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Boletim 49 / junho 2011 1 COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF SUMÁRIO BOLETIM DA CMF Nº 49 JUNHO 2011 ISSN: 1516-1781 CNPJ 00.140.658/0001-07 DIRETORIA Presidente: Lenir Pereira dos S. Oliveira Vice-Presidente: Maria da Glória G.l Correia 1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros 2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti 1º Tesoureira: Eliane Gaspar Leite 2º Tesoureiro: Roza Maria dos Santos CONSELHO EDITORIAL Lenir Pereira dos S. Oliveira Maria Michol P. de Carvalho Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos Sergio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro Lima EDIÇÃO Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos REVISÃO DE TEXTO: Joelma Baldez DIAGRAMAÇÃO: Riba Silva VERSÃO INTERNET: www.cmfolclore.ufma.br Correspondência COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE CASA DE NHOZINHO Rua Portugal, 185 – Praia Grande CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 As opiniões publicadas em artigos assinados são de inteira responsa- bilidade de seus autores, não comprometendo a CMF Editorial ....................................................................................................................................... 2 A fé do povo: rezas e orações ........................................................................................................ 2 Zelinda Lima Quem faz a festa? Discutindo gênero e sexualidade na reisada de Nazaré do Bruno/Caxias-MA ....................................................................................................................... 3 Flavia Andresa O. de Menezes Casa das Minas: a Festa do Divino sem Dona Celeste .................................................................. 6 Roza Santos Jogo social e brincadeira popular: a brincadeira de casinha ......................................................... 7 Keyla Santana Miolo de Boi: brincante, brincante-manipulador e dançador ...................................................... 9 Tácito Freire Borralho Imbarabô: a performance ritual do Tambor de Mina do Ilê Axé Ogum Sogbô ........................... 13 Heriverto N. Mendonça Junior JANELA DO TEMPO: Boi ...................................................................................................... 16 Victor Gonçalves Neto NOTICIAS – Roza Santos ......................................................................................................................... 17 PERFIL DE CULTURA POPULAR – Carlos de Lima ........................................................... 20 Sergio Ferretti

boletim 49 opçao - cmfolclore.ufma.br · Cultura e Sociedade, do Mestrado Cul-tura e Sociedade da UFMA. Desta forma, os pontos elencados aqui não são construções fechadas, apenas

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Boletim 49 / junho 2011 1

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

SUMÁRIO

BOLETIM DA CMF Nº 49 JUNHO 2011 ISSN: 1516-1781

CNPJ 00.140.658/0001-07

DIRETORIAPresidente: Lenir Pereira dos S. OliveiraVice-Presidente: Maria da Glória G.l Correia1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti1º Tesoureira: Eliane Gaspar Leite2º Tesoureiro: Roza Maria dos Santos

CONSELHO EDITORIALLenir Pereira dos S. OliveiraMaria Michol P. de CarvalhoMundicarmo M.R. FerrettiRoza Maria dos SantosSergio Figueiredo FerrettiZelinda de Castro Lima

EDIÇÃOMundicarmo M.R. FerrettiRoza Maria dos SantosREVISÃO DE TEXTO:Joelma BaldezDIAGRAMAÇÃO:Riba SilvaVERSÃO INTERNET: www.cmfolclore.ufma.br

CorrespondênciaCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

CASA DE NHOZINHORua Portugal, 185 – Praia Grande

CEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoFone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951

As opiniões publicadas em artigosassinados são de inteira responsa-

bilidade de seus autores, nãocomprometendo a CMF

Editorial ....................................................................................................................................... 2

A fé do povo: rezas e orações ........................................................................................................ 2Zelinda Lima

Quem faz a festa? Discutindo gênero e sexualidade na reisada de Nazaré doBruno/Caxias-MA ....................................................................................................................... 3Flavia Andresa O. de Menezes

Casa das Minas: a Festa do Divino sem Dona Celeste.................................................................. 6Roza Santos

Jogo social e brincadeira popular: a brincadeira de casinha ......................................................... 7Keyla Santana

Miolo de Boi: brincante, brincante-manipulador e dançador ...................................................... 9Tácito Freire Borralho

Imbarabô: a performance ritual do Tambor de Mina do Ilê Axé Ogum Sogbô ........................... 13Heriverto N. Mendonça Junior

JANELA DO TEMPO: Boi ...................................................................................................... 16Victor Gonçalves Neto

NOTICIAS – Roza Santos ......................................................................................................................... 17

PERFIL DE CULTURA POPULAR – Carlos de Lima ........................................................... 20Sergio Ferretti

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2 Boletim 49 / junho 2011

Editorial

O Boletim 49 começa com uma oraçãoa Santo Antônio destinada a moças

casadouras, recolhida por Zelinda Lima, ecom um texto sobre São João Batista,publicados por ela em Rezas, Benzimentos eOrações. São João comanda os festejos do mêsde junho, que sacodem toda a cidade de SãoLuis e atraem muitos turistas ao Maranhão.É difícil separar nessa temporada o que ésagrado e o que é profano, pois não há nadaque não tenha uma raiz no culto aos santos ena devoção popular aos inseparáveis SantoAntonio, São João, São Pedro e São Marçal.E, como várias entidades não africanascultuadas nos terreiros maranhenses sãotambém devotas desses santos ou são a elesassociadas, muitas delas são tambémhomenageadas nessa época do ano e sãoescolhidas para batizar grupos folclóricos quese apresentam nos arraiais organizados pelasSecretarias de Estado e Municipais deCultura: Bois, Danças Portuguesas e outros.O Boletim 49 termina com o perfil de CarlosLima, apresentado por Sergio Ferretti, emjusta homenagem a um dos grandesfolcloristas maranhense, que partiu em maiodesse ano, deixando muita saudade e umagrande lacuna na área de cultura.

Nesse número, o Boletim da ComissãoMaranhense de Folclore reúne um artigosobre a Reisada de Nazaré do Bruno/Caxias-MA, tema também tratado por FlaviaAndresa em trabalho publicado no Boletim48; um artigo sobre Festa do Divino, deautoria de Roza Santos, onde a autoraexpressa sua preocupação com acontinuidade daquela festa na Casa dasMinas com o desaparecimento de donaCeleste Santos, responsável pela festanaquele terreiro por tantos anos. Foramtambém incluídos nesse número 49 doistrabalhos sobre Bumba-boi: o de TácitoBorralho sobre “Miolo de Boi” e o de VictorGonçalves Neto, na seção “Janela do Tempo”,sobre Boi no Piauí na década de 1950.

O Boletim 49 traz também um oportunotrabalho de Keyla Santana sobre brincadeirade criança – com casinha de boneca; umtexto de Heriverto Mendonça Junior sobreperformance ritual do Tambor de Mina emum terreiro de São Luis, de tradição renovada– o Ilê Axé Ogum Sogbô; e, em Notícias,Roza Santos, divulga uma série de eventossignificativos para a área de cultura ocorridosno Maranhão de janeiro a junho de 2011.

Agradecendo o apoio dos nossos leitores ecolaboradores, prometemos estar de volta nomês de Agosto com mais um número doBoletim da CMF que, com ele atingirá onúmero 50, o que para nós é motivo degrande orgulho e satisfação.

A reza, ou oração, é feita com determinadas palavras,acompanhada de procedimentos e gestos rituais e que se destina aprevenir, afastar, ou curar os males que afligem o gênero humano.Dirigida a Deus, ou aos Santos.

Há santos especialistas nas suas funções, segundo acreditam osdevotos: para achar coisas perdidads, São Brás e São Longuinho;arranjar marido para moças e solteironas, Santo Antonio; SantaBarbara e Sai Jerônimo livram das tempestades e dos raios; SãoLázaro cura as feridas; São Gonçalo do Amarante, dançando comos sapatos cheios de pregos, resgatava para Deus as mulheres queandavam pelo mau caminho; e São Expedito resolve os casosconsiderados impossíveis...

Há rezas para o próprio beneficiário rezar; outras em que entraem cena o rezador, passando o paciente a ser rezado.Frequentemente, as rezas são feitas diante do altar doméstico, empresença dos santos, as velas acesas, e obedecendo ao debulhar dascontas do rosário. Outras exigem local, dia e hora propícios (sendo3, 7, 9 e 13, os principais números cabalísticos) para que produzamo efeito requerido.

As rezas tem um objetivo: pedir a Deus ou aos santos certosbenefícios, como, por exemplo:

Reza para conjurar males e perigos

Com Deus me deito, com Deus me levanto,com a graça de Deus e do Divino Espírito Santo(Rezar pela manhã e à noite para livrar-se de contratempos).

Oração de Santo Antonio • (Souto Maior)

Pelos vossos milagres; pelas vossas palavras quando falavas; peladefesa do vosso pai, um pedido eis-me fazer. Abrandai a ira do mar,o sopro do vento, o negrume da noite, a chama abrasadora do sol, afrialdade da lua, a voracidade das feras, o horror dos desertos. Depoisde tudo isso abrandai o que de mais empedernido existe sobre aterra: o coração dos homens. Oh! Meu milagroso Santo Antonio,fazei com que aquele por quem meu coração chama, ouça a minhavoz e, ouvindo-a, vá aos pés de Deus Nosso Senhor comigo, vossahumilde devota. Amém.

“Com essa oração, já se casaram num só dia oito mil moças quejá haviam passado dos trinta e cinco anos”.

São Joao Batista • 24 de Junho

São João Batista pertencia a uma família sacerdotal. Isabel, suamãe, prima da Santíssima Virgem, descendia de Aarão. Seu nome,anunciado por um Anjo a seu pai Zacarias, significava “Deus éfavorável” e Jesus mesmo disse que “entre os nascidos de mulhernão há maior que João”.

Fez muitas conversões em Israel e, cheio do Espírito Santo, foi oprecursor de Jesus. Anunciando a vinda do Salvador, João era – avoz que clama no deserto e exortava ao arrependimento e à conversão,e dava o batismo, daí seu nome de Batista.

Opondo-se ao relacionamento sacrílego de Herodes e suasobrinha, foi decaptado. O rei ofereceu a Herodíade, numa bandeja,a cabeça do Batista, fato celebrado liturgicamente a 29 de Agosto.O povo prefere representar São João como um menino, tendo aocolo um cordeiro, baseado no anuncio do mesmo João: Bendito oque vem em nome do Senhor!

Zelinda Lima2

A FÉ DO POVO: REZAS E ORAÇÕES1

1 Texto publicado originalmente em Rezas, benzimentos e orações: a fé do povo. SãoLuís: 2008, p. 11; 40; 80.

2 Pesquisadora de Cultura Popular e autora dos livros “Pecados da gula: comeres e beberesda gente do Maranhão”, “Rezas, benzimentos e orações: a fé do povo” e outros. MembroTitular da Comissão Maranhense de Folclore.

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Boletim 49 / junho 2011 3

O presente trabalho é uma pri-meira abordagem a respeitodos aspectos relacionados a

gênero e sexualidade identificados naFesta de Reis, mais especificamente naReisada realizada no povoado Nazarédo Bruno, pertencente ao município deCaxias/MA. O objetivo de tal artigo éidentificar se existe uma divisão de pa-péis entre indivíduos de sexos diferen-tes, quais suas obrigações e de que for-ma seus papéis se cruzam. O trabalhofoi construído a partir de uma metodo-logia de pesquisa participante, usandocomo forma de coleta de dados a obser-vação realizada durante a festa ocorri-da no dia 05 de janeiro de 2011, bemcomo a utilização de dados disponíveisno estudo monográfico “Espacialidadee gestualidade: a prática performativados caretas e brinquedos da reisada”,apresentado em 2008 pela autora desteartigo. Para reflexão dos pontos obser-vados, foram referenciados alguns dostextos trabalhados pela professora San-dra Nascimento na disciplina Corpo,Cultura e Sociedade, do Mestrado Cul-tura e Sociedade da UFMA.

Desta forma, os pontos elencadosaqui não são construções fechadas,apenas uma tentativa de problemati-zação e busca de explicação sobre gê-nero e sexualidade na reisada.

Identificando os papeis femininose masculinos na organização e

execução da festa

No povoado Nazaré do Bruno, loca-lizado a cerca de 60 km do municípiomaranhense Caxias, acontece umamanifestação conhecida por todos nalocalidade como Reisada, ou Reisadode Careta. Trata-se de uma brincadei-ra do período natalino, que tem porpeculiaridade a presença de figurasmascaradas denominadas Caretas e deoutros personagens como a Burrinha,o Boi, o Peão e o Babau, bem como aocorrência de apresentações durante aúltima semana de dezembro e primei-ra semana de janeiro de cada ano, maisespecificamente de 24 de dezembro,data que marca as vésperas do nasci-mento de Jesus Cristo, a 06 de janeiro,quando, na tradição cristã, é comemo-

Flávia Andresa Oliveira de Menezes4

QUEM FAZ A FESTA? DISCUTINDO GÊNERO E SEXUALIDADENA REISADA DE NAZARÉ DO BRUNO/CAXIAS – MA3

rado o dia de Santos Reis.Identificado os personagens dessa

história, Maria, Jesus, José e os 3 ReisMagos, já tem-se 5 homens e apenas 1mulher, faltando acrescentar, as figu-ras de Herodes e seus soldados. Talvezeste fato histórico possa explicar por-que, na apresentação da reisada estu-dada, todos os integrantes da brinca-deira são homens ficando reservado auma mulher o papel de carregar a ima-gem do santo, o que pode estar ligadoà idéia de maternidade, amparo e pro-teção dada a este gênero. Conformeexplica Bordo, citando Foulcault:

(...) Foucault salienta constantemente a pri-mazia da prática sobre a crença. Não essen-cialmente através da “ideologia”, mas pormeio da organização e da regulamentaçãodo tempo, do espaço e dos movimentos denossas vidas cotidianas, nossos corpos sãotreinados, moldados e marcados pelo cu-nho das formas históricas predominantesde individualidade, desejo, masculinidade efeminilidade. (BORDO, 1997, p.01)

A história da humanidade é marca-da por muitas figuras masculinas, e sabe-se das lutas femininas ocorridas na con-quista de diversos direitos usufruídospelas mulheres na contemporaneidade.Desta forma, é possível compreendercomo historicamente, tradições de mas-culinidade são repassadas e papeis defeminilidade são definidos na esferacotidiana. O que nesta manifestação,identifica-se como um pouco mais pró-ximo da visão das Feministas da Femi-nitude, na qual Descarries (2000, p.22)descreve como uma teoria do feminino-materno que privilegiaria a reapropria-ção do território e do imaginário femini-no, próprios a experiência do corpos se-xuado e da procriação. Buscados emMaria, ideal de mãe e mulher.

Um outro ponto de discussão e com-preensão é a Lei Paterna, proposta porLacan e explicada da seguinte formapor Judith Butler:

Segundo Lacan, a lei paterna estrutura todaa significação lingüística, chamada “o Sim-bólico”, e assim se torna o princípio organi-zador universal da própria cultura. A leicria a possibilidade de uma linguagem sig-nificativa, e consequentemente de uma ex-

periência significativa, mediante o recalca-mento dos impulsos libidinais primários,inclusive a dependência radical da criançaem relação ao corpo materno. (BUTLER,2003, p.121)

Essa dependência infantil é refor-çada na guarda da mulher sobre o San-to e essas simbologias são expressas nocomportamento dos brincantes quan-do do deslocamento do grupo entre aporta de uma casa em que vão brincare outra, ou seja, quando acaba deter-minada apresentação e o grupo temque sair, a primeira questão levantadaé “cadê a mulher do Santo?”. Enquan-to ela não sai da casa e toma a frenterumo ao outro ponto, os integrantestambém não saem.

No entanto, acredita-se que, den-tro dessa estrutura social, vão se mes-clar as noções de papéis sexuais classi-ficados de uma forma binária e dos pa-péis executados e compreendidos comouma complementaridade. Visto que,grosso modo, as mulheres não parecemdemonstrar as mesmas inquietaçõesque as feministas igualitárias e estudi-osos de gênero mostram sobre a posi-ção da mulher, numa escala social, esua reivindicação de igualdade de di-reito. Pois, quando questionado a al-gumas mulheres, se sabiam de algumaque tinha brincado na reisada, ou setinham vontade de sair, respondiam“não” a ambas as perguntas.

Cabe discorrer aqui sobre como sedá de forma mais “naturalizada”5 aaceitação, ou mesmo a vivência, pelasmulheres envolvidas com a reisada, dospapéis que devem desempenhar, osquais são essencialmente marcadoscomo femininos, destacando quais são

3 Artigo apresentado à prof.ª Dr. Sandra Nascimento como trabalho de conclusão da disciplina Corpo, Cultura e Sociedade, ministrada em 2010.2, noMestrado Interdisciplinar Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

4 Licenciada em Educação Artística, habilitação em Artes Cênicas; mestranda do Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade, ambos na UFMA, comprojeto intitulado “A comicidade na Reisada: o riso sob aspectos simbólicos e sociais”, pesquisa orientada pelo prof. Dr. Alexandre Corrêa; membro da CMF.

5 Entendendo-se o natural como uma construção socialmente e historicamente definida.

Mulheres carregando o “Santo”Fonte:Arquivo pessoal, anos 2008 e 2011.

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4 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

aqueles reservados aos homens; pois,conforme Scott (s/d, p.02), quando tra-ta das diversas utilizações e enfoquesdo campo de estudo gênero, evidencia:

‘Gênero’ como subtítulo de ‘mulheres’ éigualmente utilizado para sugerir que a in-formação a respeito das mulheres é neces-sariamente informação sobre os homens,que um implica no estudo do outro.

A autora ao explicar esta abordagemconsidera que esta se faz útil no senti-do de afastar o “mito” das separaçõesdas esferas sexuais, passando o termogênero a ser utilizado para referir-se àsrelações sociais estabelecidas entre ossexos, e completa o uso do ‘gênero’ co-loca a ênfase sobre todo o sistema derelações que pode incluir o sexo, masnão é diretamente determinado pelosexo nem determina diretamente a se-xualidade (ibid. Grifo nosso). Aqui,compreende-se que os papéis dentro dareisada não estão completamente sepa-rados, podendo ser entendidos comocomplementares, até certo ponto.

Como já exposto acima a manifes-tação ocorre no ciclo natalino. No en-tanto, esses dias de apresentação, de-nominados pelo grupo como dias dejornada acontecem numa sistemáticade deslocamento entre municípios epovoados. O grupo desloca-se até Ti-mon, cidade vizinha à Caxias/MA eTeresina/PI, e, a partir daí, vem fazen-do apresentações nas portas das casase recebendo ‘esmolas’6. Desta forma,fazendo o caminho de volta, o que seexplica conforme fala de brincante ci-tada por Menezes (2008, p.40), que dizque os Reis Magos, quando re-tornaram da visita ao meninoJesus, estavam pobres e tiveramque voltar pra casa pedindo es-molas.

Como também já exposto, nogrupo, participam apenas ho-mens7, como instrumentistas edançarinos-atores, que fazem ospersonagens de Careta, os quaisrespondem pelo nome de Ma-cambira, Muncunzá, Tapioca eMiudinha, e outros denominadospassos (Burrinha, Boi, Peão eBabau). No mesmo período dajornada, as mulheres que ficamno povoado têm a responsabili-dade de todos os dias rezar o ter-

ço e entoar a ladainha para SantosReis, o que ilustra a conexão entre ospapéis femininos e masculinos na ma-nifestação, apesar de marcadamentedelimitados.

No retorno à localidade, as obriga-ções vão se dividir no que tange à or-ganização necessária às apresentaçõesque serão realizadas no dia 05 e 06 dejaneiro, no próprio povoado. Serão pre-paradas as comidas que alimentarão osintegrantes e visitantes, bem como asque comporão o leilão, a ser efe-tuado durante a noite. São lei-loados bolos de trigo e de tapio-ca, assados de frango, carne deboi e de porco com farofa.

As adolescentes e criançasde ambos os sexos ficaram res-ponsáveis por organizar a tendaespírita de umbanda, onde, namadrugada, seria realizada umabaila8. Aos homens, após o descanso danoite de apresentações, pois geralmenteficam até 05h brincando na portas dascasas, ficaram reservadas as funções deaplanar o terreno onde seria realizadaa apresentação da noite, em frente àcasa do responsável pela brincadeira,

e execução dos animais que serão pre-parados.

Chegando a noite do dia, as mulhe-res providenciam a alimentação de to-dos, os homens se preparam para sairpara apresentação em algumas casas dopovoado, no ano de 2011, apresentaram-se em dois locais, e, no retorno, já seencontravam algumas mulheres emfrente ao altar coordenando os proce-dimentos da ladainha. Neste momen-to, muitas pessoas que acompanhavama brincadeira uniram-se a esta ativida-de. Apenas dois caretas mantiveram-se fantasiados e permanecem no mo-mento religioso tentando subverter aconcentração dos envolvidos com o ri-tual. O papel dessas figuras neste mo-mento é aproveitar-se das falas das re-zas para fazer trocadilhos e piadas, rin-do do que falam e incitando o riso nosdemais presentes.

A sexualidade discutidana reisada

Aproveitando o gancho existenteentre as discussões de gênero e sexua-lidade, utilizar-se-á o momento paraabordar alguns aspectos referentes ao

foco de estudo do projeto pro-posto ao Mestrado Interdiscipli-nar Cultura e Sociedade, quetrata dos aspectos relacionadosao riso e ao seu caráter subversi-vo na manifestação estudada. Noentanto, após os estudos sobre gê-nero e sexualidade, pode-se per-ceber que a subversão presentena manifestação não se encon-tra apenas na explosão do riso ouda vontade de sorrir, por algumtrocadilho, mas também em di-versos elementos que expõem aexistência de um caráter lascivona brincadeira.

Destacam-se dois exemplosbastante significativos. O primei-

6 Como são chamados os pagamentos efetuados pelo promesseiro que contratam a reisada para apresentar em sua porta, pode ser em dinheiro, farinha, bebida, dentre outras.7 Em janeiro de 2011, pôde-se observar na cidade de Caxias o encontro de reisados, onde foram observados 4 grupos de Caretas, um formado apenas de

crianças, um pertencente à sede Caxias, e os outros dois de povoados diferentes, Lavra e Riachão. Dentre estes, apenas no grupo de Riachão, identificou-sea presença de uma mulher que brincava com a personagem Burrinha.

8 Termo que utilizam para se referir ao toque, ritual de umbanda.

Rezadeira diante do altar.Fonte: Arquivo pessoal, 2011

Mulheres preparando comida e espaços.Fonte: arquivo pessoal, 2011.

Homens preparando espaço e pelando porco.Fonte: arquivo pessoal, 2011.

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Boletim 49 / junho 2011 5

CONTINUAÇÃO

ro refere-se a uma ocasião de encena-ção, quando é feita a “morte do care-ta”, na qual, no momento final da apre-sentação, é determinado que o caretafalecido só ressuscitará após tomar umainjeção9, em que se coloca por debaixodas palhas do “morto” o rei, como sefosse “enfiá-lo” no ânus do careta quese encontra deitado no chão (MENE-ZES, 2008, p.87)10. O outro, se refere àmúsica cantada para o personagemburrinha, que possui vários versos, umdeles diz: “a burrinha do meu amo temuma saia de veludo (bis)/ Por baixo dasaia dela tem um bicho cabeludo (bis)/A burrinha tome, tome/ Tome, tome,tome lá” (ibid, p.57).

Na tentativa de identificar comotais elementos passam a integrar ex-pressões culturais, dando a elas umcunho profano-religioso, encontrou-senas discussões de Michel Foulcaultuma pista, quando o autor destaca quea sociedade na:

Antiguidade grega e romana, na qual a se-xualidade era livre, se expressava sem difi-culdades e efetivamente se desenvolvia (...)o cristianismo que teria pela primeira vezna história do ocidente, colocado grandeinterdição à sexualidade (FOUCAULT,2004, p.62)

Não que ele tenha formulado esseprincípio moral, da proibição do sexopelo prazer, pois o autor destaca que oestudioso Paul Veyne identificou que,muito antes do cristianismo esses pa-drões morais já existiam, não sendopraticados apenas por uma pequenaelite. No entanto, o cristianismo teriatido o papel de criar um conjunto denovos mecanismos de poder para incul-car esses novos imperativos morais (Ibid,p.65).

Ora, uma vez que se vêm presentesaspectos diretamente ligados à sexua-lidade nas brincadeiras de reis, no quetange as suas falas, gestos e canções,supõe-se que o próprio indivíduo, nodecorrer do seu desenvolvimento, nãodissociando religião e sexo, faz uso per-sonagens mascarados, ou com rostosemi-encoberto. Desta forma, com aocultação da identidade do indivíduoque navega por esses dois mundos, en-contra artifícios para proclamar “livre-mente” esta sexualidade, transitando

pelo universo mítico religioso, que, apóso cristianismo, veta tais formas de ex-pressão.

No entanto, a partir dos estudos dehistória do teatro, pode-se identificarque o corpo cênico das expressões cul-turais, ora aceito mais tarde pela igre-ja, ora expulso novamente para as pra-ças e ruas, incorpora e reproduz tem-poralmente algumas gestualidades.Embora não se possa afirmar isto cate-goricamente, no entanto, se são iden-tificados alguns usos materiais, comoa presença de máscaras e as notíciasde figuras bufônicas em espetáculoteatrais no interior das igrejas durantea Idade Média, é possível fazer tal su-posição.

Desta forma, aqui também é neces-sário destacar que se tratam de corpos,que precisam ser entendidos comoagentes de cultura, conforme citaçãoabaixo:

O corpo - o que comemos, como nos vesti-mos, os rituais diários através dos quaiscuidamos dele - é um agente da cultura.Como defende a antropóloga Mary Dou-glas, ele é uma poderosa forma simbólica,uma superfície na qual as normas centrais,as hierarquias e até os comprometimentosmetafísicos de uma cultura são inscritos eassim reforçados através da linguagem cor-poral concreta. O corpo também pode fun-cionar como uma metáfora da cultura.(BORDO, 1997, p.01)

Mesmo como um elemento de “con-trole social”, ele pode ser agente de umquestionamento e de um desafiar detais paradigmas vigentes. O corpo docareta fala explicita e implicitamen-te, reforça padrões de comportamen-to, ao mesmo tempo em que apontacaminhos contrários. Possui um vestir,uma maneira de se movimentar e umaforma característicos de um determi-nado grupo, os dos Caretas de Reisa-dos do município de Caxias.

Considerações Finais

Após discorrer sobre as práticas dabrincadeira estudada no povoado Na-zaré do Bruno, é importante compre-ender que muitos dos aspectos desta-cados tratam-se de especificidades dogrupo social elencado para aplicar taisproposições. No entanto, esta primei-

ra abordagem sobre os pontos estuda-dos e discutidos na disciplina Corpo,Cultura e Sociedade, que aqui atravésda provocação da professora ministran-tes foram levados a reflexão dentro doobjeto de estudo elencado, apesar deinicialmente entendidos como distan-tes do universo em questão, foram fun-damentais para a ampliação na formade pensá-lo.

Desta forma, para o atual momen-to, é de fundamental importância oadentrar em questões de gênero e se-xualidade para compreender o fazer ea prática de subversão através das fa-las, canções e gestos dos caretas da rei-sada estudada.

Os pontos aqui levantados tratamde uma incitação à maior discussão enecessidade de aprofundamento e com-provação dos pontos aqui destacados,que ainda devem se encarados comohipóteses preliminares.

9 No reisado do povoado Riachão, ocorre que os caretas antes de aplicar a injeção apóiam o rei na altura do órgão genital fazendo movimentos com as mãoaludindo à ação de masturbação.

10 Rei – nome dado a um bastão carregado pelos caretas que possui em uma das suas extremidades uma tira de borracha, usado como chicote para espantarcachorros e como elemento cênico em algumas danças.

Referências Bibliográficas

BORDO, Susan R. O corpo e areprodução da feminilidade: umaapropriação feminista de Foucaultin: JAGGAR, A; BORDO. S.(Orgs). Gênero, corpo econhecimento. Rio de janeiro:Rosa dos Tempos. 1997

BUTLER, Judith P. Problemas degênero: feminismo e subversão daidentidade. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2003.

FOUCAULT, Michel (1926-1984).Ética, sexualidade, política. Rio deJaneiro: Forense Universitária,2004.

SCOTT, Joan. Gênero: umacategoria útil para análise histórica.s/n, s/d. Disponível em: HTTP://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html.Acesso em 07/01/2005

MENEZES, Flávia A. O. de.Espacialidade e Gestualidade: aprática performativa dos caretas ebrinquedos da reisada. São Luís:UFMA/DEARTE, 2008(monografia não publicada)

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“No primeiro Pentecostes, depois damorte de Jesus, cinqüenta dias depoisda páscoa, o Espírito Santo desceusobre a comunidade cristã deJerusalém na forma de línguas de fogo;todos ficaram cheios do Espírito Santoe começaram a falar em outras línguas,conforme está nas Sagradas Escrituras(Ato dos Apóstolos 2,1-4).(Pentecostes é uma palavra que vemdo grego e significa “qüinquagésimo”).

A Festa do Divino no Maranhão é umafesta de devoção e ritual ao Divino EspíritoSanto relacionado a Pentecostes que celebraa descida do Espírito Santo sobre os apóstolose seguidores de Cristo. Pentecostes é o nomedado para o dia em que comemoramos asolenidade do Espírito Santo. Na Casa dasMinas, na Casa de Nagô, em Alcântara,citando as mais conhecidas, obedecem ocalendário litúrgico da Igreja.

A Festa do Divino da Casa das Minas, em2011, tem conotação grandiosamentesaudosa: o encerramento de um ciclo de festado Divino realizado por Dona Celeste. Oritual iniciou dia 29 de maio com abertura datribuna e buscamento do mastro;levantamento do mastro, dia 1º de junho, eprosseguiu até dia 14 quando se deu oserramento do mastro e carimbó das caixeiras.Nesse ínterim, acontecem vários rituais queculminam no Domingo de Pentecostes. Masa grande lacuna, neste ano, é a ausência deDona Celeste. Ela sabia movimentar devotose devotas do Divino Espírito Santo de todasas camadas sociais, propiciando interaçãoentre as pessoas chamadas de elite e as menosfavorecidas. Transformava a Festa do Divinonum tempo de partilha e congraçamentoentre pessoas de vários níveis sociais eintelectuais. Além de organizar a festa eratambém a caixeira-régia – aquela quecomanda, junto com a caixeira-mor, o grupode caixeiras que tocam em festas do Divino eé responsável pelo cumprimento do ritual dafesta - cargo assumido por Jacy Gomes Santos,conhecida como Dona Jacy, caixeira-régia devárias festas em São Luis e sobrinha de DonaCeleste.

Dona Cecé, como era carinhosamentechamada, possuía carisma das GrandesMães-de-Santo brasileiras. Carisma que gerou,após sua morte, em 25 de outubro de 2010,incertezas quanto a continuidade da Festado Divino na Casa das Minas. A festa éobrigação da casa, quando começou é difícilprecisar, como a maioria das manifestaçõespopulares religiosas, mas os registros edepoimentos das vodunsis no livroQuerebentan de Zomadonu, nome africanoda Casa das Minas (Ferretti, 1985), afirmam:

Na casa das Minas a festa do Divino éuma tradição antiga e o pessoal dizque ela sempre foi feita. A festa do

CASA DAS MINAS: A FESTA DO DIVINO SEM DONA CELESTE11

Roza Santos12

11 Publicado originalmente no Jornal Pequeno. São Luis, domingo, 12/6/2011, CAD. Opinião, p. 4.12 Radialista Aposentada e membro da Comissão Maranhense de Folclore.

Divino é uma devoção de nochê Se-pazim e é uma obrigação (preceito,dever) da Casa. Nochê sepazim é aprincesa da família Davice, filha doRei Dadarro e casada com o príncipeDaco-Donu. Ela portanto representaa imperatriz e a festa é organizada emsua homenagem pois ela adora oDivino Espírito Santo. Dona Celestediz que ela dá esmolas aos pobres edoentes da família de Acossi e por issona Festa do Divino as criançasrepresentando imperadores, quandovoltam da procissão, distribuem esmo-las aos pobres na entrada da casa.

O carisma de Dona Celeste a fez

conhecida no Brasil e no exterior. Ela tinha avisão das grandes mulheres, sempre à frentedo seu tempo, o que nos permitiu gravar umdisco com as caixeiras. Em 1989, enquantoprodutora do programa Santo de Casa daRádio Universidade, eu e Jurandir Serra,sonoplasta, acompanhamos todas as etapasdo ritual da Festa do Divino – abertura datribuna ao derrubamento do mastro - exigênciade Dona Celeste para nos dar a licença paraproduzirmos o disco. A equipe da RádioUniversidade colocou, pela primeira vez,caixeiras da Casa das Minas num estúdio degravação, fato inédito na história da casa.Participaram Maria Farias (caixeira-régia, naépoca) voz e caixa; Celina Rodrigues Pachedo,Ivete Rodrigues Sousa, Laudelina ApoloniaMedeiros (Lalá), Maria Cesarina dos PassosLisboa e Maria Celeste Santos (Dona Celeste),no coro e caixas. Todo processo, queantecedeu a gravação foi registrado em Akai -gravador de rolo -, na operação de áudio deJurandir com apoio técnico de Cristina Limae Álvaro Junior, o que resultou no DiscoBatuque Universo (1993), em vinil, comdireção e produção de Jurandir Serra e RozaSantos, um produto da Radio UniversidadeFM, em que foram gravados: cânticos doDivino Espírito Santo da Casa das Minas; Boide Zabumba do Monte Castelo, de Antero

Viana; Boi de Pindaré II, de Gago; e Tamborde Crioula “Amor de São Bendito, da Fé emDeus.

A Casa das Minas surgiu na primeirametade do século XIX, fundada por negrosafricanos jeje. É um grande Templo em queos voduns se reúnem em famílias,estabelecidas em partes específicas da casa,espaços sagrados de cada família:

voduns da família de Davice; vodunsda família de Savaluno; voduns dafamília de Dambirá (voduns jeje); evoduns da família de Quevioçó que énagô, eles são hóspedes de Zomado-nu que deu o lugar a eles. Averequetee Abê (são nagôs) fazem o papel detoquens, são mensageiros. A parte daCasa destinada a eles (da famíliaQuevioçó) são os dois quartos àesquerda do corredor de entrada(Ferretti,1985),

espaço da casa em que Dona Celeste, quepertencia ao vodum Averequete morava. Elanasceu em São Luís em 13 de abril 1924 efrequentou a Casa das Minas desde 1945,dançou na Casa em junho de 1950 e mesesapós a morte de mãe Andresa, foi para o Riode Janeiro, onde trabalhou até 1967. Morandono Rio, ajudou a organizar várias festas doDivino. Voltou a São Luis em 1968, tomou afrente da realização da Festa do Divino e, apartir de 1976, quando Dona Amélia assumiua chefia do culto, compartilhava a direção dacasa, encarregando-se dos aspectosadministrativos e materiais. Era a relaçõespúblicas.

Este ano, o convite veio assinado por DonaDenil Prata Jardim, chefe espiritual da Casa;Euzébio Pinto, neto de Dona Amélia Pinto ehuntó (tocador-chefe); Edna Cardoso Lima eOnezinda Pinheiro, assissis (tratamento dadoàs pessoas amigas da Casa) que já assinavam,há quarenta anos, com Dona Celeste, as cartas-convites para coleta de donativos para a festa.

A Programação da Festa do Divino da Casadas Minas prosseguiu:

Dia 12 – Domingo de Pentecostes -Alvorada ao pé do mastro, às 5h; Missa naIgreja de Santana , às 8h, e cortejo dos Impériosaté a casa das Minas; Almoço dos Impérios,12h; Toque de Caixas ao pé do Mastro, às17:30h; Jantar dos Impérios, às 19:30, e emseguida Ladainha.

Dia 13 – Derrubamento do Mastro, às19:30h; Jantar dos Impérios, às 20h; Ladainha,às 20:30h; e Fechamento da Tribuna e posseaos impérios, às 21:30h;

Dia 14 – Serramento do mastro e carimbodas caixeiras com arroz de toucinho e camarãoseco, às 17:30h; e Tambor de Crioula, às 19horas.

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“O brinquedo é o mudo diálogo da criançacom seu povo”Walter Benjamin

RESUMO: Este artigo trata de uma tra-dicional brincadeira popular: a casinha.Nele abordamos os aspectos que envol-vem sua realização bem como sua inci-dência no conjunto das brincadeiras in-fantis, além de relacionar a prática dabrincadeira com os elos sócio-culturais queatravessam esta forma de brincar. Numaoutra perspectiva, analisaremos o movi-mento da brincadeira na transição sócio-histórica pela qual passamos para assimpodermos compreender as nuances queenvolvem suas modificações. A pesquisafoi realizada em 2010 nos bairros do Anile do Coroadinho, em São Luís. Incluiutrabalho de campo com crianças e entre-vistas com a pesquisadora Zelinda Lima.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As brincadeiras infantis sempre fize-ram parte das práticas culturais inseri-das no conjunto de atividades humanas.Apesar de ser impossível definir datasprecisas que impliquem em sua origem,sabe-se que algumas brincadeiras comoo jogo de peão e carretel chegaram aalguns grupos por ocasião da chegadade colonizadores europeus. Outras,como as brincadeiras de imitar animais,sobrevivem como reminiscências indí-genas. Muitas outras se misturaram nadinâmica inter-relacional de convivên-cia entre os diversos grupos étnicos. Detodo modo, estas brincadeiras são aspec-tos da cultura popular que carregamconsigo características em comum, quea definem como tradicionais, como aoralidade, a transmissão de geração ageração e o anonimato de seus autores.

Em diferentes culturas, para alémde seu aspecto lúdico, as brincadeirasfuncionam como internalização daspráticas culturais, onde são inscritas asformas de convivência em grupo, defi-nição de papéis sociais e dinâmicas desociabilidade. A partir daí, as criançassão estimuladas a vivenciar, na formade brincadeira, os comportamentosdesejáveis que elas tenham quandoadultas, o que favorece a manutençãoda ordem natural das coisas, de acordocom a moral e os costumes prescritos

JOGO SOCIAL E BRINCADEIRA POPULAR:A BRINCADEIRA DE CASINHA

Keila Santana13

pela sociedade. Assim é que durante aescravidão, o garoto negro participavadas brincadeiras como cavalo e era açoi-tado pelo garoto branco, filho de seucolonizador, numa reprodução fiel aoquadro social da época.14

Apesar disto, a brincadeira infan-til não deve ser vista como uma cami-sa-de-força, já que apesar da configu-ração fixa que possui, orientada por rí-gidos padrões-culturais, também entraem jogo a individualidade do sujeito,com sua capacidade de sublimar a brin-cadeira, a partir de sua própria inter-pretação diante da realidade. ParaWalter Benjamin, essa característica docomportamento humano está associa-da ao sentimento de libertação que estepossui ao vivenciar a brincadeira, comouma espécie de subversão da realida-de que, a partir do jogo, é sublimadaem ideal do mundo desejado.

No presente estudo, buscaremosanalisar a brincadeira de casinha a par-tir de seu funcionamento na dinâmicaentre o real e o lúdico, na internaliza-ção das regras e comportamentos soci-ais, além de situar a brincadeira nocsontexto atual dos brinquedos indus-trializados e dos jogos eletrônicos.

O grupo de crianças utilizado paraa pesquisa possui um perfil múltiplo evariado quanto a definição de origem,gênero e classe social e é composto por4 crianças com idades entre 7 e 9 anos,sendo 3 meninas e 1 menino. Esta pre-ponderância feminina já traz em si umindício do caráter feminino que a brin-cadeira adquiriu ao longo do tempo,onde brincar de casinha virou “coisa demenina” e os meninos encontram re-sistência à brincadeira tanto por partedas próprias meninas quanto por partedos pais, que vêem na brincadeira uminstabilizador da constituição do traçomasculino da criança. Porém, o que sesabe é que anterior a este tabu, os me-ninos participavam da brincadeira semque houvesse qualquer resistência.

BRINCAR DE CASINHAÉ COISA SÉRIA!

No grupo pesquisado, pode-se per-ceber que a brincadeira de casinha faz

parte do rol de diversões principalmen-te das crianças que ainda não entra-ram na pré-adolescência que vai dos 11aos 14 anos. Após esta fase, a brinca-deira vira “infantil, coisa de criança”15,sendo substituída por jogos eletrônicosou interativos no computador. Alémdisso, esta ruptura demonstra a neces-sidade que o pré-adolescente possui derescindir com aquilo que, para ele, re-presenta o mundo infantil e do qualele quer se libertar, como pressupostopara sua entrada no mundo adolescen-te/adulto.

Uma das entrevistadas, de 12 anos,e já na fase pré-adolescente ratificouesta afirmação ao informar que já nãobrinca mais de casinha por se conside-rar ‘grande’ para a brincadeira. Nestesentido, o ‘grande’ pode ser traduzidotanto em seu valor objetivo, de que acriança, em sua nova configuração cor-poral, portanto maior, já não mais seenquadra no padrão corporal “baixo”das outras crianças, como também o‘grande’ pode ser traduzido por ‘adul-ta’ no sentido de que a brincadeira nãopertence mais ao seu universo pessoal.

Esse dado também nos mostra queum dos elementos que identifica a for-mação do grupo está relacionado aofato de todos ali possuírem idades equi-valentes e não muito díspares umas dasoutras, o que no jogo de aceitação/ne-gação do indivíduo com o grupo impli-ca em normas rígidas ditadas por fato-res definidos pela dinâmica do grupo eque o ajudam a construir sua coesãointerna. Neste caso, a idade é o ele-mento que deve qualificar quem podeou quem não pode compor o grupo eparticipar da brincadeira.

Contando uma história

De acordo com as crianças entre-vistadas, a história em torno da qualgira a brincadeira consta de uma bo-neca-mãe16, podendo esta ser solteiraou casada (neste último caso se houvermenino na brincadeira) com 1 ou 2 fi-lhos, cuja situação econômica é privi-legiada.. Esta noção pode ser lida emdois níveis; o sociológico, que reflete

13 Keyla Santana é atriz, arte-educadora, mestranda em Cultura e Sociedade e membro da Comissão Maranhense de Folclore.14 Ver FREIRE.Gilberto.Casa Grande & Senzala.Rio de janeiro: José Olympio, 1984.15 Conforme depoimento de uma das entrevistadas.16 Referente às brincadeiras onde as bonecas cumprem papel de adultas.

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CONTINUAÇÃO

uma noção de mundo associado aosbens materiais, em grande parte esti-mulados pelo marketing agressivo dasgrandes indústrias do entretenimento.Num sentido subjetivo, esta relação põeo individuo face a uma oposição entreo que se possui e o que se deseja pos-suir, o que o obriga a ficar frente à al-teridade de sua constituição enquantosujeito, e, portanto, face a sua subjeti-vidade.

Outra característica da brincadei-ra chama atenção para o fato de queas bonecas que a compõem, possuemcomo profissão carreiras bem vistas so-cialmente, em geral as das áreas médi-cas e do Direito, refletindo visões demundo do grupo social que participam.Com isso, pretendem, além de statussocial, independência econômica, oque nos leva a concluir que antigasnoções que caracterizavam o papel damulher, tanto na sociedade quanto nabrincadeira, vem acompanhando asmudanças na dinâmica do papel mu-lher no grupo social. Ao caracterizar aboneca como independente, tanto so-cial quanto financeiramente, a crian-ça reflete em seu pensamento a novaconfiguração do papel da mulher naatualidade e se distancia das antigashistórias onde a boneca-mãe devotava-se ao lar e aos cuidados com marido efilho e suas principais tarefas resumi-am-se aos afazeres da casa.

Num outro aspecto, pode-se obser-var que, quando o número de partici-pantes é grande, são os mais velhos quea organizam, um outro indício de comoa brincadeira de casinha reproduz pa-drões de comportamentos desejáveis àscrianças, como uma forma de primei-ro contato com os modelos adotadosem sociedade e, desde cedo, assimila-do no contexto de algumas brincadei-ras infantis. Neste caso, as relações derespeito e obediência devotadas as cri-anças mais velhas do grupo que, emfunção da idade, estabelecem uma re-lação hierárquica onde mais velhos sãoobedecidos e tidos como naturalmen-te mais capazes de comandar o grupo.

Em relação ao papel masculino pre-sente na brincadeira, verificamos que,na estrutura familiar, na qual as bone-cas se inserem, nem sempre existe afigura paterna e, quando existe, possuipapel secundário. De acordo com ogrupo, isto é ocasionado por dois moti-vos: 1 – decisão coletiva por parte dogrupo; 2) quando não há meninos nabrincadeira, já que, na maioria das ve-

zes, as meninas não gostam de fazerpapéis masculinos. Um elemento quepode influenciar nesta configuração é,atualmente, a pouca existência demeninos em brincadeiras de casinha.Ao ser perguntado sobre sua participa-ção na brincadeira, o único menino, de9 anos, afirma que brinca apenas pornão ter muitas outras opções, já que éo único menino daquele núcleo fami-liar e por ter se esgotado suas possibili-dades de brincar sozinho. Outro ele-mento fundamental para entendermosesta configuração é que 2/3 do gruponão possui referência paterna e temcomo núcleo familiar principal a mãeou os avós o que reflete a ausência dafigura do pai inclusive na brincadeira.

Brincar de casinha hoje

Atualmente, muitos sites na inter-net possuem jogos que imitam a brin-cadeira de casinha em campo virtual.Para muitas crianças do grupo estas sãomais interessantes, pois há mais opçõesde configuração da brincadeira, assimcomo o fato de a boneca ser animadaapresentar uma possibilidade mais ‘real’no jogo das ilusões propostas pela tec-nologia. Por outro lado, afirmam quehá pouco espaço para criação de histó-rias já que elas já vem semi-prontas pelaempresa fabricante do game. A esterespeito Walter Benjamin, traz impor-tantes contribuições ao pensar a brin-cadeira no contexto das sociedades pós-industriais, em que o brincar, bemcomo o brinquedo, modificam-se con-sideravelmente por causa da produçãoem massa. Se, antes dessa dita socie-dade, as próprias crianças ou seus paisproduziam os brinquedos; com a indus-trialização, cada vez mais abriu-se umadistancia entre ambos. Além disso, asdimensões dos brinquedos foi aumen-tada, eles se tornaram imensos, fato quetinha como objetivo gerar um grandeapelo comercial, ocasionando não ape-nas impactos negativos entre as crian-ças, mas também entre as crianças eseus pais, quando estes não tinhamcondições financeiras de comprar obrinquedo endeusado pela propagan-da de massa.

MEMÓRIAS DE HOJEE DE ONTEM

Naturalmente muitas foram as mu-danças que ocorreram na linha do tem-

po que separa a brincadeira de casi-nha de ontem e de hoje. Durantemuito tempo esta brincadeira era aprincipal atração das meninas tidascomo ‘comportadas’ e em geral os paisnão gostavam de ver meninas e meni-nos brincando juntos por acharemque isso incitava uma aproximaçãoindevida entre os gêneros. Além dis-so, a rua muitas vezes era vista comolugar inadequado para as “meninas defamília”, numa contraposição entre acasa e a rua já tão bem descrito peloantropólogo brasileiro Roberto daMatta.

As bonecas, além de muito bemcuidadas, ganhavam vários tipos debajulação, como festas de aniversário,chás da tarde, etc. Na geração do plás-tico, as bonecas de porcelana viraramrelíquias de colecionadores adultos eas bonecas de padrão europeu e norte-americano que tem na Barbie o seumelhor exemplo ofuscaram as bonecasde pano, conhecidas como bruxas, queviraram objetos de museu. Praticamen-te esquecidas ficaram as bonecas depano em tamanho quase natural, queimitavam as moças em seus pormeno-res: seios, sexo, boca e sensualidade.Essas eram de todas as formas, cores eao gosto do cliente.

Depois desta, muitas outras bone-cas e casinhas, virtuais ou reais, conti-nuam a existir na vida não apenas decrianças, mas na memória viva de mu-lheres de todas as idades que, nos mo-mentos de reencontro com sua alma demenina, reencontram sua boneca sen-tada no chão, fingindo-se mulher.

Referencia Bibliográfica

BENJAMIN, Walter. Reflexões: acriança, o brinquedo, a educação.São Paulo: Summus, 1984.CASCUDO, Câmara. Dicionáriodo folclore brasileiro. 11ª ed. SãoPaulo: Global, 2001.FREUD, Sigmund – Além do Prin-cípio do Prazer. Rio de Janeiro: Ima-go, 1998.FREIRE, Gilberto.Casa Grande &Senzala.Rio de janeiro: José Olym-pio, 1984.KLEIN, M. A Psicanálise de Cri-anças. (1932). Rio de Janeiro: Ima-go, 1997.

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Qualquer nome que se atribua aoindivíduo que atua como o manipulador doelemento animado que é o objeto “boi”, nofolguedo Bumba-meu-Boi no Maranhão estarásempre sujeito a uma fecunda discussão.

Identificado por alguns estudiosos da áreadas Artes Cênicas como boneco, por outros,como máscara ou ainda, como prefere chamara antropóloga Maria Laura V.de CastroCavalcanti (2006,71), “boi artefato”, esse objetoanimado é a figura central do folguedo.

No presente trabalho, pretendo esboçarum recorte no que se pode observar da atuaçãodesse indíviduo que manipula o Boi, quantoa seus procedimentos gestuais e formas derelacionamento (atitudes- gestos -movimentos) com o objeto em questão; decomo, em alguns “sotaques”, os miolos secomportam com relação a animação/manipulação ou exibição do referido objeto.

O que é o Boi e como se caracteriza ofolguedo Bumba-meu-Boi

O Boi, esse artefato de madeira leve,geralmente construído com “vergontas decanela-de-veado” e buriti, tendo a cabeçaesculpida em um bloco de madeiraigualmente leve, porém maciça, recebendocomo acabamento um par de chifres naturaispolidos e enfeitados com ponteiras de metalbrilhoso (metal nobre ou niquelado). Érealmente confeccionado para ser um boneco(ou boneco – máscara), um objeto animado.Sua cobertura em veludo preto todorebordado de lantejoulas, canutilhos,miçangas e paetês, da face à cauda. Ostentaum determinado ícone na testa que varia deestrela, rosa, ostensório, escudo de time defutebol a brasão de estado ou brasão nacional.O acabamento perfeito para esse boneco é asua barra, espécie de saia comprida queesconde o seu manipulador. Na brincadeiramaranhense a forma de esculpir esse bonecosofre uma diferença considerável de sotaquepara sotaque.

“O Bumba-meu-Boi é uma expressão deteatro popular viva, que se reinventa, que setransforma, enquanto mantêm sua tradição”(BORRALHO, 2006, p.159). Em verdade, ofolguedo como é brincado no Maranhão segueuma ritualística que obedece a um calendáriocomum a todos os conjuntos pertencentes aosdiferentes sotaques (pelo menos aquelessediados na ilha de São Luís). Assim sedescreve o ciclo da brincadeira: “BATISMO(re-nascimento) iniciação / VIDA (brincadas)/MORTE”. Isso nos autoriza pensar que essefolguedo extrapola a condição de simplesdança dramática, de uma simples encenaçãometafórica com a duração de uma hora deapresentação.

Tem-se informação através dos Anais do10º Congresso Brasileiro do Folclore realizadoem 2002 que as “Tourinhas” portuguesas, bemcomo alguns outros autos, eram brincadas nas

Miolo de Boi:brincante, brincante-manipulador e dançador

Tácito Freire Borrelho17

caravelas durante as viagens que resultaramno descobrimento do Brasil. Essas Tourinhaseram jogos de disputa que implicavam emgrande folgança e continham a simulação damorte de um boi, artefato de vime ou madeiraleve, mas não se constituía em um autoencenado.

“Não seria falso aceitar-se a idéia de quehouve um momento em que se deu umpossível enlace entre os autos natalinos oureisados e esse brinquedo, o que veio resultarnuma forma híbrida: o Boi de Reis,brincado no calendário natalino,principalmente no Nordeste. A evoluçãodesse folguedo novo aponta para váriasdireções, inclusive as que podem seridentificadas como bumba meu boi.”(BORRALHO, 2006, p.163).

Acredita-se que a chegada desse folguedoao Maranhão deu-se por volta de 1701 com ociclo do gado. E o que mais alimenta essacrença são indicadores de complicadasreferências aos personagens típicos da lidacom o gado em fazendas, como o fazendeiro(o amo),o vaqueiro, o capataz, o rapaz, dentreoutros, que povoam as trama dos autos doBumba-meu Boi.

O folguedo vai se estruturandoprogressivamente e assumindo característicasde apropriação de componentes regionais;estabelece um ritual que se espalha por todoo Estado e está contido no ciclo da brincadeirae que, salvo raras variantes, acontece deacordo com o seguinte calendário:

Sábado de Aleluia – Primeiro ensaio doBoi13 de junho (dia de Santo Antônio) -Ensaio Redondo;23 de junho (véspera de São João) -Batizado do Boi;24 de junho a 25 de Julho – Brincadas(apresentações);26 de Julho (dia de Santana) – Morte doBoi, encerramento da brincadeira.Ao que estudiosos convencionaram

chamar de auto, os brincantes denominammatança, comédia ou palhaçada, de acordocom os sotaques e com as regiões das quais seoriginam. No Maranhão, o folguedo temcaracterísticas que permitem compreendê-locomo teatro popular, teatro musical,teatrodramático, teatro de bonecos, teatro de atorese bonecos ou simplesmente espetáculoteatral.É impossível negar sua teatralidade.

Todos os conjuntos de boi costumamensaiar a brincadeira considerando comopartitura uma sequência dramática quepoderá ser encenada ou não mais que servirácomo roteiro nas apresentações.

Se existe um roteiro dramático existeimplicitamente uma dramaturgia, mesmoinexistindo uma escritura. Há sim, um roteirodramático que se transmite oralmente e quevai se estruturando durante os ensaios.

A partir disso, pode-se perceber aexistência de duas versões dramatúrgicas parao folguedo. Uma para o auto, esquema similara Commedia dell’Arte, outra para a morte doBoi, esquema de teatro primitivo, puro ritualcom celebrante, iniciados e fiéis.

O que caracteriza o folguedo no Maranhãonão é só o período em que ele acontece.Embora se dance Boi durante todo ano comoapresentação compacta, suas brincadas seconcentram no período junino, durante osolstício do verão, época propícia para acelebração de todos os seus rituais. Uma dassuas fortes características é o modo deapresentar-se, mantendo convencionalmentea encenação de um auto ou apresentandoapenas a sua revista musical. Outra, é a suaprofusão de sotaques.

Essa organização de grupamentos ouconjuntos de bumbas por sotaque é umadeterminação letrada, conceituação deestudiosos e não dos nativos, embora estes seutilizem do termo em seu cotidiano paraidentificar formas de “falas” das brincadeirasou outras manifestações que expressemalgum tipo de sonoridade. Sotaque é pordefinição o modo distinto de falar o mesmoidioma e talvez o termo que mais se prestou aessa classificação dos conjuntos de bumba eque não foi difícil de ser apropriada pelosparticipantes diretos do folguedo.

A atuação do miolo por sotaque,no Maranhão

Nuclear grupos de estruturas similares porsotaque é um traço de contemporaneidade.Porém, em pleno século XXI, existemexpressões bastante particulares dessefolguedo, em diferentes povoados do Estadodo Maranhão. Grupos que não poderãoencaixar-se em nenhum “sotaque” distinto eque poderiam ser considerados grupos de“não sotaques” ou de “sotaque isolado”.

Os grupos que pertencem aos diferentessotaques estão assim localizados:

SOTAQUE DA BAIXADA, nos municípiosde Pindaré, Viana, Matinha, Penalva,Olinda dos Castro, São João Batista,Bequimão, São Vicente de Ferrer,Alcântara,etc.;SOTAQUE DE ZABUMBA, nosmunicípios de Cururupu,Guimarães,Cedral, Porto Rico do Maranhão, Central,Mirinzal, etc;SOTAQUE DE ORQUESTRAPA, nosmunicípios da Axixá, Morros, PresidenteJuscelino, Cachoeira Grande, Rosário (epovoado de São Simão, em Rosário), etc;SOTAQUE DE PANDEIRO DE COSTASDE MÃOS, nos municípios de Cururupu,Serrano do Maranhão, etc;SOTAQUE DE MATRACA (OU BOI DAILHA),nos municípios de São Luis, Icatu,Paço do Lumiar, Iguaiba, Raposa, etc.

17 Dramaturgo, ator, diretor, mestre e doutorando em Teatro; Professor da UFMA-CCH-DEART.

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CONTINUAÇÃO

O que caracteriza cada sotaque, é o tipode instrumental que compõe seu conjunto,as variantes de ritmo, a construção das toadas,a sua coreografia, o desenvolvimento do auto,a utilização de elementos animados entre osseus personagens e principalmente o perfilde construção do Boi. A dança de cadasotaque tem um estilo próprio mesmo que ospassos coreográficos em algum momentoposam desenhar um traço que demonstre umaligeira semelhança com passos de outrosotaque.

É na construção do boi, seu tamanho,formato do seu bojo, e na coreografia dosotaque a que pertence que se definem osseus modos de manipulação e o perfil do seumanipulador.

Esse brincante a quem compete animar oboi, geralmente é chamado de “miolo.” NoMaranhão é ainda conhecido como “alma”,“espírito” ou “mulher do boi”; no Nordeste,como “tripa,” “miolo” ou “condutor” (no Boi decarnaval de Alagoas) e “brincador” (no CavaloMarinho); de “miolo” ou “dançador”, em SantaCatarina; de “bucho” e “recheio”, no MatoGrosso.

Para que se possa entender o que é ummiolo de boi, não basta definir o termo “miolo”.É necessário compreender a sua função nofolguedo. E como no folguedo a encenação éum jogo, esse miolo pode ser consideradosimplesmente um brincante. Mas umbrincante-dançador. Aquele que tem aresponsabilidade de animar (dar vida,movimentar, exibir) o boi. Fazê-lo correr,brincar, dançar, dar e buscar afeto da platéia(inclusive um “capim”, óbolo em dinheiro oubebida), fugir, morrer e ressuscitar.

Fica clara a irrefutável necessidade deuma relação entre miolo e Boi que vá além dacumplicidade e da parceria, de uma relaçãotão harmônica capaz de confundir pormomentos homem e objeto. Uma relação quedefine claramente a teatralidade executadanos espetáculos de animação. O Boi, esseboneco grande que pode ser chamado poruns de “boneco-máscara” cumpreperfeitamente seu papel de figura central doespetáculo. Por mais que suas feiçõesbusquem um traço fortemente realista,apresenta-se exatamente como um simulacro,enfeitado e rígido, mas manifestando umaprecisa ilusão de vida gerada pelamanipulação, resultado da energia dobrincante, que nesse caso, age como um ator-manipulador.

“O Teatro de Animação trabalha com amatéria concreta, que pela energia do ator,torna-se animada, faz-se personagem.Matéria animada,como a própria palavradiz, é todo e qualquer corpo físico que, nocontato com energias sutis do espírito,adquire outros significados. Alma é o nãomaterial, o que ‘não tem peso’ e semanifesta através de elementos físicos, esua manifestação mais sutil é o movimen-to. Quando a matéria se move por energiaprópria ou acionada por impulsohumano,imediatamente,provoca novosfenômenos[...] A energia que se desprendeda matéria cria uma força que a transcen-

de. A tudo isso chamamos :Vida. Quandoa energia cessa, ‘aparentemente’, acontecea imobilidade. E, o corpo assim ‘imóvel’suscita outra realidade. Ao cessar total daenergia, chamamos: Morte.” (AMARAL,2005, p.16-17).

O que Ana Maria Amaral afirma é que “oselementos utilizados no teatro de animação nãosão vivos em si, mas transmitem vida ao seremanimados”. E por estar contido nisso o mistérioVida e Morte, essa ligação entre duasrealidades opostas faz operar a magia que sevislumbra no teatro de animação.

É talvez na fruição do encantamentomágico descrito por atitudes do miolo nodesenvolvimento do seu gestual que se possacompreender as sutilezas do processo daanimação do objeto Boi. Observandoatentamente vê-se que o objeto estácompletamente ligado ao corpo do brincanteque o veste, o que proporciona a execução demovimentos em perfeita sintonia corpo/objeto, o que é determinado pela completasinergia entre os movimentos do seu corpo e omovimento do Boi, que neste caso pode serconsiderado uma máscara. Já quando o mioloprecisa levantar o Boi no momento de “rolá-lo” durante a dança ou simplesmente exibi-loao público, destacando-o do corpo, carece demaior atenção e melhor precisão em suaanimação, pois aí ele se configura como umboneco. E nos fala: “Em ambos os casos, o quetemos é uma parte inanimada, representada peloboneco ou pela máscara,e uma parte animadae com vida racional, representada pelo ator-manipulador.” (AMARAL, 2005, p.20).

No folguedo, o manipulador do Boi, omiolo, tem logicamente energia própria, vidaracional mas não é ele o personagem. Já o Boi,o elemento animado, não tem vida nemexistência real, mas é sim o personagemdurante todo o tempo. Isto nos permiteentender que no teatro de animação que serealiza no folguedo, o miolo interpreta e seexpressa com outra imagem. “Transfereenergia. Sua imagem não está na cena. Oboneco neutraliza a presença do ator[brincante], como se o eliminasse.” (AMARAL,2005, p.21).

Em verdade, no folguedo, essaneutralização transita com uma certaduplicidade durante todo o espetáculo. Opúblico jamais duvida de que o Boi é um objetoque está sendo animado por um sujeito, àsvezes, bem oculto, mas não esboça surpresa,nem demonstra sinais de desencantamentoquando o miolo se mostra durante a função,levantando o Boi acima se sua cabeça,fazendo-o mover-se como se flutuasse oucomo se sua figura fosse projetada por umalongamento descomunal de suas pernas. Boie miolo se confundem ao ponto do públicoaceitá-los como um ser duplo. Sabe-se que omiolo está ali, visível ou não, mas o elementofocal é o Boi. O miolo se esconde e se revelacomo um brincante, não como um ator, nãotransgride assim nenhuma regra do teatro nemdo folguedo

Qual seria o perfil de um miolo? Adulto,jovem ou criança o miolo é um postomasculino privilegiado cujo ocupante não

basta apenas saber carregar um objetocuidadosamente e dançar ao som de umbatuque. Como cada sotaque possui umaestrutura de boneco (o Boi ) diferente, notamanho, formato e desenho externo, seumanipulador terá que se adequar a essaspeculiaridades. Na verdade, a idade é o menosimportante. O que pode determinar mesmo éa compleição física e a altura do indivíduo, asua agilidade corporal, sua dedicação aofolguedo (sendo um promesseiro ou não) e seuespírito dançador.

O que tenho observado constantementeentre os miolos, no Maranhão, é a suacapacidade de concentração, que vai daintrospecção à explosão de alegria, numadança bem humorada, contagiante,propiciadora de uma plena integração com opúblico. Há momentos em que as pessoas daplatéia se descobrem afagando o boneco comose fosse um animal vivo, tal é a capacidadeque o miolo tem de estimular essa ilusão.

No Boi-de-Mamão de Santa Catarina, essaquestão da idade do manipulador, talvez porse tratar de uma estrutura de boneco únicapara todos os grupos, com arcabouço umpouco resistente e mais pesado, é vista deoutra forma. Observa Valmor Beltrame:

“Vale lembrar que a apresentação do Boi-de-Mamão reúne integrantes de diferentesfaixas etárias com atribuições distintas efundamentais para a sua realização. Uminiciante dificilmente entra na brincadeirapara dançar debaixo da figura principal. Écomum antes de animar o Boi, que ointegrante atue com bonecos-máscaras commenor complexidade e tempo departicipação em cena [...]. Isso supõedominar os saberes relativos à atuação decada figura e ao mesmo tempo passar poretapas a serem superadas, nas quais o dan-çador se apropria melhor do modo de atu-ar, adquirindo a segurança necessária paradançar debaixo de Boi...” (BELTRAME,2007, p.168-169).

Essa observação deixa transparecer queo miolo em questão ali denominado “dançador”é treinado, podendo ser qualquer homem quese proponha atuar com tal. No Maranhão, hácerta semelhança no que diz respeito aparticipar do folguedo, não especificamenteda animação de objetos/personagens, nabrincadeira.

Durante o Encontro de Estudos ePesquisa dos Elementos Animados doBumba-meu-Boi do Maranhão, realizado em2006, pelo Grupo Casemiro Coco (DEART-CCH-UFMA), foi registrada a grandeparticipação de crianças, adolescentes ejovens em todos os sotaques. Segundo apesquisa, essa é uma prática antiga dosgrupos de Zabumba. “Leandro, 18 anos, miolodo Boi de Canuto (Zabumba) da Vila Passos,São Luís, (o mesmo Boi do finado Mizico),afirma que começou a brincar com 6 anos noposto de vaqueiro. Hoje, com 1,70m de altura,bem magro,é responsável por rolar o boi ‘semter que levantar acima dos instrumentos’.”(BORRALHO, 2006, p.176).

Em 2007, com a realização do Segundo

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CONTINUAÇÃO

Encontro, o mesmo grupo de pesquisadoresencontrou, durante a “boiada de Matinha”,(espécie de reunião oficial dos Bois de Sotaqueda Baixada realizado inclusive como concursooficial da prefeitura daquele município), ummiolo jovem prendeu a atenção de todos comsua performance. José Américo Aires, 16 nos,brinca debaixo do boi desde os 15 anos.Lavrador, filho de família de lavradores (doSr. José, de 36 anos e de Etiene Silva Aires de34 anos), diz que seu irmão de 10 anos tambémjá “rola boi”e sua irmã de 14 anos brinca deíndia. Sua mãe participa como bordadeira eacompanhante e seu pai até 2006 era o mioloprincipal do Boi de Santeiro (povoado deViana), um grupo de boi comunitário. “Masnós pagamos promessa.O miolo é sempre umpagador de promessa”, diz Seu José.

Promesseiro ou não, José Américo,afirmando que começou a atuar como osegundo de seu pai no ano anterior, deve teromitido que, como seu irmão, já brincava extra-oficialmente dançando debaixo de Boi. Suadança é um espetáculo à parte e de umaperfeição que transcende qualquercompreensão sobre treinamento, regras, eesquemas coreográficos.

Mas parece óbvio que os miolos de Boidos diferentes Sotaques apresentempeculiaridades na forma de realizar suasdanças. O que vai determinar essas diferençasnão é o ritmo que acompanha o sotaque, mas,decididamente, a construção da carcaça (oucapoeira) do Boi. Para cada Sotaque, há umfeitio, um tamanho, um perfil. Diria até quedois Sotaques costumam usar o mesmo tipode arcabouço, se forem da mesma região. Porexemplo, Bois de Zabumba e de Pandeiro deCostas de Mãos, são bois muito pequenos eleves e suas viseiras são dois orifícios redondosà altura do pescoço do boneco; suas barrassão abertas atrás,embaixo do rabo do Boi.

Os Bois de Orquestra tem uma estruturamais ampla e ostentam um “cupim” bemmodelado; sua viseira é ampla e tem formatotriangular, descendo do “gogó” do Boi até osombros, encontrando-se com a barra,tornando-se o boneco que menos esconde oseu manipulador.

Os Bois da Ilha e os Bois da Baixada (ossediados em São Luis) apresentam um Boimédio com viseira triangular pequena na basedo pescoço e barra completa com aberturafrontal. Os Bois da Baixada, do interior doEstado tem um formato diferente noarcabouço da carcaça e são cobertos tambémde forma diferente. Suas barras, as quaischamam também de lençol e varredor, sãocolocadas como uma coberta de cama porsobre a carcaça, sobrando bastante de umlado e outro. Outra peça de “lençol” éestendida da nuca para o rabo do Boi,deixando livre a sua cauda. O couro ésobreposto como se fosse um tapete ou ummanto. Ora, o pescoço do boi é totalmentedescoberto, deixando aparecer o miolo dacintura para cima.

São essas estruturas que podem definir otipo físico de cada miolo. Quanto a faixa etária,somente o Sotaque de Zabumba tem

preferência por miolos crianças ouadolescentes.

Zé Olhinho, Amo do Boi de Santa Fé,participando de uma “Roda de Conversa”durante o Segundo Encontro, em 2007, afirmaque cada miolo tem uma coreografia própria,“cada miolo rola o boi de um jeito.” Diz queem cada região há um modo distinto de “rolaro Boi” evidenciando a expressão “rolar” comosinônimo de animar ou manipular. “O miolotem que ter prazer e entusiasmo para rolar oBoi”, arremata ele.

Em relatório da pesquisa realizada duranteo mesmo Segundo Encontro, Valmor Beltrameassistindo a brincadas num arraial junino emSão Luís observa:

“As ações de ‘rolar o Boi’, ‘levantar e girar’,correr e dançar fora do grande círculoformado pelas índias e outros bailantes sãoprocedimentos recorrentes em diversosgrupos até mesmo de diferentes sotaques.”

Essa observação procede, mesmo por quenos movimentos largos estão semprepresentes desenhos coreográficos comuns atodos os sotaques. É na dança que vai se dara variação, posso dizer mesmo, a forma demanipular o Boi.

Nos Sotaques de Zabumba e Costas deMãos, o manipulador está sempre de pé. Usao boneco como um chapéu que faz descercomo um grande véu sobre o seu corpo. Maso Boi é um boneco “vivo.” O domínio das mãosque realizam movimentos em perfeitacoordenação com todo o corpo, exibem umcomplexo movimento rítmico que fazem o boidançar elegante e suavemente mesmo quandocorre para o público. Nos sotaques da Ilha, daBaixada e de Orquestra os miolos partem deuma postura que implica em manter as costasligeiramente dobradas, apoiando o bonecocom os ombros e com as mãos. Para rolarliteralmente o Boi, fica de pé, o que lhe permiteinclusive saltar. Nos bois da Baixada sediadosno interior, há outra dinâmica. Se o miolo nãoestá em pleno jogo de encenação ou dançandoem uma apresentação, mesmo com o Boidentro da roda, ele se exibe quase por inteiroe o boneco se assemelha a uma capa.Consegue segurar o Boi, projetando o tóraxcompleto, o que possibilita um gestosubsequente de um traçado poéticoinigualável. Como se mergulhasse de costaspara dentro do boneco, desaparece meioagachado e dança como se somente o bonecoexistisse.

Como se dá a animação do Boi

A animação executada pelo miolo,extrapola quaisquer princípios determinadospelo Teatro de Bonecos, com referência amanipulação. Aqui, o manipuladortranscende os gestos manuais e literalmentese veste com o Boi, penetra o Boi e de repente,este parece tornar-se a sua pele. Há umaharmoniosa e equilibrada relação homem/objeto de difícil e complicada explicação eentendimento. Há definitivamente um“dentro” e um “fora” perceptíveis. Zé Olhinhona mesma roda de conversa citada

anteriormente volta a fazer uma outraafirmativa para descrever o trabalho do miolo:“eu não brinco debaixo do Boi, eu brinco dentrodo Boi.” Em seu relatório, acerca do que afirmaZé Olhinho, Valmor Beltrame comenta: “Adiferença entre debaixo e dentro merecereflexões. Há na expressão ‘dentro’ a idéia deautoria, de animar, de criar como artista. Já, naexpressão ‘debaixo,’ neste caso específico, indicaa presença do artefato, o boneco-máscara/objetoe remete a estar submetido á forma.” Aanimação do Boi (que podemos dizer, se dáatravés da manipulação do miolo), pode sercompreendida como dança, bailado queintegra animador e objeto de uma forma emque se torna possível observar uma partiturade gestos que se sucedem para tornar a serepetir de forma harmonicamente ampliada.

O miolo entra para debaixo do Boigeralmente num movimento sublime, numgesto respeitoso e conduz o boneco para ocentro da apresentação. A partir daí o bailadosegue uma seqüência de movimentos quepodem ser observados em quase todos ossotaques, excetuando-se os Bois da Baixada,no interior, que deixam por muito tempo acabeça do miolo exposta e arrastam muito aparte traseira da barra do Boi. São estes osprincipais movimentos:

BALANCEAR: O Boi vai deslizando aosom das toadas;CORRIDA: Forte e suave, longa e breve,em volta e no centro da roda, comocontinuidade do balanceio;GIRO: Executa em seguida essemovimento de girar em rotação e transla-ção;TREMELICAR: Ao concluir as giradas, oBoi é suspenso e dança em circulo, treme-licando;ROLADA: Dando seqüência a tremelicada,executa a rolada, numa dança aérea queimplica em novos giros e volteios;VALSAR: Agora a coluna do miolo parecedeixar o ângulo de 90º de adota o de 45ºpassando a dançar como se estivessevalsando. Primeiro sozinho e em seguidacom outros personagens da roda,principalmente vaqueiros, burrinha, índios,índias, caboclos reais, pai Francisco e mãeCatirina;PINOTAR: Em geral, após os valseios, oBoi pinota, isto é, salta;BANZEIRO: Em seguida ao salto, o Boidá umas voltas imitando com o corpocomo se fosse um barco nas ondas do mar;CORRIDA: Volta ao movimento da corridae reinicia a dança.

As variadas performancesexecutadas pelo miolo

Para executar toda essa partitura gestual,o miolo teria desenvolvido um exaustivotreinamento físico? Ou o estímulo da música,a dança, o aquecimento com a cachaça ou oconhaque de alcatrão lhe asseguram oequilíbrio corporal que assume desde a basedos pés descalços e achatados e comcurvaturas dos joelhos, um retorcer da colunavertebral em rotações de parafusos, o queatravés de pesquisa do teatro oriental EugênioBarba cognominou de equilíbrio precário.

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CONTINUAÇÃO

São performances que possibilitam aomiolo dar a impressão de deixar o Boi paradono alto e rodar e contorcer-se debaixo dele.

Assim, quando o miolo se exibe, especula-seuma quebra, uma ruptura na intenção demostrar-se, diminuindo a exposição do objeto ouacontece um fenômeno de ampliação gestual,de interação manipulador-objeto utilizando opreenchimento do plano “espacial alto”.

O miolo de Boi não é, como vimos, umbrincante isolado, pois o Boi não brinca sozinho.No Maranhão, como também já vimos, asbrincadas podem acontecer com a encenaçãode um auto ou como um simples musical,somente música e dança. Mesmo assim, o Boise exibe, interagindo com todo o elenco, numpalco, num tablado ou num terreiro. Só quealém das brincadas de apresentações o Boi temtambém as brincadas do seu ritual próprio comoo Batizado e a Morte do Boi (matança finalsimbolizando o fim do ciclo anual dabrincadeira). Aí o miolo precisa ser também (oumais) competente em suas performances.

O miolo, no seu trabalho de animador doBoi executa perfeitamente a ação conceituadacomo performance por Mike Pearson:

“A performance é um modo decomunicação e de ação, distinto da ação‘normal’ ou ‘cotidiana’, caracterizando-sepor certos tipos de comportamentos ediversos registros de engenhosidade[...] Aperformance é uma rede sofisticada decontratos, de sistemas signico-cinésicos(movimentos corporais), hápticos (contatoconsigo mesmo e com os outros) eproxêmicos (distância relativa entre oscorpos e de manipulações do espaço-tempo). Ela é autônoma.” (PEARSON,1995. In: BIÃO, 1999, p.157).

Isso não me autoriza chamar o miolo deBoi de Performer mas seria bem o termo queindicaria melhor sua atuação se pudéssemosisolá-lo da cena do folguedo. “Em inglês aexpressão performer é normalmente utilizadapara designar o artista cênico[...] No Brasil estapalavra embora tenha sido muito empregadaé freqüentemente entendida como‘improvisação’ [...] Na tradução do livro ‘Aarte secreta do Ator-dicionário de antropologiateatral’ optou-se pela expressão ator-bailarino,para traduzir o temo performer...”(STRAZZACAPPA, 1997. In: BIÃO, 1999,p.163). Também essa tradução não condizcom a realidade do miolo.

Em geral, os miolos de Boi não seconsideram artistas cênicos porque eles nasua função, não estão representando, estãoali para brincar, brincar com os outros. Elesexecutam um jogo, não se exibem como“narcisos” na cena, para os outros, e sim ageme reagem, percebem, correspondem aopúblico, mas distanciam-se, não secomprometem. Seguem sempre o ritual dabrincadeira, os esquemas pré-inventados erepetidos sem o rigor do compromisso. Podemrefazer-se, na repetição.

Pode-se pensar assim que o miolo executadiferentes performances de acordo com osespaços, tempo e modelos de apresentação ecumprimento do ritual do folguedo. Duranteas brincadas, quando não há apresentação

do auto, segue a partitura descritaanteriormente. Quando há a encenação, omiolo assume um papel de manipulador maisexigente. Ele é agora um brincante-dançador,um simples brincador ou um autêntico“titeriteiro”? É nessa hora que se conhece todaa habilidade de um miolo. Como um mágicoou um contorcionista além de dançar com seusantagonistas Chico e Catirina, ele tem quefazer um Boi dançar ora manhoso, ora arisco;e quando morto, o boneco trazido para o meioda cena, totalmente vazio, saber entrar no Boisem ser visto pelo público, camuflado poroutros personagens. Quando o Boi é curadoou ressuscitado, tem que saber gemer, fingirestar despertando e urrar com força e levantaralegre e dançando.

O período em que um miolo é mais exigidocomo amimador de um Boi, é na “Morte doBoi”. Ele passa a viver também o drama doBoi. São dias de festa em que esse Boi brinca,dança despedindo-se de pessoas e lugares,fazendo visitas, etc., até que foge e se esconde.É procurado, encontrado, laçado e numacorreria por horas ou mesmo dias, vaiconseguindo fugir e sendo outra vez laçado efinalmente trazido em procissão até o mourão.É um cortejo belo e triste ao mesmo tempo. Eo miolo ali, sendo ele próprio literalmente aalma do Boi. Parece que há um sentimentoque vai além da interpretação. O miolo parecenão mais representar, parece estar vivendoaquilo. Para mim deixa de ser teatro de ator ede animação e passa a ser puro jogoritualístico. Ao aproximar-se do mourão, o Boisempre solta um mugido muito forte (umgemido alto e sofrido) e dá um jeito de soltar-se. Sem correr para muito longe é laçado outravez e amarrado ao mourão.

O ritual da morte do boi é a partir daí umgrito ancestral. Símbolos e signos se imbricamaté chegar-se a uma leitura mais clara da morte,quando o Boi ferido no pescoço geme cai dejoelhos e o miolo derrama quantos garrafõesde vinho tinto estiverem junto ao mourão, porbaixo da cabeça do Boi, como se estesangrasse. Ao som de uma toada triste dedespedida e de esperança de “voltar no anoque vem”, aquele vinho derramado em bacias,vai sendo distribuído entre os convivas.

Observou-se aí a trajetória ritualística dosmovimentos estudados, marcados em funçãode um rito de morte, o que exigiu domanipulador uma maior integração comrelação ao objeto, que lhe impõe além de umaconsciência física dos atos e passoscoreográficos, uma consciência da função,quase sacerdotal, que o leva a realizar a magiada refiguração: o animal sagrado revelado esubstituído por um objeto-totem que seoferece a um sacrifício.

Qual o aprendizado do miolo e comose dá a transmissão desse conhecimento

Como se prepara um miolo, com lhe sãotransmitidas as técnicas de manipulação, ospassos da dança é possível ensinar? É possívelaprender? Tudo parece possível. O problemaseria o como. No transcorrer deste trabalho,já vimos como o miolo José Américo e seuirmão aprenderam a rolar o boi: imitando,

acompanhando seu pai. O miolo do Boi deZabumba, o Leandro, também já brincava boidesde os seis anos de idade observandocertamente os miolos do seu grupo. Entãoimitar, reproduzir passos, é um dadoimportante. Mais importante é juntar a issoum talento despertado por uma espécie devocação que vai permitir a pessoalidade daperformance. Aquilo que não é adquirido massim exteriorizado pela própria ação doindivíduo que brinca.

Como observa Valmor Beltrame em seuestudo sobre o Boi-de-Mamão:

“...a técnica pode ser assimilada por todos,técnica se ensina e se aprende, mas o seudomínio por si só não é suficiente paraafirmar o trabalho do artista criador. [...] Astrajetórias dos dançadores dos grupos de Boidemonstram como o conhecimento quedominam foi produzido, considerando essesdois aspectos, que se imbricam durante todaa sua atividade artística: as técnicas herdadase o acréscimo de saberes, resultado doprocesso criativo grupal ou individual doartista.” (BELTRAME, 2007, p.166-167).

À guisa de conclusão

Seria talvez um desperdício odesenvolvimento de um estudo sobre o miolode boi se não se pudesse fazer disso umaapropriação legítima em favor dos estudos dateatralidade e da dança, transgredindo asregras impostas por escolas e academias,contaminando parâmetros rígidos e fazendoperceber que em se rompendo as fronteirasdas manifestações artísticas populares, muitose tem que aproveitar dos conhecimentos etécnicas ali contidos apresentando assim,quem sabe, novos paradigmas para os estudosdo teatro de ator, do teatro de animação, dadança e da dança-teatro. Como, por exemplo,o estudo das partituras de passoscoreográficos comparando com técnicas deestudos do acervo erudito, entre outros.

Proceder um estudo mais detalhado sobreo trabalho artístico do Miolo de Boi é conhecermais profundamente suas funções ou seupapel de brincante. Talvez chamá-lo de“brincante–baiante”, “brincante-dançador”,“brincante-manipulador”, sem esquecer queele é na verdade um artista popular, umverdadeiro ator e dançarino, um performer,mas que prefere chamar-se brincante.

Referências

AMARAL, Ana Maria. O universo das coisas.Móin-Móin, Ano 1, Nº 1, p.14-24. 2005.BELTRAME, Valmor Nini. O ator no Boi- de-Mamão: reflexões sobre tradição e técnica.Móin-Móin, Ano3, Nº 3, p.160-175. 2007.BIÃO, Armindo e GREINER, Cristine (org).Etnocenologia, Textos Selecionados. S. Paulo:Annablume Editora, 1999.BORRALHO, Tácito Freire. Os elementosanimados no Bumba-meu Boi do Maranhão.Móin-Móin, Ano 2, Nº 2, p.158-178 . 2006.CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros deCastro.Temas e Variantes do Mito: sobre amorte e ressurreição do boi. MAN A 12 (1):p.69-104, 2006.

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“IMBARABÔ”: “IMBARABÔ”: “IMBARABÔ”: “IMBARABÔ”: “IMBARABÔ”: A PERFORMANCE RITUAL DOTAMBOR DE MINA DO ILÊ AXÉ OGUM SOGBÔ

Heriverto Nunes Mendonça Júnior18

O presente artigo é fruto de algumasobservações e discussões que

resultam de um ano como bolsista deiniciação científica PIBIc, com pesquisaainda em andamento sobre a performanceritual no Tambor de Mina, esta pesquisaestá vinculada ao projeto do professor Dr.Sérgio Figueiredo Ferretti “Religião efestas populares”.

Para tal, a análise se pauta tanto naaveriguação da performance e do Tamborde Mina na literatura especializada, atravésda pesquisa teórica, quanto na investigaçãodeste rito dentro das práticas realizadas emterreiros. No caso deste artigo, o terreiro aser analisado é o Ilê Axé Ogum Sogbô, quefoi fundado em meados dos anos 80, é umacasa de culto afro- brasileiro de Tambor deMina localizada no bairro da Liberdade emSão Luís – Maranhão.

A escolha do Tambor de Mina comoobjeto de pesquisa trouxe a possibilidadede análise a partir da performance,permitindo-nos assim, lançar um olharinterdisciplinar, relacionando a antropologiaàs artes cênicas, apoiados nos conceitosdesenvolvidos principalmente pelos autoresRichard Schechner, Antônio HerculandoLopes, Victor Tunner e Zeca Ligiéro.

Segundo Lopes (2007, p. 7), nos últimosanos, a palavra “performance” passou a termais circulação no meio das ciênciashumanas, não somente no que tange nasáreas artísticas (teatro, dança etc.) mastambém nos trabalhos antropológicos, sendopossível analisar grupos étnicos, religiososentre outros a partir dos seus elementoscênicos e performáticos. Nesta perspectiva,Herculando Lopes e Zeca Ligiéro(professores da UNIRIO), tem pesquisas queresultaram em artigos e livros que buscam ajunção entre performance e religião.

Sobre o uso da terminologia teatral emgrupos étnicos e religiosos, Lopes (2007, p.8) diz que:

O uso da terminologia teatral não é gratui-ta e aponta para uma das principais origensdos estudos de performance: uma colabo-ração entre teatro e a antropologia, em quepalavras como ator, drama, gestual, máscara,

cenário, figurino e outras podem ser desloca-das para a análise de diversos tipos de relaçõessociais. Torna-se fácil perceber, então, queum padre rezando uma missa para um grupode fiéis com todos os seus elementos alta-mente teatralizados constituem uma situa-ção de performance e que a análise de taiselementos podem nos dizer muitas coisasinteressantes sobre a religião católica.

É importante ressaltar que não iremosfalar de performance teatral, mas sim deperformance ritual que, segundo Tunner,não libera um significado pré-existente queesteja adormecido no evento, mas a própriaexperiência é constitutiva de significados,porque está atualizando experiências deeventos passados que, ao seremdramatizados, os ativam e dão vida,colocando a experiência em circulação.

Nas nossas observações de campo,objetivamos desenvolver uma análise ritualdo Tambor de Mina em alguns terreiros,tendo como foco “os atores” que fazemparte desse ritual, o espaço onde é realizado,as entidades (personagens), a música e adança e sua relação com os mesmos.

“OIÁ MINA LASSAÔ”19

O Tambor de Mina ou simplesmente a“Mina”, manifestação de matriz africanasurgiu no Maranhão em meados do séculoXIX. Seu marco inicial foi a fundação pelasmãos de africanas da Casa das Minas (Jejê),consagrada ao vodun “Zomadonu” (destacasa não saiu nenhum outro terreiro como mesmo modelo ritualístico) e da Casa deNagô consagrada ao orixá “Xangô”, ambasainda em funcionamento. A partir deentão, outros terreiros foram abertos emSão Luís, como o Terreiro do Egito(desaparecido) o Terreiro da Turquia, aCasa Fanti-Ashanti, o Terreiro de Iemanjá,o Ilê Axé Ogum e Sogbô em meados dosanos 80, entre outros.

Ferretti, M. (1985, p. 37) analisa amatriz afro Tambor de Mina como umareligião de descendência africanadesenvolvida no Estado do Maranhão epraticada em locais especializados eespecíficos para essa finalidade, Casas de

Mina, sendo estática e iniciática, a partirda incorporação de entidades espirituais(Voduns, Orixás e Caboclos).

Uma das características fundamentais, as-sim como as demais religiões de matrizesafricanas praticadas no Brasil, é o transe oua possessão, que usualmente costuma ocor-rer em rituais onde as entidades espirituaishomenageadas e cultuadas são invocadas e“recebidas” pelos Filhos e Filhas de santo,Pais e Mães de santo. A identificação afrono Maranhão também é conhecida como“brinquedo de Santa Bárbara”, expressão quese refere aos toques ou festas de Tambor deMina (FERRETTI, M., 1985, p. 37).

Percebemos que os terreiros do Tamborde Mina são detentores de uma certaautonomia de culto, podendo realizardiferentes formas e diferentes rituais paraas entidades cultuadas nessa religião.

ILÊ AXÉ OGUM SOGBÔ

O “Ilê Axé Ogum e Sogbô” segue o mesmomodelo ritualístico do Terreiro de Iemanjá20

onde foi iniciado o seu fundador o BabalorixáAirton Gouveia (Pai Airton) e fica localizadono bairro da Liberdade, na Rua NossaSenhora das Graças sendo zeladoespiritualmente desde sua fundação por essechefe religioso (LINDOSO, 2007, p. 107 e109).

São realizadas no Ilê Axé Ogum Sogbôfestas em homenagem aos santos católicos(Santa Bárbara, Nossa Senhora daConceição, São Jorge, São João e outros)não somente com toque de Mina, mastambém através de ladainhas, rezas, precese hinos do catolicismo popular, realizaçãode festas ligadas ao próprio catolicismopopular tais como a queimação de palhinhase a festa do Divino Espírito Santo (festarealizada nesta casa no mês de setembro).

A casa desenvolve brincadeiras emanifestações folclóricas para as entidadesespirituais como o bumba-meu-boi deencantado, oferecido neste terreiro paraDominguinhos de Légua e o Tambor deCrioula em homenagem aos pretos-velhos21

(13 de maio).

18 Graduando do 8º período em Licenciatura em Teatro, membro do grupo de pesquisa “Religião e Cultura Popular” coordenado pelos professores SérgioFigueiredo Ferretti e Mundicarmo Ferretti, com pesquisa em andamento sobre performance no Tambor de Mina.

19 Cântico gravado e transcrito durante nossa pesquisa de campo no ritual do Ilê Axé Ogum e Sogbô, é um cântico de abertura.20 O terreiro fundado na segunda metade dos anos 50, particularmente no ano de 1956, tendo suas primeiras instalações em um sítio no bairro do Calhau em

São Luis do Maranhão, pelo finado Jorge Itaci de Oliveira, mais conhecido como Jorge Babalaô ou Jorge da Fé em Deus. Naquela época, meados dos anos50, esse local era de difícil acesso, tanto para o Pai de santo, quanto para os(as) seus(suas) primeiros(as) filhos(as) de santo e demais pessoas desse grupo afro-religioso, devido não morarem nessa área e terem que se deslocar até lá, por conta disso, esse terreiro se mudou para o bairro da Fé em Deus e funciona atéhoje neste local (LINDOSO, 2007).

21 Segundo Lindoso, é realizado também na casa de Iemanjá o ritual da “festa dos pretos-velhos”, no dia 13 de maio, uma linha de entidades muito presente naumbanda implementada por Pai Jorge dentro do seu terreiro, em face de homenagear o seu preto-velho, Pai Joaquim e de rememorar questões atreladas aopróprio negro brasileiro e a libertação dos escravos, reforçar ainda identidades, etc. (LINDOSO, 2007).

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No Ilê Axé Ogum Sogbô, há tambémculto às entidades africanas (orixás evoduns). Quanto aos voduns, citamos osjêjes daomeanos, cultuados também naCasa das Minas (Doçú e Sogbô, sendo asegunda uma das principais entidades dePai Airton) e os Cambindas (Boço VonDereji, Meméia), e os orixás, sendo oprincipal desta casa, Ogum – divindadeguerreira considerada chefe do terreiro eo principal santo de seu zelador.

É bastante presente também nesseterreiro o culto aos encantados nobres egentis, como Barão de Guaré (entidadegentil de Pai Airton, Dom Luís Rei deFrança, Dom Felipe, Dom João, entreoutros) além de princesas e príncipes, comoo príncipe Ricardinho, e a princesa Flora,etc. e as “moças” ou “meninas” como aMenina do Maracujá e Menina da Pontad’Areia.

Segundo Lindoso (2007), há nesta casatambém o culto a outras diversascategorias de caboclos divididos porfamílias. É o que Francelino de Shapanan(2001, p. 319) categoriza como “encantariacabocla” subdivida em várias famílias comoa família de Rei Sebastião (que ele chamade Família do Lençol), Turquia, Codó,Gama, Juncal, Mata, dos Marinheiros, dasCaravelas, Bandeira, Baía, João de Lima,presentes nessa Casa de Mina22.

Ainda sobre as entidades cultuadasnesse terreiro, Oliveira (1989, p. 26 e 27)distribui as entidades espirituais doTambor de Mina, de acordo com as suasfamílias:

Povo Jeje: Zomadonu, Toy Doçu, Toy Abi-digá, Toy Agongono, Daco-Donu, Toy Akos-sú Alogué, Xapanã Sakpatá, Bosukó, Boça-labê, Badé, Nana buluku, Toy Jotim, ToyAverequete, Eowá, Toy Polijobi, Toy Lissá,Abê, Toy Loko. Povo Nagô: Ogum Megê,Ogum Otá, Ogum Mariô, Bessein (Oxu-maré), Nana Biokô, Xangô, Vó Missa, ToyAverequete, Badé, Oyá Navezuarina, Oxossi(Agüê), Logun Edé, Oxum, Eowá, Xapa-nã, (Acossú), Boço Jará. Povo Cambinda:Légua Bogi Buá, Boço Von Dereji, BoçoMeméia, Boço Lada, Arronoviçavá, BoçoIndeia. Povo Gentil: Dom Lúis, Rei Sebas-tião, Dom Manoel, Dom José Floriano,Dom Pedro Angaço, Dom João Rei dasMinas, Dom João Soeira, Rainha MariaBárbara Soeira, Rainha Rosa, Rainha Ma-dalena, Rainha Dina, Príncipe Orias, Prín-cipe de Oliveira, Príncipe Alteredo, Gelim,Toy Zezinho, João Guerreiro de Alexan-dria, Princesa Flora, Princesa Luiza, Prin-cesa Rosinha, Menina do Caído, Moça Finade Otá, Dona Oruana, Dona Maria Antô-nia; Os caboclos: família do Rei Bandeira,família de Rei da Turquia, Família de Codóou Caxias, Família de Caboclo Roxo, Fa-mília de João de Lima (Botos), Família daBaía. (OLIVEIRA, 1989, p. 26-27).

CONTINUAÇÃO

Observamos, com essa citação, avariedade de entidades cultuadas nosterreiros de Mina, e podemos constatartambém durante nossas visitas ao campo,diferentes comportamentos, danças,músicas, e alguns traços de personalidadeque algumas entidades possuem, dandocom isso, uma forma de interação social,tanto com quem está participando comoadepto do ritual, também com quem estásomente assistindo.

Outra característica do Ilê Axé OgumSogbô citada por Lindoso (2007), epresenciada por nós durante as visitas aocampo, são as saídas de santo (orixás evoduns) “vestidos” ou paramentados(enfeitados), de forma especial com aprópria re-significação dos ritos iniciadosdesse terreiro de Mina, que, segundorelatos de parte do “povo de santo” doMaranhão, são elementos identitários damatriz africana Baiana, o Candomblé. Usode adjá (sineta ritual de várias campânulas)para guiar orixás e voduns incorporadosnas saídas, brajás, macans, ritos do padê,despacho de Exú no início do toque, etc.Lindoso (2007).

O Ilê Axé Ogum Sogbô tem umcalendário festivo muito extenso de toquesem homenagens a santos católicos eentidades, ficando um pouco complicadode assistimos todos esses rituais, mastivemos participação na grande maioria dasfestas realizadas no primeiro semestre de2010 nesse terreiro.

Iremos analisar, em alguns tópicos,algumas festas assistidas no primeirosemestre de 2010, com ênfase em seuspersonagens (entidades) observadosdurante as nossas visitas ao campo.

Caboclo da Bandeira:“João da Mata falado”

João da Mata, também conhecido comoCaboclo da Bandeira (Rei da Itália) é umaentidade que comanda a família de bandeira,os bandeirantes. João da Mata era recebidopor Jorge Itacy de Oliveira e, em algumasvezes, é recebido também por Pai Airton,mas o encantado da família de bandeira dePai Airton é Seu “Olho D’água”, membrodessa família de encantados.

Dizem que essa linha foi introduzida noMaranhão no antigo Terreiro do Egito. Daípassando para o Terreiro de Belém (Apea-douro) como Dona Marcolina, mais ondedemonstrou seu maior poder foi no antigoTerreiro do Engenho Velho do Tirirical, demãe Celestina, hoje extinto. É uma famí-lia muito cultuada no Maranhão e hoje emexpansão em outros estados. Dominam os

rochedos, baías, igarapés, ilhas, terras fir-mes. São mais caçadores e pescadores queguerreiros. (OLIVEIRA, 1989, p. 44).

No Terreiro de Iemanjá, essa família deencantados é homenageada no dia 8 defevereiro, já no Ilê Axé Ogum Sogbô, hátoques de maneira específica para essafamília, sendo que, em algumas festas, essafamília é chamada (manifestada).Percebemos que as entidades da família debandeira são entidades aparentementesérias e também muito energéticas, tantona dança, quanto na forma de cantar e secomportar no terreiro.

Um símbolo que nos chamou bastanteatenção são os lenços e as bandeiras doBrasil que são amarrados na testa e nosbraços dos adeptos que estão incorporadoscom entidades dessa família. Os lenços sãode várias cores sendo que, as cores quepredominam são verde, amarelo e overmelho. Durante a pesquisa,transcrevemos também alguns cânticosrelacionados a essa família.

Percebemos que os cânticos da famíliade bandeira remetem às ondas do mar, àpedra de Itacolomy e também,principalmente, ao líder dessa família,Caboclo da Bandeira.

Festa de São Lázaro: Toy Acossi

A festa de São Lázaro acontece no dia11 de fevereiro no Ilê Axé Ogum Sogbô e érealizada em homenagem ao vodun ToyAcossi, recebido por uma filha de santo doterreiro, chamada Angélica. Esse vodun noIlê Axé Ogum Sogbô é considerado ovodun da terra e o chefe da família deDambirá, sobre o estado de transe comentidades dessa família, Oliveira diz que:

As criaturas por eles incorporadas, leva-das ao estado de transe, ficam todas de-formadas, perdendo por completo a fisi-onomia, com os membros todos crispa-dos em convulsões, emitem gritos rou-cos, babam e se contorcem, tomam águaem abundância e azeite dendê e os possu-ídos só voltam a si depois de fricções deazeite de dendê e tomar goles do mesmoe cânticos em dialetos africanos. (OLIVEI-RA, 1989, p. 48).

Esse ritual aconteceu durante o dia,começando por uma ladainha católica e logodepois seguida por um banquete (almoçodos cachorros) e pelo toque de Mina.

Somente depois da ladainha é que é inicia-do o ritual do almoço dos cachorros no IlêAxé Ogum Sogbô, onde foram colocadasesteiras de palha no meio do salão de dan-ças, cobertas por uma grande toalha bran-ca, uma imagem de São Lázaro bem nocentro, uma vela branca acesa do lado des-

22 Nesse terreiro, essas famílias de caboclos são comandadas por entidades espirituais recebidas por seu líder, Pai Airton, como a família da Turquia que écomandada pelo caboclo João Guará, a família de Codó, por Seu Folha Seca, a família da Gama por Miguelzinho da Gama, a família de Bandeira, por Olhod’Água e família da Mata por Taquariana,entre outras.

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Boletim 49 / junho 2011 15CONTINUAÇÃO

sa mesma imagem. Logo após os pratos decomida são trazidos aos poucos no núme-ro de 7 para o almoço dos cachorros. (LIN-DOSO, 2007, p. 156).

Logo após o almoço dos cachorros, osalão é limpo e os filhos de santo se sentamno chão, todos vestidos de branco.

Após o almoço dos cachorros, algumas fi-lhas de santo ajudadas por um abatazeiro,recolhem os pratos, a toalha, a imagem deSão Lázaro e limpam o salão de danças parao toque de mina para Acóssi Sapatá, quandotudo está limpo, os filhos de santo, todosvestidos de branco, sentam no salão e for-mam uma grande roda, no meio fica a ima-gem de São Lázaro, uma vela branca acesa eum pratinho com quiabos cortados em ro-delas pequenas. (LINDOSO, 2007, p. 156).

Alguns cânticos em língua africana etambém, em português, são cantados emhomenagem a essas entidades espirituais.No momento em que esses cânticos sãoentoados, os filhos de santo entraram emtranse com as entidades da família deAcossi, inclusive o próprio Acossi, emtranse na vodunsi Angélica.

Nesse instante, em que os filhos de santoentram em transe com os Acossis, imedia-tamente se deitam no chão, tremendomuito, alguns tem um transe muito vio-lento e precisam ser imediatamente conti-dos por pessoas da casa, que não estavamparticipando do ritual. São cobertos porlençóis brancos e algumas mulheres do ter-reiro e abatazeiros passam azeite de dendêem suas mãos, pés e juntas corporais, afimde que os filhos (as) não sintam dores, de-pois que saem do transe. (LINDOSO, 2007,p. 157).

Por último, pai Airton entrou em tran-se como Nochê Sogbô, sua senhora. Dan-çou um pouco, movimentando muito asmãos, como se fosse uma espécie de abana-dor e depois lhe deram um alguidar cheiode pipocas e Nochê Sogbô começou a jo-gar as pipocas sobre os filhos que estavamem transe com os Acossis e também naspessoas que estavam na assistência.

Logo após os filhos, que estavam possu-ídos pelas entidades da família de Acossi,voltam para o seu estado normal “puro”,como esse grupo afro-religioso gosta de cha-mar. O tambor continuou tocando e os fi-lhos foram trocar de roupas. Quando retor-naram, estavam vestidos com roupas estam-padas e coloridas e começam a cantar para afamília Codó, a família chefiada por LéguaBogi Bua, que no Ilê Axé Ogum Sogbô temcomo entidade principal, Seu Folha Seca.

Percebemos que o “povo de Légua”,como esse grupo afro-religioso tambémcostuma chamar, são entidades irreveren-tes, alegres, que adoram dançar, cantar econversar com a assistência.

Observamos que as doutrinas (músicas),da família de Légua, no Ilê Axé Ogum Sogbôfalam geralmente de boi, boiada, vaqueiro etambém do município de Codó. Percebemosisso também na forma dessas entidadesdançarem. Dançam como se estivessemcorrendo atrás de um boi para laçá-lo,movimentando muito os ombros e as pernas.

É muito contagiante a performancedessas entidades, que quando em transeem seus filhos no Ilê Axé Ogum Sogbô,costumam usar chapéu de couro, de palhae alguns chapéus de vaqueiros presentesno bumba-meu-boi. O toque para SãoLázaro foi bastante animado eesteticamente muito bonito e terminoupor volta das 6h da tarde.

Festa de Santo Antônio: OgumXorôquê e Ogum de Lê

A festa de Santo Antônio no Ilê AxéOgum Sogbô acontece no dia 13 de junho,dia em que a Igreja Católica tambémcomemora esse santo. Segundo Lindoso(2007) a festa de Santo Antonio nesseterreiro é dedicada ao orixá Ogum e éorganizada pela Mãe e pelo Pai pequeno dacasa Aíla e Leandro. O toque de Minaneste dia começou por volta das três horasda tarde com o cântico entoado pelo Pai deSanto Airton Gouveia denominado“Imbarabô”.

Durante esse cântico, os filhos de santovão entrando lentamente no salão,saudando os abatás (tambores que sãoutilizados no Tambor de Mina). Nesseinstante os filhos da casa dançam emforma de roda, realizando, dependendo dasdoutrinas (músicas) que estão sendocantadas, gestos e coreografias, comoapontar o dedo da mão direita para o céu eimitar um arco e uma flexa com as mãosetc.

No momento do transe do dos paispequenos da casa, as suas entidades Ogumde Lê de Mãe Aíla e Ogum Xorôquê de PaiLeandro chegam juntas. No momentos emque eles entraram em transe, as suasentidades foram conduzidas para fora dosalão de dança. Enquanto isso, o ritualainda continuava com várias músicas,danças, e outros filhos de santo quetambém entraram em transe, mascontinuaram no salão.

Mãe Aila e Pai Leandro apareceram nosalão de dança com suas vestes rituaistrocadas. Segundo esse grupo religioso, onome que se dá para essas vestes é deparamento. Eles portavam objetos queremetem a mitologia de Ogum que éconsiderado o Orixá da guerra e do ferro.Segundo a cultura iorubana, eles portavamespada, escudo e capacete.

Os filhos de santo deram espaço nosalão para que os Oguns fizessem a suaperformance e realizassem as suas dançasrituais, Ogum Xorêquê e Ogum de Lêdançavam como se estivessem numa guerraapontando a espada para frente e para oteto se defendendo com o escudo e dandogritos que diziam Ogum ê Patacuri.

Em um determinado momento, umfilho da casa entrou em transe com orixáiorubano Oxossi, orixá da fartura, da caçae do sustento. Ele dançava como seestivesse em uma mata, correndo com osdedos das mãos apontados e fazendomovimentos com as pernas.

Logo após, as apresentações das dançasrituais de Ogum e Oxossi que, em seguida,foram retiradas do salão de dança,começaram a ser homenageadas asentidades nobres e gentis que não sãoentidades africanas. SegundoMundicarmo Ferretti (2000), a presença deentidades não africanas no Tambor deMina é explicada pelo próprio contatonegro/africano ou de seus descendentescom culturas não africanas.

Os nobres e gentis no Ilê Axé OgumSogbô são comandados por “Barão deGuaré” (filho de Rei Sebastião) que érecebido por Pai Airton. Percebemos que,quando os filhos de santo desse terreiroentram em transe com alguma entidadenobre ou gentil recebem uma bengala detamanho médio e dançam num porte desupremacia e realeza. Conseguimosidentificar alguns gentis incorporados emseus “filhos”: Dom Felipe, Dom Henrique,Príncipe Ricardino e Rei da EscamaDourada. Alguns outros que estavam em“terra” não conseguimos identificar osnomes. Logo após terem cantado eincorporado as entidades nobres e gentis,começaram a homenagear e invocar afamília de Légua. Esse toque terminou porvolta das sete horas da noite.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo é resultante da pesquisa decampo feita há quase dois anos em terreirosde “Mina”, antes de ser bolsista PIBIC e,também há quase um ano de pesquisa eenvolvimento nas festas do Ilê Axé OgumSogbô, sendo que este trabalho foi focadonos toques realizados nessa casa, noprimeiro semestre de 2010. O Tambor deMina é uma religião afro-maranhense quevem sendo muito estudada porantropólogos, historiadores e cientistassociais, com o olhar voltado mais paraoutros aspectos da etnografia, existindoainda poucos trabalhos focando seusaspectos cênicos e performáticos.

Um fator evidente da manifestação eexpressão religiosa do Tambor de Mina

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CONTINUAÇÃO

deste grupo estudado é a contextualizaçãocom o meio em que está inserido, seja emsua forma original através de readaptaçõesa padrões, a seu costume e a sua crença e aprática dos ritos realizados dentro destacasa. Observamos com isso que a riquezaperformática deste ritual tão maranhensesegue em conjunto nos aspectosperformáticos da música e da dança e darelação com o transe, onde elementos sãore-significados, o corpo ganha outroformato; passeando-se no que está sendocantado no ritual e nas formas que cadadivindade se apresenta.

É necessário haver um olhar maisapurado para a observação do Tambor deMina, não somente o olhar etnográfico,mas também um olhar artístico, pois ariqueza em elementos teatrais que estareligião tem é de uma variável enorme.

No universo do Tambor de Minarealizado no Ilê Axé Ogum Sogbô,observamos aspectos cênicos eperformáticos que vão desde as imagensrepresentativa dos santos católicos no altaraté as construções coreográficas e musicaiscom seus usos, significados e funções.Desvendar toda a constituição simbólicareligiosa do contexto deste rito nessa casaé algo impossível para um único estudo,

pois seria necessário buscar a compreensãodeste mundo a partir de suas dimensõesplásticas, dramáticas, gestuais, lingüísticas,antropológicas, musicais, religiosas,filosóficas etc.

REFERÊNCIASBASTIDE, Roger. As religiões africanasno Brasil. São Paulo: Pioneira, 1985.FERRETTI, Mundicarmo. Desceu naGuma: o Caboclo no Tambor de Mina. SãoLuís: EDUFMA, 2000.______. Maranhão Encantado:encantaria maranhense e outras histórias.São Luís: UEMA editora, 2000.______. Mina, uma religião de origemAfricana. São Luís: SIOGE, 1985.FERRETTI, Sérgio. Querebetã deZomadônu: Etnografia da Casa das Minasdo Maranhão. 2 ed. São Luís: SIOGE,1996.LIGIERO, Zeca. O conceito de “motrizesculturais” aplicado às práticasperformáticas de origens africanas nadiáspora americana. In: Anais do VCongresso da Associação Brasileira dePesquisa e Pós Graduação em ArtesCênicas: Criação e reflexão crítica. BeloHorizonte, 2008.LINDOSO, Gerson Carlos Pereira.

Pluralismos e diversidade Afro-Religiosaem terreiros de mina no Maranhão: umestudo etnográfico do modelo ritual do IlêAshé Ogum Sogbô. São Luís: S.n., 2007.(dissertação).LOPES, Antônio Herculano. Religião eperformance ou as performances dasreligiões brasileiras. Rio de Janeiro: EditoraCasa de Rui Barbosa, 2007.OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e Vodunsnos terreiros de Mina. São Luís: VCRproduções e publicidade, 1989.PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos:teatro mímica, dança, dança – teatro,cinema [tradução de Sergio Paiva]. SãoPaulo: Perspectiva, 2005.SCHECHNER, Richard. O que éperformance. In: O Percevejo. Revista deTeatro, crítica e estética. Rio de Janeiro:UNIRIO; PPGT; ET, ano II, n. 12, p. 25-50, 2003.SHAPANAN, Francelino de. Entrecaboclos e encantados. In: PRANDI,Reginaldo (org.). Encantaria brasileira: olivro dos mestres, caboclos e encantados.Rio de Janeiro: Pallas, 2001.TURNER, Victor W. O processo ritual: aestrutura e enti-estrutura [tradução deNancy Campi de Castro]. Petrópolis:Vozes, 1974.

JANELA DO TEMPO

-” O meu boi morreu,Quê será de mim?

-”Manda buscar outro,Ó maninha,Lá no Piauí”!

Lá vem ele puxado pelo cabresto. Mas éfeito de madeira e coberto de chitãovistoso. Vem aos ombros de um cabra fortee é todo enfeitado de espelhos. Só os doischifres pontiagudos são de boi de verdade.O rabo feito de palha de tucum e o corpocheio de penas da “Ema” que faz parte do“cordão”. Vem dando pinotes e mugidoslongos à frente das filas de “caboclos” queformam o cortejo fabuloso. Às vezes,algum deles empunha uma BandeiraNacional como se o “bando” fosse umexército de vaqueiros. À frente vem o“Amo” que simboliza a raça valente doscampeadores nordestinos. Mas não é só elee os “caboclos reais” que o acompanham.Aqueles dois atrás são “Mãe Catirina” e “PaiFrancisco”. O outro é o “Doutor”. E aquelamais distante ainda é a “Burrinha do MeuAmo”. Lá vem ele dançando e correndo ao

BOI23

Victor Gonçalves Neto24

som das cantorias e debaixo dos estampidosdos fogos de São João. Por isso cantam

-”Segura o pé,Segura o pé,Não tenha medoDo buscapé”!

Mas os “caboclos” são valentes esuportam o tiroteio. Até que o Boi chega edescansa no “terreiro” alguns minutos. Éo momento de correr o aluá prá “caboclada”.Depois, todos se levantam e a dança teminício em redor da fogueira crepitante.Esse ritmo diferente é o da matraca feitoapenas com dois pedaços de madeira. Essavoz rouca é do “careta” espantando aturma de crianças. Mas de repente o BOIadoece e cai estertorado. Que será? Só o“Doutor” é quem sabe. E, à vista de todos, édado no bicho um clister “prá levantar asforças...” Depois “Pai Francisco” (Chico)arranca a “língua” do animal (um lençogrande colorido) e sai procurando o dono dacasa, a fim de receber o pagamento da “visita”.Dos circunstantes curiosos, “Santo Careta”

já se encarregou de tomar alguns trocados.Lá num canto escuro, a “Burrinha” levantaos quadris disformes. O Boi já estánovamente de pé e, antes que morra de umavez, o “cordão” entoa a despedida

-”Adeus, Rosa,Até um dia!...

Lá vai ele de volta pro seu rancho.Outras “visitas” que fazer. Os fogos de SãoJoão espocam pelo ar. No alto, São Pedroabre um pouco a porta do Céu e ficaolhando invejoso à espera de seu dia. Pelafresta, escapa um relâmpago que maisparece buscapé soltado por algum anjovadio. O trovão que ribomba aqui em baixoé igualzinho a tiro de ronqueira escondidano matagal. E os “caboclos” continuam suamarcha dentro da noite sob as notas docoro triunfante

-”A Bandeira BrasileiraFoi o meu Boi quem ganhou,Ai, o meu Boi foi quem ganhou”!...

Assim é o Boi no PIAUÍ.

23 Vila Isabel – Rio, 1953; publicado em GONÇALVES NETO, Victor. Conversa tão somente (Crônicas de outrora e de agora). s/n., Meridiano. Caderno deLetras. 1957, p. 19-21.

24 Jornalista piauiense radicado no Maranhão. Publicou nos anos de 1950 vários artigos sobre folclore em jornais de São Luís e de Caxias (MA).

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NOTÍCIAS25

MORTE DO BOIMORTE DO BOIMORTE DO BOIMORTE DO BOIMORTE DO BOIDE SEU LEGUADE SEU LEGUADE SEU LEGUADE SEU LEGUADE SEU LEGUA

O ritual da Morte do Boi de Seu Légua,do Terreiro Iemanjá, na Fé em Deus, sem-pre realizado em dezembro, para encerra-mento do ciclo ritual do ano no Terreiro,foi realizado em 22 de janeiro de 2011, de-vido ao luto pelo falecimento de uma pes-soa da Casa, que reabriu seus trabalhos nodia 9 e bateu Tambor para São Sebastiãonos dias 19, 20 e 21. Como de costume, oritual foi precedido de um Tambor de Mina,quando toda a família de Seu Légua vem àterra. Depois todos saíram em busca do boie do mourão para, em seguida, sacrificarsimbolicamente aquele boi. Foi um ritobonito e interessante!

SARAU E VARAL NASARAU E VARAL NASARAU E VARAL NASARAU E VARAL NASARAU E VARAL NAFONTE DO RIBEIRÃOFONTE DO RIBEIRÃOFONTE DO RIBEIRÃOFONTE DO RIBEIRÃOFONTE DO RIBEIRÃO

Um varal de fotografias e um sarau commúsicas, poesias, performances teatrais emesa farta realizou-se na Fonte do Ribei-rão, dia 25 de fevereiro. O evento foi outraação programada de ocupação de um mo-numento público, por artistas, para que asautoridades olhem para o patrimônio efaçam a sua parte, mantendo-o em funcio-namento, limpo e bonito, servindo a todosos cidadãos de São Luís. Participaram daação Dj Pedro Sobrinho, Celso Borges,Tapete Criações Cênicas, Cia. Chegançade Teatro, Uimar Junior, entre outros, evários fotógrafos profissionais e amadores.A ação foi coordenada pelos fotógrafosMárcio Vasconcelos e Eduardo Cordeiro.

BUMBA-MEUBUMBA-MEUBUMBA-MEUBUMBA-MEUBUMBA-MEU-BOI-BOI-BOI-BOI-BOICOMO PCOMO PCOMO PCOMO PCOMO PAAAAATRIMÔNIOTRIMÔNIOTRIMÔNIOTRIMÔNIOTRIMÔNIOCULCULCULCULCULTURAL DO BRASILTURAL DO BRASILTURAL DO BRASILTURAL DO BRASILTURAL DO BRASIL

A Superintendente do Instituto do Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacional noMaranhão, Kátia Santos Bogea, concedeuentrevista coletiva em 10 de março, noauditório da Superintendência, situado narua do Giz, 235 - Centro, para informarsobre o pedido de registro do ComplexoCultural do Bumba-meu-boi do Maranhãocomo Patrimônio Cultural do Brasil. Naocasião, foi apresentado à imprensa a sín-tese do dossiê do Bumba-meu-boi, organi-zado e elaborado pela Superintendência doIphan no Maranhão, que será enviado a

Brasília para apreciação do Conselho Con-sultivo do Iphan sobre a solicitação do re-gistro.

EXPOSIÇÃO ITINERANTEEXPOSIÇÃO ITINERANTEEXPOSIÇÃO ITINERANTEEXPOSIÇÃO ITINERANTEEXPOSIÇÃO ITINERANTEJOSUÉ MONTELLJOSUÉ MONTELLJOSUÉ MONTELLJOSUÉ MONTELLJOSUÉ MONTELLOOOOO

A Casa de Cultura Josué Montello estápromovendo exposição itinerante sobre avida e a obra do escritor Josué Montello. Amostra reúne 48 painéis com fotografias,recortes de jornal, correspondências e arti-gos, além de apresentar 150 livros de auto-res maranhenses e vídeo-documentário. Em31de março, a mostra esteve disponível paravisitas no município de Coelho Neto, noTeatro Municipal, localizado na Rua PauloMachado, no Centro. Em breve, devem serdivulgadas as datas da mostra nas cidadesde Afonso Cunha, Duque Bacelar, Morrose Itapecuru. A organização da exposição estárecebendo propostas para levar a mostra paraoutras cidades maranhenses. Fones: (98)3218-9945 e 8835-2182.

CMF REALIZA OFICINACMF REALIZA OFICINACMF REALIZA OFICINACMF REALIZA OFICINACMF REALIZA OFICINAEM SEDE DE BUMBA-EM SEDE DE BUMBA-EM SEDE DE BUMBA-EM SEDE DE BUMBA-EM SEDE DE BUMBA-

MEUMEUMEUMEUMEU-BOI-BOI-BOI-BOI-BOI

A Comissão Maranhense de Folclore re-alizou o Projeto Oficina de Ritmo – A ba-tida do pandeiro e da matraca no Sotaqueda Baixada, patrocinado pelo ProgramaMais Cultura/Microprojetos Mais Cultu-ra Amazonia Legal-Funarte, em parceriacom a Associação Cultural do Bumba-meu-boi e Tambor de Crioula Unidos de SantaFé, do Mestre Zé Olhinho, sob a coorde-nação de Flávia Andresa Oliveira de Me-nezes. A oficina constou de cinco módu-los: Relações Interpessoais - Ivana; Noçõesde Cultura e cultura popular maranhense –Keyla Santana; Noções de Educação Patri-monial – Creudecy Costa e Silva; O uni-verso do bumba-meu-boi : características,elementos e sotaques – Clícia AdrianaAbreu Gomes; A percussão no boi da baixa-da, ritmos e instrumentos: os toques de pan-deiro, matraca, tambor onça e maracá – Joséde Jesus Figueiredo (Zé Olhinho) e Cleid-son Lopes de Sousa. Jovens da comunida-de participaram da Oficina de Ritmos rea-lizada no período de 14 de março a 12 demaio de 2011, às segundas e quintas-fei-ras, das 14 às 18 horas, na sede da Associa-ção do Bumba-meu-boi Unidos de SantaFé, na 2ª Travessa Djard Ramos Martins,nº5 - Bairro de Fátima, São Luis/MA.

REPRESENTREPRESENTREPRESENTREPRESENTREPRESENTAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃOREGIONAL NORDESTE/REGIONAL NORDESTE/REGIONAL NORDESTE/REGIONAL NORDESTE/REGIONAL NORDESTE/

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O gestor potiguar Fábio Lima é o novochefe da Representação Regional Nordes-te do Ministério da Cultura (RRNE/MinC). A portaria de nomeação foi publi-cada no Diário Oficial da União, dia 24 demarço. Sua experiência na gestão públicase deu entre 2007 e 2010, quando foi dire-tor adjunto da Fundação José Augusto,órgão responsável pela política cultural doRio Grande do Norte. Fábio Lima coorde-nará as ações desta Regional, que atua emoito estados do Nordeste – Alagoas, Ceará,Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí,Rio Grande do Norte e Sergipe, à exceçãoda Bahia, que agora tem a sua própria Re-presentação Regional. Nesses estados cabeà RRNE/MinC ser um braço articuladordo Ministério da Cultura, participar da im-plementação e acompanhamento das polí-ticas culturais; prestar informações sobreos programas, projetos e atividades do Mi-nistério, bem como orientar e acompanharsua implementação.([email protected])

SEMANA CIENTÍFICASEMANA CIENTÍFICASEMANA CIENTÍFICASEMANA CIENTÍFICASEMANA CIENTÍFICACULCULCULCULCULTURAL PTURAL PTURAL PTURAL PTURAL PARAARAARAARAARA

CALCALCALCALCALOUROSOUROSOUROSOUROSOUROS

O Diretório Central dos Estudantes daUniversidade Federal do Maranhão (DCE/UFMA) realizou, de 04 a 08 de abril, noCampus do Bacanga, a Semana CientíficaCultural 2011.1 (primeiro semestre). Oevento tem por objetivo integrar os novosestudantes à vida acadêmica, através de ati-vidades científicas culturais e sociais. Noscampi de Codó, Chapadinha, Imperatriz,Pinheiro e Bacabal a Semana realizou-seno período de 11 a 15 de abril.

VIA SACRA 30 ANOSVIA SACRA 30 ANOSVIA SACRA 30 ANOSVIA SACRA 30 ANOSVIA SACRA 30 ANOS

O GRITA- Grupo Independente de Te-atro Amador apresentou, nos dias 21 e 22de abril, a 30ª versão da Via Sacra no bair-ro Anjo da Guarda/Área Itaqui-Bacanga.Há 30 anos com o apoio e participação dacomunidade, o grupo encena a Paixão,Morte e Ressurreição de Jesus. Uma pro-dução grandiosa em que a administração,a arte cênica, a cenotecnia, os adereços eacessórios, o figurino, a coreografia, a as-

26 Roza Maria dos Santos - Comunicóloga; membro da CMF.

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18 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

sistência de cena e direção são realizadospor grupos de teatrólogos, técnicos, pro-dutores, atores, músicos, iluminadores quetrabalham para que o espetáculo, a céuaberto, seja belo e sagrado. O espetáculoteve patrocínio da Vale do Rio Doce e in-centivo cultural do SESC, EMAP/Portodo Itaqui, CREA-MA, Prefeitura de SãoLuis e Governo do Maranhão.

SALÃO DE ARTESSALÃO DE ARTESSALÃO DE ARTESSALÃO DE ARTESSALÃO DE ARTESPLÁSTICAS DE SÃO LUÍSPLÁSTICAS DE SÃO LUÍSPLÁSTICAS DE SÃO LUÍSPLÁSTICAS DE SÃO LUÍSPLÁSTICAS DE SÃO LUÍS

A FUNC realizou, de 19 de maio a 15de agosto, a 2ª edição do Salão de ArtesPlásticas de São Luís nas categorias Pin-tura, Escultura, Desenho, Gravura, Insta-lação, Performance, Vídeo e Fotografia. Ostrabalhos passaram por duas etapas de se-leção. A primeira, análise dos documentosapresentados pelo artista; a segunda etapaseleção mediante apresentação das obrasoriginais, após a abertura do Salão.

SEMANA NACIONAL DESEMANA NACIONAL DESEMANA NACIONAL DESEMANA NACIONAL DESEMANA NACIONAL DEMUSEUSMUSEUSMUSEUSMUSEUSMUSEUS

A Semana Nacional dos Museus, pro-movida pelo Instituto Brasileiro de Mu-seus que comemora o dia 18 – Dia Inter-nacional dos Museus - aconteceu em SãoLuís de 16 a 22 de maio com atividadesartísticas, palestras e exposições. Nesta 9ºedição, o evento destacou o trabalho depreservação e valorização da História, como tema “Museu e memória”. Em São Luis,são quase 23 casas de memórias entre mu-seus, centros de cultura e memoriais queguardam a história da cultura, da arquite-tura, do mobiliário e da expressão artísticae folclórica ao longo das gerações. A aber-tura do evento foi no Palácio Cristo Rei,sede da Universidade Federal do Maranhãoque abriga em suas dependências o Memo-rial Cristo Rei – guardião das memórias daUFMA. A programação especial em SãoLuis ocorreu paralelamente ao evento decaráter nacional promovido pelo Institu-to Brasileiro de Museus-Ibran. O comple-xo de museus do Museu Histórico e Artís-tico do Maranhão-MHAM que abrange: oMuseu de Arte Sacra e o próprio MuseuHistórico (Rua do Sol); Museu de ArtesVisuais, (Rua Portugal); Cafua das Mercês,(Rua da Estrela); Igreja do desterro, (Bairrodo Desterro-Centro Histórico); CapelaBom Jesus do Navegantes (no interior daIgreja de Santo Antônio-Centro); e Cape-la das Laranjeiras (Rua Grande-Centro) –é dirigido por Maria Luiza Raposo.

V SEMANA DO TEAV SEMANA DO TEAV SEMANA DO TEAV SEMANA DO TEAV SEMANA DO TEATROTROTROTROTRODO MARANHÃODO MARANHÃODO MARANHÃODO MARANHÃODO MARANHÃO

Teatrólogos, atores, produtores e ama-dores do teatro realizaram de 16 a 22 demaio, em São Luis, a V Semana do Teatrodo Maranhão. O evento foi estendido aosmunicípios de Açailândia, Cantanhede,Humberto de Campos, Miranda do Nor-te, Rosário e Vargem Grande. Em São Luis,os espetáculos ocuparam os palcos dos tea-tros Arthur Azevedo, Alcione Nazaré, Joãodo Vale; praças João Lisboa, Nauro Macha-do, Centro de Artes Cênicas e Galeria Eci-museum. Participaram do Semana gruposvindos dos estados do Rio de Janeiro, RioGrande do Sul, Santa Catarina e DistritoFederal e 17 companhias do Maranhão.Nesta quinta versão, dois profissionais doteatro maranhense foram homenageadoscom a concessão do “Prêmio Apolonia Pin-to”: o cenotécnico do Teatro Arthur Aze-vedo, Antonio de Assunção Alves, conhe-cido como Baixinho, que ocupa a funçãodesde 1965; e a professora Nerine LobãoCoelho, atriz e idealizadora da Semana doTeatro no Maranhão. A programação cons-tou de mesas redondas, oficinas, lançamen-to do livro “Teatro de Bolso na Escola” deRenata Levins, e caravanas de teatro aointerior do estado. A abertura foi marcadapor um ato de desagravo ao fato ocorridona noite do dia 06 de maio, quando foramjogados na platéia excrementos humanos.Em repúdio ao ato covarde, os presentesjogaram flores das galerias sobre a platéiado teatro.

MORRE O HISTMORRE O HISTMORRE O HISTMORRE O HISTMORRE O HISTORIADORORIADORORIADORORIADORORIADORCARLCARLCARLCARLCARLOS DE LIMAOS DE LIMAOS DE LIMAOS DE LIMAOS DE LIMA

O pesquisador, historiador e escritormaranhense Carlos de Lima, morre, na ma-drugada de 9 de maio de 2011, aos 91 anos.Era integrante da Academia Maranhensede Letras, do Instituto Histórico e Geo-gráfico do Maranhão e da Comissão Mara-nhense de Folclore em que foi presidente.Escritor das lendas e histórias do Mara-nhão publicou os livros: Lendas do Mara-nhão; Morte e Vida da Cidade de Alcânta-ra; Festa do Divino Espírito Santo de Al-cântara; Caminhos de São Luis. Atualmen-te escrevia, aos domingos, a Coluna Bisbi-lhotices, no Jornal “O Estado do Mara-nhão”. Ele deixa viúva Dona Zelinda Lima,folclorista e membro da CMF. O sepulta-mento deu-se no Cemitério do Gavião, naMadre Deus - São Luis/MA.

MORRE AOS 97 ANOS,MORRE AOS 97 ANOS,MORRE AOS 97 ANOS,MORRE AOS 97 ANOS,MORRE AOS 97 ANOS,ABDIAS DOABDIAS DOABDIAS DOABDIAS DOABDIAS DO

NASCIMENTNASCIMENTNASCIMENTNASCIMENTNASCIMENTOOOOO

Morreu, dia 24 de maio, aos 97 anos, odiretor teatral, senador e escritor negro,Abdias Nascimento. Estudioso e ativistana questão de inserção do negro nos mer-cados cultural, intelectual e de trabalho doBrasil. Abdias criou o Teatro Experimen-tal do Negro, em 1944, que iniciou a lutacontra o racismo no teatro brasileiro. Umde seus livros “Drama para negros e prólo-gos para brancos” (1961) ainda hoje é refe-rência para pesquisadores, professores eatores negros e não-negros. Abdias Nasci-mento foi velado na quinta-feira (26/05),a partir das 18h, na Câmara Municipal deVereadores do Rio de Janeiro. O corpo saiude lá na sexta (27/05), 11h da manhã, parao Crematório da Santa Casa da Misericór-dia no Caju - Rio de Janeiro. Era o desejode Abdias ser cremado e que as cinzas fos-sem levadas para a Serra da Barriga, em Ala-goas, local do maior centro da resistêncianegra no Brasil, o Quilombo dos Palmares,que foi cumprido pela família.

COMUNIDADECOMUNIDADECOMUNIDADECOMUNIDADECOMUNIDADEUNIVERSITÁRIA REELEGEUNIVERSITÁRIA REELEGEUNIVERSITÁRIA REELEGEUNIVERSITÁRIA REELEGEUNIVERSITÁRIA REELEGE

NANANANANATTTTTALINO SALGADOALINO SALGADOALINO SALGADOALINO SALGADOALINO SALGADO

Reitor da UFMA, desde 2007, profes-sor doutor Natalino Salgado foi confirma-do pela comunidade universitária para osegundo mandato (2011-2015) na direçãoda Universidade Federal do Maranhão. OProfessor Natalino é doutor em Nefrolo-gia (medicina) e foi diretor Geral do Hos-pital Universitário da UFMA de 1998 a2007, período em que o Hospital Universi-tário tornou-se referência, devido à trans-parente e ousada gestão de Natalino Salga-do, o que lhe rendeu o reconhecimentonão só da comunidade universitária, masde todo o Brasil. A proposta-síntese da ges-tão para o segundo mandato é trabalharpara que a UFMA alcance o nível “4” noÍndice Geral de Cursos (IGC) do SINES-Sistema Nacional de avaliação da Educa-ção Superior (Lei nº10.861, de 14 de abrilde 2004). Ao compromisso e empenho naconstrução coletiva de uma Universidadeautônoma, forte, plural e democrática eque responda afirmativamente às deman-das da sociedade maranhense, o Reitor temcomo grande compromisso, para 2012, se-diar a 64ª Reunião Anual da SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, a ser realizada de 23 a 27 de julho.

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Boletim 49 / junho 2011 19CONTINUAÇÃO

REITOR DA UFMA APÓIAPUBLICAÇÃO DO

BOLETIM CMF

O Magnífico Reitor, Natalino SalgadoFilho, assegurou o acesso e atualização re-gular da página da CMF e dos Boletins daComissão Maranhense de Folclore, anco-rados no site da UFMA. Em reunião com aDiretoria da CMF, garantiu, também, aimpressão dos Boletins na gráfica da Edu-fma. A disponibilização na internet e aimpressão dos números atrasados do Bole-tim estão previstas para o segundo semes-tre deste ano.

AYMORÉ DE CASTROALVIM LANÇA LIVRO DECONTOS E CRÔNICAS

O escritor, médico, pesquisador e pro-fessor aposentado da UFMA - Aymoré deCastro Alvim, lançou “Cronicas e Contosde um Pinheirense”, o seu segundo livrosobre a evolução, tradições e fatos pitores-cos da cidade de Pinheiro (333 km de SãoLuís). O lançamento aconteceu na sede doConselho Regional de Medicina, no Renas-cença. Contar com humor inteligenteacontecimentos da sua terra natal, come-çou em “Coisas da Política de Pinheiro”. Oslivros são Edições Aplac-Academia Pinhei-rense de Letras, Artes e Ciências.

DIVINO SONORA BRASILDO SESC

Os sagrados mistérios do Divino doMaranhão serão partilhados em CircuitoNacional Sonora Brasil através de cantoe toque das Caixeiras do Divino. O Proje-to do SESC que tem com objetivo a for-mação de ouvintes musicais, desde 1997,identifica grupos que colaboram com odesenvolvimento histórico da música noBrasil e os insere na programação. Nestebiênio, 2011-2012, o Maranhão será re-presentado por um grupo de caixeiras –Maria Rosa, Maria José, Maria de Jesus,Rosa Barbosa e Rosenilde de Jesus - natemática Sagrados Mistérios, que se apre-sentará pelo Brasil familiarizando a pla-téia com as peculiaridades musicais doscânticos sacro-populares brasileiros. EmSão Luis, o Sonora Brasil iniciou, em 30de maio, com a mostra das Caixeiras doDivino na Área de Vivência do SESCDeodoro – Centro.

PROJETO DIVINOMARANHÃO 2011

Com o tema “Em cada canto, um toqueDivinal”, a Secretaria de Estado da Cultu-ra/Superintendência de Cultura Popular-Centro de Cultura popular Domingos Vi-eira Filho executou o projeto Divino Ma-ranhão 2011 em que foram beneficiadascerca de 170 festas do Divino no Mara-nhão, dentre as 200 cadastradas no CCPD-VF. Entre os municípios com festas cadas-tradas, estão: São Luis, Alcântara, AldeiasAltas, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão,Cajari, Cantanhede, Caxias, Cedral, Codó,Humberto de Campos, icatu, Itapecuru-Mirim, matinha, Mirinzal, Paço do Lumi-ar, Palmerândia, Penalva, Pinheiro, SãoBento, Santa Helena, São João Batista, SãoJosé de Ribamar, Rosário e Viana. A festado Divino é realizada por pagamento depromessa, devoção, tradição familiar, emigrejas, casas particulares ou terreiros afro-brasileiros. Algumas festas maranhensesocorrem do Dia da Ascensão do Senhor aoDomingo de Pentencostes, data móvel, re-lacionada com a Páscoa, no calendário li-túrgico da Igreja Católica – festas da cida-de Alcântara, da Casa de Nagô e da Casadas Minas, em São Luis, citando as maisconhecidas. Em outras, geralmente casasde culto afro-brasileiro, a homenagem aoDivino está ligada a entidades espirituaise a sua realização pode ocorrer em outrosmeses do ano, como na Casa Fanti Ashan-ti/Pai Euclides e no Terreiro da Fé emDeus/Dona Elzita, em junho, no Terreirode Iemanjá (Jorge Itaci, in memoriam), emagosto, ocorrendo em várias casas durantetodo o ano. A festa gira em torno de umimpério simbólico em que o imperador,imperatriz, mordomo e mordoma régios,mordomo e mordoma baixos (ou mor), aias,vassalos, bandeireiro, bandeirinhas, anjos,Cosme e Damião, figuras que representamas “três graças” – fé , esperança e caridade –são guiados pelos cânticos e toques das cai-xas regidos pela caixeira-régia durante o ri-tual. Os festeiros são representados porcrianças e/ou adolescentes, com idadesque variam entre 04 e 15, 16 anos. Apre-senta uma riqueza de rituais, com várias ediferentes etapas incluindo elementoscomo: tribuna, santa ‘croa’ com a pombi-nha, cetro, bandeira do Divino, bandeiri-nhas, mastro, missas, novenas, ladainhas,saudações, cortejos, visitas dos impérios,distribuição de donativos, cânticos aostoques de caixas, danças, bandinhas demusica, desafios em cantorias, leilões, fo-guetórios, comidas, bebidas, mesas de do-ces com lembrancinhas, carimbó das cai-

xeiras. A festa teve inicio no século XIIIcom a Rainha Isabel, em Portugal e apor-tou aqui no Maranhão no século XVII,provavelmente, com a vinda de casais aço-rianos vindos de Ilhéus/Portugal. Aqui, àprática de caridade tradicional da festa,foram acrescidos elementos culturais dosíndios e negros, como saudar o DivinoEspírito Santo com batuque, com toquede tambor e com dança.

PALESTRAS DOANTROPÓLOGO JOÃO

LEAL NA UFMA

O professor doutor João Leal da Uni-versidade Nova de Lisboa/Portugal, estu-dioso das Festas do Divino Espírito Santoalém terras portuguesas, proferiu palestrassobre A Festa do Divino Espírito Santo eEtnogênese na America do Norte, em quemostrou como os migrantes açorianos seutilizam da Festa do Divino para reafirma-rem como português de Portugal, e “Antro-pologia Portuguesa: História e situação con-temporânea” em que, durante sua fala, in-centivou os alunos e professores presen-tes a estudar aspectos e elementos comunsà cultura brasileira e portuguesa, para quehaja maior interlocução entre os estudio-sos das ciências sociais dos dois países-afins. As palestras foram realizadas 15 e 16de junho respectivamente, às 18 horas, naSala de aulas do Programa de Pós-Gradua-ção em Ciências Sociais, da UFMA, no tér-reo do prédio do CCH, no Campus do Ba-canga.

CORAL SÃO JOÃO NOCORAL SÃO JOÃO NOCORAL SÃO JOÃO NOCORAL SÃO JOÃO NOCORAL SÃO JOÃO NOCANADÁCANADÁCANADÁCANADÁCANADÁ

O Coral São João participou, no perío-do junho/julho, do Mondial Choral Loto-Quebec, Festival que reuniu grupos de can-to coral de todo o mundo. Com um repertó-rio de mais de 100 músicas, entre popular eerudito, o Coral, além do festival, fez turnêpor várias cidades canadense. A cultura bra-sileira e a maranhense estiveram presentesnas músicas eruditas de Padre José Mauri-cio, Villa-lobos e Antonio Rayol, nas popu-lares de Tom Jobim, Vinicius de Moraes eCarlos Lira, no cancioneiro maranhense deJoão do Vale, Zé Pereira Godão, César Tei-xeira, Macarra e nas toadas do bumba-meu-boi maranhense. As grandes óperas foramlembradas pelas árias de Verdi, Puccini,Mascagni. O Coral São João é um grupoindependente de canto, fundado em 10 deabril de 1977, que desenvolve suas ativida-des artísticas e culturais sempre com o pro-pósito de levar o canto coral do Maranhão atodos os amantes da música.

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20 Boletim 49 / junho 2011

PERFIL POPULARCarlos de Lima

Sergio Ferretti36

É com muita tristeza que me proponho a apresentar aqui, empoucas palavras, o Perfil Popu-

lar dessa grande figura maranhense quefoi Carlos Orlando Rodrigues de Lima– CARLOS LIMA, como era mais co-nhecido, que acaba de nos deixar. Fol-clorista, historiador, membro da Aca-demia Maranhense de Letras, do Ins-tituto Histórico e Geográfico do Ma-ranhão e da Comissão Maranhense deFolclore - CMF, onde por várias vezesocupou diversos cargos da diretoria. Foio pesquisador que mais publicou arti-gos no Boletim da CMF, cerca de 38títulos nos 49 números já publicados,como pode ser constatado na busca porautor em nosso site www.cmfoclore.ufma.br

Foi funcionário concursado do Ban-co do Brasil, ator, tendo trabalhado emvários filmes e peças de teatro, com-positor, gravou um disco de músicas docarnaval, mas foi principalmente escri-tor, historiador e folclorista, especializa-do nas coisas do Maranhão. Como fol-clorista cedo publicou estudos pionei-ros sobre festa do Divino de Alcântarae sobre o Bumba-meu-boi.

De repente parece que teve um es-talo como se diz de Antônio Vieira esoltou o verbo. Nos últimos dez ou quin-ze anos publicou grande quantidadede trabalhos importantes entre os quais,ampliando trabalho anterior, três alen-tados volumes sobre a História do Ma-ranhão. Escreveu também sobre as ruase caminhos de São Luís, sobre o médi-co político Djalma Marques, sobre len-das do Maranhão; publicou livro de fic-ções, como a notável “Memória de umGaroto de Programa”, que gracejandoinsinuou ser inspirado em memórias deseus tempos de juventude. Por muitotempo, publicou crônicas semanais nosJornais da cidade. Por informações deseus familiares, soube que ele aindadeixou cinco livros inéditos.

É difícil comentar uma vida e obratão rica e diversificada, como a de Car-los de Lima. Sua trajetória é quase

impossível de ser acompanhada porquem não tenha sido muito íntimo ounão seja seu familiar próximo. SeuCarlos era um homem discreto, espiri-tuoso, falava baixo, gostava de contarestórias sempre bem humoradas. Diziasempre que, quando morresse, queriaser enterrado no Cemitério do Gavião,que fica no Bairro da Madre-Deus,próximo ao coração boêmio da cidade,onde ocorrem os melhores momentosdo carnaval, do bumba-meu-boi e deoutras festas populares que alegramnossa cidade. Queria também que co-locassem na lápide, como soube quefoi feito: “Aqui jaz contra vontade Car-los de Lima”.

Sempre foi magro, saudável, traba-lhador, jovial e exemplo de um homemsério. Seus amigos pensavam que eleiria passar do centenário, mas, pertodos 92 anos, foi embora muito cedo,deixando uma lacuna na vida intelec-tual de sua cidade, sobre a qual publi-cou tantos trabalhos interessantes quefalam também sobre sua história e so-bre lugares e pessoas com quem convi-veu.

Suas memórias, como as narradasno volume VI de Memória de Velhos –Depoimentos publicados pela Secre-taria de Estado da Cultura e pelaComissão Maranhense de Folclore –,são muito vivas, interessantes e sem-pre redigidas com leve tom de ironiae algumas com impagável bom humor.Ele vai contando um fato atrás do ou-tro, que fala do passado e do presentecom detalhes de uma verdadeira his-tória da vida cotidiana de São Luís edo Maranhão em seu tempo. Faz afir-mações com sinceridade sem se impor-tar que outros não concordem comsuas idéias, defendendo tradições maisimportantes que vão se perdendo ine-xoravelmente.

Carlos de Lima, por tudo o que elefoi e construiu permanece vivo nos seusmuitos trabalhos publicados e, sobretu-do, na memória de sua companheira de65 anos de vida comum – Zelinda Lima,como na de seus filhos e netos, e de to-dos que tiveram a oportunidade de con-viver com ele e de ter o prazer de ouviras suas histórias cheias de sabedoria,sempre contadas com muito humor.

26 Antropólogo, Professor Emérito da UFMA; membro da CMF.