ainda mais quando se compara com o crescimento da mo de obra empregada. O Grfico 13 mostra, no eixo vertical, o crescimento mdio anual da produtividade e, no eixo horizontal, o crescimento mdio anual do

ECONOMIA BRASILEIRA

33

emprego. Um ponto positivo a inexistncia de qualquer setor com queda no emprego, ou seja, na pior das hipteses, o emprego ficou estagnado nesse perodo.7 Diante desse cenrio de crescimento de emprego na maioria dos setores, a queda de produtividade est relacionada ao desempenho do VA aqum do trabalho.Grfico 13 ProdutiVidade versus emPrego entre 2000 e 2009 Variao (% a.a.)8%

Agropecuria CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO

6%

Total

4% Servios

2%

-2,0%

0% 0% -2%

2% Indstria

4%

6%

8%

10%

12%

14%

-4%

-6%

-8% CRESCIMENTO DO EMPREGO

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

Os segmentos da agropecuria so os nicos que alcanaram ganhos de produtividade com certa estagnao no nmero de empregados. O setor com maior crescimento de produtividade nesse perodo o de automveis (6,6% a.a.), com razovel aumento de mo de obra (2,4% a.a.). Na outra ponta, os setores de petrleo e gs e mquinas para escritrio e informtica elevaram tanto o emprego (acima de 10% a.a.) que o VA no o conseguiu acompanhar, culminando em uma queda de produtividade. A produtividade mdia da economia pode aumentar de duas formas: ou aumento de produtividade dos setores em si, via maior eficincia tcnica, o que ser chamado

considerou-se queda uma variao acima de 1% em valores absolutos, enquanto a variao entre 0% e 1% caracterizou estagnao.7

34

BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

de efeito tecnolgico; ou deslocamento de trabalhadores para setores mais produtivos, o efeito composio. Utilizando a metodologia presente em Ambrozio e Sousa (2012), foram calculados esses efeitos para a primeira dcada do sculo XXI com uma desagregao maior da atividade econmica (56 setores). Como j mencionado, a produtividade do trabalho da economia brasileira cresceu a uma taxa de 0,88% a.a., o que significou um aumento de 8,2% no perodo. Ao avaliar qual foi a contribuio de cada forma de crescimento, a Tabela 3 mostra que ambos os efeitos foram igualmente importantes para explicar o crescimento da produtividade na economia brasileira entre 2000 e 2009.Tabela 3 decomPosio dos ganhos de ProdutiVidade Variao (% a.a.)anualefeiTo TecnolGico efeiTo compoSio ToTal

2000-2009 0,44 0,44 0,88

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

Nessa decomposio, a agropecuria desempenhou um papel de destaque no que diz respeito a ambos os efeitos. No quesito efeito tecnolgico, esse setor foi, como visto, o que obteve o crescimento da produtividade mais significativo, com ganho de 4,3% anuais. O seu expressivo ganho de produtividade pode ser explicado tanto por maior intensidade no uso dos insumos, entre os quais, o aumento na qualificao da mo de obra empregada e uma mecanizao crescente, bem como por aumento de eficincia, com destaque para os ganhos proporcionados pelos investimentos em pesquisa da Embrapa, conforme evidenciado em Bacchi, Bastos e Gasques apud Negri e Kubota (2008). Por outro lado, grande parte do efeito composio pode ser explicada pelo fato de o emprego na agropecuria ter ficado quase estagnado (variao de -0,5% a.a.), enquanto nos outros dois grandes setores o emprego se expandiu de modo significativo (cerca de 3% a.a. em ambos). Como pode ser visto na Tabela 2, o nvel da produtividade na agropecuria significativamente menor que na indstria e servios, e o maior peso relativo desses dois setores tende a aumentar a produtividade mdia da economia. A reduo do desemprego outro fator que explica o aumento da produtividade nesse perodo, como observado em Ambrozio e Sousa (2012).

ECONOMIA BRASILEIRA

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o Saldo comercial a parTir da produTiVidade

Como mostrado anteriormente, a balana comercial de alguns setores apresentou desempenhos desfavorveis, e h uma ligao importante desse assunto com a questo da produtividade. A teoria sugere que ganhos de produtividade tornam nossas exportaes mais competitivas ao permitir a gerao de maior valor agregado para uma dada quantidade de insumos, impactando positivamente a balana comercial. As evidncias empricas suportam essa associao direta entre aumento de produtividade e melhor desempenho exportador, como evidenciado em Arnold e Hussinger (2005) e Wagner (2007). Embora o desempenho exportador brasileiro nos ltimos anos tenha sido beneficiado pelas condies favorveis do comrcio internacional, tais como melhoria nos termos de troca e crescimento da economia mundial, os dados so consistentes com um cenrio onde o crescimento da produtividade afeta de forma favorvel o desempenho exportador, e consequentemente o saldo comercial. O Grfico 14 mostra, no eixo horizontal, o ganho mdio anual de produtividade obtido por diversos setores brasileiros de 2000 a 2009 e, no eixo vertical, a variao do saldo da balana comercial anual entre 2000 e 2011.8 Como pode ser observado, h uma relao positiva entre ganhos de produtividade e performance no saldo. Os resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que uma correlao positiva entre duas variveis no necessariamente implica relao de causalidade. Tomando por exemplo o caso dos setores deficitrios, o acirramento da competio global pode ajudar a explicar tanto um aumento no dficit maior dificuldade em acessar mercados externos e concorrncia com importados no mercado domstico como a queda na produtividade retrao das margens em virtude da maior competio internacional, com a desacelerao da gerao de emprego nesses setores em um ritmo mais lento que a

8

no grfico 14, so excludos os segmentos do setor de servios, que so non-tradables. a necessidade de compatibilizar a classificao da base de dados das contas nacionais com a base de dados da funcex implica aglutinao de alguns segmentos, e foi analisado um total de 24 segmentos da economia brasileira.

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BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS

desacelerao da produo, por causa dos custos de ajustar a mo de obra. De toda forma, os dados so consistentes com a histria que relaciona aumento de produtividade e melhor performance exportadora.Grfico 14 ganhos de ProdutiVidade versus Variao do saldo comercial (% a.a.)15% SALDO (2000-2011)

10%

5% PRODUTIVIDADE (2000-2009) -8 -6 -4 -2 0% 0 2 4 6

-5%

-10%

-15%

-20%

-25% Agropecuria Intensivo em recursos naturais Intensivo em trabalho Intensivo em escala Intensivo em engenharia e tecnologia

Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e da Secex/MDIC.

Quanto a perspectivas, a produtividade da economia brasileira tem espao para conseguir um desempenho superior ao encontrado at 2009. Para avaliar a produtividade futura, consideram-se como previso para os prximos dez anos as melhores performances dos grandes setores entre 2000 e 2009 sem a presena de outliers.9 Alm disso, mantm-se a tendncia de queda da participao da mo de obra da agropecuria para indstria e servios na mesma proporo da ltima dcada. Baseada nessas hipteses, a Tabela 4 mostra a previso do aumento da produtividade, um crescimento mdio de 1,78% a.a. Esse resultado quase o dobro

9

agropecuria crescendo a uma taxa de 4,3% a.a. (2000-2009); indstria 0,6% a.a. (2005-2008); e servios, 1,5% a.a. (2005-2009).

ECONOMIA BRASILEIRA

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daquele obtido entre 2000 e 2009 (0,88% a.a.) e seria um componente importante para sustentar uma trajetria de crescimento econmico nos prximos anos.Tabela 4 PreViso de ProdutiVidade Variao (% a.a.)anualefeiTo TecnolGico efeiTo compoSio ToTal

2010-2019 1,45 0,32 1,78

Fonte: Elaborao BNDES.

Os dois efeitos, tecnolgico e composio, sero relevantes para estimular a produtividade da economia brasileira. Do ponto de vista do efeito composio, h espao para elevao da produtividade com o deslocamento de mo de obra para setores mais produtivos. No entanto, ao contrrio da performance passada, a contribuio do efeito composio ser menor no s em termos absolutos, como tambm relativos. Portanto, os ganhos mais significativos devem advir do efeito tecnolgico. Cabe salientar que o crescimento da produtividade no longo prazo requer um aumento da eficincia nos diversos setores da economia. preciso reduzir a distncia do nvel de produtividade da economia brasileira em comparao ao das economias mais avanadas. Se consideradas as previses de investimento na economia brasileira expostas na seo anterior, h boas perspectivas para que essa performance se concretize. Combinadas com os resultados anteriores, obtm-se uma perspectiva de elevao robusta na acumulao de capital fsico, aliada a um crescimento significativo na produtividade do trabalho. A perspectiva de maiores ganhos de produtividade nos prximos anos permitir uma acelerao do crescimento com menor presso sobre a balana comercial. Dessa forma, estabelecem-se as bases de uma trajetria de crescimento sustentado para a economia brasileira ao longo desta dcada.

5. co ns i DeR A e s f in A isA nova fase da crise financeira internacional, com seus desdobramentos sobre os pases europeus, anuncia um perodo de baixo crescimento para as economias desenvolvidas. Os pases em desenvolvimento, entre os quais o Brasil se inclui, senti-

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ro os efeitos de um desempenho menos exuberante da economia mundial, mas ainda mantero ritmo de crescimento relativamente mais elevado. De acordo com as projees divulgadas por FMI (2012) em seu ltimo World Economic Outlook,10 a economia mundial crescer 3,5% em 2012 e 4,1% em 2013. A taxa de incremento entre os pases avanados ser de 1,4% e 2% em 2012 e 2013, enquanto os emergentes crescero 5,7% e 6%, respectivamente. Em um contexto de baixo crescimento da economia mundial, o Brasil dever lidar com um menor dinamismo do comrcio internacional e com termos de troca menos vantajosos, por conta da diminuio da cotao das commodities. A alternativa de direcionar os esforos para avanar via demanda domstica pode continuar sendo uma boa opo nos prximos anos desta dcada. Muitas famlias ascenderam classe mdia no Brasil entre os anos 2002 e 2012, sendo incorporadas ao mercado de consumo. A fora dessa massa de demanda foi fundamental para o enfrentamento da crise financeira de 2007-2008 e certamente permanecer como vetor importante de crescimento. No entanto, aumentar os investimentos, sobretudo em infraestrutura, uma necessidade premente para corrigir gargalos estruturais que afetam seriamente a competitividade e produtividade da economia nacional. Muitos outros desafios so impostos economia brasileira nessa nova dcada. De fato, houve uma mudana fundamental na pirmide social, com diminuio significativa dos nveis de misria e pobreza. Entretanto, ainda h muito a ser feito para tornar a economia do pas mais equnime e competitiva. Incrementar os nveis de educao e qualificao da mo de obra um exemplo, visto que o mercado de trabalho se tornou um gargalo relevante para a produo de alguns setores da economia. crucial, ainda, ampliar incentivos e investimentos em pesquisa e inovao. Os investimentos previstos em alguns setores relevantes mostram que h boas perspectivas de crescimento da competitividade da economia brasileira. O aumento de produtividade da economia nacional se torna imperiosa, porm factvel diante

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at o fechamento desta edio, o ltimo World economic outlook divulgado pelo fmi era o de abril de 2012.

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das previses apontadas neste estudo. O futuro promissor, visto que ultrapassar o paradigma de pas de renda mdia para um de renda elevada passou a ser possvel diante das oportunidades de que o Brasil dispe.

Ref eR nc i AsAMBROzIO, A. M. H.; SANTANNA, A. Decompondo o crescimento do emprego entre 2000 e 2008. Viso do Desenvolvimento, n. 102. Rio de Janeiro: BNDES, 2012. AMBROzIO, A. M. H.; SOUSA, F. L. Decompondo a produtividade brasileira entre 1995 e 2008. Viso do Desenvolvimento, n. 101. Rio de Janeiro: BNDES, 2011. APE REA DE PESQUISAS ECONMICAS. Perspectivas do Investimento na Indstria: 2012-2015. Viso do Desenvolvimento, n. 100. Rio de Janeiro: BNDES, 2011. ARNOLD, J. M.; HUSSINGER, K. Export Behavior and Firm Productivity in German Manufacturing: A Firm-Level Analysis. Review of World Economics, 2005, v. 141, n. 2. BACCHI, M.; BASTOS, E.; GASQUES, J. Produtividade e fontes de crescimento da agricultura brasileira. In: NEGRI, J. A.; KUBOTA, L. C. Polticas de incentivo inovao tecnolgica no Brasil. Braslia: Ipea, 2008. BARONE, F. M.; SADER, E. Acesso ao crdito no Brasil: evoluo e perspectivas. Revista de Administrao Pblica, 2008, v. 42, n. 6, p. 1.249-1.267. Disponvel em: . Acesso em: 28 set. 2012. BERNANKE, B. S. The Global Saving Glut and the U.S. Current Account Deficit, speech delivered for the Sandridge Lecture at the Virginia Association of Economists. Richmond, 2005 mar. 10. CABALLERO, R. J., FARHI, E.; GOURINCHAS, P. Financial Crash, Commodity Prices and Global Imbalances. NBER Working Paper, 2008, n. 14.521. DAHLMAN, C. J. The World Under Preassure: How China and India Are Influencing the Global Economy and Environment. Stanford University Press, 2011.

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ricardo rivera de Sousa lima*

* engenheiro e gerente setorial do Departamento das indstrias de tecnologias de informao e Comunicao da rea industrial do bnDes. o autor agradece a preciosa ajuda de alessandra sleman, luis otvio reiff, felipe lobo, marcos fernandes, marcos dos santos, Daniel Carvalho, Vicente Giurizatto e leandro lotero na gerao de dados da dispersa indstria de tiCs; e especialmente a francisco silveira e Henrique miguel da secretaria de poltica de informtica do ministrio da Cincia e tecnologia (mCti/sepin) o fornecimento de dados sobre a lei de informtica.

Complexo eletrniCo

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RES UM OA relevncia das indstrias baseadas na eletrnica ou, genericamente, das tecnologias da informao e comunicao (tiCs) avana com a consolidao da revoluo digital, tal como a preocupao dos governos com o domnio tecnolgico e difuso dessas tecnologias em suas naes. em compasso com esse quadro e com um dficit comercial crescente nesse setor, na dcada de 2000, o pas aperfeioou significativamente seu arcabouo legal, seus instrumentos de financiamento e de apoio difuso da eletrnica. Apesar dos efeitos dessas aes ainda estarem aqum do desejado mais do ponto de vista tecnolgico do que produtivo , os avanos so relevantes e diversas oportunidades se descortinam para o desenvolvimento das tiCs no Brasil. no contexto da celebrao dos sessenta anos do BnDeS, este artigo se prope a expor o histrico do desenvolvimento e do apoio do Banco s tiCs, com nfase no perodo 2001 a 2011, as principais tendncias e os desafios para que o Brasil se posicione como um pas protagonista na rea.

ABS TR AC Tthe relevance of industries based on electronics or, generically, part of information and communications technologies (iCts) has advanced due to the consolidation of the digital revolution, such as the interest of many governments in dominating technology and disseminating such technology throughout their nations. in keeping with this, and with the growing trade deficit in this sector, in the first decade of 2000, the country significantly improved its legal framework, as well as its financing instruments and mechanisms to provide support for electronic dissemination. Despite the fact that the results of such efforts still fall well short of the desired outcome more from a technological point of view rather than a production standpoint , the advances have been relevant and several opportunities have been revealed towards developing iCts in Brazil. Within the context of the BnDeS 60th anniversary celebrations, this article

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is aimed at disclosing the historic development and support the Bank has offered iCts, focusing on not only the period between 2001 and 2011, but also the main trends and the challenges Brazil must face to position itself as an active player in the area.

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1. InTR O DU OA primeira dcada deste milnio reforou o que diversos estudos j diagnosticavam desde meados do sculo passado: o carter estratgico das tiCs nas sociedades modernas.1 A relevncia dessa indstria se d tanto pelo prisma do acesso a estas pela sociedade, quanto por seu domnio para aplicao em setores produtivos, permitindo aumentar a produtividade do trabalho, criar servios, aprimorar produtos, modificar indstrias e processos e permitir avanos sociais e ambientais. o aumento da importncia do Complexo eletrnico (Ce) pela tica da demanda reflete-se, por exemplo, na preocupao de diversas instituies governamentais com a incluso digital e no aumento de gastos com tiCs, a taxas superiores ao crescimento da economia mundial.2 Grande parte das solues adotadas pelos governos para a crise econmica de 2008-2009 inclui medidas direcionadas para o setor de tiC que promovam a inovao, a difuso e a disseminao de seu uso [oCDe (2010)]. por vezes menos explcitas ou estruturadas, as polticas de apoio ao desenvolvimento produtivo do Ce so largamente implantadas por diferentes pases. essa atuao ocorre por diferentes meios, que podem ser: mecanismos de compras pblicas como no caso emblemtico das encomendas tecnolgicas realizadas pelo Departamento de Defesa dos estados Unidos (eUA) ; instrumentos regulatrios em mercados regulados; macios investimentos em inovao, formao de mo de obra e educao em cincias exatas; ou at mesmo controle dos investimentos diretos estrangeiros na aquisio de empresas nacionais estratgicas, baseados em fundamentos to amplos quanto segurana nacional ou segurana econmica.3 no por menos. Segundo a oliver Wyman, consultoria especializada no setor Automotivo, os dispndios em eletrnica representaro 60% do total investido em p,D&i pela indstria automobilstica at 2015 [oliver Wyman (2007)]. As tiCs j so

para citar como exemplo, j nas dcadas de 1980 e 1990, as tiCs contriburam entre 0,2 e 0,5 ponto percentual de crescimento econmico, dependendo do pas analisado. na segunda metade da dcada de 1990, essa contribuio esteve entre 0,3 e 0,9 ponto percentual por ano [Collechia e schreyer (2001)]. 2 segundo estudo Global innovation 1000 da consultoria bozz & Company (2008), apud bampi (2008-2009), em 2007 cerca de 29% dos investimentos em p&D das mil empresas do estudo seriam aplicados em computao e bens eletrnicos. 3 segundo silva (2010), as tiCs esto entre os setores sensveis e protegidos por extensa rede de agncias e considerados infraestrutura crtica.1

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responsveis por cerca de 5,5% dos empregos nos pases da oCDe [oCDe (2010)] se espalhando e se incrustando de maneira progressiva pela economia. em que pese o fato de a indstria brasileira de tiCs estar entre as dez maiores do mundo [oCDe (2008, Figura 2.14)], o pas segue experimentando dficits comerciais aceleradamente crescentes no Ce, com participao de apenas 1% das exportaes mundiais, ocupando o 27 lugar nas exportaes mundiais de tiCs em 2008 [Salles (2011)]. os motivos que travam o desenvolvimento do Ce sero discutidos ao longo do artigo, cujo objetivo expor a evoluo histrica recente do Ce no Brasil e o respectivo apoio do BnDeS, com especial nfase na ltima dcada,4 tendo como perspectiva o quadro atual do setor e os desafios para seu desenvolvimento no pas. A seo a seguir descreve os principais vetores de mudana provocada pela evoluo tecnolgica e de modelos de negcios das tiCs e, em sequncia, o panorama mundial no setor. na seo panorama brasileiro, so mostrados os instrumentos de poltica para o setor no pas. na seo seguinte, avaliada a evoluo do panorama setorial brasileiro. As duas ltimas sees apresentam as perspectivas do setor e as propostas para atuao do Banco.

2. PAnO R AM A In T E R n A C IOn A LAntes de iniciar a apresentao do panorama internacional, cumpre expor a classificao do universo tiCs adotada por este artigo. isso se justifica por nem sempre a definio dos alcances do Ce ser convergente, em consequncia da crescente difuso da eletrnica na economia. A Figura 1 exibe a definio proposta por este artigo, com uma tipologia orientada para a convergncia tecnolgica os segmentos eletrnica de consumo, equipamentos de telecomunicaes e informtica, que no decorrer do tempo foram classificados pelo BnDeS como segmentos distintos, esto inseridos em Sistemas e equipamentos eletrnicos como dispositivos de rede ou de acesso, ao lado dos segmentos de eletrnica embarcada e automao industrial. ressalta-se que, apesar

4

para o entendimento mais aprofundado do desenvolvimento histrico do setor nos anos anteriores, recomenda-se a leitura do artigo comemorativo de cinquenta anos do bnDes sobre o complexo eletrnico, elaborado por nassif (2002).

Complexo eletrniCo

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de serem intensivamente baseados em tiCs, no so considerados no Ce os servios de telecomunicaes, radiodifuso e comercializao das tiCs. por outro lado, em razo da dificuldade de dissociar os nmeros de software dos de Servios de tecnologia da informao (ti), estes ltimos foram inseridos no Ce para efeitos deste trabalho.Figura 1 Definio Do Complexo eletrniCoComplexo eletrnico/TICs COMPONENTES ELETRNICOS Displays Microeletrnica Outros Embarcado

SOFTWARE

SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRNICOS Eletrnica embarcada Dispositivos de rede Dispositivos de acesso Automao industrial

Produto

Servios TICs Comercializao Telecomunicaes Radiodifuso Servios de TI

Demanda TICs Manufatura (Bens de capital, Automotiva, Defesa etc.) Consumidor final Empresas Governo

Fonte: BnDeS.

Mudanas tecnolgicas e produtivas recentesAo mesmo tempo em que o Ce viabiliza profundas mudanas na organizao produtiva mundial proporcionando informao em tempo real, automatizando cadeias, aumentando a produtividade do trabalho etc. , diversas tendncias tecnolgicas e de processos afetam seu prprio dinamismo, trazendo desafios para as empresas nele inseridas e para formuladores de polticas pblicas preocupados com seu enraizamento local. A seguir, so comentadas algumas das principais tendncias que nasceram ou se reforaram na dcada de 2000.

Terceirizao produtivanos anos 1990, a globalizao se aprofundou, e a absoro dos conceitos de reengenharia de processos com focalizao nos negcios centrais das organizaes

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provocou a reorganizao das cadeias de fornecimento de diversos setores produtivos, originando desverticalizao em larga escala da produo mundial. Assim, o modelo de terceirizao de produo ganhou fora, tanto em hardware quanto em software e servios de ti. Desde ento, a produo de equipamentos, partes, peas e componentes foi progressivamente desviada para as montadoras terceirizadas, as Contract equipment manufacturer (Cem). Direcionado pela dimenso custos, esse segmento se consolidou, alcanando faturamento muitas vezes superior ao dos prprios clientes. estes, por sua vez, passaram a focar na manufatura de produtos mais sofisticados, com maior flexibilidade nas linhas de produo o que passou a ser conhecido como modelo original equipment manufacturing (oem). Alguns fabricantes terceirizados, buscando agregar valor produo de commodities eletrnicas, passaram a oferecer o projeto de equipamentos eletrnicos, tornando-se original Design manufacturing (oDms). este ltimo modelo atende massivamente aos fabricantes brasileiros detentores de marcas de renome, e conta com a Foxconn (Grupo Hon Hai) como seu maior expoente, com mais de 50% da produo mundial terceirizada de empresas como Apple, Sony, Dell, nokia etc.grFico 1 Composio Do preo Do ipaD 16 Gb

Margem Apple Outros custos de insumos 25% 25%

2% 10%

Margens no Apple nos EUA

Mo de obra direta

4% Fontes desconhecidas 2% 7% 2% Margem Japo Margem Taiwan

23% Distribuio e comercializao

Margem Coreia

Fonte: linden, Kraemer e Dedrick (2011).

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em 2009, o faturamento dos segmentos de electronic manufacturing Services (emS), que abrangem Cems e oDms, atingiu cerca de US$ 270 bilhes, aproximadamente 25% de todo o faturamento global do Ce, com escalas elevadssimas de produo e margens reduzidas. o Grfico 1 ilustra o aprofundamento da terceirizao, em busca de localidades com eficincia logstica e baixo custo de produo. percebe-se, no exemplo do ipad, a concentrao das margens dos bens eletrnicos na marca (Apple) e dos componentes estratgicos (basicamente a soma de Coreia e Japo), em detrimento da fabricao (taiwan). igual fenmeno ocorreu com software e servios de ti, com macia transferncia de operaes para pases com menor custo de mo de obra (com destaque para a ndia). inicialmente em servios mais simples, como atividades de contact center, o modelo evoluiu, chegando a envolver a terceirizao de processos com maior valor agregado como contabilidade e folha de pagamentos , no que hoje conhecido como it enable Services Business process outsourcing (iteS-Bpo).

Convergncianos anos 2000, ganhou fora o fenmeno da convergncia em diversas dimenses. por meio da convergncia digital que permitiu a unificao de voz, dados e imagens em infraestrutura, protocolos e padres comuns , desencadeou-se um processo de convergncia de redes (por exemplo, telefonia fixa e mvel), de servios (que passam a poder ser prestados da mesma forma em diferentes redes) e de terminais. A internet e os smartphones talvez sejam os melhores exemplos desse fenmeno: vdeo, dados e voz pelo mesmo meio e dispositivo, modificando de forma aguda as fronteiras mercadolgicas, com transbordamentos em quase todos os setores da economia que podem ter seus respectivos produtos digitalizados tomando como exemplos no exaustivos os setores fonografia, radiodifuso, editorial e publicidade. trata-se da convergncia de mercados, com novas e dinmicas bases de competitividade se formando a partir da participao das empresas em reas de negcio distintas de suas origens.

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Computao em nuvemA reboque da convergncia e do avano tecnolgico da microeletrnica que expandiu a capacidade e reduziu custos de armazenamento e processamento em servidores e dispositivos de acesso , cresceu no fim dos anos 2000 o conceito de computao em nuvem. pessoas, empresas e governo passam a poder compartilhar capacidade de armazenagem, processamento, aplicativos e ferramentas por meio da internet e de data centers espalhados no mundo. os servios passam a ser facilmente escalveis e a compra de aplicativos pode ser configurada de novas formas, como uma taxa por uso e no mais por licena ou espao alocado nos servidores. Apesar da desconfiana por parte dos clientes potenciais quanto a questes de sigilo e segurana e confiabilidade dos fornecedores, cerca de US$ 90 bilhes foram gastos na nuvem em 2010, e 50% do processamento de dados em 2014 ser realizado no ambiente da nuvem.5 A infraestrutura de banda larga uma questo fundamental para a acelerao desse modelo, conferindo papel-chave, no contexto brasileiro, ao plano nacional de Banda larga (pnBl) e s demais aes da Agncia nacional de telecomunicaes (Anatel) para melhoria da qualidade e cobertura da internet em alta e confivel velocidade.

Peso crescente da microeletrnica e software embarcadono campo do hardware, destaca-se a tendncia compactao de funcionalidades em um nmero cada vez mais restrito de componentes, enxugando o nmero de fornecedores na cadeia, reduzindo a agregao de valor na manufatura final e, sobretudo, reforando a necessidade de domnio da microeletrnica para os pases interessados no desenvolvimento do Ce. mais recentemente, o conceito de System on a Chip (SoC) materializou esse fenmeno. o recm-lanado chip para telefones celulares Snapdragon da Qualcomm um exemplo que integra as funes de modem, processador, placa de vdeo, GpS, gesto de energia, memria, multimdia, entre outras, em um nico dispositivo.

5

estudo da Consultoria Gartner, citado por reportagem no jornal Valor econmico, especial segurana Digital, de 28.2.2012.

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por conseguinte, o peso da microeletrnica no produto final cresce progressivamente. Segundo estudo contratado pelo BnDeS, o valor embarcado de microeletrnica nos sistemas eletrnicos foi de 6% em 1974 ante cerca de 25% em 2010. em paralelo, a importncia do software embarcado cresce em todos os componentes (at na prpria microeletrnica), partes, peas, etapas da produo e produtos finais, assumindo papis antes conferidos a hardwares especficos. Contribuem de modo decisivo para esse fenmeno os ganhos com a possibilidade de reconfigurao das funcionalidades para cada cliente especfico, sem a necessidade de troca ou alterao do equipamento.

Simbiose hardware, software e microeletrnicaA concluso direta que poderia ser tirada com base nos itens anteriores de que a microeletrnica, em conjunto com o software embarcado e a terceirizao da fabricao e desenvolvimento de produtos, retira progressivamente o valor ora gerado pelo domnio hardware. Contudo, fatores como o aumento da complexidade da integrao desses diferentes elementos software, microeletrnica e hardware e a importncia crescente do design tornam essa anlise incompleta e por vezes enganosa. exemplos como a aquisio da motorola pela Google sinalizam que a integrao do dispositivo final (smartphone, tablets) com o sistema operacional Android no ainda satisfatria. por outro lado, Apple e Google recentemente adquiriram empresas de projeto de chips6 por entenderem ser necessrio diferenciar seus produtos dos demais nesse componente e, tambm, por avaliarem que no havia disponvel no mercado empresa capaz de projetar um circuito integrado de acordo com a performance desejada para seus produtos.

Serviosem decorrncia da especializao produtiva em todos os setores da economia, crescente a demanda de clientes por ofertas de solues completas at mesmo operadas e no apenas equipamentos/sistemas eletrnicos isolados. Seja para o segmento em-

6

a apple adquiriu a p.a. semi em 2008 por cerca de Us$ 280 milhes, a intrisity em 2010 por Us$ 120 milhes e a anobit em 2010 por cerca de Us$ 400 milhes; em 2010, a Google adquiriu a agnilux. Disponvel em: e .

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presarial (por exemplo, operadoras de telecomunicaes terceirizando toda a operao de rede em pacotes turn key, at mesmo aquisio de equipamentos necessrios), para o consumidor final (por exemplo, fabricantes de computadores oferecendo espao de armazenagem na internet ou contedo exclusivo), ou para o governo (por exemplo, terceirizao do processamento de folha de pagamento), aumenta a participao dos servios no faturamento e lucratividade das empresas de tiCs desde a ltima dcada.

panoraMa Mundial eM sisteMas, equipaMentos e coMponentes eletrnicosDados de consultoria Decision etudes Conseil (2011) indicam que a produo mundial de sistemas eletrnicos em 2010 alcanou 1,2 trilho (cerca de US$ 1,6 trilho). Com elevada elasticidade-renda, depois de duas dcadas de crescimento contnuo (de 1980 a 2000), a produo de eletrnicos experimentou duas crises importantes: a crise da internet (2001-2002) e a crise econmica global em 2009. mesmo nesse contexto, o crescimento mdio da produo mundial de eletrnicos atingiu cerca de 4,9% ao ano entre 2004 e 2009, conforme mostrado no Grfico 2.grFico 2 CresCimento Da proDUo mUnDial De eletrniCosgrFico 2a proDUo eletrniCa mUnDial por reGio

4,9%

1.237 62 8,5% 3% 15%

975 41 128 BILHES (EURO) 153 3,1% 223 4,8% 3,0%

162

178

15%

259

17%

272 3,4% 230

20%

197 2004 Resto do mundo Outros sia Japo

8,8%

301

30%

2009 Amrica do Norte Europa China

Complexo eletrniCo

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grFico 2B taxa De CresCimento De proDUo De sistemas eletrniCos mUnDial

13%

12%

14%

10%

10%

11% 8% 6% 2004 2006 2008 -10% 2010 9%

8%

9%

4%

3%

6%

7%

1%

1980

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1992

1994

1996

1998

2000

-14% 2002

Fontes: Decision etudes Conseil e BnDeS (estudo contratado).

Decision etudes Conseil (2011) e estudo contratado pelo BnDeS preveem crescimentos entre 5% e 8% ao ano at 2015. no longo prazo, a previso de expanso est em torno de 6% ao ano. os dados do Grfico 2 mostram a rpida consolidao da china como maior produtora mundial, com 30% do fornecimento global em 2009 em 2001, sua produo respondia por cerca de 10% do total. essa manufatura , em sua maioria, de produtos de consumo, como televisores, computadores e terminais celulares, em que o fator escala e controle de custos fundamental. todavia, os investimentos em p,D&i so notrios e algumas empresas de elevado contedo tecnolgico j so mundialmente reconhecidas como a Huawei e Zte, ambas fabricantes de equipamentos de telecomunicaes, e a lenovo, segunda maior fabricante de laptops. os gigantes conglomerados da coreia do sul (chaebols) que atuam na eletrnica Samsung, lG e Hyundai obtiveram crescimento expressivo na ltima dcada, assumindo liderana ou posio de destaque em dispositivos de acesso (televisores, celulares, computadores etc.), componentes estratgicos (chips para memria e

-4%

54

BnDeS 60 AnoS perSpeCtiVAS SetoriAiS

displays) e bens de capital de eletrnica. Cresceu tambm a importncia de pases como taiwan,7 Cingapura, Hong Kong, malsia. os eua ainda mantm posio de destaque no desenvolvimento de produtos, equipamentos e insumos em diversos segmentos, contando com empresas como Apple, iBm, Google, intel e Qualcomm. A europa mantm presena relevante em produtos com escalas menores, mas de aplicaes mais sofisticadas e de maior valor agregado, como a eletrnica embarcada em veculos, equipamentos de defesa, mdico-hospitalares e automao industrial. Apesar da perda do espao de diversas empresas no segmento de Bens de consumo, o Japo continua desempenhando importante papel na fronteira do desenvolvimento, especialmente em segmentos de elevada complexidade tecnolgica, como em componentes estratgicos8 e em bens de capital para a fabricao de eletrnicos.taBela 1 Ranking Das maiores empresas De tiCsRanking 2005 geral 20 21 23 28 39 47 72 96 99 115 116 127 130 138 141 eletro. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15iBM sieMens HitacHi Hp saMsung electronics sony tosHiBa nec FuJitsu lg electronics pHilips MicrosoFt nokia Motorola intel

us$ bilhes vendas 96,3 91,5 84,0 79,9 71,6 66,6 54,3 45,2 44,3