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L ê d a W a t s o n G l ê n i o B i a n c h e t t i M i l t o n R i b e i r o M i l a n D u s e k B e t t y B e t i o l O m a r F r a n c o L u i z C o s t a T o n i n h o d e S o u z a L e l o M a r l e n e G o d o y D a r l a n R o s a R i c a r d o S t u m m Brasília 12 12 A teliês Brasília

Brasíla 12 Ateliês

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Catálogo virtual da exposição Brasília 12 Ateliês, que reuniu 12 artistas da capital federal no Centro Cultural da Caixa.

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Lêda

Watson

GlênioBianchetti

MiltonRibeiro

Milan

Dusek

Betty

Betiol

Omar

Franco

Luiz

Costa

Toninho

de

Souza

Lelo

Marlene

Godoy

DarlanRosa

RicardoStumm

Brasília 12

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teliêsB

rasília

BRASÍLIA

2015

GLÊNIO BIANCHETTI

MILTON RIBEIRO

MILAN DUSEK

LÊDA WATSON

BETTY BETTIOL

TONINHO DE SOUZA

LUIZ COSTA

OMAR FRANCO

MARLENE GODOY

DARLAN ROSA

LELO

RICARDO STUMM

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Curadoria de Lêda Watson e Newton Scheufler

Brasília 12Ateliês

Presidenta da República

Dilma Roussef

Ministro da Fazenda

Joaquim Levy

Presidenta da Caixa Econômica Federal

Miriam Belchior

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A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo respeito à diversidade, e mantém comitês internos atuantes para promover entre os seus empregados campanhas, programas e ações voltados para

disseminar idéias, conhecimentos e atitudes de respeito e tolerância à diversidade de gênero, raça, orientação sexual e todas as demais diferenças que caracterizam a sociedade.

A CAIXA também é uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira e destina, anualmente, R$ 90 milhões de seu orçamento para o patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e espaços de terceiros, com mais ênfase para exposições de artes visuais, peças de teatro, espetáculos de dança, shows musicais, festivais de teatro e dança em todo o território nacional, e artesanato brasileiro.

Os projetos patrocinados são selecionados via edital público, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio.

Com a curadoria de Newton Scheufler e da gravurista Lêda Watson, essa mostra coletiva inédita é resultado de visitas feitas a ateliês de Brasília ao longo de três anos e do resgate de fragmentos da história das artes plásticas na cidade. Fazem parte da mostra Milan Dusek, Lêda Watson, Luiz Costa, Ricardo Stumm, Darlan Rosa, Marlene Godoy, Lelo, Toninho de Souza, Betty Bettiol, Omar Franco, Milton Ribeiro e Glênio Bianchetti, artistas que escolheram Brasília como morada e onde contribuem com suas obras para a consolidação da cultura e identidade artística da cidade.

Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura nacional e retribui à sociedade brasileira a confiança e o apoio recebidos ao longo de seus 154 anos de atuação no país, e de efetiva parceria no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um banco. Pede investimento e participação efetiva no presente, compromisso com o futuro do país, e criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

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Chegando a Brasília nos anos de 1970, vivi intensamente a sua vida cultural, unindo-me aos artistas que já produziam arte na cidade e formando um grupo muito atuante. Desse convívio e da amizade dele

resultante, realizávamos coletivas em salões e exposições. Em fins dessa década, e por mais duas, vivíamos uma intensa efervescência cultural nas artes plásticas. Exposições e salões de arte se sucediam. Novas galerias e associações eram criadas, dando oportunidade aos novos artistas de exporem seus trabalhos e de se lançarem no então incipiente mercado de arte na capital da república. Os artistas mais experientes recebiam, em seus ateliês, aqueles que desejavam aprender ou aprimorar seus conhecimentos de arte. Por mais de 30 anos, tive a oportunidade de transmitir meus conhecimentos das técnicas da gravura em metal, que aprendi na França. Consegui, em todos esses anos, receber mais de 400 alunos em meu ateliê. Para tudo isso, muito contribuiu a seriedade e a dedicação de pessoas que dirigiam espaços excelentes de exposição. Um dos mais importantes, cuja atuação foi prolongada e que muito colaborou para o crescimento de vários artistas que se lançavam na época, foi a Galeria dos Correios, dirigida por Lais Scuotto com competência e com especial carinho por todos.

Não podemos esquecer que tudo que hoje se cria e se produz é resultado e consequência inequívoca do que já foi feito e vivenciado anteriormente – o passado constrói e possibilita, ao presente, dar continuidade a essas ações. Uma árvore não cresce e se desenvolve se não possui raízes sólidas. A nossa cidade cresce e se aprimora apoiada no trabalho e nas experiências de seus cidadãos e de pessoas de outros lugares que para cá vieram construí-la ao longo desses 50 anos. Infelizmente, hoje, a memória artística da cidade está se perdendo, assim como as histórias dos personagens que dela participaram, seja por falta de registro, seja por falta de conhecimento.

BRASÍLIA12 ATELIÊS

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Por isso, ao escolher os artistas que participam deste projeto – Marlene Godoy, Betty Bettiol, Lêda Watson, Glênio Bianchetti, Milton Ribeiro, Milan Dusek, Darlan Rosa, Toninho de Souza, Luiz Costa, Omar Franco, Lelo e Ricardo Stumm –, privilegiei aqueles que se notabilizaram pela qualidade do seu trabalho ao longo de décadas. Este projeto é, portanto, um resgate na área de artes plásticas imprescindível para todos que se aventuram por esses caminhos coloridos e fantásticos. Em uma primeira etapa, elenquei 12 artistas escolhidos por sua trajetória no tempo e por sua ligação afetiva com a cidade; artistas que trabalham diferentes técnicas e que, até hoje, mantêm seus ateliês em atividade, transmitindo seus conhecimentos às novas gerações, criando, ensinando e deixando suas marcas e suas experiências de vida acessível a todos.

Minha ambição, no início, era a realização deste projeto em três etapas: artistas em destaque até 1990, artistas em destaque de 1990 a 2000 e artistas em destaque de 2000 até hoje. Inicialmente, em visitas informais, acompanhada de meus alunos, fui observando, ao longo delas, o entusiasmo manifestado pelos artistas com aquele nosso desejo de conhecer mais a fundo o trabalho de cada um. O grupo foi crescendo. Passamos a contar também com o apoio e com a colaboração de pessoas experientes que se apaixonaram pelo projeto, como o artista Newton Scheufler e a museóloga Lais Scuotto. Suas participações foram essenciais. Com eles, o projeto foi tomando forma e proporções maiores, com resultados excelentes. Registramos, em vídeo digital, o depoimento de todos, alguns, infelizmente, já falecidos, o que torna o material mais precioso. Seria pretensão de minha parte querer divulgá-los? A memória estaria completa e ajudaria muito no conhecimento da história da nossa cidade.

O objetivo principal, no momento, como resultado de todo esse processo, é a edição de um catálogo e uma exposição itinerante com a participação de todos os artistas, com o patrocínio da CAIXA Cultural Brasília.

Lêda WatsonBrasília, 2015

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O LIVRO DASVISITAÇÕES

A fumaça e o fogo de uma narrativa que ainda não terminava de sonhar; o mito genial,

a vasta voz continental [Borges-Prólogos]

Toda narrativa vale a pena? Na distância, tudo parece sonho, lembrança de fogueira em uma passagem noturna, notas para uma possível mitologia. Nos territórios da memória, encontramos narrativas em

vozes ancestrais que nos falam em nossa inconsciência. É assim que se constroem os mitos. A história está sendo escrita, independentemente de nós mesmos. Esta exposição Brasília 12 Ateliês é a narrativa de uma história, a história de 12 artistas.

Tudo começou em 2012, quando conheci Lêda Watson. Em um vernissage, apresentei-me à artista; ela entregou-me seu cartão dizendo: “Visite o ateliê!” Uma semana depois, lá estava eu, tomando conhecimento de seu roteiro de visitas aos ateliês de alguns de seus amigos artistas. Convidou-me então para a próxima visita, cujo destino era o ateliê de Ricardo Stumm. Foi nesse dia que surgiu a ideia de documentar as visitas de Lêda e seu grupo e transformá-las em um projeto formal. Além do videodocumentário, alguém sugeriu um livro; outro, uma exposição; eu, ensaios fotográficos, para os quais convidei o fotógrafo e velho amigo Sergio Almeida.

Foram 12 os ateliês escolhidos por Lêda Watson segundo critérios históricos, formais e afetivos, ou seja, artistas que participaram do momento efervescente da década de 1970; artistas que mantêm ou que mantiveram

A América na calçada da W2 Sul - Foto de Sergio Almeida

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atividades educacionais em seus ateliês; e, finalmente, a dimensão afetiva: artistas amigos de Lêda. Percebemos que a tradição histórico-artística de Brasília é muito recente, tão recente que muitos dos protagonistas ainda estão vivos, mas o tempo começa a cobrar seu preço. Dos artistas visitados, dois deles já nos deixaram. Aos que ficam, resta organizar memórias para os que virão.

Na sucessão das visitas, uma parte da História viva das artes plásticas brasilienses, pioneiras ou não, foi aparecendo. As narrativas se acumulavam. Ao registrá-las, cumprimos nosso papel de observadores e trazemos à luz, brevemente, o espaço dos ateliês, lugares sempre tão vivos e tão enigmáticos. Muitos cafés, pães de queijo, horas de gravação e centenas de imagens depois, as visitas informais tornaram-se um projeto aprovado pela Lei Rouanet e pela Caixa Cultural Brasília.

Hoje, três anos depois do encontro inicial com Lêda Watson e quase dois anos após o falecimento de Milton Ribeiro, em dezembro de 2013, e de Glênio Bianchetti, em fevereiro de 2014, dois grandes artistas que também fazem parte deste projeto, é reconfortante olhar para o tempo e perceber que estamos narrando mitologias que se iniciaram como visitas despretensiosas e hoje se manifestam sob a forma de uma exposição na CAIXA Cultural Brasília, Brasília 12 Ateliês. E a história prossegue.

Newton ScheuflerBrasília, 2015

Detalhe do ateliê de Ricardo Stumm - Foto de Sergio Almeida

ÍNDICEA

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IGLÊNIO BIANCHETTI

Glênio Bianchetti habitava o poético terreno da mitologia. Era daquelas entidades que, no início dos tempos, moldavam a realidade, artisticamente construindo tradições, de Bagé a Brasília, da Pampa ao

Planalto. Em uma cidade jovem como a capital federal, os demiurgos são contemporâneos de nossa estadia no tempo. Esse artista é um dos lutos que pranteamos na história deste Brasília 12 Ateliês. Por isso, falar de Glênio é falar de mitologia e de saudade, a saudade arquetípica que sentimos quando a perda afeta a todos. Cada obra que um artista deixa de produzir nos deixa mais pobres. É uma saudade do possível, saudade do futuro.

Glênio Bianchetti, natural de Bagé, Rio Grande do Sul, mudou-se para Brasília em 1962. A decisão de enfrentar a aventura da mudança para a capital foi tomada com Ailema, sua mulher e grande companheira de toda a sua carreira, uma vez que mudar, com seis filhos, estava longe de ser uma tarefa fácil. Ailema topou o desafio. O desejo de produzir e de pensar arte levou o casal a criar o Centro de Realização Criadora (Cresça). Era o espaço da arte em circulação tornada acessível a crianças e a adultos; espaço de irradiação artística, de educação e de cultura na cidade.

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O ateliê de Glênio Bianchetti fica em uma bela propriedade no setor de Mansões do Lago Norte. Na entrada, fomos recebidos por seu mural de concreto, feito para marcar a entrada do ateliê. Filmamos o espaço e entrevistamos o pintor. Foi nosso último encontro antes de seu falecimento meses depois. Era considerado um dos artistas mais completos da atualidade. Segundo Alcides da Rocha Miranda, “Biachetti se propôs a fazer pintura, isto é, pintura livre de influências, que diz exclusivamente aquilo que tem a dizer. A gravura, em sua diversidade, acompanhou-o por toda a vida, mas foi a pintura que se tornou o centro de sua obra e que se vinculou à figuração expressionista com uma fidelidade rara em artistas modernos e contemporâneos. Ao longo dos 86 anos de vida, traçou seu compromisso com a arte e com a vida pontuado pelo afeto familiar e por um olhar delicado e encantado para com o mundo ao dizer: Não sou um pintor de grandes temas. Procuro pintar o que está à minha volta. Sou um cara que teve uma profissão, artes plásticas. E ser artista é uma profissão igual às outras.”

Glênio Bianchetti deixou uma obra e uma tradição. Desde o Clube de Gravura de Bagé no Rio Grande do Sul, às aulas na UnB, passando pela ditadura, pela demissão coletiva dos professores, pelo Clube de Gravura de Brasília com Lêda Watson, Glênio produziu uma obra marcada pelo regionalismo e pela identidade cromática. A grande obra sempre é universal, mesmo que retrate o próprio rancho.

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Guerreiro Azulacrílico sobre tela108x51 cm2013

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Pescadoracrílico sobre tela

108x38 cm1974

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Banco com vasoacrílico sobre tela108x38 cm1991

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IIMILTON RIBEIRO

Milton Ribeiro nasceu no Rio de Janeiro em 1922, justo no ano da realização da Semana de Arte Moderna. Aos 18 anos, sofreu os ecos e as influências do movimento modernista que mobilizava

artistas, escritores e pensadores do Brasil. Ao ingressar no curso da Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, procurou seu lugar na vanguarda se posicionando criticamente contra a orientação acadêmica na época.

Participou do salão Os Dissidentes, cujos objetivos transgressores eram evidentes. Recebeu, a partir dessa época, inúmeras menções e medalhas nos salões, inclusive, no Salão Nacional de Arte Moderna. Em 1950, seguiu para Paris, onde frequentou o ateliê de André Lhote, onde aprendeu lições definitivas que influenciaram sua produção pictórica para sempre. Nos anos 1960, veio trabalhar em Brasília, onde se deixou envolver pelo contraste entre as construções monumentais e os barracos improvisados de tábua e de zinco das cidades de apoio. Resultou, daí, uma extensa tela panorâmica – inédita em nossa pintura – que testemunha a imensidão e as cores do planalto central. Talvez em um retorno à infância, ele mergulhou na série magistral O Pequeno Arquiteto, em uma interação adulto e criança, um esplendoroso quebra-cabeça.

Nossa visita ao seu ateliê foi emocionante. O corpo frágil movendo-se lentamente, recuperando-se de um acidente, deslocava-se amparado pela grande sala no 1º andar da casa, que abriga o ateliê, mas a fraqueza física contrastava com a força inteligente e maliciosa do olhar. O olhar do artista é sempre poderoso, não um poder qualquer, mas um poder artístico, criador na sua relação com o mundo, que se dá como forma e manifestação,

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como fenômeno, diria Merlau-Ponty. Com sua esposa Beatriz, que sempre o acompanhava de perto, formaram o casal que nos presenteou com histórias reveladoras de uma memória de nove décadas de existência.

Na casa-ateliê, mais de mil quadros estão guardados e meticulosamente catalogados com a ajuda dos filhos. Os quadros revelam os vários estilos que passaram pela palheta de Milton Ribeiro: figurativo, abstrato, expressionista, impressionista, naturalista. Milton pintava todos os dias. “Sua vida era pintar” diz Beatriz. E ele pintou, meticulosa, disciplinada e desbravadoramente. Adentrando quase todos os territórios ocupados pela arte moderna e suas inúmeras escolas e movimentos, pintou santos, copiou clássicos, reinventou tendências e criou novas trilhas nas encostas da percepção.

No dia de nossa visita, Beatriz emocionou a todos com suas lucidez e inteligência. Entre outras histórias, descreveu o momento em que conheceu Lêda Watson, que lembra o quão grande e fiel companheira de toda a trajetória de Milton Ribeiro Beatriz foi, contribuindo muito para o seu sucesso. “Em uma de nossas visitas, ela me fez voltar no tempo descrevendo uma cena que muito me emocionou. Cursava a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, era colega de minha mãe, Violeta, e aluna do professor Quirino Campofiorito, meu tio e futuro professor. Ao entrar na sala pela mão da minha mãe, Beatriz me conheceu e se encantou com a meninice dos meus nove anos de idade. Foi assim que nos conhecemos”.

Neste Brasília 12 Ateliês, três obras da série O Pequeno Arquiteto estão expostas. Todo o espírito de Milton Ribeiro está ali presente. Na pequena e delicada geometria infantil, onde Mnemósina dança para todos, o mundo da cor se manifesta. As relações são precisas e encantadoras. É possível ficar-se horas apenas descobrindo as oposições, os contraste, os jogos de complementariedade e a harmonia. Quando nos afastamos, a percepção do conjunto nos pega sorrindo sem termos bem certeza do quê.

Como professor da UnB – salve Darcy Ribeiro! – Milton Ribeiro deixou também a obra de um professor ao forjar a sensibilidade de seus alunos. A obra de um professor é a sua sala de aula. Aprendi isso com um grande educador, Milton Cabral Viana. Ela se dilui ao final de cada aula, restam as anotações, os apontamentos e as leituras. Contudo, a obra didática e pedagógica permanece na memória de alguns, marcando suas vidas e sua relação com o conhecimento. A obra pictórica de Milton Ribeiro, por sua vez, constitui uma contribuição inestimável à memória individual e coletiva da arte e de Brasília. Milton Ribeiro faleceu poucos meses depois de nossa visita. Produziu até o fim, enquanto pôde. Deixou uma obra vigorosa e intensa. Sua partida nos deixou menos ricos, mas profundamente agradecidos.

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Pequeno Arquiteto com Circo nº 2óleo sobre tela54x73 cm1986

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Pequeno Arquiteto com Circo nº 5óleo sobre tela

54x73 cm1986

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Pequeno Arquiteto nº 2óleo sobre tela54x73 cm1987

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IIIMILAN DUSEK

O mais importante, diz Milan Dusek, é saber ver, de maneira autêntica, os milagres da existência que nos cercam envolvidos em mistério. A gravura de Milan é extraordinária, assim como suas reflexões sobre

essa técnica: “Minha vida é a de quem é apaixonado pela arte e faz um pouco de tudo, mas a gravura é o mais relevante.” “A gravura em metal tem alguma coisa de mágico. Um simples traço tem um mistério.” “O gravador vive intimamente com a placa de cobre; momentos, ora angustiantes, ora exaltados, nas muitas metamorfoses que ela sofre: pintura e verniz; reações químicas no ácido azulado que lhe conferem cores as mais variadas.” “A um observador casual escapa 90% do drama de uma simples e humilde gravura.”

Milan nasceu em 1924, na então República da Checoslováquia, antigo Reino da Boêmia, atualmente, formada por dois estados independentes, a República Tcheca e a República Eslovaca. Veio para o Brasil em 1939. Aqui, aprendeu os ofícios da arte: o desenho, a escultura, a pintura e a gravura. Estudou escultura com o escultor polonês August Zamoysky e pintura com o artista tcheco Iam Zack. O grande gravador Johnny Friedlaender, convidado para inaugurar o ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, foi mestre de Milan. Despertou sua paixão pela gravura em metal. Lêda Watson, tendo frequentado o ateliê de Friedlaender, em Paris, por quase quatro anos, sabe quanto ele desperta, nos alunos, o amor e a dedicação à gravura.

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Milan trabalhou por longo tempo com artes gráficas fazendo ilustrações para publicidade. Fixando residência em Brasília em 1978, dedicou-se à gravura, à pintura e à escultura. Em solo candango, o artista elegeu temas perenes, que abarcam desde a vegetação distorcida do cerrado até o protesto político sutil. Desenhou, pintou e esculpiu, mas foi na disciplina da gravura que encontrou a máxima identificação. Para ele, o atrito na chapa de cobre e a ação do ácido nítrico no metal são trabalhos alquímicos necessários para que, ao fim do processo, a arte deixe-se imprimir no papel e na alma.

O ateliê de Milan Dusek está montado em sua bela casa com fachada modernista na Península Norte, a qual não deixa entrever que seu interior abriga uma belíssima e significativa coleção de obras do artista. Esculturas, desenhos, gravuras, pinturas, ensaios, experiências e esboços ocupam paredes e espaços decorativos. Estão por toda a casa. Ao fundo, depois de um corredor pelo qual se passa vagarosamente para apreciar todas as obras que estão nas paredes, chega-se ao ateliê de gravura onde uma prensa impera. Todas as etapas pelas quais passa uma gravura antes de ser impressa desembocam na velha senhora: a prensa. É por meio dela que toda a preparação mágica se materializa. É nela que o intuído e o suspeitado se manifestam. É fascinante ouvir Milan Dusek falar sobre a gravura, sobre a pintura. É fascinante ouvir Milan falar sobre arte. Como todo grande artista, Milan Dusek produz arte e conhecimento, as quais nem sempre andam juntas.

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Origami na Florestaóleo sobre tela 90x123 cm2001

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Não corragravura [água-forte]

30x24 cm2001

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A Máscaragravura [água-forte]29,5x18 cm2001

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IVLÊDA WATSON

No início, era a gravura, e a gravura estava à frente da artista, e a gravura era a artista. A Dama da Gravura, feliz definição-elogio de Luiz Costa, chama-se Lêda Watson, que, no auge de suas oito décadas de

existência, continua produzindo e dando aulas. A mesma amorosidade que lança às gravuras está presente, de muitas formas, também em sua relação com os amigos. Este Brasília 12 Ateliês surgiu dessa relação de carinho e de respeito que ela tem para com eles. O eixo que organiza esta realização é o afeto assentado na base histórica e pedagógica construída em conjunto pelos artistas que dele participam. Há, portanto, mérito e afeto organizando todo este trabalho.

Lêda é, em essência, uma gravadora. Sua paixão é a gravura. Ela mantém seus olhos atentos a todas as manifestações artísticas, mas a gravura lhe captura um olhar privilegiado. É na gravura que todo o seu mistério pessoal se define. Há algo docemente genial em seu trabalho. Uma alma que talvez emane de outro lugar, de outro velho mundo que se manifestou nestes trópicos. Neta de espanhóis, descendente de italianos com forte tradição artística, os Campofiorito, foi em casa que ela iniciou sua convivência e seu aprendizado das artes.

Gravuras de Lêda Campofiorito Watson estavam há pouco tempo expostas no Brasília Shopping. Fui à abertura. O que dizer? Emocionante! Há um nome para essa emoção provocada por uma obra de arte: Síndrome de Stendhal. Eu já havia experimentado a sensação em outras ocasiões: na sala de Matisse, no Hermitage; com Picasso, na Oca; na mostra de Shodô, no Masp; nas ruas medievais e nos museus italianos, mais recentemente. Voltei a experimentá-la nessa exposição de Lêda. Os minuciosos elementos formais, a agilidade poética do desenho e a precisa formulação da cor formam um conjunto irretocável que toca a sensibilidade e a alma

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humanamente. Como toda grande obra, não tem função alguma, exceto que, pensando como Niemeyer, talvez a beleza seja uma função. Sou aprendiz de Lêda há quase dois anos. Conhecia suas gravuras, mas nunca tinha visto uma mostra organizada com tantos dos seus trabalhos ao mesmo tempo. Stendhal estava certo ao tentar definir uma emoção que não se define. É bastante senti-la. Daí, aliás, toda a estética, toda a aesthesis, ou a sensibilidade. Os gregos, afinal, sempre têm razão, mesmo estando errados.

Lêda Watson, como todo grande artista, captura a alma das coisas, nestas terras centro-ocidentais principalmente. Ela captura a alma do cerrado que, na obra dessa fluminense de Niterói, encontrou expressão estética rara e peculiarmente poética que redesenha o espírito dessa topologia regional. O mundo inteiro cabe nas nervuras de uma bauínia transcrita pelo ácido para uma placa de cobre. A alquimia da forma tem sua conjunção atemporal nas gravuras de Lêda Watson, uma alquimista da forma.

Diz a lenda – alguns artistas tornam-se lendas ainda em vida – que Lêda graduou-se em Artes Plásticas no Rio de Janeiro, que fez Beaux Arts na Sorbonne e que aprendeu a arte fascinante e misteriosa da gravura, primeiro, na Escolinha de Arte do Brasil, com Orlando da Silva – seguindo conselho da grande amiga Marina Colassanti – e, depois, no Atelier Friedlaender em Paris, durante quatro anos. No entanto, currículos são meras formalidades frias que tentam cercar e definir o indefinível que é a obra do artista. A história de Lêda Watson, assim como a de todos os outros artistas, não cabe, nem em curricula, nem no exíguo espaço deste catálogo. A lenda fala de vendas de tiragens completas de gravura e do convite de uma enigmática e muito charmosa societé dês femmes bibliophiles para ilustrar o livro de contos de Jules Laforgue.

Lêda chegou em Brasília com marido e três filhos, após morar quatro anos em Paris. Montou seu ateliê neste pedaço de chapadão milenar, sobre rochas de milhões de anos onde a visão, esse tipo abençoado de loucura, e o sonho de alguns criaram uma cidade. Lêda espalhou, pelas veias da América, o germe e a alquimia da gravura. Peru, Nicarágua, Costa Rica, Venezuela, Panamá. Em Brasília, criou sua escola, que continua formando gravadores, entre os quais, aprendizes como eu. Criou o Clube da Gravura de Brasília em 1989 e o Museu de Arte de Brasília em 1985. Fez a curadoria da participação brasileira na X Bienal Internacional de Gravura de Valparaiso, no Chile. Deu aulas, aposentou-se como professora. Por insistência dos alunos e para a nossa sorte, voltou a dar aulas. Expôs, produziu, ensinou, escreveu e publicou o livro sobre sua trajetória artística.

Nas horas vagas, continua visitando os ateliês dos amigos apenas para reviver, para atualizar e para reificar a história da arte nestas terras de argila e de granito. Lêda Watson grava a própria e a nossa história sobre a matriz de uma placa de cobre. Como toda arte, produz alguma coisa quase eterna.

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Canto de Cristalgravura[verniz mole e relêvo]61x491979

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O Todo I - Essência da Vidagravura[água forte e relêvo]

76x56 cm1993

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O que se aprende com o amorgravura[água tinta com açúcar e relêvo em placa de madeira entintada]107x70 cm1996

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VBETTY BETTIOL

Em uma tarde de novembro, envoltos na possibilidade de chuva, visitamos Betty Bettiol. A residência, uma ampla construção de 1.300 m2, foi projetada por José Zanine Caldas na segunda metade dos anos

1970 e construída por seu mestre de obras José Araújo. Em um terreno que pertenceu a Jucelino Kubitschek, é um desses monumentos e tesouros que a cidade mantém em recantos pouco conhecidos. Nela, a família Bettiol construiu um santuário artístico, com parte importante da arte brasileira. É um recorte extraordinário, sobre o qual há um catálogo publicado com recursos da Lei de Incentivo à Cultura e considerado memória e aula sobre a Arte do Brasil em suas diversas formas de manifestação: contemporânea, moderna, popular, naif; da arte sacra à profana e do clássico ao lúdico.

No interior dessa casa fundada sobre toras de madeira poderosas, o ateliê de pintura abriga duas grandes mesas sobre as quais trabalha a artista. No lado de fora, no jardim, está o ateliê de gravuras, montado em um vagão de trem restaurado com esse fim. Ali gravamos a entrevista com Betty, sentados em bancos ladeados por janelas que nos traziam a uma história passada e outra ainda em construção.

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Segundo Lêda Watson, o convívio com artistas plásticos desde a infância em São Paulo despertou, na jovem Betty, sensibilidade e potencial artísticos. Para extravasar esse dom, ela começou a estudar gravura em 1977. Desenvolveu o desenho e o belo em suas verdadeiras acepções. Esta primeira fase documenta sua passagem por todos os segredos da gravura, tradicionalmente gravando em cobre e desenvolvendo técnicas como água-tinta e água-forte impressas na prensa manual.

Na década de 1980, Betty deu vazão à geometria buscando o desenho com o auxílio do computador, combinando formas e experimentando cores diferentes em formatos maiores. É desta segunda fase sua série de gravuras com repetição da forma em tratamento cromático por planos e por ângulos diferentes. Ela seguiu a tradição construtivista brasileira que persegue a objetividade sem abandonar o lirismo e a simplicidade.

Precursora da arte digital na cidade, Betty Bettiol começou a experimentar as ferramentas computacionais quando poucos artistas no Brasil falavam sobre isso. Era uma época em que as interfaces gráficas ainda estavam por se desenvolver plenamente. Com elas, Betty desenvolveu desenhos e combinações formais posteriormente gravados em placa de cobre para impressão. Estruturadas como jogos geométricos, as gravuras resultantes desse processo são um verdadeiro divertimento para a percepção. À medida que se observa detalhadamente a maneira como a artista constrói suas imagens, um universo lúdico se revela: o espírito do jogo, do puzzle, em uma interessante lógica combinatória se nos aparece como pura fruição.

As gravuras da artista, desde o processo de criação até a impressão, são fascinantes, e suas últimas pinturas são esplêndidas. Nelas, a geometria e o jogo continuam presentes, mas são, agora, pintura, pigmento, cheiro, cor e matéria, todos os componentes que constituem uma obra única, não reproduzível, sem tiragem, sem provas de estado. Betty Bettiol gravadora e Betty Bettiol pintora estão presentes no Brasília 12 Ateliês.

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Computer Assitedserigrafia50x70 cm1980

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Sem títuloóleo sobre tela

100x200 cm2015

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Computer Assitedserigrafia50x70 cm1980

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VITONINHO DE SOUZA

Década de oitenta. Tapumes. Pinturas. Elas se espalhavam por Brasília: araras, tucanos e melancias estavam nas provisórias vedações de qualquer construção na área central da capital. Arte efêmera?

Antes que as latas de tinta spray espalhassem suas marcas pelos muros da capital, Toninho já marcava o espaço urbano, pictoricamente.

Toninho de Souza define-se como pintor, escultor, muralista, gravador, desenhista, fotógrafo, cenógrafo, poeta e escritor. É, de qualquer forma, é sempre a multiplicidade que define a universalidade, o múltiplo e a unidade; a multiplicidade de formas de expressão e a unidade estética que a organiza. Essa forma universal de expressão é denominada, por Toninho, de Melantucanarismo, desdobramento estético da Melanciacultura criada em 1981. O melantucanarismo incorpora elementos arquetípicos tropicais. Surgiu como manifestação pública na I Bienal de Arte Contemporânea do Distrito Federal de Toninho de Souza, evento formado por dez exposições simultâneas do artista em dez galerias diferentes da cidade, em 1993. “O Melantucanarismo é uma síntese da arte, cabível em qualquer categoria e técnica de expressão artística, mas essa linguagem se preocupa é com o resultado da utilização da cor”. As melancias e as araras tornaram-se ícones e elementos simbólicos; estruturas geométricas que têm, na cor, seu elemento essencial de representação. Essa preocupação com a cor não é casual, faz parte da própria visão e da concepção artística de Toninho.

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Melantucanarismo... Olhando o catálogo de Toninho, é interessante pensar como um mesmo tema pode gerar tantas variações ao longo de anos. Os tucanos continuam lá, ainda que já não mais como antes. Pergunto-me se há algo mais universal e, ao mesmo tempo, regional do que uma melancia. O mais interessante é que a melancia torna-se parte do universo artístico de Toninho porque sua esposa, Vanda, quando grávida, tinha desejo de comer melancia. O futuro pai desenhou melancias de todas as formas, e os desenhos foram premiados no salão Riachuelo de Artes Plásticas. Ele define seu livro-catálogo Melantucanarismo como uma autópsia da carne, do osso e da alma da criatividade com inspiração divina.

Nascido em Riachão das Neves, na Bahia de 1951, chegou a Brasília em uma jardineira, em 1957. Foi morar na Cidade Livre e, depois, na Vila Amauri, logo desapropriada para a criação do Lago Paranoá, o que fez com que ele se tornasse um dos pioneiros da cidade de Sobradinho, para onde a família foi transferida e onde reside desde então, tornando-se uma referência na cidade com seu barracão cultural e com a galeria Van Gogh. Premiado nacional e internacionalmente nos seus mais de 40 anos de carreira, Toninho possui obras em acervos particulares de vários lugares do mundo, da Alemanha à Argentina, passando pelo Canadá e pelo Chile. Esse pintor fez parte do Grupo dos Coloristas de Brasília lançado na Galeria dos Correios por Laís Scuotto.

O peculiar na arte é essa capacidade de transmutar tudo o que toca. O tema costuma ser pretexto para um tipo de manifestação que transcende o mero mundano: um baiano pintando melancias e tucanos é tão universal quanto um italiano pintando deuses barbudos. Tudo está em toda parte e em todo lugar. Que chave oculta é essa que gira quando somos sensibilizados por uma obra de arte? O grande livro, a música inesquecível, o teatro instigante, a pintura.

Toninho de Souza produz sem parar há muitos anos. Dos tapumes, chegou à pintura, à escultura, às experiências com arte volumétrica, à arte digital. Computadores são ferramentas, como lápis e pincéis, porém, manifestas numa outra relação espaço/tempo. O mundo digital agiliza processos em espaços virtuais. Fora isso, sempre será necessário um artista à frente do ecran para produzir arte digital. Toninho de Souza é dos artistas que incorporou o digital ao seu ofício de artista. Ao buscar o desenvolvimento da técnica, abriu novas possibilidades em sua forma de expressão, afinal, a experimentação parece ser a sua bússola estética.

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Agonia interioracrílica sobre tela 130 X 100 cm 1990

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Agonia interior IVacrílica sobre tela

130 X 100 cm 1990

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Agonia interior IIIacrílica sobre tela 130 X 100 cm 1990

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VIILUIZ COSTA

Entra-se no ateliê de Luiz Costa pela biblioteca. O grande ateliê-biblioteca, adequadamente chamado de Casa da Memória da Arte Brasileira, possui um belo acervo de publicações sobre arte latino-americana e

sobre arte em geral. Essa coleção, segundo seu artista proprietário, é a maior, de todo o Centro-Oeste, com foco na arte brasileira. Lá está, entre outras raridades, a edição do livro sobre Victor Meirelles, de 1870, o primeiro livro editado a respeito de um pintor brasileiro. A obra foi planejada no Brasil, mas impressa na Europa. Nessa época, o país não possuía gráficas. Há também catálogos de Raisonée, de Portinari, de Malfatti, de Debret, de Caribé, de Poteiro, de J. Borges, de Bispo do Rosário. Praticamente todos os que foram editados no Brasil. Coleções importantes, arte primitiva, arte naif, pintura europeia, Cézanne, Bonard, Picasso. “Eu foquei na arte brasileira, mas a biblioteca vai andando sozinha”, disse-nos Luiz Costa. A Casa da Memória Brasileira também faz edições próprias, desde um livro em grande formato com capa dura sobre o artista uruguaio Julio Mancebo, até pequenas edições de cadernos de desenhos e uma raridade: as aulas de Torres Garcia. Esse espaço memória vem sendo formado durante anos. Recebe, gratuitamente, escolas, estudantes, curiosos, visitantes de todos os demais tipos, qualquer interessado. “A biblioteca passa conhecimento de graça. Aqui, o coração pulsa; o olho é colorido”, diz ele.

Atrás dessa biblioteca, há uma nascente, a nascente Vida Longa, adotada pelo artista. Depois de breve visita a ela, passamos ao ateliê. Há pinturas de todos os tamanhos, inclusive, aquelas da Família Candanga que, segundo Luiz, são as que lhe pagam as contas. Há também objetos, mas são as pinturas de grande formato que revelam o pintor muralista. Grandes cachalotes e elefantes revelam os atuais percursos pictóricos do artista.

No início de Brasília, Luiz Costa vendia quadros de porta em porta. Levava-os debaixo do braço, misturando poeira vermelha, tinta a óleo e suor. Assim circulava pelos ministérios neste “reino de poeira”, diz ele. Acabou recebendo a alcunha de Luiz Costa, o Pintor dos Candangos. Muito se passou. Hoje, diz Luiz, “não trabalho mais para a barriga. O interessante é trabalhar para a cabeça”. Antes de começar a pintar, trabalhou na galeria

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Oscar Serafico, onde fazia serviços gerais e atendia os clientes. “Fechei a boca, abri bem o sorriso e arregalei os olhos”. Lá, trabalhou por cinco anos. Foi onde começou a pintar. Utilizava o material de pintura que o galerista mantinha em seu depósito. Pintava clandestinamente, depois que a galeria fechava. Todos os grandes passavam por ali. Volpi, Scliar, Inimá. Das conversas e das personagens, chegou-lhe um desejo, que virou necessidade e tornou-se carreira. No início dessa carreira, já vivendo da própria obra, Luiz Costa participou do Grupo dos Coloristas, artistas que se reuniam para falar sobre arte. Formado por Luiz Costa, Omar Franco, Galeno, Toninho de Souza, Anselmo Rodrigues, Zé Maria, o grupo foi lançado em uma exposição na Galeria dos Correios, concebida e administrada por Laís Scuotto, uma espécie de madrinha do grupo.

E a história foi sendo feita. Prêmios na Bulgária, prêmios no Brasil, obras pelo mundo. Pintou murais, painéis; fez afrescos em igrejas. A cor marca seu trabalho até hoje, profundamente. Circunscrita à geometria, a cor ganha contornos de entidade e de pureza na sua pintura, até tornar-se, simplesmente, relação. O individual da cor imiscui-se na composição, gerando dinamismo, assimetria e equilíbrio, os quais, elementos essenciais no conhecimento e no fazer de uma obra de arte, são a matéria-prima da percepção. Quando precisa de dinheiro, pinta São Jorge, Jesus ou São Francisco, sem se esquecer de pedir desculpas aos santos.

Luiz é um contador de histórias, enriquecidas pelo estudo, pelo aprofundamento teórico e pela pesquisa pictórica. O próprio artista se define com uma “base bem construída intelectualmente, por isso, não falta assunto”. Ele analisa uma de suas principais criações: “A pintura brasileira tem o hábito de pintar famílias, por isso, achei um jeito de pintar a família candanga”. Para Luiz, a América do Sul, particularmente, o Brasil, tem forte tradição construtivista em suas representações visuais: Maias, Astecas, Torres Garcia, Volpi, Athos Bulcão, Niemeyer. “Como o homem é produto do meio, ninguém é gerado pelo vento, todo mundo tem pai e mãe, eu não podia dar em outra coisa”. Suas telas em grande formato, em que a geometria e o movimento se encontram, confirmam suas definições: o construtivismo está mesmo presente como estrutura, mas é um toque, ao mesmo tempo regional e universal, que dá força ao seu trabalho tão sedutor. O artista constrói figuras expressivas no interior de uma síntese puramente geométrica.

Toda nossa visita ao ateliê de Luiz Costa foi pontuada pela presença discreta e cuidadosa de Ceicinha, a esposa, um dos pilares que sustentam a vida do artista. Para ele, quem manda no mundo são as mulheres. Ceicinha é peça fundamental na estruturação de sua vida como artista. Para viver da obra, é preciso apoio. Apoiado, amparado e aconchegado nos braços de sua Ceicinha, o artista engendra sua obra.

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Família Candangaóleo sobre tela160x 250cm2011

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Nossa Senhora da Conceiçãoóleo sobre tela

240 x 160cm2012

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Paradão de Ônibusóleo sobre tela160x250cm2011

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VIIIOMAR FRANCO

Omar Moreira Franco, mineiro de Santa Rita de Caldas, recebeu-nos com a metalurgia. A força do fogo, Efesto em sua forja no vulcão. Toda a simbólica do fogo e do metal estavam obviamente presentes, pelo

menos, alegoricamente. Não estávamos nas entranhas do Monte Olimpo, mas em Taguatinga, na metalúrgica Badaruco.

Entre esquadrias para indústrias e outros produtos estruturais, Omar Franco constrói sua obra escultórica. Dobras, cortes e soldas para domar a placa de metal e submetê-la ao desenho e à forma plástica. Omar Franco conta, orgulhosamente, que abandonou carreiras para virar artista. Também recusou propostas de emprego no GDF e na UnB para dedicar-se, exclusivamente, às artes plásticas, inicialmente, com a pintura, depois, com a escultura, na qual parece ter encontrado sua mais exata forma de expressão individual.

Esse escultor começou sua carreira artística como pintor. Em 1990, porém, essa angústia que move e que direciona o verdadeiro artista, a angústia criativa, começou a apontar outras possibilidades e outras necessidades. Uma paixão volumétrica conduziu o artista da pintura à escultura. Foi então que ele passou a frequentar os cursos oferecidos pelo Senai. Estudou metalurgia e processos de corte, de solda, de dobra, de caldeiraria, de calandragem, de fundição. Tudo o que pudesse ser incorporado ao trabalho de formas escultóricas. Desde então, trabalha diariamente na metalurgia. O ateliê em casa é para os desenhos, os esboços e as maquetes.

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O que impressiona na obra de Omar Franco é o desenho. É na linha de conjunção que separa o plano do volume onde o verdadeiro poder do trabalho artístico se manifesta. No embate entre a resistência dos materiais e a imaginação artística, o demiurgo cria mundos. Todos os mundos nascem de embate, de luta e de conquista. Nascem da violência suavizada por uma inteligência criadora.

Omar Franco possui mais de 300 esculturas espalhadas pelas ruas de vários lugares do Brasil, principalmente, no Distrito Federal, esta terra que, como tantos, ele adotou como sua. Hoje, já faz parte do imaginário coletivo da cidade incorporando formas à doce inconsciência urbana. Alguns artistas e suas obras incorporam-se de forma tão absoluta no espaço urbano, que sua identidade se dilui e se espalha pela urbe pontuando o cotidiano de todos nós sem que, conscientemente, percebamos, mas que, ainda assim, todos sentimos. Todas as obras públicas marcam o imaginário de uma cidade. Em Brasília, isso é notório: os azulejos de Athos Bulcão; as esculturas de Ceschiatti, de Bruno Giorgi, de Darlan Rosa, de Toninha do Souza, de Omar Franco são uma parte do inconsciente brasiliense imiscuído na atmosfera do cerrado. Em Brasília, respiramos névoa seca e arte.

O artista afirma que o seu processo criativo se dá na medida das suas referências históricas. “Procuro não deixar as esculturas desamarradas, como um barco solto no cais em véspera de tempestade. Também não me preocupo em surfar nas ondas e nas marolas que a moda exige do artista a cada ano. Não costumo satisfazer o gosto de críticos ou dos curadores de plantão. Prefiro assinar um trabalho pessoal, com uma carga genética própria, no qual posso responder e me reconhecer nele. Busco o seu conteúdo no passado recente e remoto, em que as arquiteturas moderna e barroca se interceptam e refletem o que de mais rico temos na nossa cultura”.

No catálogo de Omar Franco, financiado pelo FAC e publicado em 2008, há uma explicação bastante precisa de Wagner Barja sobre a obra do escultor: “Da predominância horizontal e da profusão de recorte espaciais, surge uma indisfarçável eloquência barroca e dionisíaca, próprias da miscigenação brasileira, onde aparece a contradição que deixa clara a vontade rigorosa e apolínea de forjar o ferro em oposição à leveza da ideia de movimento e de levitação”. A definição é perfeita. Vi, na obra de Omar Franco, justamente Apolo, Dionísio, mas também vi Vulcano, o ferreiro e o ourives; vi o escultor em um Olimpo em Taguatinga Norte.

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Sem títulotiras de aço corten oxidadas310 x130 x70 cm2014

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Sem títuloescultura de aço SAC/COR

190 x75 x60 cm2015

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Sem títulotiras de aço corten oxidadas310 x130x70 cm2014

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IXMARLENE GODOY

O ateliê de Marlene Godoy é quase uma galeria. Quadros de vários artistas, quadros de aprendizes e obras da própria Marlene ocupam grande parte desse espaço. A propriedade está localizada na região

do Altiplano Leste, em uma dessas áreas com espírito rural dentro da área urbana, para onde a artista se mudou com família, tintas e telas. Ali, construiu um espaçoso ateliê-escola onde produz suas obras e dá aulas já há muitos anos.

Marlene Godoy nasceu em Coimbra, Minas Gerais. Estudou do desenho à pintura, atravessando, inevitavelmente, os territórios da aquarela e do guache. Teve professores como Carlos Oswald, Armando Viana, Carlos e Rodolfo Chamberland, Sérgio Campos Melo e Caterina Baratelli. Estudou em Berlin, na Academia de Belas Artes, sob orientação do professor Hann Trier. Expôs no Brasil, na França, nos Estados Unidos, na Itália. É artista e professora desde 1970.

Instigante pintora, ela tem gerado, na encáustica e seus acasos, um contraponto à sua pintura a óleo. Sua técnica tem uma fonte de poder criativo, o próprio material desafiador que incorpora o fogo e mescla a memória do escultor à pintura. Quase por acidente, Marlene Godoy descobriu formas enigmáticas e belas nos resíduos

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da cera. Há ali um serendipismo que apenas a lida diária com o trabalho, o aprimoramento da própria técnica e a intuição do estilo permitem. Anish Kapoor disse, certa vez, que o artista, como está sempre buscando, acaba tropeçando nas coisas, tropeçando em ideias e na natureza mesma da criação.

A artista transita entre a figuração e a abstração, entre o retrato e o mural, como a Via Sacra pintada para a Igreja do Perpétuo Socorro no Lago Sul, obra de temática religiosa e política, cujas cenas têm Brasília como cenário. No entanto, sua obra é mais do que a temática ou a técnica. A aura mística que envolve a artista, apontada por alunos e por amigos e manifesta claramente em sua obra, fundamenta sua relação com o mundo. Não é à toa que lhe chamam de sacerdotisa e maga da arte. Sob a pele da pintora, pulsa uma alma que busca caminhos para a elevação espiritual. Em seu ateliê, essa sensação de magia é clara. Sob a luz seca da alta tarde, os pincéis, os tubos de tinta e o cavalete estão sempre ali, esperando um gesto que os desloque de sua passividade e os introduza no mundo da invenção e da transcendência.

“La pittura è cosa mentale”, teria dito Leonardo da Vinci. Hoje, tanto tempo depois do gênio, a pintura pode ainda sê-lo, mesmo não tendo mais essa necessidade. A mudança dos códigos perceptivos é concomitante à mudança dos modelos de representação, no entanto, em tempos pós-pós-modernos, hipermodernos, cínicos, a-históricos e céticos, nada é mais atual do que a tradição, afinal, Cosmogonia e Cosmologia são sempre avistadas juntas. A pintura, ou a arte como um todo, foi dada como morta muitas vezes, no entanto, ressuscitou mais livre do que nunca. Todas as poéticas lhe foram incorporadas e toda tradição permanece reificada como possibilidade. Marlene Godoy é uma pintora nesse sentido da tradição: tem um pé no clássico, o outro, no moderno. A pintura, uma das grandes damas da arte, continua viva, e Marlene contribui para essa permanência. Por toda parte de seu ateliê, pintura e encáustica, óleo e cera marcam o constante movimento da criação. Que a pintura permaneça e que possa ter muitas faces.

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Placa maciçaencáustica70x50 cm2012

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Placa maciçaencáustica70x50 cm

2012

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Placa maciçaencáustica70x50 cm2012

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XDARLAN ROSA

Darlan nos recebeu em sua casa na 711 sul, tradicional localização de ateliês na cidade. Um pequeno espaço na área externa para esculpir e um computador no primeiro andar, no qual constrói e modela

suas esculturas digitalmente para, posteriormente, materializá-las em alguma metalúrgica. Esculturas e pinturas concebidas e modeladas no mundo virtual e concretizadas em uma metalúrgica ou em uma impressora fine art.

O artista, nascido em Coromandel, Minas Gerais, tem suas esculturas espalhadas pelo mundo. Em Brasília, é possível encontrá-las em vários pontos capitais, como o Memorial JK e o CCBB. Até o momento de nossa entrevista, eram 26 esculturas públicas somente em Brasília e outras em pontos distantes, como Jordânia, Palestina e Alemanha. O artista ganhou o mundo. Criou o Zé Gotinha e o Kuia, este para a campanha de erradicação da pólio em Angola. A convite do Ministério da Cultura da França, criou uma exposição itinerante pelas universidades francesas entre 2006 e 2008.

Na exposição que ora se realiza no Centro Cultural da Caixa, Darlan expõe três esculturas em aço; três formas refinadas de cortar, de dar acabamento, de encaixar e de montar o metal, em uma espécie de teoria do

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equilíbrio que toda a forma artística carrega, quer seja ela bidimensional, quer seja ela tridimensional. Esse equilíbrio é duplo na escultura, pois ela deve sintetizar, ao mesmo tempo, o equilíbrio de natureza estética e o equilíbrio físico, as forças da gravidade em ação. Darlan publicou recentemente uma bela definição da maneira como o escultor vai alcançando o equilíbrio durante a montagem de uma escultura em um movimento de equilibrar forças de objetos que podem pesar toneladas, mas que devem atingir o estado de leveza que nos permite admirá-los.

Darlan Rosa é mestre nesse complexo processo de equilíbrio e de encaixe: “É sempre uma emoção acompanhar o nascimento de uma nova escultura: o projeto digital, o corte e a dobra na metalúrgica e a montagem. Sem dúvida, a montagem é o momento mais precioso. Se houve algum erro na fase de projeto, ela não vai montar. Em esculturas de grande porte, o processo é mais crítico, pois as chapas de aço, além de serem pesadas, dobram e deformam com o próprio peso devido à característica do aço de ter pouca resistência à compressão. É como se a escultura estivesse conspirando para não ser montada. Então, a gente tem de enganá-la fazendo uma montagem simétrica de forma a equilibrar o peso de um lado e outro. Mas quando ela percebe a manobra, ela dobra ou retorce dos dois lados. A partir deste ponto, é preciso muita paciência e manobras, pois ela vai espernear, chiar e tentar lhe arranhar. É mais ou menos como dar banho num gato. Então, é preciso chamar mais operários com macacos hidráulicos e calços para imobilizá-la e continuar a montagem à força. Quando, finalmente, a última peça é colocada, ela funciona como ‘pedra angular’ e distribui todas as forças concorrentes que tencionam o aço. Nesse momento, percebe-se que a estrutura toda se sustenta, tirando, das tensões, a sustentação do peso. Uma tonelada de aço em completa harmonia autônoma e viva. Gosto de pensar que ela, agora, está feliz e relaxada. Ela vai precisar de um tempo para que sua pele adquira um tom bronzeado, resultado do diálogo do metal com chuva, com sol e com oxigênio. Vaidade de mulher! Ela também vai precisar aprender a brincar com as crianças que vão sacudi-la como uma árvore, fazendo todo seu corpo vibrar como gelatina. Aprenderá a dançar na música dos ventos fortes e, acima de tudo, ela vai ter de decidir se continua escultura ou se vira poesia”.

Toda a obras de Darlan Rosa parecem ser uma incessante busca pela poesia. Os desenhos, a arte digital e as esculturas apontam todos para um desfecho poético. Que as divindades da arte protejam os poetas e os escultores.

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Curva 02escultura em aço inox40x78x65 cm2014

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Noveloescultura em aço Cortein

110x200x170cm2014

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Esfera 02escultura em aço inox50cm de diâmetro2014

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XILELO

O ateliê de Lelo, que é também uma escola de arte, fica no condomínio Mansões Itaipu. Uma ampla sala de trabalho marca a primeira impressão. Adentra-se por uma sala de estar onde o impressionante

esqueleto de uma trepadeira domina a cena. Na parede à direita da entrada, está o relógio que se tornou uma espécie de símbolo do Brasília 12 Ateliês. Atualmente, esse espaço acomoda não apenas aulas de pintura, mas também experimentos com fotografia e com gravura, além de uma pequena sala de projeções cinematográficas. Vários artistas e aprendizes frequentam o lugar, o que gera uma diversidade de visões que se espalham pelas paredes e pelo chão. Ao chegarmos para entrevistar o artista, vimos uma enorme tela com um impressionante desenho a lápis do rosto de uma mulher idosa, tipicamente marcado pelas linhas de toda uma vida camponesa. Impressionante.

Lembro-me de ter ido a uma exposição de Lelo no final dos anos 1980. Seu desenho despertou-me a atenção desde o início pelo traço preciso e minucioso para representar e para definir o quase indefinível estado de humanidade. Lelo diz que gosta de gente, por isso, entre outros temas, desenha-as, mas a gente que desenha “é a gente do povo; homens, mulheres e crianças que passam incógnitos pela vida. Rostos e mãos marcados pelo tempo, pela pobreza, pelo duro trabalho”, limita. No entanto, há mais do que retratos de gente em seus

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trabalhos. Há toda a natureza humana ali. A miséria, a doçura, o descaso, o esquecimento e, acima de tudo, pairando como uma nota infinitamente repetida, a arte. Como pensava Nietszche, a arte carrega a nossa única possibilidade de salvação, pois a vida sem ela seria um erro.

O artista tem esse poder de transmutar a matéria grosseira da existência em manifestações sublimes e belas. Um mendigo na rua é uma imagem sempre dolorosa; um mendigo desenhado pelo gesto preciso de um artista é síntese de dor, mas de consciência e de beleza também. O real se dissolve e ressurge transformado no interior da obra de arte. Paul Klee, em Confissão Criadora, de 1920, disse que a arte não reproduz o visível, mas torna visível; a arte é uma parábola da criação. Talvez essa seja uma possível função para a arte. Papel que, nos clássicos alfarrábios kantianos, se nos aparece como uma finalidade sem fim. É possível, contudo, pensar que a arte sirva para transformar a estupidez humana em beleza e em inteligência crítica. Mesmo os indiferentes podem vir a apreciar uma obra de arte; mesmo os ignorantes podem ser tocados pelos dedos misteriosos de um evento artístico. Mais do que nunca, o artista tem uma função propedêutica, para usar uma expressão Baudelaire. Para cumpri-la, deve trabalhar sobre si mesmo e ir além da própria mesquinharia humana, demasiadamente humana.

Voltando aos desenhos de Lelo, é verdade que o tema da pobreza como assunto estético tem sido muito debatido e criticado. Há uma longa discussão sobre a dimensão ética da estética da fome, mas é a banalidade do tema que o torna perigoso. Existe o risco iminente de cair-se na pieguice, na piedade pura e simples. Dependendo de como o artista trata o tema, muito se o define. Lelo, pela maneira gráfica, pela composição cuidadosa, pela cor pensada, vai além da pieguice. Produz uma obra emocionante, artisticamente emocionante e humanamente intensa.

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Figura 02bico de pena sobre papel fotográfico60x49 cm2015

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Figura 03bico de pena sobre papel fotográfico

40x60 cm2015

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Figura 01bico de pena sobre papel fotográfico60x57 cm2015

XIIRICARDO STUMM

Desenhista, pintor e gravador, Ricardo Stumm é, há algum tempo, antes de mais nada, um escultor, no que essa expressão volumétrica tem da mais pura ligação com o desenho. Quando chegamos ao seu

ateliê de escultura, havia um videomaker filmando cenas para um documentário sobre o artista e sua obra. Acho que foi ali que este Brasília 12 Ateliês nasceu.

Ele mantém uma das poucas, senão a única fundição artística de Brasília, a Tacello, que, além de produzir suas próprias peças, presta serviços para outros escultores que precisam fundir seus artefatos. O trabalho no ateliê é complementado por atividades pedagógicas, como workshops regulares sobre a técnica de escultura em cera perdida. Do barro ao bronze, Stumm realiza um trabalho pioneiro em Brasília na fundição de metais e na fundição artística.

Ricardo Stumm, gravador, tem a base de sua formação no desenho. Sua obra escultórica avança e se modifica no sentido de um refinamento formal cada vez mais delicado. Sua última peça, Musa Dual, é uma síntese de anos de trabalho com o volume e o equilíbrio, assim como do desenvolvimento da técnica de aplicação de uma espécie de pele escultórica cada vez mais incorporada ao corpo metálico, uma pele de bronze ou de alumínio. Artistas são criaturas estranhas, que costumam ter uma mente mais estranha ainda, na qual ideias, memórias e aprendizados podem fermentar indefinidamente. Uma das últimas séries de Stumm ficou incubada por mais de 20 anos depois que ele teve a ideia durante um espetáculo teatral. O resultado dessa incubação gerou a série das Musas, que aproxima o artista de um universo feminino feito de tecido e de bronze, de leveza e de movimento.

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O artista aprendeu gravura em Porto Alegre, naquele que é um verdadeiro patrimônio cultural e educacional da cidade, o Ateliê Livre da Prefeitura, um projeto público que recebe estudantes de várias partes do Brasil e que já formou e forma muitos artistas até hoje. Nessa relação com a gravura – técnica com a qual trabalhou por oito anos participando, inclusive, do Clube da Gravura de Brasília, juntamente com Lêda Watson e com Glênio Bianchetti –, o artista identifica os procedimentos que são também do campo da escultura. Em ambas, gravura e escultura, há metal e há volume; em ambas, a produção de uma peça implica, necessariamente, na perfeita compreensão da relação entre o positivo e o negativo. Ele cursou artes gráficas na Paris dos anos 1990 durante quatro anos. Seu cartaz feito para a ONU foi coroado com um prêmio internacional. Passou um ano em Barcelona, quando frequentou um curso de fundição da Escuela Massana com o mestre Joaquin Chabarria, um ceramista com o qual aprendeu os segredos da arte de transformar o metal em forma artística.

A técnica da cera perdida é um longo e fascinante processo de inverter formas negativas e positivas primeiro, com barro, com argila; depois, com silicone; depois, com gesso; finalmente, com a cera derretida, apenas para produzir, após secar, um molde delicado de cera de parafina de aroma entre o mel e a toxina. Ela se apresenta em sua leveza de primícias. Então, uma vez desenhado, modelado, moldado, derretido, endurecido, o molde em cera será levado à fundição, quando novos e complexos procedimentos se desenrolarão até que a escultura em metal apareça. Poeticamente, estamos na forja de Vulcano. A fundição remonta ao mito. É quase uma entidade arquetípica da criação e da essência divina do homem que transmuta a natureza para aproveitar-se de sua poderosa estrutura, que, nesse movimento, deixa de ser natureza, torna-se cultura.

O forno onde as peças são queimadas tem apenas uma prosaica função: derreter a cera que escorre, evapora e se perde, dando nome ao processo: técnica da cera perdida. A cera derretida deixa apenas o vazio, um espaço de formas possíveis. Deve-se perseguir a potência do metal fundido, pois o criador ainda não viu a face verdadeira de sua criatura. Conhece apenas simulacros, seres intermediários. Para conhecê-la, precisará dominar o metal, dominar o bronze, derretê-lo e depositá-lo no espaço generosamente cedido pela cera. O bronze há de esfriar e endurecer. Há que se esperar que tudo dê certo, pois fogo, terra, metal e ar estão envolvidos. Tecnicamente, dominamo-los, mas, eventualmente, ao menor descuido, eles se rebelam. O processo final em que tudo depende de um ação conjunta coordenada e no qual todo trabalho pode ser perdido é definido, entre os membros da confraria dos escultores, como a Egrégora do Fundidores. E o círculo criativo se fecha.

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Reflexãoescultura em alumínio patinado150 x 60 x 120 cm2014

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Musa Dual escultura em alumínio patinado

230 x 65 x 120 cm2015

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Musa Infinitaescultura em bronze175 x 65 x 60 cm2014

Brasília 12Ateliês

Coordenação Geral LuCultural Produções

Curadoria Lêda Watson & Newton Scheufler

Projeto Gráfico e Capa Newton Scheufler

Arte Digital e Tratamento de Imagens Newton Scheufler

Textos Lêda Watson e Newton Scheufler

Revisão Denise Macedo

Projeto Expográfico Grupo Stretch e Newton Scheufler

Montagem Barbosa Lima Produções

Assitente de Montagem Wilton Rodrigues

Produção Executiva LuCultural Produções

Produção Local F2 Entretenimento

Assessoria de Imprensa Bruna K. Marques

Fotografia Sergio Almeida1

Vídeo Godzilla Filmes

Agradecimentos Universidade Católica de Brasília - Equipe do CRTV. Aos artistas e suas famílias, fun-cionários e assistentes por nos receberem sempre tão carinhosamente. Às rodadas de pão de queijo, tortas e outros acepipes; pelos inúmeros cafezinhos. Ao Luiz Nascimento pela paciência e carinho e a todas as participantes do grupo de visitantes: Joana, Helena, Jeane, Angélica, Cristina e Liana, e que nos perdoem aqueles que foram olvidados.

Agradecimento especial Laís Scuotto

[email protected] [email protected] [email protected]

1 Fotografiasdasobrasfornecidaspelosartistas,excetoasobrasdeBettyBettiol,fotosdeSergioAlmeida.

FICHA TÉCNICA DO PROJETO

Lêda

Watson

GlênioBianchetti

MiltonRibeiro

Milan

Dusek

Betty

Betiol

Omar

Franco

Luiz

Costa

Toninho

de

Souza

Lelo

Marlene

Godoy

DarlanRosa

RicardoStumm

Brasília 12

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teliêsB

rasília