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Bravo! LER, VER E OUVIR “O aperto de mãos parece uma concessão a um costume que antecipa algo fundamental: a exata medida da distância que havemos de manter durante o tempo de nossa estada.” GUILLERMO DAVID (Em Baré – Povo do Rio, vários autores, Edições Sesc) CARTACAPITAL — 13 DE MAIO DE 2015 49 EXPOSIÇÃO A pós dois séculos de contato com o homem branco, os ín- dios Apiaká, originalmente distribuídos pelas margens dos rios Arinos e Juruena, em Mato Grosso, perderam o idioma, o modo de vida tradicional e se miscigenaram. Che- garam a ser considerados extintos em 1957, mas registra-se nos dias de hoje uma população estimada entre 500 e mil indivíduos, que vivem na margem direita do Rio dos Peixes (MT). A me- mória do grupo, evanescida pelas cir- cunstâncias, foi recuperada graças ao fabuloso trabalho do artista francês Hercule Florence, que de 1825 a 1829 percorreu o interior do Brasil a bordo da monumental Expedição Langs- dorff. “O jovem inquieto e apaixonado por viagens criou registros visuais e textuais detalhados e precisos sobre as paisagens, a flora, a fauna e as popu- lações indígenas do Rio de Janeiro à Amazônia”, afirma Glória Kok, que, ao la- do de Francis Melvin Lee, faz a curadoria da exposição O Olhar de Hercule Florence sobre os Índios Brasileiros. “Os homens tatuam o rosto, tatuagem que é sempre a mesma em todos, enquanto a das mulheres é mais simples e uniforme. Além da do rosto, que parece uma dis- tinção tribal, capricham os homens em desenhos do tipo, espalhados pelo pei- to e pelo ventre, em que predominam quadrados e ângulos retos, paralelos entre si.” Dessa forma o artista descre- ve os Apiaká, imortalizados na belíssi- ma aquarela Habitation des Apiacás Sur l’Arinos (abril, 1828), cedida pela Acade- mia de Ciências da Rússia. O olhar de Florence sobre os índios é destituído das marcas do preconceito e da discriminação, explica a curadora, “na contracorrente da elite brasileira e europeia do século XIX, que os julgava como inferiores e o processo de mesti- çagem, como degenerescência. É preciso frisar que ele sempre foi contra a escra- vidão”. A exposição traz desenhos iné- ditos do manuscrito L’Ami des Arts, fac- -símiles do Carnet de Dessins, caderno de no- tas da Expedição Lan- gsdorff, da Bibliothè- que Nationale de Fran- ce, reproduções da Aca- demia de São Peters- burgo, peças do Museu de Arqueologia e Etno- logia da USP, obras do Instituto Hercule Florence e da Biblioteca Brasiliana Gui- ta e José Mindlin, além de fotografias do Instituto Socioambiental. – Ana Ferraz Viajante inquieto HERCULE FLORENCE RETRATOU SEM PRECONCEITOS O BRASIL Habitation des Apiacás Sur l’Arinos, aquarela pintada por Florence em 1828 O OLHAR DE HERCULE FLORENCE SOBRE OS ÍNDIOS BRASILEIROS Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Cidade Universitária, São Paulo. Até 30 de junho COLEÇÃO ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA RÚSSIA •CCBravo849ok.indd 49 07/05/15 18:43

Bravo! · 2020. 6. 21. · Bravo! LER, VER E OUVIR “O aperto de mãos parece uma concessão a um costume que antecipa algo fundamental: a exata medida da distância que havemos

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Page 1: Bravo! · 2020. 6. 21. · Bravo! LER, VER E OUVIR “O aperto de mãos parece uma concessão a um costume que antecipa algo fundamental: a exata medida da distância que havemos

Bravo!L E R , V E R E O U V I R

“O aperto de mãos parece uma concessão a um

costume que antecipa algo fundamental: a exata medida da distância que

havemos de manter durante o tempo de nossa estada.”

G U I L L E R M O D A V I D(Em Baré – Povo do Rio,

vários autores, Edições Sesc)

C A R T A C A P I T A L — 1 3 D E M A I O D E 2 0 1 5 4 9

E X P O S I Ç Ã O

Após dois séculos de contato com o homem branco, os ín-dios Apiaká, originalmente

distribuídos pelas margens dos rios Arinos e Juruena, em Mato Grosso, perderam o idioma, o modo de vida tradicional e se miscigenaram. Che-garam a ser considerados extintos em 1957, mas registra-se nos dias de hoje uma população estimada entre 500 e mil indivíduos, que vivem na margem direita do Rio dos Peixes (MT). A me-mória do grupo, evanescida pelas cir-cunstâncias, foi recuperada graças ao fabuloso trabalho do artista francês Hercule Florence, que de 1825 a 1829 percorreu o interior do Brasil a bordo da monumental Expedição Langs-

dorff. “O jovem inquieto e apaixonado por viagens criou registros visuais e textuais detalhados e precisos sobre as paisagens, a flora, a fauna e as popu-lações indígenas do Rio de Janeiro à Amazônia”, afirma Glória Kok, que, ao la-do de Francis Melvin Lee, faz a curadoria da exposição O Olhar de Hercule Florence sobre os Índios Brasileiros.

“Os homens tatuam o rosto, tatuagem que é sempre a mesma em todos, enquanto a das mulheres é mais simples e uniforme. Além da do rosto, que parece uma dis-tinção tribal, capricham os homens em

desenhos do tipo, espalhados pelo pei-to e pelo ventre, em que predominam quadrados e ângulos retos, paralelos entre si.” Dessa forma o artista descre-ve os Apiaká, imortalizados na belíssi-ma aquarela Habitation des Apiacás Sur l’Arinos (abril, 1828), cedida pela Acade-mia de Ciências da Rússia.

O olhar de Florence sobre os índios é destituído das marcas do preconceito e da discriminação, explica a curadora, “na contracorrente da elite brasileira e europeia do século XIX, que os julgava como inferiores e o processo de mesti-çagem, como degenerescência. É preciso frisar que ele sempre foi contra a escra-vidão”. A exposição traz desenhos iné-ditos do manuscrito L’Ami des Arts, fac-

-símiles do Carnet de Dessins, caderno de no-tas da Expedição Lan-gsdorff, da Bibliothè-que Nationale de Fran-ce, reproduções da Aca-demia de São Peters-burgo, peças do Museu de Arqueologia e Etno-

logia da USP, obras do Instituto Hercule Florence e da Biblioteca Brasiliana Gui-ta e José Mindlin, além de fotografias do Instituto Socioambiental. – Ana Ferraz

Viajante inquietoHERCULE FLORENCE RETRATOU SEM PRECONCEITOS O BRASIL

Habitation des Apiacás Sur l’Arinos, aquarela pintada por Florence em 1828

O OLHAR DE HERCULE FLORENCE SOBRE OS ÍNDIOS BR ASILEIROS

Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Cidade Universitária,

São Paulo. Até 30 de junho

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VIAGEM DO BARROCO AO CLÁSSICO

Concertos OSB. Teatro de Câmara, Cidade das Artes, e Sala Cecília Meireles, RJ. Eliane Coelho. Dias 12 e 13 de maio

Um concerto para quem de-seja viajar no tempo. Assim o diretor artístico da Orques-tra Sinfônica Brasileira, Pablo Castellar, define o programa que Eliane Coelho apresen-ta dias 12 e 13 na Cidade das Artes e na Sala Cecília Meire-les, no Rio de Janeiro, sob re-gência de Lee Mills. A consa-grada soprano carioca, de ex-tensa e reconhecida carreira no exterior, interpreta trechos das óperas L’Orfeu, de Mon-teverdi, Iphigénie en Tauride e Alceste, de Glück, Medeia, de Cherubini, Ah Pérfido!, Ro-mance nº 1 em Sol Maior, Op. 40 e Egmont, de Beethoven, e Idomeneo, K. 366, de Mozart.

“Este concerto nos mostra a extensão dramática criada pelos compositores da ópe-ra barroca até o final do perí-odo clássico. A soprano Elia-ne Coelho cantará uma sele-ção de árias especiais inter-caladas de algumas abertu-ras, fazendo uma costura ex-pressiva de toda a dramatici-dade presente neste repertó-rio”, diz o maestro Mills. – AF

5 0 C A R T A C A P I T A L . C O M . B R

SANFONA E CASTANHOLA

Grupo Luceros Dança Toninho Ferragutti. Teatro Sérgio Cardoso, São Paulo. Dias 15 e 16 de maio

“Depois de tantos anos de pro-fissão toda brincadeira vira coi-sa séria”, diz Toninho Ferragut-ti, virtuose do acordeom, entu-siasta da liberdade proporcio-nada pelo improviso e pródigo compositor que em sua trajetó-ria de 14 anos mescla as raízes rurais às influências do jazz e outros ritmos. Em 2006, quan-do o Grupo Luceros de dança flamenca coreografou a músi-ca Na Sombra da Asa Branca, Ferragutti ficou emocionado. Propôs encontros semanais e da “brincadeira” amadureceu o espetáculo Grupo Luceros Dança Toninho Ferragutti.

A proposta foi mesclar as duas culturas, “achar um ponto de fusão da técnica com nosso tipo de alegria celebrativa”. Os excessos do flamenco foram ti-rados, enquanto compositor e bailarinos (Alessandra Kalaf, André Pimentel e Priscila Gras-si) se permitiram “brincar com a ideia de fundir a dança espa-nhola à música popular brasi-leira”. No palco, o acordeonis-ta é acompanhado por Alexan-dre Ribeiro (clarinete), Roberto Angerosa (percussão) e Zé Ale-xandre (contrabaixo). – AF

AGENDA

Festejado por grupos independentes de todo o País pela ousadia em soluções cênicas e escrita dramatúrgica, o Grupo Espanca!, de Belo Horizonte, comemora dez

anos com turnê de quatro espetáculos por outras capitais. A atriz e diretora Grace Passô deixou o grupo há dois anos para atividade pedagógica em São Paulo e outras colaborações, mas sua verve personalíssima, de familiaridade com lingua-gens surrealistas, pode ser revisitada em Por Elise, na qual atua, assim como em Amores Surdos.

Elise percorreu 27 mostras teatrais e ainda impacta com seu lirismo desatinado, como na figura de um cão que late pala-vras. Amores Surdos aborda o cotidiano de uma família e seus rituais de (in)comunicabilidade, até que um fato inespera-do a obriga a abandonar a “surdez” dos automatismos. A mais recente criação, Dente de Leão, sem Passô, comprova a agilidade do grupo em for-matos compactos de 60 mi-nutos. O universo juvenil e escolar engendra retrato extremamente focado, com aporte de inteligência no sistema coringa de atuações. Sob humor e carinho na visão dos jovens, desenham-se inesperadas contundências. O tema e a habilida-de em conjugar talentos em coletivo fazem recordar o início do grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone. – Alvaro Machado

ESPANCA! 10 ANOS

Marcelo Castro. Sesc Ipiranga (SP). até domingo 17. Sesc Porto

Alegre, de 20 a 23 de maio

INESPERADAS CONTUNDÊNCIASA VERVE DO GRUPO ESPANCA! FAZ DEZ ANOS

S H O W T E A T R O C O N C E R T O

S Ã O P A U L O

Dia 15, no Teatro do Sesc Pompeia,

o clarinetista Nailor Proveta e o violonista Ales-sandro Penezzi apresentam o repertório que

resultou no álbum Velha Amizade.

C U R I T I B A

O artista Sérgio Serena expõe te-

las, desenhos e esboços sobre

os modos de morar em Casas –

Memórias do Olhar, no Centro de Criatividade,

até sexta 22.

Amores Surdos, ninguém fala,

ninguém ouve

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DA

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DA

MEMÓRIA EXTERNA

A Vida Privada dos Hipopóta-mos. Maíra Bühler e Matias Mariani

Em A Vida Privada dos Hipopó-tamos temos um dado concre-to. O americano Christopher Kirk está preso em uma peni-tenciária paulista e conta sua história para a câmera. A partir daí nada mais é razão e certeza no documentário de Maíra Büh-ler e Matias Mariani em cartaz. O racional some sob uma ob-sessão amorosa do protago-nista, um abalo para o técnico de informática habituado à frie-za deste universo. A ponto de preferir entregar seu computa-dor aos realizadores para que recomponham seu drama.

A dupla conheceu o perso-nagem em filme sobre presos estrangeiros. Disposto a aven-turar-se, Kirk viajou à Colômbia para conhecer os hipopótamos do traficante Pablo Escobar. Foi seduzido por misteriosa mulher tratada como V. Seus encantos teriam levado o rapaz ao limite do crime, e Kirk foi de-tido por tráfico de drogas. Tudo um tanto ingênuo e delirante. Mas essa é a proposta. Ao nos envolver na incredulidade de uma novela latina e um tipo há-bil em narrar, pode-se corrobo-rar ou duvidar, como funciona a essência do cinema.  – OM

Se em Vocês, os Vivos o diretor sueco Roy Andersson apontava no título a visão lúgubre a que vinha, com seu novo filme essa percepção se mostra mais ampla

e complexa. Como convém ao fim de uma trilogia, mais bem conduzida por evoluir nas características notórias desde Canções do Segundo Andar, a primeira obra. Um Pombo Pou-sou no Galho Refletindo sobre a Existência, com previsão pa-ra quinta 14, vai além da estranheza peculiar. Há o humor amargo e a narrativa calcada no registro do absurdo, agora a serviço de crítica social mais pertinaz.

O fato de a reflexão começar com três sucessivas e súbitas mortes dá o tom da ideia do realizador sobre a humanidade. Em uma delas, um lanche intocado do moribundo é ofertado a outros fregueses gratuitamente. A trama segue em esque-tes como quadros vivos, artifí-cio irônico à palidez dos perso-nagens, seus gestos robóticos e a assepsia pastel dos ambientes. As situações ora convidam ao ri-so, embora os vendedores de bu-gigangas de horror nunca o es-bocem, ora a um escárnio incômodo, tanto na guerra perdi-da para a Rússia quanto na escravidão imposta pela colônia, diversão da elite que brinda à barbárie. – Orlando Margarido

A HISTÓRIA COMOPROTAGONISTA

Um Sonho Intenso. José Mariani

O documentário Um Sonho Intenso lança luz sobre o pro-cesso multifacetado e contra-ditório da industrialização e do nacional-desenvolvimentismo. Constituído por depoimentos de economistas com visão histórica, foi concebido por José Mariani (PUC-RJ) a partir de “janelas de conhecimento” surgidas na elaboração de dois outros trabalhos sobre cientis-tas brasileiros e o economista Celso Furtado. Um Sonho Intenso abrange o período dos anos 1930, da Grande De-pressão mundial, aniquiladora da economia cafeeira do Brasil, até o momento atual. A pro-dução contribui para desmis-tificar o senso comum sobre o período. Parte da esquerda tem dificuldade de admitir que as principais instituições do Estado foram criadas por Getúlio Vargas, admite o eco-nomista Francisco de Oliveira. Ao comentar as privatizações apresentadas pelos governos Collor e FHC para aumentar a eficiência das empresas, Luiz Gonzaga Belluzzo argumenta que a medida na verdade tinha a ver com o movimento do capi-tal financeiro. – Carlos Drummond

COMÉDIA HUMANAHUMOR AMARGO A SERVIÇO DA CRÍTICA SOCIAL

C I N E M A

UM POMBO POUSOU NO GALHO

REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA

Roy Andersson

C A R T A C A P I T A L — 1 3 D E M A I O D E 2 0 1 5 5 1

Enquanto a elite brinda

à barbárie

B E L O H O R I Z O N T E

A cantora Maria Bethânia apre-

senta dias 8 e 9, no Palácio das Artes, o show

Abraçar e Agra-decer, no qual co-memora 50 anos

de carreira.

P O R T O A L E G R E

Sob regência de Antônio Borges-

-Cunha, a Orquestra de Câmara do Thea-tro São Pedro inicia

comemoração de 30 anos, dias 9 e 10, com a Sinfonia do

Oratório de Páscoa, de Bach.

R I O D E J A N E I R O

A tragicomédia Anti-Nelson Rodri-

gues, escrita por Nelson Rodrigues em 1973, é reen-cenada no CCBB

até o dia 31, sob a direção de Bruce

Gomlevsky.

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Page 4: Bravo! · 2020. 6. 21. · Bravo! LER, VER E OUVIR “O aperto de mãos parece uma concessão a um costume que antecipa algo fundamental: a exata medida da distância que havemos

os Filmes mais premiados • Livraria • Boutique de dvd's ExposiçõEs • Bistrô • Café pain dE franCE

avenida paulista 900 • www.reservacultural.com.Br • 11 3287 3529

um convite para todas as artes!

E S T R E I AE X C L U S I V A

E S T R E I AdE gRAVATA E UnhA VERmELhAUm filme de Miriam Chnaiderman

Melhor documentário Prêmio Félix - Festival do Rio 2014, foi seleção oficial do Festival Mix Brasil e do Cine-Ceará 2014.

E S T R E I A

o EXóTICo hoTEL mARIgoLd 2

Um filme de John Madden

Sequência da comédia inglesa, contando com praticamente todo elenco da versão original

úLTImAS ConVERSASUm filme de Eduardo Coutinho

Entrevistas feitas com jovens estudantes brasileiros pelo cineasta antes de sua morte.

Se há alguma coisa que deu um salto de qualidade na tevê brasileira são as transmissões de futebol, aquelas que

se refugiam nos canais por assinatura, bem entendido. E não estou falando só dos pro-gressos tecnológicos.

Novas gerações de locutores e comentaris-tas entraram em cena, com uma bagagem de informação e conhecimento que contrasta com aquela old school tão confiante na impro-visação e no palpite, quando não da mais so-lerte arrogância. Aquela atitude que também se via em campo vestida de camisa canarinho: nós somos o máximo, os outros são uns joões.

Não, a garotada das ESPNs e assemelhadas habituou-se a fazer a lição de casa, relevando--se até mesmo o eventual didatismo das pran-chetas – enquanto na tevê aberta o modelito Galvão Bueno continua a prevalecer, reiteran-

TORCER E DISTORCERO FUTEBOL NA TEVÊ POR ASSINATURA NÃO ESTÁ MAIS PERDENDO DE GOLEADA PARA O ANTIPROFISSIONALISMO. SÓ HÁ UM PORÉM

do um estilo radiofônico, hiperbólico e eufóri-co, que ecoa a nostalgia azinhavrada da era de um Fiori Gigliotti ou de um Waldir Amaral.

O desconforto que fica para o espectador que ainda pretenda temerariamente confiar na sua própria capacidade de raciocinar é o renitente ranço do jornalista-torcedor, ain-da que ele ocasionalmente tente dissimular sua eventual paixão por tal ou qual time.

A isenção não existe no jornalismo, me-nos ainda numa zona de paixões à flor da pe-le como é o futebol, mas eu me permito tirar

o som quando pressinto, por exemplo, que as firulas de Ney-mar e o tiki-taka do Barcelo-na vão arrancar dos profissio-nais do microfone as mais can-sativas, descabeladas, explíci-tas cenas de tietagem.

TVp o r

N I R L A N D O B E I R Ã O

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Sexo e comida sempre moveram a vi-da e a arte do catalão Josep Joan Bi-gas Luna. Foi esse binômio que in-

seriu seu nome entre os cineastas mais incô-modos e provocadores das últimas décadas.

Nascido em Barcelona, Luna trabalhou co-mo desenhista industrial (fundou, em 1969, o Estudio Gris) e escreveu ficção antes de se aventurar no cinema realizando curtas eró-ticos nos anos 1970. Seu longa de estreia, Ta-tuaje (1976), é um intrincado policial basea-do em livro de Manuel Vázquez Montalbán.

Seu filme seguinte, Bilbao (1978), exibido em Cannes, tornou-o conhecido internacio-nalmente. Convidado a traba-lhar nos Estados Unidos, filmou Reborn (1981), ataque feroz à manipulação religiosa, estrela-do por Dennis Hopper. Em mea-dos dos anos 1980, retirou-se para Tarragona para criar com a mulher uma fazenda orgânica,

onde produziu vinho, presunto e alimentos.Convencido a voltar ao cinema, iniciou com

As Idades de Lulu (1990) a fase mais conheci-da de sua carreira, com sucessos de escânda-lo como Jamón Jamón (que lançou Javier Bar-dem e Penélope Cruz), Ovos de Ouro e A Teta e a Lua, além do discreto e sagaz A Camareira do Titanic. Em todos eles os prazeres da car-ne dão as cartas. Nos últimos anos de vida foi diretor artístico do café El Plata, de Zaragoza, onde produziu espetáculos de cabaré.

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E S T R E I AE X C L U S I V A

E S T R E I AdE gRAVATA E UnhA VERmELhAUm filme de Miriam Chnaiderman

Melhor documentário Prêmio Félix - Festival do Rio 2014, foi seleção oficial do Festival Mix Brasil e do Cine-Ceará 2014.

E S T R E I A

o EXóTICo hoTEL mARIgoLd 2

Um filme de John Madden

Sequência da comédia inglesa, contando com praticamente todo elenco da versão original

úLTImAS ConVERSASUm filme de Eduardo Coutinho

Entrevistas feitas com jovens estudantes brasileiros pelo cineasta antes de sua morte.

D V D

B I L B A O

( 1 9 7 8 )Psicopata (Àngel Jové) apaixona-

-se pela dançarina e prostituta Bilbao (Isabel Pisano) e resolve

sequestrá-la. Exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes, o

filme abriu as portas do cinema internacional para Luna. Qualquer

semelhança com o entrecho de Ata-me, de Almodóvar, talvez não

seja coincidência. JGC

O S O L H O S D A C I D A D E S Ã O M E U S

( 1 9 8 7 )Num cinema de Los Angeles, duas

adolescentes veem um filme de terror, The Mommy, em que um of-talmologista míope (Michael Ler-ner), dominado telepaticamente

pela mãe, mata pessoas em série. O filme dentro do filme mistura--se à história das garotas neste

insólito thriller de terror. JGC

O V O S D E O U R O

( 1 9 9 3 )Engenheiro (Javier Bardem) sonha

construir um edifício em forma de falo. Usa o sexo para tirar

dinheiro das mulheres, como a esposa (Maria de Medeiros), filha de banqueiro, e uma modelo em ascensão (Maribel Verdú). Sátira do machismo espanhol, com Be-

nicio Del Toro em início de carreira, como “o amigo de Miami’. JGC

OS PRAZERES DA CARNEPROVOCADOR INCÔMODO, BIGAS LUNA USOU O EROTISMO EXACERBADO

CONTRA A MANIPULAÇÃO RELIGIOSA E AS CONVENÇÕES SOCIAIS

C D

VOZ LÍMPIDA, SÓLIDO ROTEIRO

Ná e ZéNá Ozzetti Circus

Revelada na cena da van-guarda paulista dos anos 80, no assimétrico Grupo Ru-mo, mentor de uma releitu-ra da canção a partir da ento-ação da fala, Maria Cristina, a Ná Ozzetti, associou ante-riormente sua emissão de so-prano às composições de Zé A

FP

Miguel Wisnik. No disco de estreia, em 1988, dedicou--lhe quatro faixas, e em Esto-pim (2006), outras duas, in-cluída a parceria entre canto-ra e autor, O Tapete. Centra-do no cancioneiro de Wisnik, num espectro amplo de es-colhas e coautorias, de 1978 a 2014, Ná e Zé consolida um songbook, sublinhado pe-la adesão do autor. Ele pavi-menta a maioria das faixas com seu piano medular de in-clinação erudita. E adiciona órgão de tubos às estridên-cias de Alegre Cigarra (com Paulo Neves) e órgão Farfi-sa, o timbre indelével de Jo-vem Guarda, ao enclave Gar-dênias e Hortênsias e Subir Mais, ambas letras do poeta Paulo Leminski.

Nesta faixa, a voz áspe-ra de Wisnik contrasta com a limpidez de Ná, algo que tam-bém ocorre em outros mo-

C A R T A C A P I T A L — 1 3 D E M A I O D E 2 0 1 5 5 3

CALÇADA DA

MEMÓRIAp o r J O S É

G E R A L D O C O U T O

mentos do disco. Como em Tudo Vezes Dois (sabe quan-tas guerras/ e quantas can-ções/ tocam-se no tom de tantos tons?) e na finalista Louvar, sobre poema de Ca-caso, musicado por Cláudio Nucci, sob o nome de Casa de Morar. Reprocessadas do primeiro disco de Ná, a reite-rativa A Olhos Nus e a onírica Orfeu incorporam densida-de e reflexão. O grave cres-tado de Arnaldo Antunes se-dimenta o expressionista No-turno do Mangue (noite he-taira/ vistosa palmeira/ en-galanada/ enjaulada no loda-çal), poema do antropofágico Oswald de Andrade. Fernan-do Pessoa fornece a litania desiludida de Sim, Sei Bem (Sei de sobra/ que nunca te-rei uma obra), contraponto ao pedestal erguido a Wisnik na sólida argamassa do roteiro. – Tárik de Souza

B I L B A O

O S O L H O S D A C I D A D E

O V O S D E O U R O

Sexo e comida, o binômio que moveu o cineasta

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