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Ano XII • nº 27 • fevereiro de 2011 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc 27 O Plano Nacional de Educação O Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional, já no apagar das luzes de 2010 e com sig- nificativo atraso, o Projeto de Lei que dará origem ao novo Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de 2011 a 2020. O Plano, composto por 20 metas e várias es- tratégias para atingi-las, é bastante tímido se compa- rado às Resoluções da Conferência Nacional de Edu- cação (Conae), cujos dispositivos deveriam servir de inspiração para a elaboração do PNE. Tal constatação é flagrante especialmen- te em relação ao financiamento da educação, pois a proposta é alcançar 7% do PIB até 2020, quando a Conae recomendava 7% em 2011 com perspectiva de se atingir 10% até 2014. Esses números não são aleatórios, uma vez que são estipulados mediante cálculos feitos por especialistas, com base no indicador elabora- do pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que aglutina representantes de inú- meras instituições ligadas à área da educação, assimilado pelo Conselho Nacional de Educa- ção (CNE). O CAQi (ou Custo Aluno-Qualidade Inicial) inverte a lógica utilizada até então pelo MEC para a distribuição de recursos, que se baseia na divisão da verba disponível pelo número de alunos existentes, ou seja, ele parte de um patamar mínimo calculado para que a educação seja de quali- www.inesc.org.br

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Ano XII • nº 27 • fevereiro de 2011 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

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o Plano Nacional de Educação

O Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional, já no apagar das luzes de 2010 e com sig-nifi cativo atraso, o Projeto de Lei que dará origem ao novo Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de 2011 a 2020.

O Plano, composto por 20 metas e várias es-tratégias para atingi-las, é bastante tímido se compa-rado às Resoluções da Conferência Nacional de Edu-cação (Conae), cujos dispositivos deveriam servir de inspiração para a elaboração do PNE.

Tal constatação é fl agrante especialmen-te em relação ao fi nanciamento da educação, pois

a proposta é alcançar 7% do PIB até 2020, quando a Conae recomendava 7% em 2011 com perspectiva de se atingir 10% até 2014. Esses números não são aleatórios, uma vez que são estipulados mediante cálculos feitos por especialistas, com base no indicador elabora-do pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que aglutina representantes de inú-meras instituições ligadas à área da educação, assimilado pelo Conselho Nacional de Educa-ção (CNE).

O CAQi (ou Custo Aluno-Qualidade Inicial) inverte a lógica utilizada até então pelo MEC para a distribuição de recursos, que

se baseia na divisão da verba disponível pelo número de alunos existentes, ou seja, ele parte de um patamar mínimo calculado para que a educação seja de quali-

www.inesc.org.br

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Criança & Adolescente: prioridade no parlamento - é uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com o Conada e o UNICEF. Apoio: Conanda. Tiragem: 1,5 mil exemplars. INESC – End: SCS – Qd, 01, Bloco L – 13º andar - Cobertura – Ed. Márcia – CEP. 70.307-900 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 - Fax: (61) 3212-0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor: Analuce Rojas Freitas; Eva Teresinha Silveira Faleiros; Fernando Oliveira Paulino; Jurema Pinto Werneck; Luiz Gonzaga de Araújo. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum, Lucídio Bicalho Barbosa. Assistente de Direção: Ana Paula Soares Felipe. Comunicação: Vértice/Gisliene Hesse e AF2 Comunicação/Analu Fernandes. Fotografia: Lila Rosa Sardinha Ferro.

Esta publicação utiliza papel reciclado

dade, no qual estão incluídos insumos que vão desde o salário dos professores até os gastos com limpeza.

No entanto, embora o índice tenha sido incorporado pelo CNE e aprovado na Conae, na proposta do governo para o PNE ele foi inserido de forma tímida e, de certa maneira, equivocada, pois a lógica permanece a mesma utilizada até então pelo Ministério, quando exposta na vigésima meta, quinta estratégia, com o seguinte texto: “Definir o custo aluno-qualidade da educação básica à luz da ampliação do investimento público em educação”. O raciocínio deveria ser inverso: o índice é que precisa-ria indicar o investimento necessário.

Portanto, fala-se de 50% das escolas com educação integral, universalização do ensino funda-mental de nove anos, universalização do atendimen-to escolar à população de 15 a 17 anos, aumento das médias do Índice de Desenvolvimento da Edu-cação Básica (Ideb) e do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), elevação da escolaridade média da população, erradicação do analfabetismo absoluto e redução do analfabetismo funcional em 50%, entre outras metas. Todavia, é sabido que os recursos são insuficientes; por tal razão, corre-se o risco de novamente chegarmos ao final dos dez anos dizendo que as metas não foram cumpridas, entre outros motivos, pela falta de investimento, como ocorreu com o PNE expirado em 2010.

Outro problema grave é o estipulado para a educação de 0 a 3 anos, as creches, cuja meta per-manece a mesma do PNE anterior, ou seja, 50% das crianças atendidas até 2020. Sabe-se que essa dívida é histórica e precisa ser sanada com maior celeridade. Além disso, entre as estratégias para esta meta está o estímulo à concessão de certificados para entidades beneficentes de assistência social, que tira a responsabilidade da área da educação e a coloca, novamente, no âmbito da assistência.

As metas não são ambiciosas, ao contrário: elas são tímidas para um país que se pretende desen-volvido e quer ser, em breve, a quinta economia do mundo. Sabe-se que o melhor e mais eficiente cami-nho para o desenvolvimento é o investimento amplo em educação, o que ainda está longe de se transfor-mar em realidade no Brasil.

A sociedade deve se mobilizar e incidir poli-ticamente junto ao Congresso Nacional, para que se consiga aprofundar o alcance do Plano e ampliar o financiamento da educação rumo a uma verdadeira educação pública de qualidade.

“Definir o custo aluno-qualidade da educação básica à luz da ampliação do investimento público em educação”.

InsTITuIções que ApóIAm o InesC:

ActionAid, Charles stewart mott Foundation, Christian Aid, Climate

Works Foundation membro do Climate and Land use Alliance;

Conanda, Dfid, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação

Ford, Instituto Heinrich Böll, International Budget partnership, KNH (KinderNotHilfe), Norwegian

Church Aid, Oxfam Novib, Oxfam GB, União Européia,

Unicef, Unifem.

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Saiba mais sobre o PNEO Plano Nacional de Educação (PNE), ape-

sar de ter sido pensado pela primeira vez em 1932, por um grupo de intelectuais, em documento intitu-lado “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, só foi formalizado a partir da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. E, mesmo após a Carta Magna e a LDB, o Poder Execu-tivo só o apresentou ao Congresso, pela primeira vez, em 1998, tendo sido aprovado em 2000 para vigorar entre 2001 e 2010. O segundo acaba de ser apresen-tado com atraso, visto que entraremos em 2011 sem que o PNE 2011/2020 tenha sido sequer analisado previamente pelo Legislativo, pois foi apresentado pelo Executivo já em dezembro.

O PNE apresenta as metas e estratégias ne-cessárias para que a educação, em seus vários níveis, avance. É o planejamento formulado pelo governo federal, que em tese deveria ouvir a sociedade durante as conferências realizadas, apresentado em forma de Projeto de Lei ao Legislativo, para que seja debatido e transformado em Lei.

O Plano oferecido para os próximos dez anos possui 20 metas e 170 estratégias. No entanto, falta, em várias metas e estratégias, o estabelecimento de prazo de realização do proposto, dificultando o moni-toramento e a avaliação de sua execução por parte da sociedade. As metas são:

1. Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, além de ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos.

2. Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de 6 a 14 anos.

3. Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% nesta faixa etária.

4. Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o

atendimento escolar aos estudantes com deficiên-cia, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.

5. Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade.

6. Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica.

7. Atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB:

8. Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar o mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional.

9. Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.

10. Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

11. Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta.

12. Elevar a taxa bruta de matrícula na educação su-perior para 50% e a taxa líquida para 33% da po-pulação de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta.

13. Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores.

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14. Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a ti-tulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores.

15. Garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municí-pios, que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhe-cimento em que atuam.

16. Formar 50% dos professores da educação bási-ca em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, além de garantir a todos formação continuada em sua área de atuação.

17. Valorizar o magistério público da educação bá-sica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.

18. Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magis-tério em todos os sistemas de ensino.

19. Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a nomeação comissionada de dire-tores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comu-nidade escolar.

20. Ampliar progressivamente o investimento públi-co em educação até atingir, no mínimo, o pata-mar de 7% do produto interno bruto do país.

Benefícios que podem advir com o novo PNE

O Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020 nasceu das deliberações da Confederação Na-cional de Educação. Este será um plano mais conci-so, com menor número de objetivos e metas e mais focado nos principais problemas e compromissos. A intenção é que ele seja a matriz de uma lei de respon-sabilidade educacional.

O novo PNE estabelece o prazo limite para que estados e municípios façam, revejam e, poste-riormente, atualizem os seus próprios planos, fixando metas específicas de acordo com cada realidade. Apro-vados, estes planos também devem responsabilizar go-vernadores e prefeitos pelo seu cumprimento.

Planos de educação devem ser a síntese de um

Cesar Callegari - sociólogo e membro do Conselho Nacional de Educação. É autor de vários livros técnicos e tem um notável currículo de serviços prestados à educação, à cultura, à ciência e à democracia.

pacto pela educação de qualidade para todos. Portan-to, deve ser fruto da participação de muitos e precisa ser defendido por todos. A mobilização em torno da Conae foi necessária para a elaboração da nova lei, que não poderia ter o perfil de um documento pensa-do entre as quatro paredes do Congresso. Mas não foi suficiente. Agora, precisamos mobilizar todo o País no cumprimento da nova lei.

O Brasil precisa mais do que dobrar seus in-vestimentos em educação e aplicar mais de sete por cento do PIB nesse setor. Os investimentos devem assegurar a disponibilidade de insumos mínimos ne-cessários para sua necessidade. Vamos eliminar as de-sigualdades educacionais do País!

Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, além de garantir a todos

formação continuada em sua área de atuação.

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ENtrEviSta com

1) O processo democrático para a elaboração do do-cumento final da Conferência Nacional da Educação (Conae), que serviu como base para a feitura do Plano Nacional de Educação (PNE), é um marco na educa-ção brasileira. Quais são os principais ganhos que o País pode ter com a estratégia que foi utilizada para a construção do PNE 2011-2020?

Nossa vantagem é que a Conferência Nacional de Educação mobilizou milhões de brasileiros e brasilei-ras. Ou seja, nossas propostas estão ancoradas em for-te legitimidade social. Isso é inédito e é uma enorme vantagem estratégica.

2) Qual é a principal diferença entre a proposta ante-rior e a nova proposta?

Há duas grandes diferenças. A primeira é que o PNE 2001-2010 foi aprovado em um acirrado processo de disputas entre o Governo FHC e os setores da socie-

O “Boletim Criança e Adolescente: prioridade no parlamento” entrevistou Daniel Cara,* coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para saber mais sobre as inovações do Plano Nacional de Educação 2011-2020. O especialista aborda questões como o aumento do investimento na educação, a valorização profissional do(a) professor(a), a educação integral e a qualidade na educação. Daniel sonha “que todos os brasileiros e as brasileiras sejam plenamente alfabetizados e que as crianças e os adolescentes (...) estudem em boas escolas públicas de período integral”.

Daniel cara

dade civil dedicados às lutas pelo direito à educação. Graças a esse conflito, dois projetos do PNE disputa-ram os votos do Congresso Nacional. Essencialmen-te, ganhou o do Governo FHC. Contudo, mesmo sendo tímido, o PNE 2001-2010 recebeu vetos gra-ves, especialmente no capítulo do Financiamento da Educação. Resultado: sem recursos, o Plano não con-seguiu vingar e não foi cumprido. O projeto do PNE 2011-2020 começa melhor, com um acordo social previamente estabelecido pela Conae.

A segunda diferença é que o PNE 2011-2020 irá ter um conjunto reduzido de metas. Das 295 da versão anterior, o número caiu para 20 metas. Agora, um aler-ta: o PNE 2001-2010 não deixou de ser cumprido pelo excesso de metas. Seu descumprimento se deve, funda-mentalmente, ao descaso dos governos com a educação e, por consequência, com o próprio Plano. E o descaso com o PNE abrange os governos FHC e Lula.

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3) Essa quantidade de metas atenderá todos os esta-dos e municípios do País?

As metas do PNE, conceitualmente, abrangem toda a nação brasileira. Ou seja, [o PNE] deve determinar metas a serem cumpridas, acompanhadas ou cobradas por todas as esferas de governo (municipal, estadu-al, distrital e federal) e todos os poderes estabelecidos (Executivo, Legislativo e Judiciário), obviamente sen-do respeitadas as funções e atribuições educacionais e educativas de cada ente federado.

4) A aprovação e implementação do novo PNE pode-rá amenizar os problemas que temos hoje na educação brasileira, como, por exemplo, a evasão escolar, a falta de qualidade no ensino e os baixos salários para os professores? Como isso pode acontecer?

As funções centrais do PNE são a de sinalizar para a sociedade quais são seus direitos e a de orientar a ação dos governos por meio de objetivos, metas e estraté-gias de ação. Consequentemente, o Plano determina uma ordem de prioridades, por meio de uma interpre-

tação da política educacional. A Conae deliberou que o acesso e a qualidade social da educação são elementos centrais do direito humano (e constitucional) à educa-ção. Portanto, sendo aspectos indivisíveis do direito à educação, eles compõem o objetivo central do plano. A valorização profissional é o eixo central para a garan-tia da qualidade na educação. Portanto, esta deve ser transformada em uma meta, a ser cumprida por meio de estratégias, como a efetiva implementação do piso nacional salarial para todos os profissionais da educa-ção, somado a uma atraente política de carreira. Já a evasão escolar é resultado de uma educação de baixa qualidade.

5) O outro PNE venceu no final de 2010 e, apesar de ter sido lançado o PNE que deverá ser seguido a partir de 2011, o Plano ainda não passou pelo Congresso. A que se deve esse atraso? E o que isso significa para a educação? Estamos sem Plano para o ano de 2011?

O atraso na divulgação do PNE se deveu ao calendá-rio da Conae às eleições e, depois, à sucessão de Lula. A manutenção do ministro Fernando Haddad não foi tranquila e isso influiu no encaminhamento da men-sagem presidencial do PNE ao Congresso Nacional. Em termos bem objetivos, há prejuízo nesse atraso porque a política de educação fica sem um fio condu-tor, mas é preferível estarmos sem plano em 2011 e, provavelmente, em 2012 do que uma aprovação ali-geirada e descuidada. O PNE prescinde de uma boa análise da sociedade e dos parlamentares.

6) A Câmara criou uma Comissão Especial para apro-var emenda constitucional que propõe que a educa-ção seja de forma integral. O que o senhor tem a dizer sobre o assunto? Qual tipo de contribuição o senhor acredita que a educação integral poderá dar às crian-ças e aos jovens brasileiros?

A educação deve ser integral. Este é um consenso mundial. Contudo, para ser integral, a educação não

O atraso na divulgação do PNE se deveu ao calendário da Conae às

eleições e, depois, à sucessão de Lula. A manutenção do ministro Fernando

Haddad não foi tranquila e isso influiu no encaminhamento da mensagem presidencial do PNE ao Congresso

Nacional. Em termos bem objetivos, há prejuízo nesse atraso porque a política de educação fica sem um fio condutor, mas é preferível estarmos sem plano em 2011 e, provavelmente, em 2012 do que uma

aprovação aligeirada e descuidada.

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pode ser esta que encontramos hoje em nossas esco-las públicas. Se for, não é educação, é castigo para as crianças e para os jovens. Educação integral não pode servir como uma estratégia ocupacionista das crianças e dos jovens, buscando afastá-los da marginalidade. Esse cunho moralista é equivocado e antieducativo. A educação integral deve ser uma política de formação e promoção da cidadania, da convivência, do incen-tivo ao conhecimento. Em 2030, o Brasil pode ser uma das mais promissoras potências científicas se, em 2020, tiver 100% de suas crianças matriculadas em boas escolas públicas de período integral, especial-mente nas etapas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.

7) O Plano prevê um aumento de verba para a edu-cação. De quanto será esse aumento e de onde será retirada essa verba? Esse aumento será suficiente para que tenhamos uma educação de qualidade?

A Conae deliberou por 7% do PIB em 2011 e 10% a partir de 2014. Para tanto, segundo a Conferência, o

grosso dos recursos educacionais deve vir da vincula-ção de 25% da arrecadação total de tributos por parte da União (hoje, a vinculação é de 18% apenas dos impostos) e 30% para municípios, estados e o Dis-trito Federal (hoje é de 25%). Além disso, 50% dos ganhos dos governos com as atividades relacionadas à exploração de hidrocarbonetos (petróleo, gás natural, etc.) devem ser destinados à educação. Em uma pers-pectiva mais estrutural, a Conae propôs a Reforma Tributária, com a taxação das grandes fortunas, do ca-pital especulativo e a conversão dos serviços (injustos) das dívidas públicas em investimentos sociais.

8) Qual é o seu sonho para a educação do Brasil?

Meu sonho é que todos os brasileiros e as brasileiras sejam plenamente alfabetizados e que as crianças e os adolescentes de suas famílias estudem em boas escolas públicas de período integral. Somente assim poderí-amos ter uma República capaz de promover, efetivar e respeitar os direitos humanos de todos e todas e de cada um dos brasileiros e brasileiras.

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8 fevereiro de 2011

Estudantes que participaram da 2ª Oficina do Processo Legislativoficaram responsáveis por apurar e checar informações para a produção dematérias sobre o evento. Nove adolescentes se dividiram na tarefa decobrir as palestras, entrevistar colegas, anotar as propostas dos grupose fazer resumo do dia. Assim, o texto que segue contou com uma jovem eparticipativa equipe de reportagem.

2ª oficina do Processo Legislativo

No dia 27 de novembro, o Instituto de Es-tudos Socioeconômicos (Inesc) realizou a 2ª Oficina

do Processo Legislativo. Alunos e alunas de diversas escolas públicas do Distrito Federal se reuniram no espaço do Instituto Israel Pinheiro, em Brasília, para entender melhor como funciona o processo legisla-tivo e aprofundar seus conhecimentos sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE). O Plano delimi-tará as principais metas da educação do País durante o período de 2011 a 2020, perpassando mais de dois governos.

O principal objetivo desta Oficina foi discutir a participação popular no âmbito do Poder Legislati-vo, como exercício de cidadania e conquista de direi-tos. Outra finalidade deste encontro foi a elaboração de propostas dos estudantes para o PNE 2011-2020. O evento contou ainda com a ajuda de jovens e pro-fissionais ligados ao projeto Onda.

Alunos de diversas escolas públicas do Distrito Federal se reuniram para entender como funciona o processo legislativo e discutir sobre o Plano Nacional da Educação

o ProjEto oNDa: “Adolescentes em Movimento pelos Direitos” é outra iniciativa do Inesc. O objetivo é de-senvolver a formação de adolescentes de es-colas públicas do Distrito Federal, a fim de que estes ampliem seus conhecimentos acerca das variadas possibilidades de atuar politica-mente. A partir de oficinas, debates, filmes, participação em audiências públicas e, ain-da, por meio de diálogo com parlamentares, meninos e meninas aprendem sobre direitos humanos, orçamento público e cidadania. A intenção é que esta gama de possibilidades de participação e envolvimento motive os jovens estudantes a agir em defesa de seus direitos e dos direitos de toda a comunidade.

O principal objetivo desta Oficina foi discutir a participação popular no âmbito do Poder Legislativo, como exercício de

cidadania e conquista de direitos.

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Especialistas ministraram palestras

DESvENDaNDo o ProcESSo LEgiSLativo

O assessor político do Inesc, Edélcio Vigna, ex-plicou aos estudantes que o Processo Legislativo se refe-re à tramitação de um Projeto de Lei. Vigna salientou que o mais importante é a participação popular para opinar sobre o que vai ser votado e pressionar os par-lamentares pelos interesses legítimos da sociedade. “Os processos podem ser feitos a partir de ideias que podem surgir de deputados, senadores, pelo Poder Judiciário, pela Procuradoria-Geral da União, pelo presidente da República e por iniciativa popular”, explicou.

Vigna também ressaltou que a grande preo-cupação atual é que o Congresso Nacional tem muito pouco “a cara do Brasil”. Ou seja, existe pouca repre-sentação de negros, mulheres, homossexuais e índios. Isso significa dificuldades em defender interesses de grande parte da população. Para Vigna, este desequi-líbrio no Congresso só pode ser equalizado pela parti-cipação popular. “Se não houver mobilização, de nada adianta sugerir boas propostas”, enfatizou.

PLaNo NacioNaL DE EDucação

Com a palestra “Plano Nacional de Edu-cação: sua organização e processo de tramitação no Parlamento e aspectos relevantes”, o economista Jor-ge Abrahão, do Instituto de Pesquisas Econômicas

Aplicadas (Ipea), mostrou aos adolescentes o que é o Plano e qual é a sua importância, bem como a da educação, no Brasil. Abrahão baseou sua palestra em dados para compará-los e elucidar as diferenças entre as regiões do Brasil e entre este e outros países. “A partir de dados, podemos apurar nosso olhar sobre a realidade e adequar o planejamento para enfrentar os problemas.” ressaltou.

O convidado do Ipea explicou que o PNE apresenta diretrizes para garantir melhorias na situa-ção da educação do País, que hoje ainda apresenta um quadro inadmissível de analfabetismo: 14,8 milhões de brasileiros são analfabetos. Abrahão salientou que disparidades educacionais refletem uma enorme desi-gualdade entre as regiões do Brasil. Ele citou, como exemplo, um dado do estado nordestino de Alagoas, no qual 1/4 da população é analfabeta. “Temos que avançar no Nordeste. Se o país precisa de investimen-tos na educação, o Nordeste precisa de muito mais”, afirmou.

Abrahão lembrou que a educação tem o papel e o desafio de igualar oportunidades. Com o acesso à educação, aumentam as oportunidades e diminui o fosso das desigualdades entre os ricos e os mais po-bres, entre diferentes regiões ou mesmo entre pessoas de diferentes origens étnico-raciais.

“Os processos podem ser feitos a partir de ideias que podem surgir de deputados, senadores, pelo Poder Judiciário, pela Procuradoria-Geral da

União, pelo presidente da República e por iniciativa popular”

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10 fevereiro de 2011

custo aluno-Qualidade inicial (caQi)

O último palestrante, Daniel Cara, coorde-nador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, levantou os pontos mais importantes do PNE. Cara explicou que a campanha construiu um novo parâmetro para a educação no Brasil, o CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), que prevê o finan-ciamento da qualidade do ensino público, a fim de que todas as escolas do País possam ter tanto estrutura física quanto humana. Nos aspectos físicos, ele res-saltou questões importantes, como o menor número de alunos e alunas por sala de aula, além de aspectos sobre refeitório, cozinha, laboratórios de ciências na-turais e informática, biblioteca com acervo, sala de TV e vídeo, mecanografia, entre outros.

Quanto à estrutura humana, ele ressaltou que esta é consolidada pelo plano de carreira para os(as) professores(as), pela formação continuada, por psicólogos(as) dentro da escola e pelo aumento dos(as) profissionais da educação. Tudo isso para ga-rantir aos(às) alunos(as) a melhor educação possível. O palestrante acredita que, com isto, o Brasil teria o fim do analfabetismo e a garantia de acesso e perma-nência de todos(as) em uma escola de qualidade perto de suas casas. Para isso, é preciso dobrar inicialmente o orçamento da educação – algo que se faz necessário para garantir o avanço do País em todas as áreas de de-senvolvimento e assegurar o direito humano e consti-tucional à educação. Daniel Cara argumentou que já existem escolas no País que utilizam o parâmetro do CAQi, que é em média de R$ 1.485,00 por aluno por ano. O palestrante elencou ainda dois grandes proble-mas da educação no Brasil que devem ser contempla-dos no Plano: creche e ensino superior.

Sobre o PNE vigente (2001-2010), Daniel

Cara disse que houve uma grave ausência de vontade política e falta de um real embate da sociedade civil organizada com o governo para efetivar as metas do Plano. Para ele, a ausência de vontade política ficou por conta dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Para Cara, ambos não se empenharam em pôr em prática o Plano. Já a falta de embate político é fruto, segundo o palestran-te, da desarticulação da sociedade civil e do movimen-to de jovens. “Os movimentos de jovens ainda têm uma enorme incapacidade em discutir educação”, disse Daniel Cara.

Para a implementação deste novo Plano Na-cional de Educação, espera-se uma ampla participa-ção da população. Esta não é uma luta somente pelo aumento de orçamento para a educação. É uma luta por gestão, legitimidade e cidadania. “Hoje, 4% do PIB é destinado à educação. Nossa meta é alcançar 8% dele”, afirmou. Segundo Daniel Cara, só assim o governo brasileiro pode comprovar que educação é prioridade política.

Cara também falou sobre a importância da participação política de estudantes em seus espaços de convivência e explica que “a ação política só se move quando você se sensibiliza com a realidade”. Os grê-mios estudantis são importantíssimos para a luta po-lítica pela educação de qualidade.

Os(as) adolescentes, refletindo sobre suas rea-lidades, disseram que em suas escolas “faltam labora-tórios, uma cobertura para a quadra de esportes, mais palestras, oportunidades igualitárias e professores en-tusiasmados e presentes, visto que, em algumas esco-las, neste último semestre, praticamente não tivemos aula. Os professores passam muitos dias sem ir para

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a escola e depois mandam-nos fazer resumos de ma-térias que não foram ensinadas. Falta dinamismo nas aulas e nas matérias. Isto desmotiva os alunos”. Estas foram as maiores reclamações dos alunos. Ao encerrar sua fala, Daniel Cara falou sobre a necessidade de se ouvir os profissionais da área da educação, visto que

Equipe de reportagem: Joana Piantino, Isabel Amorim, Thalita Oliveira, Matheus Maia, Luana Gonçalves Barreto, Gabriella Dias dos Santos, Raquel Rodrigues, Paula Gabriela Barbosa Castillo e Israel Vitor.

as oficinas

Para melhor balizar as discussões, os alu-nos foram divididos em cinco oficinas: Qualidade da Educação, Gestão Democrática; Democrati-zação do Acesso, Permanência e Sucesso Escolar; Formação e Valorização dos(as) Profissionais da Educação; Ensino Médio; Justiça Social, Educa-ção e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade. O objetivo era provocar reflexões e troca de ideias.

Após as discussões, foram retiradas as

principais propostas a fim de produzir emendas ao novo Plano Nacional de Educação. Cada ofi-cina era orientada por um oficineiro (Cristiano Rodrigues, Leiliane Rebouças, Marcos Woot-man, Kauara Ferreira e Lisandra Carvalho), cuja tarefa era estimular o debate e ajudar a sintetizar as ideias dos adolescentes. Os pontos principais foram apresentados na plenária. O material será enviado ao Governo para colaborar com o PNE.

eles, melhor do que qualquer outro tipo de profissio-nal, são os que vivem a realidade da educação.

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12 fevereiro de 2011

Seguem algumas propostas discutidas pelos grupos:

• Todas as escolas devem ter acesso para pessoas com deficiência por TODA a escola, e não apenas nas entradas e saídas, para que ess@s alun@s possam usufruir de todos os setores escolares.

• Que toda criança e adolescente tenha uma escola perto de casa com transporte gratuito e de qualidade.

• Aplicar provas teóricas e práticas, periódicas, para avaliar o conhecimento e a prática de professores.

• Garantir mais recursos financeiros.

• Garantir a presença de psicólogos nas escolas.

• Garantir a participação dos alunos e das alunas nos conselhos escolares e nos projetos pedagógicos.

• Reduzir o número de alunos e alunas por sala de aula.

• Garantir laboratórios devidamente equipados para o estudo de matérias que necessitam de conhecimento prático (química, física, internet).

• Democratizar o acesso às universidades públicas.

• Garantir os esportes nas escolas, com espaços próprios e para diversas modalidades.

• Transporte público específico para estudantes, com passe livre e sem burocracia.

• Avaliação entre professores e alunos(as): alunos(as) avaliam os(as) professores(as), que avaliam as turmas de alunos(as), com elogios e críticas, além de dicas para sua melhoria. Necessidade de discutir a avaliação no conselho escolar.

• Criação de mais benefícios e incentivos aos(às) professores(as) para valorizar a profissão: bolsas de estudo, licenças, maiores salários, etc.

• Criação de instância de fiscalização (monitoramento) do PNE.

• Construção de escolas de ensino médio em tempo integral com estrutura para atividades diversificadas: teatro, música, artes, esportes e merenda escolar.

• Incluir o Estatuto da Criança e do Adolescente nas disciplinas da grade escolar.

• Segurança médica e policial: policiamento contínuo nas redondezas da escola e técnico em enfermagem na escola.