10
1 SEMINÁRIO INQUIETAÇÕES SOBRE OS ÓCIOS DA CONTEMPORANEIDADE Universidade de Fortaleza 23 à 25 de novembro de 2011 EDUCAÇÃO PARA O ÓCIO: ENCAMINHAMENTOS SOBRE OS FINS DA ESCOLA CONTEMPORÂNEA. Fabiana Neiva Veloso Brasileiro (PG)*1, José Clerton de Oliveira Martins(PQ) 2, Francisco Antonio Francileudo 3(PG), Marcizo Veimar Cordeiro Viana Filho(PG) 4. (1) Mestre em Psicologia. Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNIFOR. Professora da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. [email protected] (2) Doutor em Psicologia pela Universidad de Barcelona/España; Pós Doutorado/CAPES em Leisure Studies pela Universidad de Deusto/España. Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNIFOR, Fortaleza-CE. [email protected] (3) Mestre em Psicologia pela UNIFOR. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNIFOR, Fortaleza-CE. Professor da Faculdade Católica de Fortaleza. [email protected] (4) Graduado em Filosofia. Mestrando em Psicologia pela UNIFOR. [email protected] Resumo Na estruturação da sociedade atual, contemporânea, o trabalho tem ocupado posição central. Tal fato fez com que os indivíduos desenvolvessem novos modos de vida e comportamentos marcados pela insegurança, pela pressa e carregados de sofrimento psíquico. A escola, neste contexto, parece compactuar com a concepção utilitarista da

Brasileiro Et Al 2011 Educ Ocio

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Ocio

Citation preview

  • 1

    SEMINRIO INQUIETAES SOBRE OS CIOS DA

    CONTEMPORANEIDADE

    Universidade de Fortaleza

    23 25 de novembro de 2011

    EDUCAO PARA O CIO: ENCAMINHAMENTOS SOBRE

    OS FINS DA ESCOLA CONTEMPORNEA.

    Fabiana Neiva Veloso Brasileiro (PG)*1, Jos Clerton de Ol iveira

    Martins(PQ) 2, Francisco Antonio Francileudo 3(PG), Marcizo Veimar

    Cordeiro Viana Filho(PG) 4.

    (1) Mestre em Psicologia. Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Ps-Graduao

    em Psicologia da UNIFOR. Professora da Universidade de Fortaleza - UNIFOR.

    [email protected]

    (2) Doutor em Psicologia pela Universidad de Barcelona/Espaa; Ps Doutorado/CAPES

    em Leisure Studies pela Universidad de Deusto/Espaa. Professor Titular do

    Programa de Ps-Graduao em Psicologia da UNIFOR, Fortaleza-CE.

    [email protected]

    (3) Mestre em Psicologia pela UNIFOR. Doutorando pelo Programa de Ps-Graduao

    em Psicologia da UNIFOR, Fortaleza-CE. Professor da Faculdade Catlica de

    Fortaleza. [email protected]

    (4) Graduado em Filosofia. Mestrando em Psicologia pela UNIFOR.

    [email protected]

    Resumo

    Na estruturao da sociedade atual, contempornea, o trabalho tem ocupado posio

    central. Tal fato fez com que os indivduos desenvolvessem novos modos de vida e

    comportamentos marcados pela insegurana, pela pressa e carregados de sofrimento

    psquico. A escola, neste contexto, parece compactuar com a concepo utilitarista da

  • 2

    educao (Russell, 2002), provendo os indivduos de conhecimento til como mero

    ingrediente de aptido tcnica, preocupada em preparar crianas e jovens para o exerccio

    de uma profisso no futuro e para ter sucesso a qualquer custo atravs do excesso de

    atividades e da sobrecarga de aulas que faz com que o tempo livre dos educandos se torne

    cada vez mais escasso. Ao agir desta forma, ao invs de ensinar a valorizar a si e aos

    outros, ajudando os sujeitos a descobrirem seus talentos, a desenvolver a sua criatividade e

    a respeitar o direito de ser e de ter limites, a escola colabora para que nossas crianas e

    jovens desenvolvam, cada vez mais, comportamentos de medo e de insegurana. Diante do

    exposto, o presente estudo tem por objetivo refletir sobre as possibilidades de uma

    educao para o cio na escola na contemporaneidade. Buscou-se compreender a relao

    entre sociedade contempornea, educao e cio; entender o conceito de cio; descrever a

    forma como a escola se constitui na sociedade contempornea e apontar a proposta de

    educao para o cio desenvolvida por Cuenca (2004) e Puig e Trilla (2004). Utilizou-se

    abordagem metodolgica de natureza qualitativa na perspectiva terica Aquino e Martins

    (2007,2008); Salis (2004,2008); Pinheiro, Rodhen e Martins (2010), Cuenca ( 2003, 2004);

    Puig e Trilla (2004); Csikszentmihalyi (2001), Munn (1980); (Lipovetsky (2004) e Martins

    (2008).

    Palavras-chave: cio. Educao para o cio. Escola. Contemporaneidade

    Abstract

    In the actual societys structure, the work possesses a central position. Such a fact made the

    individuals developed new ways of life and behaviors distinguished by insecurity, haste, and

    overwhelmed by psychic suffering. The school, in this context, seems to agree with this

    utilitarian educations conception (Russell, 2002), providing useful knowledge to the

    individuals as mere ingredient of technical aptitude, having in mind the preparation of the

    children and teenagers to their future profession and to success at any costs trough de

    excess of activities and overload of classes which makes the spare time of the students

    more and more scarce. Acting in this way, instead of teaching to value themselves and the

    others, helping them to discover their own talents, develop their creativity and respect the

    right of have limits, the school helps our children to develop, even more, behaviors of

    insecurity and fear. In face of what was exposed, this study has the objective of ponder about

    the possibilities of an education to the leisure in the school, in the contemporaneousness.

    We tried to understand the relationship between contemporaneousness society, education

    and leisure; understand the concept of leisure; describe the way the school was constituted

    in the contemporaneousness society and pointing out the proposal of an education to the

    leisure developed by Cuenca (2004) and Puig and Trilla (2004). The methodological

    approach used was of qualitative nature, in the theoretical perspective of Aquino and MartinS

  • 3

    (2007, 2008); Salis (2004.2008); Pinheiro, Munn (1980) Rodhen and Martins (2010),

    Cuenca (2003, 2004); Puig and Trilla (2004); Csikszentmihalyi (2001), Munn (1980);

    (Lipovetsky (2004) e Martins (2008).

    Keywords: Leisure. Education to the leisure. School. Contemporaneousness society.

    Introduo

    A sociedade contempornea realiza uma inverso de valores em relao a pocas

    anteriores quando apresenta o trabalho, enquanto atividade que produz lucro e possibilita o

    consumo, como a atividade mais valorizada pelos indivduos. Como afirma Rodhen (2008), o

    estilo de vida contemporneo se caracteriza pelo protagonismo do trabalho. Tal valorizao

    do trabalho provoca novos modos de subjetivao humana marcados pela busca da

    produtividade, pelo consumismo e por novas maneiras de viver o tempo que, por seu turno,

    repercutem tambm na esfera da educao. Segundo Aquino e Martins (2008), a escola

    est profundamente demarcada pelo paradigma da produo industrial, no qual a atividade

    social determinante da configurao social o trabalho.

    Cabe registrar, nestes termos, que na atualidade, a precarizao dos empregos, o

    desemprego persistente e o surgimento de novas tecnologias exigem uma maior

    qualificao para o trabalho e, neste contexto, no que tange educao escolar, foco deste

    estudo, identifica-se uma preocupao acentuada dos pais com o futuro de seus filhos.

    Seguindo esse veio e atendendo a uma demanda social, as escolas preocupam-se, cada

    vez mais, em preparar a criana e o jovem para o exerccio de uma profisso e de um

    trabalho aumentando, de modo significativo, a quantidade de aulas que focam, em geral, um

    conhecimento tcnico, muitas vezes sem significado para o educando.

    Nesses moldes, a educao parece ter uma concepo meramente utilitria que,

    como afirma Russel (2002), ignora as necessidades reais dos sujeitos, se ocupando em

    treinar os indivduos com mero propsito de qualificao profissional, esquecendo, desta

    maneira, dos pensamentos e dos desejos pessoais dos indivduos.

    De acordo com Lipovetsky (2004), em virtude da nfase dada formao com vistas

    ao futuro, observa-se, nas sociedades contemporneas, hipermodernas, a rpida expanso

    do consumidor escolar; o crescimento da indstria das aulas particulares, dos cursos

    extracurriculares e de uma srie de outras atividades com fins de preparar a juventude para

    a vida profissional. No dizer de Aquino e Martins (2007), a sociedade contempornea no

    contempla a orientao para ser/existir num tempo de nada fazer. Desta forma, o tempo

    livre fica cada vez mais reduzido e no se percebe orientao nesse processo para o uso

  • 4

    adequado do tempo de cio; fator de vital importncia para a constituio de um indivduo

    equilibrado.

    importante salientar que o termo cio representava, na Grcia antiga, um valor

    nobre de vida educativa e contemplativa. Conforme Salis (2008) o cio criador praticado no

    perodo arcaico tinha por finalidade ensinar os homens a imitar os deuses (p.11). Com a

    passagem do mundo arcaico para um mundo onde no mais prevalece a celebrao da

    vida, mas sim as relaes econmicas e de conquistas materiais o cio criador

    progressivamente desaparece, dando lugar aquilo que ficou reconhecido, no mundo

    romano, como Negum Otio, o qual nada mais do que a origem da palavra negcio e do

    modo de vida que ficou conhecido como negociante (p. 13).

    Conforme preceitua Pinheiro, Rhoden e Martins (2010), a partir do sculo XIX, tal

    denominao veio adquirindo significaes associadas idia de vadiagem, de

    libertinagem, de tempo desperdiado, de desordem, de improdutividade e, um pouco mais a

    frente, de lazer. Desta feita, na cultura capitalista o cio est relacionado ao gozo de

    prazeres ligados ao consumo desvalorizando-se assim, como possibilidade de

    desenvolvimento pessoal. Aquino e Martins (2007) consideram que, em termos subjetivos, a

    palavra cio sinnimo de ocupao desejada; resultado de livre escolha.

    Entender como os indivduos significam o cio na atualidade, passa pelo

    entendimento de modelos passados que delimitavam distintos nveis de percepo e de

    atuao. Para Aquino e Martins (2007), o cio, nas formas de divertimento moderno est

    completamente colonizado pelo consumo, o que caracteriza uma experincia alienada.

    No contexto atual, nossos jovens embora exigidos no que tange ao desempenho

    profissional, aprofundam esse entendimento, posto que parecem priorizar a televiso, o

    esporte, a cultura, as viagens, a msica, a internet, ou as frias. Neste sentido, deve-se

    estar consciente dos prejuzos que uma poltica econmica centrada no lucro e em

    atividades consumistas esvaziadas de valor, fruto da ausncia de uma educao para a

    utilizao e para escolha de cios positivos pode levar a prticas de cio consideradas

    negativas.

    Tomando como referncia esse contexto, intenta-se refletir sobre alguns

    questionamentos: Que tipo de educao se requer para se ocupar adequadamente o tempo

    disponvel e enfocar a preparao necessria, tcnica e humana diante do futuro numa

    sociedade hipermoderna? Quais as possibilidades de uma educao para o cio na escola

    contempornea?

    Metodologia

  • 5

    As especificidades do objetivo posto sugerem um aprofundamento terico nos temas

    propostos. Desta forma, o estudo tratou de uma investigao de natureza qualitativa que,

    utilizando pesquisa terica, props-se a identificar especificamente nos trabalhos de Aquino

    e Martins (2007); Salis (2004,2008); Cuenca (2003, 2004); Puig e Trilla (2004);

    Csikszentmihalyi (2001), Munn (1980); (Lipovetsky (2004); Pinheiro, Rhoden, & Martins

    (2010), Rodhen (2009) e Martins (2008) aspectos relativos a sociedade contempornea, a

    educao e ao papel da escola neste contexto, o conceito de cio, as especificidades entre

    os conceitos cio e tempo livre, e a proposta de educao para o cio.

    Resultados e Discusso

    Conforme Cuenca (2003; 2004), o cio passa a ser uma realidade acessvel para a

    maior parte dos cidados, mas, o seu verdadeiro acesso no consiste na possibilidade de

    fazer algo com finalidade pr-determinada; requer uma possibilidade de desfrute pessoal

    que somente se consegue atravs de formao pessoal e comunitria.

    O referido autor, ao discutir o cio, distingue-o da noo de tempo livre. Para Munn

    (1980) de acordo com a sua tipologia do tempo social, o tempo livre seria a categoria

    temporal que se refere s aes humanas realizadas sem que ocorra uma necessidade

    externa. O cio, enquanto experincia subjetiva, mais complexo que a realizao de

    alguma atividade especfica ou que a disponibilidade de um tempo livre de obrigaes

    (Rodhen, 2008). A dimenso temporal tratada por Rodhen (2009) como uma condio

    situacional que facilita ou dificulta o cio, no sendo determinante da qualidade da

    experincia. Portanto, no precisamos ter tempo livre para realizar atividades de cio,

    podemos ter experincias de cio no trabalho e em outros ambientes como o escolar.

    A transformao de tempo livre em cio no tarefa espontnea e o modelo de

    geraes passadas no nos servem mais (Cuenca, 2004). Um tipo de cio tem a ver com

    um tipo de educao e, consequentemente, uma maneira de entender a educao

    desenvolve um tipo de cio diferente. cio e educao so essenciais ao desenvolvimento

    humano. Desse modo, a educao formal a base para se ascender ao cio cultural e

    elevar a capacidade para aprender; para nos comunicar e para pensar. A educao formal,

    portanto, incrementa as possibilidades de cio e melhora as possibilidades de satisfao

    vital.

    Para Puig e Trilla (2004), conforme indicao anterior, o tempo livre, condio

    necessria para o cio, mas no suficiente, e o cio, se convertem no objetivo, no motivo da

    interveno pedaggica; pretende-se preparar a pessoa para que viva seu tempo disponvel

    de maneira mais positiva. A escola, em sua atividade curricular, deve ter entre seus

    objetivos abastecer o estudante com um conjunto de recursos culturais que lhes ofeream

  • 6

    possibilidades mais ricas de cio; no entanto, tradicionalmente a escola no se constitui em

    mbito institucional importante do cio infantil, uma vez que o tempo escolar parece estar

    estruturado a partir de uma identificao com o tempo de trabalho dos adultos. Desse modo,

    embora a escola no considere o tempo escolar como tempo livre, em princpio, poderia ter

    como uma de suas finalidades preparar os educandos para um cio rico e criativo.

    A instituio escolar, de forma geral, est mais preocupada com o futuro adulto do

    que com o educando do presente, e mais vinculada necessidade do que liberdade.

    Sendo assim, dedica-se, primeiramente, e com maior preocupao, a preparar crianas e

    jovens para o exerccio de uma profisso no futuro e para ter sucesso a qualquer custo. Ao

    agir desta forma, ao invs de ensinar a valorizar a si e aos outros, ajudando os sujeitos a

    descobrirem seus talentos e a respeitar o direito de ser e de ter limites, a escola colabora

    para que nossas crianas e jovens desenvolvam, cada vez mais, comportamentos de medo,

    de angstia e de insegurana, tornando-se adultos frgeis, isolados e que terminam por no

    saberem ao certo quem so e o que querem (SALIS, 2002,2008).

    Lipovetski (2004) e Salis (2008) consideram que a sociedade atual enfrenta

    problemas socioeducativos nunca antes enfrentados e que em momento algum foram to

    agudos e cadentes como se configuram agora. De um lado, os avanos tcnicos e

    industriais, especialmente os derivados da automao e da informatizao, colocam-nos

    diante da grande necessidade de estudar e resolver o que se far com o tempo livre, como

    tempo de no trabalho, conquistado aps a segunda revoluo industrial. De outro, a crise

    socioeconmica, que abala as estruturas estabelecidas e envolve problemas de

    desemprego, de reorganizao, de ajuste administrativo e de produo; afeta o campo do

    ensino e da educao escolar medida que designa o dever de preparar os indivduos para

    um futuro incerto envolto por tais mudanas.

    Neste sentido, observa-se, na prtica escolar, o aumento do tempo de escolarizao

    obrigatria com o intuito de melhor preparar crianas e jovens para o exerccio de uma

    profisso e tambm uma preocupao maior em como ocupar de forma positiva o tempo

    livre de crianas e de jovens em atividades extracurriculares. De acordo com Cuenca

    (2004), o horizonte educativo entre as dcadas de 60 e 80 se centrava em evitar o mau uso

    do tempo livre, ou seja, na preveno do cio nocivo, da alienao. Para Csikszentmihalyi

    (2001), a maior parte das pessoas, nas sociedades tecnolgicas, ocupa seu tempo livre com

    entretenimento e, na medida em que o cio se converte em produto de consumo, seus

    vnculos com a criatividade desaparecem quase que completamente. O problema que nos

    coloca na atualidade como fazer para no converter uma experincia de cio em produto

    de consumo.

    Puig e Trilla (2004) citam que a crescente quantidade e diversidade de realizaes

    educativas no tempo livre no acompanhada por uma teoria mnima que explique

  • 7

    suficientemente a orientao e o sentido de seu desenvolvimento. No entender destes

    autores, algumas intervenes ou instalaes educativas para o cio vm a ser, entre outras

    coisas, compensaes pedaggicas da expropriao que as crianas sofreram do espao

    urbano, alm das repercusses oriundas das transformaes ocorridas na instituio familiar

    contempornea.

    As instituies pedaggicas para ocupar o tempo livre infantil surgem como forma de

    substituir, de modo parcial, a famlia nesta tarefa e tambm liberar uma parte de tempo de

    no trabalho dos pais (PUIG & TRILLA, 2004). Quanto ao cio, a escola, tradicionalmente,

    no teve papel importante. O tempo escolar seria o equivalente ao tempo de trabalho adulto,

    um tempo que ocorre oposto ao cio e, apenas em certos momentos, como recreios, por

    exemplo, com sentido determinado pela atividade escolar, tm caractersticas prximas s

    da atividade de tempo livre.

    A educao para o cio adquire sentido a partir de um modo de entender o cio

    autotlico e sua educao. Para Cuenca (2004, p.84), o cio uma experincia integral da

    pessoa e um direito fundamental, uma experincia humana completa (direcional e

    multidimensional), centrada em atuaes queridas (livres e satisfatrias), autotlicas (com

    um fim em si mesmas) e pessoais (com implicaes individuais e sociais).

    O papel da educao determinante quando se considera que

    o desfrute e o exerccio do cio, tanto pessoal como comunitrio, no

    dependem somente da disponibilidade de tempo e de recursos,

    dependem, tambm, da percepo e da atitude que se tem sobre si

    mesmo. A experincia de cio no mais que uma possibilidade que se

    faz realidade em funo da percepo de cada um. (CUENCA, 2004,

    p.72)

    Partindo desse modo de entender o cio consideramos que a educao para o cio

    uma rea especfica da educao geral cujo objetivo contribuir para o desenvolvimento,

    a melhora e a satisfao vital das pessoas e das comunidades atravs de conhecimentos,

    de atitudes, de valores e de habilidades relacionadas com o cio. Sendo assim, quando se

    assume o cio como um mbito do desenvolvimento humano, a educao para o cio se

    torna uma necessidade (CUENCA, 2004).

    Tomando por referncia o significado do cio proposta por Cuenca (2002) e

    conhecendo o objetivo bsico da educao para o cio pode-se entender melhor os

    princpios da educao para o cio propostos por Cuenca (2002, 2004) com base nas

    publicaes do Instituto de Estudos de cio e na obra de outros autores reconhecidos neste

    campo de estudo.

    Os princpios determinam e orientam a ao educativa, a partir do marco de

    referncia conceitual, do entendimento de cio autotlico e de educao para o cio, e so

  • 8

    os fundamentos nos quais se apiam as abordagens concretas de aplicao. Dos nove

    princpios ao todo, quatro esto mais relacionados ao conceito de cio, so eles: vivncia,

    liberdade, satisfao e autotelismo. E o outro grupo, de cinco princpios, vincula-se de modo

    mais prximo a referncia educativa: personalizao, continuidade, desenvolvimento,

    incluso e solidariedade. A totalidade dos princpios constitui um conjunto essencial para a

    interveno pedaggica, pois deles derivam as pautas de ao que incidem nos elementos

    de qualquer programa educativo: seus objetivos; seus contedos; sua motivao; sua

    metodologia; suas atividades e sua avaliao.

    Concluso

    Diante do exposto, pode-se concluir, como afirmam Puig e Trilla (2004), que a escola

    no um mbito institucional importante do cio infantil; na realidade, o cio infantil definiu-

    se por oposio atividade escolar, posto que, a instituio escolar, entre todos os aspectos

    formativos do indivduo, tradicionalmente, privilegiou o intelectual. Para Puig e Trilla (2004) e

    Salis (2004), a idia de educao integral uma velha aspirao pedaggica que, na

    prtica, raramente a escola satisfez. A escola, de certa forma, priorizou a dimenso

    intelectual, enquanto a afetividade, a sociabilidade, a sensibilidade, a expresso artstica e

    at a educao fsica, salvo rarssimas excees, tm um papel secundrio.

    O cultivo da criatividade, da espontaneidade, da autonomia pessoal, da expresso e

    da sensibilidade constitui-se num conjunto de valores novos, que esto ideologicamente se

    atualizando e que as instituies educativas convencionais resistiam em satisfazer de forma

    conveniente. Tais valores harmonizar-se-iam em melhor medida, em instituies ou meios

    educativos que tivessem o tempo livre como mbito de atuao e de finalidade.

    A educao para o cio abre possibilidades de melhora, que no se referem

    somente infncia, mas afetam a todas as idades. A considerao de que o que fazemos

    no tempo livre fruto de distintos processos de aprendizagem leva a pensar que o cio

    algo mutante e educvel. Ou seja, a educao para o cio tem sentido no contexto da

    educao integral e total, mas sua especificidade est em orientar o desenvolvimento

    pessoal e social desde o mbito do cio e da vivncia de seus valores (Cuenca, 2004).

    Essa forma de educar (Cuenca, 2004, p. 70) tem a ver com o desenvolvimento de

    conhecimentos desinteressados e aes gratificantes; com a revalorizao do cotidiano e do

    extraordinrio, com a vivncia criativa do tempo, da liberdade, da participao, da

    solidariedade e da comunicao. um processo que se estende ao longo de toda a vida,

    porque a vivncia do cio um processo que deve evoluir conosco, de acordo com nossas

    necessidades, capacidades e experincias. Seu objetivo aumentar nosso potencial

    humano para viver experincias de cio de qualidade.

  • 9

    Puig e Trilla (2004) consideram que educar para o cio preparar a pessoa para que

    ela possa vivenciar o seu tempo livre de maneira positiva, o que pode acontecer tanto no

    tempo livre como fora dele. No que tange escola, difcil neg-la papel significativo na

    educao para o cio, tanto no que diz respeito formao para um bom aproveitamento do

    tempo livre, porque, na instituio escolar, as crianas e os jovens podem viver momentos

    de tempo livre quanto porque, a escola pode preparar seus alunos para aproveitar o tempo

    livre que tm e tero, fora da escola e pode permitir que se manifestem sinais subjetivos e

    pessoais de liberdade e auto-satisfao que, em parte, definem o cio. Este , portanto,

    outro motivo que faz da escola uma instituio que tambm poder colaborar na formao

    para o cio (Puig & Trilla, 2004).

    Referncias

    AQUINO, C. A. B., & MARTINS, J. C. O. cio, lazer e tempo livre na sociedade que centraliza o tempo de trabalho. In M. C. Cuenca, & J. C. O. Martins (org.). cio para viver no sculo XXI. Fortaleza: As Musas, 2008. AQUINO, C. A. B., & MARTINS, J. C. O. cio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho. Revista Mal-estar e Subjetividade, vol 2, 479-500, 2007. PUIG, J. M., & TRILLA, J.. A pedagogia do cio. Porto Alegre: Artmed, 2004. CUENCA, M. C.. La educacion del cio: El modelo de intervencion UD. In C.C. Ayuso. Educacin del cio. Propostas internacionales. Documentos de Estdios de Ocio, 23, (PP. 25-56). Bilbao/ Espanha: Instituto de Estudos de Ocio/ Universidade de Deusto, 2002. CUENCA , M. C. cio Humanista: Dimensiones y manifestaciones actuais del ocio. Documentos de Estudos de Ocio, 16, Bilbao/Espanha: Instituto de Estudos de Ocio/ Universidade de Deusto, 2003. CUENCA, M. C. Pedagogia Del Ocio: modelos y propuestas. Bilbao/Espanha: Universidade de Deusto, 2004. CUENCA, M. C. cio humanista. In. CUENCA, M. C. & MARTINS J. C. (Org.), cio para viver no sculo XXI. (pp. 33-55). Fortaleza: As Musas, 2008. CUENCA, M. C., & MARTINS, J. C. O. cio para viver no sculo XXI. Fortaleza: As Musas, 2008. CSIKSZENTMIHALYI, M. Fluir: Uma psicologia de La felicidad. Barcelona: Kairs, 2001. LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. So Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

  • 10

    MARTINS, J. C. O. Educao para o cio no trabalho: Potencializando sujeitos para a vida. In. CUENCA, M.C. e MARTINS, J.C. (Org.),. cio para viver no sculo XXI. (pp. 219-248). Fortaleza: As Musas, 2008. MUNN F. Psicosociologia del tempo libre: um enfoque crtico. Mxico D.F.: Trilhas, 1980 PINHEIRO, K. F., RHODEN, I., & MARTINS, J. C.O. A experincia de cio na sociedade hipermoderna. Revista Mal-estar e Subjetividade, 4, 1129-1144, 2010. RODHEN, I. O cio como experincia subjetiva: contribuies da psicologia do cio Revista Mal-estar e Subjetividade, vol. IX, nm. 4, diciembre, 2009, pp. 1233-1250

    RODHEN, I. cio construtivo e desenvolvimento humano. In. CUENCA, M.C. e MARTINS, J.C. (Org.),. cio para viver no sculo XXI. (pp. 219-248). Fortaleza: As Musas, 2008. RUSSELL, B.. O elogio ao cio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. SALIS, V. D. Paidia. So Paulo: impresso prpria, 2002. SALIS, V. D. cio criador, trabalho e sade. So Paulo: Editora claridade, 2004. SALIS, V. D. cio: da antiguidade ao culo XXI. In CUENCA, M.C. & MARTINS, J.C. cio para viver no sculo XXI. (pp. 9-32). Fortaleza: As Musas, 2008.