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Breve Dicionário de Pensadores Cristãos

Breve Dicionário de Pensadores Cristãos · Poderiam ficar de fora os poetas, no-velistas, filósofos de inspiração cristã? E, mais difícil ainda: somente os que chamamos e reco-

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Breve Dicionáriode Pensadores

Cristãos

PEDRO R. SANTIDRIÁN

Breve Dicionáriode Pensadores

Cristãos

EDITORA SANTUÁRIOAparecida-SP

Título original: Diccionario breve de pensadores cristianos© Editorial Verbo Divino, 1991ISBN 84 7151 724 8

Dirigido por:Pedro R. Santidrián

Colaboradoras:Mª del Carmen AstrugaManuela Astruga

DIREÇÃO EDITORIAL: Pe. Flávio Cavalca de Castro, C.Ss.R.Pe. Carlos Eduardo Catalfo, C.Ss.R.

COORDENAÇÃO EDITORIAL: Elizabeth dos Santos ReisTRADUÇÃO: Laura Nair Silveira Duarte

COPIDESQUE: Elizabeth dos Santos ReisCOORDENAÇÃO DE REVISÃO: Maria Isabel de Araújo

REVISÃO:DIAGRAMAÇÃO: Paulo Roberto de Castro Nogueira

CAPA:

Todos os direitos em língua portuguesareservados à EDITORA SANTUÁRIO - 1997

Composição, impressão e acabamento:EDITORA SANTUÁRIO - Rua Padre Claro Monteiro, 342Fone: (012) 565-2140 — 12570-000 — Aparecida-SP.

Ano: 2000 99 98 97Edição: 6 5 4 3 2 1

Apresentação

Este breve dicionário de pensadores cristãosnasce do desejo e da necessidade de colocar nasmãos dos interessados uma informação mínima ebásica sobre os pensadores e escritores cristãoscujas obras tenham chegado até nós. Oferece,portanto, um pouco do que têm sido a reflexão ea criação dos cristãos ao longo da história. Decerta forma, pretende ser algo assim como a his-tória do pensamento cristão, representado por seuspersonagens, obras, formas, estilos etc.

Deve-se levar em conta, entretanto, que nãoqueremos apresentar somente a memória de umpassado que pouco tem a ver conosco. Nãoestamos aqui para desenterrar mortos; acredita-mos que é necessário conhecer o passado paracompreender o presente. A fé dos cristãos não seestabelece em um dia. A fé do presente cria raízesnum passado, numa tradição, que a explica, di-funde e lança para o futuro. Dar lugar ao passa-do, num dicionário, além de uma exigência daverdade, é torná-lo presente e reconhecê-lo comonosso.

A tarefa não é fácil, pois supõe um critérioseletivo. Que autores devem representar a litera-tura cristã? Se começarmos pelo tempo, os anti-gos ou os clássicos? Se tratarmos de assuntos, so-mente os teólogos, juristas, moralistas ou autoresespirituais? Poderiam ficar de fora os poetas, no-velistas, filósofos de inspiração cristã? E, maisdifícil ainda: somente os que chamamos e reco-nhecemos como católicos ou também aqueles queescrevem a partir da fé cristã, mas a interpretamde maneira diferente? Ou melhor: limita-se a li-

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teratura cristã tão-somente aos autores reconhe-cidos como “ortodoxos” ou se incorpora o pensa-mento dos “heterodoxos” e dos reconhecidoscomo hereges? Há lugar, também, para aquelesconsiderados “contrários” ou inimigos do cristia-nismo”? Eles, de fato, explicam muitas reações etendências nascidas sob sua guarda.

O critério escolhido é apresentar, com brevi-dade, aqueles autores e obras que mais têm influ-enciado a vida e o pensamento cristão: filósofos,teólogos, educadores, homens da Igreja, homensda ciência, literatos etc. Incorporamos à correntecatólica os nomes de outras confissões e Igrejas.Mesmo assim, procuramos contornar e enquadraro pensamento cristão dentro das diferentes esco-las que surgiram ao longo do tempo. Destacamosa presença das mulheres escritoras que, ao con-trário do que pode parecer, constituem uma au-têntica presença na Igreja.

Acreditamos, sobretudo, que deveríamos in-corporar ao dicionário os autores atuais. E o fize-mos com amplo critério. Não somente demos lu-gar a novos teólogos, mas também a pensadorese literatos que, apesar de não quererem para si otítulo de “filósofos cristãos” ou “novelistas cris-tãos”, inspiram-se no cristianismo. Do mesmomodo demos lugar a escritores que, consideran-do-se “agnósticos”, ou “não-cristãos”, escreveramcontra a religião cristã. Eles explicam melhor doque ninguém as reações suscitadas pelos cristãos.Pela reprovação ensinam-nos a ver melhor osdefeitos e as virtudes cristãs.

Com a finalidade de tornar mais útil o dicio-nário, confeccionamos dois índices: 1) Índice deautores nele incluídos; 2) Índice temático, quepermite uma visão sinótica de temas e autores.Os índices finais estão acompanhados de umaabundante bibliografia, que completa a que apa-rece ao final de cada autor.

Os autores deste dicionário percebem as lacu-nas e omissões que ele apresenta. Pedem descul-pas e compreensão por isso. A própria brevidadeobrigou-os a cortes, talvez injustos. A mesma

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desculpa e compreensão pedimos pelo julgamen-to de obras e autores que talvez não coincidamcom o julgamento do leitor. A todo momentoestamos dispostos a emendar e corrigir. Anteci-padamente, agradecemos as sugestões que ve-nham a ser propostas nesse sentido.

Não é demais acrescentar que, para enquadraros autores em seu marco histórico ou ideológico,acrescentamos diferentes artigos sobre estilos,correntes de pensamento, de espiritualidade cris-tã, de filosofia, de teologia etc. Desta forma, oleitor poderá ler e interpretar melhor os autores.Por exemplo, as vozes de gnósticos, escolas euniversidades, humanistas, Renascimento,Quietismo, Pietismo, Deísmo, Iluminismo, Mo-dernismo e outras. Remete-se a essas vozes e ou-tras que aparecem dentro do texto, colocando di-ante delas um asterisco (*).

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AAbelardo, Pedro

Abelardo, Pedro (1079-1142)Nasceu em La Pallet (Nantes) e morreu na

abadia de Saint-Marcel. Dialético formidável eteólogo excelente, provocador irresistível em suavida e em sua obra, constante objeto de polêmica.

Ninguém melhor que ele para nos dizer quemera, como era e o que se propôs fazer. Abelardodeixou para nós em Historia calamitatum a traje-tória e o sentido de sua vida e de sua obra. Essejuízo completa-se na correspondência epistolarposterior com Heloísa, a freira que foi sua aman-te e esposa. As declarações de fé, feitas no finalde sua vida, completam a visão que tinha de sipróprio. Do que se conclui que Abelardo, antesde mais nada, quis ser cristão. “Não quero ser fi-lósofo se isso significa estar em conflito com Pau-lo, nem ser Aristóteles se isto me separa de Cris-to”. Porém, um cristão que não renuncia a pensarpor sua conta e que vê, na razão humana, um ins-trumento imprescindível para penetrar nas coisasdivinas e humanas, um cristão que, acertadamen-te ou não, quer ser homem e afirmar-se como tal.

Interpreta-se, pois, a vida de Abelardo a partirda necessidade que ele sentia de investigar a ver-dade e de transmiti-la aos demais. Nada conse-guiu afastá-lo dessa tarefa, que nele ganha senti-do de luta. A luta pela verdade, pela sua verdade.Abelardo foi, primeiro, discípulo de Roscelino ede Guilherme de Champeaux. Mais tarde, discí-pulo de teologia nas aulas de Anselmo de Laon.Polemizou com todos os seus mestres. Depois deensinar em Melun e Corbeil, chegou a Paris ondefez de suas aulas um clamor da multidão (1100).Paris correu atrás dele desde 1114-1118, atraídopor seu magnetismo físico e intelectual: é o mes-tre por excelência. Nem o encontro amoroso com

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Heloísa, nem o desenlace fatal do mesmo — amutilação de sua virilidade pelas mãos de seusadversários dirigidos pelo cônego Fulbert — nemo conseqüente ingresso e retiro na abadia de Saint-Denis foram capazes de deter a carreira magistraldeste homem. “Tão grande multidão — diz-nosdepois da vergonha da mutilação — que não ha-via lugar para albergá-los”.

Os vinte anos seguintes (1118-1138) não fa-zem mais que confirmá-lo. Nem a condenação desua obra De unitate et trinitate divina — queima-da diante de seus olhos em Soissons em 1221 —, nem sua peregrinação pelos mais insuspeitoslugares do norte da França, nem as intrigas deseus inimigos e dos monges foram capazes deabatê-lo. Assim no-lo conta em sua Historiacalamitatum que termina por volta de 1135. Atra-vés de João de *Salisbury — que em 1136 assis-tiu às aulas de Abelardo em Santa Genoveva deParis — sabemos que os quatro últimos anos(1138-1142) foram envolvidos na campanha dedenúncia e condenação posterior promovidas porSão *Bernardo. Este conseguiu reunir treze pro-posições tiradas das obras de Abelardo e que fo-ram condenadas no Concílio de Sens em 1141.Retirado em Cluny, onde Pedro, o Venerável, no-lo apresenta entregue ao estudo e à oração, mor-reu na abadia de Saint Marcel em 1142.

A obra de Abelardo oferece três blocos distin-tos: a) dialética ou lógica; b) teologia; c) moralou ética. Poderíamos apresentar um quarto: mis-celânea, composta por sermões, comentários, car-tas e poemas. Neste grupo encontra-se a obra, nadadesprezível, citada anteriormente como Historiacalamitatum, correspondência com Heloísa, ins-truções às religiosas do Paráclito, as declaraçõesde fé e a Apologia. Em sua obra há uma constan-te: tanto na lógica quanto na teologia revisa, deforma ininterrupta, seu primeiro pensamento.Assim, por exemplo, submete a uma contínuareelaboração sua Dialectica, deixando-nos delatrês redações. O mesmo vale dizer das Questio-nes theologicae. Abelardo seguiu o critério deaprofundar suas próprias teses. O De unitate et

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trinitate divina (1121) se refaz na Theologiachristiana (escrita entre 1123-1124). Ocorre ain-da com Sic et non (1121-1122). As obras de mo-ral aparecem já nos últimos anos: Ethica seu liberdictus “Scito te ipsum” (±1138) e a última, semconcluir: Dialogus inter Philosophum, Iudaeumet Christianum.

— Para Abelardo, a lógica tem por objeto a“proprietas sermonum”, contrariamente àmetafísica, que estuda a “natura rerum”. Interpretaa lógica como “análise lingüística do discurso ci-entífico”.

A maior contribuição de Abelardo à lógica estáem sua concepção dos universais. “Tudo residena propriedade das palavras de ser predicados.Algumas podem ser predicado de uma só coisa;outras, de muitas. Universais são aqueles termosque têm a propriedade lógica de ser predicadosde muitos sujeitos”. Mas Abelardo não se ocupadas “voces” na sua realidade física, e sim do “ser-mo” ou nome enquanto ligado pela mente huma-na com certa função predicativa. A “vox” é cria-ção da natureza, o “sermo” é instituição do ho-mem. O “sermo” tem seu fundamento real en-quanto supõe predicabilidade, referente a umarealidade significada.

— Para Abelardo, a fé no que não se pode en-tender é uma fé puramente verbal, carente de con-teúdo espiritual e humano. A fé, que é um ato devida, é inteligência do que se acredita. Portanto,se a fé não é um empenho cego que pode tambémdirigir-se a preconceitos e erros, deve também sersubmetida ao exame da razão.

— Há uma continuidade entre o mundo darazão e o mundo da fé. Conseqüentemente, asdoutrinas dos filósofos afirmam substancialmen-te o mesmo que se encontra nos dogmas cristãos,ou que os filósofos antigos devem ter sido inspi-rados por Deus como os profetas do Antigo Tes-tamento (AT).

— No âmbito da ética, seu instinto leva-o aoproblema central da moral: o do fundamento damoralidade dos atos. Abelardo parte da distinção

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entre vício e pecado. Não se pode denominar pe-cado à própria vontade ou ao desejo de fazer oque não é lícito, mas ao consentimento que recaisobre a vontade e o desejo. A ação pecaminosanão acrescenta nada à culpa. As proibições damoral cristã que intimam a não fazer isto ou aquilosão entendidas no sentido de que não se deve con-sentir nisto ou naquilo. Com relação ao sujeito, oprincípio determinante do bem e do mal é, pois, aintenção, o consentimento e a consciência (“Co-nhece-te a ti mesmo”). É a chamada ética da in-tenção, da qual Abelardo deduz múltiplas conse-qüências.

A influência de Abelardo foi imensa. No finaldo século XII impôs uma tendência pelo rigor téc-nico e pela explicação exaustiva — inclusive emteologia —, que encontrará sua expressão com-pleta nas sínteses doutrinais do século XIII. Po-der-se-ia dizer que Abelardo impôs um padrãointelectual, do qual já não se pretende derivar.

BIBLIOGRAFIA: Obras teológicas: PL 178; leiam-setambém V. Cousin, Petri Abelardi Opera. Paris 1849-1859,2 vols.; Etica o Conócete a ti mismo. Versão espanhola dePedro R. Santidrián, 1990; E. Gilson, A filosofia na IdadeMédia, 21982, 261-277.

Abércio (séc. II)

*Hinos e cantos.

Adam, Karl (1876-1966)

Teólogo católico alemão de grande influênciana renovação teológica e espiritual do catolicis-mo anterior ao Concílio *Vaticano II. O nome deKarl Adam acompanha o de uma série de teólo-gos que, como *Guardini, P. Lippert na Alema-nha, *Lubac, *Congar, Chenu na França, tratamde apresentar a profundidade e a atualidade docatolicismo. A obra de Karl Adam distingue-sepor sua sábia popularidade, que apresenta, deforma acessível, o mais fundamental do cristia-nismo.

Abércio (séc. II)

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A atividade de Karl Adam esteve dirigida ba-sicamente para o ensino da teologia católica nauniversidade de Tubinga (1919-1949). Muito só-lida, sua obra escrita aparece principalmente emdois livros que fazem dele um clássico impres-cindível: A essência do catolicismo (1924), queganhou repercussão internacional; e Cristo, nos-so irmão (1926). Posteriormente ampliou e com-pletou o tema com um novo estudo sobre JesusCristo (1933) e O Cristo da fé (1954). Tratou tam-bém o tema do ecumenismo: Una Sancta, em sen-tido católico.

Adão de São Vítor (1112-1177)

*Escola de São Vítor.

Adelardo de Bath (séc. XII)

Filósofo e teólogo inglês que tratou de recon-ciliar a doutrina platônica e aristotélica dos uni-versais. Sua doutrina sobre o universal mantémsua originalidade frente a *Abelardo e Roscelino.Para ele, o universal e o particular são idênticos esó se distinguem pela compreensão que temosdeles. Sua doutrina foi exposta na obra De eodemet diverso, onde desenvolve também a teoria dasartes liberais. Traduziu para o latim os Elementosde Euclides e vários escritos árabes sobre aritmé-tica e astronomia.

BIBLIOGRAFIA: N. Abbagnano, Historia de lafilosofía, I, 360-361.

Afraates (séc. IV)

É o primeiro dos padres da Igreja siríaca. Vi-veu na primeira metade do século IV. Dele con-servam-se Demonstrações, mais conhecidas como título de Homilias, compostas entre 337-345.Num total de vinte e duas, as homilias são umaexposição da fé cristã.

Afraates

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Agrippa von Nettesheim(Heinrich Cornelius) (1486-1535)

Um dos personagens mais curiosos e singula-res da época. Seus interesses oscilaram entre acultura clássica, a Reforma e a vinculação aomovimento de Hermann de Wied. Fez tambémuma biografia de Carlos V (1529).

Sua obra principal é De occulta philosophia,de 1531, embora pareça ter sido escrita já em1510. Nela procura estabelecer a mútua relaçãode todas as coisas. Trata-se do conhecimento, ci-ência ou “magia” verdadeira ao alcance somentede uns poucos. Esse conhecimento ou magia ba-seia-se na natureza, na revelação e no sentidomístico da Escritura. Em sua última obra, Deincertitudine (1530), parece ter evoluído para orepúdio à ciência e ao estudo. Para ele a Bíblia éa única fonte de verdade, repelindo a escolásticamedieval, assim como as instituições da Igreja.

BIBLIOGRAFIA: Historia de la filosofía, 5. La filosofíaen el Renacimiento. Século XXI, 126s; C. Agripa, Opera,1550, 2 vols., reeditada em Hildesheim 1966; A. BernárdezTarancón, Enrique Cornelio Agripa, filósofo, astrólogo ycronista de Carlos V, Madrid 1933.

Agostinho, Santo (354-430)

Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, Áfricaromana, hoje Argélia. Seu pai, Patrício, era pa-gão; sua mãe, Mônica, cristã que exerceu sobreele uma constante e decisiva influência. Passousua infância e adolescência entre Tagaste,Madaura e Cartago, entregue aos estudos clássi-cos, sobretudo à gramática e à retórica. Sua traje-tória vital e religiosa — inclusive de seus primei-ros anos até sua conversão em 387 — está magis-tralmente traçada em Confissões.

A leitura de Hortênsio de Cícero — obra hojedesaparecida — deu novo sentido à vida de Agos-tinho. Da gramática passou à investigação filosó-fica, aderindo à seita dos maniqueístas (374). Pas-sou 10 anos em Cartago ensinando retórica e bus-

Agrippa von Nettesheim

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cando a verdade e a felicidade na filosofia, naamizade e nos vícios da carne. Em 383 dirigiu-sea Roma disposto a seguir ali o ensino da retóricacom alunos não tão desobedientes e melhor pre-parados que os de Cartago. Depois de um ano,dirigiu-se a Milão para ensinar oficialmente retó-rica, cargo que lhe havia sido atribuído pelo pre-feito Símaco.

O exemplo e a palavra do bispo Ambrósiopersuadiram-no da verdade do cristianismo, eAgostinho se fez catecúmeno. Ao mesmo tempo,encontra-se com a filosofia neoplatônica e, atra-vés dos livros de Plotino, foi-se desprendendo dassombras e das idéias maniqueístas. Em 386, dei-xa o ensino e retira para Cassicciaco, perto deMilão, para meditar e escrever. Recebe o batismoem 25 de abril de 387.

Convencido de que sua missão era difundir asabedoria cristã em sua pátria, África, volta aTagaste onde é ordenou sacerdote. Em 395 é sa-grado bispo de Hipona. Toda a sua atividade pos-terior foi dirigida a defender e esclarecer os prin-cípios da fé mediante uma investigação da qual aprópria fé é mais o resultado que o pressuposto.

Agostinho, Santo

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Morre enquanto os vândalos invadiam o norte deÁfrica e assediavam a cidade de Hipona.

A obra literária de Agostinho é imensa! Napatrologia do Migne ocupa 15 volumes (PL 32-47). Como é que esse homem, de saúde delicada,chegou a realizar tanto e a escrever tantos livros?Porque, além de umas 225 cartas que nos restamde sua imensa correspondência, e de mais de 500sermões que chegaram até nós, sem contar cercade outros 300 com os Tratados sobre o Evange-lho de João e os Comentários aos Salmos queforam publicados, dispomos de um documentoprecioso que nos dá facilmente uma idéia de suaprodução.

De fato, três ou quatro anos antes de suamorte, Agostinho dedicou-se a revisar, emRetractationes, todas as suas obras e sua corres-pondência. As Retractationes ou Revisiones dãoconta de 93 de um total de 252 livros, uma pro-dução extraordinariamente variada. Todos os as-suntos têm nela sua representação: teologia, filo-sofia, exegese, moral, catequese e, se acaso fossepouco, respostas a toda uma série de perguntasque lhe faziam dos quatro cantos do mundo. To-dos os gêneros se tocam: diálogos, comentáriosou anotações de textos bíblicos, reproduções ouresumos de arquivos recolhidos por ele ou de dis-cussões das quais havia participado, tratados comoregras ou efemérides que, como A Cidade deDeus, foi provocada pelo saque de Roma em 410,convertem-se em obras mestras.

— Dessa imensa obra selecionamos alguns dostemas favoritos de Agostinho:

— “A procura da verdade é tarefa de todo ho-mem; os graus do saber são graus de nossa avali-ação espiritual, que é a conquista de umainterioridade cada vez mais profunda: interiorizar-se para transcender-se. Filosofar é captar a ver-dade no interior, isto é, alcançar o conhecimentoda alma e de Deus. Esse é todo o objeto da filoso-fia: o homem (eu, tu) e Deus” (Solilóquios, I, 7).

— No princípio da interioridade está contidaa prova da existência de Deus. Sabemos que para

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quem julga não há nada melhor do que aqueleque acredita ser o melhor. Existe no homem algosuperior ou melhor do que a razão? Não, absolu-tamente (De libero arbitrio, II, 6-13). Pois bem,se existe algo superior à razão, necessariamenteserá algo que transcende o homem e a razão. Masisto não apenas supera o homem, senão que, aoultrapassá-lo, supera também qualquer outra coi-sa; por isso, o que está além não pode ser mais doque Deus. Isto é, se existe “um ser superior aoespírito, este ser é Deus”. A passagem se faz daexistência real do espírito para a existência do sersuperior, ao espírito que é Deus. Comprovar aexistência de Deus significa adquirir plena cons-ciência da presença da verdade em nosso pensa-mento (autotranscendência).

— “Energia vital, energia sensitiva, energiaintelectiva: isto é a alma unida a seu corpo”, queela faz viver e por meio do qual sente e conheceas coisas corporais. A alma, inferior a Deus, dávida ao que é inferior a ela mesma, isto é, a seucorpo. Que é, então, o homem? “Não é somentecorpo e alma, mas o ser que se compõe de corpoe alma. A alma não é todo o homem, mas a partesuperior dele; o corpo também não é todo o ho-mem, mas a sua parte inferior. Quando a alma e ocorpo estão unidos, dá-se o nome de homem, ter-mo que não perde cada um dos elementos, quan-do se fala deles separadamente” (A Cidade deDeus, XIII, 24,2).

— “Si Deus est, unde malum?”. Esse proble-ma atormentou Agostinho e, a princípio, o fezaceitar a solução biteísta do maniqueísmo, quedepois rechaçou e refutou. O mal não é mais que“corrupção do mundo, da beleza e da ordem na-tural”. Mas a corruptibilidade não é o mal em si,para o que seja necessário um princípio do mal.A natureza má é, pois, a natureza corrompida. Oque não está corrompido é bom; mas, “por maiscorrompida que esteja, é boa enquanto natureza,má enquanto corrompida” (De natura boni, c. 4,6). As coisas, enquanto existem, são um bem. Etodas as coisas que Deus criou, pelo próprio fatode existir, são um bem, mas não absoluto. Por-

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tanto, o mal não é ser, mas deficiência; o mal éprivação, defectus boni. A imitação do ser ine-rente à criatura é a causa de suas doenças e sofri-mentos em geral: mal físico. O mal moral temorigem na concupiscência, não em Deus (De lib.arb., I, 1-13).

— O mal não é, pois, liberdade, mas o mauuso que podemos fazer dela. Deus nos deu liber-dade para que pequemos. O tema da liberdade eda graça, igual ao do mal, preencheu os últimosanos de Agostinho em controvérsia com oracionalismo de Pelágio e do semipelagianismo.Antes da queda, Adão “poderia não pecar”, como“poderia não morrer”. Depois do pecado, a situa-ção mudou, e Adão não pôde, em algum momen-to, não pecar. O resgate foi possível mediante aencarnação do Verbo Divino em Cristo. A graçadivina é, pois, sempre necessária para que o ho-mem permaneça no bem e não faça mau uso desua liberdade. Trata-se da graça atual, a qual im-pulsiona a vontade humana para querer o bem epara cumpri-lo. Com isto, Agostinho nega a li-berdade? Não; a finalidade da graça é poten-cializar a liberdade. A graça é a liberação do li-vre-arbítrio, assim como a iluminação é a liberta-ção da mente. Da mesma forma que o lume dagraça não substitui a razão, a graça não anula aliberdade para fazer o bem, além de liberar o li-vre-arbítrio da possibilidade de fazer o mal.

— Fé e razão não somente não se opõem, comocombinam. No ato da fé, Agostinho distingue trêsmomentos: a preparação da razão, o ato da ade-são à verdade na qual se deve acreditar e a pene-tração racional ou inteligência da verdade acre-ditada. Toda a doutrina e a atitude de Agostinhodiante da fé estão contidas nestas duas sentenças:“intellige ut credas; crede ut intelligas”. Não sig-nificam que com a inteligência ou a razão naturalse obtenha, sem mais nem menos a fé, e sim quea razão se deve dispor à fé com atos racionais:“compreender para crer”. Mas a verdadeira e ple-na inteligência do conteúdo da fé vem dada pelaprópria fé: “crer para poder compreender”.

Agostinho, Santo

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— A última obra de Agostinho, A Cidade deDeus, é uma história sapiencial, uma filosofia ouuma teologia da história. A vida do homem comoindivíduo é dominada por uma alternativa funda-mental: viver segundo a carne ou viver segundoo espírito. A mesma alternativa domina a históriada humanidade, constituída pela luta de duas ci-dades ou reinos: o reino da carne e o reino doespírito, a cidade terrena ou a cidade do diabo,que é a sociedade dos ímpios, e a cidade celestialou cidade de Deus, que é a comunidade dos jus-tos. Toda a história dos homens no tempo é a his-tória destas duas cidades.

Muitos foram os qualificativos atribuídos aAgostinho. Talvez, o que melhor lhe convenha sejao de “campeão”, mas não no sentido usual.Agostinho empreendeu uma árdua batalha difícilde se imaginar em nossos dias, especialmente nocampo do combate teológico contra as heresias.Contra o maniqueísmo primeiro, contra os don-atistas depois; e, por fim, contra o pelagianismo.E no centro dessa batalha está Deus. A melhor tes-temunha desse combate é o livro das Confissões:um itinerário, uma peregrinação tortuosa eatormentada do homem Agostinho em direção aDeus. “Porque nos fizeste, Senhor, para ti, e nossocoração anda sempre inquieto enquanto não setranqüilize e descanse em ti” (Confissões, I, 1).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 32-47; Corpus Scriptorumecclesiasticorum latinorum (CSEL), 12, 25, 28, 33, 34, 36,40, 41-44, 51-53, 57, 58, 60, 63; Obras de san Agustín. Textobilíngüe em latim e castelhano (BAC, 39 volumes); Posidio,Vida de san Agustín, em Obras de san Agustín (BAC, I);Victorino Capánaga, San Agustín, semblanza biográfica;Confesiones. Versão de Pedro R. Santidrián. Madrid 1990.

Alano de Lille (+1203)

*Escolas e universidades.

Alberto Magno, Santo (1206-1280)

Conhecido como Alberto, o Grande ouMagno, e também como “Doctor universalis”.

Alberto Magno, Santo

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Nascido em Lauingen (Suábia), fez seus primei-ros estudos em Pádua, onde conheceu o superiorgeral dos dominicanos, Jordão da Saxônia, porcuja influência entrou na ordem dominicana.Dedicou toda a sua vida ao ensino, primeiro emvários conventos de sua ordem (1228-1245) edepois em Paris, como mestre de teologia. Nesseprimeiro período parisiense teve Santo Tomásde Aquino como discípulo. Em 1248 passou paraa Universidade de Colônia, seguido por SantoTomás. De 1254 a 1257 desempenhou o cargode provincial dos dominicanos, para passar de1258-1260 a ensinar novamente em Colônia.Foi bispo de Ratisbona de 1261 a 1270. Termi-nou seus últimos anos em Colônia, onde morreuem 1280.

Se algum título lhe cabe com justiça é o de“mestre”. Toda a sua vida foi dedicada ao ensinocom aclamação e fama universais. O próprioRoger Bacon, franciscano e professor em Oxford,ainda reconhecendo seus defeitos como docente,diz a respeito dele: “Vale mais que a multidão dehomens de estudo, pois trabalha muito, tem visãoinfinita e por isso soube tirar tantas coisas do oce-ano infinito dos fatos”.

Sintetizando-a contribuição de Alberto Mag-no ao pensamento cristão, poderíamos resumi-lanos seguintes pontos: a) A adoção doperipatetismo por ele e seu discípulo Santo To-más deve ser considerada como uma verdadeirarevolução na história do pensamento ocidental.“A partir do século XIII, será tal a união entre oaristotelismo e o cristianismo que a filosofiaperipatética participará da estabilidade eimutabilidade do dogma” (E. Gilson). b) O méri-to principal de Alberto Magno consiste em ter sidoo primeiro a ver o enorme acréscimo de riquezasque representavam a ciência e a filosofia greco-árabes para os teólogos cristãos. Alberto Magnose impôs um trabalho de assimilação e interpre-tação, e sobretudo de conhecimento, ao qual selançou com veemência. Ao canonizá-lo santo, aIgreja queria justamente glorificar tal veemênciaheróica. c) Dentro das descobertas atribuídas a

Alberto Magno, Santo

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Santo Alberto, a de maior alcance geral continuasendo, sem dúvida, a distinção definitiva que sou-be introduzir entre a filosofia e a teologia. “É cu-rioso que se tenha adotado o costume de citarLutero, Calvino, ou Descartes como os liberta-dores do pensamento, enquanto se consideraAlberto Magno como o “cabeça dos obscurantis-tas da Idade Média” (E. Gilson).

Outro aspecto fundamental em Alberto Mag-no é seu pensamento científico. “Particularmenteno campo da botânica, da zoologia, da mineralo-gia e da alquimia, enriqueceu as noções tradicio-nais com muitas observações próprias. Mais ain-da, a contribuição pessoal de Alberto conseguedar às noções empíricas e causais da ciência tra-dicional uma validade universal. Por isso foi, pre-cisamente, no campo das ciências naturais, queAlberto encontrou, com toda razão, a admiraçãode seus contemporâneos e posteriores até a nossaépoca” (P. Simón, Dic. de filósofos).

Todos esses aspectos de mestre e pesquisadorfundem-se em sua obra escrita, que é, de fato,vastíssima. Ao todo são 21 volumes em fólio daedição de Jammy e 38 em quarto da ediçãoBorgnet. Sua obra está dividida em quatro gran-des blocos:

1) A chamada Summa de creaturis (1245-1250); 2) Commentarii in IV Libros Sententiarumde Pedro Lombardo; 3) Um amplo conjunto detratados sobre as diversas partes da teologia (1250-1270); 4) Uma Summa Theologica que data dofinal de sua vida.

BIBLIOGRAFIA: Opera Omnia. Ed. A. Borgnet. Vivès,Paris 1890-1899, 38 vols.; A. G. Menéndez Reigada, Vidade San Alberto Magno, Doctor de la Iglesia, 1932.

Alcuíno (730-804)

Nasceu em York e recebeu a primeira educa-ção na famosa escola desta cidade, convertida porEgberto, depois da morte de Beda, no principalcentro de educação da Inglaterra, e que se tornoucélebre pela riqueza de sua biblioteca.

Alcuíno

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Diretor da escola de York desde 767, foi cha-mado em 782 a dirigir a escola palatina deAquisgrano, por instância do imperador CarlosMagno. Salvo certas visitas na Inglaterra, foi emAquisgrano que Alcuíno se tornou o principal ins-trumento da organização do ensino. Organizou osestudos da escola intelectual da nobreza e da cor-te. Os últimos anos, passou-os como abade emSão Martinho de Tours. Morreu nesta localidadeem 804.

Alcuíno não foi um pensador original. Suasobras didáticas, escritas em forma de diálogo,baseiam-se, em sua maior parte, em autores ante-riores. Assim, Grammatica foi escrita nos mol-des de Prisciliano, Donato, Isidoro, Beda.Rectorica é uma mera transcrição do tratado Deinventione de Cícero. O mesmo se deve dizer deDialectica, cópia de uma obra pseudo-agostinianasobre as categorias. E assim em outras, como Deanimae ratione, tirado de obras de Santo *Agos-tinho e de *Cassiano.

Mas não há dúvida que Alcuíno foi um mestreimportante e eficaz. Foi o grande impulsor domovimento carolíngio, através de inumeráveisdiscípulos seus como Rábano Mauro. Seu méritoestá em ter sido capaz de organizar o ensino noreino franco e, a partir daí, por toda a Europa.Ordenou seus estudos segundo as sete matériasTrivium (gramática, retórica e dialética) e doQuadrivium (aritmética, geometria, astronomia emúsica), por ele denominadas as sete colunas dasabedoria.

Na história do pensamento, dificilmente sepode passar por alto o trabalho exercido porAlcuíno como pedagogo e como organizador doensino. Seu amor pelo saber e pela ciência leva-ram-no a enriquecer a biblioteca de Tours comcópias de manuscritos que levou de York. Essetrabalho estendeu-se ainda para o aperfeiçoamentodas cópias de manuscritos. Certamente Alcuínoatendeu também à fidelidade e correção dos ma-nuscritos da Bíblia, sendo provável sua revisãoda Vulgata, encomendada pelo imperador, e quese conhece como versão de Alcuíno.

Alcuíno

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Fiel a Santo Agostinho em De ratione animae,define a alma “como espírito intelectual ou raci-onal, sempre em movimento, sempre vivo e ca-paz de boa ou má vontade”. Para ele, Deus é oinefável; sua essência é impossível de se conce-ber e de se expressar. Em Deus tudo se identifica:o ser, a vida, o pensamento, o querer, o agir. E, noentanto, ele é a simplicidade absoluta. O destinomais alto do homem é Deus, que se alcança pelafé, pela esperança e pela caridade, e através dasvirtudes platônicas da prudência, justiça, fortale-za e temperança, que toma do De officiis deCícero.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL; G. F. Brown, Alcuin ofYork, 1908.

Altaner, B. (1885-1958)

*Teologia atual, Panorama da.

Ambrósio, Santo (339-397)

Muitos são os títulos pelos quais se conheceesse padre e homem de Igreja. Sua personalidadedificilmente pode ser enquadrada na de um pen-sador e escritor religioso. Também não é exatodizer que foi somente bispo de Milão ou o pastorque preparou a conversão de Santo Agostinho. EmSanto Ambrósio dá-se a expressão do homem ro-mano, do cristão e do pastor, do político e do pen-sador, que conjuga harmoniosamente as virtudeshumanas e cristãs e dá um elevado sentido à suavida.

Nascido em Trier, cedo o vemos em Roma comsua mãe e a irmã mais velha Marcelina. No ano370, foi promovido governador de Emília-Ligúriacom residência em Milão. Pouco depois foi acla-mado bispo desta cidade por consenso do povo.Em apenas oito dias passou de cidadão sem ba-tismo a bispo de Milão, onde “foi capaz de domi-nar a vida cultural e política de sua época”. A partirdesta data (374) até sua morte, fez-se credor dafama de homem sábio e pastor prudente. Difi-

Ambrósio, Santo

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cilmente podem ser esquecidas as páginas queSanto *Agostinho lhe dedica em Confissões(l, VI, c. 2s) onde o apresenta absorto na leiturae meditação.

Também é conhecida a imagem de SantoAmbrósio como pastor. Em 385-386 negou-se aentregar uma igreja aos arianos. Em 388 enfren-tou o imperador Teodósio por ter castigado umbispo que incendiara uma sinagoga judaica. Em390 impôs ao mesmo Teodósio uma penitênciapública por ter sufocado um motim emTessalônica, massacrando os cidadãos. Essas in-tervenções sem precedentes não impediram sualealdade e sua colaboração com o imperador. Comsua conduta e com seus escritos, Santo Ambrósioantecipa o conceito medieval de imperador cris-tão “filho fiel da Igreja e servidor às ordens deCristo” e, pelo mesmo, submetido ao conselho eaos ditames de seu bispo.

Evidentemente, seu labor pastoral não se es-gota no que poderíamos classificar de faceta po-lítica. Acima dela aparece seu labor literário,musical, epistolar, a serviço direto de sua tarefaepiscopal. Os quatro volumes de suas obras daPL de Migne (14-17) apresentam-nos os diferen-tes aspectos de sua atividade literária: obrasapologéticas, teológicas, morais e tratados céti-cos. Destacam-se, sobretudo, seus sermões e seushinos.

Sua obra apologética é dirigida contra oarianismo. Em suas obras De incarnatione, DeFide ad Gratianum e De Spiritu Sancto adGratianum Augustum tenta convencer o impe-rador Graciano da necessidade de manter umaestrita ortodoxia. Conhecedor profundo do pen-samento antigo, tanto cristão quanto pagão, estáfamiliarizado com as obras de Fílon, de Oríge-nes, de São Basílio de Cesaréia, de Plotino e deCícero.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 14-17; J. Quasten,Patrología, 3, 240-260; Obras de San Ambrosio, tomo I(BAC).

Ambrósio, Santo

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Ames, William (1576-1633)

*Pietistas.

Anacoretismo (séc. II-III)

*Monaquismo.

Anfilóquio de Icônio (séc. IV)

*Jerônimo, São.

Ângela de Foligno (1248-1309)

Santa e mística italiana que depois da mortede seu marido tornou-se terciária franciscana. Écélebre por suas freqüentes visões. O relato dasvisões — ditado pela Santa — é conhecido comoLiber Visionum et Instructionum. O livro de San-ta Ângela de Foligno é um reflexo fiel da primiti-va piedade franciscana. É considerada como umadas grandes mulheres místicas na linha da Santa*Catarina de Sena (1347-1380), Santa Catarinade Gênova (1447-1510) e Santa Catarina de Ricci(1522-1590), todas elas italianas.

Ângela de Mérici (séc. XVI)

*Educadores cristãos.

Ano cristão

*Legenda áurea.

Anselmo de Cantuária, Santo(1033-1109)

Nasceu em Aosta del Piamonte (Itália) e mor-reu em Cantuária (Inglaterra). De nobre famílialombarda, seu pai quis educá-lo para a política,pelo que nunca aprovou sua prematura decisãode tornar-se monge. Recebeu uma excelente edu-

Anselmo de Cantuária, Santo

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cação clássica e teve por mestre um dos melhoreslatinistas de seu tempo. Essa educação clássicalevou-o ao uso preciso das palavras e à necessi-dade da clareza, perfeitamente demonstrada emsua obra.

Em 1060 entrou no monastério beneditino deBec (Normandia) sob a direção do abadeLanfranc. Quando este morreu, Anselmo foi elei-to abade de Bec por sua capacidade intelectual esincera piedade (1078). Foi nomeado arcebispode Cantuária em 1093, onde foi incansável e ín-tegro defensor da independência da Igreja diantedo poder real. Declarado doutor da Igreja em1720.

Santo Anselmo representa a primeira grandeafirmação da investigação da Idade Média. Suasobras ocupam os volumes 158-159 da PL de*Migne. É necessário citar o Monologium, cujoprimeiro título era Exemplum meditandi deratione fidei. O Proslogium, intitulado primitiva-mente Fides quaerens intellectum. Essa obra trazum polêmico apêndice: o Liber Apologeticus con-tra Gaulinonem. Compôs ainda quatro diálogos:De veritate, De libero arbitrio, De casu diaboli,De grammatica. Já em seus últimos anos, escre-veu seu conhecido livro Cur Deus homo, e Deconceptu virginali, De fide Trinitatis,Meditationes etc.

Santo Anselmo passou para a história do pen-samento por seu argumento ontológico ou provaa priori da existência de Deus. Por solicitação dosmonges, escreveu, em 1077, o Monologium, umtratado teológico e, ao mesmo tempo, apologético,que é formado por um conjunto de reflexões so-bre a essência divina e que conduzem a uma de-monstração da existência de Deus. O bem, a ver-dade, a beleza subsistem independentemente dascoisas particulares, e não somente nelas. Há mui-tas coisas boas por sua bondade e beleza intrínse-ca, mas pressupõem um bem absoluto, que é suamedida e paradigma; esse bem supremo é Deus.Portanto, o sumo bem, o sumo ser, a supremabeleza, tudo o que no mundo tem verdade e valor

Anselmo de Cantuária, Santo

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coincidem em Deus. O Monologium desenvolveuma argumentação cosmológica, que vai do par-ticular ao universal e do universal a Deus.

O Proslogium, no entanto, estabelece uma ar-gumentação ontológica; parte do próprio concei-to de Deus para demonstrar sua existência. Deusé o ser mais perfeito que se possa imaginar: “quomaius cogitari nequit”. Pois bem, se Deus é omaior ou o mais perfeito ser que se possa imagi-nar, ele existe. Até o néscio deve admitir que oser, a respeito do qual nada maior se pode pensar,existe no entendimento, embora não exista na re-alidade. Porém, não pode existir somente no en-tendimento, já que se não existisse na realidade,não seria o maior que se pudesse imaginar. Exis-te, pois, no entendimento e na realidade. Tal ar-gumento fundamenta-se em que o que existe narealidade é “maior” ou mais perfeito que o queexiste somente no entendimento (Prosl. 2).

— A atitude de Santo Anselmo diante da fé eda razão está expressa nesta frase: “Credo utintelligam”. A fé é ponto de partida para a pes-quisa racional ou filosófica. Não se pode enten-der nada se não se tem fé. Mas só a fé não basta;é necessário confirmá-la e demonstrá-la. A fé pro-cura a luz da razão: “Fides quaerens intellectum”.Há um acordo essencial e intrínseco entre fé erazão.

— “As teses de Santo Anselmo não constitu-em uma teologia nem uma filosofia completa, massondam profundamente os problemas que tocame oferecem um primeiro exemplo da exploraçãoracional do dogma, que as teologias denomina-das escolásticas desenvolveram logo depois... Oque falta nesta doutrina, de pensamento tão fortee de tão firme expressão, é uma filosofia da natu-reza suficientemente densa para equilibrar o es-tonteante virtuosismo dialético de seu autor” (E.Gilson, o. c., I, 235).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 158-159; Ed. Schmit,Roma-Londres 1938-1951, 5 vols.; E. Gilson, A filosofia naIdade Média, 226-236; Obras completas de san Anselmo(BAC), 1952-1953, 2 vols.

Anselmo de Cantuária, Santo

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Anselmo de Laon (c.1117)

*Abelardo, Pedro.

Antão, Abade, Santo (c. 251-356)

*Atanásio, Santo; *Monaquismo.

Antoniano, Sílvio (séc. XVI)

*Educadores cristãos.

Antonino, Santo (1389-1459)

Frade dominicano que governou vários con-ventos da ordem, tratando de impor a observân-cia e a austeridade primitivas. Foi nomeado arce-bispo de Florença em 1446. Homem de governo,foi conselheiro de papas e de políticos.

Santo Antonino é um dos grandes mestres damoral. Sua obra Summa, conhecida como SummaAntonina, é um importante texto da “moral paraconfessores” dentro do que se conhece na histó-ria da moral como *Moral casuística. Passou àhistória da moral como o defensor do interessegerado pelo capital. Sustenta que o dinheiro in-vestido num negócio é verdadeiro capital. Não éportanto imoral — nem usura — ter interesse porele.

Apeles de Laodicéia (310-390)

*Gnósticos.

Apocalipse, Livro do (séc. I)

É o último livro do Novo Testamento (NT).Conhecido também como Apocalipse de João oulivro da revelação, pois esse é o significado dapalavra apocalipse (ver Apocalíptico). Tambémé o único livro do NT pertencente ao gênero lite-rário conhecido como apocalipse ou apocalíptico.

Anselmo de Laon

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Em Ap 1,9, o autor denomina-se a si mesmoJoão, exilado, no momento em que escreve, nailha de Patmos, por sua fé em Cristo. Uma tradi-ção muito difundida já nos finais do século II iden-tifica esse autor com o apóstolo João, o discípuloamado de Cristo e autor do quarto evangelho. Noentanto, diferenças de linguagem, de estilo e depontos de vista teológicos — apesar do parentes-co com os demais escritos joaninos — tornamdifícil assegurar que o livro em questão seja domesmo João. Atualmente se atribui a algum (oualguns) do círculo do apóstolo, fortemente im-pregnado pelo seu ensinamento. Com relação àsua canonicidade, não há nenhuma dúvida. O maisdifícil tem sido determinar a data de sua compo-sição. Admite-se comumente que foi compostodurante o reinado de Domiciano, por volta de 95.Outros, ao contrário, acreditam que algumas par-tes foram redigidas já em tempos de Nero, poucoantes do ano 70.

De qualquer forma, para compreender devi-damente o Apocalipse é indispensável levar emconta o período de perturbação e perseguiçõesviolentas contra os cristãos na metade do séculoI. Assim como nos textos apocalípticos do Anti-go Testamento (AT), o Apocalipse de João é umlivro destinado a levantar e afiançar a moral doscristãos, escandalizados sem dúvida de que sepudesse desencadear uma perseguição tão violentacontra a Igreja. Os fiéis, no entanto, serão preser-vados na espera de gozar do triunfo no céu. Os c.4-22 são uma série de visões, alegorias e símbo-los dos males que se avizinham, mas tambémsobre a derrota de Satanás e o estabelecimentodefinitivo do reino celeste, na felicidade perfeita,depois de a morte ter sido aniquilada. Em panode fundo, aparece a nova Jerusalém, a cidadeperfeita.

Os autores distinguem dois planos na compre-ensão deste livro sempre difícil. Em primeiro lu-gar, está o plano ou significação histórica, queacabamos de delinear; depois, o plano superior,cujo alcance supera os limites de uma situação

Apocalipse, Livro do

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passageira como a perseguição dos imperadores.Acima de tudo, encontra-se a promessa e a pre-sença de Deus que significa proteção contra osinimigos para alcançar a salvação. Agora, maisdo que nunca, Deus está presente em seu Filho.Desta maneira, o Apocalipse converte-se na gran-de epopéia da esperança cristã, o canto triunfalda Igreja perseguida. Cristo é, certamente, a per-sonagem central do Apocalipse, no qual estãodepositadas todas as esperanças dos fiéis.

Embora esse significado global fosse pronta-mente percebido pela Igreja, o texto do Apocalipseapresenta-se como verdadeira “crux interpretum”.A parte essencialmente profética, c. 4-22, é com-posta por dois Apocalipses diferentes, escritospelo mesmo autor, ou por diferentes autores, edepois fundidos num mesmo texto por outra mão.Isto torna difícil sua recomposição e sua inter-pretação.

BIBLIOGRAFIA: X. Léon-Dufour, Vocabulário deteologia bíblica. Ed. Vozes, 1972.Conceptos fundamentalesde la teología. Madrid 21979, 2 vols.; Diccionario Teológicodel NT, Salamanca 21978, 4 vols.

Apocalíptico

Gênero literário-religioso muito cultivado naliteratura judaica e cristã entre os séculos II a.C.e II d.C. O gênero apocalíptico tem como finali-dade incentivar os grupos religiosos que sofremperseguição ou a pressão cultural do ambiente.Como seu nome indica — apocalipse significarevelação —, esse tipo de literatura descreve,numa linguagem enigmática que somente a en-tendem os que crêem, a intervenção repentina edramática de Deus na história em favor de seusescolhidos. Acompanhando ou anunciando a in-tervenção dramática de Deus na história da hu-manidade, sucedem-se cataclismos de proporçõescósmicas, como, por exemplo, o poder temporalde Satanás sobre o mundo, sinais no céu, perse-guições, guerras, fome e pragas.

A literatura apocalíptica caracteriza-se sobre-

Apocalíptico

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tudo por sua insistência no futuro de fatos como:a) a derrota do mal; b) a vinda do Messias; c) oestabelecimento do Reino de Deus; d) o adventoda paz e da justiça eterna; e) o castigo dos maus,enviados ao inferno, e o prêmio dos escolhidos,reinando com Deus ou com o Messias num novocéu e numa nova terra.

Esse tipo de literatura é encontrado tanto noslivros canônicos da Bíblia do Antigo e do NovoTestamento quanto nos apócrifos. Exemplos deliteratura apocalíptica canônica no AT são: Is 24-27; Dn 7-12; Jl 3-4; Zc 9-14. Do NT temos pas-sagens de Mt 24-25; Mc 13; Lc 21. E, fundamen-talmente, o Apocalipse ou Revelação de São João,último livro, com que se encerra o NT. Com rela-ção aos textos apocalípticos apócrifos, diremosque se trata de livros pseudônimos, isto é, que seatribuem a grandes personagens do passado. En-tre eles citam-se o Apocalipse de Henoc, de Baruc,o IV Livro de Esdras, a Assunção de Moisés, oLivro dos Jubileus e o Testamento dos Doze Pa-triarcas. Dos apócrifos do NT podem ser citadoso Apocalipse de Pedro, os Atos de Paulo etc.

Ainda que a literatura apocalíptica floresçaentre o ano 200 a.C. e 200 d.C., no marco judai-co-cristão, encontramo-la também em outras cul-turas e religiões como no zoroastrismo (600 a.C.).A literatura apocalíptica teve particular desenvol-vimento nas seitas milenares da Idade Média, nospregadores catastrofistas e nas modernas seitaspseudocristãs, como os adventistas, os mórmonse os testemunhas de Jeová, que se distinguem peloacento apocalíptico de sua mensagem.

Não se deve esquecer ainda que os temasapocalípticos estão presentes na literatura moder-na e no cinema. Livros de ficção-científica, deutopias ou distopias chegaram a ser best-sellersde bilheteria e de vendas. Um dos exemplos éApocalypse Now, entre outros, que entram nafuturologia.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, I, 143s, coma bibliografia citada; G. Greshake, Más fuertes que la muerte.Lectura esperanzada de los novísimos. Santander 1981.

Apocalíptico

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Apócrifos

Escritos apócrifos ou literatura apócrifa é umaliteratura cristã paralela à literatura ou escritoscanônicos ou oficiais do Novo Testamento (NT).Aparece ao longo do século II de nossa era e cor-re pelos cinco primeiros séculos. Em torno doslivros canônicos do NT surgiu uma coleção delendas que formam o que denominamos Apócrifosdo NT: evangelhos, apocalipse, cartas e atos dosapóstolos. Toda uma literatura não canônica fazseu aparecimento em contrapartida aos escritoscanônicos.

Em sua origem, a palavra apócrifo não tinha osignificado espúrio ou falso que tem hoje. Naverdade, um apócrifo revestia-se de caráter de-masiado sagrado e misterioso para que fosse co-nhecido de todo o mundo. Devia ser escondido— apocryphos — do grande público e permitidosomente aos iniciados da seita. Somente quandose soube que não pertenciam a um apóstolo oudiscípulo de Jesus, a palavra apócrifo adquiriu osignificado de espúrio, falso, de algo que deveser repudiado.

Os escritos apócrifos têm a ânsia de querersuprir o que falta aos canônicos. Neles abundamos relatos de presumíveis milagres, muitas vezesabsurdos. No entanto, os apócrifos contribuemcom valiosa informação sobre as tendências ecostumes próprios da Igreja primitiva. Represen-tam, também, os primeiros ensaios da lenda cris-tã, das histórias populares e da literatura noveles-ca. Se não são boas fontes históricas num senti-do, são em outro. Recolhem as ilusões, as espe-ranças e os temores dos homens que os escreve-ram; ensinam o que era aceito pelos cristãos in-cultos dos primeiros séculos, o que lhes interes-sava, o que admiravam, os ideais que acaricia-vam nesta vida, o que eles acreditavam encontrarnesses textos.

“Não têm, além disso, valor como gênero fol-clórico e novelesco. Revelam aos aficionados eestudiosos da literatura e da arte medievais as fon-

Apócrifos

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tes de uma parte muito considerável de sua maté-ria e a solução de mais de um problema. Exerce-ram, ainda, uma influência totalmente despropor-cional a seus méritos intrínsecos, tão grande e tãoampla que não pode ignorá-los alguém que sepreocupe com a história do pensamento e da artecristãos” (M. R. James, The Apocryphal NewTestament, citado por Quasten, o. c., 111).

Os escritos apócrifos cobrem toda a gama delivros do NT: evangelhos, atos dos apóstolos, car-tas e apocalipse.

a) Entre os primeiros — evangelhos — en-contramos os seguintes: o Evangelho segundo oshebreus, uma espécie de revisão e prolongamen-to do evangelho canônico de Mateus. Sua com-posição parece ser do século II e foi escrito origi-nalmente em aramaico com caracteres hebreus.O Evangelho dos egípcios, de uso entre os cris-tãos do Egito, de origem gnóstica, e escrito paracomprovar certas heresias. Sectário e herético, foireconhecido por Clemente de Alexandria e porOrígenes. O Evangelho ebionita, dos princípiosdo século III, foi escrito em favor de uma seitaoposta ao do sacrifício. O Evangelho segundoPedro padece de docetismo e relata a paixão,morte e sepultamento de Jesus com detalhes inte-ressantes sobre os milagres que se seguiram. Sur-giu em meados do século II. O Evangelho deNicodemos, do último quarto do século IV, prin-cípios do V, recolhe em sua versão latina os Atosde Pilatos, bem conhecidos e citados desde o sé-culo II. E vários outros, em número de 21 relatosapócrifos de evangelhos atribuídos a diferentesapóstolos. Uma nota característica comum a to-dos esses evangelhos é a maneira arbitrária comousam os dados canônicos. As narrações dos evan-gelhos canônicos servem como marco para as re-velações gnósticas, feitas pelo Senhor ou porMaria em conversas com os discípulos de Jesusdepois de sua ressurreição.

b) Atos apócrifos dos apóstolos. Têm em co-mum com os evangelhos apócrifos a ânsia de que-rer suprir o que falta no NT. Contam a vida e a

Apócrifos

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morte dos apóstolos no estilo das novelas pagãs.Comprazem-se em descrever aventuras em paí-ses longínquos, e seus heróis vêem-se envolvi-dos em toda espécie de perigos. São, entretanto,de grande interesse para a história da Igreja e dacultura em geral. Projetam muita luz sobre a his-tória do culto cristão dos séculos II e III.

Parecem ter nascido como literatura popularcapaz de se opor e substituir as fábulas pagãs decaráter erótico. Seus autores são desconhecidos.

Entre os textos apócrifos dos Atos dos apósto-los destacamos os seguintes: Os Atos de Paulo,nos meados do séc. II; os Atos de Pedro, próxi-mos do ano 190; os Atos de Pedro e Paulo, séc.III, diferente dos anteriores; os Atos de João, se-gunda metade do séc. II; os Atos de André, se-gunda metade do séc. III; os Atos de Tomé, escri-tos em siríaco na primeira metade do séc. III; osAtos de Tadeu, lendas locais escritas durante oséc. III.

c) Apocalipses apócrifos. São uma imitaçãodo Apocalipse canônico de São João. Entre o re-duzido número de apócrifos apocalípticos estão:o Apocalipse de Pedro (primeira metade do séc.II) . Seu conteúdo consiste principalmente em vi-sões que descrevem a beleza do céu e o horror doinferno. Reflete a escatologia órfico-pitagórica edas religiões orientais. O Apocalipse de Paulo(segunda metade do séc. II). E outros apocalipsesatribuídos a Estêvão, Tomé, à Virgem Maria etc.

d) Cartas apócrifas. Imitando as cartas dosapóstolos, temos toda uma literatura ou gêneroliterário apócrifo atribuído a eles. Também sãoanônimas. A principal é a Epistola apostolorum,publicada pela primeira vez em 1919 e datada dasegunda metade do séc. II. Constitui um exemplode literatura religiosa popular não oficial. Baseiasuas idéias no NT.

Há muitas outras, como as Epístolas apócrifasde São Paulo, entre as quais se conta a corres-pondência de São Paulo com Sêneca: oito cartasdirigidas por Sêneca a São Paulo, e seis deste aofilósofo romano.

Apócrifos

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De toda essa literatura apócrifa, podemos di-zer o que diz James Quasten dos Atos dos após-tolos: “Um estudo atento desta literatura, em con-junto e detalhado, aumenta nosso respeito pelobom sentido da Igreja Católica e pela prudênciados sábios de Alexandria, Antioquia e Roma: elesforam, certamente, bons “cambistas” que experi-mentaram todas as coisas e ficaram com o queera bom.”

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, o. c., I, 111-143, combibliografia ali publicada; Los evangelios apócrifos (BAC,148, 479, 488).

Apolinário de Laodicéia (310-390)

*Jerônimo, São.

Apologistas (séc. II-III)

Sob esse nome, surge uma série ou grupo deescritores cristãos, principalmente do século II.Muitos de seus escritos estão dirigidos ao impe-rador ou aos governadores romanos, os únicos quepodiam aceitar ou recusar sua causa. Todos osescritos têm um tom marcadamente apologéticoou de defesa diante das acusações grosseiras aoscristãos, cada vez mais presentes no Império. Porisso, o tom e o estilo desses textos são bem dife-rentes dos da época anterior, essencialmente mis-sionários ou querigmáticos.

Nessa época, são bastante conhecidas as acu-sações contra os cristãos. Entre o povo circula-vam vis rumores contra eles. O Estado conside-rava a adesão ao cristianismo um crimegravíssimo contra o culto oficial e contra a ma-jestade do imperador. As classes mais altas e cul-tas consideravam o cristianismo como uma ame-aça crescente contra a integridade do Império. Porsua parte, escritores da época intervieram contraos cristãos: Luciano de Samosata publicou no ano170 De morte peregrini, em que se zombava doamor fraternal dos fiéis e de seu desprezo pelamorte. O mesmo fez Fronton de Cirta, professor

Apologistas

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do imperador M. Aurélio, em seu Discurso. Esobretudo o filósofo Celso, que em 178 publicouseu Discurso verdadeiro, e para quem o cristia-nismo não passava de superstição e fanatismo.

Os textos dos apologistas reúnem, assim, osargumentos e rumores que correm contra os cris-tãos e os rebatem contundentemente. Dirigem-se,sobretudo, contra três tipos de argumentos: a)Contra a acusação de que os cristãos representa-vam um perigo para o Estado. Chamam a aten-ção sobre a maneira de viver dos cristãos: séria,austera, casta e honrada; cidadãos de Roma, comoos outros. b) Demonstram o absurdo e a imorali-dade do paganismo e de suas divindades. Defen-dem a unidade de Deus, a divindade de Cristo e aressurreição do corpo. c) Avançam mais, afirman-do que a filosofia não foi capaz de encontrar averdade, a não ser fragmentariamente. O cristia-nismo, ao contrário, possui toda a verdade, por-que o Logos, que é a mesma razão divina, veio aomundo por Cristo.

A maior parte dos manuscritos dos apologistasgregos dependem do códice de Aretas, bispo quefoi de Cesaréia da Capadócia. Este, em 914, man-dou copiá-lo para sua biblioteca, com a intençãode formar um corpus apologetarum desde os tem-pos primitivos até Eusébio. Os manuscritos pos-teriores foram copiados no século XVI, quando oConcílio de Trento estudava o tema da tradiçãona Igreja. Podemos, então, concluir que os genu-ínos escritos dos apologistas foram virtualmentedesconhecidos até o séc. XVI.

O primeiro dos apologistas é Quadrato, queentre os anos 123-129 dirigiu seu discurso — hojeperdido — ao imperador Adriano, em defesa denossa religião, “porque alguns malvados tratavamde incomodar os nossos”. Segue-lhe Aristides deAtenas, do qual conservamos o mais antigo dis-curso ou apologia; seu texto foi encontrado em1889 no monastério de Santa Catarina do Sinai.Aristón de Pella é o autor da Discussão entreJasão e Papisco sobre Cristo, texto perdido. SãoJustino (ver *Justino). *Taciano, o Sírio, compôs

Apologistas

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o Discurso contra os gregos, um argumento con-tra tudo o que pertence à civilização grega, suaarte, ciência e língua. E o Diatessaron, uma com-binação dos evangelhos. Os demais escritos seperderam.

Também merecem destaque Milcíades, queescreveu uma Apologia da filosofia cristã, dirigidaaos “príncipes temporais”, cujo texto se perdeu.Apolinário de Hierápolis, que escreveu um dis-curso ao imperador Marco Aurélio, cinco livrosContra os gregos, dois livros Contra os judeus,dois livros Sobre a verdade. Nenhum deles seconservou, e somente os conhecemos por Eusébio.Atenágoras de Atenas escreveu a Súplica em fa-vor dos cristãos e Sobre a ressurreição dos mor-tos. De Teófilo de Antioquia somente nos chegouAd Autolycum. Perdeu-se a maior parte de suanumerosa obra. Militão de Sardes é consideradouma das “grandes luminárias” da Ásia. Dirigiuuma Apologia a Marco Aurélio, cujo texto se per-deu. Além destas, atribuem-se a Militão outras20 obras desaparecidas. Finalmente destacamosHermas, autor da Sátira sobre os filósofos profa-nos, na qual procura comprovar com sarcasmos anulidade da filosofia pagã, mostrando as contra-dições que encerram seus ensinamentos sobre aessência de Deus, do mundo e da alma. Nada sesabe da pessoa do autor. Também se desconhecea data de composição da obra: provavelmente oséc. III. Outro dos apologistas, Carta a *Diogneto.

Os apologistas latinos merecem capítulo àparte. Minúcio Félix escreveu em latim o diálogoOctavius. É a única apologia do cristianismo es-crita em latim e em Roma no tempo das perse-guições. O mais representativo dos apologistaslatinos é *Tertuliano.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, I, 181-242;527-682; Padres apostólicos (BAC 65); Padres apologetasgriegos (BAC 116).

Apotegmas dos padres (finais do séc. V)

*Sentenças dos Padres.

Apotegmas dos padres

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Aranguren, José Luís L. (1909-1996)Catedrático de Ética e Sociologia em Madri,

de 1955 até 1965, quando foi afastado dadocência, junto com E. Tierno Galván e A. GarciaCalvo, por motivos políticos. Durante dez anosexerceu sua atividade docente em universidadesamericanas. Voltou para sua cátedra da Universi-dade Complutense em 1976, onde permaneceu atésua aposentadoria. Desde então continuou seumagistério falado e escrito em conferências, au-las, congressos, artigos de jornais e revistas. Oprofessor Aranguren é uma das figuras que maisentusiasmo e vitalidade intelectual suscitaram naEspanha durante os últimos quarenta anos, prin-cipalmente entre os jovens.

Sua obra falada e escrita gira em torno de pro-blemas de ética, filosofia da religião, de políticae de cultura geral. Se fosse preciso enquadrar seupensamento filosófico, dele se falaria em termosde “catolicismo liberal inconformista”, inclusivede um forte compromisso cristão e crítico dianteda realidade. “A enorme influência que exerceusobre gerações mais jovens da filosofia — e davida espanhola — deve ser compreendida menosno sentido doutrinal e mais no sentido socrático”(Miguel A. Quintanilla, Diccionario de filosofíacontemporánea).

“Aranguren sempre brindou com sua compre-ensão e estímulo a quantos nos aproximamos deledesolados diante da impossibilidade de encontrarno meio espanhol um marco estabelecido ondedesenvolver nossas inquietudes, animando-nos aaprofundar criticamente nossas particulares incli-nações teoréticas, fossem de índole filosófica,sociológica ou política.”

Fala-se de Aranguren como do intelectual quesempre sentiu e sente uma insubornável, inequí-voca vocação pelo ensino, pela comunicação epelo diálogo. Intelectual inconformista,desnudador de hipocrisias e desvinculado de todaideologia imperante, um homem que dialoga ecritica, fiel à vida mutante, com o olhar posto nofuturo, sem jamais se deter no passado.

Aranguren, José Luís L.

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O tema religioso — e mais exatamente cristão— é básico nele e corre ao longo de toda a suavida. “ *Guardini e a renovação litúrgica, trazidapor Maria Laach, abriram-lhe o sentido litúrgicodo catolicismo. Max Scheler influiu poderosa-mente em sua visão do mundo e do homem. LeuKierkegaard, desentranhou Heidegger e foi umapaixonado do vigoroso e límpido pensar do ve-lho castelhano, poeta e místico de Fontiveros,*João da Cruz”. Sua aproximação ao tema religi-oso é o de um intelectual e crítico. Arangurenconfirma essa “imagem minha que nem todo omundo — isto é, o pequeno mundo que se ocupade mim — compartilhará hoje, mas que eu, natu-ralmente, aceito”.

Esse intelectual crítico transformou-se numdenunciador constante de atitudes e condutas nãoautênticas, dentro e fora do cristianismo e da Igre-ja. Seu contexto imediato é a Espanha e todosaqueles que “resistem a olhar de frente a proble-mática real de nosso tempo, a da liberdade e dasocialização, a do Estado de direito e do Estadode justiça social, a dos direitos humanos, a daparticipação ativa de todos os cidadãos na vidapública, a dos operários de empresa industrial e ade todos os homens nos bens da instrução, a pro-blemática na revolução ou da evolução, a dasminorias regionais e a do exílio político, a da neu-tralidade e do desarmamento” (Meditação paraa Espanha sobre a encíclica “Pacem in terris”).

Os primeiros estudos de Aranguren estão mar-cados pela instância religioso-existencialista:*Lutero, Heidegger, *Calvino, Kierkegaard,Jaspers, K. *Barth, M. Scheler, Ortega,*Unamuno e *Zubiri. São autores que configu-ram o substrato existencial personalista ou éticoda autenticidade. Dentro desta primeira linha en-contramos: Catolicismo e protestantismo comoformas de existência (1952); Catolicismo dia adia (1955); O protestantismo e a moral (1954);Ética de Ortega (1958), e finalmente sua obramais valiosa, Ética (1958). A partir dos anos ses-senta, adverte que toda moral pessoal é radical-mente social e seu pensamento centra-se em Mo-

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ral e política (1963); Moral e sociedade (1965);O que sabemos de moral (1967); O marxismocomo moral (1968); A crise do catolicismo (1969)etc. Particular interesse oferece sua produção so-bre a juventude européia e espanhola, e tambémsobre a problemática da Espanha.

Não obstante o caráter intelectual, crítico e dedenúncia na obra de Aranguren, tanto no campoda crença católica quanto em todos os demais pro-blemas filosóficos, políticos, sociais e culturais,nos últimos anos seu pensamento tem sido carac-terizado por uma atitude de inconformismo e de“heterodoxia”, assim como uma mescla de com-promisso intelectual e moral com certodistanciamento que o próprio Aranguren qualifi-cou de “irônico”.

BIBLIOGRAFIA: Obras: I. Biblioteca Nueva, Madrid1965. Uma bibliografia bastante completa até 1969, emTeoría y Sociedad (Homenagem ao professor Aranguren).Barcelona 1970; Homenaje a Aranguren, dirigido por PedroLaín Entralgo, 1972; J. Muguerza (ed.), Etica día a día.Homenaje a J. L. L. Aranguren. Trotta, Madrid 1991.

Areopagita, Pseudo-Dionísio (séc. IV-V)

Eis um autor tão citado quanto desconhecido.Seus escritos começaram a ser conhecidos nosprincípios do século VI, e seu autor foi identifi-cado como Dionísio Areopagita, transformadopela pregação do apóstolo São Paulo no areópagode Atenas (At 17,34). A crítica interna e externadestes escritos os situam nos finais do séc. V, sen-do impossível sua atribuição a DionísioAreopagita. De fato, sua fonte principal é oneoplatônico Proclo (411-485), de quem o autorinclui textos completos.

Os livros do Pseudo-Dionísio inspiram-se nadireção da filosofia neoplatônica, adaptando-a, damelhor forma possível, às exigências cristãs. Ser-vem-se da terminologia dos mistérios, onde oneoplatonismo se comprazia. Traduzidos para olatim por Hilduino e Juan Scoto *Eriúgena, fo-ram objeto de comentários por muitos autores,

Areopagita, Pseudo-Dionísio

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entre os quais Hugo de São Vítor, RobertoGrosseteste, São *Boaventura, Santo *AlbertoMagno, Santo Tomás. Foi vastíssima sua influ-ência na Idade Média e constituiu o fundamentoda mística e da angelologia medieval.

As principais obras do Pseudo-Dionísio são:a) Teologia mística. Formula uma teologia afir-mativa que, partindo de Deus, dirige-se para oinfinito com a determinação dos atributos ou no-mes de Deus. Todo o conhecimento de Deus vemdo próprio Deus. O que se pode dizer dele, deacordo com os nomes que aparecem nas Escritu-ras constitui o tema da teologia afirmativa. Exis-te também uma teologia negativa, que parte doinfinito para Deus e o considera acima de todosos predicados e nomes com que se pode designá-lo. Segundo a teologia mística, o mais alto graude conhecimento é o não saber místico: somenteprescindindo de toda a determinação de Deus,compreende-se Deus em seu ser em si mesmo. b)Sobre os nomes divinos. Nesta obra, o Pseudo-Dionísio insiste na impossibilidade de apreendere designar adequadamente a natureza de Deus,que é superior à própria unidade tal como nós aconcebemos: é o uno super-essencial, causa e prin-cípio de todo número e de toda ordem. Deus nãopode ser designado como unidade, nem como trin-dade, nem como número. Nenhum termo com quedesignamos as coisas finitas pode designá-lo. Nemsequer o próprio nome de bem, o mais elevado detodos, é adequado à sua perfeição divina. Tal é ateologia superlativa, consistente em admitir osnomes de Deus, mas sem poder concebê-los.

O Pseudo-Dionísio entende a emanação dascoisas de Deus — como forma de todas as idéiasou modelos de todas as realidades — como cria-ção. O mundo é produto da vontade divina, nãoum estágio do desenvolvimento de Deus. Osseres do mundo são símbolos ou manifestaçõesde Deus. As coisas visíveis são um degrau ou es-cala que permite ao homem ascender até Deus edeste modo refazer, inversamente, o caminho dacriação.

Areopagita, Pseudo-Dionísio

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Existem outros tratados do Pseudo-Dionísio:Sobre a hierarquia celeste e Sobre a hierarquiaeclesiástica. Na primeira concebe-se Deus comocentro das esferas nas quais se ordenam todas ascoisas criadas. As criaturas mais perfeitas são asmais próximas dele. A hierarquia celestial é cons-tituída por anjos, distribuídos em nove ordens ereunidos em formações ternárias. Da seguinteforma: 1) tronos, querubins e serafins; 2)potestades, dominações e virtudes; 3) anjos, ar-canjos e principados.

À hierarquia celestial corresponde a eclesiás-tica, disposta igualmente em três ordens: 1) cons-tituído pelos mistérios: batismo, eucaristia, ordemsagrada; 2) o bispo, o sacerdote, o diácono; 3)catecúmenos, possessos e penitentes, isto é, osque são conduzidos à graça divina pelos admi-nistradores dos mistérios.

O fim da vida eclesiástica é a deificação outransfiguração do homem em Deus. Isto se con-segue mediante a ascensão mística. Seu cume é onão saber místico, a muda contemplação do uno.A conclusão é uma teologia mística, pela qual ohomem alcança o supremo saber através da su-prema ignorância.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 3 e 4; (BAC); Diccionariode filósofos. Rioduero, Madrid 1987, 351-354.

Aretas (séc. X)

*Apologistas.

Ario (256-336)Sem a pessoa de Ario e de sua doutrina, seria

incompreensível grande parte da literatura cristãdos séculos III-V. Depois da literatura apócrifa egnóstica dos séculos I e II, que provocou a reaçãodos primeiros escritos anti-heréticos (*Irineu,Santo), surgem multidões de escritores e de sei-tas que serão objeto de estudo e de condenaçãopor parte de teólogos e concílios (São *Basílio,São *Gregório de Nissa, São *João Crisóstomo,

Aretas

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Santo *Atanásio). Quase todos eles têm Ario esua doutrina como ponto de referência.

Oriundo da Líbia, Ario recebeu sua formaçãoteológica em Antioquia e, desta cidade, passoupara Alexandria, onde se ordenou diácono e maistarde sacerdote. Encarregado da igreja de SãoBaucalis, próximo do ano 318 começou a provo-car muitas discussões por causa de uma doutrinateológica própria, que ele apresentava em seussermões como crença da Igreja. Sua doutrina foidenunciada rapidamente como contrária à tradi-ção. Em um sínodo para o qual foram convoca-dos todos os bispos do Egito, Ario foi condena-do, sendo deposto juntamente com seus seguido-res. Apesar de ter conquistado adeptos para suacausa, foi novamente condenado no Concílio deNicéia (325), do qual participaram mais de 300bispos. Para cortar a heresia pela raiz, o Concílioformulou o célebre Símbolo Niceno (*Símbolo dosapóstolos), e Ario foi expatriado para a Ilíria. Oimperador Constantino mandou chamá-lo do exí-lio em 328. Posteriormente ordenou que fossereconciliado oficialmente, mas Ario morreu re-pentinamente na véspera do dia marcado (336).

A doutrina teológica de Ario pode ser resumi-da nos pontos derivados do princípio geral sobreas relações entre Deus Pai e Deus Filho: que adivindade tem de ser necessariamente incriada,mas também inata. Deste princípio, deduz-se: a)que o Filho de Deus, o Logos, não podia ser ver-dadeiro Deus; b) que o Filho de Deus é a primei-ra de suas criaturas e, como todas as demais, foicriado do nada e não da substância divina; c) hou-ve, portanto, um tempo em que o Filho de Deusnão existia; d) é Filho de Deus, mas não no senti-do próprio da palavra, e sim no sentido moral ese lhe atribue de forma imprópria o título de Deus;e) a filiação do Filho é somente uma adoção, daqual não resulta nenhuma participação real nadivindade. Nenhuma semelhança verdadeira comDeus, que não pode ter nenhum semelhante; f)conseqüentemente, o Logos ocupa um lugar in-termediário entre Deus e o universo. Deus o crioupara que fosse o instrumento da criação. Inter-

Ario

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preta a encarnação no sentido de que o Logos sefez carne em Jesus Cristo, cumprindo a funçãoda alma.

A doutrina de Ario atacava na raiz a próprianatureza do cristianismo, ao atribuir a redenção aum Deus que não era verdadeiro Deus, incapaz,assim, de redimir a humanidade. Conseqüente-mente, a Virgem Maria não era, segundo ele, averdadeira Mãe de Deus. A fé cristã ficava des-pojada de seu caráter essencial.

A doutrina de Ario é um produto típico doracionalismo teológico próprio da escola deAntioquia e foi exposta por ele em conversas econtatos com companheiros de estudo e, inclusi-ve, bispos. Valeu-se principalmente da pregação,já que sua obra escrita não é abundante. Os escri-tos de Ario reduzem-se a três: Carta a Eusébiode Nicomédia, condiscípulo e seu protetor; Cartaa Alexandre de Alexandria, que o condenou; e,finalmente, o Banquete ou Thalia, — obra escritaem versos da qual somente conservamos fragmen-tos. Depois de sua condenação em Nicéia, escre-veu outra Carta ao imperador Constantino, con-tendo um credo com o qual pretendia comprovarsua ortodoxia.

Ario é o herege mais importante e mais sériodo cristianismo no séc. IV. Assim o considerarama Igreja e os escritores posteriores. Toda a teolo-gia posterior está marcada por sua heresia, quenegava a originalidade essencial do cristianismo.E continua sendo até hoje quando o mistério deCristo Filho de Deus é negado ou omitido.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, II, 10-16, coma bibliografia aí citada.

Aristides de Atenas (séc. II)

*Apologistas.

Aristides, Jean Bertrand (1953-)

*Libertação, Teólogos da

Aristides de Atenas

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Arnauld, Antoine (1612-1694)

Teólogo francês vinculado ao movimento eespiritualidade de *Port-Royal. Desde 1638 este-ve unido a Saint-Cyran e a Port-Royal, para ondese retirou em 1641.

Seu livro Sobre a comunhão freqüente (1643)acentua a necessidade de uma preparação bastanterígida para a comunhão. Divulgou as idéiasjansenistas (*Jansênio) entre o grande e piedosopúblico e, a partir de 1644, foi o líder do movi-mento jansenista. Inspirador, juntamente com*Saint-Cyran, das Cartas provinciais de Pascal,foi censurado pelos teólogos da Sorbonne em1656, sendo afastado do ensino. A assinatura dapaz de Westfalen em 1668 devolveu-lhe o títulode doutor. Viveu os últimos anos em seu retiro naHolanda, de onde continuou escrevendo e animan-do a controvérsia jansenista, reavivada a partirde 1679.

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes, 1775-1783, 43vols.; J. Laporte, La doctrine de la grâce chez Arnauld, 1922;Id., La doctrine de Port Royal, I. La loi moral, 1951; II. Lapratique des sacrements, 1952.

Arnauld, Jacqueline Marie Angélique(1591-1661)

Conhecida como “Mère Angelique”, chegoua ser abadessa de Port-Royal. Sua vida de re-tiro no convento prolongou-se de 1602 a 1608,ano em que sofreu uma conversão radical. Frutodessa conversão foram as drásticas reformasintroduzidas na comunidade de *Port-Royal.Em 1625 transferiu a comunidade para ummonastério mais amplo em Paris. Nos anos se-guintes esteve submetida à influência de *Saint-Cyran, sob cuja direção a comunidade foi um cen-tro de irradiação entusiasta dos princípios e prá-ticas jansenistas. A vinculação a Port-Royal dafigura de B. *Pascal torna mais interessantesainda esses anos.

Arnauld, Jacqueline Marie Angélique

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Arndt, Johann (1555-1621)

*Pietistas.

Astete, Gaspar (1537-1601)

*Catecismo.

Atanásio, Santo (279-373)

Denominado a “coluna da Igreja” e o “marte-lo dos arianos”, nasceu em Alexandria, onde re-cebeu uma formação clássica e teológica. Há in-dícios de que na primeira juventude teve conta-tos com os monges de Tebaida. Em 319 foi orde-nado diácono pelo bispo Alexandre, a quem maistarde serviu como secretário. Foi como secretá-rio que acompanhou o bispo ao Concílio de Nicéia(325), no qual se sobressaiu por sua discussão edialética com os arianos. Três anos mais tarde(328), foi nomeado bispo de Alexandria.

A partir de então, a vida de Atanásio comobispo caracterizou-se pela luta contra os erros dosarianos, a defesa da verdade sancionada emNicéia, oralmente e por escrito, e por seu indo-mável zelo e constância diante da adversidade. AIgreja do Oriente denominou-o “padre da orto-doxia” e a Igreja Romana considera-o entre osquatro grandes padres do Oriente. Atanásio, oGrande, foi o alvo da cólera dos arianos até o res-to de seus dias. Tentaram reduzi-lo ao silêncio,procurando o favor do poder civil e corrompendoa autoridade eclesiástica. Por cinco vezes, foi ex-pulso de sua sede episcopal e passou mais de 17anos no exílio. Mas nada conseguiu quebrar suaresistência, pois estava convencido de que lutavapela verdade. Foi reabilitado na sede deAlexandria no dia 1º de fevereiro de 366. Viveuem paz o resto de seus dias e morreu no dia 2 demaio de 373.

É surpreendente a atividade literária de SantoAtanásio, apesar de uma vida tão agitada. Certa-mente a maior parte de suas obras está estreita-

Arndt, Johann

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mente relacionada com sua luta em defesa da fénicena. “Submete a exame crítico uma e outra veza argumentação dialética e exegética de seus ad-versários, e refuta as acusações que alguns de seusinimigos sem escrúpulos lançavam contra ele.”“Em todos os seus escritos, diz Fócio, o estilo éclaro, livre de redundâncias e simples, porém sé-rio e profundo, e seus argumentos são extrema-mente eficazes.”

Sua extensa obra pode classificar-se em:1) Escritos apologéticos e dogmáticos. Figu-

ram aqui, fundamentalmente, três obras: o Trata-do contra os pagãos, o Tratado sobre aencarnação do Verbo e os Discursos contra osarianos. Estes últimos, esctitos entre 338-339,constituem a obra dogmática mais importante deAtanásio. Faz um resumo da doutrina ariana talqual foi exposta por Ario na Thalia (*Ario) e de-fende a definição do Concílio de Nicéia de que oFilho é eterno, incriado — agénetos — e imutá-vel, e de que existe unidade de essência entre oPai e o Filho. Entre as obras dogmáticas espúriasatribuídas a Atanásio está o chamado Símboloatanasiano, denominado também SymbolumQuicumque. Sua atribuição a Atanásio não é an-terior ao séc. VII. Alcançou fama mundial e apartir do século IX foi utilizado no ofício ordiná-rio dos domingos. É uma exposição clara da Trin-dade e das duas naturezas na única pessoa de Cris-to. Provavelmente é de origem galicana e data doséc. V.

2) Escritos histórico-polêmicos, dos quais Ata-násio se valeu para defender-se de seus inimigos.Nesta seção encontramos a Apologia contra osarianos, de fundamental importância para a his-tória da controvérsia ariana; Apologia ao im-perador Constâncio, obra em que colocou seumaior cuidado, escrita numa linguagem valente edigna, perfeitamente acabada e na qual brilha aarte; Apologia pela fuga, que justifica sua fugada Igreja, e que se tornou um dos escritos maisfamosos de Atanásio; A história dos arianos ata-ca o imperador Constâncio como um inimigo

Atanásio, Santo

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de Cristo, patrocinador da heresia e precursor doAnticristo.

3) Escritos exegéticos e ascéticos. Entre osprimeiros estão os comentários sobre os Salmos,o Gênesis, o Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos.Entre os segundos está a Vida de Santo Antão, odocumento mais importante do monaquismo pri-mitivo, escrito a partir da morte de Santo Antô-nio (356). Dedicou-o aos monges, a pedido des-tes que queriam saber “como Antônio praticou oascetismo, como viveu anteriormente, como foisua morte, e se era verdade tudo quanto dele sedizia”. Escreveu a Vida de Santo Antão com oobjetivo de apresentar um modelo de vida consa-grada ao serviço de Deus. “É uma regra de vidamonástica em forma de narração” (São *GregórioNazianzeno). Com a Vida de Santo Antão criouum novo tipo de biografia, que serviu de modelopara toda a hagiografia grega e latina posterior.

4) Cartas. Somente sobreviveu uma pequenaparte. Muitas delas são decretos e tratados, maisdo que cartas pessoais e privadas. Elas nos che-gam nos mesentérios da controvérsia ariana. Emprimeiro lugar estão as chamadas Cartas festivas,cartas nas quais os bispos de Alexandria anuncia-vam todos os anos, às sedes sufragâneas, o inícioda quaresma e a festa da páscoa. São 17 as cartasfestais, que começam a partir do ano 329. A maisfamosa é a que corresponde ao ano 367. Nela con-dena-se a tentativa dos hereges de introduzir obrasapócrifas como Escritura divinamente inspirada,e enumeram-se os livros do Antigo e do NovoTestamento incluídos no cânon, transmitidos eaceitos pela Igreja.

Há outras cartas importantes: três cartassinodais, carta aos bispos africanos, duas cartas-encíclicas, cartas dogmático-polêmicas, carta aosmonges, cartas ascéticas etc.

Todos os esforços de Atanásio tendem a esta-belecer, “desde as origens, a autêntica tradição,doutrina e fé da Igreja Católica que o Senhor dei-xou, os apóstolos pregaram e os padres conser-varam”. Seu maior mérito consiste em ter defen-

Atanásio, Santo

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dido o cristianismo tradicional do perigo dahelenização, oculto na heresia de Ario e de seusseguidores. Seus pontos de insistência são: a) Adoutrina sobre a Trindade, “que é Deus no Pai,no Filho e no Espírito Santo, que não têm associ-ado nenhum elemento estranho ou externo”. b) Ologos e a redenção: “Ele se fez homem para quepudéssemos tornar-nos Deus, e manifestou-seatravés de um corpo para que tivéssemos umaidéia do Pai invisível”. c) Cristo: “Assim como éo Verbo de Deus, o Verbo se fez carne. E enquan-to no princípio era o Verbo, na plenitude dos tem-pos a Virgem Maria concebeu-o em seu seio e oSenhor se fez homem”. “Sendo realmente Filhode Deus, fez-se também Filho do homem, e sen-do Filho Unigênito de Deus, fez-se tambémprimogênito entre muitos irmãos”. d) O EspíritoSanto é Deus, que procede do Pai. Em nenhumaparte afirma explicitamente que o Espírito Santoproceda do Filho. É, no entanto, um corolário desua doutrina.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, II, 22-83;Obras: PG 25-28.

Atas dos mártires (séc. II-V)

As Atas dos mártires são relatos dos sofrimen-tos dos mártires cristãos. Formam um subgênerodentro da história dos cinco primeiros séculos docristianismo. Nascem do próprio fato das perse-guições e costumavam ser lidas às comunidadescristãs nos atos litúrgicos que comemoravam oaniversário do martírio.

Como fontes históricas podemos dividi-las emtrês grupos:

1. O primeiro grupo compreende os proces-sos verbais oficiais do tribunal. Contêm as per-guntas dirigidas aos mártires pelas autoridades,suas repostas tal como a anotavam os escrivãespúblicos ou os amanuenses do tribunal, e as sen-tenças proferidas. Depositavam-se esses docu-mentos nos arquivos públicos, dos quais, algu-mas vezes, os cristãos conseguiam obter cópias.

Atas dos mártires

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O nome de Atas dos mártires (acta ou gestamartyrum) deve ser reservado exclusivamentepara esse grupo. São fontes históricas imediatase dignas de crédito que se limitam a consignar osatos.

A esse tipo pertencem as Atas de São Justinoe companheiros (segunda metade do século II);as Atas dos mártires escilitanos na África, quecontêm as atas oficiais do julgamento de seis cris-tãos de Numídia, que foram sentenciados peloprocônsul Saturnino e decapitados no dia 17 dejulho do ano 180. Também as Atas proconsularesde São Cipriano, bispo de Cartago, executado dia14 de setembro do ano 258.

2. O segundo grupo compreende os relatos detestemunhas oculares ou contemporâneas. Cos-tuma-se denominá-los paixões ou martyria. A essegrupo pertencem o Martyrium Policarpi (156); aCarta das Igrejas de Viena e Lião às Igrejas daÁsia e da Frígia; a Paixão de Perpétua e Felici-dade; as Atas dos santos Carpo, Papilo eAgatônica; as Atas de Apolônio que, na opiniãode *Harnak, é “a mais nobre apologia do cristia-nismo que nos chegou da Antigüidade”.

3. O terceiro grupo abrange as lendas de már-tires compostas com fins de edificação e muitodepois do martírio. São uma mescla fantástica deverdade e imaginação. Ou simples novelas semnenhum fundamento histórico. A esse grupo per-tencem as atas dos mártires romanos Santa Inês,Santa Cecília, Santa Felicidade e seus sete filhos,Santo Hipólito, São Lourenço, São Sisto, SãoSebastião, Santos João e Paulo, Cosme e Damiãoetc. O fato de tais atas não serem autênticas nãoprova, de forma alguma, que esses mártires nãotenham existido. Indica apenas que não se podemusar esses documentos como fontes históricas.

— Atenção especial merecem as coleções deatas dos mártires da antigüidade cristã. O primei-ro que reuniu uma coleção de atas de mártires foiEusébio em sua obra Sobre os mártires antigos.Essa obra se perdeu. Em História Eclesiástica,Eusébio dá-nos uma síntese da maioria dessas

Atas dos mártires

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atas. Além disso, compôs um tratado sobre osmártires da Palestina, vítimas das perseguiçõesentre os anos 303-311. Um autor anônimo reco-lheu as atas dos mártires persas mortos sob SaporII (339-379). Escritas em siríaco, seus processose interrogatórios lembram as relações das autên-ticas atas dos primeiros mártires. Em troca, as atassiríacas dos mártires de Edessa são pura lenda.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, I, 171-180;Actas de los mártires. Edição bilíngüe. Versão de Daniel RuizBueno, 1987.

Atenágoras de Atenas (séc. II)

*Apologistas.

Atenágoras, Patriarca (1886-1972)

*Paulo VI; *Schutz, Roger.

Atos dos Apóstolos (séc. I)

*Lucas, São.

Auger, Edmond (1530-1591)

*Catecismo.

Averróis (1126-1198)

*Siger de Brabante.

Azor, João (1536-1603)

*Instituições morais.

Azor, João

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Bacon, Roger (1214-1294)

Foi chamado e conhecido entre seus con-temporâneos por “Doctor Mirabilis”. Seu nomeestá vinculado à Universidade de Oxford, ondese destacaram Roberto de Grossestete, Pedro deMaricourt e muitos outros que passaram à his-tória como filósofos da natureza ou “natura-listas”. Tanto os procedimentos ou métodos desua investigação quanto seus resultados inte-ressam muito mais à história das ciências que àfilosofia.

Roger Bacon é o “homem que se tornou —muitas vezes por confusão com seu homônimodo séc. XVI, Francis Bacon — o pai da ciênciaexperimental”. No entanto, é um medieval autên-tico, um filósofo e teólogo da corrente franciscanae agostiniana de Oxford.

Nascido em Ilchester (1214), tornou-sefranciscano para estudar em Oxford e Paris, ondepermaneceu de 1244 a 1250. Nesse mesmo ano,voltou como professor de teologia para Oxford, acuja escola ficou vinculado para sempre. Por so-licitação do Papa Clemente IV, enviou-lhe o Opusmaius, obra condenada em 1278 pelos francis-canos em geral, impondo a seu autor uma severaclausura, que parece ter-se prolongado até os úl-timos anos de sua vida. O único dado que temosdele é que em 1292 redigiu o Compêndio dos es-tudos teológicos. Complementam Opus maiussuas obras Opus minus e Opus tertium; amboschegaram até nós através de esboços.

Roger Bacon criou um plano grandioso parauma enciclopédia das ciências. Para ele, ametafísica é a ciência que encerra os princípiosde todas as demais ciências.

Bacon, Roger

B

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BIBLIOGRAFIA: E. Gilson, A filosofia na Idade Mé-dia, 444-450, com a bibliografia nas p. 457-458; René Taton,Historia general de las ciencias. La Edad Media, 625 s.

Balmes, Jaime (1810-1848)

*Neo-escolásticos.

Baltasar Gracián (1601-1658)

Pensador espanhol nascido em Belmonte(Saragoça), e morto em Tarazona. Escritor barro-co e conceptista, foi um dos pensadores espanhóisde maior e mais ampla influência na literatura eno pensamento da Europa. “A influência de seuestilo e de sua doutrina moral foi importante naFrança e, em especial, na Alemanha, particular-mente em Schopenhauer — que traduziu Orácu-lo manual — e Nietzsche. Schopenhauer chegoua dizer: “Meu escritor predileto é o filósofoGracián. Li todas as suas obras”. Sendo um dosmaiores teóricos do conceitualismo, Gracián tam-bém teve grande influência na Itália, na primeirametade do séc. XVII, conforme testemunharamsuas numerosas traduções. O interesse suscitadona Espanha, há meio século, ganhou dimensõesinternacionais de caráter duradouro” (Dic. de fi-lósofos).

Da mesma forma que Calderón na poesia,Gracián representa uma visão do homem e danatureza na qual o individual desaparece em meioà generalização da ordem dos símbolos. Graciáné um dos grandes escritores do séc. XVII, conhe-cedor do mundo, da natureza e da sociedade. Sa-cerdote jesuíta, escreveu com liberdade e sofreuos efeitos da censura interna e da repressão desua ordem.

Sua numerosa produção pode ser agrupada emtrês séries: uma de tratados da corte sobre o ho-mem perfeito: O Herói (1637); O Político (1640);O Discreto (1646). Na segunda série estão: Orá-culo manual (1647); O Crítico (entre 1651-1657).Na terceira série: Arte de engenho (1642) e Agude-

Baltasar Gracián

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za e arte de engenho (1648). Também escreveuO comungatório, um livro de meditações.

— Em seus escritos aparecem em toda suagrandeza a dignidade, a miséria e a condição po-lítica e social do homem. O homem está corrom-pido pela sociedade que desfigura sua imagemde Deus. O homem é seu grande tema. “Não nas-cemos prontos: vamo-nos a cada dia nos aperfei-çoando como pessoa, no trabalho, até chegar aoponto do ser consummado, do alcance das virtu-des, das excelências: isso se reconhecerá no gos-to requintado, no talento purificado; na prudên-cia do juízo, na vontade depurada” (Oráculo, 6).

— Em O Herói aguça-se o perfil engenhosodo homem ideal. “Em uns reina o coração, emoutros a cabeça, e é sinal de necedade um quererestudar, e o outro lutar com a percepção. Para umcavaleiro corajoso não existe arma curta, porquelhe basta dar um passo à frente para que ela sealongue suficientemente, e, assim, o que lhe fal-tar de aço, o coração lhe suprirá com valentia”.

— Do Príncipe — cujo exemplo de governa-dor é o rei católico Dom Fernando — diz em OPolítico: “Não pode a grandeza fundamentar-seno pecado que é nada, mas em Deus que é tudo;ser herói do mundo pouco ou nada significa: masser herói do céu significa muito”.

— Em O Magistrado, mais ainda que em OHerói, o ideal direciona-se para outra ordem devalores: o verdadeiro cortesão do século XVII. Aessência do livro está em irmanar, na vida e nasociedade, o gênio com o talento, a grandeza daalma e da ação com a elegância do trato e a finezados gestos. Gracián preconiza o porte elegante,as boas maneiras, o galanteio, o domínio e, prin-cipalmente, a prudência, a sensatez, a adaptaçãoaos modos de agir e às circunstâncias. E, acimade tudo, a moderação harmônica, a modéstia.Deve haver tempo para tudo, para a ética e para asátira burlesca, para o riso e para o pranto, para ameditação e para a dança.

— O Crítico é a grande novela simbólica doséc. XVII. Propõe apresentar, no estilo cortesão,

Baltasar Gracián

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conforme o autor, o curso da vida humana, pro-curando juntar “o árido da filosofia com o diver-tido da invenção”. Nessa obra expressou o senti-do trágico da existência: “Ó vida, não devias tercomeçado, mas, já que começaste, não devias ter-minar. A felicidade não se encontra na terra. Tudoo que existe zomba do homem miserável: o mun-do o engana, a vida mente para ele, a fortuna zom-ba dele, a saúde lhe falta, a idade passa, o mal oapanha, o bem se ausenta, os anos fogem, a feli-cidade não chega, o tempo voa, a vida se acaba, amorte o colhe, a sepultura o engole, a terra o co-bre, a podridão o desfaz, o esquecimento o ani-quila, e o que ontem era homem hoje é pó e ama-nhã será nada”.

BIBLIOGRAFIA: Obras completas. Ed. por E. CorreaCalderón, Madrid 1947; Obras Completas. Ed. e estudo pre-liminar por Arturo del Hoyo, Madrid 1960.

Balthasar, H. U. von (1905-1988)

*Teologia atual, Panorama da.

Báñez, Domingo (1528-1604)Teólogo dominicano espanhol. Foi professor

de Teologia na Universidade de Salamanca, umdos teólogos da chamada “baixa escolástica” ouescolástica renascentista, com sede na universi-dade salamanquina. Por sua cátedra passarammuitos discípulos que, mais tarde, ocuparam pos-tos de relevância na vida espanhola. Duas atua-ções o tornaram célebre: sua participação na con-trovérsia sobre a graça com Luís de *Molina, esua condição de diretor e confessor de Santa *Te-resa de Jesus.

Domingo Báñez destaca-se por sua sólida for-mação escolástica, seu critério justo e seguro eseu bom senso prático. Escreveu comentários àSumma Theologica de Santo Tomás e vários tra-tados teológicos e filosóficos.

BIBLIOGRAFIA: Scholastica Commentaria (Bibliote-ca de Tomistas Espanhóis, VIII); Comentários inéditos da

Báñez, Domingo

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Prima Secundae de Santo Tomás, 3 vols. (Biblioteca de Te-ólogos espanhóis, IX, XI e XIV); M. Solana, Historia de lafilosofía española, III, 1941, 173-220.

Bardasanes (154-226)

*Efrém Siro, Santo; Marcião; Gnósticos.

Barlaão da Calábria (1290-1348)

*Hesiquia.

Barnabé, Carta a (séc. I-II)

*Padres apostólicos.

Barônio, César (1538-1607)

Religioso do Oratório, nomeado cardeal em1596. Destacou-se como erudito e historiador, semdúvida o mais importante de sua época. Sua obraprincipal são os Annales Ecclesiastici, uma his-tória da Igreja em 12 volumes, que vai das ori-gens até 1198. A redação da obra ocupou os últi-mos anos de seu autor (1588-1607). A Históriade Barônio é uma réplica da Historia EcclesiaeChristi (1559-1574), dividida por centúrias ouséculos e conhecida como “os centuriões deMagdeburgo”. É uma visão da história eclesiásti-ca desde a Contra-Reforma, cheia de dados àsvezes sem oposição.

A autoridade de Barônio, no entanto, foi reco-nhecida durante muito tempo.

Barth, Karl (1886-1968)

Teólogo suíço de confissão calvinista. Por suaatitude antinazista, foi obrigado por Hitler a refu-giar-se em Basiléia, de cuja universidade foi pro-fessor. Faz parte da chamada “teologia dialética”ou “da crise”, junto a J. *Moltmann, E. Brunner,R. *Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deunome a um movimento: o barthismo, que propõe

Bardasanes

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uma total e coerente adesão à Palavra de Deus,equivalente ao objetivismo da revelação bíblicae ao fato histórico da encarnação, contra oimanentismo da cultura moderna geral e em par-ticular do “protestantismo liberal”. A teologia deBarth é uma reação frente a Schleiermacher e, emgeral, contra a cultura do Romantismo e doIluminismo. Participou, como observador, doConcílio Vaticano II.

A doutrina de Barth está presente em seusnumerosos discípulos e em sua extensa e valiosaobra escrita. Destacamos seu monumental DieKirchliche Dogmatik (10 vols., 1955) e oComentario à epístola aos Romanos (1919);Humanismus (1950), e outras.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintespontos: 1) Barth destaca a absoluta transcendênciade Deus. Deus é o único positivo, o ser. O ho-mem, no entanto, da mesma forma que o mundo,é a negação, o não ser. Justamente por não sernada, o homem não tem a possibilidade de auto-redenção; nem ao menos de conhecer Deus, massomente de saber que não o conhece. 2) A inicia-tiva vem de Deus, que irrompe no mundo do ho-mem através de sua revelação e palavra. A teolo-gia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. Arevelação de Deus é o objeto da teologia. Barthcentra toda a sua atenção na revelação e palavrade Deus na Bíblia. 3) Barth vê a revelação de Deusna Bíblia como algo dinâmico, não estático. Apalavra de Deus, diz Barth, não é um objeto quenós controlamos como se fosse um corpo mortoque podemos analisar e dissecar. Na realidade écomo um sujeito que nos controla e atua sobrenós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir deum jeito ou de outro. 4) A Palavra de Deus é oacontecimento mediante o qual Deus fala e se re-vela ao homem através de Jesus Cristo. E comoisto se torna realidade? A Bíblia, Palavra escritade Deus, é a testemunha do acontecimento daRevelação de Deus. O Antigo e o Novo Testa-mento colocam Jesus Cristo como o “Cordeirode Deus”, anunciado por João Batista. Por isso,

Barth, Karl

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sem dúvida, desde seus primeiros anos como pas-tor, Barth teve sobre sua mesa a pintura deGrünewald em que João Batista mostra Jesus Cris-to crucificado. 5) Hoje, através da Palavra pro-clamada, a Igreja é testemunha da Palavra reve-lada. Sua proclamação baseia-se na palavra es-crita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra pro-clamada e escrita, e se transforma em palavra re-velada de Deus, quando ele quer falar-nos atra-vés dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revela-ção de Deus em Jesus Cristo. A única palavra deDeus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deuscom o homem se dá em Cristo e através de Cris-to. Em sua forma negativa, isto significa a exclu-são da teologia natural. Positivamente, tudo deveser visto e interpretado a partir de Cristo ou, em-pregando a expressão barthiana, a partir da “con-centração cristológica”. O pecado original nãopode ser entendido independentemente de Cris-to. A fé também não é fruto de um raciocínio nemestá fundamentada em um sentimento subjetivo.“Em Jesus Cristo não há separação do homem deDeus, nem de Deus do homem.”

Barth prega que “a mensagem da graça deDeus é mais urgente que a mensagem da Lei deDeus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”.

A teologia de Barth exerceu e continua exer-cendo uma influência decisiva na constante pro-cura da palavra autêntica e verdadeira de Deus.Sua condição de “crente” que não invoca nenhummérito diante de Deus é o melhor estímulo paraos cristãos de todos os tempos.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Esboço de dogmática (1947);O homem e seu próximo (1954); A dogmática cristã em es-boço (1927); Dogmática eclesiástica (1932-1967);Humanismo (1950).

Bartolomeu de las Casas (1474-1566)

Bartolomeu de las Casas nasceu em Sevilha.Seu pai, amigo de Colombo, fez parte da segundaviagem às Antilhas em 1493. Depois de terminar

Bartolomeu de las Casas

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seus estudos em Salamanca, chegou a Santo Do-mingo em 1502 e participou de várias expediçõessob as ordens de Nicolau de Ovando. Foi premi-ado por seu trabalho com uma encomienda, e seiniciou como doctrinero dos índios. Em 1512 or-denou-se sacerdote, talvez o primeiro da Améri-ca, para participar em 1513 da conquista de Cuba.

O ano de 1514 marcou o giro copernicano davida e da atuação posterior de Bartolomeu de lasCasas. No famoso sermão do 15 de agosto, anun-ciou que devolvia sua missão e sua reserva deíndios ao governador. Convencido de que era inú-til defender os índios, estando tão longe, em 1515voltou à Espanha, onde encontrou o apoio e a aju-da do cardeal Cisneros. O plano para a Reformadas Índias foi fruto dessa viagem. Nomeado sa-cerdote-procurador das Índias, embarcou nova-mente para a América em 1516.

Desde então, Bartolomeu de las Casas assu-me a causa dos índios. No ano seguinte, volta paraa Espanha e apresenta-se diante do imperadorCarlos V, que em 1519 aceita o projeto de LasCasas para “criar as comunidades livres”, com-postas de índios e de espanhóis, para criarem jun-tos uma nova civilização na América. Volta paraa América em 1520 para experimentar o fracassodesta primeira tentativa em Santo Domingo. Em-bora fracassado como sacerdote e comoreformador social, não abandona a luta. Em 1523ingressou na Ordem de São Domingos, onde es-creve a História apologética, que serviria comoantecipação e introdução de sua grande obra, aHistória das Índias que, por sua própria vontade,só se publicaria depois de sua morte. A História éum relato de todo o ocorrido nas Índias tal e qualele viu e ouviu; porém, mais do que uma simplescrônica, caberia melhor defini-la como uma in-terpretação profética, já que se trata da exposiçãodo pecado da dominação, da opressão e da injus-tiça com que os europeus tratavam os índios re-cém-descobertos.

Junto a essa História, que antecipa para aEspanha os castigos que sobreviriam, deve-se

Bartolomeu de las Casas

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colocar as três cartas que enviou ao Conselho dasÍndias (1531-1535). Nelas acusa concretamentepessoas e instituições do pecado de opressão so-bre os índios, sobretudo através do sistema deencomiendas. Sua situação incômoda diante dosque ofereciam as missões e das autoridades não oimpediu de escrever O único modo, obra em queestabelece a doutrina da evangelização pacíficados índios, e trata de implantá-la ajudado pelosdominicanos numa região da atual Costa Rica.

Novamente na Espanha, escreveu em 1542 aBrevíssima relação da destruição das Índias, ondeexpõe e delata a atuação dos conquistadores: “Arazão pela qual os cristãos mataram e destruíramtão infinito número de almas é que foram arrasta-dos pelo anseio do ouro e pelo desejo de se enri-quecer em muito pouco tempo”. Desde então,Bartolomeu de las Casas parece ter recebido seuprêmio. Carlos V assinou Leis Novas das Índias,nas quais introduziu um novo direito no regimedas encomiendas. Las Casas foi nomeado bispode Chiapas e, em 1544, embarcou novamente paraa América com 44 missionários dominicanos. Jáem 1545, redigiu os Avisos e regras para confes-sores de espanhóis, em que proibia absolver aque-les que retivessem índios em suas missões. Istoprovocou o desagrado dos colonos e governado-res, que mais uma vez o obrigaram a abandonarseu posto para voltar à Espanha em 1547. A par-tir daí, a batalha de Bartolomeu de las Casas per-manecerá no Conselho das Índias e na confronta-ção com os intelectuais e teólogos, principalmentecom Juan Ginés de Sepúveda. Las Casas conti-nuou escrevendo livros, folhetos, memoriais, tes-temunhando assim sua inquebrantável determi-nação de deixar por escrito seus principais argu-mentos em favor dos índios da América. Aos 90anos completou mais duas obras sobre a conquis-ta espanhola na América. Morreu em 1566, noconvento de Nossa Senhora de Atocha de Madri.

A vida de Bartolomeu de las Casas gozou sem-pre de sorte diversa. Também foi interpretada demaneira muito diversa na Espanha e fora dela.

Bartolomeu de las Casas

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Exaltado, desprezado e depois novamente exal-tado, hoje é considerado um dos primeiros a per-ceber a injustiça econômica, política e cultural dosistema colonial. Como evangelizador, é inegá-vel sua boa vontade e sua entrega total, pelo evan-gelho, à causa dos fracos.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Del único modo de atraer atodos los pueblos a la verdadera religión. México 1951;Historia de las Indias. Madrid 1957-1958, 4 vols.; Id.,Brevísima relación de la destrucción de las Indias. BuenosAires 1960; Ramón Menéndez-Pidal, Bartolomé de las Ca-sas. Madrid 1968; L. Galmés, Bartolomé de las Casas, de-fensor de los derechos humanos. Madrid 1980.

Basílides (séc. II)

*Gnósticos.

Basílio Magno, São (331-379)

A figura de São Basílio destaca-se por seuperfil de monge, de pastor, de homem da Igreja ede fino conhecedor da língua e da cultura grega.Nascido em Cesaréia da Capadócia — hoje Tur-quia Asiática — , recebeu a primeira educaçãoem sua cidade natal para completá-la depois emConstantinopla e Atenas (351-356). Aí conheceuSão Gregório Nazianzeno, com quem teve umasincera e profunda amizade. Os dois, junto comSão Gregório de Nissa e Eusébio de Cesaréia,formam a escola de Cesaréia e são conhecidostambém pelo nome de “padres capadócios”.

O apelido de “Grande” aplica-se a São Basí-lio por ser monge e fundador do mosteiro orien-tal, por seu trabalho pastoral como bispo deCesaréia, por sua doutrina como teólogo e defen-sor da ortodoxia frente ao arianismo, e por seusdotes de orador e homem culto e superior que lhevaleram a admiração e o reconhecimento de seuscontemporâneos.

Basílio deixou obras dogmáticas, exegéticas,ascéticas, homilias e cartas. Em primeiro lugardestacam-se as duas Regras, a longa e a breve,

Basílio Magno, São

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fruto de sua longa experiência como monge, e cujainfluência é evidente em todo o mosteiro orien-tal. Das 24 homilias, certamente autênticas, de-vemos ressaltar os problemas éticos e sociais queapresentavam. As obras dogmáticas — ContraEunômio, Sobre o Espírito Santo — são dedicadasà polêmica contra o arianismo. Na primeira de-fende a divindade do Filho e, na segunda, expõea divindade do Espírito Santo, segundo a doutri-na da Igreja. Suas nove homilias sobre oHexameron mostram seus conhecimentos cientí-ficos da Antigüidade.

De seus escritos, destacamos: a) Sua numero-sa correspondência, da qual nos restam mais de300 cartas. Nelas fala de suas atividades diárias,ou são pequenos tratados de teologia e moral.Várias de suas epístolas canônicas, que tratamde disciplina, formam parte do direito canônicoda Igreja Ortodoxa. b) De grande interesse é seuDiscurso aos jovens sobre a cultura clássica esobre os cristãos. Aconselha o estudo dos poetas,oradores, historiadores e filósofos gregos. A lite-ratura e a erudição gregas são um poderoso ins-trumento de educação, mas a educação moral émais importante que a formação literária e filo-sófica. c) Embora ainda não esteja confirmada suacontribuição à denominada Liturgia de São Basí-lio, deve-se reconhecer pelo menos que, nestamagnífica série de preces eucarísticas, a prececentral da consagração reflete seu espírito e é pro-vável que foi utilizada em Cesaréia durante a vidado santo.

O trabalho dogmático mais importante de SãoBasílio, e dos padres capadócios, apóia-se na sualuta contra o arianismo e, particularmente, contraos imperadores *Juliano e Valente. Seu empenhotem o objetivo de esclarecer a fé da Igreja:

— “Nas discussões sobre Deus deve-se to-mar por guia a fé, a fé que impele à aceitaçãomais fortemente do que à demonstração, a fé quenão é produzida por uma necessidade geomé-trica, mas pela ação do Espírito Santo” (Hom. InPs., 115, 1).

Basílio Magno, São

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— “Não aceitamos nenhuma fé que não sejaprescrita por outros nem presumimos expor osresultados de nossa reflexão, para não dar comoregra de religião o que somente os santos padresnos têm ensinado”.

— Em suas discussões sobre a Trindade, man-tém firme o fundamento de uma só substância(ousía) e três Pessoas (hipóstasis): igualdadesubstancial das três Pessoas, distintas, no entan-to, em sua individualidade. Frente aos semi-aria-nos, admitiu a substituição do termo“consubstancial” pela fórmula “semelhanteimutavelmente na essência”.

— Diante de Eunômio, São Basílio afirma que“o conhecimento da essência divina consiste so-mente na percepção de sua incompreensibilidade”(Ep. 234, 2). Podemos conhecer Deus através desuas obras, mas sua essência nos é inacessível.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, II, 213-247;Obras: PG 29-32; Homilias escogidas de San Basílio elGrande (Biblioteca de autores gregos e latinos), Barcelona1915.

Batiffol, Pierre (1861-1929)

Historiador da Igreja, especializado na histó-ria das origens. Esteve vinculado algum tempoao Modernismo. Sua obra sobre a Eucaristia(1905) criou tal conturbação que se viu obrigadoa renunciar ao reitorado do Instituto Católico deToulouse. Em 1911, seu livro foi incluído no* Index dos livros proibidos.

Apesar de tudo isto, é notável a contribuiçãode P. Batiffol para a história da Igreja. São dignasde consideração suas conclusões a respeito dahistória da Igreja primitiva e, especialmente, so-bre o desenvolvimento e evolução do poder dopapa até a época de Leão I.

Baur, Ferdinand Christian (1792-1860)

Teólogo protestante liberal, fundador da Es-cola de Tubinga (Alemanha). Discípulo de

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*Hegel, tratou de aplicar no cristianismo e suahistória as teorias sobre a evolução da históriapróprias do seu mestre. O Novo Testamento édominado por três correntes em luta: a correntepetrina e a paulina, opostas entre si, para termi-nar na católica. Era a teoria hegeliana da tese,antítese e síntese. Essa mesma teoria, aplicou-adepois no desenvolvimento da doutrina cristã. Aobra sobre São *Paulo (1845) é um reflexo detodas as suas teorias. Nega a autenticidade damaior parte das cartas de São Paulo, a exceção deGálatas, 1 e 2 Coríntios e Romanos. Em seu estu-do sobre os Evangelhos (1847) Baur os interpre-ta como uma simples evolução de um processoque começa em Mateus, que representa o partidojudaizante, e termina em João, considerado comoa evolução e reconciliação final.

A Escola de Tubinga exerceu grande influên-cia sobre filósofos, teólogos e historiadores(*Feuerbach, *Renan, *Strauss).

Baxter, Richard (1615-1691)

*Pietistas.

Bayle, Pierre (1647-1706)

*Voltaire.

Bayo, Miguel (1513-1589)

Teólogo belga, delegado da Universidade deLovaina ao Concílio de *Trento. Em 1567, umabula papal condenou as seguintes proposiçõestomadas de suas obras: a) O primitivo estado deinocência não foi um dom sobrenatural de Deuspara o homem, mas o complemento necessárioda natureza humana. b) O pecado original não ésimplesmente a privação da graça, mas a concu-piscência habitual, transmitida por herança, queé pecado inclusive nas crianças inconscientes, oumal moral em si mesma. c) A obra da redençãoconsiste em capacitar-nos para recuperar os dons

Baxter, Richard

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da inocência original e assim viver uma vidamoral. d) Nossos atos tornam-se meritórios, tro-cando a concupiscência pela caridade. Desta ma-neira, a graça que nos confere a redenção não tempor que ser sobrenatural.

Beauduin, Lambert (1873-1960)

Monge beneditino, incentivador do movimen-to litúrgico com sua obra La Piété de l’Église(1914), escrita na abadia de Mont-César, Lovaina,centro de renovação litúrgica. Em 1925 fundou,por solicitação de Pio XI, um centro de oraçãopela unidade dos cristãos, centro que, definitiva-mente, mudou-se para Chevetogne em 1939. Acomunidade dos monges aí estabelecida procu-rou o restabelecimento de relações entre a Igrejade Roma e as demais Igrejas. Nela praticavam-sedois ritos nos atos litúrgicos: o rito latino e o ori-ental (grego e eslavo).

Beauduin acompanhou o cardeal Mercier nasLigas de Malinas (1921-1925) para tratar da uniãoda Igreja Anglicana com Roma. Sua propostaposterior de que “a Igreja não deveria ser absor-vida, mas unida à de Roma”, valeu-lhe a desa-provação de Roma. Os últimos anos de sua vida,passou-os em Chevetogne. Beauduin transforma-se assim num dos pioneiros do movimentoecumênico anterior ao Concílio *Vaticano II.

Becket, Santo Thomas (1118-1170)

*Salisbury, João de

Beda, o Venerável, São (672-735)

Nasceu em Jarrow (Inglaterra). Monge, teólo-go, investigador e historiador anglo-saxão, conhe-cido principalmente por sua Historia ecclesiasticagentis anglorum, imprescindível para o conheci-mento das origens do cristianismo na Inglaterra.

Desde os sete anos o vemos no mosteiro deWermouth (Durham), de onde se mudou para a

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abadia de Jarrow, aí vivendo até a sua morte.Conforme diz Pedro Abelardo, colhendo o pró-prio testemunho de Beda, nunca se arrependeude ter-se tornado monge, jamais se cansou, felizem viver em plenitude. Sepultado em Jarrow, seusrestos foram trasladados mais tarde para a Cate-dral de Durham.

A obra escrita de Beda está dividida em trêsgrupos básicos: a) estudos de gramática e cientí-ficos; b) comentários bíblicos; c) escritos históri-cos e biográficos. No primeiro bloco, figuram seustratados sobre a leitura, figuras de linguagem,versos e epigramas. Como obra científica desta-ca-se De natura rerum, baseada preferencialmentena obra de Plínio, o Velho, e De temporum ratione,esta última dedicada a instruir os clérigos paradeterminar a data exata da páscoa cristã. Tam-bém é um mérito de Beda a adaptação da crono-logia da história universal para a data do nasci-mento de Cristo.

Com relação a seus comentários bíblicos, éconhecida sua tendência para as interpretaçõesalegóricas, procurando no texto bíblico sentidossimbólicos e mais profundos. Não obstante, sou-be aplicar um sentido crítico ao texto e tratou deharmonizar e raciocinar suas discrepâncias e di-ferenças.

A faceta mais brilhante de Beda está em suacondição de monge investigador e historiador.Dele se conhece Vida de São Cutberto, em prosae verso, na qual abundam os milagres. Maior sen-tido histórico tem sua Historia abbatum. Mas aobra que é ligada a seu nome, como o indicamosanteriormente, é sua Historia ecclesiastica gen-tis anglorum. Consta de cinco livros e abrangeum período que vai desde a invasão de Júlio César(55-54 a.C.) até a chegada de Santo Agostinho aKent (597 d.C.). Suas fontes são cartas antigas,tradições dos antepassados e o próprio conheci-mento dos fatos pelo autor. Apesar de estarsobrecarregada com os milagres, é a obra de umestudioso preocupado em precisar suas fontes eregistrar as que considerava dignas de crédito.

Beda, o Venerável, São

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Ainda hoje é fonte indispensável dos fatos e sig-nificado da primitiva história anglo-saxã.

Com razão compara-se Beda com São *Isidorode Sevilha. Beda é outro elo da corrente atravésda qual se transmite a cultura antiga para a IdadeMédia. Sua influência perpetuou-se na Inglaterrapela escola de York, fundada por seu discípuloEgbert, e transcendeu o continente através dogrande Alcuíno. Beda é o monge paciente cujaimagem é paradigma do estudioso pesquisador dasvelhas abadias beneditinas.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 90-95; A. H. Thompson,Bede: His life, Times and Writings, 1935; M. T. A. Carroll,The Venerable Bede: His Spiritual Teachings, 1946. E.Gilson, A filosofia na Idade Média, 173-176.

Belarmino, São Roberto (1542-1621)

Teólogo jesuíta, considerado um dos princi-pais executores da “Contra-Reforma”. Sobrinhodo Papa Marcelo II, ingressou na Companhia deJesus em 1560. Foi o primeiro professor jesuítada Universidade de Lovaina. Depois de seis anosde magistério nessa universidade, passou ao Co-légio Romano como professor, sendo nomeadocardeal em 1599. De 1602 a 1605 foi bispo deCápua, sendo posteriormente chamado ao servi-ço da Cúria Romana.

Belarmino é considerado um defensor da Igre-ja de Roma frente ao protestantismo emergente ejá consolidado na Europa. Sua principal obra,Disputationes de controversiis Christianae Fidei(1586-1593), é uma defesa racional, clara e siste-mática da Igreja de Roma. Seus estudos da Bí-blia, da Igreja primitiva e dos padres fizeram deleum inimigo formidável dos reformadores.Belarmino obrigou a fundar cátedras de teologianas universidades protestantes para poder contes-tar os ataques do jesuíta.

De vida impecável, foi um teólogo sincero eexemplar, sem medo de expressar suas convic-ções. Assim é quando fala da justificação somen-te pela fé, uma fé viva vivificada pela caridade...

Belarmino, São Roberto

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Da mesma maneira quando fala do poder indire-to — não direto — do papa sobre os assuntos tem-porais e que mereceu dele a perda da confiançade Sisto V, que colocou o primeiro volume dasControvérsias no Index. Essa integridade é ob-servada na implicação de Belarmino nas primei-ras etapas do caso Galileu. Foi Belarmino quemcomunicou a *Galileu (1616) que a Terra é o cen-tro do universo, e não o inverso.

BIBLIOGRAFIA: J. Lortz, Historia de la Iglesia en laperspectiva del pensamiento. Cristiandad, 2 vol.; Historiade la Iglesia dirigida por Ricardo G. Villoslada (BAC), 1979s.

Bell’Huomo (séc. XVII)

*Molinos, Miguel de.

Belloc, Hilaire (1870-1953)

*Chesterton.

Benoit, Pierre (1886-1962)

*Teologia atual, Panorama da.

Bento de Núrsia, São (480-547)

Nasce em Núrsia (Lombardia). Fundador daordem beneditina e pai do mosteiro ocidental.Proclamado patrono da Europa, em 1964, porPaulo VI, por sua contribuição bem como a deseus monges para a evangelização e civilizaçãode diversas regiões deste continente.

Sobre a vida de São Bento, temos a testemu-nha de quatro de seus discípulos, tal como apare-ce nos Diálogos de São Gregório (l.II). Sabemos,de fato, que nasceu de uma boa família de origemlombarda e que foi mandado para estudar na de-cadente Roma dos godos e do nascente poder dospapas. Enojado de Roma, logo se retirou paraSubíaco, a uns 50 km ao leste de Roma, nas ca-deias dos montes Abruzos. Aí viveu três anoscomo eremita em completa solidão. Obrigado a

Bell’Huomo

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presidir um grupo de monges, chegou a fundaraté doze mosteiros com doze monges em cadaum. De Roma vieram patrícios e senadores paracolocarem-se sob sua direção. Discípulos destaépoca foram Mauro e Plácido, que sempre o acom-panharam.

Depois desses primeiros ensaios, estabeleceu-se em Monte Cassino, no meio do caminho entreRoma e Nápoles, onde permaneceu até a suamorte. A etapa em Monte Cassino foi a mais es-tável e fecunda, onde fundou propriamente a or-dem beneditina e redigiu e ensaiou sua famosaRegra. Quem quiser conhecer São Bento, terá debuscar a regra que São Gregório definiu comomonumento “claro por sua linguagem e eminen-te por sua discrição”.

São Bento começou sua vida monacal comoeremita solitário. Percebeu, entretanto, as dificul-dades e perigos espirituais desse tipo de vida. Suaregra observa uma vida totalmente em comum,sob a obediência ao abade do mosteiro e na qualo monge se vincula a ele por toda a sua vida. Nessaregra reconheceram-se elementos da tradição le-gados pelos padres do deserto, por Santo Agosti-nho e, principalmente, por Cassiano. A crítica

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moderna assinala também, na composição da re-gra, a inclusão de um documento anônimo co-nhecido como a Regra do mestre — Regulamagistri . Não existe, no entanto, unanimidadeentre os críticos sobre a certeza da inclusão destedocumento. Assim, quase um terço da chamadaregra de São Bento derivaria da Regula magistri.O prólogo e os capítulos sobre a humildade, aobediência e o abade teriam sido derivados desta.De qualquer maneira, a regra que se impôs emtoda a Europa por sua prudência e discrição foi achamada regra de São Bento, conhecida até hojecomo tal.

— De um nível constitucional, a regra de SãoBento é a primeira tentativa séria de racionaliza-ção da vida e da atividade de uma comunidade dehomens. Sob o lema de “Ora et labora”, tenta-serealizar o “opus Dei”, distribuindo racionalmen-te o tempo da jornada diária entre oração, traba-lho, descanso e sono (de 7-8 horas diárias). A jor-nada de trabalho diurno está igualmente distribu-ída em 5 horas de oração litúrgica e particular, 5horas de trabalho manual e outras 5 horas de lei-tura da Bíblia, estudo, pesquisa.

— Em toda a vida monástica permanece o sen-tido da compreensão humana e cristã: prudênciae compreensão. Nada de dureza nem rigidez. Omosteiro ou abadia é como uma família, uma casaou lar independente e autônomo. O abade é suafigura central: é o pai, primus inter pares, quegoverna e dirige com discrição a vida da comuni-dade e dos diferentes tipos de pessoas segundosua idade, capacidade, disposições e necessida-des tanto materiais quanto espirituais. A modera-ção deve presidir sua vida e a dos monges.

— A obediência, que faz do mosteiro “umaescola de serviço do Senhor” (Prólogo), a humil-dade em seus dozes graus (c. 7), a pobreza: “ovício da propriedade privada deve ser erradicadoespecialmente do mosteiro” (c. 33) e o trabalho:“a ociosidade é inimigo da alma” (c. 48), e a ora-ção ou “opus Dei” levarão o monge à altura dadoutrina e perfeição (c. 73).

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BIBLIOGRAFIA: D. João Evangelista, OSB, Regra deSão Bento; D. Basílio Penido, OSB, Regra de São Bento; R.Molina, San Benito, Fundador de Europa (BAC), 1980; LaRegla de San Benito. Edição de G. M. Colombás-Aranguren(BAC), 1970.

Berdiáev, Nikolái (1874-1948)

Representante da filosofia existencialista cristãrussa. De vida agitada antes e depois da revolu-ção de 1917, primeiro por suas idéias socialistase depois por sua oposição ao regime comunista.Berlim e Paris foram os lugares de residênciaobrigatória. Desde 1925 fez de Paris o centro desua atividade filosófica e cultural. Sua produçãoé muito extensa.

Berdiáev defende um espiritualismoprofetizante. Sobre o fundo comum doexistencialismo, concebe o homem como indiví-duo, ligado ao mundo da natureza. Mas o homemsupera o limite que o separa de sua própria singu-laridade, colocando-se como pessoa. O homem,enquanto pessoa, vive sua própria existência, vivesua própria vocação com consciência e responsa-bilidade. A solidão originária do homem, segun-do Berdiáev, não pode ser resolvida senão emDeus: “É nele que a plenitude pode ser alcançada,após descoberto o verdadeiro sentido da existên-cia”. “Ontologicamente, a solidão é a expressãoda nostalgia de Deus como sujeito e não maiscomo objeto, porque Deus não pode ser nuncaum objeto, um outro, senão que vive na alma erevela-se como momento constitutivo da perso-nalidade espiritual do homem. Na profundidadedo espírito, nasce essa humana e eterna nostalgiade Deus, e a procura de Deus por parte do ho-mem transforma-se na procura de si mesmo, daprópria humanidade”.

Neste surgir de Deus na alma, Berdiáev en-contra um movimento duplo: “De Deus ao ho-mem e do homem a Deus”. Portanto, pensaBerdiáev que “na filosofia e na teologia seria ne-cessário começar não pelo homem, nem por Deus,mas pelo Deus-Homem. A existência, então, de-

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semboca no Deus-Homem, em Cristo, em quemse restitui o laço desfeito entre o homem e Deus,e o homem liberta-se da escravidão da natureza eda morte”. “Entra numa economia nova.” “Todaa vida é diferente depois da vinda de Cristo.”

Sob essa perspectiva. Berdiáev constrói umética nova. “A ética da redenção completa-se poruma ética nova, criativa e profética, que carregasobre o homem a responsabilidade pelo própriodestino e o do mundo”. Seu melhor livro, O des-tino do homem, tenta traçar as linhas da existên-cia cristã, entendida como criatividade, que se abrefinalmente em visões de ordem escatológica eprofética. São reflexões paradoxais e sugestivas,embora nem sempre claras.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Uma nova idade média(1931); O sentido da história (1931); A destruição do ho-mem (1947); O homem e a máquina (1933); O destino dohomem (1936); Ensaio de meditação escatológica (1940);Cinco meditacõses sobre a existência (1948); Liberdade eescravidão do homem (1959); O cristianismo e o problemado comunismo (1959).

Bergson, Henri (1859-1941)

Qualifica-se a filosofia de Bergson como “amáxima expressão do espiritualismo francês des-te último século”. O tema fundamental da filoso-fia bergsoniana é a consciência, considerada nãocomo uma energia infinita e infinitamente cria-dora, mas como uma energia finita, condicionadae limitada por situações, circunstâncias e obstá-culos que podem inclusive solidificá-la, degradá-la, bloqueá-la ou dispersá-la.

H. Bergson nasceu e morreu em Paris. Dei-xou detrás de si uma brilhante e esplêndida obratanto literária quanto filosófica: conferências,ensaios e livros formam parte de seu legado comoprofessor no Colégio da França. Seu primeiro es-crito é Ensaio sobre os dados imediatos da cons-ciência (1889), que já revela o que será o métodode sua filosofia: libertar a vida original da cons-ciência de estruturas fictícias. Sua obra principal,A evolução criadora (1907), interpreta a nature-

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za da vida como corrente de consciência ou im-pulso vital (élã vital), que se insinua na matéria,sujeitando-a a si, mas ficando também limitada econdicionada por ela. Seguem a essa última ou-tras obras como Energia espiritual (1919); Du-ração e simultaneidade (1922); O pensamento eo movente, e As duas fontes da moral e da reli-gião (1932), na qual expôs o significado ético-religioso de sua doutrina. Desta obra trataremosaqui de maneira preferencial.

Em As duas fontes da moral e da religião,Bergson alcançou uma noção muito mais próxi-ma do conceito religioso de Deus do que em Aevolução criadora. Em 1937 reconheceu: “Mi-nha reflexão levou-me cada vez mais perto docatolicismo, no qual vejo o completo cumprimen-to do judaísmo”. No entanto, embora tenha de-clarado “sua adesão moral ao catolicismo”, nun-ca foi além disso. “Ter-me-ia convertido, se nãotivesse visto de antemão a formidável onda deanti-semitismo que se infiltra no mundo. Gosta-ria de permanecer entre os que amanhã serãoperseguidos”. Confirmando essa convicção, pou-cas semanas antes de sua morte levantou-se dacama e pôs-se na fila para ser registrado comojudeu, conforme a lei que acabava de ditar o go-verno de Vichy, e da qual não quis eximir-se ape-sar de se ter proposto isto a Bergson.

Bergson distingue duas classes de sociedades,nas quais se dão também duas classes ou tipos demoral e de religião. Existem sociedades fechadasnas quais se pratica e vive uma moral da obriga-ção e do costume. Em tais sociedades, a ordemmoral é modelada sobre a ordem física. O indiví-duo segue o caminho traçado pela sociedade: au-tomaticamente obedece a suas normas e confor-ma-se com seus ideais. A sociedade é a fonte dasobrigações morais. Junto a esta existe uma moralabsoluta, a dos santos do cristianismo, dos sábi-os da Grécia, dos profetas de Israel, que é a moralde uma sociedade aberta. Essa moral nãocorresponde a um grupo social, mas a toda a hu-manidade. Tem por fundamentação uma emoção

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original e prolonga o esforço gerador da vida. Amoral da obrigação é imutável, a moral absolutaestá em movimento e tende ao progresso.

Da mesma maneira há dois tipos de religião: areligião estática e a religião dinâmica. A primei-ra é infra-intelectual: uma reação defensiva danatureza contra o poder dissolvente da inteligên-cia. É uma religião natural no sentido de que éproduto da evolução natural. Mas há também umareligião dinâmica: religião supra-intelectual, queempreende e continua diretamente o impulso vi-tal originário. Bergson identifica essa religião di-nâmica com o misticismo.

Sobre essa religião dinâmica ou misticismo,Bergson diz que é própria dos homens privilegia-dos e geniais. Não obstante, confessa que é algoque está em todos os homens, enquanto tende alibertá-los da religião estática e dá lugar a nume-rosas formas de religião. “O resultado do misti-cismo — diz Bergson — é uma tomada de conta-to e, conseqüentemente, uma coincidência parci-al com o esforço criador que a vida manifesta.Esse esforço é de Deus, senão o próprio Deus.”Sobre esse misticismo, Bergson escreveu suaspáginas mais belas. Assinalou que o misticismocompleto é o dos grandes místicos cristãos: SãoPaulo, Santa Teresa, Santa Catarina, São Fran-cisco, para os quais o êxtase não é um ponto dechegada, mas a partida para uma ação eficaz nomundo. Bergson prediz o surgimento de algumgênio místico como correção dos males sociais emorais de que hoje sofre a humanidade. Terminaseu pensamento afirmando: “O corpo imensu-ravelmente engrandecido do homem e da nature-za espera um suplemento de alma, e a mecânicaexigiria uma mística”.

As duas fontes reproduzem as linhas de umpanteísmo romântico. O homem é constituído, emsua mais íntima essência, por um impulso vital,supra-individual e sobre-humano, que “é o divi-no ou o próprio Deus”, nas palavras do próprioBergson. Isto não é panteísmo? Mas não impedede reconhecê-lo como um dos filósofos que mai-

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or influência exerceram nos pensadores cristãosatuais.

BIBLIOGRAFIA: L’Evolution Creatrice, Paris 1948;Cartas, Conferências e Outros Escritos, S. Paulo 1974 Obrasescogidas. Aguilar, Madrid 1963; La risa. Valencia 1973;F.Copleston, Historia de la filosofía, 9, 179-212; Diccionariode filósofos. Madrid 1987.

Bernanos, Georges (1888-1948)

Católico inconformista, inspirado em LéonBloy, Bernanos é considerado um dos grandesescritores e novelistas católicos franceses. ComoBloy, vê o mundo sobrenatural muito presenteentre os homens. Seu humor e sua humanidadelevam-no como que por instinto a repudiar o ma-terialismo e o compromisso de seus contemporâ-neos com o mal. Contra esses dois demônios di-rigirá toda a artilharia de sua obra literária duran-te toda a sua vida, sem deixar de aflorar o temapolítico, presente, também, sobretudo em seusúltimos escritos.

“Bernanos — afirma Ch. Moeller — é um es-critor profeta. Com seu olhar profundo, de umapenetração fulgurante, ele nos transporta ao eter-no. Obriga-nos a ver o verdadeiro risco de nossavida: “se as nossas felicidades são com freqüên-cia terrestres, nossas desgraças são sempre sobre-naturais”. Em meio a uma mensagem que ficaráentre as mais trágicas deste século, uma formidá-vel força de alegria irrompe. A chave da obrabernanosiana é o mistério pascal, morte e vida.”

Desde sua primeira novela, Sol de Satã, (trad.de Jorge de Lima), (1926), baseada em parte nasexperiências do Cura d’Ars, o tema de Bernanosé a luta entre as forças do bem e do mal para apo-derar-se da alma do homem. Personifica essa lutano sacerdote, protagonista de suas principais no-velas. Seus personagens representam os pólosopostos da conduta humana: da santidade à de-pravação total. Exemplo disto é o Diário de umpároco de aldeia (1936), no qual descreve a guerrade um jovem sacerdote contra o pecado. O peca-

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do e seus efeitos na alma e no mundo são os quefazem surgir, em seus personagens, a angústia e adesesperança.

“A semente do mal e a do bem voam por to-das as partes — disse o cura. A grande desgraçaestá em que a justiça dos homens intervém sem-pre demasiado tarde; reprime ou seca os atos sempoder elevar-se mais alto nem mais longe do quequem os cometeu. Mas nossas faltas ocultas en-venenam o ar que outros respiram... Creio que seDeus nos desse uma idéia clara da solidariedadeque nos une aos demais, no bem e no mal, nãopoderíamos, efetivamente, continuar vivendo”(Diário de um pároco de aldeia).

O mal, com efeito, manifesta-se no pecado quese expressa na luxúria das crianças e dos maisvelhos, no espancamento de crianças por seus paise adultos e nos maus-tratos destes não só no cor-po e na alma das crianças, mas também no espíri-to de infância, exaltado pelas bem-aventurançasevangélicas.

Por essa luta contra o mal em todas as suasformas, entra Bernanos na denúncia social e po-lítica: o fundo de seu pensamento nas obras polí-ticas está aqui e não em outro lugar. “A cada vin-te anos, diz em Filhos humilhados, os jovens domundo fazem sua pergunta, à qual nossa socieda-de não pode responder. Pela falta de resposta, asociedade os mobiliza... A mobilização da juven-tude chega a ser uma medida indispensável, umanecessidade do Estado, um fenômeno universal.”Esse desmascaramento do mal social e políticoestá presente, principalmente, em suas duas obrasO grande medo dos bem-pensantes (1931), sobreo materialismo das classes médias, e Os grandescemitérios sob a lua (1936), onde, surpreenden-do-o a guerra espanhola em Mallorca, denunciaas matanças que se fizeram em nome de uma re-belião presumidamente católica.

A política acabou comprometendo e turvandosua vida e sua obra. De 1938 a 1945 auto-exilou-se com sua mulher e seus seis filhos em um sítiono Brasil. Denunciou como escândalo o Tratado

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de Munique (1938); apoiou De Gaulle em sua lutade resistência contra a invasão alemã na França,escrevendo e transmitindo mensagens de esperan-ça para a população francesa através do rádio eda imprensa. Voltou à França em 1945, encon-trando nela a falta de renovação espiritual quesempre havia desejado. Sua última obra antes demorrer em 1948, foi Diálogo das Carmelitas. Umagrande peça teatral, abordando o caso de uma frei-ra que iniciou sua vida religiosa por seu medotemperamental, mas enfrenta o martírio com va-lentia, porque sua morte foi trocada pela da supe-riora, que, apesar da serenidade e de toda a suavida de fé, morre entre espasmos de terror.

“Bernanos encanta certos leitores e irrita ou-tros; mas a importância de sua mensagem crescedia a dia. Impossível incluir Bernanos entre osjansenistas que se ignoram. Se concordarmos empassar por cima de certos excessos de linguagem,certo sobrenatural por vezes inspirado em teatrode fantoches, imediatamente ressalta a precisãoteológica das suas visões. Precisamos dele. De-pois de Péguy faltava-nos uma voz que nos dessea impressão quase física da presença do sobrena-tural” (Ch. Moeller, o. c., I, 423).

BIBLIOGRAFIA: Ch. Moeller, Literatura do século XXe cristianismo, I.

Bernardo de Claraval, São(1091-1153)

Nasceu em Fontaines (Dijón) e morreu emClairvaux. Conhecido tardiamente como “Doctormelifluo” (1953), por sua doutrina “mais suaveque o mel”. Concebeu o misticismo como armade combate contra toda forma de heresia religio-sa ou filosófica e como instrumento para reforçaro poder eclesiástico.

Considerado “o último dos padres”, SãoBernardo reúne em sua pessoa o homem místicoe de ação inigualável: ardente e calmo, concilia-dor e guerreiro, monge e soldado, pregador emartelo dos hereges, guardião da Igreja e exalta-

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do devoto de Maria. Monge aos 21 anos, depoisde uma ruptura ruidosa com o mundo, foi esco-lhido abade de Clairvaux aos 25. Deste reduto desolidão e de trabalho, transforma-se no reformadore vigia de sua ordem e da Igreja. Bernardo conse-gue reunir em Clairvaux mais de 700 monges,agrupa 160 mosteiros em torno de sua reforma,anima a cavalaria cristã dos templários, aconse-lha os reis da França e principalmente — de 1130a 1145 — transforma-se em guardião da Igreja edo pontificado: teve tempo para resolver cismase heresias, interveio na eleição dos papas, parti-cipou do Concílio de Sens (1141) para condenarAbelardo e, finalmente, proclamou a segunda cru-zada em 1146.

Não é menos notável sua atividade literária esua incessante pregação. Suas mais de 400 cartasexistentes dão-nos uma idéia do mundo medie-val no qual viveu e atuou: idéias, personagens,problemas. Sua pregação ardente e combativaocupou boa parte de sua obra. Cartas e sermõessão caracterizados por sua freqüente alusão aospadres da Igreja e pelo uso de analogias,etimologias, aliterações e símbolos bíblicos, chei-os de ressonâncias poéticas. Basta citar seusSermones in cantica canticorum, exemplo admi-rável de linguagem mística.

O restante de sua obra está agrupado em doisblocos: 1) Obras de controvérsia: Contra quaedamcapitula errorum Abelardi e Capitula haeresumPetri Abelardi. 2) Os escritos ascéticos e místi-cos: De gradibus humilitatis et superbiae (1121);De diligendo Deo (1126); De gratia et liberoarbitrio (1127); De consideratione (1149-1152).Sem esquecer seus Louvores à Virgem Mãe, o clás-sico livro sobre a devoção mariana.

São Bernardo encarna o gênio religioso de todaa sua época. Sua obra combina uma vida místicade dedicação a Deus, com sua entrega aos pobrese sua preocupação com os problemas da Igreja.Há nele uma constante tensão entre o desejo deservir aos demais e seu desejo de cultivar a vidainterior, permanecendo no claustro.

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Sua doutrina sintetiza-se nestes pontos: 1)Negação do valor da razão. Não nega a utilidadeque, conforme o caso, podem ter os conhecimen-tos filosóficos e dialéticos, mas sustenta que oconhecimento das ciências profanas é de ínfimovalor, comparado com o das ciências sagradas.Bernardo pronuncia-se sem reservas contra a ra-zão e a ciência. O desejo de conhecer parece-lheuma “torpe curiosidade”. Classifica as discussõesdos filósofos como “eloqüência cheia de vento”(Sermones in Cantica, 36, 2; 58, 7). A isto se deve,sem dúvida, sua oposição a Abelardo, o dialéticoque “nihil videt in speculo, nihil in aenigmate”.Em conseqüência, mantém uma atitude de per-manente suspeita em relação à filosofia e à razão.

— Diante desta negação da razão e do valordo homem, elabora com profundidade a doutrinado amor místico. “Minha mais sublime filosofiaé esta: conhecer Jesus e sua crucifixão” (Sermonesin Cantica, 43, 4). O caminho que conduz à ver-dade de Cristo é a humildade. Subir os doze grausde humildade — segundo ele — é alcançar a hu-mildade e a verdade, que consiste em conhecer aprópria miséria e a do nosso próximo. Assim nosintroduzimos no reino da justiça e purificamosnossa consciência.

— A alma alcança o ponto culminante do co-nhecimento humano no êxtase. Aqui a alma, decerta forma, separa-se do corpo, esvazia-se e per-de-se a si própria para gozar numa espécie decontato com Deus. Trata-se de uma fusão e como“deificação da alma pelo amor”. Só a caridadepode efetuar essa maravilha de uma união perfei-ta numa distinção radical de seres (De diligendoDeo, 11, 32; 11, 36; 15, 39).

— Amar a Deus por si mesmo é conformarnossa vontade com a sua. Isso nos torna livres.Enquanto se ama como Deus ama, há perfeitoacordo entre nossa vontade e a vontade divina.Há perfeita semelhança entre o homem e Deus. Avida cristã, portanto, identifica-se com a vidamística, e esta, por sua vez, pode ser consideradacomo uma reeducação do amor.

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E. Gilson resume assim seu juízo sobre SãoBernardo: “A profunda influência que SãoBernardo exerceu depende de múltiplas causas:o prestígio de sua santidade, a eloqüência de seuestilo e sua autoridade como reformador religio-so. No entanto, devemos assinalar, além das jácitadas, outras causas: que fundou sua doutrinanuma experiência pessoal do êxtase e que deu umainterpretação totalmente elaborada dessa experi-ência” (A filosofia na Idade Média, 279).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas de san Bernardo.Edição bilíngüe (BAC), 6 vols.; E. Gilson, La théologiemystique de S. Bernard; Id., A filosofia na Idade Média, 277-280, com a bibliografia indicada.

Bérulle, Pierre de (1575-1629)

*Educadores cristãos.

Bessarión, João (1403-1472)

Cardeal, humanista e colecionador de manus-critos, filósofo e teólogo. Modelo de pensamentoe ação do homem renascentista a serviço da cul-tura e da Igreja. Em 1437 foi nomeado arcebispode Nicéia, e no ano seguinte acompanhou o im-perador João VII Paleólogo ao Concílio de Fer-rara-Florença (1438). Entusiasta pela união degregos e latinos, ficou na Itália depois de termi-nado o Concílio. Sua diplomacia não agradou aosgregos. Nomeado cardeal em 1439, desempenhoudiversas missões diplomáticas a serviço dos pa-pas. Foi grande amigo e protetor da maior partedos mais destacados humanistas italianos e imi-grantes gregos de seu tempo. Em 1468 legou suacoleção de manuscritos gregos para a repúblicade Veneza, doação que foi o núcleo da futura Bi-blioteca de São Marcos — Biblioteca Marciana.Morreu em Ravena em 1472.

— Devemos a Bessarión a tradução em la-tim da Metafísica de Aristóteles e de algumasdas obras de Teofrasto e Xenofontes. Escreveuainda quatro livros em defesa de Platão: In

Bérulle, Pierre de

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calumniatorem Platonis, redigido em grego e tra-duzido depois para o latim. Sua condição de dis-cípulo do grande humanista Pleton (1355-1452)levou-o a um profundo conhecimento de Platão ede sua religiosidade.

— Bessarión ficará sempre como exemplo dehomem a serviço das idéias da unidade cristã eda cultura antiga.

Betti, Hugo (1892-1953)

*Literatura atual e cristianismo

Beza, Teodoro de (1519-1605)

Teólogo e líder da Igreja Calvinista suíça. Re-nunciou ao catolicismo em 1548. De 1549 a 1558foi professor de grego em Lausana, para passardepois a dirigir a nova Academia de Genebra fun-dada por Calvino. Depois da morte deste em 1564,converteu-se em chefe dos calvinistas suíços.

A atividade literária de Beza centra-se na edi-ção do texto grego do Novo Testamento (1565).É a primeira edição crítica do texto e, para realizá-la, consultou e copilou 17 manuscritos. Expoentedessa erudição de Beza é o chamado Codex Bezae(“D”), manuscrito greco-latino do s. V., apresen-tado em 1581 à Universidade de Cambridge porTeodoro de Beza. É considerado como o textomais representativo dos códices ocidentais.

Em Tractationes theologicae expõe a doutri-na cristã, toda ela imbuída do espírito rigidamen-te determinista de Calvino.

BIBLIOGRAFIA: Obras, em Corpus Reformatorum(Brunswick). Berlim 1850s; Leipzig 1893s.

Bíblia

Nosso fundamental interesse centra-se aqui naBíblia como livro de fé para os cristãos. Não en-traremos em seu valor científico, histórico, nemsequer literário. O leitor poderá encontrar estu-

Bíblia

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dos desses aspectos e outros mais — como os dotexto, interpretação e classificação de cada livro— em dicionários e livros especializados.

1. A palavra Bíblia vem do grego biblia (plu-ral): livros. Passou para as línguas modernas vin-da do termo latino biblia (singular): livro, o livropor excelência. Recebe também outros nomes,como Escritura, Sagrada Escritura, Bíblia Sagra-da, Santa Bíblia, Texto Sagrado.

Por Bíblia entende-se, pois, o conjunto de li-vros que os cristãos consideram inspirados porDeus. São, portanto, Palavra ou mensagem deDeus aos homens. Esses livros estão divididos emduas partes chamadas Antigo Testamento (AT),ao qual correspondem 46 livros, e Novo Testa-mento (NT), que consta de 27 livros. A palavraTestamento significa aliança ou pacto de Deuscom Moisés (AT), e nova e definitiva Aliança comtodos os homens na pessoa de Jesus Cristo, seuFilho (NT).

Os livros que compõem a Bíblia não foramescritos de uma só vez nem por um só autor. ComoRevelação de Deus no tempo e na história, esseslivros foram escritos num longo período de tem-po: uns mil anos, desde o séc. IX a.C. ao séc. IId.C.. Deste modo oferecem diferentes estilos deautores e de gêneros literários. No AT, por exem-plo, há narrações combinadas com normas e ins-truções (Pentateuco). Passagens de personagens:profetas, sacerdotes, reis e mulheres célebres. Háuma narração anti-racista (Rute), outra de umamulher envolvida num jogo perigoso (Ester). Hácoleções de epigramas e de sentenças de sabedo-ria (Provérbios), e até uma visão filosófica apa-rentemente pessimista da vida (Eclesiastes). Te-mos ainda textos de alta poesia e poesiadevocional nos salmos e poesia erótica no Cânticodos Cânticos. Há poesia elegíaca, diálogo, dramanas mensagens dos profetas.

No NT também encontramos diferentes for-mas literárias. Os Atos dos Apóstolos são umanarração histórica. Os Evangelhos (*Evangelhos),embora não sejam uma história no sentido comum

Bíblia

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da palavra, são uma recomposição das ações epalavras de Jesus contadas para incentivar a fé.Há também o Apocalipse ou Revelação. Mas aparte mais extensa de escritos é formada pelascartas de Paulo e dos demais apóstolos: João,Pedro, Tiago, Judas. Tradicionalmente, tanto oslivros do AT quanto os do NT dividem-se em his-tóricos, proféticos e sapienciais.

2. O estudo e compreensão da Bíblia apresen-taram e continuam apresentando numerosos pro-blemas, o primeiro dos quais é o chamado cânon.Que livros compõem a Bíblia? Que critérios te-mos para fixar os livros oficiais ou reconhecidos?Não obstante os diversos cânones adotados porjudeus, católicos, protestantes e ortodoxos sobreo AT, mais do 90% do texto é aceito por todos. Oschamados livros “deuterocanônicos” são para oscatólicos verdadeira palavra de Deus; para os de-mais, “livros de leitura piedosa e edificante”, nãoinspirados. O porquê dessa diferença está em queos católicos recebem a Bíblia da tradução gregachamada dos LXX, que os judeus da diáspora uti-lizavam. Esse texto foi o comum dos cristãos daIgreja primitiva. Ora pois, nessa tradução grega,aparecem livros não reconhecidos no cânonhebreu estabelecido definitivamente no concíliode Jâmnia (100 d.C.), que só reconhece os livrosescritos em hebreu. Por sua parte, a Igreja reco-nheceu oficialmente o conjunto desses livros tra-duzidos para o grego — alguns deles também es-critos em grego — tal como se encontravam natradução latina chamada *Vulgata. Hoje, na prá-tica, a questão do cânon fica resolvida nas edi-ções conjuntas chamadas ecumênicas, feitas pe-las diferentes confissões cristãs. As bíblias erro-neamente chamadas protestantes ou suprimemesses poucos livros ou os editam em separado.

3. Em qualquer caso, a Bíblia é sempre o livrodos cristãos. Nela se encontra a Palavra de Deus:o que acontece à humanidade aos olhos de Deus.Trata de sua natureza divina, sua justiça, sua fi-delidade, sua misericórdia e seu amor. E aparecea rebelião do homem e seu afastamento de Deus.

Bíblia

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A Bíblia mostra-nos a redenção operada por Deus,o perdão e a reconciliação do homem, os dons dagraça, a nova vida, a chegada do Reino e aconsummação final da esperança do homem emoutra vida para além do tempo.

BIBLIOGRAFIA: “Cuadernos bíblicos”. Verbo Divino,Estella 1976s.; Diccionario bíblico abreviado. Verbo Divi-no, Estella 1986; Enciclopedia de la Biblia. Verbo Divino,Estella 1985.

Biel, Gabriel (1420-1495)

Teólogo alemão nascido em Spira. Passou pelaUniversidades de Heidelberg, Erfurt e Colônia,onde conheceu a “via antiga” do tomismo e a “viamoderna” de Guilherme de Ockham, de quem foium aferrado seguidor. Em 1460 iniciou a partici-pação nos Irmãos da vida comum, entre os quaisse distinguiu por seu estudo e piedade. Suaespiritualidade é uma mescla de Devotio Moder-na e de misticismo ilustrado, bem longe do anti-intelectualismo de T. De Kempis. Posteriormen-te (1484) ensinou teologia na nova Universidadede Tubinga, onde foi designado reitor durante operíodo de 1485-1489.

Biel incorpora em seus Comentários às Sen-tenças as idéias de G. de Ockham. Juntamentecom Bradwardine e Wiclef, foi o inspirador deLutero no tema da graça. Deus estabeleceu umpacto de generosidade com o pecador que faz oque pode para sair do pecado. Deus promete oprêmio de sua graça a esse pecador. E ao mesmotempo há um pacto de justiça, pelo qual Deus re-conhece como justos aqueles que, com sua graça,realizam boas obras. Mas Deus não é obrigado anenhum desses pactos, que nascem da livre e gra-tuita escolha de Deus. Afirma pois, Biel, que asalvação se realiza pelas obras e pela graça. Umagraça à qual Deus não está obrigado, mas que tor-na possíveis as obras de salvação. Tudo, pois,começa e termina com a ação gratuita de Deus.

É interessante relembrar dois princípios de Bielsobre moral econômica: 1) O “preço justo vem

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determinado mais pela lei da oferta e da deman-da que pelos princípios teológicos. 2) O merca-dor é um membro útil da sociedade.

BIBLIOGRAFIA: Christian Thought. Lion, Londres1984; Louis Bouyer, Histoire de la Spiritualité chrétienne.Paris 1961-1966, 4 vols.

Billot, Louis (1846-1931)

*Neo-escolásticos.

Blondel, Maurice (1861-1949)

Filósofo francês que estudou na Escola Nor-mal Superior da França, tendo como mestre a L.Ollé-Laprune. Conhecido como formulador da“filosofia da ação”, na qual integra o pensamentoneoplatônico clássico com o pragmatismo moder-no, dentro do contexto da filosofia cristã da reli-gião.

Blondel tem sido freqüentemente apresenta-do como apologista católico. De fato, assim foi, eele próprio considerava-se dessa forma. No pro-jeto de tese sobre A Ação referia-se a esse traba-lho, chamando-o de apologética filosófica. Numacarta a Delbos disse que para ele a filosofia e aapologética eram basicamente uma mesma coi-sa. Já desde o início estava convencido da neces-sidade de uma filosofia cristã. Mas em sua opi-nião não houve ainda, restritamente falando, umafilosofia cristã. Blondel aspirava preencher essevazio ou, pelo menos, indicar a forma depreenchê-lo” (F. Copleston, Historia de lafilosofía, tomo 9).

Toda a sua obra, desde A Ação (1893) até Afilosofia e o espírito cristão (1944-1946) e Exi-gências filosóficas do cristianismo (sua obra pós-tuma, publicada em 1950), parece dirigida para aconstrução de uma filosofia cristã autônoma. Seusnumerosos ensaios e sua correspondência voltamao mesmo tema. Blondel estava convencido deque a reflexão filosófica autônoma, levada de for-ma consistente e rigorosa, revelaria que realmen-

Blondel, Maurice

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te existe no homem uma exigência do sobrenatu-ral, daquilo que é inacessível apenas pelo esforçohumano. Assim surgiu a “filosofia da ação”. E oque é a ação? A ação é o dinamismo do indiví-duo, a aspiração e o movimento da pessoa embusca de sua auto-realização. É a vida do indiví-duo ao integrar ou sintetizar potencialidades etendências pré-conscientes, em seu expressar-seno pensamento e no conhecimento, e em sua in-clinação para metas ulteriores” (Ibid.).

Em sua elaboração da filosofia da ação,Blondel foi influenciado pela teoria de que a fé éuma questão de vontade tanto quanto de demons-tração lógica. O termo ação significa e compre-ende o dinamismo da vida em todas as suas ma-nifestações e tendências. Inclui todas as condi-ções que permitem a gestação, o nascimento e aexpansão do ato livre. Blondel interessa-se pelaorientação básica da pessoa enquanto esta tendea uma meta. Então, a vontade total do sujeito so-mente é compreensível nos termos de uma orien-tação a um absoluto transcendente, ao infinitocomo meta última da vontade. Isso não quer di-zer que o transcendente possa ser descoberto comoum objeto interno ou externo. Melhor dizendo,trata-se de que o indivíduo vai-se tornando cons-ciente de sua orientação dinâmica para o trans-cendente e de que para ele é iniludível fazer umaopção: a de escolher entre afirmar ou negar a re-alidade de Deus. Isto é, a reflexão filosófica dáorigem à idéia de Deus; mas precisamente porDeus ser transcendente, o homem pode afirmarou negar a realidade de Deus.

“É difícil imaginar que Blondel não possa serum escritor popular. Mais do que para o públicogeral, escreve para os filósofos. E é provável quemuitos de seus leitores, mesmo filósofos,freqüentemente fiquem sem saber o que ele querdizer. Mas como pensador católico que desenvol-veu suas idéias no diálogo com a correnteespiritualista, idealista e positivista da filosofiamoderna, Blondel é uma notoriedade. Não advo-gou pela simplicidade de um retorno ao passado

Biel, Gabriel

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medieval, embora o comparasse com a ciênciamoderna. Nem adotou a atitude de discípulo comrelação a algum pensador. Ainda que possamosdiscernir algumas linhas de seu pensamento vin-culadas a Santo *Agostinho e a São *Boaventura,e também afinidades com *Leibniz, *Kant, Mainede Biran e outros, foi um pensador completamenteoriginal. Além disso, sua concepção geral de umafilosofia que deve ser intrinsecamente autônoma,mas ao mesmo tempo autocrítica e autolimitantee aberta à revelação cristã, a princípio parece acei-tável para todos os pensadores católicos que re-correm à filosofia metafísica” (F. Copleston,Ibid.).

BIBLIOGRAFIA: Obras: L’Action. Paris 1936-1937, 2vols.; La philosophie et l’esprit chrétien, 1944-1946, 2 vols.;Exigences philosophiques du christianisme, 1950; H.Bouillard, Blondel et le christianisme. Paris 1961.

Bloy, Léon (1846-1917)

*Literatura atual e cristianismo.

Boaventura, São (1221-1274)

Nasceu em Bagnoregio (Viterbo), recebendono Batismo o nome de Juan de Fidanza. A lendavincula o nome de Boaventura a São Franciscode Assis, que o curou de uma doença quando eracriança. Sua mãe, agradecida, fez votos deconsagrá-lo à ordem franciscana, na qual ficouconhecido como Frei Boaventura.

Ingressou na ordem franciscana aos 17 anos.Fez seus estudos em Paris com o mestre Alexan-dre de Hales. Bacharel em 1248, começou a ex-por a Escritura e as Sentenças de Pedro Lombardo,e o fez até 1251. Em 1253 obteve a “licentiadocendi”. Sua carreira viu-se alterada pelas lutasde clérigos seculares e canônicos que se opunhamà presença das ordens mendicantes nas universi-dades. Em 1255 foi excluído do ensino na uni-versidade parisiense. Em 1256 voltou às tarefasda universidade, sendo oficialmente nomeado

Boaventura, São

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mestre junto com seu amigo Santo Tomás deAquino.

Sem deixar totalmente as tarefas docentes, em1257 passou a desempenhar o cargo de guardiãogeral dos franciscanos. Terminou seus dias comoarcebispo de Albano e cardeal da Igreja. Morreudurante o Segundo Concílio de Lyon em 1247.Foi canonizado em 1482 e declarado doutor daIgreja em 1587, com o título de “DoctorSeraphicus”.

Não cabem numa simples resenha a vida, aobra e a doutrina de São Boaventura. Sua figura échave para compreender a vida incipiente dosmendicantes na Universidade de Paris e, posteri-ormente, nas universidades medievais comoOxford. É representante da corrente culta dofranciscanismo e superior geral que soube cana-lizar as diversas tendências e movimentos dentrodeste, em direção ao ideal comum franciscano deseguimento de Cristo na humildade e na pobreza.

Mas o aspecto principal, do qual nos ocupa-mos aqui, é seu pensamento e doutrina como fi-lósofo, teólogo e mestre espiritual. Diz-se, comrazão, que em São Boaventura, “filosofia, teolo-gia e mística encontram-se sistematicamente fun-didas, mas não confundidas”. Talvez possa-se di-zer que é o “filósofo cristão por excelência”, paraquem a filosofia é “naturaliter christiana”, comotambém o é a alma da qual brota, assim como averdade integral quando indaga sobre as últimascausas” (L. Veuthey). Essa filosofia “naturaliterchristiana” encontra sua raiz mais profunda emSanto Agostinho. “Não em vão — diz E. Gilson— a doutrina de São Boaventura tem sido desig-nada com o nome de agostinismo” (Historia dafilosofia na Idade Média, 240).

Sobre o aristotelismo que começa a surgirtriunfante em Santo Alberto Magno e em SantoTomás de Aquino, São Boaventura nos diz: “Nãotento combater as novas opiniões, mas quero re-ter as comuns e aceitas. E ninguém queira crerque quero ser o criador de um novo sistema”.Somente deseja percorrer os caminhos traçados,

Boaventura, São

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voltar a tecer a trama ininterrupta do pensamentocristão, que vai de Santo Agostinho até seu mes-tre Alexandre. Resumindo: para São Boaventura,Aristóteles é um filósofo, não “o filósofo”. Comisso abre a corrente de pensamento franciscanovinculada a Santo Agostinho, Platão e aoneoplatonismo.

A obra escrita de São Boaventura está contidanos 10 volumes da edição crítica dos franciscanosde Quaracchi (1883-1902). Nela se destaca suaobra teológica fundamental: Commentarii inQuattuor Libros Sententiarum Petri Lombardi,escrita durante seus anos de docência em Paris(1248-1255). Sua obra mística principal é oItinerarium mentis in Deum, escrita no outono de1259. Outras obras importantes são: De scientiaChristi; Quaestiones disputatae; Breviloquium oubrevíssima summa teológica. De reductioneartium ad theologiam apresenta a teologia comofim e coroamento de todas as ciências.

A doutrina de São Boaventura distingue-se porum estilo e espírito próprios e por um fim muitodefinido. Esse fim é o amor de Deus, meta últimainevitável do homem. Os caminhos que nos con-duzem a ele são os da teologia e da filosofia.“Deus é o único em quem se encontra a últimaresposta, inclusive para as questões filosóficas.A filosofia termina, pois, na teologia, e o impul-so da razão, unido ao impulso do amor, em vezde ficar em áridos conceitos abstratos, transfor-ma-se em oração, isto é, no “elevatio mentis inDeum” e na mística, ou seja, na vida de uniãocom Deus” (L. Veuthey).

A filosofia e a teologia se São Boaventuraculminam na sabedoria mística. “Toda a nossavida não é mais do que uma peregrinação atéDeus. O caminho que seguimos — se estamos naboa via — é a via iluminativa. A finalidade nos édada pela fé; alcançamo-la e nos unimos a ela atra-vés do amor”.

Três etapas principais marcarão os momentosdesta ascensão. A primeira consiste em encontraros vestígios de Deus no mundo sensível. A se-

Boaventura, São

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gunda, em buscar sua imagem em nossa alma. Aterceira ultrapassa as coisas criadas e nos intro-duz nos gozos místicos do conhecimento e daadoração de Deus. Tudo indica um finalismo quenos leva ao conhecimento sapiencial, intuitivo eprofundo das coisas e de nós mesmos em Deus.

BIBLIOGRAFIA: Obras: (BAC). Madrid, 6 vols.; Ope-ra omnia. Edição crítica chamada “edição de Quaracchi”,10 vols., 1882-1902. E. Gilson, La philosophie de SaintBonaventure, 1924.

Boécio (486-525)

Ancius Manlius Torquatus Severinus Boeciusnasceu em Roma. Cônsul em 510, esteve a servi-ço de Teodorico, rei dos ostrogodos. Acusado maistarde de traição e práticas mágicas, foi encarcera-do em Pavía e executado.

Boécio foi chamado de “o último romano e oprimeiro escolástico”. Sua obra, de fato, é umexemplo quase perfeito de uma obra limite, e ex-pressa a intenção de conservar para o futuro o queameaçava ser ruína e parecia estar a ponto de serdestruído” (Ferrater Mora, Diccionario defilosofía, ver Boécio).

Boécio assumiu a tarefa de interpretar e tra-duzir as obras de Platão e de Aristóteles e de de-monstrar seu acordo fundamental. Apenas parci-almente conseguiu realizar esse vasto projeto.Temos as traduções dos Analíticos I e II deAristóteles, além de Tópicos, Elencos sofísticose Da interpretação, com dois comentários. Pos-suímos a tradução das Categorias, com um co-mentário. Também temos sua tradução da Isagogede Porfírio, com comentário e outros trabalhosda Lógica. Sobre Platão, que saibamos, não tra-duziu nem comentou nada.

Porém a sua mais famosa obra é Deconsolatione philosophiae, escrita em forma re-tórica e alegórica. Apresenta-se à filosofia emforma de uma nobre dama que reconforta Boécioe responde às suas dúvidas. Está dividida em cin-co livros, em verso e prosa. Nela aparecem dados

Boécio

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biográficos importantes para conhecer a vida e oestado de ânimo de seu autor. Seu conteúdo é oseguinte: Livro I: A filosofia vem para consolarBoécio no triste estado em que se encontra. LivroII: Mostra a Boécio que a felicidade não se en-contra nos bens mutáveis da fortuna. Livro III:Teoria da felicidade, fundamentada no próprioDeus, que é o bem supremo. Livro IV: Deus rei-tor do mundo: expõe sua teoria da providência edo destino.

O fato de não se encontrar na obra nada espe-cificamente cristão, deu lugar à crença de queBoécio não era cristão, ou o era somente de nome.Por isso alguns colocaram em dúvida seus opús-culos teológicos: De Sancta Trinitate; De fide;Liber contra Nestorium etc. Com exceção de Defide, a autenticidade desses opúsculos está com-provada. Por outro lado, o livro De consolationephilosophiae, embora careça de referência paraos mistérios do cristianismo, está cheio daqueleespírito platônico ou neoplatônico que os escri-tores da patrística consideram substancialmentecristão.

A importância de Boécio para a cultura medi-eval foi muito grande. As traduções e os escritoslógicos de Boécio asseguraram a sobrevivênciada lógica aristotélica, ainda no período de maiorobscurantismo medieval, e fizeram dela um ele-mento fundamental da cultura e do ensino domedievalismo. Fundamentalmente, Boécio é umtransmissor de cultura. Não é um pensador origi-nal, mas soube unir a mentalidade latina à espe-culação grega. Seguindo Santo Agostinho, une,na medida do possível, a fé e a razão.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 63-64 e no Corpus de Vi-ena, vol. 48.

Boff, Leonardo (1940-)

É o mais popular dos teólogos da libertação.Nos últimos anos foi submetido a uma série deadvertências, processos e controles por parte daCongregação da Doutrina da Fé, os quais o tor-

Boff, Leonardo

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naram popular. De certa forma, esse teólogo bra-sileiro representa tudo o que a Teologia da Liber-tação teve de pagar para que fosse conhecida, vi-vida e posta em prática na América Latina. Por-que em Boff reúnem o homem de estudo, quepensa e analisa a realidade da América — e parti-cularmente do Brasil — à luz do Evangelho, e ohomem de ação profundamente comprometidocom a realidade de seu povo. É sob o ângulo daluz cristã da realidade e da ação que leva atransformá-la, que deve ser vista e interpretada aobra escrita de Boff: estudos, conferências, parti-cipações em assembléias e congressos e a ativi-dade pastoral: formação de líderes cristãos, co-munidades de base etc. Boff é um teólogo nãosomente na teoria, mas também na práxis de umbom conhecedor da realidade que o envolve.

Para Boff a opção está muito clara: “Para osteólogos da libertação, o central no aspecto polí-tico não é o socialismo, são os pobres”. Boff pre-ocupa-se mais com a opção pelos pobres que comos problemas de Roma, dos quais prefere não fa-lar. Quando fala da opção pelos pobres, preferefixar sua atenção nos esquadrões da morte que acada semana assassinam entre 10 e 20 crianças ejovens de 12 a 15 anos. “Jamais ninguém foi de-tido por isso — diz. Os assassinos geralmente sãoex-policiais pagos por comerciantes e sua atua-ção não deve ser considerada como um fato iso-lado, já que tem funcionalidade no sistema”.

Nessa mesma opção vê a situação social e re-ligiosa do Brasil. “No Brasil, os desníveis sociaisfazem com que a forma de vida, o luxo no qualvivem as famílias da burguesia brasileira, dificil-mente sejam igualados ao Primeiro Mundo. Uminforme do Banco Mundial, de 1989, asseguravaque o Brasil é o país que tem a mais alta taxa deinflação”.

Não é estranho, pois, que Boff se sinta com-prometido, como cristão e como membro de suaIgreja, com esta situação. Veja aqui seu pensa-mento: “A luta pelo futuro apresenta um com-promisso para a Igreja do Brasil. Nas últimas elei-

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ções presidenciais, desde bispos até comunida-des de base mostraram-se favoráveis ao Partidodos Trabalhadores. Isso originou acusações nosentido de que se estava construindo uma cris-tandade de esquerda... A Igreja no Brasil — re-plica Boff — não defende interesses corporativos,mas defende protestantes, os que praticam religi-ões afro-brasileiras, marxistas... O que a Igrejafaz é colocar seu capital histórico acumulado aserviço da causa do povo em sua luta pela cons-trução de uma sociedade mais democrática na qualtodos tenham seu lugar: seja o ateísmo, oespiritualismo, a macumba”.

“Os cristãos renunciamos a uma visão da Igrejacomo poder que quer conduzir a sociedade.” Boffteme, no entanto, que a orientação desta Igreja doBrasil possa mudar, como em outros países deAmérica Latina. “Existe um refluxo, um proces-so de neo-romanização, mas a realidade é maisforte que a estratégia de Roma e, à força de tomarcontato com a realidade, muitos bispos terminampor converter-se e fazer a opção pelos pobres”.

BIBLIOGRAFIA: Algumas obras: Como fazer teologiada libertação; A graça libertadora no mundo; Jesus Cristolibertador; O destino do homem e do mundo; Os sacramen-tos da vida e a vida dos sacramentos; A Trindade, a Socie-dade e a Libertação; Igreja, Carisma e Poder – Ensaios deeclesiologia militante; Nova Era, a civilização planetária

Bonald, Louis de (1754-1840)

*Chateaubriand; J. de *Maistre.

Bonhoeffer, Dietrich (1906-1945)

Pastor protestante que, junto a K. Barth e R.Bultmann, estabeleceu as premissas de uma trans-formação na teologia contemporânea. Esse teó-logo alemão, incentivador da chamada “IgrejaConfessional”, opôs-se ao nazismo em nome doEvangelho. Detido pela Gestapo em 1943, foienforcado pelos nazistas pouco antes da liberta-ção. Seu pensamento e seu exemplo exerceram

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uma grande influência não só na teologia, mastambém na vida dos cristãos de hoje.

É extensa sua obra como professor e confe-rencista. Em sua produção destacamos: Criaçãoe queda (1933); A imitação (1937); Vida em co-mum (1938). No entanto, suas obras mais conhe-cidas são: O preço do ser discípulo (1937); Car-tas e anotações do cárcere; Tentação (póstuma,1953).

Os principais pontos de sua doutrina podemser assim formulados: a) Ataque à “graça barata”ou visão cômoda do cristianismo. “A graça bara-ta — diz — é pregar o perdão sem exigir o arre-pendimento, o batismo sem a disciplina da Igre-ja, comunhão sem confissão, absolvição sem con-fissão pessoal. Graça barata é graça sem ser dis-cípulo, graça sem cruz, graça sem Jesus Cristo,vivo e encarnado” (O preço do ser discípulo). b)O verdadeiro discípulo entrega-se a Cristo até aaceitação da dor e da morte. “A ‘graça cara’ écara porque nos chama a seguir Cristo.” c) Nemno terreno das idéias, nem na prática diária, ohomem moderno “necessita do Deus que servepara tapar buracos”. “Deus sabe que devemos vi-ver como homens que tratam de viver a sua vidasem ele... Diante de Deus e com Deus vivemossem Deus” (Cartas). A situação de maturidadedo homem moderno está de acordo com os desíg-nios de Deus. Portanto, hoje será necessário um“cristianismo sem religião”.

Esses dois últimos parágrafos apontam para omais novo e original da teologia de Bonhoeffer:um cristianismo sem religião, uma fé sem reli-gião. O mundo chegou a ser adulto e demonstrouque pode viver sem religião. Que isto significa?Pode existir um cristianismo sem religião? ParaBonhoeffer, o cristianismo sem religião signifi-ca, antes de mais nada, viver o cristianismo isen-to de certos aspectos da religiosidade burguesa.A religião concebe a transcendência de Deus efaz dele um Deus abstrato e remoto. A religiãoleva a um individualismo, preocupado somentecom a própria salvação em detrimento da Igreja e

Bonhoeffer, Dietrich

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do mundo. A religião confina o cristianismo a umaparcela da vida, e leva sempre a uma separaçãodo mundo secular e à despreocupação com ele.Finalmente, o “cristianismo como religião” levaà concepção de uma Igreja composta de indiví-duos preocupados somente com sua salvação. Efaz do mundo um campo inimigo do qual se devefugir.

O propósito de Bonhoeffer é trazer Deus e aIgreja para o âmbito secular. Deus está no pró-prio centro da vida e a transcende, sem que istoqueira dizer que está longe dela. Daí que o cris-tão tenha de aprender a viver e a falar de Deuscom um estilo novo, secular. Esta é sua lição econtribuição para os cristãos de hoje. Deve-seseguir Cristo, “o homem para os demais”, no ser-viço ao mundo.

Bossuet, Jacques-Benigne (1627-1704)

A maior parte dos leitores, inclusive eclesiás-ticos, somente conservam de Bossuet a fama desua oratória e seu estilo solene do barroco. A fi-gura de Bossuet, entretanto, continua sendo a deum grande homem de Igreja, um teólogo e pen-sador que, por causa de sua fé cristã, se enfrentacom quase todos os problemas de seu tempo.Bossuet põe a serviço do cristianismo, entendidocomo catolicismo, toda a gama de seus dotes comopensador, como orador e como escritor.

Nascido em Dijón em 1627, recebeu nestamesma cidade uma excelente educação em colé-gio jesuíta. Em 1642, mudou-se para Paris, ondeadquiriu profundos conhecimentos teológicos noColégio de Navarra, ao mesmo tempo que se im-pressionou pela obra de apostolado e caridade deSão Vicente de Paulo e seus companheiros. Em1652, ordenou-se sacerdote e doutorou-se em te-ologia. A partir dessa data, passou sua vida desacerdote entre Metz e Paris. Em 1670, foi nome-ado tutor do delfim do rei da França. Em 1681,foi nomeado bispo de Meaux, cidade na qual vi-veu até sua morte.

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A vida e a atividade de Bossuet podem serenquadradas em quatro ou cinco grandes fontesde atividade: a pregação, principalmente quares-mal e de orações fúnebres; a controvérsia com osprotestantes franceses; a defesa da “Igreja gali-cana” e direitos do rei; os problemas morais e re-ligiosos de seu tempo e sua filosofia da história.

— A atividade e interesse fundamental deBossuet está na pregação e na controvérsia. Ini-ciou-se já nos primeiros anos de Metz onde cala-ram fundo seu Panegírico do apóstolo São Paulo(1657) e seu sermão sobre A eminente dignidadedos pobres na Igreja (1659). Tornou-se popularcomo pregador em Paris na década de 1660-1670.Primeiro começou seus sermões quaresmais nasIgrejas dos Mínimos e Carmelitas, depois passouà corte de Luís XIV, para acabar pronunciando asprimeiras Orações fúnebres na morte de figurasnacionais importantes. Voltará a essa atividadecomo bispo de Meaux, já na última etapa de suavida, pronunciando entre outras a Oração fúne-bre do Grande Condé (1687). As orações fúne-bres são peças magistrais da oratória francesa:cheias de dignidade, de equilíbrio e de solenegrandeza. Da mesma forma que nos sermões daQuaresma, tais orações abundam em citaçõesbíblicas e em suas paráfrases. Procuram a majes-tade e o pathos do ideal barroco, mas sem cair noexagero nem no maneirismo.

— É importante também, na vida de Bossuetsua controvérsia com os protestantes franceses.Inimigo da perseguição e da tortura, estava con-vencido da força dos argumentos. Não obstante,apoiou a revogação do Edito de Nantes (1685),proibindo o protestantismo francês. Sua primeiraobra de controvérsia com os protestantes foi aRefutação do catecismo de Paul Ferry. Seguiu-asua obra principal: História das mudanças dasIgrejas Protestantes (1688), e depois Avisos aosprotestantes (1689-1691). O mais significativonesta controvérsia com os protestantes é a cor-respondência de Bossuet com Leibniz, o grandefilósofo e ecumenista alemão.

Bossuet, Jacques-Benigne

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— Mais espinhosa e criticada ainda foi a atu-ação de Bossuet na controvérsia galicana. Na as-sembléia geral do clero francês (1681-1682),Bossuet dirigiu seu discurso inaugural e leu suadeclaração final dos quatro artigos. Estes afirma-vam a independência do rei com relação a Roma,em seus assuntos seculares, e proclamavam queo juízo do papa em matéria de fé não era infalívelsem o consentimento da Igreja universal. Não fal-tou quem visse na atitude de Bossuet uma inten-ção política de afiançamento do poder “absolu-tista” do monarca. Seu sentido da moderação edo equilíbrio permitem reconhecer seu triunfoneste caso, assim como no dos jansenistas e“quietistas”. A unidade da Igreja e a sustentaçãode sua doutrina impulsionaram sempre sua con-duta. A partir deste ponto pode-se ver sua inter-venção na controvérsia jansenista, sua atuaçãocom os protestantes e sua condenação (1699) deFénelon, assim como seus escritos contra os “no-vos místicos” do quietismo. Só foi duro contra aimoralidade do teatro e as formas aberrantes dosmísticos quietistas.

— Todavia Bossuet teve tempo para o estudode problemas filosóficos, políticos e históricos.Em seu Tratado do livre-arbítrio tenta conciliar aliberdade e autonomia do homem com a onipo-tência e onisciência divina. “Se Deus não respei-tasse a liberdade desejada, não só faltaria com orespeito a esta, mas se contradiria a si próprio”.Em seu livro Política tirada das próprias pala-vras da Escritura, Bossuet atinge sua fama deteórico do absolutismo. Expõe a teoria do direitodivino de todo governo legitimamente constituí-do: expressa a vontade de Deus, sua autoridade ésagrada e qualquer rebelião contra ele é crimino-sa. Mas ao mesmo tempo recalca a responsabili-dade do monarca e dos governantes. No Discur-so sobre a história universal coloca-se na linhado De civitate Dei. Contempla a história em seudesenvolvimento universal como realização pro-gressiva de um plano divino, através da ação dohomem guiado pela providência. A história uni-

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versal é a história da redenção do gênero humanopela redenção de Cristo.

— A figura de Bossuet, no entanto, está per-manentemente em julgamento. Talvez o únicoponto de acordo seja a excelência de seu estilo eeloqüência. Sempre foi discutida, e continua sen-do, sua atuação e conduta na política frente aomonarca e ao Estado, e frente aos gruposjansenistas, quietistas e protestantes com quemtratou. Sua idéia central da “imutabilidade da dou-trina e da perfeição da Igreja” não teve eco noConcílio Vaticano II.

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes. Ed. de E. N.Guilleaume. Paris 1877, 11 vols.; Jacques Le Brun, Laspiritualité de Bossuet, 1973.

Bradwardine, Thomas (1290-1349)Arcebispo de Cantuária. Iniciou-se como pro-

fessor de teologia em Oxford, para passar depoisa confessor de Eduardo III (1337). Em 1349 foisagrado arcebispo de Cantuária, morrendo nessemesmo ano.

Bradwardine é considerado um dos teólogosque mais influenciará a concepção luterana dagraça. Frente aos semipelagianos, insiste na ne-cessidade da graça nas boas obras e para sair dopecado. Fala da “eficácia irresistível” da vontadeou querer de Deus, causa de toda ação, tanto ne-cessária como contingente. A graça é um dom li-vre e gratuito de Deus, que o homem não podemerecer. “Antes que estudasse teologia, a graçaveio a mim como um raio e numa representaçãomental da verdade acreditei ver ao longe como agraça de Deus precede todas as boas obras no tem-po e na natureza.” Essa doutrina foi exposta emsua obra A causa de Deus contra os pelagianos(1344).

Diante das acusações que lhe fizeram dedeterminismo físico e determinismo teológico,Bradwardine responde afirmando a soberania deDeus que não só permite o mal, mas que tambémo permite porque já o quer. A predestinação de

Bradwardine, Thomas

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Deus é soberana, e o homem depende totalmenteda graça porque é uma criatura. Bradwardine foimuito além de Santo Agostinho. Não obstante essetipo de necessidade, Bradwardine não inclui a li-vre vontade humana.

Breviário, Reforma do (1562-1563)

*Trento, Concílio de.

Bruno, Giordano (1548-1600)

Nasceu em Nola e morreu queimado em Roma.Giordano Bruno representa o primeiro pensadore escritor anticristão da Idade Moderna. É consi-derado mártir da intolerância religiosa da Igreja eda Inquisição, e herói da liberdade e do livre pen-samento. Durante o séc. XIX foi tido como o pro-tótipo do revolucionário e do homem progressis-ta que encontrava na Igreja seu maior inimigo.Com efeito, entre suas múltiplas preocupações,Bruno apresenta uma nota fundamental: “O amorà vida em sua potência dionisíaca, em sua infini-ta expansão. Esse amor à vida fez com que o claus-tro lhe parecesse insuportável e alentou seu ódioinextinguível a todos aqueles pedantes, gramá-ticos, acadêmicos, aristotélicos, que faziam dacultura um puro exercício livresco e tiravam oolhar da natureza e da vida”. Esse amor desenfre-ado pela vida explica, como veremos a seguir, todaa atividade e todo o pensamento de Bruno.

Tendo ingressado aos 15 anos nos domini-canos, aos 18 começou a sentir as primeiras dú-vidas sobre a verdade da religião cristã; tais dúvi-das obrigaram-no, primeiramente, a sair do claus-tro e, depois, a entrar em conflito com as autori-dades eclesiásticas. Conseqüência disso foi suaperpétua peregrinação por Genebra, Toulouse,Paris (1576-1582). Em 1583 passou de Paris àInglaterra, onde lecionou em Oxford e esteve emcontato com a corte da rainha Isabel. Voltou a Parisem 1585 para estabelecer-se na Alemanha, ensi-nando em Marburgo, Wittenberg e Frankfurt. Foi

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detido em Veneza em 1592 e entregue à Inquisiçãoveneziana, que, por sua vez, o entregou à Inqui-sição de Roma em 1593. Permaneceu na prisãodurante sete anos. Não quis retratar-se de suasdoutrinas e afirmava que não tinha nada por quese retratar. Foi queimado vivo no Campo dei Fiori,em Roma, no dia 17 de fevereiro de 1600. Tam-pouco quis reconciliar-se com o crucifixo, do qualafastou seu olhar nos seus últimos momentos.

— A obra escrita de G. Bruno aponta umamultiplicidade de temas que agitaram sua vida.Pode ser classificada no seguinte: a) A comédiaO Candelabro (1582); b) Escritos lulianos: Delampade combinatoria lulliana (1587); Deprogressu et lampade venatoria logicorum (1587),e outras nas quais segue o pensamento de R. Lúlio;c) Escritos mnemotécnicos: De umbris idearum(1582); Ars memoriae (1582), e outras sobre otema da memória, favorito de Bruno. Nelas pre-tende apoderar-se do saber com artifíciosmnemotécnicos, fazendo progredir a ciência comuma técnica inventiva, rápida e milagrosa. d) Es-critos mágicos, como De magia et theses de ma-gia; De magia mathematica etc., escritos entre1589-1591. Baseado no pressuposto do pan-psiquismo universal, quis conquistar de assalto anatureza, tal como se conquista um ser animado.e) Escritos de filosofia natural: A ceia das cinzas(1584); Da causa, do princípio e do uno (1584);Do infinito universo e dos mundos (1584) etc.Nestes escritos expõe sua doutrina sobre a natu-reza, que exalta com ímpeto lírico e religioso epara a qual, às vezes, encontra uma expressãopoética. f) Escritos morais: O espaco da bestatriunfante (1584) e Furores heróicos (1585). Eoutros temas ocasionais.

— O ponto de partida do pensamento com-plexo de Bruno é seu inicial interesse pela natu-reza, que se poderia qualificar como religião danatureza. É um ímpeto lírico, raptus mentis,contractio mentis, exaltação e furor heróico. Masa sua é uma natureza concebida pitagoricamente,não matematicamente.

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— Essa paixão pela natureza faz-nos compre-ender sua postura em relação à religião como sis-tema de crenças. A religião parece-lhe repugnan-te e absurda. Embora reconheça sua utilidade“para a educação dos povos rudes que devem sergovernados”, nega-lhe, no entanto, todo valor. Areligião transforma-se então num conjunto de su-perstições, diretamente contrárias à razão e à na-tureza.

— Vários de seus escritos estão entretecidoscom uma feroz sátira anticristã que não se detémsequer diante do mistério da Encarnação do Ver-bo. Sequer o cristianismo reformado — que Bru-no teria conhecido diretamente em Genebra, In-glaterra e Alemanha — salva-se de sua condena-ção. Inclusive parece-lhe pior que o catolicismo,porque nega a liberdade e o valor das boas obras.

— A essa religiosidade natural e cristã, Brunocontrapõe outra religiosidade, a dos doutos. Essareligiosidade não é outra senão o próprio filoso-far e com a qual estão de acordo os filósofos gre-gos, os orientais e os cristãos. Bruno volta à “sa-bedoria primitiva” proclamada por humanistascomo Pico e Marcílio Ficino e que oRenascimento tomou para si.

— Para o filosofar natural, Deus não é a subs-tância transcendente da qual fala a Revelação, masa própria natureza em seu princípio imanente.Como natureza, Deus é causa e princípio do mun-do: causa, no sentido de determinar as coisas queconstituem o mundo; princípio, enquanto consti-tui o próprio ser das coisas naturais. Mas em ne-nhum caso distingue-se das coisas naturais nemda natureza como tal. “A natureza é o próprioDeus ou é a virtude divina que se manifesta nasmesmas coisas”. Deus é o “entendimento univer-sal”, “a forma universal do mundo”, “a matéria ea forma do mundo”. “Deus é a única forma comoalma do mundo, a matéria é o receptáculo dasformas, o substrato disforme que o entendimentodivino plasma e dá vida”.

— Se para Bruno a natureza é Deus, a metaúltima do homem é a visão e a identificação má-

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gica da natureza em sua unidade. Nem o êxtasenem a união com Deus têm sentido para ele. Ohomem realiza-se quando pode “contemplar aimagem do sumo bem na terra”. Com isso nega-va todo valor ao mundo sobrenatural reveladopela fé.

BIBLIOGRAFIA: Opere italiane. Ed. de G. Gentile, Bari1927-1935, 3 vols.; Opera latina conscripta. Ed. de G.Fiorentino. Florencia 1879-1891, 8 vols. A. Guzzo, G. Bru-no. Turim 1960; R. Mondolfo, Figuras e ideas de la filosofíadel Renacimiento. Buenos Aires 1968.

Bryennios, Filoteo (1833-1914)

*Didaqué.

Bucerus, Martinho (1491-1551)

Teólogo alemão que aderiu às idéias de Lutero.Em 1523 começou a pregar o luteranismo naAlsácia. Com a morte de Zwinglio (1531), tor-nou-se líder das Igrejas Reformadas da Suíça edo sul da Alemanha. Foi representante dosreformadores em várias reuniões entre católicose protestantes. Em 1549, Bucer foi para a Ingla-terra, ocupando a cátedra de teologia da Univer-sidade de Cambridge. Foi homem de orientaçãoe conselho para os reformadores da Igreja da In-glaterra, intervindo nas decisões de T. Cranmer ena preparação do Livro das ordens de 1551.

Bula “Aeterni Patris” (1868)

*Vaticano I, Concílio.

Bulgakov, Miguel (1816-1882)

*Macário de Moscou.

Bultmann, Rudolf (1884-1976)

Teólogo e escritor alemão. Estudou teologianas Universidades de Tubinga, Berlim e

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Marburgo. Professor nesta última universidadedesde 1921 até a sua aposentadoria em 1951.Muito discutido, tanto nos círculos protestantesquanto nos católicos, por sua interpretação dosEvangelhos, da pessoa histórica de Jesus e de suamensagem, aplicou as normas da crítica históricado século XX, assim como o “método das for-mas”, ao texto bíblico. Esteve em contato com ascorrentes filosóficas modernas, valendo-se, prin-cipalmente, da análise existencial de M.Heidegger. De imensa erudição e capacidade, éuma figura importante e discutida do pensamen-to cristão atual.

Seu pensamento está contido principalmenteem A história da tradição sinótica (1922), na qualanalisa os evangelhos à luz das diferentes formas.E no Novo Testamento e mitologia (1941), obravárias vezes revisada e publicada em dois volu-mes sob o título de Querigma e mito (1961-1962).Em 1927 surgiram uma série de ensaios e escri-tos menores de Bultmann com o título de Exis-tência e fé, nos quais projeta sua visão cristã atra-vés do existencialismo.

Uma análise da doutrina de Bultmann leva-nos às seguintes conclusões: 1) Ceticismo quaseabsoluto sobre o valor histórico do Novo Testa-mento (NT). Para Bultmann, os evangelhos estãomenos interessados na pessoa de Jesus e mais noperíodo posterior à sua morte. Os evangelhos sãosimples construções convencionais posteriores. 2)O cristianismo atual enlaça com o primitivo so-mente pela aceitação do querigma, que apareceem Rm 1,3-4; 6,3-4; At 2,21-24; 1Cor 11,23-26.3) Somente desta forma não podemos saber nadasobre a vida e a personalidade do “Jesus históri-co”. Assim como *Barth, Bultmann reage contraa figura perfeita do Jesus histórico reconstruídopela teologia liberal do séc. XIX. É pouco o quesabemos e podemos reconstruir sobre a figurahistórica de Jesus. As afirmações do NT sobre elenão se referem à sua natureza, mas à sua signifi-cação. 4) O tema central do evangelho é a mortee ressurreição de Jesus. A ressurreição não é umacontecimento objetivo, mas uma experiência

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viva que nos introduz numa nova dimensão daexistência e nos liberta de nós mesmos — do pe-cado — para abrir-nos aos outros. Doutrinas tãobásicas do cristianismo como a encarnação, mor-te, ressurreição e segunda vinda de Cristo dissi-pam-se numa interpretação existencialista da vida.A interpretação mítica dissolve-se numexistencialismo que não deixa quase nada intactono credo dos apóstolos.

A conclusão final de Bultmann é que o mitoou forma de pensamento em que aparece envol-vido o Evangelho apresenta-nos uma versão ma-nipulada e desfigurada de Jesus, Filho de Deus,que morreu e ressuscitou. Esse mito transmite-nos um querigma, uma palavra divina dirigida aohomem, que este deve aceitar de maneiradesmitificada, isto é, desprovida de sua proteção.O Cristo com que nos encontramos hoje é o Cris-to da evangelização, não o Jesus da história. É oquerigma desmitificado de formas do passado —todavia existentes na fé e na pregação de Jesus— que nos obriga e nos defronta a uma opçãoentre uma vida autêntica e outra inautêntica.

Da doutrina de Bultmann deduz-se que a fécristã deve interessar-se pelo Jesus histórico paracentrar-se no Cristo transcendente do querigma.“A fé cristã é a fé no querigma da Igreja, pelaqual se pode dizer que Jesus Cristo ressuscitou, enão fé no Jesus histórico.”

Todas as Igrejas, após reconhecer a boa von-tade de Bultmann, rejeitam a postura radical dogrande mestre. Sua doutrina permitiu reconstruirmelhor o “Jesus histórico” e sua função dentro dateologia atual. Os mesmos discípulos de Bultmannevoluíram para uma nova hermenêutica e inter-pretação da forma lingüística da existência.

BIBLIOGRAFIA: R. Bultmann, Teología del NT.Salamanca 1981.

Bunyan, John (1628-1688)

Bunyan é o escritor religioso inglês mais co-nhecido e lido. Até o século XIX, o puritano

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Bunyan podia ser encontrado em todos os laresingleses junto com a Bíblia. Depois dos anos decrítica do século passado e do presente, Bunyancontinua sendo um clássico não apenas da litera-tura puritana, mas também da cristã.

Nascido em 1628 de uma família de operá-rios, viveu seus primeiros anos marcados pelapobreza, pela leitura da Bíblia e da literatura po-pular puritana da época: conversas e sermõesmorais ao ar livre e em casa, livros de orientaçãoespiritual etc. Arraigado, não obstante, “na Igrejanacional” de seus pais, sua alma de camponêsficou cheia de experiência visual do povo e desua linguagem. A partir de 1644, viu-se obrigadoa deixar sua casa para entrar no exército ondepermaneceu durante toda a Guerra Civil até 1647.No exército, entrou em contato com chefes esoldados das seitas consideradas então progres-sistas de esquerda como os “quackers”, os“ranters” etc., que questionavam toda autori-dade. Bunyan afirmou-se nas idéias centrais dopuritanismo mantidas por Cromwell. Estava con-vencido de que se consegue a verdade religiosacom uma procura obstinada, confiando na graçalivremente concedida ao indivíduo, sem que paraisso se precise nenhuma forma de organizaçãoexterior e pública. Próximo do ano de 1648casou-se, tendo quatro filhos com a sua primei-ra mulher. Recebeu o Batismo por imersão co-mo membro da Igreja separatista de Bedford(1653).

A conversão e posterior convocação deBunyan ao ministério foi marcada, como ele pró-prio diz em sua autobiografia, por uma tormentade tentações que lhe duraram vários anos. Em1657 foi reconhecido oficialmente como prega-dor, desdobrado numa intensa atividade tanto napregação quanto na luta contra os “quackers”.Depois da Restauração de Carlos II, foi acusadode praticar um serviço não em conformidade coma Igreja da Inglaterra, o que lhe valeu doze anosde cárcere (1660-1672) em Bedford. Morreu emLondres, em 1688.

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Bunyan deixou três obras fundamentais: 1) suaautobiografia, intitulada Graça abundante (1666),uma análise detalhada e sincera de sua vida inte-rior. Neste já demonstra as qualidades de estiloque manteve nas demais obras. 2) A caminhadado peregrino (The Pilgrim’s Progress, 1678), ahistória da peregrinação cristã, em meio aos peri-gos, em direção à cidade celestial. Bunyan des-creve as provas, tentações e alegrias do cristãoem sua viagem ao céu. E o faz com a particulari-dade de que sua doutrina se afasta da tradiçãocalvinista e batista para transformar-se num guiaespiritual cristão. Não é, neste sentido, um livrosectário: é de todos os cristãos. E prova disso é aaceitação que teve imediatamente, chegando a sertraduzido para mais de cem línguas.

A guerra santa (The Holy War, 1682), com aalegoria da cidade da alma assediada pelo exér-cito do demônio e libertada por Emanuel, mos-tra-nos em vários níveis todo o processo da re-denção do homem, desde a queda do primeirohomem, até o juízo final, passando pela redençãode Cristo.

Estas são suas principais obras, ainda que,apesar de seu intenso e ativo ministério, duranteos dez últimos anos de sua vida tenha publicadomuitas outras. Bunyan põe toda a ênfase na vidainterior, na vida espiritual da alma, onde se dáconstantemente a luta e a guerra santa com o pe-cado. Não lhe interessa nada mais do que a salva-ção da alma. Seus livros são uma continuação dapregação direta, sobre a qual tanto insiste o puri-tanismo. Conversão, experiência religiosa indi-vidual e pregação são os pontos que caracterizamo puritanismo frente aos ritos e formas da “reli-gião estabelecida”.

BIBLIOGRAFIA: The Works of John Bunyan, 1853-1862, 3 vols.; O. E. Winslow, John Bunyan, 1961; H. A.Talon, John Bunyan (1628-1688), l’homme et l’oeuvre, 1948.

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Cabasilas, Nicolau (1320-1390)

Nasceu em Tessalônica. Teólogo ortodoxo lei-go, representante da tradição teológica e litúrgicabizantina.

Desenvolveu uma atividade política em diver-sas missões diplomáticas. Na guerra civil moti-vada pelas lutas teológicas entre o imperador JoãoV Paleólogo e João VI Cantacuceno, Cabasilaspôs-se ao lado deste último, mantendo uma pos-tura conciliadora e tradicional. Isso não foi obs-táculo para que se alinhasse ao lado de SãoGregório Palamas (1296-1359) na defesa daHesiquia ou mística da contemplação de quie-tude.

Nicolau Cabasilas passou à história do pensa-mento e da espiritualidade ortodoxa e cristã prin-cipalmente por duas obras: 1) Comentário sobrea divina liturgia, um dos comentários ou exposi-ções mais brilhantes da teologia sacramental cris-tã. 2) A vida em Cristo, sem dúvida a obraascético-mística mais conhecida e mais importan-te de N. Cabasilas. Apresenta um programa deiniciação tanto na oração individual quantolitúrgica e sacramental. Um livro profundo, dita-do por quem viveu, na fonte dos sacramentos, avida em Cristo. No fundo aparece a sua doutrinada *Hesiquia, essa vida de quietude na qual nosvamos transformando em Cristo e desaparecen-do nele.

Não termina aqui a obra de N. Cabasilas. Seusoutros tratados e compromissos políticos e soci-ais demonstram uma consciência social muitosensível com as desigualdades econômicas einstitucionais ao seu redor (Constantinopla). Oalto nível intelectual de suas conferências e ser-

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mões, assim como a fineza de sua poesia religio-sa, mereceram-lhe uma aceitação geral entre oscristãos do Oriente e Ocidente.

Cabasilas, Nilo (1298-1363)

Nasceu em Tessalônica e morreu emConstantinopla, tio de Nicolau Cabasilas, teólo-go e pesquisador ortodoxo, nomeado metropoli-tano de Tessalônica.

Dois aspectos definem a atividade e a perso-nalidade de Nilo Cabasilas:

1. Seus tratados de crítica à teologia latinamedieval, que se tornaram clássicos na defesa datradição ortodoxa da Igreja bizantina. Suas tesesestão expostas em sua volumosa obra Deprocessione Spiritus Sancti, em que defende adoutrina ortodoxa da procedência do Espírito San-to do Pai, não do Filho. Recusa, portanto, a pos-tura da Igreja latina sobre a procedência do Espí-rito Santo do Pai e do Filho.

2. Sua luta contra a doutrina de São GregórioPalamas e de seu próprio sobrinho Nicolau sobrea ascética e mística da Hesiquia. Estes ensina-vam um método ascético-místico de oraçãocontemplativa que afirmava a possibilidade dacomunhão real com a vida divina. No início des-prezou tal doutrina, que considerou contrária àlógica e à metafísica aristotélica. Posteriormenteterminou inclinando-se a favor deste método edoutrina.

Tanto Nilo quanto Nicolau Cabasilas afiançame dão corpo à grande tradição oriental, teológicae espiritual, da qual se transformam em verdadei-ros clássicos.

Cabrol, Fernand (1855-1937)

Monge beneditino, abade de Farnborough, foium dos grandes pesquisadores e promotores domovimento litúrgico. Junto a H. Leclercq, publi-cou os Monumenta Ecclesiae liturgica (1900-

Cabasilas, Nilo

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1913), assim como o Dictionnaire d’archéologieet de liturgie (1903-1953). Toda a vida deste sá-bio foi dedicada ao estudo da liturgia, sobre a qualpublicou várias obras. A esses dois eminentes his-toriadores e pesquisadores deve-se acrescentar afigura de L. Duchesne (1843-1922), que foi es-pecialista no campo da arqueologia e da históriada Igreja primitiva. Sua crítica exagerada e nega-tiva às lendas tradicionais suscitou contra ele aoposição de muitos.

Calasâncio, São José (1556-1648)

*Educadores cristãos.

Calvino, João (1509-1564)

Teólogo e reformador francês, nasceu emNoyon e morreu em Genebra. Estudou nas Uni-versidades de Paris, Orleans e Bruges. Humanistae grande admirador dos humanistas, principal-mente de Erasmo, transformou-se em leitor assí-duo dos clássicos, fazendo um comentário e tra-dução ao tratado De clementia de Sêneca. Dessaformação humanista dão testemunho sua admira-ção pelos clássicos, sua capacidade de síntese, seuestilo conciso, seu amor pela ciência, pela arte epela música.

Tudo isso, entretanto, fica sujeito a sua mis-são primeira de reformador e teólogo. Desde seurompimento com a Igreja de Roma em 1533, de-pois de uma experiência religiosa em que acredi-tou ter recebido a missão de restaurar a Igreja asua pureza primitiva, entrou em contato com oshomens da Reforma na Alemanha e na Suíça e sedirigiu a Basiléia (1535). Ali escreveu sua obraprincipal: Institutio Religionis Christianae (1536),que foi aperfeiçoando em sucessivas edições e queele mesmo traduziu para o francês. Depois de umaestada em Estrasburgo (1536-1539), voltou aGenebra onde se dedicou a estabelecer um regi-me teocrático sobre as bases do Antigo Testamento(AT). Servindo-se de uma série de “ordens” que

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colocaram o governo da cidade nas mãos de pas-tores, anciãos e diáconos, assistidos por umconsistório ou tribunal de caráter fundamental-mente moral, exerceu um poder onímodo na ci-dade até a sua morte. Os delitos religiosos: here-sia, oposição à fé estabelecida etc., foram casti-gados com severas penas, entre elas aexcomunhão e a pena de morte, como no caso deMiguel *Servet (1553). Desde 1555, quandoCalvino foi considerado mestre indiscutível deGenebra, o reformador viveu inteiramente para asua obra: pregação, participação nos problemasde outras comunidades protestantes da Europa eredação de seus numerosos livros e demais escri-tos. É considerado o segundo reformador depoisde Lutero.

— Apesar de Calvino reconhecer repetidasvezes sua “natural tendência à brevidade” e à con-cisão, sua produção literária é uma das mais ex-tensas. Assim o atestam: a) Os dois grossos volu-mes de cartas, em correspondência mantida pra-ticamente com os principais homens do momen-to: *Erasmo, *Lutero, *Bucer etc. Destaca-se suaresposta ao cardeal Sadoleto, um de seus melho-res trabalhos sobre a Reforma, escrito num só dia.b) Seus sermões: Calvino pregou regularmenteem Genebra, e seus sermões foram registradostaquigraficamente desde 1549. Alguns foram pu-blicados no século XVI. A maior parte foi vendi-da como papel velho no século XIX, perdendo-seassim três quartas partes deles. c) Comentáriosde muitos dos livros do AT e do NT. Continuasendo um dos grandes comentaristas do texto bí-blico. d) Tratados: Sobre a eucaristia, em quemantém uma postura média entre Lutero —empanação e consubstanciação — e a doutrinatradicional católica — transubstanciação; Sobreas relíquias; Sobre a predestinação (1552).

— Entre suas obras destaca-se InstitutioReligionis Christianae, que já mencionamos.Desta obra fez três edições em vida, que foi com-pletando e aperfeiçoando até 1559. Fez ainda aedição francesa, que dedicou ao rei da França e

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que é concebida como de “summa da piedade” epara a edificação do povo da França.

— A obra falada e escrita de Calvino culminacom a fundação da Academia de Genebra (1559),que continuou sua obra e a transformou mais tar-de na Universidade de Genebra. Será o principalfoco de estudo e de propaganda de sua doutrina.

— De modo geral, podemos dizer que “se paraLutero o retorno às fontes religiosas é essencial-mente o retorno ao Evangelho, e para Zwinglioretorno à revelação originária concedida a pagãose cristãos, para Calvino é, ao contrário, retorno àreligiosidade do Antigo Testamento. Desta obranasceram as Igrejas Reformadas, que não foramorganizadas sob a influência do Estado, comoocorreu na Alemanha, mas que se desenvolveramlivremente.

Em Instituições destaca a impossibilidade dadoutrina do Evangelho sem o AT. E, na realidade,em sua interpretação da Bíblia os conceitos doAT são os que prevalecem (Inst., 7, III, 62-63).

— Embora partilhe com Lutero sua fé na Bí-blia como única norma de fé, a negação do livre-arbítrio e a doutrina da justificação somente pelaprópria fé, é do AT, porém, que tira o conceitoprincipal de sua concepção religiosa: a sobera-nia de Deus. Deus como absoluta soberania epotência, diante da qual o homem não é nada. Nateologia de Calvino, Deus é onipotência eimpenetrabilidade, mais que amor.

— De seu decreto depende o curso das coisase o destino dos homens e, portanto, também a suasalvação. “Dizemos que o Senhor decidiu de umavez, em seu desígnio eterno e imutável, quaishomens queria admitir para a salvação e quaisqueria deixar na ruína. Aqueles aos quais chamapara a salvação dizemos que os recebe por suamisericórdia gratuita, sem ter em conta sua pró-pria dignidade. Ao contrário, o acesso à vida estáfechado para todos os que ele permite que sejamcondenados. E isso acontece por um juízo seuoculto e incompreensível, mas também justo eequitativo” (Ibid).

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— “A santidade tem sua origem e princípiounicamente na eleição divina. É impossível reco-nhecer no homem um mérito qualquer com rela-ção a Deus. O homem se reconcilia com Deussomente pela mediação de Cristo e pela partici-pação em suas promessas. Mas a mesma obramediadora de Cristo é um decreto eterno de Deus,que está incluído na ordem providencial do mun-do” (Inst., 6, II, 275). Quem acredita, porém, nosméritos de Cristo e na virtude de tais méritos sen-te-se predestinado, adquire uma força de convic-ção que não retrocede diante das dificuldades eque o leva até ao fanatismo.

— Com esta certeza da ajuda divina, inclusi-ve nos negócios, o trabalho transforma-se numdever sagrado, e o bom êxito nos negócios é umaprova evidente do favor de Deus; e conforme adoutrina do AT, num signo de sua predileção.Sobre a ética calvinista modelou-se o espírito danascente burguesia capitalista, isto é, o espíritoativo e agressivo, com desprezo de todo sentimen-to, continuamente direcionado para o êxito.

— Contrariamente ao defendido por Lutero, aIgreja é independente do poder civil, mas este,além de respeitá-la, deve contribuir para a implan-tação do Reino de Deus sobre a terra, castigandoos maus e premiando os bons, segundo as orien-tações da Igreja. O Estado fica reduzido a um ins-trumento nas mãos da Igreja e, em contraposiçãoà tendência moderna da autonomia e diferençade campos, volta-se para a mais absoluta teocracia.

“Sua profunda religiosidade parece como en-xertada em sua forma metódica de ser, extraordi-nariamente lúcida e clara, inclinada a sistemati-zar sempre os problemas através de um trabalhopaciente e contínuo, que ele prolonga apesar desua saúde fraca, ajudado por sua memória de fer-ro e por sua fácil veia de escritor. Sóbrio e eficazno estilo, capta imediatamente a substância dosproblemas, expondo-os com clareza, evitando asfórmulas escolásticas e preferindo as expressõesfacilmente inteligíveis por todos” (G. Martina, LaIglesia: De Lutero a nuestros días, 140).

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BIBLIOGRAFIA: Obras: Corpus Reformatorum(Brunswick). Berlim 1850s.; Leipzig 1893s.; J. L. L.Aranguren, Catolicismo y protestantismo como formas deexistencia. Madrid 1957; M. Weber; La ética protestante yel espíritu del capitalismo. Madrid 1962.

Câmara, Hélder Pessoa (1909-)

Bispo de Olinda e Recife no Brasil desde 1964.Onze anos como secretário da Conferência Naci-onal dos Bispos do Brasil — CNBB — permiti-ram-lhe conscientizar o episcopado e a Igreja so-bre a situação social de pobreza de grande parteda população. Durante esses anos, sua atividadena pregação, tanto no púlpito quanto na televi-são, foi alertar os cristãos sobre o estado de misé-ria física, moral e espiritual das favelas e bairrosmarginalizados do Rio de Janeiro. No ConcílioVaticano II, advogou por uma distribuição maisjusta das riquezas da Igreja em favor dos pobres.

Como bispo, sua atividade centrou-se numasérie de programas sociais, educacionais e religi-osos tendentes a elevar a vida dos camponeses desua diocese. Como conseqüência, teve em 1966sérios confrontos com as autoridades governa-mentais do Estado e da nação que terminaram emtiros e ataques à sua própria residência. Em 1967,deu origem a uma forte oposição por parte doexército e dos proprietários da terra, quando afir-mou, na cidade de Pernambuco, que somente aação social da Igreja poderia evitar uma revolu-ção violenta dos necessitados. Ao mesmo tempo,denunciava a injustiça social resultante da má einjusta distribuição da riqueza no Brasil, que fo-mentava o “colonialismo interior” e a violaçãodos “direitos humanos básicos”.

O trabalho social de Dom Hélder Câmara foireconhecido por vários Organismos Internacio-nais. Seu pensamento foi compilado em dois vo-lumes: Revolución dentro de la paz (1968) eRevolución por medio de la paz (1971). Esses doislivros contêm boa parte dos numerosos sermões,conferências, mediações que o bispo de Recifepronunciou e das quais participou. D. Hélder

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Câmara será lembrado sempre como um dos gran-des apóstolos e missionários dos pobres em suajusta reivindicação dos direitos fundamentais. Seutrabalho está vinculado ao da Igreja do Brasil eda América Latina em geral, na luta pela liberta-ção. Sua obra tem sido uma “educaçãolibertadora”, segundo o método de Paulo Freire eos princípios da “Teologia da Libertação”. Seureconhecimento é hoje unânime.

BIBLIOGRAFIA: O Deserto é Fértil; O Evangelho comDom Helder; Indagacoes Sobre uma Vida Melhor; L. Boff,Eclesiogênese. As Comunidades de Base reinventam a Igre-ja; E a Igreja se fez povo; Equipo Seladoc, Panorama de lateología latinoamericana. Salamanca 1975-1984, 6 vols.;Instituto fé e Secularidade, Fe cristiana y cambio social enAmérica Latina. Sígueme 1973.

Camus, Albert (1913-1960)

“Escritor e filósofo, jornalista e político a seujeito, Camus foi o escritor francês que mais pro-fundamente influenciou os leitores de todo omundo durante as últimas gerações. O PrêmioNobel concedido a Camus, em 1957, corroborouo fato inegável dessa fascinação universal.Humanista doloroso e sensível, entre o absurdoque descreve e a solidariedade que converte parasua própria causa, é uma imagem de lucidez in-quieta e exigente que se revisa a si próprio entredistensões incuráveis” (M. de Riquer-José MªValverde, Historia de la Literatura Universal).

Charles Moeller, em Literatura do século XXe cristianismo, intitula seu estudo sobre Camus:Albert Camus ou a honestidade desesperada. Eacrescenta: “O autor de Calígula não é um filó-sofo no sentido técnico dessa palavra. Precisamosretomar a seu respeito o termo, infelizmente mui-to gasto, de testemunha. Sua obra testemunhacerta sensibilidade contemporânea diante do apa-rente silêncio de Deus”.

Depois de analisar de forma pormenorizadasuas principais obras: O mito de Sísifo, ensaio(1942); A peste, novela (1947); os dramasCalígula (1947) e Os justos, além de suas pri-

Camus, Albert

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meiras obras como As bodas e outras, Ch. Moellerchega a este resumo geral:

— “Partindo do romantismo da felicidade sen-sível, Camus orienta-se, através de uma revoltacontra o absurdo, para uma religião da felicidadeque impõe aos seus adeptos uma espécie de mar-tírio. Concentrada inicialmente sobre a inquietudeindividual, a obra de Camus vai-se abrindo aospoucos para as desgraças do mundo; ela assumeum tom de lealdade quase impessoal, que obrigaao respeito. Enfim, violentamente anti-religiosaa princípio, a obra camusiana torna-se mais sere-na; desinteressando-se cada vez mais da ‘ideolo-gia’ cristã, Camus exorta-nos com fervor a en-quadrar-nos na luta pelos ‘universais concretos’,contra a injustiça e a violência”.

Esse julgamento conjunto sobre a pessoa e aobra de Camus, Moeller o explica em separadonas seguintes afirmações:

— “Não é ‘a peste’ o que está na origem daincredulidade do autor de Noces, mas o seuracionalismo, a sua recusa de acreditar em Deusporque tal fé implicaria numa desvalorização davida. Esta conclusão é decisiva: Camus nunca sepreocupou seriamente com o problema de Deus;sua incredulidade é um ponto de partida, umanegativa prévia”.

— “A geração Gide-Claudel está obcecadapela idéia da salvação... Em Camus, a opção emfavor da felicidade é exclusiva; tomada no pontode partida, mantém-se até o fim; é dentro do temada felicidade que se realiza uma promoção religi-osa. O homem deve sacrificar a sua felicidadepessoal para tentar dá-la aos outros; ao mesmotempo é-lhe impossível levar a feito seja o quefor, sem fazer violência aos outros, ou matá-los”.

— “Camus ignora a religião cristã; tambémnão é um filósofo. Sua descrença instala-se noponto de junção da ignorância religiosa e do res-sentimento. A lealdade da sua lógica leva-o a darà morte dos ‘justos’ um valor de redenção”.

— “Como viver sem a graça, é o problemaque domina o século XX”, escreve Camus. Esta

Camus, Albert

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frase-chave, já dita em outras palavras por Tarrou,explica-se melhor agora; como ‘viver’, significacomo evitar, após o abandono do ‘sagrado’ a que-da na abominável revolução que mata e assassi-na? A resposta de Camus contém-se nesta sim-ples linha: “A verdadeira generosidade para ofuturo consiste em dar tudo ao presente. Os quenada dão ao ‘presente’ mas lhe sacrificam um ‘fu-turo’ divino, serão os revolucionários e os homensreligiosos”.

Assim poderíamos continuar criando inu-meráveis frases lapidares sobre esse mago daspalavras e das idéias. Moeller finaliza o estudocom estas duas reflexões: “Camus nunca refletiua sério na solidez do seu ponto de partida. Alémdisso, o ateísmo é a raiz mais forte da sua incre-dulidade”. Moeller acabou dizendo: “Como nãoestimar um homem que em meio ao nosso mun-do da vigésima quinta hora, de náusea e de ‘des-prezo do homem’, escreveu estas linhas: ‘Nohomem há mais coisas a admiração que a des-denhar’?”.

BIBLIOGRAFIA: Ch. Moeller, Literatura do século XXe cristianismo. Há tradução em português de quase toda aobra de A. Camus.

Canísio, São Pedro (1521-1597)

Principal artífice da Contra-Reforma na Ale-manha, uniu a uma eminente santidade a eficáciade uma atividade programada e multiforme. Comojesuíta e depois superior da Companhia na Ale-manha, cuidou de estabelecer pontos estratégicose homens preparados para a docência e oapostolado nesse país. Dirigiu seus ataques con-tra o arcebispo eleito de Colônia, muito inclina-do para a Reforma. A partir de 1549, pregou naBaviera, em Viena e em Praga. Frutos dessa pre-gação paroquial e popular são os catecismos emdiversos graus que publicou para os diferentesníveis de fiéis. O catecismo, mais conhecido comoCatecismo de São Pedro Canísio, apareceu sob otítulo de Summa doctrine christianae em 1554.

Canísio, São Pedro

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Adiantou-se em 12 anos ao chamado CatecismoRomano ou de São Pio V (1566) (*Catecismo).

Cano, Melchior (1509-1560)

Teólogo dominicano da Universidade deSalamanca, tomista e escolástico bem munidopara o debate dialético. Escreveu De locistheologicis, onde expõe o método e os argumen-tos da teologia. Como teólogo, participou do Con-cílio de Trento nos debates sobre a Eucaristia e aPenitência. Depois de várias lutas internas comteólogos de outras escolas e tendências, foi no-meado bispo de Santa Cruz de Tenerife, ondemorreu.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Tratado da vitória si mesmo(1550); De sacramentis in genere y De poenitentiae sacra-mento; De locis theologicis (1563). M. Solana, Historia dela filosofía española, 1941, III, 131-150.

Caramuel (1606-1682)

* Instituições morais.

Carlos Borromeu São (1538-1584)

*Educadores cristãos; *Contra-Reforma.

Carta de Judas (séc. I)

*Cartas católicas.

Carta de Tiago (séc. I)

*Cartas católicas

Cartas católicas

Com esse nome se conhece uma coleção decartas canônicas do Novo Testamento (NT), atri-buídas uma a Tiago, uma a Judas, duas a Pedro,três a João. No total, sete. O título católicas proce-

Cartas católicas

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de, sem dúvida, de que a maioria delas não vãodestinadas a comunidades ou pessoas particula-res, mas aos cristãos em geral.

1. Carta de Tiago. Mais que uma carta, pode-ria classificar-se como uma homilia ou catequeseque exorta à paciência nas tribulações, ao domí-nio da língua, à misericórdia etc. É dirigida a to-das as comunidades cristãs, simbolizadas pelasdoze tribos de Israel. A Carta, sobretudo, reduz alei ao mandamento do amor ao próximo: exaltaos pobres e adverte severamente os ricos. Insistenas práticas das boas obras e previne contra umafé estéril. A exigência do amor exclui a explora-ção, e apresenta a passagem mais violenta do NTcontra os ricos exploradores na linha profética doAT.

O autor se dá o nome de Tiago, irmão ou pa-rente do Senhor, que dirigiu o Concílio de Jeru-salém e morreu mártir no ano 62. No entanto, oestilo e o grego refinado da carta tornam impro-vável ter sido escrita por um judeu de Jerusalém.Talvez se deva pensar num judeu helenista do fi-nal do séc. I, entre os anos 80-100. Até o séc. IIInão foi considerada como canônica.

2. Carta de Judas. O autor desta carta se dizirmão de Tiago, que é, sem dúvida, o parente doSenhor. O estilo e a linguagem retórica da cartanão são próprios de um judeu palestinense. Isso eoutras referências a pregações dos apóstolos so-bre os tempos difíceis sugere uma época relativa-mente tardia. Assim como a carta de Tiago, pare-ce ser do final do séc. I.

O que interessa a Judas é delatar os perversosdoutores que colocam em perigo a fé cristã. Ame-aça-os com um castigo divino. Suas blasfêmias eabusos morais não passarão sem o castigo dianteDeus.

3. Cartas de Pedro (1 e 2).1Pd é um escrito didático e exortatório que se

propõe afiançar na fé grupos de cristãos ameaça-dos pelo perigo da apostasia. O ensino gira emtorno da graça e do compromisso do Batismo e

Cartas católicas

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da esperança na vinda de Cristo. Os cristãos fo-ram escolhidos e convocados por Deus para se-guir e obedecer a Jesus Cristo na sua vida e emseus ensinamentos. A Igreja é escolhida Templode Deus e do Espírito, cuja firmeza é Cristo, apedra angular sobre a qual está construída.

O autor é o apóstolo Pedro, conforme nosdiz na própria carta. É escrita na Babilônia, de-nominação pejorativa de Roma no Apocalipse(14,8). Embora alguns coloquem em dúvida suaautenticidade, não há razões para não atribuí-la aPedro. Data do ano de 64, anterior à perseguiçãode Nero.

2Pd apresenta-se como o testemunho de Pedroque vê próxima a sua morte. Os autores, no en-tanto, costumam atribuir-lhe uma data posterior,apoiados em razões de tipo interno, de estilo, vo-cabulário etc. É atribuída a um discípulo do após-tolo na primeira metade do séc. II.

O tema central da carta é a volta de Cristo.Não a descreve como uma transformação do mun-do nem como o reinado de Deus sobre a sua cria-ção, senão como a destruição total da realidadepresente. Três pontos da carta merecem destaque:a vocação cristã à “participação da natureza divi-na”; a definição do caráter inspirado das Escritu-ras; a certeza da parusia futura (segunda vinda deCristo no final dos tempos), apesar da demora eda incerteza de seu dia. Termina com a perspecti-va de um mundo novo onde habitará a justiça.

Cartas de João (séc. I)

*João Evangelista, São.

Cartas de Paulo (séc. I)

*Paulo Apóstolo, São.

Cartas de Pedro (séc. I)

*Cartas católicas.

Cartas de Pedro

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Cartuxo, Dionísio (1402-1471)

Teólogo e místico, escreveu comentários aoslivros da Escritura, às obras de Boécio, de PedroLombardo, de São João Clímaco e do Pseudo-Dionísio. Embora não sejam originais, suas obraschegaram a ser muito lidas no seu tempo. Foimuito apreciado pela segurança de sua doutrinaem temas morais e de disciplina.

Cartuxo, Ludolfo (+1378)

Ludolfo de Saxônia, mais conhecido por“Cartuxo”, passou à história por sua famosa VitaChristi. Não é uma biografia de Cristo no sentidorigoroso da palavra, senão uma prolongada me-ditação sobre a vida e as ações de Jesus, com ins-truções doutrinais, espirituais e morais. Inclui tam-bém diversas orações. Foi um dos livros maispopulares da Baixa Idade Média.

Casel, Odo (1886-1948)

Monge beneditino da abadia de Maria Laach.São bem conhecidos seus trabalhos sobre os as-pectos teológicos da liturgia. A Eucaristia resu-me e atualiza os mistérios de Cristo através daIgreja. Sua principal obra, Os mistérios do cultocristão, foi o texto clássico para a compreensãoda liturgia nos anos anteriores ao ConcílioVaticano II. Odo Casel é um elo importante nacorrente de autores pioneiros e líderes do movi-mento litúrgico.

Cassiano, João (360-431)

Ainda muito jovem, ingressou como mongeno mosteiro de Belém, de onde saiu, logo depois,com ânimo de conhecer melhor e estudar a vidamonacal no Egito. Em 415 fundou dois mostei-ros perto de Marselha.

De Cassiano ficaram duas obras fundamentais.Escritas num latim simples e narrativo, exerce-

Cartuxo, Dionísio

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ram uma influência decisiva na organização davida monacal.

— As Institutiones. Nelas estabelece as regrasfundamentais da vida monástica, assim como asdificuldades que apresenta sua organização e prá-tica.

— As Collationes ou Conferências. Coletamas conversações com os padres do deserto egíp-cio. É uma obra fundamental para compreender avida e a espiritualidade monástica. A tradução paratodas as línguas modernas faz deste livro e deCassiano um dos “clássicos cristãos” imprescin-díveis.

Em seu tempo, e posteriormente, viu-se emsua doutrina um toque de semipelagianismo.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 49-50; CorpusVindobonense, 13 e 17.

Cassiodoro (485-580)

Flavius Magnus Aurelius Cassiodorus, sena-dor, conhecido como “salvador da civilizaçãoocidental”. Nascido na Calábria, deixou a vidapública em 545, retirando-se para a vida monás-tica. Fundou o “Vivarium”, mosteiro onde mor-reu.

A obra principal de Cassiodoro é Institutionesdivinarum et saecularium litterarum, em que ad-voga pela união dos estudos cristãos e profanos.Consta de dois livros: o primeiro refere-se à cul-tura bíblica e cristã; o segundo, à profana. A obraé uma espécie de enciclopédia universal, básicapara a cultura medieval.

— Na segunda parte, distingue três artes equatro disciplinas: o conhecido “trivium” e o“quadrivium”. As três artes são a gramática, a re-tórica e a dialética. Essa última, própria deCassi.odoro, contra a tradição latina. As quatrodisciplinas são as matemáticas, que compreendemaritmética, geometria, música e astronomia.

— Compôs também outras obras: De anima,em 12 capítulos. Nela faz referência a textos de

Cassiodoro

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Santo Agostinho, C. Mamerto e à Escritura, paraprovar e definir a natureza, as virtudes e o desti-no ultraterreno da alma. Em De musica coleta asteorias musicais dos antigos.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 69-70.

Catarina de Gênova, Santa(1447-1510)

*Ângela de Foligno.

Catarina de Ricci, Santa (1522-1590)

*Ângela de Foligno.

Catarina de Sena, Santa (1347-1380)

Nascida em Sena, recebeu o nome de CatarinaBenincasa; morreu em Roma. Foi canonizada em1461. Proclamada doutora da Igreja, junto a Te-resa de Ávila, em 1970. Santa Catarina de Sena éuma das mulheres de vida mais intensa: por suaatividade em favor da paz, é reconhecida e pro-clamada padroeira da Itália; por seu incansávelzelo em favor da volta do papa de Avinhão paraRoma, mereceu o título de apóstola da unidadedo papado e da Igreja. Ao mesmo tempo, o fervorde sua atuação pública não diminuiu a intensida-de de seus êxtases nem do rigor das práticasascéticas. Morreu aos 33 anos, deixando atrás desi uma obra e um exemplo indeléveis.

Três coisas resumem a vida dessa freiraterciária dominicana, que em 1363 ingressa noconvento das Irmãs da Penitência de Sena: 1) Tra-zer a paz às cidades da Itália. 2) Conseguir a vol-ta do Papa Gregório XI a Roma. 3) Promover umacruzada contra os muçulmanos. Para isso não dei-xou de viajar pelas diversas cidades italianas, en-trevistando e escrevendo às pessoas que pudes-sem trazer a paz à Itália. Foi para Avinhão na qua-lidade de mediadora não oficial do Papa GregórioXI, cuja volta a Roma deu-se em 1377. Não con-

Catarina de Gênova, Santa

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seguiu, no entanto, mobilizar a cruzada. Contu-do, deve sua influência no mundo eclesiástico epolítico do séc. XIV à sua excepcional força devontade e à energia e zelo com que atuou nos con-flitos da época. É uma mulher de fogo: “il miocuore é fuoco”. De sua condição de “simples cris-tã”, dirigiu-se com liberdade a todos, particular-mente ao papa. Disse a Urbano VI: “Meu docepai, faze as coisas com moderação, pois fazê-lasimoderadamente, antes estraga do que compõe;com benevolência e coração tranqüilo... elege umbom grupo de cardeais italianos”.

Os escritos de Santa Catarina de Sena, queforam todos eles ditados, incluem umas 380 car-tas, 26 orações e os Quatro tratados da DivinaDoutrina. Essa última obra é conhecida como oDiálogo de Santa Catarina ou simplesmente oDiálogo, composto entre 1376-1378.

Através de suas Cartas e sobretudo do Diálo-go, Santa Catarina de Sena transmite-nos sua ex-periência religiosa e mística. Graças a essas obras,passou a ser uma das grandes mestras da ascéticae da mística cristã, merecedora do título de “Dou-tora da Igreja”.

Santa Catarina vive a mística da “essência”como os grandes místicos da época, por exemploo mestre Eckhart, Tauler etc. A experiência espi-ritual é o encontro ou a permanência estável dohomem nesse “lugar” onde se encontra simulta-neamente a “essência” da existência humana e a“essência” de Deus. Nossa mística nos fala “dacela interior” onde se produz o encontro de Deuse da Alma.

— No Diálogo esboça-se também o que sedenominou de “mística nupcial”, de um fundomais tipicamente bíblico e cristão, e que terá seusgrandes mestres em Santa Teresa e em São Joãoda Cruz. Utiliza-se o símbolo nupcial por sua ca-pacidade de expressar a experiência, não propri-amente do ser-um, senão do estar-unido, da co-munhão na transformação, da presença que con-vida, do amor recebido que faz amar de uma ma-neira nova, inédita.

Catarina de Sena, Santa

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— “Sua prosa carece de riqueza técnica, masse apóia nos infinitos recursos da imaginação ena intuição da santa, que freqüentemente confe-rem a suas páginas tons vivos, tumultuados e qua-se ‘barrocos’. E, assim, Santa Catarina supre afalta de experiência literária com sua sensibilida-de sutil e variada, com a eficácia de suas razões,com uma singular penetração psicológica, com asinceridade de suas efusões estáticas e com o ar-dor de seu apostolado ascético, tudo o que dá asua obra momentos de grande intensidade lírica”(Diccionario Bompiani de Autores Literarios).

BIBLIOGRAFIA: Obras de Santa Catarina de Siena.El diálogo, Oraciones y Soliloquios. Edição de Salvador eConde (BAC); A. Royo Marín, Doctoras de la Iglesia.Doctrina espiritual de Santa Teresa de Jesús y Santa Catalinade Siena (BAC).

Catecismo

O catecismo ou os catecismos, como gênerodidático dentro da Igreja, é uma continuação es-crita da catequese oral e direta, praticada desdeos primeiros séculos do cristianismo. Aparececomo substituição desta e do catecumenato, quefora uma instituição perfeitamente definida naIgreja primitiva e posterior.

O catecismo é um gênero literário didático emforma de manual de instrução cristã, preparado àbase de perguntas e respostas. Seu surgimento étardio, já que remonta aos séculos XV-XVI. Istonão quer dizer que anteriormente não se tenhamdado manuais de instrução para os jovens, paraos rudes ou lavradores, para os convertidos, osinfiéis ou testemunhar a fé. São conhecidos, nes-se sentido, alguns dos tratados de Santo Agosti-nho, de São João Crisóstomo e em especial deSão Cirilo de Jerusalém com suas famosascatequeses. Com mesmo sentido e finalidade fo-ram escritas algumas das summas da Idade Mé-dia, como as de Santo Tomás, de São Raimundode Peñafort e de Raimundo Lúlio, entre outras. Otermo catecismo, no entanto, foi utilizado para

Catecismo

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designar os manuais escritos em forma de per-guntas e respostas, surgidos no começo da IdadeModerna.

A partir da invenção da imprensa no séc. XV,e principalmente da Reforma Protestante do séc.XVI, o catecismo transforma-se em um meio deinstrução, de exposição da fé e de muito impor-tante controvérsia. Seguindo um pouco os manu-ais de instrução religiosa da Idade Média, con-tém três partes correspondentes às três virtudesteologais: a) significado da fé: explicação do Cre-do dos Apóstolos; b) esperança: explicação do“pai-nosso”; e c) a caridade: os Dez Mandamen-tos. Os catecismos surgidos da Reforma estãoestruturados em quatro partes: em que acreditar,a que orar, o que realizar e o que receber, segun-do o esquema dos clássicos catecismos de Astetee Ripalda.

A era dos catecismos cobre todo o século XVIe estende-se com uma nova compreensão até nos-sos dias. São clássicos os dois catecismos deLutero: O Catecismo Menor (1529) e o Catecis-mo Maior destinado ao clero (1529). Neles se fixaa doutrina luterana sobre os sacramentos, sobre-tudo a do Batismo e da Eucaristia. Em 1537,Calvino publicou um Catecismo para as crianças,que pela sua dificuldade de compreensão teve deser adaptado e publicado novamente em 1542. OCatecismo de Heildelberg (1563) se impôs nasIgrejas Reformadas da Suíça. As IgrejasPresbiterianas confeccionaram seu pequeno egrande catecismo, conhecido como Catecismo deWestminster (1647). Em 1549, juntamente com oBook of Common Prayer, publicou-se a primeiraparte do catecismo anglicano e a segunda em1604, com a doutrina sobre os dois sacramentos.Até 1661 sofreu diversas modificações.

Da parte católica e durante o Concílio deTrento (1545-1563), publicou-se o catecismo ca-tólico mais famoso, a Summa DoctrinaeChristianae (1554) de São Pedro Canísio, jesuítaalemão. Seguiram-lhe o de São RobertoBelarmino na Itália (1597); os de Edmond Auger

Catecismo

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(1563) e J. B. Bossuet (1687) na França; os deGaspar Astete (1599), com mais de 600 edições,e Ripalda (1615) na Espanha etc. Seria intermi-nável a lista dos que apareceram ao longo dosséculos seguintes até nossos dias. Os catecismosdos séculos XVIII-XX supõem um esforço de sín-tese sistemática e apologética de teólogos e edu-cadores. Mas a maior parte deles, sobretudo osque se dirigem a um público culto, abandonam aforma tradicional de perguntas e respostas parase converter em tratados ou manuais de forma-ção e informação cristã. Seguindo o exemplo dochamado Catecismo romano — publicado em1566 por São Pio V, que não é um catecismo nosentido indicado, porém, uma exposição doutrinalpara utilização dos sacerdotes — a maior partedos catecismos modernos adotam a forma de ex-posição doutrinal. São a adaptação dos manuaisde teologia em linguagem mais acessível e a for-ma pela qual a doutrina cristã sai das salas de aulae dos livros em latim e chega ao povo.

Finalmente em 1993 foi publicado o Catecis-mo da Igreja Católica.

Como reação aos catecismos católicos e pro-testantes, o teólogo ortodoxo Pedro Mogila com-pôs a Confissão ortodoxa da Igreja católica eapostólica oriental. Foi aprovada por um Sínodoprovincial em 1640 e estendida a todas as IgrejasOrientais pelo Sínodo de Jerusalém em 1672.Mesmo assim, por ordem do czar Pedro I, o Gran-de, preparou-se em 1723 um pequeno catecismoortodoxo.

BIBLIOGRAFIA: Para maiores informações sobre ocatecismo, os catecismos, oferecemos as seguintes obras:Catecismo Católico para adultos. La fe de la Iglesia, pelaConferência Episcopal alemã (BAC); Novo catecismo paraadultos (Catecismo holandês).; J. N. D. Kelly, Primitivoscredos cristianos. Salamanca 1980; Catecismo romano desan Pío V (texto bilíngüe) (BAC); Catecismo de Astate yRipalda, por L. Resines (BAC); Comentarios sobre el“Cathecismo Christiano” por B. de Carranza. Edição críti-ca e introdução por J. L. Tellechea (BAC maior), 2 vols.Catecismo da Igreja Católica, Vozes e Loyola, 1993.

Catecismo

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Cayetano, Tomás de Vío (1469-1534)

Teólogo dominicano. Duas facetas destacam-se em sua vida:

1. É considerado o mais autorizado comenta-rista de Santo Tomás de Aquino. Seu Comentárioà Summa Teológica (1507-1522) é um verdadei-ro monumento e origem do renascimento tomistado séc. XVI. Dele nasce a “nova escolásticarenascentista”, que dará esplêndidos frutos naEspanha (Salamanca) e Portugal (Coimbra).

2. Cayetano foi também um homem de Igreja,um diplomático a serviço da causa de Roma. Pri-meiro como geral de sua ordem (1508-1518),como cardeal (1517) e bispo de Gaeta (1519), edepois, como legado do papa, teve um papel im-portante na política religiosa do seu tempo. Apres-sou a reforma da Igreja no Concílio de Latrão em1512. Procurou convencer Lutero em 1518, e fi-nalmente se opôs ao projetado divórcio deHenrique VIII (1530).

CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) (1955)

As conferências episcopais — com longatradição na Europa, América, Ásia e África —receberam um impulso e funções muito especiaisno Concílio *Vaticano II.”... Esse sacrossantoSínodo julgou ser de toda a conveniência que, emtodo o mundo, os Bispos de uma nação ou regiãose agrupem numa única assembléia, para que pe-riodicamente se reúnam, comunicando entre si asluzes da prudência e da experiência, deliberarentre si e formar uma santa conspiração de forçaspara bem comum das Igrejas” (CD 37s.). “Ondeas condições especiais o exigirem, os Bispos devárias nações, com a aprovação da Sé Apostóli-ca, podem constituir uma única conferência”(idem 38, 5).

Tanto as conferências nacionais quanto as con-tinentais adquirem uma dimensão e uma influên-cia que nunca tiveram anteriormente. Em nível

CELAM

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continental, merece destaque o Conselho Epis-copal Latino-Americano, conferência de bisposde 22 nações de língua portuguesa e espanhola.O protagonismo que esse conselho tem represen-tado na vida religiosa, pastoral, social e políticana América Latina nos leva a abrir um espaçomaior para ele.

O CELAM nasceu em 1955, e *João XXIII odescreveu como um dos “organismos mais im-portantes da estrutura católica universal”. Tem seusecretariado permanente em Bogotá (Colômbia).Com sua constituição e estatutos próprios, cele-bra uma assembléia geral anual, à qual compare-cem delegações episcopais de todos os países daAmérica Latina. Essa assembléia geral é seguidade uma sessão extraordinária dedicada a questõesmonográficas sobre temas candentes. Desta ma-neira, o Conselho converte-se na caixa de resso-nância de todos os problemas que a Igreja tem naAmérica do Sul. É uma tomada de consciência,de estudo, de planejamento e deliberação de ori-entações e decisões a seguir, através de seus trezedepartamentos pastorais.

A atuação preferencial do CELAM é marcadapela realidade de América do Sul: uma realidadeplural de subdesenvolvimento e riqueza, de revo-lução e repressão, de democracia e ditadura, deignorância e atraso cultural e de eclosão vital esocial. Nos quarenta longos anos de existência, oCELAM teve e ainda tem de fazer frente, tantoaos problemas internos da Igreja Sul-Americana,quanto à realidade sociopolítica e cultural domeio. A eles fez frente em três grandes conferên-cias. A primeira, em 1966, realizada em Mar delPlata (Argentina), cuja ordem do dia era: “A pre-sença ativa da Igreja no desenvolvimento econô-mico e social”. Em sua declaração final, convi-davam-se os católicos latino-americanos a “esti-mular as reformas de estruturas necessárias paramaior participação da população na vida política,econômica, social e cultural”. Sublinha-se, demaneira particular, a necessidade da reforma agrá-ria. O resultado mais positivo dessa primeira

CELAM

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conferência geral foi o chamado Manifesto dosBispos do Terceiro Mundo, assinado em 1967 porHélder *Câmara, arcebispo de Recife no Brasil;Méndez Arceo, bispo de Cuernavaca, no Méxi-co, e Larraín, bispo de Talca no Chile.

A II Conferência geral do CELAM aconteceuem Medellín (Colômbia) em 1968. Medellín é umnome mágico, que representa o ponto de partidareal e eficaz da postura e da ação pastoral dosúltimos anos da Igreja Latino-Americana. Presi-dida pelo Papa *Paulo VI, que pronunciou seudiscurso inaugural, Medellín resultou numa sa-cudida muito forte na consciência de toda a Amé-rica. “A realidade da América é trágica — diz odocumento-base — e exige uma resposta tão rá-pida quanto eficaz”. Medellín fez uma análise dasituação real na América, procurou suas raízes etratou de encontrar caminhos para soluçõeseclesiais. Não canonizou a violência, mas deu aentender que a compreendia sem compartilharquando criticou duramente a violência insti-tucional dos poderosos que se opõem à dignida-de humana e oprimem a liberdade”.

O mais importante de Medellín foi a cola-boração conjunta do episcopado, de sacerdotes,religiosos, leigos de diferentes tendências, assimcomo de alguns dos teólogos e movimentos maiscomprometidos da América. Pela primeira vezatuaram teólogos da libertação na pessoa de seuprincipal representante, o peruano GustavoGutiérrez. “Um continente como a AméricaLatina — diz — não vem, em primeiro lugar, donão-crente, senão do não-homem; quer dizer,daquele a quem a ordem social não reconhececomo tal: o pobre, o explorado, o que é sistemá-tica e legalmente despojado de seu ser de homem,o que apenas sabe que é um homem”... Essaspalavras explicam e justificam essa magna as-sembléia.

Desde então, o CELAM tem prosseguido seutrabalho “orientado por uma linha de prudência”,como se viu nas assembléias de São José (CostaRica, 1970) e de Sucre (Bolívia, 1972). Essa mes-

CELAM

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ma linha de “compromisso prudencial” refletiu-se na III Conferência do Episcopado Latino-Ame-ricano, ocorrida em Puebla (México) em 1979.Não obstante, a Conferência de Puebla retomouas propostas de Medellín nos cinco núcleos pre-parados pela própria assembléia: 1) Visão pasto-ral da realidade na América Latina (4 temas); 2)Reflexão doutrinal: desígnios de Deus sobre essarealidade e evangelização; 3) Evangelização na epela Igreja na América Latina; 4) A Igreja,evangelizadora e missionária hoje e no futuro daAmérica Latina; 5) Grandes prioridades pastorais.Em torno destes cinco grupos temáticos, sobre oesquema votado e aprovado por unanimidade,estruturou-se o trabalho dos quinze dias que du-rou a III Conferência. Seu fruto mais visível eimediato foi a publicação dos documentos: a men-sagem aos povos da América Latina e o docu-mento, propriamente dito, objeto da maior partedos trabalhos.

“Parece que a reunião de Puebla fez-se perfei-tamente consciente, diante das pressões da direi-ta e da esquerda, da realidade latino-americana eevitou a tentação fácil da condenaçãoindiscriminada. E se é certo que condena o cole-tivismo marxista, também condena o liberalismocapitalista e a doutrina da segurança nacional.Condena a violência guerrilheira, mas também aviolência institucionalizada desde o poder... Há,por outro lado, uma justa valorização das cultu-ras autóctones e uma defesa das denúncias profé-ticas, e muito escassas, embora claras, referênci-as a temas mais polêmicos e menos essenciais,como o do celibato”.

BIBLIOGRAFIA: Medellín. Reflexiones en el CELAM,pelo Secretariado do CELAM (BAC). Madrid; Conclusõesda Conferência de Puebla, Evangelização no presente e nofuturo da America Latina, 1979; B. Hernando. Puebla-79,em 2000 Años de cristianismo, 6, 280s.

Celso (séc. II)

Filósofo que, junto a *Luciano de Samosata,*Juliano Apóstata, e Porfírio, é um dos escritores

Celso

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pagãos mais virulentos contra o cristianismo. SeuDiscurso verdadeiro é o primeiro ataque literáriocontra os cristãos. Somente se conservou umaparte da obra original. A réplica que lhe fezOrígenes transmite-nos boa parte do texto.

Celso reconhece e elogia a doutrina cristã doLogos (Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Trin-dade) e o alto código moral dos cristãos, mas negaao cristianismo seu título de religião única e ver-dadeira. Considera repugnante a doutrina daEncarnação e da crucifixão de Cristo. Ao mesmotempo convida os cristãos a deixar sua intolerân-cia religiosa e política.

O Discurso verdadeiro (c. de 178) foi o alvode controvérsias de muitos padres da Igreja.

BIBLIOGRAFIA: Discurso verdadero. Alianza Edito-rial, Madrid 1988.

Cenobitismo (séc. III-V)

*Monaquismo; *Bento de Núrsia, São.

Cesbron, Gilbert (1931-1979)

*Literatura atual e cristianismo.

Chateaubriand, François René,visconde de (1768-1848)

Escritor romântico francês. Está incluído nogrupo de “escritores tradicionalistas”, surgidosdepois da Revolução Francesa, no período da res-tauração da monarquia pela qual lutaram. Tornou-se célebre por sua obra O gênio do cristianismo(1802): uma exaltação e defesa do cristianismo.Tentou ressuscitar o cristianismo do afundamen-to a que havia sido levado pelos filósofos e pen-sadores ilustrados do séc. XVIII. Chateaubriandsubstitui a razão ou os argumentos racionais pelo“sentimento”. Seu livro despertou entusiasmo nasfileiras da Igreja a partir de seu surgimento. Co-locou a defesa da tradição a serviço do catolicis-

Chateaubriand, François René

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mo, considerado como o único depositário datradição autêntica da humanidade. Junto comDe Bonald, De Maistre e Lamennais, constituias bases, no campo filosófico-político, da defesada tradição. São conhecidos como os pensado-res teocráticos, ultramontanos ou tradiciona-listas.

Chenu, M. D. (1895-1990)

*Teologia atual, Panorama da; *Congar, YvesMarie.

Chesterton, Gilbert Keith (1874-1936)

Crítico e autor inglês de uma versátil eoriginalíssima personalidade. Cultivou a poesia,o ensaio, a novela, a narração curta, a biografiaetc. Tudo o que Chesterton diz — com estiloinimitável — o conduz ao paradoxal, ao contras-te, ao absurdo e, principalmente, ao riso e até àgargalhada. Mas também há sua faceta de cristãocatólico convencido e beligerante. De fato,Chesterton publicou, em 1908, Ortodoxia, a obraque aponta para sua ruptura definitiva com o cre-do unitário no qual havia sido educado, e a plenaaceitação das verdades cristãs. Em 1922, passoupara a Igreja católica, acrescentando ainda maisvivacidade e controvérsia a sua vida e escritos.

Os estudiosos da obra de Chesterton costumamdistinguir nele o crítico social da primeira épocade jornalista que evolui do liberalismo ao socia-lismo, e deste — junto a seu amigo H. Belloc,cristão e medievalista— ao distribucionismo, fa-vorável à distribuição da terra. A seguir, vem suasegunda preocupação: a crítica literária e a con-trovérsia, que o transformam na primeira figuranacional. Não menos interessante é sua obra deficção literária: a novela policial e de suspense ea coleção de novelas curtas. Basta citar algumascomo O homem que era quinta-feira (1908), ou asérie dedicada ao Padre Brown: A inocência doP. Brown (1911), A sabedoria do P. Brown (1914),

Chenu, M. D.

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A incredulidade do P. Brown (1926), O segredodo P. Brown (1927) e O escândalo do P. Brown(1935).

Nosso interesse centra-se aqui no aspecto maissério e profundo de Chesterton: suas convicçõese crenças cristãs. Às suas primeiras obras, Here-ges (1905) e Ortodoxia (1909), deve-se acrescen-tar Igreja católica e conversão (1926); Afirma-ções e negações (1934); seu ensaio de teologiahistórica, O homem eterno (1925); suas biografi-as de São Francisco e de Santo Tomás (1923 e1933 respectivamente). E, finalmente, sua Auto-biografia (1936).

— “O universo é um intricado tecido — dizem Ortodoxia — de admirável variedade, e suaexplicação é o cristianismo, que contém dentrode si tudo o que de verdadeiro e justo podem daras demais religiões e filosofias”.

— A ortodoxia, ao contrário da heresia, é equi-líbrio, difícil porém rico, entre exigências con-trapostas e tensões internas da realidade. “Não hánada tão cheio de perigos nem tão excitante quantoa ortodoxia; ela é sabedoria, e ser sábio é maisdramático que ser bobo” (Ortodoxia).

— Em seus ensaios leva a irreverência para-doxal até a sua mais completa falta de seriedade.Assim, diz em sua Defesa da nescidade: “Anescidade e a fé são as duas afirmações simbóli-cas supremas da verdade”. E, no entanto, essehomem, que dominava o paradoxo como nin-guém, fez uma obra de idéias e de grandes e cate-góricas verdades. Em suas inumeráveis biografi-as, pesquisas e ensaios sobre literatos, poetas, san-tos e escritores, supera-se sobretudo quando temde sustentar um desafio dogmático às idéias deseu tempo. Predominava nele um interesse fun-damental, o religioso, que não ficava isolado esectário, mas que animava os diversos problemasque se lhe apresentavam.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Clásicos del siglo XX. Plazae Janés, Barcelona, 4 vols. Além destas existem traduçõesde obras avulsas.

Chesterton, Gilbert Keith

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Ciência e fé (Galileu)

O eterno problema entre razão e fé, ciência efé, ciência e revelação manifesta-se claramenteno conhecido “caso Galileu”. Desde então (séc.XVII), as relações entre ciência e fé, ciência ecristianismo têm sido definitivamente alteradas.Hoje podemos falar de um verdadeiro divórcioexistente entre ambas. O séc. XVII havia conquis-tado a autonomia da ciência a tal preço e, conse-qüentemente, esteve preocupado em defendê-la.A história posterior demonstra que se dedicarammais esforços para colocar a ciência numa pers-pectiva superior, do que em ressaltar os laços en-tre ciência e fé. Ainda hoje, apesar de sensíveisprogressos, essa síntese, sem dúvida alguma, nãotem sido realizada de forma satisfatória.

Galileu (1564-1642) nasceu em Pisa e morreuem Arcetri. Começou a ficar famoso e polêmicoquando, em 1610, publicou sua obra Sidereusnuntius. O que expõe nesse livro? “Que a Luaapresenta, como a Terra, irregularidades em suasuperfície. Que uma e outra giram ao redor doSol. Que o Sol não é o centro do mundo; e que,além disso, a enorme multidão dos astros impede

Ciência e fé

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que se possa enumerá-los”. Todas essas afirma-ções escandalizam aquela época. Contradiziamformalmente o ensino da Igreja nesse campo. Esta,de fato, argumentava que a Terra é o centro docosmos, segundo a velha teoria de Aristóteles ePtolomeu, e considerada como a única de acordocom as Escrituras. Segundo ela, a interpretaçãoliteral da Escritura era contrária à doutrina deGalileu e, naturalmente, à de Copérnico, na qualse apoiava.

Tudo se agravou quando em 1615, em carta aCristina de Lorena, Galileu lançou-se ao ataque,e do ponto de vista teológico fez duas afirmações:

1. Separação de poderes entre Igreja e ciên-cia: cada uma tem seu próprio âmbito e não deveavançar em terreno alheio. “A Bíblia —diz — nãofoi escrita para ensinar-nos astronomia... A inten-ção do Espírito Santo não é mostrar-nos comofuncionam os céus, mas como ir para o céu”.

2. Em teologia afirma-se “que não pode serconsiderado herético aquilo que antes não se de-monstre ser impossível ou falso”. Em conseqü-ência, pede a demonstração da falsidade de seusistema.

Simplificando, os fatos que se sucederam fo-ram os seguintes: em 1616 era colocado no *Indexde livros proibidos o De revolutionibus orbiumcoelestium, de Copérnico. Ao mesmo tempo,Galileu era intimado a não defender em público osistema copernicano. A reação de Galileu consis-tiu em publicar, em 1632, os Diálogos sobre osdois grandes sistemas do mundo. Esses dois sis-temas são o antigo de Ptolomeu e o novo deCopérnico, resultando desacreditado o primeiro.No ano seguinte (1633), foram proibidos os Diá-logos. Declara-se Galileu “suspeito de heresia porhaver acreditado e mantido uma doutrina falsa econtrária às santas e divinas Escrituras”. Recebede joelhos uma fórmula de abjuração e submete-se solenemente a ela. “Eu, Galileu, florentino, desetenta anos de idade, de joelhos diante de vocês...juro que sempre acreditei, acredito agora, e coma ajuda de Deus continuarei acreditando no futu-

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ro em tudo o que a Santa Igreja Católica e Apos-tólica tem por verdadeiro, prega e ensina” (Textoda abjuração). Não obstante, é obrigado a resi-dência forçada em sua casa de Arcetri, perto deFlorença, onde morreu, não sem antes publicar(1638) as Considerações e demonstrações mate-máticas sobre duas novas ciências, última expo-sição de seu pensamento.

Depois de três séculos e meio, o “caso” Galileunão perdeu nada de sua atualidade, porque Galileufoi o primeiro a questionar as relações entre a ci-ência e a religião, e reivindicar sua autonomiarecíproca. Galileu foi certamente vítima de umaépoca de rigor da Igreja: era a hora da contra-ofensiva católica, acompanhada de uma atitudedefensiva. “Galileu passou à história como o de-fensor dos direitos do espírito científico, da razãoe da experiência frente ao espírito dogmático;como o artífice de uma revolução cultural e, aesse título, como o homem que abriu a era da ci-ência moderna”.

Contudo, isso não nos deve fazer pensar queciência e fé, ciência e religião sejam contraditóri-as. Tanto no campo da filosofia quanto no da ci-ência, o século XVII apresenta numerosos casosde harmonia e união entre fé e razão, entre ciên-cia e cristianismo. Assim acontece na filosofiaracionalista de Descartes, de Leibniz e de outrosgrandes filósofos, como Malebranche. A razãoremete, em último instância, à fé e à teologia. Ena vida prática esses autores combinaram suasvidas com os princípios cristãos. Quanto à ciên-cia deste século, homens como Pascal, Newton emuitos outros demonstraram que viveram emharmônica aceitação de sua fé cristã. No mesmoséculo XVIII — século da ciência empírica —encontramos muitos homens como Mersenne (ca-tólico), Willkins (anglicano) e o beneditino espa-nhol Feijoó que harmonizaram e conjugaram ci-ência e fé.

Em 1757, as obras de Galileu foram retiradasdo Index. A Igreja de hoje reconheceu, por meiodo Papa João Paulo II, a contribuição de Galileu

Ciência e fé

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à ciência. Contudo, a Igreja foi e continua sendoo bastião do obscurantismo . Boa parte daapologética destes últimos séculos tem-se dedi-cado a rebater tal acusação sem consegui-lo to-talmente. Os séculos XVIII e XIX em particulartrataram de construir uma ciência autônoma semrelação alguma com a fé, relação sentida e vividacomo impossível.

BIBLIOGRAFIA: Le opere di G. Galilei. Firenze 1890-1909, 15 vols.; A mensagem e o mensageiro sideral; Opús-culos sobre o movimento da terra; Carta a Cristina deLorena; Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mun-do ptolemaico e copernicano; R. Mondolfo, El pensamientode Galileo y sus relaciones con la filosofía y la cienciaantiguas (1944); Georges Gusdorf, La revolución galiléene,1969, 2 vols.; G. de Santillana, O crimen de Galileo, 1960.

Cipriano, São (200-258)

Nasceu provavelmente em Cartago, de famí-lia pagã, rica e summamente culta.De grande pres-tígio como hábil retórico e mestre da eloqüência.“Sob a inflüência do presbítero Cecílio, conver-teu-se ao cristianismo e deu todas as suas rique-zas aos pobres” (São Jerônimo, De Viris, III, 67).Pouco tempo depois de sua conversão, foi eleva-do ao sacerdócio e logo após, “por aclamação dopovo”, foi escolhido bispo (248). Após um ponti-ficado atormentado por perseguições e controvér-sias, foi desterrado para Cucubis em agosto de257. No ano seguinte, no dia 14 de setembro, foidecapitado perto de Cartago. É o primeiro bispoafricano mártir. Sobre sua prisão, julgamento emartírio contamos com a Acta proconsulariaCipriani, que se baseia em documentos oficiais.

Cipriano é tido como o segundo teólogo afri-cano depois de *Tertuliano, a quem, por outrolado, admirava. “Tinha por costume — diz SãoJerônimo— não deixar passar um só dia sem terlido algo de Tertuliano, e falava com freqüência aseu secretário: ‘Dá-me o mestre’ referindo-se aTertuliano”. No entanto, difere notavelmente dele,já que possuía aqueles dons do coração que vãosempre unidos à caridade e à amabilidade, à

Cipriano, São

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prudência e ao espírito de conciliação, coisas queo diferenciavam da intemperança e dureza deTertuliano.

São muitas e de valor as fontes que nos infor-mam sobre a vida e atividade de Cipriano. As maisimportantes e fidedignas são seus próprios trata-dos e sua numerosa correspondência. Todas assuas obras foram provocadas por circunstânciasparticulares e estão intimamente relacionadas comos acontecimentos de sua vida e de sua época.Era um homem de ação a quem interessava maisa direção das almas que as especulações teológi-cas. Sua linguagem e estilo são claros e bem tra-balhados, mostrando uma clara influência da Es-critura. Na antigüidade cristã e na Idade Média,Cipriano foi um dos autores mais populares.

Suas obras chegaram-nos através de três catá-logos antigos. Destacam-se os tratados: AdDonatum (247), dirigido a seu amigo Donato, emque descreve os efeitos da graça divina em suaconversão; Sobre a roupagem das virgens foi con-siderado por Santo *Agostinho como modelo paraos jovens oradores cristãos. São normas de con-duta para as virgens, “flores da Igreja, honra eobra mestra da graça”; Sobre os apóstatas (251),um livro candente, pois lembra a conduta dosmártires que deram suas vidas pela fé, dos quesacrificaram aos deuses antes de que fossem obri-gados a isso, dos que foram frágeis depois de gran-des torturas...Todos devem fazer penitência. Esselivro, lido no Concílio de Cartago de 251, foi re-cebido como norma de atuação no difícil proble-ma dos lapsi.

O mais importante tratado de Cipriano é Aunidade da Igreja (251). “Dá-nos a chave de suapersonalidade e de tudo o que escreveu em formade livros ou cartas.” Diz em sua introdução que“os cismas e heresias são causados pelo diabo.Que são mais perigosos inclusive que as perse-guições, porque comprometem a unidade internados crentes, arruínam a fé e corrompem a verda-de. Todo cristão deve permanecer na Igreja Cató-lica, porque não há mais do que uma só Igreja, a

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que está edificada sobre Pedro. Não há salvaçãofora da Igreja”: “Não pode ter a Deus por pai quemnão tem a Igreja por Mãe”. São treze os tratadosque Cipriano escreveu. Versam sobre a morte, asboas obras e as esmolas, as vantagens da paciên-cia, do ciúme e da inveja, exortação ao martírioetc.

As Cartas refletem, por sua vez, os proble-mas e as controvérsias com que teve de enfrentara administração eclesiástica do séc. III. Revelam-nos também as esperanças e os temores, a vida ea morte dos cristãos numa das mais importantesprovíncias eclesiásticas. No total, 81 cartas, dasquais 65 são de Cipriano e 16 foram escritas a eleou ao clero de Cartago. Encontra-se nessas car-tas, além de uma fonte importante para a históriada Igreja e do Direito Canônico, um monumentoextraordinário do latim cristão, pois enquanto seustratados acusam as influências de procedimentosestilísticos, suas cartas reproduzem o latim fala-do dos cristãos do séc. III.

BIBLIOGRAFIA: Obras de San Cipriano, W. Hartel:CSEL 3, 1-3 (1868-1871) ML Supplementum 1,1 (Paris1958) 67-72; Obras de San Cipriano. Valladolid 1807, 2 vols.Edições parciais das obras: Obras de San Cipriano. Ed. bi-língüe preparada por J. Campos (BAC).

Cirilo de Alexandria, São (375-444)

Seu nome ficou vinculado à segunda grandecontrovérsia cristológica que conduziu ao Concí-lio de Éfeso (431) e à condenação de Nestório.Teólogo profundo e dialético sutil, foi reconheci-do tardiamente como doutor da Igreja.

Natural de Alexandria, sucedeu seu tio Teófilo,o intrigante e polêmico arcebispo, na sedealexandrina, em 412. Seu pontificado também foimarcado pela polêmica, tanto frente à adminis-tração civil quanto às lutas teológicas, arianas enestorianas de seu tempo. Sua formação clássicae teológica foi a da escola alexandrina, sempredefrontada com a antioquena. Como seu tio, tevereticências e silêncios diante da doutrina e gestão

Cirilo de Alexandria, São

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de São João Crisóstomo. Seu caráter duro exerci-tou-o contra os judeus, novacianos, hereges e pa-gãos. Houve quem o responsabilizasse pela mor-te da famosa filósofa Hipácia, cruelmentedespedaçada, em março de 415, na escadaria deuma Igreja, por uma chusma de cristãos.

Os últimos anos no patriarcado de Alexandriaestão marcados pela luta contra Nestório. Sobre-tudo a partir de 428, quando Nestório foi nomea-do bispo de Constantinopla, Cirilo converteu-seno paladino da ortodoxia. “A velha rivalidadeentre Antioquia e Alexandria converteu-se numconflito de toda a Igreja. Nestório afirmou queem Cristo há duas pessoas, uma pessoa divina queé o Logos, que mora numa pessoa humana, e quenão se poderia chamar de Theotokos, Mãe deDeus, à Virgem Maria” (Quasten, Patrología, II,122s.). Cirilo rejeitou os argumentos de Nestórioe não parou até condená-lo no Concílio de Éfeso,431, em que atuou como delegado do papa. Nes-se esforço continuou lutando até a sua morte em444.

A obra literária de São Cirilo está praticamen-te motivada pela controvérsia ariana e nestoriana.Completam seu labor os comentários bíblicos.Num simples esquema poderíamos classificar suaobra: a) exegese; b) teológica e apologética; c)sermões; d) cartas e outros escritos. No total, 10volumes da coleção Migne: PG 68-77.

A obra exegética de Cirilo compreende diver-sos comentários até de livros do Antigo Testamen-to (AT). Destaca-se o que tem forma de diálogoentre Cirilo e Paládio sobre a Adoração e o cultoem espírito e em verdade e seu complementoGlaphyra, e os 13 livros dos “comentários no-bres” sobre passagens escolhidas do Pentateuco.Segue-se o comentário sobre Isaías e os profetasmenores. Do Novo Testamento (NT) restam-nosos que fez aos Evangelhos de São João, São Lucase São Mateus.

De seus comentários dogmático-polêmicoscabe citar seu Thesaurus de sancta etconsubstantiali Trinitate, contra os arianos. Con-

Cirilo de Alexandria, São

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tra os nestorianos escreveu Adversus Nestoriiblasfemias; De recta fide; Scholia de IncarnationeUnigeniti; Adversus nollentes confiteri SanctanVirginem esse Deiparam; Quod unus sit Christusetc. Do ponto de vista apologético, é interessantesua Apologia contra Juliano, resposta aos três li-vros Contra os galileus, publicados pelo apóstataem 363.

Em forma de Homilias e sermões chegaram-nos as Cartas ou Homilias pascais, escritas àsIgrejas do Egito entre os anos 414-442. Nelasexorta ao jejum e à abstinência, à vigilância e àoração, à esmola e obras de misericórdia. De seussermões ficaram-nos somente 22. O sermão 4 é osermão mariano mais famoso da Antigüidade.

“A volumosa correspondência de Cirilo émuito importante para a história civil e eclesiás-tica, para a doutrina e o direito da Igreja, para asrelações do Oriente e Ocidente, para a rivalidadeentre escolas teológicas e entre sedes episcopais”(Quasten, Patrología, II, 137-138). Imprescindí-veis são também para a história do dogma as car-tas escritas a Nestório.

O Papa Celestino honrou-lhe com esses títu-los: “bonus fidei catholicae defensor”, “virapostolicus” e “probatissimus sacerdos”. A Igre-ja grega o considerou, depois de sua morte, comoa suprema autoridade em questões cristológicas.

BIBLIOGRAFIA:Obras, PG 68-77.

Cirilo de Jerusalém, São (315-387)

A história deste homem, bispo de Jerusalémdesde 348, ficou em segundo plano diante dascélebres séries de instruções catequéticas que pro-nunciou próximo ao ano 350, na igreja do SantoSepulcro de Jerusalém. Sua vida foi posta à pro-va, primeiro da suspeita de ter obtido sua nomea-ção por concessões feitas ao arianismo, e depoispelo triplo exílio a que o submeteram: o Concíliode Jerusalém de 357, que o depôs; o imperadorAcácio, em 360; e, finalmente, o imperador Va-

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lente, que o privou mais uma vez de sua sede noano 367, não podendo voltar a ela a não ser onzeanos mais tarde (378). Em 381, tomou parte do IIConcílio Ecumênico de Constantinopla. Morreu,provavelmente, no dia 18 de março de 387.

Dos poucos escritos que ficaram: Carta aoimperador Constâncio, Homilias e as famosasCatequeses, essas últimas são um dos tesourosmais apreciados da antigüidade cristã. São 24conferências catequéticas tomadas taquigra-ficamente, conforme é dito nas notas de váriosmanuscritos. As Catequeses dividem-se em doisgrupos. O primeiro compreende a protocatequeseou discurso introdutório, mais 18 catequesesdirigidas aos candidatos que deviam receber oBatismo na próxima Páscoa. Pronunciou-os naquaresma do ano 350, como dissemos. O segun-do grupo é formado pelas cinco últimas instru-ções chamadas catequeses mistagógicas edirigidas aos neófitos na semana de Páscoa.

A primeira catequese pré-batismal trata dafortaleza de espírito que faz falta para receber oBatismo. A segunda, da penitência e do perdãodos pecados, do demônio e suas tentações. A ter-ceira, do Batismo e da salvação, do rito batismal:de seu significado e efeitos. A quarta resume adoutrina cristã. A quinta sobre a fé: natureza eorigem. Nas 6-18 há uma exposição dos artigosdo Símbolo dos Apóstolos. Nas 19-23, que são ascatequeses mistagógicas, trata do Batismo (19-20), da Confirmação (21), da Eucaristia (22) e daliturgia da Missa (23).

As catequeses desmentem que São Cirilo ti-vesse participado da heresia ariana. Em suacatequese 11 ensina claramente a divindade deCristo e rejeita o argumento ariano de que “hou-ve um tempo em que ele não existia” e que é Fi-lho de Deus “por adoção”. Da mesma maneira,afirma que o Espírito Santo participa da divinda-de do Pai. Resume assim sua fé trinitária: “Nossafé é indivisível, nossa reverência é inseparável.Nem separamos a Trindade Santa nem a confun-dimos, como faz Sabélio”.

Cirilo de Jerusalém, São

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“O interesse teológico das catequeses de Cirilo— conclui J. Quasten — baseia-se principalmen-te na fonte valiosíssima de informação sobre ahistória da liturgia e dos sacramentos. Temos aqui,pela primeira vez, uma descrição detalhada dosritos batismais e eucarísticos e o essencial de umateologia da liturgia” (Patrología, II, 389).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 33, 331-1180; A. Ortega,Las Catequesis de San Cirilo de Jerusalén (Col. Excelsa).Madrid 1946; J. Solano, Textos eucarísticos primitivos, I eII (BAC). Madrid 1952.

Clara, Santa (1194-1253)

*Francisco de Assis.

Claudel, Paul (1868-1955)

*Literatura atual e cristianismo.

Clemente de Alexandria (150-215)

Tito Flávio Clemente nasceu provavelmenteem Atenas, cerca do ano 150 d.C. Depois de suaconversão ao cristianismo, viajou pela Itália, Síria,Palestina, Egito. Foi discípulo de Panteno, fun-dador da escola catequética de Alexandria, da qualfoi diretor depois de sua morte (c. 200). Obriga-do a deixar Alexandria pela perseguição de Séti-mo Severo, mudou-se para a Ásia Menor, ondemorreu.

De Clemente de Alexandria restaram trêsobras: Exortação aos gregos, Pedagogo eStromata. As três são consideradas como um todo,destinadas a ser uma introdução progressiva aocristianismo. A Exortação aos gregos é de cará-ter apologético e no estilo da literatura apologéticado séc. II. O Pedagogo, em três livros, pretendeeducar na vida cristã o leitor que já se afastou dopaganismo. O Stromata (Tapetes) são “tecidos decomentários científicos sobre a filosofia”, umaespécie de exposição científica da revelaçãocristã.

Clemente de Alexandria

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A doutrina de Clemente de Alexandria é com-preensível, somente se conhecendo o ambientefilosófico desta cidade. A “gnose” como formasuperior de conhecimento e como ideal da filoso-fia e da religião aparece dentro das minorias edos círculos cultos da cidade. Não é estranho, pois,que Clemente:

— Trate de elaborar o conceito de uma gnosecristã, pois o conhecimento é o limite mais altoque o homem pode alcançar. “É o ápice do ho-mem, a demonstração certa do que tem sido acei-to pela fé” (Stromata, VII, 10).

— Mas a fé é condição do conhecimento. A féé tão necessária para o conhecimento quanto osquatro elementos o são para a vida do corpo.

— A filosofia foi para os gregos guia paraCristo. Em todos os que se dedicaram à especula-ção racional há um “eflúvio divino”, uma “faíscado logos divino” que lhes descobre uma parte daverdade, sem que lhes faça chegar a verdade in-teira, que é Cristo.

— A verdadeira gnose é a cristã, que subordi-na a filosofia à fé. Daí que o cristianismo se con-sidere como a educação progressiva do gênerohumano e na qual Cristo é essencialmente o Mes-tre, o Pedagogo. Desta consideração, passa a con-ceber o trabalho do cristianismo como “uma re-generação gradual que deve verificar-se atravésda história com a assimilação e a compreensãoprogressiva do ensinamento de Cristo”.

O acesso a Deus e seu conhecimento somenteé possível por meio do logos, “sabedoria, ciên-cia, verdade e guia de toda a humanidade” (Ped.,I, 7). É também guia e norma da conduta huma-na. A máxima estóica de “viver conforme a ra-zão” significa para Clemente “viver conforme osensinamentos do Filho de Deus” (Ped., VII, 16).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 8-9; G. Bardy, Clementede Alejandría, 1930; El Pedagogo. Introdução de A.Castiñeira Fernández. Tradução e notas de J. Sariol Díaz.Gredos, Madrid 1970.

Clemente de Alexandria

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Clímaco, São João (570-649)

*Hesiquia.

Codex Sinaiticus (“a”) (c. séc. V)

Manuscrito da Bíblia grega. Foi descoberto porC. Tischendorf no mosteiro de Santa Catarina(Monte Sinai, 1868). Por instâncias do próprioTischendorf, o manuscrito foi adquirido pelo czarda Rússia. Depois o governo soviético o vendeuem 1933 ao Museu Britânico, onde se encontra.

Os estudiosos acreditam que foi escrito noEgito por volta do séc. V. Esse mesmo manuscri-to contém, também, a Carta de Barnabé e partede O Pastor de Hermas.

*Pastor de Hermas; *Padres apostólicos.

Codex Vaticanus (“b”) (c. séc. IV)

Manuscrito da Bíblia grega que se conserva,pelo menos desde 1481, na Biblioteca Vaticana.Os estudiosos tendem a acreditar que foi escritoem Alexandria no séc. IV. No Novo Testamentofalta-lhe desde o cap. 9 até o final da Carta aosHebreus e todo o Apocalipse.

Comenius (1592-1670)

*Educadores cristãos.

Companhia de Jesus (1540)

*Loyola, Santo Inácio de; *Ratio studiorum.

Concílio

Os concílios constituem a mais alta expressãoda doutrina da Igreja. São reuniões ou encontrosextraordinários e solenes para estudar e regula-mentar matérias de doutrina, administração, dis-ciplina e outros assuntos da Igreja, de uma pro-

Concílio

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víncia eclesiástica ou de várias Igrejas. Os concí-lios terminam geralmente em formulaçõesdoutrinais: constituições, decretos, cânones ouartigos que determinam a prática a seguir emmatéria de fé e costumes.

Não é objetivo deste dicionário fazer a teolo-gia e a história dos concílios. Somente queremosinsistir em seu aspecto literário e doutrinal. Osconcílios constituem uma fonte de importantíssi-mo pensamento e de doutrina. São a expressãodo que acredita, pratica e vive a Igreja. Interessa,portanto, conhecer seu significado, sua evoluçãoe o impacto que produzem na comunidade de cris-tãos.

Na Igreja primitiva, a palavra concílio aplica-se a qualquer reunião realizada. Desde o séculoIII, no entanto, a palavra ganha uma qualificaçãoespecial: significa o concílio ou o sínodo dos bis-pos — embora não estivessem presentes somen-te bispos — para a administração da Igreja. Osprimeiros a serem celebrados foram os concíliosprovinciais, que já nos finais do séc. II e durantetodo o séc. III tornaram-se habituais. A partir daépoca constantiniana, e passadas as perseguições,foi possível convocar concílios mais gerais. Aidéia de um concílio ecumênico e, o próprio ter-mo, encontramo-la pela primeira vez em Eusébiopara descrever, o Concílio de Nicéia (325). A par-tir deste, generaliza-se o problema da autoridadede suas decisões com relação a outro tipo de con-cílios mais particulares. Foi Santo Atanásio quemviu no de Nicéia uma autoridade especial pelapresença nele de bispos de toda a Igreja. Os con-cílios de Éfeso (431) e de Calcedônia (451)confirmaram a doutrina e a autoridade de Nicéia.Desde essa época, determinou-se que os concíli-os ecumênicos, uma vez reconhecidos como tais,não poderiam errar, pelo menos em matérias defé. Em assuntos de disciplina, os concílios poste-riores alteraram as decisões dos primeiros concí-lios ecumênicos, conforme as circunstâncias fo-ram fazendo inúteis cânones ou decisões.

Desde o século IV, pois, os concíliosecumênicos vieram-se sucedendo até os nossos

Concílio

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dias. A teologia tem avançado no estudo de suadefinição, de sua autoridade e de seu valordoutrinal. Dentro da Igreja Latina, um concílionão é ecumênico se não é convocado pelo papa, eseus decretos não têm caráter vinculante, a me-nos que sejam promulgados por ele. Os decretosassim promulgados têm valor e vigência para todaa Igreja (ver Concílio no Dicionário de Pastoral,Santuário-Perpétuo Socorro).

Outra fonte do conhecimento da doutrina, prá-tica e vida da Igreja em nível mais reduzido sãohoje as Conferências de Bispos reforçadas pelo*Vaticano II. Esse mesmo Concílio instituiu emcaráter permanente o Sínodo dos Bispos, que sereúne em Roma periodicamente. Somente temcaráter consultivo e de orientação.

A Igreja Ortodoxa Oriental reconhece somen-te 7 concílios ecumênicos. A Igreja Romana re-conhece esses 7 concílios, mais o IV Concílio deConstantinopla (869-870), onde foi excomunga-do seu patriarca Fócio.

Os concílios ecumênicos reconhecidos tantopelos ortodoxos quanto pelos católicos são os se-guintes:

I Concílio de Nicéia (325).I Concílio de Constantinopla (381).Concílio de Éfeso (431).Concílio de Calcedônia (451).II Concílio de Constantinopla (553).III Concílio de Constantinopla (680-681).II Concílio de Nicéia (787).

Concílios reconhecidos pela Igreja Romana:

IV Concílio de Constantinopla (869-870).I Concílio de Latrão (1123).II Concílio de Latrão (1139).III Concílio de Latrão (1179).IV Concílio de Latrão (1215).I Concílio de Lyon (1245).II Concílio de Lyon (1274).

Concílio

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Concílio de Viena (1311-1312).Concílio de Constância (1414-1418).Concílio de Ferrara-Florença (1438-1445).V Concílio de Latrão (1512-1517).Concílio de Trento (1545-1563).Concílio Vaticano I (1869-1870).Concílio Vaticano II (1962-1965).Dentro das Igrejas nascidas da Reforma man-

tiveram-se as velhas instituições de sínodos, con-cílios e conferências, mas com significado e va-lor diferentes. Ao longo do século XIX nascemorganizações nacionais ou mundiais protestantesde tipo consultivo. Em 1948 surge o *ConselhoMundial das Igrejas, uma associação mundial dasigrejas protestantes, com seu departamento de Fée Doutrina.

BIBLIOGRAFIA: A. Antón, El misterio de la Iglesia.Madrid 1986, 2 vols.; Id., Primado y colegialidad, 1970; OConcílio Ecumênico na estrutura da Igreja: Concilium n.187 (1983) 5-132; A. Fábrega y Grau, Historia de losConcilios Euménicos. Barcelona 1960.

Concórdia, Livro da (1580)

O Livro da Concórdia foi publicado emDresden em 1580. Contém as fórmulas e profis-sões de fé (confissões) clássicas luteranas. Na re-alidade, o livro coleta: 1) A denominada Fórmu-la de Concórdia, redigida depois de muita dis-cussão por vários teólogos. 2) Os três credos: ocredo dos apóstolos, o Niceno e o Atanasiano. 3)A Confissão de Augsburgo (Confessio Augustana)e a Apologia ou defesa que dela fez *Melanchtonem 1530. 4) Os Artigos de Smalkalda (1537). 5)Os dois Catecismos de Lutero. 6) Os três rascu-nhos primitivos da Fórmula.

Como se sabe, esse Livro da Concórdia en-controu grande oposição fora da Alemanha.

Condren, Charles de (1584-1641)

*Educadores cristãos.

Concórdia, Livro da

/ 149Confissões de fé

Confissão de Augsburgo (1530)

*Concórdia, Livro da; *Confissões de fé;*Melanchton, Ph.

Confissões de fé

Semelhantes aos credos (ver Símbolo dosapóstolos), somente se diferenciam destes por suaextensão. São fórmulas doutrinais do conteúdoda fé destinadas à sua aceitação por parte de indi-víduos, grupos, congregações, um sínodo ou umaIgreja. As Confissões de fé, diferentemente dossímbolos ou credos, nascem fundamentalmentecom a Reforma protestante do séc. XVI.

As Confissões de fé produzem-se depois deum longo período de tempo em que os credos dossete primeiros séculos foram aceitos por toda acristandade. Durante a Idade Média, certos pon-tos doutrinais foram definidos pelos concílioscomo resultado das controvérsias doutrinais. As-sim, o Concílio de Ferrara-Florença em 1439, re-digiu um decreto sobre os sete sacramentos comoparte do sistema doutrinal. No entanto, os movi-mentos heréticos dessa época não formularamdeclarações de fé (*Concílios).

A Reforma do séc. XVI chegou à formulaçãodas declarações ou confissões, procurando parasi uma definição dos principais pontos de seu sis-tema doutrinal. A maior parte desses documentosforam redigidos com o objetivo de expressar adoutrina da Igreja ou de uma Igreja particular.Logo adquiriram a categoria de princípiosdoutrinais, separando-se dos *Catecismos, desti-nados principalmente ao ensino. Os primeirosdocumentos ou Confissões de fé são os rascunhosque precederam à Confissão de Augsburgo de1530. Esse exemplo foi seguido pelas demais Igre-jas reformadas. Enumeramos as principais:

1537: Artigos luteranos de Smalkalda.1577: Fórmula de Concórdia.1580: Livro da Concórdia.1536-1566: Confissões helvéticas reformadas.

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1559: Confissão galicana.1561: Confissão belga.1619: Cânones de Dort.1571: Os 39 artigos anglicanos.1648: Confissão presbiteriana de Westminster.Em 1967, um comitê da Igreja Unida

Presbiteriana publicou o Livro das Confissões.Inclui o credo dos apóstolos, o Niceno, a Confis-são escocesa (1560), a Segunda ConfissãoHelvética (1566), a Confissão de Westminster, oCatecismo breve de Westminster (1648), a Decla-ração Barmen (1934) e a nova Confissão de 1967.É um exemplo das múltiplas confissões de fé exis-tentes dentro das Igrejas protestantes, o que indi-ca a atualidade desse gênero literário.

BIBLIOGRAFIA: J. N. D. Kelly, Primitivos credoscristianos. Salamanca 1980; W. Pannenberg, La fe de losapóstoles. Salamanca 1975; Vários, Para decir el Credo.Estella 1988.

Congar, Yves Marie-Joseph (1904-)

Teólogo dominicano francês. Preso em 1940-1945 nos campos de concentração de Golditz eLübeck. Professor de teologia na faculdade teo-lógica de Le Saulchoir. Congar é a ponta de lançade uma equipe numerosa de teólogos dominicanosfranceses que renovaram a teologia católica aolongo dos últimos cinqüenta anos. Basta citar te-ólogos como Chenu, Liégé, Lelong, Cardonnel,*Schillebeeckx etc.

Duas atividades fundamentais ocupam a vidade Congar:

1. O estudo da Igreja sob todos os seus aspec-tos. Fruto desse estudo são seus primeiros Ensai-os sobre o mistério da Igreja (1952); Verdadeirae falsa reforma da Igreja (1950) onde ataca, pelaprimeira vez, o tema da reforma da Igreja; Bali-zas para uma teologia do laicato (1953), ondeaborda o tema dos leigos na vida e na atividademissionária da mesma Igreja. Em 1964, formulaos princípios do diálogo entre as diferentes Igre-

Congar, Yves Marie-Joseph

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jas cristãs com Cristãos em diálogo, continuaçãode obras anteriores como Cristãos desunidos ePrincípios para um ecumenismo católico (1957).Complemento e expressão de seu trabalho e estu-do sobre o tema da Igreja é a grande coleção so-bre teologia da Igreja, “Unam Sanctam”, funda-da e dirigida por ele.

2. Mas Congar não tem sido apenas um ho-mem de estudo; mas, fundamentalmente, o ho-mem que “preparou o clima do Concílio *VaticanoII”. Como teólogo do Concílio, influenciou deci-sivamente nos novos enfoques da teologia, napreparação de novos teólogos e, finalmente, naredação e orientação dos documentos do Concí-lio Vaticano II, de um modo especial, a Consti-tuição Dogmática sobre a Igreja, A Igreja nomundo de hoje e o documento sobre oEcumenismo. O mesmo Papa Paulo VI agrade-ceu publicamente a Congar pela sua colaboraçãoao Concílio Vaticano II.

A atividade de Congar continuou depois doConcílio: Situação e tarefas atuais da teologia(1967) e A Igreja desde Santo Agostinho até aépoca moderna (1970) são contribuições geniaisdeste homem que, já numa cadeira de rodas, con-fessa que sua teologia não vale mais do que a vidade um simples cristão em pé.

Conselho Mundial das Igrejas (1948)

A “União das Igrejas que aceitam Nosso Se-nhor Jesus Cristo como Deus e Salvador” ficouformalmente constituída em Amsterdã em 1948.Em sua constituição participaram 147 Igrejas de44 países. O Conselho Mundial das Igrejas foi oresultado de movimentos anteriores e muito par-ticularmente da Assembléia Missionária Mundi-al realizada em Edimburgo em 1910. Não perten-ce a ela a Igreja Católica Romana, mas temconfiáveis observadores em suas assembléias des-de 1961. O organismo romano correspondente éo Conselho Pontifício para a Promoção da Uni-dade.

Conselho Mundial das Igrejas

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O trabalho do Conselho é fundamentalmentede estudo, orientação e ajuda às Igrejas. Desdesua sede central em Genebra, tem organizado, aolongo de mais de 40 anos, estudos e conferênciasatravés de seus departamentos: Fé e Ordem, Vidae Trabalho e O Conselho Missionário Internacio-nal. Através desses departamentos, oferece suaajuda às Igrejas, principalmente para as missões,os refugiados, a fome no mundo etc. O Conselhoestá intimamente interessado no movimentoecumênico de união dos cristãos e nas relaçõescom outras religiões não cristãs.

O que melhor define o caráter da função doConselho são suas assembléias gerais, convocadasperiodicamente. Nelas se estudam os principaisproblemas relacionados ao cristianismo em açãoe que afetam a todos os seus membros. Desde1948, data da fundação em Amsterdã, realizaram-se as seguintes assembléias, todas elas de grandealcance:

Evanston (Illinois, 1954), com o tema Cristo,Esperança do Mundo.

Nova Delhi (Índia, 1961), com o tema: JesusCristo, luz do mundo. Foi a primeira assembléiafora do Ocidente. A ela aderiram as Igrejas Orto-doxas.

Uppsala (Suécia, 1968), com o tema: Eis quefaço novas todas as coisas. Nela se estudou e seredigiu o documento sobre a Renovação da mis-são, que foi controvertido. Excluiu-se a “dimen-são vertical” da reconciliação com Deus, na qualse havia insistido em outras assembléias, e se pas-sou a enfatizar a “dimensão horizontal” de recon-ciliação com a humanidade. A idéia do “cristia-nismo anônimo”, tal como já o havia formuladoK. Rahner, foi adotada pela maioria. Não obstante,o documento guarda a necessidade da conversãopessoal a Jesus Cristo, embora em muitos casosnão ocorra uma opção consciente por Cristo e hajamuitas pessoas que, sem sabê-lo, servem “o ho-mem para os demais”. Outros reparos a esse do-cumento saíram da Declaração de Frankfurt(1970), em que se denunciava a concepção da

Conselho Mundial das Igrejas

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salvação formulada em Uppsala como simples“humanização”, “universalismo” e “cristianismoanônimo”. Finalmente, na Conferência deBangkok (1973) concretizou-se ainda mais o con-ceito de “salvação” num documento redigido porMoltmann: Salvação hoje. Nele se contemplamos aspectos sócio-econômicos, políticos e jurídi-cos da sociedade e da pessoa humana. Em 1974,o Congresso de Lausanne formula uma teologiaque globaliza os dois aspectos vertical e horizon-tal da conversão.

Nairobi (1975), com o tema: Jesus Cristo li-berta e une. A frase “Toda a Igreja dá todo o Evan-gelho a toda pessoa em todo o mundo” capta osentimento da assembléia.

Vancouver (1983), com o tema: Jesus Cristo,vida do mundo. É um passo a mais em direção àsIgrejas nascidas da Reforma e às demais Igrejas,como as ortodoxas e a católica. Não em vão ha-via acontecido a visita do Papa Paulo VI à sededo Conselho em 1975, assim como sua publica-ção prévia sobre a evangelização no mundo mo-derno “Evangelii nuntius”.

BIBLIOGRAFIA : A. González, EnchiridionOecumenicum. Salamanca 1985; H. Fries-K. Rahner, Launión de las Iglesias. Barcelona 1987; N. Goodall, Elmovimiento ecuménico. Buenos Aires 1970; W. A. Visser’tHooft, The Genesis and Formation of the World Council ofChurches. Genebra.

Constituição Eclesiástica dosApóstolos (séc. IV)

Constitui uma fonte valiosa para o direitoeclesiástico. De autor desconhecido, data, pro-vavelmente, dos princípios do séc. IV. A críticaassinala o Egito ou a Síria como seu provávellugar de origem. O texto grego foi publicadopela primeira vez em 1843 e seu título verdadeiroparece ser Cânones eclesiásticos dos santosapóstolos.

Assim como o conjunto desses textos de le-gislação, pode ter sido escrito pelos doze apósto-

Constituição Eclesiástica dos Apóstolos

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los por ordem de Cristo e está dirigido aos “fi-lhos e às filhas”.

Consta de duas partes: a primeira contémpreceitos morais (4-14); a segunda (15-29), a le-gislação canônica. A primeira parte reproduz eadapta para os cristãos do séc. IV os preceitosmorais que aparecem já na Didaqué (1-4), apre-sentadas no marco das duas vias, a do bem e ado mal. A segunda direciona normas para a elei-ção de bispos, presbíteros, leitores, diáconos eviúvas.

Não se deve confundir esse texto com a Tra-dição apostólica de Santo Hipólito nem com aDidascalia apostolorum syriaca. Também não sedeve confundir com uma obra posterior escritana Síria próximo do ano 380, fruto de umcopilador, provavelmente ariano, intitulada Cons-tituições apostólicas. Seu título oficial é Deter-minações dos santos apóstolos através de Cle-mente, a mais extensa coleção de direito eclesiás-tico que chegou até nós, anterior ao século V.

Constituições apostólicas (c. 380)

*Constituição eclesiástica dos apóstolos;*Didascalia apostolorum.

Contra-Reforma

O termo tardio Contra-Reforma costuma serutilizado para designar uma época de renovaçãodentro da Igreja Apostólica Romana, durante osséculos XVI-XVII. Essa renovação dirigiu-seexternamente contra a Reforma Protestante — daío termo Contra-Reforma —, e internamente pro-curando a renovação da Igreja. Nem todos os es-tudiosos e historiadores estão de acordo na horade fixar os limites, os conteúdos, as causas e osresultados dessa renovação. Outros preferem fa-lar da Reforma Católica como movimento interi-or e renovador da Igreja, para deixar a palavraContra-Reforma aplicada à reação contra o pro-testantismo, dirigida pelo papado e pelo Concílio

Constituições apostólicas

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de Trento. Daí que muitos afirmem que “a Igrejadeve ao protestantismo a sua própria reforma”.

De qualquer maneira, o que define esse perío-do da Contra-Reforma, paralelo no tempo à Re-forma Protestante, é a relação da Igreja de Romafrente aos reformadores. A Contra-Reforma foi,ao mesmo tempo, um amplo movimento de reno-vação e transformação interna da Igreja por lon-go tempo desejada. Além disso, e principalmenteatravés do Concílio de Trento (1545-1563), trans-formou-se num instrumento para criar uma novaconsciência e uma nova disciplina, marco neces-sário para o surgimento de uma nova espiri-tualidade, uma nova mística e evangelização. Eacima de tudo, uma nova maneira de educar epastorear.

Pode-se dizer que a Contra-Reforma estabe-leceu as características diferenciadoras do cristi-anismo católico frente ao protestantismo e à or-todoxia do Oriente, características que se manti-veram até o Concílio Vaticano II, em que seenfatizou mais o ecumenismo e a unificação detodos os cristãos.

“A Contra-Reforma é a verdadeira reformamoral e espiritual da Igreja Romana no séc. XVI— afirma R. G. Villoslada — como fruto madurodas mil tentativas anteriores... É uma reforma dis-ciplinar e canônica... É o brio inquisitório do PapaCarafa, a santidade orante e militante de Pio V...,as ordens religiosas novas e reformadas... A Con-tra-Reforma é a teologia escolástica rejuvenescidapor Francisco de Vitória..., o ascetismo rigorosode Pedro de Alcântara, o paulinismo de João deÁvila, os escritos de Fr. Luís de Granada, a Noiteescura e a Chama viva de amor do frágil fradecarmelita, e o grito de guerra lançado por SantaTeresa a suas freiras contemplativas em suas últi-mas moradas...; é o ímpeto conquistador dos mis-sionários e toda a imensa literatura que vai desdeFr. Luís de Leão, Torquato Tasso, e Lope de Vegaaté Friedrich Spee, Ângelo Silésio e a grande artedo Maneirismo e do Barroco, o misticismo musi-cal de Tomás de Victoria e a polifonia de Pierluigi

Contra-Reforma

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Palestrina os que significam a exaltação mais se-rena da Contra-Reforma.”

À margem dessa exaltada visão da Contra-Reforma, apareceu nela um “desenvolvimentoautônomo de renovação, e por sua vez contra aReforma, com tentativas e meios antes de tudonegativos e defensivos”: expansão missionária erepressão da heresia, fé vigorosa, dinâmica, con-quistadora e dura intolerância com recurso à for-ça. E outras limitações, talvez necessárias, comoos perigos inerentes à centralização, as tendênci-as negativas e defensivas da teologia, daeclesiologia etc.

O resultado é um misto de conquistas e tam-bém de sombras. Sob o nosso ponto de vista, o daliteratura e do pensamento cristão da época,parece-nos tanto a Reforma quanto a Contra-Re-forma a época mais rica e mais diversificada,como se pode ver inclusive neste dicionário.Porém, evidentemente, são muitas mais as obrase autores que deveriam constar. Para completara visão do que pressupôs a Contra-Reforma nocampo da filosofia, da teologia, da espiritualidade,da pedagogia e da pastoral com os autores quea cultivaram, será necessário recorrer a outrasfontes.

BIBLIOGRAFIA: P. Prodi, Riforma Cattolica eControriforma: Nuove cuestioni de storia moderna. Milán1964; M. Marcocchi, La Riforma cattolica. Documenti etestimonianze. Brescia 1967-1971, 2 vols.; G. Martina, LaIglesia de Lutero a nuestros días: I. Época de la Reforma:II. Época del Absolutismo. Madrid 1974.

Conversações de Malinas (1921-1925)

*Beauduin, Lambert.

Copérnico, Nicolau (1473-1543)

A vida e a obra de Copérnico está vinculadaao movimento científico do Renascimento e daciência moderna. Copérnico é considerado o paida astronomia moderna. Sua importância reside

Conversações de Malinas

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fundamentalmente em: 1) Ter rejeitado o sistemado universo concebido por Ptolomeu e aceito pelomundo antigo e pela Igreja até praticamente o séc.XVII. 2) Ter colocado como centro do sistemasolar não a Terra mas o Sol.

Sacerdote polonês e cônego de Frauenburgdesde 1497, Copérnico expôs sua teoria num pe-queno comentário — Commentariolus (1531) —, tendo a aprovação do papa. Sua obra mais im-portante e pela qual ficou conhecido na posteri-dade, De revolutionibus orbium coelestium, nãofoi publicada até 1543, data de sua morte. Essaobra foi colocada no *Index de livros proibidosem 1616, como conseqüência do caso Galileu(*Galileu).

Couturier, Paul Irénée (1881-1953)

Sacerdote francês, pioneiro e líder do movi-mento pela unidade dos cristãos. Couturier co-meçou sua atividade apostólica em Lyon com osrefugiados russos da Revolução de 1917. A partirde 1932, no centro de Amay-sur-Meuse, passan-do posteriormente a Chevetogne, dirigiu sua ati-vidade para o movimento ecumênico. Primeirointroduziu um tríduo de oração pela unidade cris-tã (Lyon, 1933). No ano seguinte, ampliou-o parauma semana de oração: de 18 a 25 de janeiro.

Para desenvolver esse movimento em nívelmundial, Couturier serviu-se de uma rede amplade correspondentes e colaboradores em todos ospaíses cristãos e de diferentes confissões. Com-pôs e distribuiu uma infinidade de folhetins so-bre a oração pela unidade. E finalmente esteveem contato permanente com o *Conselho Mun-dial das Igrejas. O trabalho de Couturier cristali-zou-se, anos mais tarde, no documento sobre oecumenismo do Concílio *Vaticano II.

Cranmer, Thomas (1489-1556)

Personagem chave na Reforma da Igreja daInglaterra. Depois de seus estudos universitários

Cranmer, Thomas

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em Cambridge, destacou-se na vida pública in-glesa por causa do divórcio de Henrique VIII(1529). Foi Cranmer quem aconselhou o monar-ca a consultar as universidades da Europa sobre otema, depois do papa ter-lhe negado o divórcio.Por ordem do rei, Cranmer visitou várias univer-sidades do continente, voltando com a soluçãofavorável ao problema. Em 1532 foi nomeadoarcebispo de Cantuária, sendo dócil instrumentodo poder real nos anos que seguintes. Sua inter-venção na Ata da Supremacia (1534), no matri-mônio de Henrique VIII com Ana Bolena e noposterior matrimônio e divórcio de Ana de Clèves,tornou Cranmer o alvo de todos os inimigos daReforma e da política inglesa.

Cranmer é responsável pela publicação dosDez Artigos de estilo luterano (1536). Sob suaprópria direção publicou-se uma nova versão daBíblia, baseada na tradução de Tyndale, que aimpôs a todas as paróquias. Em 1549 apareceuo Book of the Common Prayer (Livro da ora-ção comum), inspirado nas idéias protestantesde Cranmer, porém mitigado para não ferira suscetibilidade dos católicos. Sucessivas revi-sões em 1552, e posteriormente em 1662, fize-ram dele o livro litúrgico oficial do anglicanismo,propício a uma “via intermediária” entre o pro-testantismo do continente e o catolicismo deRoma. A Cranmer deve-se também a reformadoutrinal. Em 1547 publicou-se o Livro deHomilias, muitas das quais foram escritas porCranmer.

A morte prematura do jovem rei Eduardo em1553, que tinha favorecido Cranmer, e o acessoao trono de Maria, conhecida como a rainhaMaria, “sanguinária” e católica, levou à fogueiramuitos destacados líderes do movimentoreformador da Inglaterra: entre eles os bisposLatimer, Ridley, o próprio Cranmer, e outros 200mais. Depois de um julgamento muito tumul-tuado — retratou-se e voltou outra vez a con-fessar sua fé anglicana —, foi levado à fogueiraem 1556.

Cranmer, Thomas

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Crisóstomo, São João (347-407)

Nasceu em Antioquia e morreu em Cumana(Helesponto), enquanto ia para o exílio. Padre edoutor da Igreja, pregador e arcebispo deConstantinopla. Seu zelo e sua eloqüência na pre-gação valeram-lhe o título de “Crisóstomo”: “bocade ouro”. Seu pontificado foi particularmente ator-mentado, devido em parte às intrigas combina-das entre a imperatriz Eudóxia, mãe do impera-dor Teodósio II, e de Teófilo, patriarca deAlexandria.

Como todos os grandes padres, destacou-se,em primeiro lugar, por sua formação clássica.Sabemos que estudou retórica sob a direção deLibânio, e teologia com o mestre Diodoro deTarso. A escola antioquena lhe dará o realismo eo bom senso que caracterizam sua obra.

Cedo sente o chamado à solidão e ao deserto.Sua fraca saúde o faz voltar a Antioquia, onde seordenou diácono e sacerdote. Durante doze anos,a partir de 386, exerceu sua função de pregador,pronunciando parte de suas melhores homiliassobre o 1º e 4º Evangelhos, e sobre as Cartas deSão Paulo. Sua oratória acerta a sintonia com osproblemas do povo. Exemplo disso podem sersuas famosas homilias sobre as Imagens, com asquais consegue deter a vingança do imperadorpela profanação de sua estátua e da estátua de suafamília, por parte do populacho. Em 398 foi cha-mado, contra sua própria vontade, a ocupar a sedede Constantinopla, onde conseguiu o aplauso e oapoio popular. Não obstante, sofreu três dester-ros durante os nove anos de seu pontificado. Con-frontado com a imperatriz por sua vida de osten-tação, e com as invejas de Teófilo, patriarca deAlexandria, sucumbiu por fim a caminho do ter-ceiro e definitivo desterro em Cumana(Helesponto). Seus restos mortais foram trazidosem solene procissão a Constantinopla, no dia 27de janeiro de 1438.

“Nenhum escritor oriental — diz Quasten —conseguiu a admiração e o amor da posteridade

Crisóstomo, São João

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no grau que ele conseguiu.” A própria tragédiade sua vida, ocasionada pela extraordinária sin-ceridade e integridade de seu caráter, serviu pararealçar sua glória e sua fama. Continua sendo omais encantador dos padres gregos e uma daspersonalidades mais simpáticas da Antigüidade.“Seu estilo é a expressão mais harmoniosa de umaalma ática”.

A obra escrita de São João Crisóstomo, a maisnumerosa de toda a patrística, divide-se em trêsgrandes blocos: a) Sermões-homilias; b) Trata-dos; c) Cartas e liturgia.

A parte mais volumosa é a primeira, onde apa-recem suas Homilias sobre o AT: sobre o Gênesis,os Salmos — as melhores sobre 58 salmos esco-lhidos — e sobre Isaías. Sobre o NT estão suashomilias ao Evangelho de Mateus, de João, aosAtos dos Apóstolos e às Cartas de São Paulo.Outro bloco é composto por suas Homiliasdogmáticas e polêmicas, os discursos morais, ser-mões para as festas litúrgicas, os panegíricos, ashomilias sobre as Imagens e outras duas em De-fesa de Eutrópio.

Entre os tratados encontramos o clássico Desacerdotio, e sobre a vida monástica, a virginda-de e a viuvez, sobre a educação dos filhos, sobreo sofrimento etc. De suas cartas conservam-se,aproximadamente, 236. Sua Liturgia — conheci-da como liturgia de São João Crisóstomo — acrítica supõe que seja muito posterior ao santo.

Um julgamento de conjunto leva-nos a afir-mar com Quasten que “São João Crisóstomo nãoé um teólogo eminente. É, no entanto, um sober-bo orador”. Em seus sermões nunca apelou parao sentido alegórico. Falava claro e combinou aintuição do sentido da Escritura com seu gêniopara sua aplicação pessoal. Cada um de seus ser-mões tem sua lição moral ou social (Quasten,Patrología, II, 496s.).

BIBLIOGRAFIA: Obras de San Juan Crisóstomo(BAC), 3 vols.; Obras: PG 47-64; J. Quasten, Patrología, I,444-505, com a bibliografia ali publicada.

Crisóstomo, São João

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Croiset, J. (1656-1738)

*Legenda áurea.

Cullmann, Oscar (1902-)

Teólogo de confissão luterana e um dos maisnotáveis de nosso tempo. Seus trabalhos de his-tória e exegese contribuíram decisivamente parao conhecimento das origens do cristianismo.

Seus anos de estudo e docência discorrem en-tre Estrasburgo e Basiléia. Posteriormente é pro-fessor da Sorbonne e da Faculdade de TeologiaProtestante de Paris. Além dessas atividades aca-dêmicas, Cullmann foi presidente da ajuda aosrefugiados franceses na Suíça entre 1940-1945.Mais tarde, foi escolhido membro do comitê exe-cutivo do Instituto Ecumênico de Jerusalém, fun-dado em 1967 por Charles Moeller. De 1962 a1965 participou como observador não católico dasquatro sessões do Concílio *Vaticano II, diantedo qual, praticamente, representou o protestan-tismo.

A obra de Cullmann, como dissemos, é umacontribuição notável para a exegese e para a his-tória dos primeiros séculos do cristianismo. É clás-sico seu estudo Cristo e o tempo (1946). Em SãoPedro, discípulo, apóstolo e mártir (1952), abor-da o problema do primado pontifício. Em Deus eCésar (1953) e em Jesus e os revolucionários deseu tempo (1970) abordam-se os problemas darelação entre fé e política.

Dois aspectos caracterizam a obra e a ativida-de literária de Cullmann: 1) O método exegético,pelo qual tenta desprender-se de todo sistema fi-losófico ou teológico na interpretação dos textosdo NT. 2) Uma atitude de espírito particularmen-te impressionante: o encontro com as demais con-fissões. Rejeita um ecumenismo fácil, no qual oscristãos se encontrem sobre a base de uma críticapuramente negativa às Igrejas, ou sobre a base deuma capitulação diante do mundo e, em especial,diante das correntes do mundo moderno. Está

Cullmann, Oscar

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convencido do universalismo cristão, e este podeser o seu terceiro aspecto: “Toda escolha se fazpara outros, para um grande número, para umamissão. Assim, Israel é escolhido para a humani-dade, Jesus Cristo para o mundo inteiro e os dozeapóstolos para uma Igreja destinada a cobrir a ter-ra. Esses princípios são indissociáveis”.

Cusa, Nicolau de (1400-1464)

Nicolau Krebs (caranguejo) é conhecido co-mo o Cusano ou de Cusa, pela cidade de Cues(Trier), onde nasceu. Sua vida intensa apresentaas facetas de estudioso, pesquisador, conhecedorde códices e manuscritos antigos gregos e lati-nos, diplomático e homem de Igreja, filósofo eteólogo. Sua doutrina e filosofia são, na realida-de, sabedoria. Solitário e não adscrito a nenhumaescola, pensa por conta própria. Quis procurarrazões últimas para sua profunda vivência huma-na e cristã. Sem dúvida por isso, sua filosofia esua vida são objeto de permanente estudo. São deuma paixão e intensidade tais que pode ser pro-posto como modelo de todo pensador e homemde ação cristão.

Nicolau Cusano iniciou seus estudos entre osIrmãos da Vida Comum de Deventer (Holanda).Passou depois para a Universidade de Heildelberg,para doutorar-se logo depois em Direito, em Pisa.Em Roma iniciou sua vocação e carreira eclesi-ástica, que exerceu em Colônia como um dos se-cretários do legado papal Cesarini. Aqui se iniciano manejo e conhecimento de códices e manus-critos da biblioteca da catedral de Colônia. Essaprimeira afeição se reforça com humanistas che-gados para o Concílio de Basiléia (1433-1437).Ampliou também suas pesquisas a manuscritosgregos com vistas ao Concílio de Florença (1438).Foi amigo pessoal de Gutenberg e apoiou a arteda imprensa, de tal modo que, graças a ele, foipossível durante sua estada em Roma e Subiaco apublicação dos que hoje são os primeirosincunábulos da Itália.

Cusa, Nicolau de

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Sua condição de experto permitiu-lhe assistiraos Concílios de Basiléia e Florença. Para prepa-rar este último, foi enviado a Constantinopla, in-tervindo ativamente no problema da união dasIgrejas Grega e Latina. Seus últimos quinze anos(1449-1464) puseram em relevo sua índole pas-toral, primeiro como cardeal da Igreja, comovisitador apostólico na Alemanha, Países Baixose Boêmia, e finalmente como bispo de Brixen evigário do papa em Roma. As relações, os discur-sos, as cartas, os projetos e os decretos desta épo-ca demonstram a dignidade, o zelo e inclusive origor com que concluiu sua missão contra os mui-tos desvios que minavam os costumes e a fé da-queles tempos tão próximos já da Reforma.

— A obra escrita de Cusa é imensa. Sua pro-dução corre ao longo de toda a sua vida. Começacom sua primeira obra polêmica De concordantiacatholica, que apresentou ao Concílio de Basi-léia (1433). Reconhece o primado da sede deRoma. Sustenta que nenhum Concílio é legítimose o papa não participa diretamente ou por repre-sentação. Mas, uma vez convocado ao Concílio,o papa está obrigado a aceitá-lo e a executar suasresoluções. Logicamente, o Concílio somente éinfalível como representante único de toda a Igre-ja. A partir de 1436, Cusa defenderá a suprema-cia papal.

— Mas Cusa é conhecido principalmente pelasua obra De docta ignorantia (1440), seguidanesse mesmo ano por De coniecturis, em três li-vros — Deus, universo e Cristo como união deambos. Nesta mesma linha filosófico-teológicaestão o livro Idiota (1450), que compreende o Desapientia (dois livros), o De mente e o De staticisexperimentis. Importantes são também a Apolo-gia doctae ignorantiae (1449), o De venationesapientiae (1463), e sua última obra De apicetheoriae (1464). Além de outros tratados especi-ficamente teológicos e de outros científicos comoDe mathematicis complementis (1450-1457), Decirculi quadratura (1453-1454) e De mathematicaperfectione (1458), devemos assinalar suas nu-

Cusa, Nicolau de

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merosas cartas e sermões, muitos dos quais per-manecem inéditos.

— Na viagem de regresso da Grécia, NicolauCusano teve a inspiração de sua doutrina funda-mental da docta ignorantia e que expôs em suasduas obras acima mencionadas:

— “O ponto de partida é uma precisa determi-nação da natureza do conhecimento tomandocomo modelo o conhecimento matemático. Apossibilidade do conhecimento reside na propor-ção entre o desconhecido e o conhecido. Pode-sejulgar aquilo que ainda não se conhece somenteem relação àquilo que já se conhece, mas isto so-mente é possível se aquilo que ainda não se co-nhece possui certa proporcionalidade com o quese conhece. O conhecimento é tanto mais fácilquanto mais próximas das coisas conhecidas es-tiverem aquelas que se pesquisam; daí se concluique quando o que se ignora e se procura não temproporção alguma com o conhecimento que jápossuímos, este escapa a toda possibilidade deconhecimento, e a única coisa que se pode fazer éproclamar a própria ignorância. Esse reconheci-mento da ignorância, esse saber que não se sabe,é a docta ignorantia”.

— A atitude da docta ignorantia é a únicapossível diante do ser como tal, ou seja, diante deDeus. Esse é, de fato, o grau máximo do ser e, emgeral, da perfeição; é “aquilo com relação ao qualnada pode ser maior”. Deus é o infinito, e entre ofinito e o infinito não existe proporção. Daí seconclui que o homem não pode chegar ao conheci-mento de Deus.

Com relação ao relacionamento entre Deuse o mundo em De coniecturis, De idiota e emDe visione Dei, Cusa enfatiza a inacessibilida-de da transcendência divina, afirmando que a úni-ca fórmula para expressá-la é a coincidentiaoppositorum — a coincidência dos opostos —,coincidência do máximo e do mínimo, da com-plicação e da explicação, do tudo e do nada, docriar e do nada. Essa coincidência, porém, nãopode ser entendida nem alcançada pelo homem,

Cusa, Nicolau de

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e assim Deus está além de todo conceito hu-mano, como o infinito absoluto com relação aoqual são inúteis todos os passos para aproximar-se dele.

— Com relação ao homem, a criatura não émais do que um “Deus ocasionado” ou um “Deuscriado” que não pode aspirar a ser mais do que é,e somente desta maneira chega de certa forma areproduzir a infinitude de Deus. O valor que acriatura possui dentro de si, em sua limitação,é claramente manifestado pela encarnação doVerbo. Pelo fato de ter adquirido a natureza hu-mana, reúne e unifica em si todas as coisas, eno-brece e eleva, junto com o homem, todo o mundonatural.

— O julgamento que a pessoa mereceu e adoutrina desse grande homem, estão acima detoda ponderação. Viveu numa época de profundacrise, “crise de todo tipo de autoridade, divina ehumana, papal e imperial, religiosa e civil, e tra-tou de reagir contra isto, unindo Deus e o direito,a religião e a política, o fiel e o súdito no âmbitode dois princípios nos quais se havia baseado ocomplexo social durante o período medieval: aIgreja e o império... Foi humanista: seu huma-nismo não se contentou com a procura de códicese de formas belas, mas consistiu numa valoriza-ção do homem e da natureza — “dignificarenaturam”— enquadrando de forma cristã a essên-cia daquele e a realidade desta numa síntese derazão e revelação” (P. Rotta-G. Santinello, Dic.de filósofos).

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. de von ErnstHoffmann, 1932; La Docta Ignorancia. Tradução de Manu-el Fuentes Benot, Buenos Aires 51981; P. Rota, Nicolás deCusa. Milán 1942.

Cusa, Nicolau de

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D’Ailly, Pierre (1350-1420)

*Lutero.

D’Alembert, M. (1717-1783)

*Enciclopédia, A.

Dâmaso, São (304-384)

Papa de origem espanhola, eleito em 366. Afigura simpática desse papa oferece aspectos ver-dadeiramente importantes para as letras. Foi ocriador dos arquivos papais, mudando-os paraprédios novos. Foi poeta inspirado que cuidou dastumbas dos mártires, ilustrando-as com criativosepitáfios.

Como papa, promulgou em 382 um cânonsobre os livros da Escritura. Existe também aFides Damasi, uma fórmula de fé atribuída aSão Dâmaso, que hoje é interpretada comonascida na Gália no séc. V. Com o nome deTomo de Dâmaso conhece-se também uma cole-ção de 24 cânones enviados por Dâmaso aPaulino, bispo de Antioquia, nos quais anate-matizam-se as heresias trinitárias e cristológicasda época.

Porém, sem dúvida, a obra mais importantede São Dâmaso como papa é ter encomendado aSão *Jerônimo a revisão do texto latino da Bíblia(382), conhecida como Vulgata.

Daniélou, Jean (1905-1974)

*Teologia atual, Panorama da.

DD’Ailly, Pierre

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Dante Alighieri (1265-1321)

“Florentinus et exsul immeritus” (Florentinoe exilado sem o merecer) — diz Dante numa desuas cartas. Nascido efetivamente em Florença,onde viveu uma boa parte de sua vida, três vezesfoi desterrado por questões políticas, morrendoem Ravena, acompanhado já por grande fama depoeta e sábio: “Inclita fama cuius universumpenetrat orbem” (Cuja elevada fama chega aomundo inteiro), como se lê no seu epitáfio.

Poeta, filósofo, teólogo e político, Dante é in-cluído diretamente na lista dos pensadores e es-critores cristãos. Sua própria condição de leigo,comprometido com sua cidade, com a arte e a ci-ência de seu tempo, torna ainda mais interessantesua figura. Pertencente a uma nobre família guelfaflorentina, quis viver em plenitude sua condiçãode homem e cidadão livre. Por volta dos 9 anos,encontrou uma jovenzinha, Beatriz, pela qual fi-cou espiritualmente subjugado, ela dominou todaa sua vida. A morte desta, em 1290, consumiu-oem lágrimas, obrigando-o a encontrar consolo naleitura de Boécio — De consolatione philosophiae— e de Cícero — De amicitia. Parece ter encontra-

Dante Alighieri

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do neles muito mais do que um remédio para suador.

Com esses autores abriram-se realmente paraele o horizonte e o desejo de saber. Pensou que afilosofia era algo superior. “Dirigiu-se, pois —diz-nos em Vida nova — para onde ela se mostra-va mais autêntica, isto é, nas escolas dos religio-sos e nas disputas dos filósofos.” Freqüentou asescolas de dominicanos e franciscanos de sua ci-dade onde se comentavam Aristóteles, Santo*Agostinho e São Boaventura. Entre os filósofosestava seu mestre Brunetto Latini e o primeiro deseus amigos, Guido Cavalcanti, averroísta eepicurista. Foi tal sua paixão pela filosofia que,depois de 30 meses, esquecera seu primeiro amor.

Casado com Gemma Donati, com quem tevepelo menos três filhos, superou sua crise juvenilcom a primeira de suas obras, Vida nova (1295),na qual mescla prosa e verso no estilo de Boécio.Criador da primeira prosa italiana, revigorandoseu espírito em chave religiosa, Dante manterádesde agora seu mundo ideológico e ético. “Ohomem virilmente ativo para continuar ‘virtudee conhecimento’, desprezador de baixezas e deambições vulgares, o constante pensador, o firmecrente, harmoniosamente coordenados, o trarão,junto à fama gradualmente conseguida, seu erigir-se em flagelador dos vícios e desordens gerais deseu tempo, seu constituir-se em mestre de vida,distribuidor da justiça, defensor de um ideal hu-mano superior e da restauração política e religio-sa. O estudioso não afogou, no entanto, o poeta”(G. Mazzantini — A. Tognolo, Dic. de filósofos).

— Sua personalidade completa-se na ativida-de política. Participou ativamente na vida políti-ca florentina, como cultivador da “filosofia natu-ral” no grêmio dos médicos e boticários, perten-cendo ao partido “blanco”. Isso foi por volta de1300. Nos anos seguintes e com a entrada dos“Néri” em Florença, viu como vieram abaixo seusideais políticos. Em 1302, pela primeira vez, foicondenado ao exílio, depois trocado pela conde-nação à fogueira. Seguiram anos de desterro e de

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anonimato por várias cidades, sem que seja fácilprecisar datas de suas paradas. A partir de 1309voltou para sua amada Florença, onde viveu até1315. Nova condenação à morte para ele e seusfilhos o obrigou a procurar um refúgio em Verona(1315-1320), onde precedeu-lhe sua fama de po-eta e de sábio. Sua permanência nesta cidade per-mitiu-lhe avançar na obra poética A divina comé-dia, que concluiu em Ravena. Morreu em Ravena,sendo levado até o sepulcro nos ombros dos prin-cipais cidadãos “como poeta e grande filósofo”.

— O pensamento de Dante foi expresso emsua variada obra. Inicia-se com Vida nova (1295)e termina em A divina comédia (1321). Entre es-sas duas datas trabalhou no Convívio (entre 1304-1307), ampla obra de filosofia aristotélica em queafirma que “Aristóteles é o filósofo mais dignode fé e obediência”. É a primeira obra de prosacientífica italiana. O Convívio foi interrompidono 3º dos cantos dos 14 que Dante concebera.Também ficou interrompida sua obra De vulgarieloquentia, simultânea à anterior. Destaca algu-mas intuições sobre a filosofia da linguagem, oproblema da formação das línguas etc. Depoisvem o tratado filosófico-político De monarchia(1310-1313), uma das obras políticas mais inte-ressantes que nos deixou o período medieval.“Dante apresenta-nos sua própria visão políticacentrada numa distinção clara e precisa de duasordens: Igreja e império. Ambos absolutos, autô-nomos e soberanos, têm o seu fundamento napessoa humana que tende a um duplo fim: natu-ral e sobrenatural (Monarchia, III, XVI, 7). Essasordens permanecem claramente diferentes, semque o menos válido deva se subordinar de formaalguma ao que, por si só, já é mais válido”.

— Continuando bem próximo da Ética aNicômaco de Aristóteles, Dante em suaMonarchia: a) Vê a vida do homem, segundo anatureza, como um desenvolvimento progressi-vo dirigido pela razão. b) Esse desenvolvimentoracional do homem somente se dá num mundopoliticamente organizado na monarquia, e na

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monarquia universal. c) Monarquia universalporque somente na universalidade é possível umapaz sem oposições (Monarchia, I, V-XVI). d) Maso cristianismo revelou, também, o mundo da gra-ça, o Reino de Deus, para cujo desenvolvimentoe plena realização está na terra o vigário de Cris-to, o papa. O pontífice tem a sua jurisdição sobretudo o que é sobrenatural, e seu poder émonárquico e universal, isto é, católico, cujos li-mites estão marcados pela mesma finalidade deseu poder, dirigido a um fim ultraterreno. e) Im-perador e pontífice são independentes. A indepen-dência de ambos dentro dos próprios limites éabsoluta e nenhuma autoridade, em seu próprioâmbito, tem ninguém acima dela.

Tal é a síntese política de Dante, respeitosacom a razão e com o dado revelado. Harmoniaentre a fé e a razão, que muito logo se veriamquebradas.

— Que dizer de A divina comédia que já nãose tenha dito? Concluída pouco antes da mortedo poeta, em 1321, é o testamento poético do séc.XIII. Toda a ciência, toda a especulação política,toda a experiência moral e espiritual da época seexpressa nela, ao longo do caminho que conduzDante e o seu guia do inferno ao purgatório, e porúltimo, ao substituir Beatriz por Virgílio, atravésdas esferas do paraíso, até um Deus que é a fontesuprema da luz.

— Toda a sua obra é um desenvolvimento deteologia humanista: Deus e o homem são os gran-des protagonistas da história. “O humanismo deDante é um humanismo cristão; é integral, por-que abrange e valoriza todo o homem, em todasas suas atividades e dimensões; é um humanismoque reconhece o valor da vida social do indiví-duo na história; é um humanismo que não esque-ce a realidade humana de miséria e debilidades,como também não esquece que a mais alta meta,e sua maior perfeição, a alcança a pessoa na vi-são beatífica de Deus. Esse humanismo no qualcoexistem, sem se anularem mutuamente, o uni-versal e o particular, Deus e o homem, Estado e

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indivíduo é certamente muito diferente do poste-rior humanismo do ‘Quatrocentos’ e do‘Renascimento’. Esta é a mensagem imortal dodivino poeta” (C. Mazzantini-A. Togno, o. c. 10).

BIBLIOGRAFIA: Obras: A divina comedia, Rio 1948;Obras completas: Edição espanhola de N. González-Ruiz(BAC); E. Gilson, Dante et la philosophie médiévale, 21953;M. Asín Palacios, La escatología musulmana en la DivinaComedia, 21943.

Décio (c. 250)

*Monaquismo; *Orígenes.

Deísmo

Uma das notas características do Iluminismoe dos iluministas é a secularização da razão. Como slogan “Atreva-se a pensar”, “Abandone a me-noridade”, o Iluminismo rompe o equilíbrio en-tre fé e razão e sua tensão dialética. Mediante umprocesso redutivo da fé ao racional, realiza o pos-tulado e a exigência da progressiva e total secula-rização da vida humana mediante a dessa-cralização.

A concepção religioso-teológica do mundodominante no Ocidente até o séc. XVII manti-nha-se e elevava-se sobre a relação homem-Deus.Deus constitui o centro, origem e princípio dedeterminação do sentido do mundo. Temos as-sim o teocentrismo. Da mesma maneira, o senti-do da humanidade e da história é estabelecido eregido por Deus providente (providência). Final-mente, o destino último do homem, o fim da pro-vidência e o “eschaton” da história se somam nasalvação sobrenatural e eterna do homem, reali-zada por e com a graça de Deus: Redenção divi-na, religião positiva, cristianismo.

O Iluminismo ou “razão secularizada” dá umainterpretação radicalmente oposta a tais questões.No teocentrismo, estarão a natureza e o homemcomo centro e ponto de referência. A providênciaserá substituída pelo progresso contínuo e sem

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limites da razão e da humanidade. Na redençãosobrenatural — religião revelada, cristianismohistórico — impor-se-á a salvação da situaçãoinfeliz do homem, que ele próprio deverá procu-rar com o trabalho e na história. Temos, pois, umaRedenção horizontal, no marco exclusivo do tem-po e da história.

Essa secularização da razão mantém, no en-tanto, o reconhecimento do divino, assim comouma peculiar interpretação da religião. É neces-sário que a verdadeira religião seja racional: “En-quanto não nos guiemos pela razão — diz Locke—, disputaremos em vão, e em vão tentaremosconvencer-nos mutuamente em assuntos da reli-gião”. Nasce assim o conceito de religião naturale de “deísmo”. Somente é verdadeira a religiãoda razão. A razão é a norma e o critério último daverdade e da religião.

À religião natural, proclamada peloIluminismo, vai unida uma luta contra os mila-gres e as profecias, os ritos e os dogmas. E, prin-cipalmente, se fará uma crítica implacável da re-ligião positiva, do cristianismo estabelecido noOcidente. Em nome da “religião natural” se der-rubarão as barreiras entre a religião e a moral. Areligião consistirá no conhecimento dos deveresou mandatos morais, e sua atividade ouexteriorização não será mais do que a ação sim-plesmente ética. Puro moralismo, baseado naspalavras de Voltaire: “Entendo por religião natu-ral os princípios da moralidade comuns à espéciehumana” (Dic. de filósofos).

O “deísmo” expressa as exigências da razãoiluminada e concretiza os princípios da religiãonatural. O conceito de “deísmo” foi moldado pe-los ingleses John Toland em sua obra Cristianis-mo sem mistérios e M. Tindal, em O cristianismotão velho como a criação. Foi, em especial,*Voltaire quem formulou as notas ou teses geraisdo deísmo. Reduzidas a sua mínima expressão,são as seguintes: a) Deus existe e é autor do mun-do. b) Não é possível determinar a natureza e osatributos de Deus. c) Deus não criou o mundo

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livremente, mas por necessidade. Em conseqü-ência, Deus não é responsável pelo mal. d) Nãohá lugar para a providência divina, pois a ação deDeus no mundo termina em sua criação. e) Odeísmo é cético diante da outra vida, seus prêmi-os e castigos.

De acordo com o que acabamos de ver, odeísmo baseia-se na razão teórica e obedece a umacolocação estritamente intelectual. Também sebaseia na razão prática, já que identifica a reli-gião natural com os mandatos morais. Nega ocaráter sobrenatural da religião ignorando, por-tanto, o caráter positivo e sobrenatural do cristia-nismo. A luta ideológica contra este marca, dealguma forma, toda a filosofia, a ciência, a edu-cação, a política e a literatura surgida desde o séc.XVIII até os nossos dias. Os pensadores cristãos,daqui por diante, terão de apresentar e defender aidentidade própria do cristianismo frente à críti-ca, frente à ciência, frente à secularização da vida.

BIBLIOGRAFIA: D. Hume, Diálogos sobre religiãonatural; K. E. Weger, La crítica religiosa en los tres últimossiglos. Barcelona 1986; Jean-Jacques Rousseau, Escritosreligiosos; John Locke, A racionalidade do cristianismoMadrid-1977.

Delehaye, Hippolyte (1859-1941)

O nome de H. Delehaye está vinculado aos“bolandistas”, um grupo de jesuítas liderados porJ. van Boland (1596-1665) que iniciaram as ActaSanctorum ou vidas e feitos dos santos. Delehayefoi seguidor das Acta Sanctorum e colaboradorem vários de seus volumes.

Além de sua colaboração nessa obra, Delehayepublicou a Bibliotheca hagiographica graeca(1895), onde se encontram catalogados os ma-nuscritos hagiográficos gregos, junto aos da Bi-blioteca Nacional de Paris e do Vaticano. Toda asua obra é fruto de um constante trabalho de in-vestigação e de sua extensa erudição. Além des-ses livros dedicados a especialistas, publicou es-tudos para um público não especializado.

Delehaye, Hippolyte

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De Maistre, Joseph (1753-1821)

Escritor francês *“tradicionalista” e “ultra-montano”. Junto com *Chateaubriand e outrosescritores da época, forma o grupo de escritorescatólicos reacionários às idéias da Revolução de1789.

A obra principal de De Maistre é Du Pape,um escrito volumoso redigido já no final deseus dias (1819). Nela advoga por uma socie-dade firmemente ancorada na autoridade e, por-tanto, contrária os princípios da revolução. Essaautoridade é dupla: a) a autoridade espiritualtal como aparece no papado de Roma, ao lon-go dos séculos; b) a autoridade temporal en-carnada nos reis. A obra, portanto, defende umrestabelecimento desta autoridade na Europa,enfraquecida pela revolução e pelas guerrasnapoleônicas.

Du Pape é uma obra ao mesmo tempo políti-ca e religiosa. Tem sua importância no marco his-tórico em que se produz.

Denifle, Heinrich Suso (1844-1905)

Pesquisador e historiador da Igreja. Religiosodominicano alemão, foi chamado a Roma comoassessor geral da ordem (1880). Três camposocuparam sua atividade como historiador. Emprimeiro lugar está o seu monumental Chartu-larium Universitatis Parisiensis, escrito emcolaboração, entre 1889-1897. Seu segundocampo de estudo e pesquisa foram os místicosdominicanos alemães do séc. XIV: Mestre*Eckhart, J. *Tauler e H. Suso. E finalmente em-preendeu sua obra, que não pôde concluir, sobreMartinho *Lutero. Na historiografia doReformador, Denifle ocupa um posto importantepela solidez de documentos com que contribui epela interpretação que faz do personagem. E prin-cipalmente, seu estudo abre o caminho para umainterpretação mais serena e objetiva de outros his-toriadores católicos.

De Maistre, Joseph

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Devotio moderna

*Tomás de Kempis.

Didaqué (50-70)

Primeiro dos escritos integrados nos denomi-nados “padres apostólicos”. No original grego, seutítulo completo é “A instrução do Senhor aos gen-tios através dos doze apóstolos”. Breve resumoda doutrina de Cristo tal como a ensinaram osapóstolos às nações.

Publicado em 1883 pelo metropolita grego deNicomédia, Filoteo Bryennios, de um códice gre-go em pergaminho, a Didaqué é o documento maisimportante da era pós-apostólica e a mais antigafonte de legislação que possuímos. De autor des-conhecido e objeto de inumeráveis estudos, suacomposição pode ser datada entre os anos 50-70da era cristã. Outros a reportam aos pirmeiros anosdo séc. II. Essa obra vem a ser “o código eclesialmais antigo, protótipo venerável de todas as co-leções posteriores de Constituições ou cânonesapostólicos com que começou o direito canônicono Oriente e no Ocidente” (Quasten).

O livrete está dividido em 16 capítulos, nosquais se distinguem claramente duas partesprincipais. A primeira (c. 1-10) apresenta instru-ções litúrgicas; a segunda (c. 11-15) compreendenormas disciplinares. A obra termina com o capí-tulo sobre o advento do Senhor e sobre as conse-qüências que este tem sobre a vida dos cristãos.Se julgamos somente pelo título, poder-se-ia acre-ditar que a Didaqué contém a pregação evangé-lica de Cristo. Melhor: é um compêndio de pre-ceitos morais de instruções sobre a organizaçãodas comunidades e de ordenanças relacionadasàs funções litúrgicas, sobretudo a Eucaristia, oBatismo, os profetas, os bispos etc. São muitointeressantes os princípios de caridade e de as-sistência social expressos na Didaqué: esmola,obrigação de ganhar a vida com o próprio tra-balho.

Didaqué

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A Didaqué gozou de tanto respeito e reverên-cia na Antigüidade que muitos chegaram aconsiderá-la tão importante quanto os livros doNovo Testamento.

BIBLIOGRAFIA: Padres apostólicos. Edição bilíngüecompleta, Texto da Didaqué S. Paulo (Paulus); BAC. Madrid51985, 30-98.

Didascalia apostolorum syriaca(séc. III)

Constituição eclesial composta nas primeirasdécadas do séc. III. Seu título é Didascália ouDoutrina católica dos doze apóstolos e dos dozesantos discípulos de nosso salvador. O texto gre-go se perdeu; porém, chegou até nós numa tradu-ção siríaca. Foi a fonte principal das *Constitui-ções apostólicas, nas quais se reproduzem os seisprimeiros livros.

“Há pouco dogma na Didascália, já queseu principal objetivo é dar uma instrução mo-ral e regras canônicas para a manutenção daordem e da disciplina da Igreja. Apesar disso,proporciona-nos informação farta para a histó-ria da vida e dos costumes cristãos. Trata, porexemplo, detalhadamente toda a questão dapenitência. Contra as tendências rigorosas,afirma que se podem perdoar todos os pecados,inclusive o de heresia. Menciona igualmente opecado do adultério e de apostasia entre os pe-cados que se podem perdoar. Também não hánada indicando que depois do Batismo não hajaperdão dos pecados. Apresenta uma liturgiamuito desenvolvida da penitência pública, umanoção clara de seu caráter sacramental, masnenhuma alusão à penitência particular”(Quasten).

Diderot, Denis (1713-1784)

*Enciclopédia, A.

Didascalia apostolorum syriaca

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Dídimo, o Cego (313-398)

Embora cego de nascimento, chegou a ser di-retor da escola catequética de Alexandria. Admi-rador e seguidor da doutrina de *Orígenes, so-freu também como este a condenação do Concí-lio de Constantinopla (553). Sua doutrina sobre aTrindade foi decididamente nicena.

Dídimo, o Cego, mereceu o respeito da Anti-güidade por seus tratados Sobre o Espírito Santo,Sobre a Trindade e Contra os Maniqueus. Escre-veu também comentários sobre alguns livros daBíblia, como o demonstram os descobrimentosde alguns papiros perto de Toura, ao sul do Cairo,em 1941.

Diodoro de Tarso (finais do séc. IV)

*Escolas teológicas, Primeiras.

Diogneto, Carta a (séc. II-III)

Trata-se de uma apologia do cristianismo emforma de carta dirigida a Diogneto, eminente dig-nidade pagã. Até esta data nada se sabe nem doautor nem do destinatário da carta. Somente su-posições levaram a afirmar que o autor poderiaser Quadrato ou Aristides, e o destinatário o tutorde Marco Aurélio. As mesmas suposições exis-tem a respeito da data de sua composição, prova-velmente do séc. III.

A carta foi escrita por solicitação de Diogneto.Nela, o autor pinta em termos brilhantes a superi-oridade do cristianismo sobre a néscia idolatriados pagãos e sobre o formalismo externo dos ju-deus.

— Porém, o melhor dela é a descrição que fazo autor da vida sobrenatural dos cristãos (c. 5-6):“Os cristãos, de fato, não se distinguem dos de-mais homens nem por sua terra, nem por sua fala,nem por seus costumes. Porque nem habitam ci-dades exclusivas suas, nem falam uma língua es-tranha, nem levam um gênero de vida separado

Diogneto, Carta a

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dos demais... Dão mostras de um teor particularde conduta admirável e, por confissão de todos,surpreendente. Habitam suas próprias pátrias,porém, como forasteiros; tomam parte em tudocomo cidadãos e tudo suportam como estrangei-ros; toda terra estranha é para eles pátria e, todapátria, terra estranha. Casam-se como todos, comotodos geram filhos, mas não expõem os que nas-cem. Colocam mesa comum, mas não leito. Es-tão na carne, mas não vivem conforme a carne.Passam o tempo na terra, mas têm a sua cidada-nia no céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas,com a sua vida, ultrapassam as leis. A todos amame por todos são perseguidos. São ignorados e sãocondenados. Ao serem mortos, ganham a vida.São pobres e enriquecem muitos. Carecem de tudoe são fartos em tudo...” (BAC, 65).

A Carta a Diogneto é “um dos documentosmais belos da literatura cristã. Seu conteúdo re-vela um homem de fé ardente e vastos conheci-mentos, um espírito totalmente impregnado dosprincípios do cristianismo. Sua linguagem trans-borda vitalidade e entusiasmo” (Quasten).

BIBLIOGRAFIA: Padres apostólicos. Edição bilíngüecompleta. Texto da Carta a Diogneto (BAC). Madrid 51985,845-862.

Döllinger, Johann Joseph Ignaz von(1799-1890)

Professor de História da Igreja na Universida-de de Munique de 1826 a 1873. “Ultramontano”em sua primeira etapa, para depois passar a umacrítica impiedosa à Igreja de Roma. O centro deseus ataques foi o Concílio Vaticano I. Suas Car-tas de Jano (1869) e as Cartas de Quirino (1870),escritas em parte em colaboração com outros, tor-naram-no conhecido como um dos críticos maisformidáveis do *Vaticano I e da doutrina da in-falibilidade do papa. Acabou sendo excomunga-do em 1871. Posteriormente, e até a sua morte,esteve em contato com os chamados velhos cató-licos. Em 1874-1875 teve duas reuniões em Bonn

Döllinger, Johann Joseph Ignaz von

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para procurar a união de todas as Igrejas separa-das de Roma, mas que tinham mantido a fé e aordem do cristianismo histórico.

Domingos de Gusmão, São(1170-1221)

Nasceu em Caleruega (Burgos). Estudante eprofessor em Valência de 1184 a 1191. Nos últi-mos anos do século XII, encontramo-lo em Osma,onde ingressou no cabido de cônegos reforma-dos. Em 1204 saiu pela primeira vez da Espanhapara ir ao sul da França, líder de movimentos po-pulares que reagiram desaforadamente contra asituação rígida da Igreja: cátaros, valdenses,albigenses e outros grupos agitam a Igreja, per-turbando-a em sua fé e costumes. Durante váriosanos, Domingos desenvolveu uma atividade in-cansável nessa região francesa. Em 1207, bempróximo de Toulouse, nasceu a primeira comuni-dade de dominicanos, a “santa pregação”.

Em 22 de dezembro de 1216, Honório III con-firmou solenemente a fundação de Domingos. Erauma comunidade profética que deveria conhecero que morre e o que nasce, mantendo sua liberda-de para fomentar toda novidade evangélica. As-sim se entende a dispersão dos frades, quandoeram somente 16, por diferentes partes do mun-do. Em 1217, ano do “pentecostes dominicano”,esses 16 frades dirigiram-se a Paris, Bolonha eRoma, centros mais destacados do movimentocultural europeu. Quatro foram para a Espanha.“Todos eram enviados para estudar, pregar e fun-dar um convento”. Diante da estranheza dessadispersão, Domingos responderá: “Deixai-meagir; eu sei bem o que faço: amontoado o trigo,corrompe-se; esparso, frutifica”.

Durante os três anos restantes de sua vida,Domingos pregou em Roma e em distintas regi-ões da França, visitou as comunidades e organi-zou a ordem. Presidiu os primeiros capítulos ge-rais de 1220 e 1221... Nos finais de julho de 1221,Domingos voltou a Bolonha doente e esgotado,

Domingos de Gusmão, São

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para morrer a 6 de agosto. Foi canonizado em1234, reconhecido como “varão apostólico”.

De fato, Domingos faz sua a convicção de pre-gar o Evangelho imitando os apóstolos. Assim écomo consegue, com certa rapidez, fundar umainstituição de um novo estilo com relação aopaternalismo monacal da época anterior. Instituiro carisma da Palavra de Deus sem esgotar suaforça, lançar ao mundo missionários itinerantes,tal é sua vocação e sua obra. Os pregadores sãoprofetas, isto é, homens comprometidos com arealidade dos tempos. Assim o pontífice romanoos qualifica em reiteradas ocasiões, e até em suacarta de fundação.

A ordem de irmãos pregadores fundada porSão Domingos no séc. XIII rompe com o modeloe o estilo das ordens monacais anteriores. De ca-ráter itinerante e mendicante, como osfranciscanos, colocam sua atenção na imitação deCristo e dos apóstolos pregando a palavra evan-gélica em meio da sociedade e nas grandes cida-des. A pregação do Evangelho fica plasmada emseu grande lema: “contemplata aliis tradere”. Ouna grande divisa da ordem: “Veritas”. Meditar eensinar a verdade: a) nas universidades, que ad-quirem com os mendicantes seu máximo auge eesplendor; b) pregação ao povo, rompendo o “si-nistro silêncio” que há um século cobria a cris-tandade; c) abrindo novos campos de missão parajudeus e muçulmanos; d) falando e convencendoos hereges. A repressão da heresia, em todas assuas formas, parte da mensagem dos pregadores,atividade que exercerão um pouco mais tarde atra-vés da Inquisição.

São Domingos, além disso, dá um toque deoriginalidade à sua obra, antecipando-se aostempos. Instaura uma sociedade democrática,uma comunidade de irmãos que vivem o Evan-gelho em caridade. Há uma mútua influênciaentre *Francisco de Assis e Domingos nesta im-plantação de um “estilo novo de religião”, quelevam até a fundação das “ordens terceiras” deseculares.

Domingos de Gusmão, São

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A ordem de pregadores mantém até hoje suavocação de pregadores da Palavra de Deus emtodas as frentes: a universidade, a teologia, a filo-sofia, a ciência, a evangelização na América, naÁsia; a palavra falada, escrita; o rádio, a televi-são etc. Grandes homens apareceram em todosos tempos de sua história: Santo *Alberto Mag-no, *Tomás, *Savonarola, *Cayetano, *Fran-cisco de Vitória, *Báñez, *Bartolomeu de lasCasas, *Lacordaire, *Lagrange, *Congar,*Schillebeeckx, e outros.

Na Espanha surgiram também grandes figu-ras. Além dos mencionados, devemos assinalarSão *Raimundo de Peñafort, Domingos de Sotoe os teólogos da escola Salmanticense. Sem es-quecer Raimundo Martí (séc. XIII) a quemMenéndez y Pelayo chamam “insigne teólogo,filósofo, escritor e filólogo, das maiores e injus-tamente obscurecidas glórias de nossa esquecidaEspanha”. Sua obra principal, Pugio fidei (Pu-nhal da fé), é semelhante à de Santo Tomás(Summa contra gentiles) e a de seu compatriotacatalão São Raimundo de Peñafort.

BIBLIOGRAFIA: L. Galmés-V. T. Gómez, Santo Do-mingo de Guzmán. Fuentes para su conocimiento (BAC).

Donato (séc. VI)

*Isidoro de Sevilha.

Doutores da Igreja (séc. XIII)

O título de “Doutor da Igreja” é tardio. Re-monta a Bonifácio VIII, que em 1298 nomeouAmbrósio, Jerônimo, Agostinho e Gregório Mag-no como padres e doutores da Igreja (*Padres daIgreja).

Não se deve confundir, entretanto, o título de“padre da Igreja” com o de “doutor”. Às notascaracterísticas dos padres da Igreja, — ortodoxiade doutrina, santidade de vida, Antigüidade eaprovação da Igreja —, os doutores têm de acres-

Doutores da Igreja

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centar dois requisitos importantes: erudição emi-nente e expressa declaração da Igreja. A atuallista de doutores da Igreja supera o número detrinta. Alguns deles foram nomeados vários sé-culos depois de sua morte. Tal ocorreu com San-to Antônio de Pádua, que morreu no séc. XIII, efoi declarado doutor no séc. XX por Pio XII. Algoparecido e mais surpreendente é o caso das duasmulheres doutoras: santa *Catarina de Sena eSanta *Teresa de Jesus, incluídas nos catálogosde doutores em 1970.

— O título de “doutor da Igreja” não é somenteum reconhecimento honorífico; pressupõe a con-sagração e, de certa forma, “a oficialização de suadoutrina” por parte da Igreja. Seu valor consisteem ser testemunhos e mestres qualificados dopensamento da Igreja nos campos que lhe são pró-prios: teologia, espiritualidade, mística e moral.É um reconhecimento “post mortem” e um avalde sua doutrina que o tempo consagrou. De fato,não há nenhum doutor da Igreja nos dois últimosséculos. O último dos doutores é Santo *AfonsoMaria de Ligório (1796).

— A “autoridade” dos doutores da Igreja éimportante enquanto interpretam “a tradição e osentimento comum e o fazem avançar”. São tes-temunhas culminantes do pensamento da Igreja,e sua vida exemplar lhes dá um peso específico.A teologia positiva valoriza o seu testemunho edoutrina na hora de expressar e formular o pensa-mento da Igreja. Não obstante, são filhos de seutempo e seu valor deve submeter-se a condicio-namentos de escola, opiniões e estilos do mes-mo.

Não se deve confundir o título de “doutoresda Igreja” com o de “doutores escolásticos”. Esseúltimo era o título que, nas universidades da Ida-de Média, se dava aos professores que se sobres-saíam, eminentes em alguma matéria ou em al-gum tipo de habilidade ou em alguma nota querepresentasse toda a sua personalidade, por exem-plo Doctor subtilis, Doctor invincibilis, Doctorsublimis etc.

Doutores da Igreja

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Doutrina Social da Igreja (DSI)1. A doutrina social da Igreja tem um signifi-

cado de caráter teológico e eclesial. Não é umasimples formulação de conteúdos morais. É umareflexão teológica: conjugação de evidências dafé e evidências dos saberes humanos. Reflexãoformulada dentro do marco da moral: os conteú-dos pertencem ao universo dos valores e, maisconcretamente, ao âmbito da moral social. “Osprincípios fundamentais pelo que tem atuado oinfluxo do Evangelho na vida social contempo-rânea, encontram-se no conjunto sistemático dadoutrina que tem sido proposta gradual e oportu-namente desde a encíclica Rerum novarum até acarta apostólica Octogésima Adveniens”. Com aconstituição Gaudium et Spes do ConcílioVaticano II, a Igreja entendeu melhor do que an-tes qual é o seu lugar no mundo atual, no qual ocristão, pregando a justiça, trabalha por sua pró-pria salvação. A Pacem in Terris deu-nos a ver-dadeira carta dos direitos do homem. Na Materet Magistra começa a ocupar o primeiro lugar ajustiça internacional, a qual se expressa naPopulorum Progressio mais minuciosamente emforma de um verdadeiro e próprio tratado sobre odireito ao desenvolvimento, e na OctogesimaAdveniens passa a ser uma síntese das orienta-ções relativas à ação política.

2. Servindo-se da tradição teológico-moral, adoutrina social da Igreja constitui um modelo te-ológico-moral específico. Ao lado do gêneromoral De iustitia et iure e De septimo praeceptodeve-se situar também o que corresponde à DSI.Essa doutrina é um verdadeiro “oásis” ou zonaverde no deserto da teologia moral casuísta e neo-escolástica.

Não se pode poupar elogios ao que tem sido eao que será o acontecimento teológico eclesial daDSI: a) Através dela, os católicos têm vivido seucompromisso radical de serviço à humanidade.b) Na DSI adverte-se a tentativa séria de uma re-flexão teológica interdisciplinar. c) A teologiasente-se questionada pela realidade e assume em

Doutrina Social da Igreja

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sua reflexão a racionabilidade que ocasionam ossaberes humanos: ciência e técnica. d) Os con-teúdos da DSI não são abstratos nem atemporais,mas incidem na problematização da realidade his-tórica e concreta. e) Finalmente, supôs-se para atradição teológica moral uma grande contribui-ção com estudos que integram a rica herança dopensamento teológico moral cristão. Além disso,a influência da DSI manifestou-se no apoio à cons-trução de estruturas sociais democráticas.

3. Nas últimas décadas aconteceu uma pro-funda crise na DSI. No significado da DSI po-dem estar outras crises de grande dimensão como:a) O impacto da secularização sobre a compre-ensão e a vivência do cristianismo. b) A crise daespecificidade cristã, que encontra na mesma DSIum lugar de verificação. c) A crise do modelo deIgreja hierárquica, centralizadora etc. d) Final-mente, a crise teológica, que questionou as mes-mas bases metodológicas da DSI.

Essas diferentes crises acumularam sérias ob-jeções tanto de caráter teológico, quanto ético etático, até o ponto de se falar de “morte da dou-trina social da Igreja”. Mais que falar de morte edesaparecimento da função da DSI, acreditamosoportuno falar de uma reformulação que se con-cretiza nestas propostas:

1) O modelo teológico-moral da DSI não é omodelo único e perfeito para a formulação atualda ética social cristã.

2) Quanto aos conteúdos, a DSI pode e deveter vigência global. A maior parte de tais conteú-dos gozam de validade, desde que sejam coloca-dos dentro de uma nova estrutura.

3) Pode e deve ser recuperado o significadoprofundo da Doutrina Social da Igreja, reco-locando-a dentro do novo horizonte teológico dalibertação. Orientação que, por outra parte, vemtomando a doutrina social dos últimos papas.

BIBLIOGRAFIA: Encíclicas e Documentos Sociais (Da“Rerum Novarum” à “Octogesima Adveniens”, S. Paulo1972; Ocho grandes mensajes (BAC). Madrid 1971; S. Giner,Historia del pensamiento social. Barcelona 21975.

Doutrina Social da Igreja

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Duns Scot, John (1266-1308)

Nasceu na Escócia e morreu em Colônia. Co-nhecido como Doctor Subtilis por sua sutilezae sagacidade. Estudou as primeiras letras nosfranciscanos, onde entrou aos quinze anos. Fezestudos de filosofia e teologia em Oxford eParis. Em 1304, foi nomeado mestre em teolo-gia desta última universidade. Em 1305-1306voltou a Oxford como professor de língua es-trangeira, onde escreveu sua obra principal oComentário às sentenças, conhecido como OpusOxoniense. Em 1308 foi chamado a Colônia,onde morreu.

A breve vida de Duns Scot é ocupada toda elapor sua atividade docente e científica. Entre suasobras destacam-se o Tractatus de primo princi-pio; as Quaestiones in Metaphysicam; o OpusOxoniense ou Comentário às Sentenças; asReportata parisiensia e um Quodlibet. As trêsprimeiras pertencem à época de sua estada emOxford; as outras duas são resultantes de seumagistério em Paris. O catálogo definitivo dasobras autênticas somente se terá no término daedição crítica iniciada em 1950. A pesquisa mo-derna prossegue em busca de novas obras. Hoje acrítica considera apócrifas algumas delas.

Convém afirmar que Scot é fundamentalmen-te agostiniano, como inglês e franciscano. Seupensamento sente o peso da tradição de Oxford ede sua ordem franciscana, particularmente a dosgrandes mestres como São *Boaventura.

Seus pontos básicos de repercussão são os se-guintes:

— O ponto de partida básico, que o separa deSanto Tomás é: a) O contraste entre a verdaderacional da metafísica — própria da razão huma-na e válida, portanto, para todos os homens — e averdade da fé à qual a razão pode somente sesubmeter e que tem uma certeza bem sólida paraos católicos. b) A fé não tem nada a ver com aciência. A fé pertence ao domínio prático. “A fénão é um hábito especulativo, nem o crer é um

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ato especulativo, nem a visão que segue ao creré uma visão especulativa, mas prática” (Opus Ox.,pról. c. 3).

— Tudo o que ultrapassa os limites da razãohumana já não é ciência, mas ação ou conheci-mento prático. Daí: a) A separação e a antítese nadoutrina de Scot entre o teórico e o prático. b) Oteórico é o domínio da necessidade, da demons-tração racional e da ciência. O prático, o domínioda liberdade e, por conseguinte, da falta e impos-sibilidade da demonstração e da fé. c) Em conse-qüência, o fim da teologia não é teórico, maseducativo e prático. A teologia não pode ser cha-mada ciência propriamente dita.

— De acordo com esse conceito de ciência,Scot considera impossível demonstrar por meioda razão todos os atributos de Deus e, inclusive,a imortalidade da alma. Derruba a tentativa daescolástica, principalmente tomista, de experi-mentar racionalmente a existência de Deus. “Nãose pode provar, demonstrar que Deus vive, que ésábio e inteligente, que é dotado de vontade, queé a primeira causa eficiente etc” (Theoremata, c.XIV, XV, XVI etc.).

— A univocidade, em aberta oposição a San-to Tomás, é característica de Scot. O ser, concei-to fundamental e primeiro, não entra em nenhu-ma categoria: é transcendente. É uma noçãounívoca, não análoga, e é comum a todas as coi-sas existentes: às criaturas e a Deus.

Desse princípio nascem os caracteres peculia-res da teodicéia escotista, particularmente de caraas afirmações sobre o problema dacognoscibilidade de Deus, que podemos resumirnestes pontos: a) Os conceitos que a nossa menteforma de Deus não são unicamente negativos nemsão apenas análogos, mas positivos, conotativosda essência divina e, em parte pelo menos,unívocos. b) O conceito mais simples e, por isso,o mais perfeito, que a nossa mente pode formarsobre Deus é o de ser infinito. c) Partindo de queo ser infinito é sem causa e necessário, Scot assu-me o argumento ontológico de Santo *Anselmo.

Duns Scot, John

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“Se um ser sem causa é possível, devemos con-cluir, de acordo com o princípio de contradição,que esse ser existe de fato.” Afasta-se assim dasvias de Santo *Tomás: os feitos a posteriori deevidência sensível empregados por este são su-bstituídos por uma verdade de evidência inte-lectual.

— Da mesma forma, a doutrina escotista res-salta o primado da vontade sobre o entendimen-to. E isto em todas os sentidos, para Scot, a von-tade: a) não é passiva mas ativa; b) não se deter-mina por uma necessidade; c) sua importânciamoral é superior à do entendimento. Daí que paraele o amor seja superior à própria fé. “Vale maisamar a Deus do que conhecê-lo. E vice-versa: aperversão da vontade é mais grave do que a doentendimento”.

— Não acaba aqui a doutrina de Scot. Interes-sante é sua doutrina sobre o conhecimento do sin-gular, os universais, a união da alma e do corpo,o princípio de individualização, o conceito de leinatural, a estrutura do ato moral etc.

— “Sua tentativa de enriquecer a tradiçãoagostiniana com as doutrinas do aristotelismomereceu-lhe a honra de ser considerado o doutormais representativo da escola franciscana. Noentanto, os pontos fracos e as conciliações super-ficiais, que freqüentemente o fazem oscilar entreAristóteles e Santo *Agostinho, infundem a mui-tos estudiosos sérias dúvidas sobre a coerência ea solidez intrínsecas de seu pensamento: Aquireside, mais do que no restante, seu significadohistórico e seu valor teórico” (E. Bretton,Diccionario de filósofos).

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. Wading, 12 vols.Lyon 1639 (Ed. Vivès, Paris 1891-1895, reimpresão); Ope-ra omnia. Cidade do Vaticano 1950, em publicação; Obrasdel Doctor Sutil Juan Duns Escoto, 2 vols. (BAC); Id., Tra-tado acerca del primer principio. Edição bilíngüe, prepara-da por Félix Alluntis (BAC).

Duns Scot, John

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Eckhart, Johann (1260-1327)

Conhecido desde a Idade Média como“magister Eccardus” e considerado o fundador damística alemã. Pertenceram à sua escola homenscomo J. *Tauler (1300-1361), E. Suso (1295-1366), J. de Ruysbroeck (1298-1381) e muitosoutros ao longo dos séc. XIV-XV. Todos eles —juntamente com o mestre Dietrich, que influen-ciou poderosamente Eckhart — são dominicanos.Todos têm um trabalho comum: a elaboração dochamado misticismo alemão que já não é “umasimples descrição da elevação do homem atéDeus, mas a investigação da possibilidade destaascensão e reconhecimento de seu fundamentoúltimo na unidade essencial de Deus e do ho-mem”.

J. Eckhart nasceu em Hochheim, perto deGotha (Alemanha). Ingressou nos dominicanos erealizou seus estudos em Colônia e Paris. Con-cluída sua carreira, voltou a Paris como “magisterin sacra página” (1302-1303). Daí passou a de-sempenhar o cargo de provincial dos dominicanosda Saxônia (1303-1311). Voltou a Paris com osmaiores graus acadêmicos (1312-1314). Nesseúltimo ano passou a reger a escola teológica deEstrasburgo, para viver os últimos anos de suavida em Colônia, à frente do Studium generaleda província alemã. Tanto sua pregação como suasaulas na cátedra levantaram suspeitas sobre suaortodoxia, o que lhe valeu um processo que sóterminou depois de sua morte.

Três atividades ocupam praticamente toda asua vida: o ensino na universidade, a pregação eo governo das comunidades dominicanas da Ale-manha. Frutos dessa atividade conjunta são as suasobras. Eckhart é considerado um dos iniciadores

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da filosofia alemã e um dos forjadores, senão oprimeiro, do idioma alemão como linguagem fi-losófica e teológica.

Suas obras iniciais como Reden derUnterscheidung; Collatio in Libros Sententiarume o Tractatus super orationem dominicam remon-tam ao ano 1298. As Quaestiones utrum in Deo;Utrum intelligere angeli; Utrum laus Dei são doperíodo 1302-1304. Aos anos 1311-1314 perten-cem as “quaestiones” Aliquem Motum e Utrumin Corpore Christi, assim como sua obra em ale-mão Buch der göttlichen Tröstung — ou livro dadivina consolação —. O Opus tripartitum foi con-cluído em 1323. Posterior é a sua obra Opusexpositionum. A essas obras se devem acrescen-tar seus numerosos sermões, tanto em latim quan-to em alemão, e cuja datação não é fácil.

“A obra de Eckhart é a maior tentativa de jus-tificar especulativamente a fé — diz Abbagnano—, à qual a última escolástica tirara toda a funda-mentação das capacidades naturais do homem”.Sua obra é substancialmente “uma teoria da fé:sua fundamentação tenta estabelecer aquela uni-dade essencial entre o homem e Deus, entre omundo natural e o sobrenatural” (Historia de lafilosofía, I, 564).

Por outro lado, não é simples o pensamentode Eckhart. E compreendemos as dificuldades doshistoriadores que desejam enquadrá-lo numa fór-mula ou designá-lo com um nome. Alguns vêemnele, antes de mais nada, uma mística; outros umadialética platônica e plotiniana; é provável quetodos tenham razão. Mística e dialética estão longede se excluírem. Talvez não nos afastaríamosmuito da verdade, imaginando Eckhart como almadevorada pelo amor de Deus, favorecida talvezpor um intenso sentimento da presença divina epedindo à dialética todas as justificativas que elaera capaz de lhe dar.

Com esse estilo, já podemos adiantar algumasde suas características, sempre com as reservas,contradições e antinomias que apresentam os seusescritos.

Eckhart, Johann

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— Deus é o ser — esse est Deus — e o é nasua pureza e plenitude, esse purum et plenum.Deus é o Uno: o intelligere puro que se identificacom a unidade. É o mesmo que dizer que Deus éintellectus ex toto que Deus unus est.

— Ninguém mais que Deus é o ser. A criaturaé um puro nada, pelo menos no sentido de quepor si mesma não é.

— Mas a criatura é, pelo contrário, na medidaem que participa do intelecto e do intelectual. Éconcebida para permitir a volta do homem ao Unopelo conhecimento intelectual.

— A alma é uma substância espiritual. NelaEckhart descobre um elemento mais secreto epropriamente divino, que designa com imagensdiferentes: “centelha”, “chispa”, “castelos daalma”, “essência da alma”, “broto”, “pobreza doespírito”. Nomes todos que têm a sua origem his-tórica no “centro da alma” de Plotino e na “flordo intelecto” de Proclo. Ou melhor na místicacristã latina, especialmente em Santo *Agostinho,que a chama “acies cordis” ou agudeza do cora-ção. E em São *Boaventura. Essa centelha ouchispa da alma é o “fundo ou fio da alma” de nos-sos místicos, de onde Deus sai ao encontro daalma.

— Que é essa “centelha” ou “chispa” da alma?Uma chispa do entendimento divino, una e sim-ples como Deus. Uma das 28 proposições conde-nadas de Eckhart diz: “Na alma existe algo queé incriado e incriável; se toda a alma fosseigual, seria incriada e incriável, e isso é o enten-dimento”. É a idéia central no pensamento deEckhart, e que nos leva, de forma direta, à uniãoda alma com Deus, posto que já não é mais doque o Uno.

— Para chegar a tal união, o homem deve ele-var-se acima das criaturas e compreender que elassão apenas um puro nada. A única criatura quenos levará diretamente a Deus será a nossa pró-pria alma que, livre de todas as travas que a limi-tam, perceberá em si mesma a continuidade deseu ser com o ser do qual deriva. “Negando-se a

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si próprio pelo amor de Deus, o homem voltará ase encontrar a si mesmo.” Somente assim a almaalcança sua independência e sua total liberdade:sua mais pura essência. Chegou à mais alta virtu-de: a pobreza e o desinteresse. Desde agora, a alma“já não sabe nada, já não pode nada, já não pos-sui nada”. A alma perdeu-se em si mesma, per-dendo o sentido de toda determinação, por seuretorno a Deus.

— “O resultado dessa união e abandono é quetodas as prescrições da moral são secundárias ouvazias. Oração, fé, graça e sacramentos somentesão preparações e meios. Tornam-se inúteis nomomento em que se realiza na alma como queuma nova natividade de Deus. Já pode renunciara todas as coisas, inclusive ao próprio Deus, poisnão tem de desejar o que já possui. Por tal virtudesuprema, confunde-se com Deus na beatitude desua comum unidade” (E. Gilson, o. c., 642s.).

BIBLIOGRAFIA: Obras: El libro del consuelo divino.Madrid 1955; Cuestiones parisienses, 1962; Sermones, 1970.

Educadores cristãos (séc. XVI-XVII)

Sob essa epígrafe englobamos os homens einstituições dedicados ao ensino, nascidos no ca-lor da Contra-Reforma. O cenário é a Europa e aAmérica dos séc. XVI e XVII. Já havíamos vistoas escolas e as universidades da Igreja na IdadeMédia (*Escolas e Universidades). Também sepodem ver a atividade e a orientação pedagógicados Irmãos da vida comum (*Kempis, *Erasmo).Não menos interessante foi a atividade pedagó-gica dos jeronimianos, que desde o séc. XIV sededicaram à educação gratuita de todo tipo decrianças nos numerosos centros fundados por elesno centro da Europa. Para os jesuítas, *RatioStudiorum, *Santo Inácio.

Entre as numerosas instituições surgidas doespírito de Trento e fomentadas por Pio V e seussucessores, queremos relembrar as seguintes: 1)O “oratório” de São Filipe Néri; 2) São CarlosBorromeu e sua obra; 3) As “Escolas Pias” de São

Educadores cristãos

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José Calasâncio; 4) As “Escolas cristãs” de SãoJoão Batista de la Salle; 5) O “oratório” de Pierrede Bérulle na França etc.

1. São Filipe Néri (1515-1595), denominadoo “Apóstolo de Roma”, é a figura do educadorinteiramente consagrado à elevação das classespopulares. No seu tempo foi conhecido como o“Santo Sorridente”. Fundou o Oratório com o fimde entreter e reeducar os rapazes dos bairros hu-mildes de Roma, conseguindo desta forma suaformação religiosa e educação social. A institui-ção do Oratório adiantou-se a seu tempo, ofere-cendo métodos pedagógicos vivos e atraentescomo passeios, jogos, recreio e trabalho comum,canto polifônico, acompanhando representaçõesteatrais.

2. O típico homem da Contra-Reforma é SãoCarlos Borromeu (1538-1584), cardeal arcebis-po da arquidiocese de Milão. Assistiu às últimassessões do Concílio de *Trento. Iniciou as refor-mas do Concílio em sua diocese e criou os pri-meiros seminários para a formação do clero. Naquestão de educação, favoreceu os jesuítas,barnabitas e somascos; fundou o Instituto da es-cola, promoveu a criação de escolas, orfanatos,colégios, como o Colégio helvético (1579). Se-guindo as recomendacões do Concílio de Trento,dispôs com o caráter obrigatório que todo párocodeveria criar gratuitamente uma escola elemen-tar. E para a juventude universitária criou um cen-tro, depois chamado Almo colégio Borromeu, paraque, através da ciência e da fé, conseguisse umnível superior. Estimulou a beata Ângela de Méricina organização das ursulinas (1544) para a for-mação das jovens.

Sua obra escrita de grande alcance e influên-cia é o Catechismus romanus ad parochos (1564),texto oficial para o ensino cristão em sua diocese.E um tratado teórico de formação pedagógicapara seus centros de educação: A educação cristäe política dos filhos, escrito por Sílvio Antonia-no, inspirado na doutrina e no espírito do santobispo.

Educadores cristãos

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3. São José Calasâncio (1556-1648). Nascidoem Peralta da Sal (Huesca), estudou em Alcalá eSalamanca. Estabeleceu-se em Roma onde sededicou ao ensino popular. É o fundador da esco-la popular moderna e patrono da escola primáriacristã. Abriu sua primeira escola popular noTrastevere romano em 1597. Para dar continui-dade à sua obra, fundou uma congregação religi-osa chamada das Escolas Pias, cujas constituiçõesexpressam as características, o estilo e o métododistintivos da nova instituição. Sob o lema “pie-dade e letras” incluíram-se os ensinamentos fun-damentais: leitura, escritura, cálculo e língua la-tina. Deu-se ao ensino um caráter eminentemen-te prático como preparação para o futuro traba-lho. Às Constituições (1610) deve-se acrescentaroutros escritos, fundamentalmente cartas, dirigi-dos para manter e aperfeiçoar a obra, principal-mente para a formação dos mestres.

4. Pierre de Bérulle (1575-1629), conhecidopor seus escritos espirituais, e também por ter cri-ado o Oratório de Paris (1611), que se estendeupor toda a França, Bélgica, Savóia e Roma. Ins-pirada nos princípios de São Filipe Néri, a obrade Bérulle adquire um desenvolvimento tanto emseus métodos quanto em seu programa e público.O oratório francês é uma elevada instituição paraa formação do clero e das elites. Ganhará a admi-ração de Descartes e de seu discípuloMalebranche. Sob a direção do superior geral P.Condren, redigiu-se um plano geral — uma Ratiostudiorum a magistris et professoribuscongregationis Oratorii Domini Jesu observanda(1631) —, em que se tratava da disciplina, dosestudos e dos métodos, acrescentando-se novasdisciplinas ao curriculum.

5. Na segunda metade do século XVII e noprimeiro quarto do XVIII, encontramos São JoãoBatista de la Salle (1651-1719). É, de longe, afigura mais representativa da pedagogia popularfrancesa do século XVII. Nesta tentativa foi pre-cedido e estimulado por notáveis exemplos desacerdotes e mestres dedicados ao ensino da ju-

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ventude, entre eles São Pedro Fourier. Em 1686,João Batista de la Salle uniu-se a vários sacerdo-tes para criar uma nova congregação, totalmentededicada ao ensino gratuito, ainda que para issofosse necessário que seus membros “pedissemesmola” ou “vivessem somente de pão”. Preocu-pado com a formação dos novos mestres, criouum seminário de mestres urbanos e um seminá-rio para mestres rurais, que constituíram os pri-meiros e sérios ensaios de escolas normais queconhecemos. Seu trabalho pedagógico comple-tou-se com as escolas dominicais para jovensoperários, a escola de artes e ofício para a reedu-cação dos delinqüentes, internos, classes de adul-tos, escolas noturnas, patronatos — toda uma redede serviços pedagógicos concebidos dentro do quese conhece como “escolas cristãs”.

Para dar base teórica às suas numerosas fun-dações, La Salle publicou vários tratados escola-res como Os deveres do cristão; As regras de boasmaneiras e urbanidade; Coleção de cânticos, comcoplas para serem cantadas na escola. Mas a obrapropriamente didática é o Guia das escolas — emseu original francês Conduite des ÉcolesChrétiennes —, aplicação na prática escolar deuma teologia da educação.

6. Em último lugar, porém não menos impor-tantes, citamos a Didactica Magna de Comenius,latinização de João Amós Comensky (1592-1670),pertencente à ordem dos Irmãos moravos. Escri-ta em tcheco em 1628, mereceu para seu autor oqualificativo de pai da pedagogia moderna e oorganizador e propagador da escola nacional.“Teve a arte de integrar em suas obras idéias dosmelhores moralistas e pedagogos anteriores a ele,elaborando assim um interessante plano pedagó-gico de grande influência posterior”.

Os séculos XVIII-XX produziram grandespedagogos e instituições pedagógicas, algumasdas quais estão resenhadas neste dicionário.

BIBLIOGRAFIA: San José de Calasanz. Su obra. Es-critos, I (BAC). Madrid 1956; S. Gallego, Teología de laeducación en San Juan Bautista de la Salle. Madrid 1958;

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V. Caballero, Orientaciones pedagógicas de San José deCalasanz. CSIC, Madrid 1945; F. Charmot, La pedagogíade los jesuitas. Madrid 1956; R. Ruiz Amado, Pedagogíaignaciana. Barcelona 1912; Enciclopédia da Educação, deSantillana, e obras gerais sobre a história da educação; MªA. Galino, Historia de la Educación. Edad Antigua y Me-dia. Gredos, Madrid 1973; Isabel Gutiérrez, Historia de laEducación. Interciência, Madrid 1970.

Efrém, Santo (306-373)Conhecido como Efrém o Sírio, diácono de

Edessa, a “cítara do Espírito Santo”. Nasceu emNísibe (Mesopotâmia) e morreu em Edessa, ci-dade pela qual é conhecido. Teólogo, poeta, gran-de compositor de hinos, foi declarado doutor daIgreja universal por Bento XV em 1920.

A obra escrita de Efrém cobre uma amplagama que vai desde a poesia à exegese bíblica.Diácono a serviço do bispo em tarefas de ensino,estabeleceu-se em Edessa, onde escreveu a mai-or parte de sua obra. Se acreditamos emSozomenes, Efrém escreveu mais de 1.000 obras,uma verdadeira riqueza literária e teológica. Aprimeira é formada pelos Carmina Nisibena —Cantos de Nísibe, onde narra em verso os aconte-cimentos ocorridos em Nísibe ao ser tomada pe-los persas. Como exegeta bíblico, Efrém escre-veu comentários aos livros do Gênesis e do Êxodoe, principalmente, pôs as notas da versão greco-siríaca do Novo Testamento conhecida como oDiatessaron.

Sua forma literária favorita foi o verso. Emverso, de fato, e em siríaco, escreveu sermões,tratados e hinos. Seu freqüente uso da metáforacontinuada e da alegoria amplificada torna-se hojeum tanto pesado. Serviu-se dos hinos para com-bater as heresias, de forma particular os gnósticosdo século II como *Marcião e Bardasanes. Mui-tos de seus hinos são dirigidos também a comba-ter as heresias de seu tempo, principalmente oarianismo. Seus temas favoritos são os daexaltação da Igreja, da fé cristã, da virgindade eda paixão e ressurreição de Cristo. Em particular,a ênfase de sua poesia exalta a devoção à Virgem

Efrém, Santo

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Maria, sua concepção sem mancha e sua provade fidelidade. Mas, tanto em prosa quanto emverso, seu pensamento teológico centra-se na eter-nidade do Pai, do Filho e do Espirito Santo; naunião da divindade e da humanidade em Cristo;na função essencial do Espírito Santo na oração,especialmente em tornar possível a presença realde Cristo na Eucaristia; e, de forma especial, naressurreição de todos os homens. Sobre esse pontomantém e defende a tradição siríaca de que cadaindivíduo terá de esperar o juízo final para conse-guir a bem-aventurança eterna.

Egéria (séc. IV-V)

*Literatura autobiográfica.

Eliot, Thomas (1888-1965)

*Literatura atual e cristianismo.

Ellacuria, I. (1930-1989)

*Libertação, Teólogos da; *Zubiri,

EncíclicaEm seu sentido originário, uma encíclica, é

uma carta ou documento circular que corre entreos membros de um mesmo grupo, região, circuns-crição, nação. Pelo uso do termo, a encíclica pas-sou a ser uma carta pastoral que o bispo de Romadirige a toda a Igreja sobre matérias de doutrina,de moral ou de disciplina.

A prática de dirigir cartas e outros documen-tos a todas as Igrejas ou a uma Igreja particularremonta aos próprios livros da Escritura. No NovoTestamento encontramos as chamadas *CartasCatólicas dirigidas a todas as Igrejas. Paulo, tam-bém, as dirigiu a algumas das Igrejas queevangelizara, como a Carta aos Romanos, duasCartas aos Coríntios, aos Gálatas etc. Essa mes-ma prática a encontramos nas primeiras Igrejas:

Egéria

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escreviam-se de uma Igreja a outra, de um bispoa uma Igreja determinada. Inácio de Antioquia ePolicarpo as escreveram a diversas Igrejas.

Também os papas costumavam escrevê-lasdesde os primeiros tempos, fosse a uma, ou a to-das as Igrejas. O exemplo mais antigo, temo-lono Papa Clemente, que dirigiu suas duas cartas atoda a Igreja. A prática tornou-se comum ao lon-go de toda a história da cristandade até nossosdias. Cabe dizer, entretanto, que o qualificativode Carta Encíclica aplica-se somente a partir doséc. XVIII. Com essa denominação, conhece-sea primeira encíclica Ubi primum de Bento XIV,sobre as obrigações dos bispos, publicada em1740.

As encíclicas tornam-se um meio ordinário domagistério dos papas a partir do século XIX. PioIX (1846-1878) serviu-se desse meio de umamaneira periódica e regular. Os papas que o su-cederam, *Leão XIII, Pio X, Pio XI, *Pio XII,*João XXIII, *Paulo VI, e *João Paulo II fize-ram das encíclicas um elemento imprescindívelde seus respectivos pontificados.

As cartas são dirigidas, em primeiro lugar, aosbispos locais e a seus respectivos fiéis. Excepci-onalmente, como ocorreu com a Pacem in Terrisde *João XXIII, dirigem-se também “a todos oshomens de boa vontade”. Estão escritas em latime numa linguagem um tanto solene e áulica. Aprimeira ou as primeiras palavras diferenciam-nasdas demais e por elas são conhecidas. Outro as-pecto mais importante das encíclicas é o seu va-lor doutrinal. Que valor ou força têm para as Igre-jas e para os fiéis em particular? A teologia temformulado juízos de valor que permitem ler, in-terpretar e aplicar as encíclicas na vida concreta.Não se trata de documentos infalíveis. Com taiscartas do magistério pontifício “a luz dos princí-pios evangélicos aplica-se à realidade mutante dascomunidades humanas; interpretam-se os ‘sinaisdos tempos’ e se assinalam as máximas necessi-dades dos homens, para onde caminha o mundo equais são os grandes caminhos pelos quais se deve

Encíclica

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procurar uma paz fundamentada na justiça”. Osensinamentos das encíclicas colocam-se não numnível puramente teórico, nem técnico, nem polí-tico no sentido imediato da palavra, mas de “res-ponsabilidade pastoral”. Neste sentido e níveldeve-se ler, interpretar e aplicar sua doutrina eorientação. Por isso mesmo têm também um ca-ráter normativo e de orientação na vida prática.

Os temas de maior incidência nas encíclicassão: Os temas sociais. A essa parte pertencemRerum Novarum, sobre a situação dos operários,de Leão XIII; Quadragesimo Anno, sobre a res-tauração da ordem social, de Pio XI; Mater etMagistra, sobre o recente desenvolvimento daquestão social, e Pacem in Terris, sobre a paz entreos povos, as duas de *João XXIII; EcclesiamSuam, sobre o diálogo, e Populorum Progressio,sobre a necessidade de promover o desenvolvi-mento dos povos, ambas de Paulo VI. Mas não éexclusivo o tema social das encíclicas. A famíliae a educação têm fornecido, ultimamente temaspara as encíclicas dos últimos papas (*Pio XII,*Paulo VI, *João XXIII, *João Paulo II). Ver*Doutrina Social da Igreja.

Enciclopédia, A (1750-1780)

Quando falamos de A Enciclopédia, utiliza-mos esse termo especialmente para referir-nos àEnciclopédia Francesa do séc. XVIII. A Enciclo-pédia ou L’encyclopédie é o termo que, na histó-ria da filosofia e do pensamento, designa a “enci-clopédia por antonomásia”. Antes e depois doevento, houve muitas tentativas e êxitos de enci-clopédias, dicionários, textos científicos, summasetc., transmissores de um saber total ou geral dasciências e das artes. A palavra original gregaenkuklios paideia indica, de fato, um sistema com-pleto de educação que abrange todas as discipli-nas e seus fundamentos. E passou depois a signi-ficar a exposição dos conhecimentos em formasintética e mais completa possível. Nenhuma,porém, conseguiu em seu tempo, e posteriormen-te, os resultados desejados quanto A Enciclopé-

Enciclopédia, A

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dia. Tanto é assim, que criou um estilo ou corren-te de pensamento chamado “enciclopedismo”,significativo das tendências iluministas e liberaisque se manifestam ou se deixam transluzir nosartigos de A Enciclopédia.

O título completo é: Enciclopédia ou Dicio-nário Raciocinado das Ciências, das Artes e dosOfícios, por uma sociedade de homens de letras.Organizado e publicado por M. Diderot...; e aparte matemática por M. d’Alembert. Entre 1751e 1765 apareceram os 17 primeiros volumes dotexto. Sucederam-lhe 11 volumes de pranchas oulâminas entre 1762-1772. Esses 28 volumes fo-ram complementados com mais 5 volumes desuplementos (1776-1777), mais 2 volumes de ín-dices (1780). Ao todo, 35 volumes em fólio. Fo-ram numerosos os autores que escreveram para AEnciclopédia, embora alguns deles anônimos.Além de Diderot e D’Alembert, colaboraram*Voltaire, Rousseau, Holback, F. Quesnay, A. R.J. Turgot, L. J. M. Daubenton, J. F. Marmontel eo abade A. Morellet. Diderot conseguiu reunir emtorno de a A Enciclopédia os homens mais desta-cados do Iluminismo francês. Ele mesmo escre-veu inumeráveis artigos, principalmente de filo-sofia e de teoria social. Em 1782 fez uma novaedição corrigida e aumentada, mas por ordem sis-temática de matérias e não por ordem alfabética,como tinha sido a primeira. Foi dada continuida-de a essa edição, depois da morte de Diderot du-rante a Revolução francesa, e se concluiu em1832.

A publicação de A Enciclopédia coincide como auge do Iluminismo francês, e também europeu(*Deísmo). Foi um dos grandes acontecimentosintelectuais e sociais da época. E, principalmen-te, um dos instrumentos mais eficazes na difusãodas idéias que anos depois se cristalizariam naRevolução Francesa: tolerância religiosa, otimis-mo com relação ao futuro da humanidade, confi-ança no poder da razão livre, oposição à autori-dade excessiva da Igreja, interesse pelos proble-mas sociais etc. Com tudo isso, formou-se umestado de espírito, cuja influência, como expres-

Enciclopédia, A

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são do pensamento progressista, serviu de prólo-go à Revolução Francesa, e praticamente a todoo século XIX.

Direta e indiretamente, a publicação de A En-ciclopédia tem uma influência decisiva no pen-samento e na literatura cristã dos últimos 200 anos.Desde sua publicação, suscitou a reserva e a opo-sição tanto do estamento eclesiástico quanto dogoverno. É sabido que foi submetida à censurados jesuítas e que o Conselho de Estado francêssuprimiu vários volumes (1752), chegando em1759 a proibir sua publicação durante vários anos.A Enciclopédia e os enciclopedistas, por outrolado, conseguiram criar duas fortes correntes depensamento na Igreja: os conservadores ouultramontanos e os liberais ou progressistas. Emtorno destas duas correntes, transcorreu a passa-gem do cristianismo à modernidade.

BIBLIOGRAFIA: Joseph Le Gras, Diderot etl’Encyclopédie, 1928; Arthur M. Wilson, The Testing Years(1713-1759); The Appeal to Posterity (1759-1784), 1972.

Epifânio, Santo (+403)

*João Damasceno, São

Erasmo de Rotterdam, Desidério(1467-1536)

Conhecido como “o príncipe dos humanistascristãos”, recebeu sua primeira educação entre osIrmãos da vida comum em Gouda (Holanda).Depois foi a Deventer, onde estudou a fundo olatim para ingressar mais tarde e fazer seus pri-meiros votos como cônego regular de Santo Agos-tinho (1486). Ordenou-se sacerdote e foi nomea-do secretário do bispo de Cambrai. Praticamentedesligado de seus compromissos monásticos esacerdotais, durante vários anos deslocou-se paraParis (1495), Itália, Oxford, Lovaina, Inglaterra,onde visitou Oxford, e foi o primeiro professorde grego na Universidade de Cambridge (1511-1514). Durante esse tempo observou e estudou

Epifânio, Santo

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os movimentos humanísticos da Europa, criandouma rede de amigos e colaboradores de sua obra.Merece destacar-se a amizade que sempre pro-fessou, desde sua primeira visita à Ilha (1494), a*Tomás Morus. Essa amizade, partilhada peloinglês, deu lugar a estadas prolongadas de Erasmoem Londres e também a uma colaboração estrei-ta entre ambos os humanistas no campo da tradu-ção. A casa de Morus era o lar de Erasmo, ondeescreveu sua famosa obra o Elogio da loucuraem oito dias.

A partir de 1521, Erasmo mudou-se para Ba-siléia, onde morou na casa de seu impressor J.Froben. Mudou sua residência para Friburgo(1529-1535), e voltou para morrer em Basiléia.

Sua vida e atividade se ambientaram na Euro-pa de seu tempo. Da Europa dessa época, Erasmose preocupou com a política, a educação, os ho-mens e a religião. De frente para essa Europa quebem conheceu, podemos traçar os temas e pro-blemas objeto de sua preocupação:

a) Começa pelo problema do humanismo emsua primeira acepção: o retorno às letras antigasgregas e romanas. Erasmo encontrou nos mode-

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los clássicos greco-latinos o modelo perfeito dahumanitas. Durante os primeiros anos dedicou-se com paixão e fervor ao estudo do latim e dogrego. A leitura, o comentário e a tradução dosautores clássicos serão o passatempo e exercícioconstante ao longo de toda a sua vida. LeuHomero, de quem “somente ao ver a obra dá-lhealegria e o devora avidamente com os olhos”. Leue traduziu Cícero: De officiis (1501); De amicitia(1520); De senectute (1520). A partir de 1509,fez edições de Plauto, Terêncio, Platão, Píndaro,Eurípides etc. Foi leitor assíduo de Sêneca e dePlutarco, de quem fez traduções e comentários.Riu com a graça e a ironia de Aristófanes, Marci-al, Juvenal e, principalmente, de Luciano, seuautor favorito, cujos Diálogos traduziu a quatromãos com Tomás Morus.

b) Esse retorno às fontes transformou-o nomais prestigiado editor dos clássicos de seu tem-po. Junto com seus dois impressores AldoManúcio (Veneza) e J. Froben (Basiléia), prepa-rou, revisou, fez o prólogo de edições de Cícero,Suetônio, Tito Lívio, Plínio, Aristóteles,Demóstenes e Ptolomeu, além das já menciona-das. Para a compreensão e estudo dos clássicos,escreveu várias de suas primeiras obras, como oAntibarbarorum liber (1494), contra os que fa-lam mal o latim; os Colloquia, para o exercíciodo latim (1495); os Adagia (1500); e, ao final deseus dias, Ciceronianus (1527).

c) Essa preocupação pelas fontes levou-o aoestudo dos documentos da Bíblia, particularmen-te o Novo Testamento, e da tradição cristã, refle-tida nos escritos dos padres. Já em 1516 publicouo Novum Instrumentum ou Novum Testamentum:uma edição bilíngüe — grego e latim — do NT.Dos textos gregos fez sua própria versão latina,resultado de um confronto com os textos maisconfiáveis.

Junto a esse estudo da Bíblia, citamos a sériede estudos, comentários e edições dos padres,principalmente de *Jerônimo, João *Crisóstomo,*Cipriano, *Agostinho etc.

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d) Sua atividade literária não se encerrou aqui.Ao longo de sua vida, junto às edições de clássi-cos greco-latinos e cristãos, sucedeu-se uma sé-rie de obras nas quais apareceu o chamadoerasmismo. Com seus livros, dirigiu-se às diver-sas classes e condições sociais de seu tempo —crianças, casais, príncipes, papas, cristãos em ge-ral —, aos quais transmitiu uma nova forma deeducação cristã e humana. Nesta linha estão Decivilitate morum puerilium (1526); Declamatiode pueris statim ac libenter instituendis (1529);Institutio Christiani Matrimonii (1526); ViduaChristiana (1529). Estes foram precedidos porobras mais conhecidas como o EnchyridiumMilitis Christiani (1503); o Encomium stultitiae— Elogio da loucura — (1511), e InstitutioPrincipis Christiani (1516).

e) A atividade literária de Erasmo dirigiu-se,finalmente, para os problemas políticos e religio-sos de seu tempo. Odiou visceralmente a guerra,que para ele era antimoral e anti-evangélica, se-jam guerras internacionais, sedições ou guerrascivis. A paz, ao contrário, era um fim em si mes-mo que se deve conseguir a qualquer custo. Emtodas as suas obras volta a esse tema da paz e daguerra como um obsessão. O Evangelho é umamensagem de paz, a guerra é o anti-Evangelho.Por isso escreveu seus dois livros sobre a paz con-tra as guerras de Júlio II: Julius exclusus e coelis(1513) e em especial o Querella pacis (1516).

f) A situação religiosa, todavia, causou-lhemaior preocupação. Para ele, a Igreja de seu tem-po apresentou a distopia: a corrupção e a desor-dem máxima na hierarquia eclesiástica, as ordensreligiosas, os reis e príncipes que se diziam cris-tãos. A experiência de uma Igreja e de uma soci-edade afastadas do ideal do cristão fará com queele deixe as palestras para lançar-se contra papas,bispos, abades e clérigos que desmentiam em suapessoa e em seu ofício o nome e o ideal de cris-tãos. Sua correspondência epistolar e suas obraspediram e prepararam uma reforma da Igreja incapite et in corpore. Lutero verá nele um de seusmais fortes aliados, mas perceberá também de

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quanto se diferenciava dele na sua maneira deentender a reforma cristã.

— Que nos resta de Erasmo? Evidentemente,Erasmo não é um teólogo profundo nem umreformador social radical. Seu pensamento reli-gioso segue uma linha de evolução que o leva aamadurecer, em uma cada vez mais meditada or-todoxia.

— Fica para nós sua radical sinceridade que oleva a detestar o farisaísmo. Esse homem parado-xal e polêmico amou e defendeu a puraespiritualidade do cristianismo. Sua philosophiaChristi, baseada na Christi sodalitas, tem um con-teúdo profundo capaz para armar o cristianismoe defender-se de seus inimigos. Advoga por umareligião de conversão interior, de retorno à Escri-tura e aos padres, assim como de exigência, deharmonia social e de paz entre as nações.

— Deixa-nos sua crítica à sociedade e à Igre-ja, principalmente no Elogio da loucura. “A pu-blicação da Moria — diz Bataillon —tão agres-siva, sob o véu da ironia, contra tudo o que pare-cia morto no catolicismo, põe Erasmo na vanguar-da dos inovadores.” Esse livro representa um novoestilo e um novo modo de compreensão das idéi-as. Através da sátira aos soldados, mercadores,príncipes, sábios, teólogos, monges e prelados,conduz-nos ao paradoxo de uma sabedoria maiselevada: a sabedoria cristã.

— Permanece, finalmente, a “excepcional efi-cácia dos livros de Erasmo. Carregado com ostesouros da Antigüidade cristã e com tudo o quea cristandade poderia reivindicar da herançagreco-romana, Erasmo soube administrar essesbens com surpreendente consciência das necessi-dades do mundo moderno. Falou a esse mundocom a linguagem familiar; séria o necessário paraseduzi-lo. Foi sábio e edificante, refinado e po-pular” (Bataillon).

— Para a Espanha, concretamente, Erasmo“gozará de maior crédito intelectual entre os es-panhóis do que em nenhum outro povo europeu”(J. L. Abellán). Foi ao mesmo tempo iluminação

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e progresso das luzes. Ofereceu à Espanha o quetem de mais íntimo e universal. Enriqueceu o seupatrimônio de forma imperecedoura” (Bataillon).

BIBLIOGRAFIA: Opera. Leyden 1703-1706, 11 vols.;reimpressão em Hildesheim 1961-1962; Opus epistolarum.Oxford 1906s., 9 vols.; Obras escogidas. Tradução, comen-tários e notas de L. Riber. Madrid 31971; Elogio de la locura.Tradução de Pedro R. Santidrián. Madrid 31985; M.Bataillon, Erasmo en España. México 21966.

Eriúgena, Johannes Scotus (810-877)Nasceu na Irlanda. Homem e pensador singu-

lar, preocupado em integrar a filosofia grega eneoplatônica com a fé cristã. “Na pobreza cultu-ral e investigadora de seu tempo, esse homem,dotado de um espírito extremamente livre, de ex-cepcional capacidade especulativa e de vasta eru-dição greco-latina, apareceu como um milagre”(Abbagnano, Historia de la filosofía, I, 312).

Desde 845 o vemos na corte de Carlos, o Cal-vo, da França, como professor de gramáticae dialética. Depois foi nomeado pelo própriorei diretor da Schola palatina de Paris. Parti-cipou das disputas teológicas sobre a Eucaristiae a predestinação, escrevendo sua primeiraobra contra o monge Godescalco, De divinapraedestinatione, livro condenado, mais tarde,pela Igreja. A partir da morte de Carlos, o Calvo,em 877, nada há de seguro sobre sua vida. Parauns, morreu na França naquele mesmo ano. Paraoutros, teria sido chamado pelo rei inglês Alfredo,o Grande, à escola de Oxford, para ser depois as-sassinado pelos monges sendo abade deMalmesbury.

Podemos distinguir dois períodos na ativida-de filosófico-teológica de Eriúgena. No primeiroinspirou-se principalmente nos padres latinos*Gregório Magno, *Isidoro e, principalmente,*Agostinho. Pertence a esse período De divinapraedestinatione. O segundo período é marcadopela influência dos teólogos e filósofos gregos.No ano 858, traduziu os escritos do *Pseudo-Dionísio; em 864 traduziu também Ambigua de

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*Máximo, o Confessor, algumas obras de São*Gregório de Nissa e de Santo Epifânio. Com isso,pôs em circulação, no Ocidente, o pensamentodo Pseudo-Dionísio, de tanta influência posteriorna teologia e na espiritualidade.

Esses estudos capacitaram Johannes Eriúgenapara redigir sua obra principal e pela qual ficouconhecido, De divisione naturae, escrita entre862-866. Constitui uma tentativa de reconciliar adoutrina neoplatônica da emanação com o prin-cípio cristão da criação. Dividida em 5 livros eescrita em forma de diálogo entre mestre e dis-cípulo, concebe a natureza: a) como aquilo quecria e não é criado; b) o que cria e é criado; c) oque não cria e é criado; d) o que não cria e nãoé criado.

— A e c são Deus como princípio e fim; b e csão o modo dualista de existência das coisas cria-das, as inteligíveis e as sensíveis. Todas as criatu-ras voltam a Deus a partir da libertação do peca-do e da morte física, e entram na vida futura.

— Concebe o homem como microcosmos quesente, que raciocina e examina as causas das coi-sas e da natureza inteligível, e que tem uma inte-ligência capaz de contemplar a Deus. A redençãointroduz o homem na união com Deus e o libertade sua animalidade.

O livro foi condenado pela Igreja por suasimplicações panteístas. No entanto, é o primeirogrande livro especulativo da Idade Média. Nelejá aparece o caráter de investigação escolásticaque o autor maneja com grande maestria. Suacultura e sua capacidade especulativa, além dodomínio do grego, colocam-no acima de seus con-temporâneos.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 122; DTC V, I, 410-434.

Escolas e universidades(séc. IX a XIII)

Para conhecer o pensamento cristão e sua evo-lução, é imprescindível entender o papel das es-

Escolas e universidades

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colas e universidades. Também é necessário sa-ber o papel que a Igreja desempenhou na gênesee no desenvolvimento destas instituições. Já vi-mos algumas das escolas teológicas da Antigüi-dade, estabelecidas em volta dos centros urbanose culturais (*Escolas teológicas). Agora nos refe-rimos às escolas e universidades como centros daciência e do saber não apenas religioso, mas tam-bém geral.

Depois da queda do Império no Ocidente, aIgreja destacou-se na transmissão da cultura clás-sica. E o fez fundamentalmente através das esco-las que se formaram em volta dos mosteiros: sãoas chamadas escolas monásticas ou abaciais.Posteriormente, com o auge das catedrais forma-ram-se em volta destas as escolas catedralíciasou capitulares. E, a partir do séc. IX, as escolaspalacianas ou reais, nascidas sob o patrocínio dosreis. Exemplos destas últimas podem ser as orga-nizadas por Carlos Magno, sob a direção de*Alcuíno, como as escolas palatinas de Aquis-grano e de Tours. Das catedralícias, tornou-se fa-mosa a de Chartres. E das monásticas, as de St.Gall, Corbie e Fulda, e as da Irlanda e Inglaterra.

Nos mosteiros, proporcionava-se educaçãonão apenas àqueles alunos destinados a conver-ter-se em membros da ordem religiosa, mas tam-bém a outros discípulos. O mesmo acontecia nasescolas capitulares e palatinas. Quanto ao con-junto de matérias de estudo, ou curriculum, con-sistia, além do estudo da teologia e da exegese,especialmente para os discípulos que se prepara-vam ao sacerdócio ou à vida religiosa, no estudodo Trivium e Quadrivium. Estes constituíram,durante muito tempo, na Idade Média, as chama-das “sete artes liberais”, isto é, as artes do ho-mem livre, diferentes das artes do homem servil,chamadas “artes mecânicas”. Essa divisão, conhe-cida desde a Antigüidade clássica, ficou definiti-vamente consagrada por Alcuíno. O Trivium com-preendia: gramática, dialética e retórica. E oQuadrivium: aritmética, geometria, astronomiae música.

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A evolução e a influência dessas escolas per-tence à história da Idade Média. Para nós é inte-ressante relembrar a contribuição das mesmas àcultura: foram um centro do saber antigo e trans-formaram-se, a maior parte delas, em bibliotecasde obras teológicas e religiosas, que constituíamo grosso dos catálogos: obras jurídicas ou grama-ticais e certo número de autores clássicos. Exem-plo delas é a escola de York (Inglaterra), princi-pal centro de educação do país, famosa pela ri-queza de sua biblioteca. O mesmo se pode dizerda de Tours, na França, e da de Palência, naEspanha. A riqueza de seus pergaminhos identi-ficou-se com a de seu saber.

Das escolas, principalmente das catedralícias,surgiram no séc. XIII as universidades. A“universitas” ou universidade não designava, naIdade Média, o conjunto de faculdadesestabelecidas numa mesma cidade, mas o conjun-to de pessoas, mestres e discípulos, que partici-pavam no ensino que se dava nessa cidade. Bas-tava a necessidade de se dirigir ao conjunto deprofessores e estudantes que residiam num mes-mo lugar, para que a expressão se empregassenaturalmente. Um studium generale, ouuniversale, ou também commune, não era o lugaronde se estudavam todos os conhecimentos, masum centro de estudos no qual podiam ser admiti-dos estudantes de procedências diferentes. A ex-pressão aplicava-se, principalmente, às escolasabertas pelas ordens religiosas nas cidades, quepodiam ser centros importantes do ponto de vistada ordem, mas que não possuíam universidade.

O surgimento das universidades é um fenô-meno europeu, assim como o das catedrais. A pri-meira universitas que se transformou num corpoorganizado regularmente e numa entidade coleti-va análoga às nossas universidades é a de Bolo-nha (1119). Seguiram-lhe a de Paris (1150),Oxford (1166), Cambridge (1200), Palência(1208), Salamanca (1218), e muitas outras. To-das elas nascidas das escolas catedralícias, adqui-riram já no século XIII o caráter de instituiçõesde educação superior de artes liberais e ciências,

Escolas e universidades

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com colégios maiores e escolas profissionais comcompetência para conferir graus. A partir tambémdo séc. XIII, as universidades adquiriram a inde-pendência econômica e jurídica, que lhes confe-riram principalmente os imperadores e os papas.Também a partir desta época, transformaram-seem universidades ou centros onde se estudavamas “essências” ou “universais”, isto é, a generali-dade dos estudos.

Porém, as universidades, no seu início, são,como a de Paris, “o meio de ação mais poderosode que dispunha a Igreja para expandir a verdadereligiosa no mundo inteiro, ou ainda uma fonteinesgotável de erros, capaz de envenenar toda acristandade. Inocêncio III foi o primeiro a querer,resolutamente, fazer dessa universidade uma mes-tra de verdade para a Igreja inteira, e que trans-formou esse centro de estudos num organismocuja estrutura, funcionamento e lugar foram defi-nidos na cristandade com esse único ponto de vis-ta”. “Se o esquecemos tanto — continua E. Gilson— que freqüentemente discutimos sobre esse or-ganismo como se fosse comparável a qualquerde nossas universidades, os homens da IdadeMédia tinham, ao contrário, clara consciência docaráter especial e único da Universidade de Pa-ris. O studium parisiense foi uma força espirituale moral cuja significação mais profunda não foinem parisiense nem francesa, mas cristã e eclesi-ástica; foi um elemento da Igreja universal, dota-do do mesmo direito que o sacerdócio ou o impé-rio” (E. Gilson, A filosofia na Idade Média). Omesmo vale para a Universidade de Oxford. “Ointeresse religioso era tão forte quanto em Paris”.“O pensamento filosófico inglês pôs a serviço dareligião a Matemática e a Física, tal como acaba-vam de revelar-lhes as obras dos sábios árabes(Ibid.).

Das universidades saíram aperfeiçoados oscurrículos de estudos, os métodos de ensino, comoa lição e a discussão, as quaestiones disputatae eas quaestiones quodlibetales, que caracterizari-am todo o sistema educativo medieval. Delas sa-íram eminentes professores e mestres. Também

Escolas e universidades

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proveio das universidades uma doutrina filosófi-ca e teológica conhecida como Escolástica. E fi-nalmente, “o monumento no qual o pensamentomedieval alcança plena consciência de si próprioe encontra a sua expressão acabada, a Summatheologica de Santo *Tomás de Aquino. É o re-sumo completo e sistematicamente ordenado detodas as verdades da teologia natural e sobrena-tural, classificadas conforme uma ordem lógica,acompanhadas de demonstrações mais breves,enquadradas entre os mais perigosos que a con-tradizem e a refutação de cada um destes erros:tudo para uso dos principiantes em teologia.A Summa theologica de Santo *Tomás e o Co-mentário às Sentenças de São *Boaventurasão magníficos exemplos das fecundas virtua-lidades que possui o exercício de um ensinoelevado para o pensamento do próprio mestre”(E. Gilson, o.c., 373).

BIBLIOGRAFIA: B. Llorca-R. García Villoslada-F. J.Montalbán, Historia de la Iglesia Católica, II (BAC 104).Madrid 1968. Concretamente: II. La enseñanza universitaria,918-970, com a extensa bibliografia que acompanha.

Escolas teológicas, Primeiras(séc. II-V)

Aos padres apostólicos e apologistas dos séc.I-II, seguiu-lhes um novo tipo de escritor com umadisposição e orientação completamente originais.Até a data, nenhum escritor cristão tentara consi-derar o conjunto da doutrina cristã como um todo.Também, a reflexão cristã perdeu o caráter dearma contra o inimigo e se transformou em ins-trumento de trabalho pacífico dentro da própriaIgreja. Pretendia-se dar aos catecúmenos, cada vezmais numerosos, uma instrução à altura de seumeio ambiente e formar mestres para esse fim.Assim foi como se criaram as escolas teológicas,berço da ciência sagrada. Estas nasceram sob oamparo dos grandes centros do helenismo e dascidades onde já se sentia a presença cristã. Taisforam as escolas teológicas de Alexandria,Antioquia, Cesaréia, Jerusalém etc.

Escolas teológicas, Primeiras

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Assinalamos a seguir as principais:1) Escola de Alexandria. A mais famosa de

todas e a que melhor conhecemos é a deAlexandria, no Egito. Essa cidade, fundada porAlexandre em 331 a. C., era centro de uma bri-lhante vida intelectual muito antes do cristianis-mo. Foi onde nasceu o helenismo: a fusão dasculturas oriental, egípcia e grega deu origem auma nova civilização. Nesta cidade, compôs-se aobra que constitui o início da literatura judaico-helenística: A tradução dos Setenta (Septuaginta).E nessa cidade viveu o melhor representante des-sa cultura: Fílon.

Sob o nome de “padres alexandrinos” ou “es-cola teológica alexandrina”, formou-se um gru-po de teólogos cristãos que se destacaram emAlexandria entre os séculos II-V d.C. Os nomesmais destacados desta escola são: Panteno, seufundador (200 d.C.), *Clemente (150-215 d.C.),*Orígenes (186-255), e, mais tardiamente, outroscomo Santo *Atanásio, São *Cirilo etc.

A Escola de Alexandria é o centro mais anti-go de ciências sagradas na história do cristianis-mo. O ambiente em que se desenvolveu impri-miu-lhe os traços característicos: a) marcante in-teresse pela pesquisa metafísica do conteúdo dafé; b) preferência pela filosofia de Platão; c) in-terpretação alegórica das Sagradas Escrituras; d)concepção do ideal cristão como uma verdadeiragnose, iluminada pela fé cristã, que antecipa ascoisas invisíveis; e) concepção do ideal místicocomo deificação com base bíblica e neoplatônica;f) aceitação na ascese da apatheia estóica e daprovidência, às quais se dá um sentido cristão.

A escola alexandrina influiu decisivamente nopensamento e na mística cristã dos primeirosséculos.

2) Escola de Antioquia. Antioquia foi a capi-tal da Síria, fundada perto do ano 500 a.C. Se-gundo Atos 11,19-26, nesta cidade começaram achamar-se “cristãos” os “seguidores do caminho”ou “discípulos de Cristo”. Na segunda metade doséc. I de nossa era, Antioquia foi o ponto de apoio

Escolas teológicas, Primeiras

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da atividade missionária da primitiva Igreja(At 13,1-3).

Antioquia também foi famosa por sua escolateológica, denominada “escola antioquena”. De-sabrochou entre os séculos III-V. Seus mestresmais importantes foram Inácio, Policarpo,*Luciano de Samosata, *Ario, São *JoãoCrisóstomo, e muitos outros.

A escola antioquena apareceu como rival ediferente da alexandrina. Centrava cuidadosamen-te a atenção no próprio texto e encaminhava seusdiscípulos para a interpretação literal e para o es-tudo histórico e gramatical da Escritura. Conse-qüentemente, essa escola: a) cultivou a catequesee a exegese bíblica, dando-lhe um sentido literal,não simbólico nem espiritual; b) a escolaantioquena tratou de resolver os problemas colo-cados pela heresia sobre a pessoa e natureza deCristo; c) contrariamente à escola alexandrina, aantioquena baseou-se numa filosofia realista decaráter aristotélico, portanto, racionalista.

Essa escola foi o berço de uma grande tradi-ção exegética. Alcançou seu apogeu sob a dire-ção de Diodoro de Tarso, nos finais do séc. IV,que foi mestre de São *João Crisóstomo. Delasaíram homens extremistas como Teodoro deMopsuéstia e Ario. Sua tendência racionalista foia causa de se converter em foco de heresias.

3) Escola de Cesaréia. Nesta cidade refugiou-se *Orígenes ao ser desterrado do Egito (232), efundou a escola de Cesaréia, que herdou o legadode idéias e livros de Orígenes. Suas obras forma-ram o fundo de uma biblioteca que o presbíteroPânfilo transformou em centro de erudição e sa-ber. Como diretor, continuou a tradição do mes-tre. Nesta escola educaram-se Gregório, oTaumaturgo, e Eusébio de Cesaréia. Os padrescapadócios, *Basílio Magno, *Gregório de Nissae *Gregório Nazianzeno receberam a influênciae inspiração da teologia de Cesaréia e de seu gran-de mestre Orígenes.

Houve também outras escolas como a de Je-rusalém, a de Odessa, Nísibe etc.

Escolas teológicas, Primeiras

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Eunômio (séc. IV)

*Gregório Nazianzeno, São; *Basílio Magno,São.

Eusébio de Cesaréia (265-340)

Nasceu em Cesaréia da Palestina. Foi nomea-do bispo desta mesma cidade em 313, onde mor-reu. Eusébio é um dos personagens chaves da his-tória eclesiástica de seu tempo e tem um lugarreconhecido como historiador da Igreja. De fato,sua vida está intimamente ligada às lutas trinitáriasdo séc. IV, ao arianismo e à figura do imperadorConstantino, de quem foi biógrafo e amigo.

Antes de mais nada, Eusébio é conhecido porsua História eclesiástica, um riquíssimo arquivode dados, documentos e extratos de obras de todaclasse, desde a primeira época da Igreja até o ano324. Diz-se que sua História eclesiástica é para aIgreja dos primeiros séculos o mesmo que os Atosdos Apóstolos foram para as comunidades cris-tãs. Embora esse livro lhe tenha valido o título de“pai da história eclesiástica”, a historiografia dehoje não lhe perdoa o caráter apologético queEusébio dá a sua obra, seu tratamento inadequa-do à heresia e sua quase total ignorância ou omis-são de tudo que era relativo à Igreja Ocidental.Como historiador tem também outro livrointitulado Histórias diversas e a Vida deConstantino, panegírico que, além de importan-tes dados históricos, demonstra uma admiração euma exaltação exagerada pelo papel e missãoexcepcionais deste imperador.

Além das obras históricas, Eusébio escreveuobras dogmáticas: Contra Marcelo e Sobre a te-ologia eclesiástica, na qual surge uma tendênciaacentuada para o arianismo, defendendo a nãoidentidade de natureza entre o Pai e o Logos.

Seu livro apologético mais importante é a Pre-paração evangélica, em 20 livros, dos quais res-tam apenas 10. Servindo-se da rica biblioteca deCesaréia, que herdou de seu mestre Pânfilo,

Eusébio de Cesaréia

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acumulou um vastíssimo material de extratos deescritos gregos, cujos originais se perderam. Essaobra é regida pelos seguintes princípios:

— A filosofia e a revelação são idênticas. Averdade encontrou sua plena expressão no cristi-anismo que já havia surgido nos filósofos gregos.

— Platão é considerado como um profeta oucomo um Moisés ático. Platão e Moisés combi-nam e têm as mesmas idéias.

— Platão conheceu a Trindade Divina porquepôs a alma do mundo ao lado de Deus e do Logos.Nas doutrinas éticas e pedagógicas coincidemPlatão e Moisés, Platão e São Paulo. Porém, Platãochegou apenas até o vestíbulo da verdade, não àprópria verdade.

— A verdade foi revelada pelo cristianismo,verdadeira e definitiva filosofia. No cristianismo,não só os homens são filósofos, também o são asmulheres, os ricos e os pobres, os escravos e ossenhores.

Como se vê, é a mesma convicção que haviaanimado *Justino, *Clemente, *Orígenes e, emgeral, os padres alexandrinos.

BIBLIOGRAFIA: Historia eclesiástica de Eusebio deCesarea. Ed. bilíngüe por A. Velasco (BAC), 2 vols.

Êutiques (378-454)

*Leão I, Papa

Evágrio (345-399)

*Hesiquia; *Monaquismo

Evangelho, evangelhos (séc. I)

Nossa atenção centra-se, principalmente, nassignificações do termo, do livro ou livros quecontêm a Boa Nova ou Evangelho de Cristo. Sabe-se que a palavra evangelho significa, em grego,boa notícia ou notícia que causa alegria. Desteprimeiro significado deriva o verbo evangelizar,

Êutiques

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a ação de transmitir a boa notícia. Significa tam-bém o conteúdo, doutrina e mensagem da trans-missão. Outro significado importante de evange-lho é o instrumento ou meio através do qual noschega a mensagem. Neste sentido falamos dosevangelhos que contêm e transmitem a doutrinade Cristo. A seus autores denominamos“evangelistas”.

1. Os evangelhos, no plural, referem-se aosdiferentes relatos que, sobre a doutrina de Cristo,começaram a ser redigidos depois da morte deJesus. Os quatro evangelhos “segundo *Mateus,*Marcos, *Lucas e *João” são tão-somente osquatro reconhecidos como oficiais ou canônicospela Igreja. Foram escritos na segunda metade doséc. I. Existem também outros evangelhos conhe-cidos como apócrifos, que não são reconhecidoscomo canônicos pela Igreja. O abuso que fazemdo fantástico e do maravilhoso classifica-os den-tro da lenda, embora ofereçam dados de interessehistórico para se conhecer a época. Apareceramno final do séc. I e durante todo o século II(*Apócrifos).

2. Já falamos sobre o conteúdo, data de reda-ção e autor desses quatro evangelhos ao estudar-mos seus autores. O que nos interessa agora éapontar alguns dos problemas que afetam o pró-prio gênero literário dos evangelhos, o texto, seuvalor histórico e outros. E o primeiro de todos ésua origem: Como nasceram? Convém saber que,como textos escritos que são, os Evangelhos fo-ram e ainda estão sendo submetidos à análise his-tórica, literária, à crítica textual etc., como qual-quer outro texto da Antigüidade.

Quanto à sua origem, podemos dizer que osevangelhos começam com a pregação oral dosapóstolos, centrada em torno do “querigma” queanunciava a morte redentora e a ressurreição doSenhor. Acompanhavam essa primeira pregaçãorelatos mais detalhados, como o da paixão. Vie-ram logo depois fatos curiosos da vida do Mestreque esclareciam sobre sua pessoa, sua missão, seupoder, por algum episódio ou palavra memorá-

Evangelho, evangelhos

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vel, milagre, sentença, parábola etc. Os episódi-os transmitidos de viva voz e de forma isoladaforam-se agrupando em pequenas antologias depalavras e ações. Surgiu, então, rapidamente apreocupação de pôr em escrito essa tradição. Emconseqüência, as palavras, ações e episódios re-lativos à figura e doutrina de Cristo tenderam aagrupar-se numa ordem cronológica; em ordemlógica, primeiro em pequenas seções, depois emconjuntos mais extensos. Apareceram osevangelistas, autores materiais dos quatro evan-gelhos.

— Que valor histórico têm os evangelhos?Sem dúvida, nem os apóstolos nem os demaispregadores e narradores evangélicos tentaram fa-zer “história” no sentido técnico da palavra. Seupropósito era menos profano e mais teológico;falaram para converter e edificar, para inculcar eilustrar a fé, para defendê-la contra os adversári-os. Mas o fizeram apoiando-se em testemunhasverídicas e controláveis. Os redatores evangéli-cos fizeram-no com o mesmo afã de honrada ob-jetividade que respeita as fontes. Resumindo: a)a origem apostólica e a gênese literária dos trêssinóticos justificam seu valor histórico; b) se ostrês sinóticos não são “livros de história”, não émenos certo que não tentam oferecer nada quenão seja histórico.

Isto não significa, por outro lado, que cada umadas ações ou palavras sejam considerados comoreprodução rigorosamente exata do que aconte-ceu na realidade. O mesmo vale para a ordem emque estes se acham dispostos entre si. Há que re-conhecer que muitas narrativas ou palavras evan-gélicas perderam sua relação primitiva com o tem-po e lugar em que foram pronunciadas. Em todocaso, tais comprovações de modo algum anulama autoridade desses livros inspirados pela fé doscristãos.

BIBLIOGRAFIA: X. Léon-Dufour, Los evangelios y lahistoria de Jesús. Cristiandad, Madrid 1982.

Evangelho, evangelhos

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Faber, Frederick William (1814-1863)

Estudante em Oxford, esteve dentro da órbitae idéias de J. H. Newman. Educado no calvinismo,ordenou-se sacerdote anglicano. Em 1945 passouao catolicismo, junto com muitos outros discípu-los e companheiros de *Newman. Com outrosconvertidos do anglicanismo, formou uma peque-na comunidade que, em 1848, se uniu ao Oratóriode São Filipe Néri. Foi superior do Oratório deLondres (Brompton Oratory), onde escreveu hi-nos para a liturgia e livros de devoção.

Fabri, Diego (1911-)

*Literatura atual e cristianismo.

Feijóo, Benito (1676-1764)

*Ciência e fé.

Fénelon, François de Salignac(1651-1715)

Filósofo, teólogo, escritor literário e pedagogo.Suas idéias políticas e pedagógicas, assim comosua concepção da oração mística, amor puro, va-leram-lhe a oposição tanto da Igreja quanto doEstado.

Descendente da alta nobreza, nasceu no cas-telo de Fénelon (Périgord). Em 1672, iniciou seusestudos superiores no seminário de São Sulpíciode Paris. Ordenado sacerdote, foi destinado à edu-cação das jovens católicas convertidas do protes-tantismo. O fruto dessa educação dada às jovensé seu primeiro Tratado da educação das jovens

FFénelon, François de Salignac

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(1687). Apesar do tom conservador da obra, nãodeixam de ser originais suas idéias sobre a edu-cação feminina, assim como suas críticas aosmétodos coercitivos de seu tempo. Nesta mesmalinha pedagógica, e já como tutor do delfim daFrança, Fénelon publicou sua obra mais conheci-da, As aventuras de Telêmaco (1699), que expres-sa as idéias políticas básicas do autor. Nos 18 li-vros das Aventuras, escritos para o delfim, des-creve o ideal do soberano humanamente rico, ca-paz de compreender e guiar seu povo. Os precei-tos morais e religiosos estão acompanhados, nocurso das aventuras, com os mais variados en-contros de homens e deuses, com observações denatureza política e econômica, que dão à obraoutros valores, além do pedagógico e do literá-rio. No Exame de consciência sobre os deveresda realeza abre-se aos problemas de natureza éti-co-política, que mostram a complexa personali-dade de Fénelon.

Depois de sua eleição à Academia Francesa(1693) e ao arcebispado de Cambrai (1695), perí-odo de máxima popularidade nos círculos ofici-ais, Fénelon viu-se envolvido numa polêmica queo jogou no isolamento e na oposição tanto da Igre-ja quanto do Estado. Iniciado na experiência reli-giosa de Madame Guyon (1688), elaborou e ex-plicou o que na história da filosofia e das idéiasreligiosas se conhece pela “doutrina do amorpuro”. Segundo essa doutrina, é necessário que oespírito se deixe levar livremente pela oração paraque alcance um “gosto íntimo”. Então se ama aDeus com um amor puro, que não depende nemda esperança de recompensas nem do temor acastigos. O amor puro chega a não possuir cons-ciência de si, sem que signifique que seja inde-pendente da vontade. É fruto de um consentimen-to, mas se realiza quando a vontade se entrega aDeus sem reservas. Com essa doutrina, Fénelonalinhava-se nas filas do quietismo, junto a MiguelMolinos e outros. Teve a mesma sorte que oaragonês *Molinos. Foi denunciado publicamen-te por *Bossuet, e seu livro Explicação das máxi-mas dos santos sobre a vida interior (1697) foi

Fénelon, François de Salignac

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condenado pelo papa. Morreu exilado na suadiocese em 1717.

— De suas idéias filosófico-teológicas infor-mam-nos seus dois últimos livros: Tratado daexistência e dos atributos de Dios (1705) e Car-tas sobre diversos temas de metafísica e de reli-gião (obra póstuma, 1716). Reúnem os grandestemas da existência de Deus e da liberdade hu-mana e se movem dentro da filosofia de Descar-tes, Malebranche e, em especial, Bossuet.

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes. Paris 1852, 10vols.; Correspondance de Fénelon, 1972, 3 vols.; E.Carcasonne, Fénelon, l’homme et l’oeuvre, 1946; PietroZovatto, Fénelon e il quietismo, 1968.

Feuerbach, Ludwig (1804-1872)

Iniciador do chamado “naturalismohumanista” ou “humanismo naturalista” no pen-samento moderno, que preparou o caminho aomaterialismo dialético de Marx, Feuerbach fezparte da “esquerda hegeliana”, da qual o marxis-mo tomará os seus postulados básicos. Tambémpode reivindicar uma nova atualidade no pensa-

Feuerbach, Ludwig

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mento contemporâneo, principalmente com rela-ção ao existencialismo de esquerda de *Sartre ede *Camus.

Eis seus dois postulados fundamentais:1) “O ser enquanto ser é finito”, porque sem-

pre está nos limites do tempo e do espaço concre-tos, e “onde não há limites, nem tempo, nem ne-cessidades, também não há qualidades, energia,spiritus, fogo, nem amor algum”. 2) A negaçãode Deus é o fundamento para a afirmação do ho-mem: “Eu nego a Deus”, escreve Feuerbach, istosignifica para mim: “Eu nego a negação do ho-mem” (Diccionario de filósofos).

Entre a imensa obra filosófica deste filósofode vida discreta, que viveu seus últimos anos namiséria, destacamos suas duas obras principais:A essência do cristianismo (1841), seguida, em1845, de A essência da religião. Todas as demaisobras de caráter filosófico-religioso não são maisdo que a ampliação das anteriormente menciona-das. Nessas duas obras expressa a crítica que sedeve fazer da religião em geral e do cristianismoem particular, como religião positiva e revelada.Segundo Feuerbach, no lugar de “Deus” deve-sepôr e escrever “humano”, de forma que a essên-cia divina que se revela na natureza não seja maisdo que a sua própria natureza. A natureza, pois,“não é somente o objeto primeiro e originário,senão também o fundo permanente e o fundamen-tal desenvolvimento da religião”. A natureza sen-sível e concreta é a base do real.

— Segundo a crítica de Feuerbach, deve-sefazer descer a religião da teologia à natureza e àantropologia. “O ser absoluto, o Deus do homem,é o ser próprio do homem.” Em conseqüência,“não foi Deus quem criou o homem”, mas foi ohomem que criou Deus com a sua própria imagi-nação, ao unir a especulação à base de abstrações,em oposição aos sentidos”. “Deus é o princípioimaginado ou fantástico da realização total detodas as vontades e desejos humanos.” Daqui oprincípio: “Como é o teu coração, assim é o teuDeus”. Tais como são os desejos dos homens,

Feuerbach, Ludwig

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assim são as suas divindades. Acreditar em Deusé “Criar Deus”. A divinização dos homens é oobjetivo último da religião.

— A crítica ao cristianismo aprofunda a ins-tância antropológica individualista: o cristianis-mo genuíno é a antítese do paganismo, porque nocristianismo autêntico o indivíduo é somente umaparte do gênero e este se encontra somente nahumanidade imediata. A expressão mais clara dogênero e do indivíduo no cristianismo é Cristo: oDeus verdadeiro dos cristãos. Cristo é o modelo,o conceito existente da humanidade, o compên-dio de todas as perfeições morais e divinas... “Omistério da Encarnação é o mistério do amor deDeus pelo homem, o mistério do amor de Deus,mas na realidade é o mistério do amor do homema si próprio...” Esse dogma fundamental do cris-tianismo expressa, pois, o princípio supremo eúltimo da filosofia, ou seja, a unidade do homemcom o homem. Em conseqüência, e essa é a fina-lidade de toda a obra de Feuerbach, “o homem éo Deus do cristianismo, e a antropologia é o se-gredo da teologia cristã”.

— Feuerbach considera essa humanização deDeus como a missão da Idade Moderna. A gêne-se de Deus a partir da projeção que o homem fazde si próprio e da sua essência produz neste a ali-enação, que expropria o homem de sua próprianatureza ou substância de ser sensível e a colocafora dele: em Deus. Ao mesmo tempo produz aservidão: submetimento e veneração a algo es-tranho erguido contra a realidade sensível e ohomem. A verdade é que o homem é um “ser sen-sitivo” e seu ser abre-se e fecha-se em relação ànatureza e à comunidade dos outros homens me-diante o amor. Tal é a luta que deve empreender ohomem moderno.

Sua importância histórica está ligada à influ-ência decisiva e amplamente reconhecida que asua obra exerceu na formação do materialismodialético de *Marx. De fato, o jovem Marx reco-nheceu que Feuerbach “fundou o verdadeiro ma-terialismo e a ciência real, elaborando sua teo-

Feuerbach, Ludwig

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ria”. Por isso, a obra de Feuerbach toma parte da“biblioteca dos clássicos” do marxismo.

A crítica ao cristianismo, tanto de protestan-tes quanto de católicos, não se fez esperar.Feuerbach reduzia a religião à filosofia e a teolo-gia à antropologia. “O segredo da teologia estána antropologia” repete com freqüência. Sua teo-ria da religião é puro sensualismo e materialis-mo, que não acrescenta nada às posições do ate-ísmo grego ou do Iluminismo francês do séc.XVIII. Todos reconhecem, no entanto, que fazuma análise brilhante do homem, que no planotático “pode ser útil para a denúncia das falsifica-ções do homem moderno”. A qualificação quemais se adapta ao seu pensamento é a de realis-mo humanista. E é inexato caracterizar o pensa-mento de Feuerbach unicamente como ateísmo(Diccionario de filósofos).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas. Ed. de W. Bolin eF. Jodl, 1903-1911, 10 vols.; reimpressão em 13 vols., 1960-1964; La esencia del cristianismo; La esencia de la religión;Lecciones sobre la esencia de la religión; M. Cabada Cas-tro, El humanismo premarxista de L. Feuerbach, 1975; A.Alessi, L’Ateismo di Feuerbach. Fondamenti metafisici,1975.

Ficino, Marcílio (1433-1499)

Platônico e humanista, Ficino é uma das figu-ras representativas da cultura italiana e florentinado séc. XV. Representa o trânsito da etapafilológica do humanismo à filosófica, como afir-mação do lugar central do homem no universo erevalorização da história humana.

Não se pode duvidar de sua profunda e senti-da fé cristã. No entanto, como muitos de sua épo-ca, encara a reação contra a escolástica que haviasubordinado a teologia à filosofia. Para a renova-ção da teologia e do cristianismo, aposta em Platãoe no neoplatonismo que lhe emprestam a base e aforma de seu pensamento.

— Considerado como o mais importanteneoplatônico renascentista, já que professou ver-dadeiro culto a Platão, começou o estudo do gre-

Ficino, Marcílio

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go na década de 1450. Em 1459 foi apresentado aCosme de Médicis, que projetava para Florençauma escola de platonismo. Rodeado de intelectu-ais e eruditos com quem formou a Academia, pôdetraduzir pela primeira vez do original grego aolatim todos os diálogos de Platão (entre 1463-1477). Durante outros 20 anos ocupou-se dos co-mentários aos Diálogos de Platão. Entre essescomentários fez-se clássico o do Banquete ouConvívio.

— Além do estudo e tradução de Platão, tra-duziu e estudou as Enneadas de Plotino, que apa-receram em 1492.

— Sua obra original filosófico-teológica apa-rece sobretudo em De religione christiana (1474);Theologiae platonicae de inmortalitate animorumlibri XVIII (1482); De triplici vita (1489). Impor-tantes são também suas epístolas, diálogos, trata-dos e comentários sobre os principais pontos deseus ensinamentos. Em toda a sua obra aparecesua vasta formação humanista e esse incipienteecletismo que será nota dominante dos humanistasposteriores.

— É típica de Ficino a concepção de Deus,que toma de Plotino. Deus é o Uno, que coleta nasimplicidade da própria natureza a infinitamultiplicidade dos arquétipos ideais das coisas.Deus é o criador, o bem, a verdade e a beleza porexcelência, isto é, a presença interior em tudo,assim como nas partes do ser originário.

— Deus é também o artífice da natureza —seu artífice interior — que faz do universo comoum só ser vivo; e é em cada vivente como a razãoseminal que traz a vida.

— De Platão e do neoplatonismo toma suaidéia da alma e do homem como copula mundi evera universorum conexio, onipresente, porquetudo no mundo é animado. Assim, o homem par-ticipa da natureza divina da alma universal — si-tuado entre o eterno e o tempo — e é ao seu modotodas as coisas, é o microcosmos.

— Sobre tais idéias projeta a sua fé cristã: oDeus cristão cria o mundo e o ama como criatura

Ficino, Marcílio

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sua. A emanação plotiniana transforma-se, emFicino, em criação como ato que tem suas raízesna bondade de Deus. O Filho de Deus feito ho-mem é o ponto de encontro entre o homem e Deus.O amor é descendente e ascendente: vem de Deusem seu Filho e retorna a Deus por ele. O homempode voltar livremente ao seu lugar de origem,fazendo-se Deus pela graça de Cristo. “A almaascende pelos diversos graus do amor — do fu-ror divinus — e vai percorrendo, em seu cami-nho ascendente, as mesmas etapas do descensocósmico.”

— Esse ecletismo de conceitos platônicos ecristãos torna-se mais visível quando mistura ecombina idéias pagãs e cristãs. Por exemplo: o“amor platônico” como preparação e aproxima-ção ao verdadeiro amor espiritual; a relação entreo cristianismo e as religiões anteriores; a inter-pretação que faz dos antigos pré-cristãos: egípci-os, gregos, e outros. Essa antiga sabedoria —prisca gentilium theologia — é uma teologia quecontém indícios da verdade cristã. O mesmo sepercebe em seu gosto pelos escritos herméticos,em seu interesse pela magia e pela astrologia.Nesse aspecto, Ficino — que defende o caráterúnico do cristianismo — suscitou as suspeitas deRoma. E iniciou também um caminho de sabe-doria pagã e cristã que muitos humanistas erenascentistas seguiriam.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. de E. Garin, Basi-léia1576 — Turim 1959, 2 vols.; P. O. Kristeller, Ocho filó-sofos... México 1974; Id., The Philosophy of Marsilio Ficino.Nova York 1954; Humanismo y renacimiento (Textos deLorenzo Valla, Marcílio Ficino...). Seleção e tradução dePedro R. Santidrián. Madrid 1986.

Filipe Néri, São (1515-1595)

*Educadores cristãos

Filocalia

*Hesiquia.

Filipe Néri, São

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Fílon de Alexandria (20 a.C.-50 d.C.)

Entre os muitos escritores e obras do judaís-mo que podem iluminar o pensamento cristão dosdois primeiros séculos do cristianismo, devemoscitar Fílon de Alexandria e Flávio Josefo (37-100d.C.). Os dois no seu gênero permitem-nos co-nhecer melhor o mundo em que aparece e se de-senvolve o cristianismo.

Filósofo e exegeta judeu, Fílon viveu nadiáspora em Alexandria. É um dos autores maisimportantes para se conhecer o helenismoalexandrino, as idéias do judaísmo da diáspo-ra e a influência exercida sobre os escritores cris-tãos da época, especialmente na *escola deAlexandria. Sua imensa produção está escritaem grego.

A doutrina de Fílon gira em torno destes pon-tos: a) Interpretação do Antigo Testamento judeuem categorias gregas, tomadas fundamentalmen-te do platonismo. Tende à explicação analógicada Bíblia. b) Interpreta mesmo assim o logos gre-go como mediador entre Deus e o mundo, umaespécie de demiurgo platônico. c) Sua antropolo-gia é marcadamente órfico-platônica, dualista. Aalma é preexistente ao corpo e imortal. Fala dametempsicose ou reencarnação.

Sua influência fez-se sentir no neoplatonismoe no cristianismo, em especial na escola cristã deAlexandria, principalmente em *Orígenes.

BIBLIOGRAFIA: Philonis Alexandrini Opera quaesupersunt. Edição crítica por L. Cohn e P. Wendland, Berolini1896-1930, 7 vols. Edição francesa das obras de Fílon: LesOeuvres de Philon d’A. Ed. bilíngüe, 1961s., 34 vols.; J.Daniélou, Ensayo sobre Filón de Alejandría, 1963.

Flávio Josefo (37-100)

*Fílon de Alexandria.

Florino (séc. II)

*Gnósticos.

Florino

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Fócio (810-897)

*Padres da Igreja.

Fourier, São Pedro (1768-1830)

*Educadores cristãos.

Francisco de Assis (1181-1227)

Francesco Bernardone nasceu em Assis. Naausência do pai, sua mãe o batizou com o nomede João Batista. Não sabemos quando nem porque o nome de Francisco, em desuso naquele tem-po, substituiu o de João. Tampouco temos suaautobiografia, e seus irmãos, muito cedo dividi-dos, interpretaram suas palavras e seus escritosem sentidos diferentes. Não é fácil descobrir overdadeiro São Francisco.

“É paradoxal que o simples, o aberto, o tantasvezes comentado São Francisco, oculte-se atrásde um dos enigmas mais confusos dahistoriografia. A primeira dificuldade vem dosseus escritos. O santo, em sua humildade, não fezsua própria biografia. Não se pode esperar de suaobra nenhuma informação precisa de sua vida.Não encontramos mais do que alusões a algunsde seus comportamentos, que ele comunica a seusirmãos como exemplo. Assim, no seu testamen-to, o mais autobiográfico de seus escritos, lembraque sempre tentou viver do trabalho de suas mãos,para que os irmãos fizessem o mesmo. Além domais, pelo menos um de seus escritos mais im-portantes, a primeira Regra que escreveu em 1209ou 1210, se perdeu. Perderam-se também suascartas, assim como a maior parte de seus poemas(não conservamos mais do que aquele que é, pro-vavelmente, sua obra de arte, o Cantico di FrateSole).”

Mas a principal dificuldade para descobrir overdadeiro São Francisco é a existência, aindaestando ele com vida, de duas tendências na or-dem. Cada uma delas tentava ganhar o fundador

Fócio

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e interpretar a seu modo suas palavras e seus es-critos...” (Jacques Le Goff, 2.000 años de cristia-nismo, 3, 202s.). Apesar de tudo isso, ou talvezpor isso, sua figura teve e continua tendo a capa-cidade de gerar espanto e produzir uma literaturae um pensamento como poucos personagens dahistória tiveram. Desde São *Boaventura — queescreveu a vida oficial do santo ou Legenda Mai-or (1263) e Tomás de Celano que escreveu a VitaPrima e a Vita Secunda (1228-1244) e o Tratadodos milagres (1253), passando pela Legenda dostrês companheiros, o Espelho da perfeição dosirmãos menores, a Legenda Antiqua, As bodasespirituais de São Francisco com a pobreza e Osfioretti —, a figura de São Francisco não deixoude apresentar perfis e aspectos novos.

Sua própria vida e obra é um milagre perma-nente. Representa a utopia cristã levada até as suasúltimas conseqüências: reprodução viva de Cris-to, pregação do seu Evangelho, amor e entregaaos outros, amor universal a todas as criaturas.

— “Depois que o Senhor me concedeu irmãos,diz em seu Testamento, ninguém me mostrou oque deveria fazer. Mas o Altíssimo em pessoa re-velou-me que eu deveria viver segundo o modelodo santo evangelho. Então mandei escrever umtexto em poucas e simples palavras, e o SenhorPapa me deu sua aprovação. Os que se aproxima-vam para compartilhar essa vida distribuíam aospobres o quanto possuíam e contentavam-se comum avental remendado por dentro e por fora, como cordão e calças. Éramos simples em tudo e sub-missos a todos... O Senhor revelou-me esse cum-primento que deveríamos usar: ‘O Senhor vos dêa paz’”.

— “Altíssimo, onipotente, bom Senhor, teussãos os louvores, a glória, a honra e toda bên-ção...

Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuascriaturas, especialmente o irmão sol, o qual faz odia e nos dá a luz... Louvado sejas, meu Senhor,pela irmã lua e as estrelas...

Francisco de Assis

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Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmãmãe terra. ..” (Cântico do irmão sol).

— São Francisco deixou-nos sua doutrina eseu exemplo. Legou-nos também ofranciscanismo vivo nos frades menores, nas frei-ras clarissas e na ordem terceira dos leigos. Essefranciscanismo se renova na vida de instituiçõese de pessoas ao longo do tempo.

BIBLIOGRAFIA: Escritos e biografias de S. Franciscode Assis; crônicas e outros testemunhos do primeiro séculofransciscano, Fr. Ildefonso Silveira e Orlando dos Reis (orgs),Petrópolis, 1993; San Francisco de Asís. Escritos. Biografías.Documentos de la época. Edição de J. A. Guerra (BAC);Escritos de santa Clara y documentos complementarios.Edição bilíngüe por J. Omaecheverría (BAC); E. Gemelli,El franciscanismo.

Francisco de Sales, São (1567-1622)

Em São Francisco de Sales vê-se o protótipodo homem santo cristão, pleno de humanidade eabertura, disposto a dar tudo aquilo com que anatureza e a graça o enriqueceram. Doutor e mes-tre da Igreja (1877), foi nomeado patrono e mo-delo dos escritores e jornalistas por Pio XI (1923).A esses títulos acrescenta-se o de humanista de-voto que oferece seu otimismo realista a todos osque, no mundo, procuram a perfeição.

Descendente de uma nobre família, foi educa-do no colégio dos jesuítas de Clermont (1580-1588) e fez seus estudos de direito na Universi-dade de Pádua (1591). Depois de um breve exer-cício de advocacia no senado de Savóia, ordenou-se sacerdote em 1593. O restante de seus dias esua atividade, dedicou-os a seus labores pasto-rais como sacerdote e como bispo de Annecy(1602). As principais frentes do seu apostoladoforam: a) A luta contra os calvinistas. Ainda estu-dante em Paris, as doutrinas destes sobre apredestinação provocaram-lhe uma crise profun-da até acreditar-se condenado. Somente pôde re-cuperar a paz num voto de confiança e de amor aDeus. Já sacerdote, dirigiu todo seu empenho emdialogar e trabalhar com os calvinistas do

Francisco de Sales, São

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Chablais, distrito que se separara de Savóia e sehavia tornado calvinista. Com a ajuda de CarlosManuel, duque de Savóia, reconquistou a maiorparte da população do Chablais ao catolicismo.b) Uma segunda frente da sua atividade foi a re-organização e o cuidado pastoral de sua diocese:visitas, catecismo, pregações, reforma das comu-nidades religiosas e fundação de outras. Em 1612,com a ajuda de Santa Joana de Chantal, fundou aOrdem da Visitação, destinada à perfeição dasreligiosas e ao ensino cristão da juventude. c)Outra das atividades de São Francisco de Salesfoi a direção espiritual através de uma espessarede de correspondentes em toda a França e noestrangeiro. Seus 11 volumes de cartas mostram-nos um diretor espiritual e mestre de toda classee condição de pessoas.

São Francisco de Sales ainda teve tempo paraescrever. Fez da pena seu apostolado permanen-te, que o transformou num clássico da literaturafrancesa e, ao mesmo tempo, um mestre espiri-tual imprescindível. Suas obras principais sãoa Introdução à vida devota (1604) e o Tratadodo amor de Deus (1612), e outras menores, comotratados de controvérsia contra os calvinistas,cartas, sermões e documentos sobre a vida e aadministração pastoral de sua diocese. “Inspi-rado em sua experiência de missionário e de dire-tor espiritual, renova a vida interior dos cristãosque vivem no mundo, sugerindo-lhes uma ver-dadeira devoção alimentada pela oração e pelossacramentos, assim como pelas ‘pequenas vir-tudes’ que impregnam seu comportamento. SeuTratado do amor de Deus amplia as perspecti-vas da Introdução à vida devota, multiplicandoas análises teológicas e as observações psico-lógicas. O otimismo realista desse humanismodevoto ajuda o cristão a levar uma vida espiritualconsciente.”

BIBLIOGRAFIA: Obras selectas de San Francisco deSales. Edição preparada por F. de la Hoz (BAC), 2 vols.; A.Royo Marín, Los grandes maestros de la vida espiritual(BAC).

Francisco de Sales, São

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Francke, Auguste H. (1663-1727)

*Pietistas.

Freire, Paulo (1921-1997)

Pedagogo e filósofo brasileiro nascido emRecife. No departamento de Educação e Culturada Universidade de Pernambuco criou os círcu-los de cultura popular que deram lugar ao movi-mento de Educação de Base, patrocinado peloepiscopado brasileiro (1961). Posteriormente exi-lou-se no Chile (1964), para trabalhar depois naUNESCO (1968), no *Conselho Mundial dasIgrejas (1970) e no Centro Intercultural de Docu-mentação de Cuernavaca (CICDC), colaborandocom I. Illich.

Paulo Freire transformou-se num autor clássi-co e muito popular na pedagogia do século XX.Defende uma educação humanista e libertadora,baseada nestes princípios: a tomada de consciên-cia do oprimido sobre a realidade sociocultural; aeducação como prática da liberdade e o processode alfabetização como uma forma de reconstru-ção da realidade. Sobre a base de conscientizaçãoou aproximação crítica da realidade, escreveuobras como Consciência e Alfabetização (1963);A educação como prática da liberdade (1967);Pedagogia do oprimido (1979); Métodopsicossocial (1970); Ação cultural para a liber-dade (1972) etc.

Nas suas duas últimas obras surgidas emcastelhano: La naturaleza política de la educación(1990) reuniu suas idéias e obras dos últimos anose vincula, em parte, sua obra à da Teologia daLibertação. Esta, de fato, inspira-se na educaçãolibertadora de Paulo Freire, apoiando seus méto-dos. A segunda: Alfabetización: lectura de lapalabra, lectura de la realidad (1989), em cola-boração com Donaldo Macedo, é um diálogo emtorno da alfabetização, em que se examinam asexperiências realizadas em países do TerceiroMundo.

Francke, Auguste H.

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Como conclusão geral, devemos afirmar quea pessoa e a obra de Paulo Freire estão intima-mente ligadas à revolução cultural dos países doTerceiro Mundo. Além disso, vem inspirandogrande parte dos movimentos de libertação pací-fica suscitadas pela Igreja, de maneira particularpela Igreja do Brasil, em todo o mundo. (*Teolo-gia da libertação, *Boff, Hélder *Câmara).

BIBLIOGRAFIA: Ação cultural para a liberdade e ou-tros escritos; Alfabetização; Aprendendo com a própria his-tória; Cartas a Cristina; Cartas a Guiné-Bissau; Contri-buições da interdisciplinaridade; Cuidado, Escola!; Dile-mas sócio-ambientais e desenvolvimento sustentável;Ecucação como prática da liberdade; Educação e mudan-ça; Educação na cidade; Essa escola chamada vida; Exten-são ou comunicação?; Fazer escola conhecendo a vida;Importância do ato de ler; Pedagogia do oprimido; Por umapedagogia da pergunta; Professora sim, tia não e outras.

Freud, Sigmund (1856-1939)

Neurologista austríaco, fundador da psicaná-lise. As teorias freudianas tiveram um grandeimpacto na psicologia, na psiquiatria e em outroscampos. Além disso, Freud levou suas conclusõespsicanalíticas ao campo mitológico e cultural,assim como aos fenômenos antropológicos e re-ligiosos. Reconhecido como um dos “filósofos dasuspeita”, junto a *Marx e *Nietzsche, suas teo-rias têm sido uma verdadeira revolução na inter-pretação do comportamento do homem.

Freud ingressou na Universidade de Viena em1873, para passar ao hospital geral da universida-de em 1882. Em 1885, mudou-se para Paris a fimde estudar, ao lado de Charcot, os fenômenos dahisteria. De volta a Viena, colaborou com Breuerem seus primeiros estudos sobre a histeria (1895),em que já aparecem as linhas do método psicana-lítico. Foi evoluindo para o estudo dos planos maisprofundos da mente: o inconsciente. Passou de-pois ao estudo das neuroses. Em 1899, publicouA interpretação dos sonhos, em que analisa oscomplexos processos simbólicos subjacentes àformação dos sonhos. Em 1905 apareceu sua

Freud, Sigmund

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controvertida obra Três ensaios sobre a teoria dasexualidade, que apresenta seus descobrimentosrelativos à sexualidade infantil, assim como asetapas do complicado desenvolvimento sexual, noqual inclui a formação do complexo de Édipo.Seguiram-se muitas outras obras famosas comoTótem e Tabu (1913); O mal-estar na civilização(1930), Moisés e o monoteísmo (1939), em queprojeta suas teorias e inquietações religiosas. Eoutras como O ego e o id (1923) e Lições de in-trodução à psicanálise (1932), em que aparecesua interpretação definitiva do inconsciente: Id,ego, superego.

Da teoria da personalidade e do inconsciente,Freud elaborou uma interpretação da religião,cujos pontos assim se resumem: a) A representa-ção edípica do pai é para Freud a base da crençanum Deus que clama culto e obediência e quecastiga o pecado. b) Na base da religião, de todaatitude religiosa, está o temor às forças da natu-reza, das quais depende o homem para sobrevi-ver e às quais não pode controlar. E, junto ao te-mor, a frustração do instinto que impõe ao indiví-duo a vida em companhia dos demais. “Dá-seentão — diz — uma resposta coletiva, e tanto asrepresentações fantásticas individuais quanto aconduta neurótica confundem-se com a fantasiacoletiva e com o ritual religioso.” c) A religião,portanto, é conseqüência dos instintos falidos doamor e segurança que o homem não encontra noseio da sociedade. Conclui-se, então, que as clas-ses sociais mais baixas experimentam uma ne-cessidade maior de religião porque sofrem umamaior frustração nos seus instintos do que as clas-ses dirigentes. d) Nessas condições, a religiãoserve para frear o instinto de rebeldia das massasou, no mínimo, de sua exigência de uma igualda-de de oportunidades para satisfazer seus desejos.“Enquanto as classes dirigentes desfrutam nãosomente de um nível real de satisfação dessesdesejos, senão também de uma satisfação vicáriaatravés da arte e da literatura, as massas, sem aces-so a eles, necessitam de representações fantásti-cas compensatórias de caráter religioso.”

Freud, Sigmund

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Desses princípios, Freud tira a conclusão deque a ética sancionada pela religião, através dosuperego justiceiro, impõe aos instintos humanosmais restrições que as devidas para manter a or-dem e a paz na sociedade. Mesmo assim, a ciên-cia proporciona uma sensação de controle e se-gurança diante das ameaças dos desastres natu-rais. Nesta situação, as crenças religiosas perdemintensidade. Quanto mais ciência, maior seguran-ça, maior flexibilidade social e menos religião.

BIBLIOGRAFIA: Obras em português: Adolescência;Ego e os mecanismos de defesa; Freud e a cocaína; Freud/Jung: correspondência completa; Infância normal e pato-logia; A interpretação dos sonhos; No interesse da crian-ça?; Histeria: primeiros artigos, I e II e outras; A. Plé, Freudy la religión. Estudo introdutório pelo Dr. Rof Carballo (BACminor).

Galileu Galilei (1564-1642)

*Ciência e fé.

Gardeil, A. (1859-1931)

*Teologia atual, Panorama da.

Garrigou-Lagrange, R. (1877-1964)

*Neo-escolásticos.

Gemelli, A. (1878-1959)

*Neo-escolásticos.

G

Gemelli, A.

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Germano, São (634-733)Patriarca de Constantinopla (715). Anterior-

mente fora um dos promotores do Quinto/sextoConcílio de Constantinopla (692). Condenou adoutrina dos monotelitas e se opôs valentementeao primeiro edito do imperador Leão III contra aveneração das imagens, vendo-se obrigado a aban-donar sua sede de Constantinopla em 730.

A obra teológica e de controvérsia de SãoGermano é extensa. Escreveu um tratado Dehaeresibus et synodis e várias cartas dogmáticas.Ficaram célebres suas homilias em defesa do cultoe devoção à Virgem Maria. Junto com São João*Damasceno, foi um dos grandes defensores doculto e veneração das imagens na longa lutaiconoclasta.

Gerson, João (1363-1429)Jean Charlier de Gerson, estudante e doutor

em teologia pela Universidade de Paris, chegou aser seu chanceler em 1391. Empreendeu umagrande atividade como homem de Igreja para pôrfim ao grande Cisma do Ocidente. Em 1415 par-ticipou como teólogo no Concílio de Constância,onde defendeu a superioridade do *Concílio so-bre o papa. Pediu, mesmo assim, que os teólogostivessem voz no Concílio junto aos bispos. To-mou parte na redação dos chamados “Quatro Ar-tigos” de Constância. Sua denúncia sobre as pro-posições de J. Petit a favor do tiranicídio vale-ram-lhe o ódio do duque de Burgúndia, pelo quenão pôde voltar a França até 1419.

Além de suas idéias teológicas sobre a “teoriaconciliar”, mas sem rechaçar a primazia do papa,Gerson continuou o nominalismo radical de*Ockham: nada é objetivamente bom ou mau. Abondade ou maldade dos atos depende exclusi-vamente da vontade de Deus. À doutrina tomistada graça contrapôs a nova corrente nominalistabaseada na doutrina mística agostiniana. Dentresua imensa produção literária, teológica e espiri-tual, destacam suas Considerationes de theologia

Germano, São

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mystica speculativa; De theologia mysticapractica; De perfectione cordis e Consolatiotheologiae.

A influência de Gerson, tanto na teologia quan-to na vida espiritual e mística, foi enorme ao lon-go dos séculos XV-XVI.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Amberes 1706, 5 vols.;Oeuvres complètes. Ed. de P. Glorieux, 1960-1973, 10 vols.;J. B. Schawab, J. Gerson, 1958.

Gertrudes, Santa (1256-1302)Mística alemã que nos deixou a sua experiên-

cia mística de oração e contemplação no livrointitulado Legatus divinae pietatis. Das quatropartes de que se compõe, parece que somente asegunda foi escrita por ela; as outras três foramcompostas sobre a base de notas e escritos dasanta.

O Legatus divinae pietatis é considerado comoum dos livros mais belos do misticismo cristão.É um dos testemunhos mais primitivos de devo-ção ao Coração de Cristo.

Gide, André (1869-1951)A presente análise não quer nem pode ser um

estudo completo da complexa personalidade deGide. Tendo como fundo sua vida e sua obra, ten-ta orientar a leitura deste escritor e moralista fran-cês que recebeu o prêmio Nobel em 1947. E mais:é uma orientação para se descobrir sua atitude anteos valores morais e cristãos. A influência que esseautor teve na primeira metade do século e a “Con-sideração de grande humanista e moralista nagrande tradição do século XVII francês” são asrazões de sua presença aqui.

A obra literária de Gide sustenta-se sobre oargumento de si mesmo. É um relato pessoal dasua difícil e atormentada travessia pelos maresdeste mundo. Em torno do tema de seu eu, escre-veu as frases mais brilhantes e ambíguas: “Nãosou mais que um menino que se diverte, e ao

Gide, André

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mesmo tempo um pastor protestante que o enfas-tia” (Diário, 1907). “Nunca soube instalar-me navida. Sempre sentado de lado, como num braçode sofá: disposto a levantar-me, a partir.” Em 1926confessará, em meio a sua angústia, a sua procu-ra de Deus: “O catolicismo é inadmissível; o pro-testantismo intolerável; e eu me sinto profunda-mente cristão”, para acabar criando a sua própriaética, anulando seu sentido de culpa, e chegar aser ele mesmo. Os que o conheceram e com eleconviveram viram nele a “inversão generalizada”incapaz de cumprir em si mesmo o “dever de serfeliz”, “de amar e ser amado”, primeira e últimarazão de sua vida e de sua obra. “Seria mais fácilcaracterizá-lo como um caso de coquetismo ab-soluto, que iludiu todo compromisso, em especi-al o religioso, depois de desfrutar as emoções deuma vaga piedade panteística, de uma tradicionalmoral calvinista e de uma aproximação ao catoli-cismo... E também o compromisso político, lim-pando — Retorno da URSS — as possíveis im-plicações de uma viagem (1936) em que, na Pra-ça Vermelha, havia descoberto, pela primeira vez,que ‘o escritor não é um opositor’. Mas tambémnão passando a um anticomunismo militante”

Gide, André

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(José M.ª Valverde, Historia de la literatura uni-versal, 8, 83s.).

A obra de Gide possui “a sugestão do narci-sista, que atrai os demais porque somente estáatraído por si mesmo — neste caso, atraído masnão absorto —; certamente, uma atração que devemuito à sua prosa nítida e equilibrada, que nãoparece esforçar-se para conquistar-nos” (Ibid.,486-487). Sempre elusivo e automarginalizado,disponível somente para si mesmo, em 1891 e como título Cadernos de André Walter, expôs suastendências homossexuais. Procura a salvação desua angustiada juventude no matrimônio com suaprima, a quem não desejava: “Teu corpo me coí-be e as possessões carnais me espantam”. Sua ten-dência vai por outro lado, como nos lembra em Oimoralista (1902). Através de suaves veladurasseminovelísticas, “aparece a pederastia em con-traste com uma viagem ao mesmo tempo matri-monial, quase em branco, e cheia de afeto e an-gústia pela tuberculose que passa de um para ou-tro”.

O mais importante na obra de Gide é seu livroOs alimentos terrestres (1897). O autor incita umjovem, Natanael, a amar a terra, a vida e as coi-sas, em tom ao mesmo tempo sensual e religioso.Sua mensagem final: “Não te amarres em ti maisdo que ao que sentes que não está em nenhumaparte mais do que em ti mesmo”. A sua novelísticaincorpora uma enorme problemática religiosa emoral, como em A porta estreita (1909) e A sin-fonia pastoral (1909). O tema de si mesmo o en-contramos em Coridon (1923), onde defende suasinclinações e costumes, uma vez que sua mulherseparou-se dele depois de conhecer sua inclina-ção. A partir dessa data, abundam seus escritosautobiográficos, sobretudo o seu famoso Diário,a mais sugestiva de suas obras e cheia de agude-za nas suas observações.

“Eu era bastante semelhante ao filho pródigo,que vai dilapidando grandes bens”, escreveu Gideem 1932. De um ambiente puritano desejoso devida pura e transcendente, primeiro junto à sua

Gide, André

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mãe e depois ao lado de sua mulher, o escritorpassará a descobrir “os alimentos terrestres”. “Eucontinuo sendo filho desta terra”, dirá no final desua vida. Há em Gide uma constante conversãopara a vida, o mundo e os sentidos. Acaba rom-pendo definitivamente com sua vida e com suasprimeiras convicções cristãs.

“O que me entristece, aponta Charles Moeller,é a espécie de fervor ‘apostólico’ com que Gidepropõe seu antiteísmo; ele dá a impressão de es-tar na posse de uma verdade derradeira a entregaraos homens... Parece que fazia, durante os últi-mos anos da sua vida, uma espécie de apostoladoao inverso. Ele aproveitava todas as ocasiões paratentar convencer os seus melhores amigos da ver-dade do seu ateísmo. Gide sectário, prosélito dadescrença, ele que dizia não querer comprome-ter-se nem servir nenhuma ideologia! Na verda-de, esta final metamorfose do nosso Proteu temqualquer coisa de trágico” (Ch. Moeller, Litera-tura do século XX e cristianismo, I, 184s.).

BIBLIOGRAFIA: Obras em português: Coridon; Osfrutos da terra; Os moedeiros falsos; Paludes; A porta es-treita; Se o grão não morre; A sinfonia pastoral e outras;nos Clásicos del siglo XX. Plaza e Janés, Barcelona, 5 vols.;Ch. Moeller, Literatura do século XX e cristianismo. I.

Gil de Roma (1243-1316)

Nascido em Roma, entrou para os ermitãos deSanto Agostinho em Paris, terminando como ar-cebispo de Bourges (1295). Gil de Roma é umsólido filósofo e teólogo escolástico. Fez comen-tários sobre Aristóteles e *Pedro Lombardo. Es-creveu tratados contra *Averróis, sobre os anjose sobre o pecado original.

O mais conhecido e popular de seus livros éDe regimine principum, escrito em 1285, e dedi-cado a seu discípulo, o futuro rei Filipe Belo, noqual estabelece os princípios do poder temporaldo príncipe. Complemento desta obra é seu trata-do De summi pontificis potestate. Nele se inspi-rou e se apoiou Bonifácio VIII para escrever sua

Gil de Roma

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famosa bula Unam sanctam (1302), que declaranão haver mais do que uma “só Igreja, fora daqual não existe nem salvação nem perdão dospecados”.

Gilson, Etienne (1884-1978)

Dificilmente se pode resumir o trabalho de E.Gilson como filósofo tomista e como historiador,pesquisador e crítico da filosofia, teologia eespiritualidade medieval. A ele se deve, em par-te, a renovação e o novo enfoque dos estudos atu-ais sobre a Idade Média. Graças a ele temos umanova visão do que foi a ciência, a filosofia, a arte,a espiritualidade e a Igreja do período medieval.

Seus estudos sobre filosofia medieval (A Filo-sofia na Idade Média, 51982), sobre São*Boaventura, Santo *Agostinho, São *Bernardo,*Abelardo, *Dante, Santo *Tomás e o tomismo,sobre a filosofia e a mística cristã, fazem de E.Gilson um dos pensadores e pesquisadores maissólidos da doutrina cristã.

Gnosticismo

*Gnósticos.

Gnósticos (séc. II-III)

Escritos gnósticos ou literatura gnóstica. Du-rante os três primeiros séculos do cristianismofloresce uma literatura muito rica de autores. É adenominada literatura gnóstica, que tem comocontrapartida a literatura agnóstica dos escritoresalexandrinos e de outras escolas. O fenômenodestes escritos pode ser comparado ao atual“boom” das seitas. Como as seitas atuais, ognosticismo e outras correntes de então organi-zaram uma propaganda muito eficaz e ganharamadeptos nas comunidades cristãs, valendo-se deuma interpretação do cristianismo baseada nagnose ou filosofia religiosa dos gregos. Além dosinimigos externos — o judaísmo e o paganismo

Gnósticos

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— os autores cristãos têm uns inimigos internosmuito mais perigosos: o gnosticismo e omontanismo, que tratam de minar, por dentro, tan-to a fundamentação espiritual e o caráter religio-so do cristianismo, quanto sua missão e caráteruniversais.

As origens do gnosticismo devem ser procu-radas na época helenística. Como conseqüênciadas conquistas de Alexandre no Oriente (334-324a.C.), desenvolveu-se uma estranha mescla dereligião oriental e de filosofia grega, conhecidacomo gnosticismo. Das religiões orientais tomousua fé num dualismo absoluto entre Deus e omundo, entre a alma e o corpo. Colocava a ori-gem do bem e do mal em dois princípios total-mente diferentes, e procurava com ânsia a Re-denção e a imortalidade. Da filosofia grega, ognosticismo recebeu seu elemento especulativo.Assim, do neoplatonismo tomou a especulaçãosobre a Redenção e os mediadores entre Deus e omundo; do neopitagorismo herdou um misticis-mo naturalista; e, do estoicismo, o valor do indi-víduo e o sentido do dever moral.

O gnosticismo penetrou nas comunidades cris-tãs quando essas se estabeleceram nas grandescidades. As diferentes seitas gnósticas trataramde elevar o cristianismo do nível da fé ao da ciên-cia. A produção literária do gnosticismo foi enor-me, principalmente no séc. II, e grande parte delaé anônima. É formada por muitos evangelhosapócrifos, cartas e feitos dos apóstolos. Sua enor-me difusão e o caráter popular destes escritos fezestragos entre o povo. Mas também essa literatu-ra gnóstica compreende tratados teológicos, com-postos pelos mesmos fundadores de seitas e porseus discípulos.

Até há poucos anos, considerava-se perdida amaior parte dessa literatura. Em 1945 descobriu-se no Egito superior uma biblioteca gnóstica de48 tratados, todos eles inéditos. Entre os numero-sos autores gnósticos, resenhamos aqui os princi-pais:

— Basílides, professor de Alexandria, que vi-

Gnósticos

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veu durante o império de Adriano e Antonino Pio(120-145). Escreveu um Evangelho e um comen-tário do mesmo, chamado Exegética, que desa-pareceu. O resumo de sua doutrina é dado porSanto *Irineu (Adv. haer., 1, 24, 3-4).

— Valentim, egípcio de nascimento e educa-do em Alexandria, instalou-se em Roma e ali pro-pagou sua doutrina. De suas obras restam somentefragmentos de cartas, homilias. Alguns lhe atri-buem algum tratado. Valentim teve muitos adep-tos tanto no Oriente quanto no Ocidente. Mere-cem ser citados entre os seus inumeráveis discí-pulos: Ptolomeu, que escreveu uma Carta a Flo-ra, sem dúvida a peça mais importante da litera-tura gnóstica que possuímos; Heraclião, o discí-pulo predileto de Valentim; Florino, contra quemSanto *Irineu escreveu duas cartas; Bardasanes,Harmônio, Teodoto e Marco são consideradostambém discípulos de Valentim no Oriente.

— Marcião é, sem dúvida, o autor gnósticomais importante. Nascido em Sínope (Ponto), ins-talou-se em Roma próximo ao ano 140. Muitocedo começou a difundir suas idéias gnósticas,pelo que foi excomungado. Depois desse fato,Marcião formou a sua própria Igreja, com bis-pos, presbíteros e diáconos. Sua liturgia era mui-to semelhante à da Igreja Romana. Talvez por issoconseguiu mais seguidores do que as demais sei-tas gnósticas. São *Justino nos diz que a sua Igrejase “havia estendido por toda a humanidade”.

A única obra que Marcião escreveu, Antítesis,perderam-se, assim como uma carta dirigida aoschefes da Igreja de Roma, na qual dava conta desua fé. Conservam-se, não obstante, muitos frag-mentos. Marcião rechaça o Antigo Testamento, eCristo não é o Messias profetizado por ele. Nãonasceu da Virgem, nem sequer em aparência.Manifestou-se de repente na sinagoga deCafarnaum, e desde então manteve uma aparên-cia humana que conservou até a sua morte na cruz.Derramando o seu sangue, redimiu todas as al-mas do poder do demiurgo. Os corpos não foramredimidos e continuam sob o poder do demiurgo.

Gnósticos

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Teve como discípulo Apeles, que lecionou emAlexandria e Roma. Segundo *Eusébio, nesta ci-dade teve uma discussão com Ródon, qualificadapor *Harnack como “a mais importante disputareligiosa da história”. Aqui está a relação do pró-prio Ródon: “O ancião Apeles, quando veio con-versar conosco, ficou convencido de que haviamuitas afirmações falsas. Desde então costuma-va dizer que não é necessário pesquisar a fundo oassunto, mas que cada qual deve permanecer emsua própria crença. Afirmava que todos os quedepositam sua confiança no Crucificado serãosalvos desde que perseverem nas boas obras. Mas,como dissemos, a parte mais obscura de suas dou-trinas é o que dizia sobre Deus”... (Eusébio, Hist.Ecles., 5, 13, 5-7).

BIBLIOGRAFIA: Sobre os primeiros gnósticos, ver J.Quasten, Patrología, I, 243-267; Los evangelios apócrifos(BAC), 3 vols. Os fragmentos gnósticos, em W. Volker,Quellen zur Geschichte der christlischen Gnosis. Tübingen1932; A. Orbe, Cristología gnóstica, introducción a lasoteriología de los siglos II y III (BAC), 2 vols.; LosGnósticos. Introduções, traduções e notas de J. MontserratTorrens. Gredos, Madrid, 2 vols.

González, Zeferino (1831-1894)

*Neo-escolásticos.

Grabmann, Martin (1875-1949)

Grabmann é considerado um dos grandes his-toriadores e intérpretes da filosofia e da teologiamedievais. De 1918 até a sua morte, foi professorde teologia em Munique. Seguindo os passos deH. S. *Denifle e outros historiadores da IdadeMédia, investigou a evolução da escolástica des-de a época patrística. Seus estudos expuseram asmudanças e a evolução que oferecem as obras deSanto *Tomás, acentuando estes mais do que oesquema de um sistema fixo e imóvel.

Seu trabalho de teólogo e investigador ficouplasmado em seus estudos sobre Santo *Tomás,história da teologia católica, Santo *Alberto Mag-

González, Zeferino

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no etc. Como pesquisador deve-se a ele o desco-brimento de manuscritos, edições críticas destese numerosas e importantes correções e precisõesde datas e autores medievais.

Graciano (c. 1140)

*Livros penitenciais.

Granada, Frei Luís de (1504-1588)

“Granada, que exerceu uma considerável in-fluência em toda a Europa, com sua mescla deatitude popular e técnica clássica, com um senti-do ingênuo e bondoso da religiosidade, figura comtraços inconfundivelmente pessoais entre os qua-tro ou cinco ápices de nossa mística ascética eentre os primeiros que pode oferecer qualqueroutra literatura.” Andaluzo, granadino, cheio deimaginação e de sentido fino e detalhista; de ori-gem humilde, filho de uma lavadeira, tudo o pre-dispunha a uma atitude franciscana diante dascoisas; bom, crédulo, demasiado confiante noshomens, quase ingênuo. Por sua formaçãodominicana, conservou uma disposição sistemá-tica das grandes obras de procedência tomista,aristotélica, mas seu espírito estava mais próxi-mo de Santo *Agostinho e de Platão. Há em suasobras muitas citações de Santo *Tomás, porém,não menos de Santo Agostinho. Sua atitude dian-te da natureza, em cujas obras vê um reflexo dabeleza e bondade de Deus, é essencialmentefranciscana.

— Desse amor a toda a natureza nasce sua fer-vorosa religiosidade: amável, franciscana tam-bém: “Senhor, Deus meu, nada deseja mais mi-nha alma do que amar-vos”. Seu dom da palavrae dotes oratórios — foi comparado a Cícero e aSão João Crisóstomo — põe a serviço da fé e dadoutrina cristã. Antes de tudo, Frei Luís de Gra-nada foi um pregador, ministério que exerceudurante toda a sua vida, inclusive desde que seinstalou em Portugal. Ainda em 1581, Filipe II

Granada, Frei Luís de

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escreveu a suas filhas: “Por ser tarde, não tenhotempo de dizer-vos mais, senão que ontem pre-gou aqui, na capela, Frei Luís de Granada, e mui-to bem, embora seja muito velho e sem dentes”.

— Complementos dessa prédica são as obrasescritas que nos deixou e pelas quais é considera-do um verdadeiro mestre espiritual: Introduçãoao símbolo da fé; Livro da oração e da medita-ção e Guia de pecadores.

— Toda a primeira parte da Introdução ao sím-bolo da fé (1583-1586), sua obra mestra, é umcomentário às belezas das coisas criadas, para noselevarmos por elas ao conhecimento de Deus. FreiLuís de Granada baseia-se em Plínio, em Eliano,em passagens da Bíblia, para falar-nos de certaspropriedades dos brutos, mas, ao lado de seuscomentários pessoais a tais textos, acrescentamuitas impressões próprias de sua observação.Todas as belezas da natureza são motivo paraaproximar-nos do Criador, e Frei Luís não fazoutra coisa do que “filosofar neste grande livrode criaturas”. Tão evidente é o sinal de Deus emtodos os seres da natureza que, como Santo Agos-tinho, antes duvidaria de haver alma em seu cor-po do que “duvidar se há Deus neste mundo”. Emseus argumentos combina e vai dosando os teste-munhos dos padres com os filósofos, principal-mente de Cícero e Sêneca, de Santo Tomás e deAristóteles. Não em vão foi um homem doRenascimento.

A 2ª parte do livro refere-se às excelências dafé católica e à história de diversos mártires com otriunfo da religião de Cristo sobre a idolatria. A3ª parte toca o mistério da redenção. A 4ª trata domistério da redenção pelas profecias que o anun-ciaram e pelas objeções que possa suscitar. Na 5ªparte resume as anteriores. Obra teológica proli-xa, repetitiva às vezes, de muito discutido valorliterário. A verdadeira obra mestra do escritoramante da natureza encontra-se na 1ª parte. Asoutras, bem inferiores em conjunto, apresentam,contudo, fragmentos e detalhes de indubitávelformosura.

Granada, Frei Luís de

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— O Livro da oração e da meditação é frutoda piedade efusiva do dominicano. Sua medita-ção centra-se nos mistérios da vida e paixão deCristo desde o nascimento até depois da morte.

— A principal obra ascética de Frei Luís deGranada é o Guia de pecadores (1556). É um tra-tado completo de ascética, em que aponta o ca-minho que leva a Deus, os meios que temos e osperigos que nos espreitam. Para empreender essecaminho até Deus, coloca-se diante de nós a ex-celência da virtude e do serviço de Deus.

— Com esses livros, o padre Granada trans-formou-se num clássico que nos transmite de for-ma amena e sólida a doutrina de Cristo.

BIBLIOGRAFIA: Obra selecta de Frei Luís Granada.Seleção de textos (BAC); Álvaro Huerga, Fray Luis de Gra-nada. Una vida al servicio de la Iglesia (BAC). Madrid 1990.

Gratry, Auguste (1805-1872)

Filósofo e pensador religioso com grande in-fluência no pensamento católico francês da se-gunda metade do século XIX. Deixou uma obraabundante de filosofia religiosa: Do conhecimentode Deus (1853); Do conhecimento da alma(1857); A filosofia do credo (1861); A paz (1861);Comentário ao evangelho de São Mateus (1863);A moral e a lei da história (1868); Recordaçõesda minha juventude (1874).

A doutrina filosófica de Gratry, com ressonân-cias em *Blondel e outros filósofos modernos,insiste nestes pontos: a) Uma alma completa é aprimeira condição para uma filosofia válida e fe-cunda, porque não se pesquisa somente com oentendimento, mas com todo o ser. b) Todas asfilosofias contemporâneas — fideísmo,positivismo, neocriticismo, neo-hegelianismo etc.— são expressões de um pensamento parcial, afas-tado do que deve constituir o humus e o horizon-te do pensamento. c) A filosofia coleta as contri-buições de todas as ciências, é o ideal da ciênciacomparada. d) Admite a solidez e o valor das pro-vas da existência de Deus, mas as integra e

Gratry, Auguste

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completa numa perspectiva de sugestão vital. Paracomprovar a existência de Deus, apela ao “senti-do divino”, de função análoga ao “sentido exter-no” que nos testemunha a realidade exterior. Aculminação da metafísica é a teodicéia, onde en-contram seu único ponto de referência e sua úni-ca fonte, as normas e diretrizes de nossa vida e asleis que iluminam a história. e) A fé sobrenaturalé o complemento legítimo, se bem que gratuito,de nosso horizonte. A verdade cristã garante a pazda inteligência e do coração, conferindo-lhes, coma possessão de Deus, uma felicidade tão abun-dante e sublime que quase se pode identificar coma da visão beatifica. f) No campo social, a fé ligaos homens mais estreitamente entre si e os fazconscientes de participar num projeto comummais elevado.

Gratry restaurou o Oratório na França e foium dos pensadores cristãos mais sólidos de seutempo.

BIBLIOGRAFIA: Julián Marías, La filosofía de P.Gratry, em Obras, II.

Greene, Graham (1904-1991)

Novelista inglês, criador de um mundooriginalíssimo de idéias e de personagens. Foiqualificado como “narrador de problemas”, e“fabulador do mundo moral e do pecado”. Con-vertido em 1926 ao catolicismo, educou-se naUniversidade de Oxford. Depois de um breveperíodo como jornalista no “Times” de Londres,começou sua carreira de escritor e crítico em 1929.Durante 60 anos foi-nos dando uma rica galeriade intrigas e de personagens em forma de nove-las de suspense, de entretenimento, de dramas ede artigos, entrevistas etc.

“As histórias contadas por Graham Greene sãoaparentemente profanas; nunca o novelista lhesdeu aquela demão que orienta o tema num senti-do edificante; vários romances seus lêem-se comohistórias policiais. A técnica cinematográficaempresta aos sucessivos quadros um incompará-

Greene, Graham

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vel poder de sugestão. Uma atmosfera opressivapaira sobre cada livro: o calor úmido do México,a luxúria melancólica de Brighton, o Expresso doOriente lançado através da Europa, com o seucarregamento de destinos cômicos ou trágicos, afrialdade matemática de Estocolmo, a nudez quen-te e putrefacta da Serra Leoa.

O leitor mais desatento adivinha contudo quepara além do drama aparente se desenrola outro;uma espécie de contraponto oculto, de estranharessonância aos menores gestos, nas mais insig-nificantes palavras. Logo se percebe que a atmos-fera é habitada por outra presença, a do mal e dopecado” (Ch. Moeller, Literatura do século XX ecristianismo, I, 291).

Como compreender G. Greene? As leituras einterpretações, que a cada dia se fazem deste es-critor inglês, deixam-nos perplexos. É simples-mente um escritor de novelas policiais? É um re-volucionário simpatizante do comunismo? É, poroutro lado, um escritor ou novelista católico? Es-sas e muitas outras perguntas se fazem, a cadadia, inumeráveis leitores do todo o mundo. Ondeestá sua originalidade e qual é a diferença que fazdeste autor único e diferente de todos? Talvez aresposta a tudo isto a encontremos numa fraseatribuída ao próprio G. Greene: “Gostaria de serconhecido antes como um católico novelista, doque como um novelista católico”. O mundo de G.Greene é um mundo caído, e nele está onipresenteo mal. A obsessão de Greene é a presença de Sa-tanás: “a graça, a bondade, o poder de Deus estãode tal modo submersos no oceano do mal, queDeus parece morto, crucificado mais uma vez nummundo cego e perverso; seus cristãos ficam a talponto fascinados por essa ‘morte de Deus’, quese sentem esmagados; não são santos; por vezesmenos que homens. A impotência aparente deDeus manifesta-se nesses romances, com umaforça nunca igualada até agora. A tentação maioré o desespero diante do silêncio de Deus” (Ch.Moeller, o. c., I, 291-292).

Rara é a obra em que não aparece um tema

Greene, Graham

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moral e religioso, do tipo político, social ou sim-plesmente humano. Assim, em O poder e a gló-ria (1940) aparece um sacerdote mexicano, bê-bado e com um filho, na época das perseguiçõesanticlericais em seu país, que aceita o risco demorte por auxiliar um moribundo. Em O revés datrama (1948), o desenvolvimento religioso emoral resulta um tanto paradoxal: um homem,abandonado por sua mulher e unido a uma jovemtambém abandonada, não quer se separar dela,mas também não quer deixar de receber a comu-nhão, e sua escapatória para evitar a continuaçãodo sacrilégio é o suicídio, confiante na misericór-dia divina. Fim de caso (1951) apresenta o casocurioso de uma mulher que teme que seu amanteadúltero tenha morrido num bombardeio. Isto aleva a prometer a Deus, em quem talvez já nãoacredita, renunciar a ele se ainda estivesse vivo:assim se cumpre, e nas folhas de seu diário co-meça a crescer a presença de um “Outro”, o Deuspossível, rival especialmente temível para umamante mortal. Encontramos a temática da fé eda moral em quaisquer de suas novelas. Célebree discutida é a sua comédia O quarto de estar(1953), onde problemas de moral matrimonialfazem aflorar problemas de fé.

Provisório e, logicamente, não definitivo nemdogmático deve ser o juízo sobre a obra literáriade Greene. Também não se pode reduzir sua obranuma única mensagem. São muitas as leituras.Mas uma coisa é certa: Graham é o “mártir daesperança”. O silêncio de Deus é a paz de Deus;a ausência de Deus, a sua presença mais profun-da; e no fundo do crime, a misericórdia lança suaschamas mais prementes. “A obra de Greene, con-clui Ch. Moeller, nada mais é que um comentáriodas palavras divinas: ‘Não julgueis’. Não julgueiso mundo que vos parece abandonado por Deus:ele está habitado por Deus. Não julgueis a huma-nidade que, aparentemente, matou Deus; ela foisalva por Deus. Não julgueis a derrota de Deus,espezinhado em instituições que se entregam aSatanás, zombando da debilidade dos seus sa-

Greene, Graham

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cramentos; o poder e a glória de Deus estão alipresentes” (o. c., I, 339).

BIBLIOGRAFIA: Muitas das obras de G. Greene estãotraduzidas para o português: Os farsantes; Fim de Caso; Ohomem de muitos nomes; Um lobo solitário; O poder e aglória; Os planetas interiores; O décimo homem e outras.Ch. Moeller, Literatura do século XX e cristianismo, I; L.Durán, Las crisis del sacerdote en Graham Greene (BAC).

Green, Julien (1920-)

*Literatura atual e cristianismo.

Gregório XVI (1765-1846)

*Syllabus.

Gregório de Nissa, São (335-395)

A personalidade de Gregório de Nissa desta-ca-se entre os demais capadócios por sua siste-matização doutrinal da fé cristã sobre a base deum encontro substancial com a filosofia grega,principalmente platônica. Torna a repetir o em-penho de *Orígenes de iluminar a fé com a gran-de filosofia grega.

Nascido em Cesaréia de Capadócia, seguiubem de perto os passos e as lutas dogmáticas deseu irmão São *Basílio Magno, e de São*Gregório Nazianzeno. Começou como profes-sor de retórica, e depois, próximo de 360, passouao estudo da teologia e da vida monacal sob ainspiração e guia de seu irmão Basílio. Em 372foi consagrado bispo de Nissa, mas prontamentefoi acusado e deposto por instigação de Valente,até que, na morte deste, foi chamado pelo povo àsua sede episcopal. A partir desse momento, en-tregou-se a seu trabalho como bispo e em váriasmissões de frente, pela pacificação das Igrejas daTransjordânia. Em 381 tomou parte no II Concí-lio Ecumênico de Constantinopla, onde foi reco-nhecido pelo imperador Teodósio como um dosgrandes defensores da comunhão ortodoxa. Foi

Gregório de Nissa, São

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considerado, desde então, o maior defensor da fécatólica contra os arianos.

Gregório de Nissa foi, antes de tudo, um ho-mem de estudo, um teólogo. Sua principal obra éo Grande discurso catequético, em que, de for-ma sistemática, mostra o lugar dos sacramentosna restauração da imagem de Deus na naturezahumana perdida pelo pecado de Adão. Escreveutambém um tratado Contra Eunômio, outros doisContra Apolinário, tratados e diálogos Contra osgregos, Sobre a fé, Sobre a Trindade, Sobre a almae a ressurreição. Destaca-se também seu laborexegético, principalmente no Apologético sobreo Hexámeron e a Criação do homem.

Uma das facetas mais pessoais de SãoGregório de Nissa são os seus escritos ascéticos emísticos. Citemos, por exemplo, a Vida deMacrina, sua irmã; o tratado Da virgindade, eprincipalmente sua obra mística Vida de Moisés.A travessia do deserto realizada por Moisés émodelo do progresso da alma através das tenta-ções do mundo para chegar a Deus. Uma de suasidéias fundamentais neste ponto é que a perfei-ção não é estática, mas está em constante cresci-mento. Completa-se seu labor pastoral nas cartase sermões, destinados a celebrar os santos deCapadócia, ou abordar os problemas de ordemdogmática e moral próprios de seu tempo.

— Em São Gregório de Nissa tornamos a en-contrar toda a temática dos padres capadócios edas formulações de *Orígenes: doutrina sobre aTrindade já expressa em termos que seriam o pon-to de partida para a teologia posterior; doutrinasobre a natureza de Cristo, sobre a fé da Igreja,sobre os sacramentos etc. Particular interesse ofe-rece sua doutrina sobre a criação do mundo e acriação do homem, esta “por um ato de amorsuperabundante”. O homem é um microcosmos,e é também imagem de Deus. Seu tributo funda-mental é a liberdade. Sem liberdade não haverávirtude, nem mérito, nem pecado. Somente na li-berdade está a origem do mal. O corpo não é ummal, nem a causa do mal, porque é uma criação

Gregório de Nissa, São

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de Deus. O mal está em nosso interior e consisteno desvio do bem devido ao livre-arbítrio. Pelopecado, o homem perde sua condição de imageme semelhança de Deus.

— Para dirigi-lo em seu caminho de retornoao ideal primeiro, tal como saiu o homem dasmãos de Deus, foi necessária a encarnação doLogos. A natureza divina uniu-se à humana comoa chama se une ao corpo inflamável, ou como aalma supera os limites de nosso corpo e se movi-menta livremente com o pensamento através dacriação inteira. A redenção de Cristo transforma-rá os homens e os conduzirá novamente à suacondição primeira.

— “Pela encarnação e redenção de Cristo, todaa natureza, e principalmente todo o homem, che-gará à apocatástasis, à reconstrução da condiçãofeliz” (Or. Cath., 10). “Até o inventor do mal, istoé, o demônio, unirá sua própria voz no hino degratidão ao Senhor” (Ibid., 26). Com a ressurrei-ção do corpo, o homem entra no conhecimentomístico de Deus, o êxtase. Este paira por cimadas aparências e da própria razão. O ver consisteem não ver, já que a energia divina é inconcebí-vel e inefável.

Gregório de Nissa: a) representa a expressãomáxima da especulação cristã dos primeiros sé-culos, acima, inclusive, de Orígenes. b) A doutri-na cristã tem nele sua primeira sistematizaçãodoutrinal, sobre o fundamento de uma filosofiagrega, particularmente platônica e neoplatônica.c) Fez avançar a teologia trinitária, e do mesmomodo que os demais capadócios não conseguiuexplicar satisfatoriamente a unidade (essência) daspessoas com sua diversidade (individualidade).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 44-46; Quasten,Patrología, II, 267s.; de J. Daniélou (SC 1, 1956).

Gregório de Tours, São (540-596)

São Gregório, bispo de Tours desde 573, pas-sou à história literária por duas obras fundamen-tais. A primeira e mais valiosa é a sua Historia

Gregório de Tours, São

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Francorum. Começou a escrevê-la em 576 e co-bre um longo período, desde a criação do mundoaté o ano 591 de nossa era. É particularmentedetalhista nos últimos vinte anos, em que relatafatos recentes da história da França. A HistoriaFrancorum é de capital importância para a histó-ria da Igreja e da França.

De menor peso documental é o seuMiraculorum libri, uma série de relatoshagiográficos nos quais abunda o milagroso e osobrenatural. Iniciou também a literaturahagiográfica, tão em moda ao longo da IdadeMédia.

Gregório Magno, São (540-604)

Nasceu em Roma e morreu nessa mesma ci-dade. Passou à história como o arquiteto dopapado medieval. Papa de 590 a 604, é reconhe-cido como um eminente teólogo, administrador ereformador social, litúrgico e moral. Considera-do o último doutor da Igreja latina, tratou de mo-delar as idéias agostinianas de A cidade de Deusnuma sociedade que cristalizaria, mais tarde, noque hoje conhecemos como cristandade. Seriauma societas reipublicae christianae, onde a au-toridade secular estaria submetida à autoridadeeclesiástica.

São conhecidas as suas facetas de monge —fundou sete mosteiros —, de reformador e demissionário. Foi o grande impulsor da vida mo-nástica iniciada por São *Bento. Em 596 iniciouum dos grandes feitos de seu pontificado, envi-ando missionários à Inglaterra, de onde mais tar-de partiriam São Wilibrordo e São Bonifácio paraa evangelização do centro da Europa.

Menção especial merece seu trabalho comoadministrador e organizador da Igreja. Sem nun-ca renunciar à sua condição de monge, consoli-dou o patrimônio de Pedro, chegando a ser, semperceber, o fundador do que se conheceria maistarde como Estado Pontifício e da autoridade tem-poral do papa. Mas sempre pensou que o

Gregório Magno, São

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patrimônio de Pedro deveria estar a serviço ime-diato da Igreja e dos pobres. Entendeu seu gover-no como serviço da caridade sobre a autoridade.Assim o demonstra o epitáfio de sua tumba: Côn-sul de Deus.

A atividade pastoral de São Gregório Magnoestá registrada no Registrum epistolarum, cole-ção de suas cartas oficiais. Como bom romano, acaracterística de Gregório é sua praticidade. Seusescritos em geral carecem de originalidadeespeculativa. Sua formação eclesiástica não foitão extensa e profunda como a dos padrescapadócios. Não captou, como esses, os valorescaracterísticos da cultura e da arte. Sua fonte é osentido organizativo e prático. Daí sua preocupa-ção com o encaminhamento da vida monástica, aformação do clero e do povo, a reforma da Missae do canto chão, conhecido como cantogregoriano. Daí também sua preferência pela parteprática da teologia: valor dos milagres, exemplosda vida dos santos, a doutrina do purgatório e aconseguinte satisfação com as Missas chamadasgregorianas etc.

Três de suas obras exerceram uma influênciadecisiva no pensamento e na práxis posterior daIgreja: 1) Liber regulae pastoralis, conhecidocomo a Regra pastoral, que se transforma no guiaespiritual e prático dos bispos da Idade Média. 2)Os diálogos sobre a vida e milagres dos primei-ros santos da Igreja na Itália. Destaca a vida deSão *Bento. 3) Moralia in Job, o texto clássicopor excelência e encontro obrigatório sobre amoral e interpretação bíblica, que marca um ca-minho na história da moral cristã. Figuram tam-bém entre suas obras duas coleções de homiliassobre os evangelhos e sobre Ezequiel.

A importância de Gregório consiste em terprocurado conservar, num período de decadênciatotal da cultura, as conquistas dos séculos ante-riores.

BIBLIOGRAFIA: Obras de san Gregorio Magno. Re-gra pastoral. Homilias sobre a profecia de Ezequiel. Qua-renta homilias sobre os evangelhos (BAC).

Gregório Magno, São

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Gregório Nazianzeno, São (330-390)

Amigo pessoal de São *Basílio, sua vida cor-reu paralela à deste último: monge, bispo, prega-dor e escritor. Nascido em Nazianzo, foi educadoem Cesaréia, Alexandria e posteriormente emAtenas, onde conheceu São Basílio. Primeiromonge e depois bispo de Sásima e deConstantinopla (379), sua incapacidade para go-vernar obrigou-o a se retirar para a vida solitáriae dedicar-se ao trabalho literário. Morreu emArianzo.

Os traços mais característicos de sua vida sãosua fidelidade e colaboração com a obra de SãoBasílio, sua luta contra o arianismo e semi-arianismo e os imperadores *Juliano e Valente,defendendo a doutrina trinitária tal como ficouexpressa em “o credo comumente chamado deNicéia”; sua doutrina contra o apolinarismo, naqual defende a integridade da natureza humanaem Cristo.

A obra literária de Gregório Nazianzeno com-preende discursos, cartas e poesias. Em colabo-ração com São Basílio devemos situar sua pri-meira obra chamada Filocalia, uma antologia dopensamento teológico e devocional tomado dasobras de *Orígenes. De seus sermões, que elechama de Orações teológicas, que lhe valeram otítulo de “teólogo”, destacam-se 5 dos 45 queconservamos. São os que vão do número 27 ao31. Foram pronunciados em Constantinopla edestinados a justificar a doutrina trinitária contrao ariano Eunômio e o semi-ariano Macedônio.Suas numerosas cartas, com um estilo bem cui-dado, aludem a sucessos de sua vida, a seus pa-rentes. Somente a última se refere a questões teo-lógicas.

O restante de seus escritos, as poesias, são decaráter polêmico. Há um longo poema autobio-gráfico conhecido como Carmen de se ipso, emuitos pequenos poemas de escasso valor poéti-co. São dirigidos especialmente contra osapolinaristas.

Gregório Nazianzeno, São

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O valor de São Gregório está vinculado, comonos padres capadócios, à sua luta contra oarianismo; a defesa da fé de Nicéia, principalmen-te na sua afirmação trinitária e cristológica, suaeloqüência posta a serviço da causa comum daIgreja: entre seus ouvintes teve uma testemunhade exceção, o jovem estudante da Bíblia: SãoJerônimo; e finalmente seu sentido da paz e daconcórdia, que o levou a renunciar a seu bispadoem Constantinopla. Para sermos completos, terí-amos de aludir à sua incapacidade para o gover-no e cuidado pastoral, ainda que as condições ecircunstâncias que o rodeavam não fossem nadafavoráveis.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 35-38; J. Quasten,Patrología, II, 251s., com a bibliografia e textos ali citados.

Grócio, Hugo (1583-1645)

Jurista e teólogo holandês, criador do“jusnaturalismo” e um dos “pais do direito inter-nacional”. Pertencente à corrente teológicaarmênia e de estilo pacífico e liberal, Grócio es-creveu duas obras fundamentais: De veritatereligionis christianae (1622), um manual de teo-logia prática para os missionários. Nele destacam-se duas tendências: a) o apoio a uma teologia na-tural concebida desde a natureza e a razão; b) asuperioridade do cristianismo sobre as outras re-ligiões.

Mas sua obra mais famosa é De iure belli etpacis (1625). Nela: a) separa o direito da teolo-gia; b) estabelece os princípios da justiça e dodireito sobre a base inalterável da lei natural(jusnaturalismo); c) essa lei nasce do homemcomo ser social. Em questões religiosas, Gróciomanifestou opiniões a favor da tolerância, masesta não consiste num “deixar fazer”, mas no res-peito à lei civil, fundamentada na lei natural.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia theologica. Amsterdã1679, 4 vols.

Grócio, Hugo

256 /

Groote, Gérard (1340-1384)

*Tomás de Kempis.

Guardini, Romano (1885-1968)

Esse professor ítalo-germânico é um dos gran-des valores do pensamento atual cristão. Nascidoem Verona (Itália), viveu toda a sua vida dedocência e magistério na Alemanha. Realizou seusestudos em Tubinga e Friburgo, onde se douto-rou em teologia em 1915. Em 1923 passou a ex-plicar a filosofia da religião em Berlim, sendoprivado da cátedra pelos nazistas em 1939. Des-de 1945 professou a mesma disciplina em Tubingae Munique (1948).

A vida e a atividade de Romano Guardini têmsido a de um extraordinário e sábio professor. Suanumerosa obra persegue uma interiorização psi-cológica e poética de fundamento teológico, aomesmo tempo que uma visão unitária e total daexistência humana. A concessão do prêmioErasmo, em 1961, foi o reconhecimento a umhomem e à sua obra que contribuíram com a re-construção da Europa na pax christiana e na cul-tura clássica. Permanecem para sempre as suasobras como O espírito da liturgia (1918), semdúvida, o livro que mais contribuiu para fomen-tar o movimento litúrgico anterior ao *VaticanoII. Seguem-lhe: O universo religioso deDostoiesvski (1933); Consciencia cristã. Ensai-os sobre Pascal (1935); O Senhor. Consideraçõessobre a pessoa e a vida de Cristo (1937); Essên-cia do cristianismo (1839); Conhecimento da fé(1944); A mãe do Senhor (1954).

Através de seus livros e conferências, Guardinifez da teologia e do pensamento cristão uma for-ma original, cheia de sensibilidade e de cultura,para aproximar-se do homem culto de hoje. ComoP. Lippert, K. *Adam e outros, Guardini perma-necerá como o renovador culto do pensamentocristão que prepara o caminho para o ConcílioVaticano II.

Groote, Gérard

/ 257

Guéranger, Prosper (1805-1875)

Monge beneditino vinculado à restauração domovimento litúrgico na França durante o séculoXIX. Desde a abadia de Solesmes, que ele com-prou e restaurou (1832-1837), realizou um am-plo movimento de renovação litúrgica, que se di-fundiu por toda a França e envolveu toda a Igre-ja. Solesmes transformou-se no centro mundialde estudo e piedade litúrgica, que atraiu tanto opovo quanto as elites cultas e os escritores. Partedessa renovação foi motivada pelo estudo dasfontes litúrgicas e pela interpretação do cantogregoriano.

Guilherme de Champeaux(1070-1121)

*Abelardo, *Vítor, Escola de São.

Gutiérrez, Gustavo (1928-)

*Libertação, Teólogos da.

Guyon, Madame (1648-1717)

*Fénelon; *Quietismo.

Hales, Alexandre de (1186-1245)

É conhecido como o “doctor irrefragabilis”.Estudou artes e teologia em Paris, onde se douto-rou em 1220. Tornou-se frade franciscano em

H

Hales, Alexandre de

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1236, mantendo sua cátedra na Universidade deParis. É considerado o fundador da escolafranciscana de teologia, e um de seus méritos éter sido mestre de São *Boaventura.

A Summa Theologica que se atribui a ele ésua só em parte.

Häring, Bernhard (1912-)

Nasceu em 1912 em Böttingen (Alemanha).Ordenado sacerdote em 1937, participou comosoldado enfermeiro na frente russa na II GuerraMundial (1940-1945). Terminada a guerra, obte-ve o doutorado em teologia em Tubinga. Desde1949 dedicou-se ininterruptamente ao estudo e àdocência da teologia moral. Ao final do cursoacadêmico, 1987-1988, deu sua última lição naAcademia Alfonsiana de Roma. Desde 1988, re-side em Gars, povoado próximo de Munique.

O nome de Häring está vinculado,indissoluvelmente, à renovação da teologia mo-ral católica. O que fizeram, em princípios do séc.XX, P. Lippert, R. *Guardini, K. *Adam no cam-po da teologia dogmática, fez ele uns anos maistarde no terreno da teologia moral. Sua tentativafoi redescobrir uma moral bíblica em torno daidéia da imitação de Cristo. O repúdio a uma moralcasuísta e ao juridicismo foi o que o guiou emseu esforço para recriar uma moral católica. Esserepúdio é dirigido contra o moralismo e propõeuma superação do formalismo e do legalismo paradar a primazia ao amor, que é a vida com Cristo eem Cristo. Resgata para a moral cristã opersonalismo como relação da pessoa com o tu,com o tu absoluto: Deus.

Realiza essa volta ao enfoque essencial damoral em sua obra fundamental A lei de Cristo.Teologia moral para acerdotes e leigos (1954),que o transforma num dos pais da nova teologiamoral católica. Por sua concepção, estrutura eestilo, a obra conseguiu interessar a grandes seto-res do mundo eclesiástico, apesar de seus trêsgrossos volumes. As edições sucederam-se

Häring, Bernhard

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ininterruptamente ao longo desses 40 anos, tantoem alemão quanto em suas traduções para as lín-guas cultas.

Seus esforços para conseguir uma síntese vi-tal entre a moral e a vida, partindo da superaçãoda dicotomia existente entre o dogma e a moral,cristalizam-se nestas coordenadas:

1. Uma moral do credo. Häring parte do mis-tério da salvação, que ele resume na palavra cen-tral da Bíblia: “Basiléia”, o reino. Este expressatanto o domínio quanto o reinado de Deus, nãopela força, mas pelo amor. A autenticidade bíbli-ca deste conceito, seu conteúdo existencial, uni-versal, missionário e escatológico, dá estrutura eforma à moral de Häring, tranformando-a em “boanotícia”, termo que repete constantemente. Den-tro desta síntese destaca a espiritualidade no es-quema da teologia moral. O objeto da moral nãosão os pecados; seu núcleo central deve ser o amordirecionado à perfeição ou à “imitação de Cristoaté copiá-lo”.

2. Uma moral da vida. Na moral de Häring, fée vida estão sempre unidas. Sua teologia moraltem muito de existencial, porque a encarna comociência de “Deus em relação comigo”. A moral“não pode ser exercida” em forma neutra ou semse comprometer. Daí: a) seu conceito integral dapessoa. O homem deve ser visto inserido na rea-lidade de seu “contexto social”: ambiente e co-munidade; b) da responsabilidade. O homem épessoa. Por isso lhe vem o que por si e de si res-ponda.

3. O chamado de Cristo. Somente há uma res-posta quando antes há um chamado. A partir des-ta idéia central de responsabilidade, ramifica-sea teologia moral de Häring em torno de dois gran-des núcleos: o chamado de Cristo e a resposta dohomem. Em torno deste chamado de Cristo e àresposta do homem, oferece Häring todos os te-mas cristãos da moral cristã: a consciência, a li-berdade, a lei, o pecado, a conversão, os manda-mentos etc.

Häring, Bernhard

260 /

Esse magistério de Häring através de sua obracentral A lei de Cristo (Herder, 1960), ampliada erefundida em suas últimas edições sob o título deLivres e fiéis em Cristo (Paulinas), ampliou-se aolongo dos anos em quatro frentes fundamentais:a) Publicações de livros e colaborações em revis-tas científicas e populares. Häring escreveu maisde 40 obras sobre os diversos problemas morais.Mencionamos algumas: Força e fraqueza da re-ligião; Cristão e o mundo; O matrimônio em nos-so tempo; A mensagem cristã e a hora presenteetc. b) Cursos e conferências a gruposespecializados e a religiosos e seculares de todaclasse e condição, praticamente em todas as par-tes do mundo. c) Seu trabalho docente na “Aca-demia Alfonsiana”, em contato direto com milha-res de sacerdotes e educadores ao longo de 40anos. d) Finalmente, mas não em último lugar,Häring foi um impulsor do espírito e da obra doConcílio *Vaticano II. Sua participação ativa edireta no Concílio, em concreto na redação daGaudium et Spes, posteriormente no debate gera-do em torno da Humanae Vitae de Paulo VI, e emgeral em toda a renovação pós-conciliar da teolo-gia moral fazem dele o pioneiro e o impulsor domovimento renovador no campo moral do espíri-to do concílio.

Somente resta dizer que, apesar do reconhe-cimento unânime e universal que seu trabalhoobteve, ou talvez por isso, sua pessoa e sua obraviram-se submetidas recentemente a um “proces-so doutrinal” por parte da Congregação da Dou-trina da Fé (1975-1979). Conta os pormenores emseu último livro de caráter autobiográfico: Fé,história e moral. Esse processo doutrinal é a raizda crise da Humanae Vitae em 1968. Recrudescequando em janeiro de 1989 escreveu um artigo,pedindo ao papa uma reconsideração da doutrinaoficial sobre a contracepção.

BIBLIOGRAFIA: Grande parte da obra de B. Häringfoi traduzida em português por diversas editoras, por exem-plo: É tudo ou nada e É possível mudar (Ed. Santuário); V.Schurr-Marciano Vidal, Bernardo Häring y su nuevaTeología Moral Católica. PS, Madrid 1989.

Häring, Bernhard

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Harmônio (séc. II)

*Gnósticos.

Harnack, Adolf (1851-1930)

Historiador e teólogo da chamada “escola li-beral” alemã. Depois de ter passado por váriasuniversidades, exerceu o magistério na Universi-dade de Berlim de 1889 a 1921. Considerado omelhor especialista de sua época em temaspatrísticos do período anterior a Nicéia (325), pro-vocou a oposição de grande parte das Igrejas cris-tãs por sua interpretação dos evangelhos, da figu-ra de Jesus, assim como do dogma e da moralcristã.

A obra mais volumosa de Harnack é a Histó-ria do dogma (1886-1889). Seus três volumes ori-ginais cobrem a história do cristianismo desde asorigens até depois da Reforma. Nela expõe suasteorias sobre a história do cristianismo: a) O evan-gelho foi corrompido pela influência da filosofiagrega, e mais concretamente pela “helenização”subseqüente. b) A religião simples de Cristo foitrocada por Paulo em “religião sobre Cristo”. c)Essa religião sobre Cristo sofreu uma transfor-mação ulterior no dogma da Encarnação do Filhode Deus.

Harnack resumiu seu pensamento sobre o cris-tianismo numa série de conferências popularesque se publicaram depois com o título de A es-sência do cristianismo (1898-1900). Do ponto devista histórico, Harnack estuda a figura de Cristoe sua mensagem. Distingue o medular do evan-gelho e o acrescido ao longo do tempo. Resume aessência do evangelho nestes pontos: a) Cristoanunciou o Reino de Deus e sua vinda. b) Deus éPai. c) O mandamento do amor constitui a supre-ma lei e santidade.

Tudo o mais não é essencial à mensagem doEvangelho é “um adendo da história”. Tal é, porexemplo, a poluição do evangelho pela filosofiagrega, a asfixia da liberdade evangélica pelo

Harnack, Adolf

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legalismo eclesiástico e a fossilização da mensa-gem viva num dogma imutável. Porém, apesarde tudo, a doutrina do evangelho continua viva echega até nós.

Foi enorme a influência de Harnack na “esco-la liberal” e em geral no mundo científico leigo.Popularizou a imagem do Jesus histórico despro-vido de todo halo sobrenatural e fez da teologiauma simples narração histórica.

Hecker, Isaac Thomas (1819-1888)

Nascido em Nova York e convertido ao cato-licismo em 1844. Em 1845, ingressou no novici-ado com os Redentoristas na Bélgica, e voltouaos Estados Unidos em 1851. Dificuldades comos superiores da congregação o levaram a pedir adispensa dos votos em 1857. Anos mais tarde, fun-dou a congregação dos “Paulistas”, instituto muitodifundido na América do Norte e caracterizadopor sua atividade apostólica em váriasfrentes.

O padre Hecker esteve envolvido na correntedo “americanismo”, condenado em 1899 por*Leão XIII. O “americanismo” procurava, entreoutras coisas, a adaptação da vida da Igreja à cul-tura moderna. Exaltava as chamadas “virtudesativas” e apenas diferenciava o catolicismo dasdemais confissões cristãs. A biografia do padreHecker com o título de O padre Hecker é um san-to, transformou-o num dos missionários mais des-tacados da América do Norte atual.

Hegel, Georg W. F. (1770-1831)

*Kierkegaard.

Hegesipo, São (séc. II)

Historiador eclesiástico. Um dos historiado-res da Igreja, predecessor de *Eusébio deCesaréia, de Sócrates e de *Sozomenes. Escre-veu cinco livros de Memórias, contra os gnósticos.

Hecker, Isaac Thomas

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O mais importante de Hegesipo é ter-nos trans-mitido uma lista dos primeiros bispos de Roma.O fato de a mesma lista aparecer no livro sobre asHeresias (27,6) de Santo *Epifânio (séc. IV) de-monstra que é a testemunha mais antiga dos no-mes dos bispos de Roma.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 5, 1307-1328.

Heraclião (145-180)

*Gnósticos.

Hermas, O Pastor de (séc. II)

*Padres apostólicos.

Hermias (c. 200)

*Apologistas.

Hesiquia

Hesiquia ou hesiquismo são duas palavras gre-gas que significam tranqüilidade, quietude, sere-nidade. Designam, ao mesmo tempo, um estadointerior de paz, de silêncio profundo, em que seinstala o monge, e a condição exterior propíciapara que possa acontecer esse estado. A Hesiquianão representa um fim em si mesma; é um meiopara favorecer a vida contemplativa e chegar àunião com Deus. Historicamente é um método euma escola de oração que, partindo da Bíblia, pra-tica-se na Igreja, sobretudo no Oriente, e que temdado grandes mestres e seguidores, alguns dosquais podem ser consultados neste mesmo dicio-nário (Gregório *Palamas, *Cabasilas). Tambémse chamou “oração do coração” ou “oração deJesus”.

Que é hesiquia? Segundo São João Clímaco,“a hesiquia do corpo é a disciplina e o estado pa-cífico dos costumes e dos sentimentos; a hesiquiada alma é a disciplina dos pensamentos e um

Hesiquia

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espírito inviolável”. “O hesicasta é aquele que as-pira circunscrever o incorporal numa morada cor-poral, que é o supremo paradoxo... A cela dohesicasta são os estreitos limites de seu corpo eessa cela contém toda uma casa de conhecimen-tos” (Degrau 25 da escada mística). É, portanto,uma prática e método de interiorização de Deusna alma, valendo-se de recursos exteriores que amemória recorda uma vez ou outra. O hesicastatenta chegar à união e contemplação de Deus atra-vés dos meios que lhe oferece o mundo exterior eque encontra à sua mão. Serve-se fundamental-mente de pequenas orações, como o “pai-nosso”— a oração de Jesus — ou a invocação do nomede Jesus: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixãode mim”. Essas pequenas fórmulas, constante-mente repetidas, “têm o efeito surpreendente denos colocar diante de Deus” invocando-o comsuas próprias palavras. A repetição da oração fa-vorece a volta da memória. Por sua vez, o hábitoda oração, que conduz à oração constante, trans-forma-se num estado permanente em que memó-ria, entendimento e vontade sentem-se submersosem Deus. Isto permite à alma um estado de re-pouso nele. Por outro lado, o silêncio e a solidãoaumentam a memória de Deus naqueles que, pau-latinamente, se sentem possuídos por ele. Isto levaa evitar tudo o que nos pode afastar de Deus oualterar a alma. Daí a necessidade de vigiar o co-ração, de descer constantemente ao fundo de sipróprio para poder chegar a uma oração pura:“Persevera sem cessar no nome do Senhor Jesus— diz São João *Crisóstomo — a fim de que ocoração assimile o Senhor e que o Senhor absor-va o coração, e que os dois se tornem um só”.

Tal como assinalamos, a hesiquia é fruto deuma práxis que nasceu com os primeiros cristãosacostumados a pronunciar o nome de Jesus, oufórmulas breves de oração que contêm esse nome.Mas principalmente uma práxis cultivada e aper-feiçoada na solidão e no silêncio do deserto poranacoretas e monges. É uma oração breve e con-tínua, da qual temos referências nas vidas dos

Hesiquia

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padres do deserto (*Sentenças dos Padres). En-tre essas breves fórmulas destaca-se a invocaçãode Jesus: “Senhor meu, Jesus Cristo, tem piedadede mim”; “Meu Senhor Jesus, socorre-me” (SãoMacário). E outras, como “Senhor Jesus, guia-me”; “Senhor Jesus, abençoa-me” etc. Evágriotransmitiu-nos muitas exemplos desta oração dospadres do deserto (*Evágrio, *Cassiano).

A hesiquia não acaba no deserto do Egito.Encontramo-la também na espiritualidade de trêsgrandes centros do Oriente: no mosteiro de SantaCatarina do monte Sinai, no do Stoudion deConstantinopla e no monte Athos da Grécia. Noprimeiro deles encontramos São João Clímaco,autor da Escada santa ou escada espiritual (570-649). Esse monge, junto com Hesíquio, Sinaíta(séc. VIII-IX), desenvolveram o método hesicastaa partir de uma experiência pessoal. No mosteirode Stoudion (estuditas) encontramos também afigura de São Teodoro (759-826). Entregou-se àoração contínua, o que lhe valeu o apelido de“aquele que não dorme”, ou “acemetes”. Seguiu-lhe São Simeão o “Novo Teólogo” (949-1022), ogrande místico bizantino. “Sem experiência —diz — a teologia é inútil; com a experiência, édemais”. Em meados do séc. X, o monte Athostransformou-se em algo assim como a capital domonaquismo oriental. Afastados do mundo, osmonges de Athos formaram pequenas comunida-des. Seu método de oração foi a hesiquia. Houveentre os monges grandes mestres e tambémopositores, entre eles Barlaão de Seminaria(+1348), chamado o Calabrês, célebre por suapolêmica com São Gregório *Palamas, monge deAthos (1296-1359), a propósito da hesiquia. Athoscontinua sendo o expoente máximo da hesiquia.

Foi particularmente importante a presença dahesiquia na espiritualidade ortodoxa russa. A ora-ção de Jesus foi introduzida na Rússia no séc. XIVpor hesicastas vindos de Bizâncio. Homens comoo metropolita de Kiev, Cipriano (1340-1406), SãoSérgio (1314-1392), fundador do monaquismorusso, e Nil Majokov (1433-1508), conheciam

Hesiquia

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bem a hesiquia nos mosteiros de Athos e deBizâncio. Quando esta última foi tomada em 1453,a Rússia continuou a tradição hesicasta pratica-mente até os nossos dias.

Foi o Relato de um peregrino russo o livroque permitiu ao grande público de nosso tempoconhecer e descobrir a “oração de Jesus”. Surgi-do pela primeira vez em 1870 e reeditado emKazán em 1884, essa obra anônima poderia tersido copiada pelo abade do mosteiro de SãoMiguel de Tcheremisses de Kazán, o famoso pa-dre Paissy (1722-1794). Esse monge promoveu avida espiritual por meio da tradução de escritoscomo a Filocalia do erudito monge do monteAthos, Nicodemos, o Hagiorita (1748-1809), obraque revelou ao mundo contemporâneo aespiritualidade hesicasta. De qualquer forma, oautor seria um camponês russo que, tendo perdi-do tudo, empreendeu, aos 30 anos, uma peregri-nação. Tendo entrado na igreja num domingo,escutou estas palavras de São Paulo: “Orai semcessar”. Essa exortação colocou-o em marcha econstitui o seu viático. O peregrino místico é umdos tantos camponeses que, pelos séculos, per-correm os caminhos da Rússia. “Na impossibili-dade de fixar-me em alguma parte, dirigi-me atéa Sibéria, até São Inocêncio de Irkoutsk, pensan-do que nas planícies e nos bosques da Sibériaencontraria mais silêncio para entregar-me maiscomodamente à leitura e à oração”. O peregrinoacaba encontrando um “staretz” ou pai espiritualque lhe transmite os rudimentos da Oração deJesus. Antes de morrer, o “staretz” entregou-lhe aFilocalia que, junto à Bíblia, lhe serviria de ali-mento espiritual e de guia em sua peregrinação.

BIBLIOGRAFIA: J. M. Moliner, Historia de laespiritualidad. Burgos 1971; B. Jiménez Duque-L. SalaBalust, Historia de la espiritualidad. Barcelona 1979, 4 vols.;L’oraison du coeur. Cerf, Paris 1990.

Hesíquio, Sinaíta (séc. VIII-IX)

*Hesiquia.

Hesíquio, Sinaíta

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Hesiquismo

*Hesiquia.

Héxapla

*Orígenes.

Hilarião, Santo (291-371)

*Jerônimo, São.

Hilário de Poitiers, Santo (315-367)

Conhecido como o “Atanásio do Ocidente”.Convertido do neoplatonismo, foi eleito bispo dePoitiers em 353. A controvérsia ariana obrigou-oa exilar-se durante quatro anos. Em 359,encontramo-lo já no Concílio de Selêucia, defen-dendo a causa da ortodoxia.

Como teólogo, Santo Hilário defendeu a dou-trina trinitária contra os arianos em De Trinitate.Deixou-nos outras duas obras de história: Desynodis e Opus historicum. Na primeira forne-ce-nos dados importantes para a história de seutempo.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 9-10.

Hildegarda, Santa (1098-1179)

Conhecida como a “Sibila do Reno”, foi aba-dessa de Rupertsberg. De família nobre, viveu,desde menina, extraordinárias experiências reli-giosas. Entrou na comunidade beneditina deDiessenberg (1116), onde foi abadessa em 1136.

De 1141 a 1151 ditou seu famoso livro dasvisões, Scivias, provavelmente uma forma abre-viada de Sciens vias. São 26 visões que contêmduras denúncias do mundo, assim como enigmá-ticas profecias de desastres. Sua literatura enqua-dra-se no gênero apocalíptico e da “profecia dodesastre”. A influência dos escritos de Santa

Hildegarda, Santa

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Hildegarda foi grande nos séculos posteriores àIdade Média.

Hilton, Walter (+1396)

Escritor místico inglês. Iniciou estudos de di-reito canônico em Cambridge, retirando-se depoisà vida eremítica. Acabou seus dias como cônegoregular de Santo Agostinho.

Hilton é considerado um dos grandes místi-cos ingleses na linha de *A Nuvem do não-saber.Sua obra Scala perfectionis, escrita em inglês, tra-ta de restabelecer a imagem confusa de Deus naalma em duas etapas: a) pela fé; b) pela fé e aexperiência sensível. Deus encontra-se separadoda alma por uma “noite escura”. A alma afastadadas coisas terrenas é dirigida pela fé até as coisasdo espírito. No final está a verdadeira imagem doDeus vivo.

Hilton escreveu também outras obras espiri-tuais em latim.

Hinos e cantos

Lugar destacado na literatura cristã merecemos hinos, salmos e cânticos e, em geral, a poesia.Desempenham um papel importante na liturgiae na vida particular. São fonte ou lugar comumda fé e das crenças cristãs num determinado mo-mento.

No Novo Testamento, encontramos os primei-ros cânticos cristãos como o Magnificat, oBenedictus, Gloria in excelsis, Nunc dimittis.*Clemente de Alexandria compôs um hino mé-trico em anapestos a Cristo salvador: “Rei dossantos, Verbo todo-poderoso do Pai, SenhorAltíssimo...”.

Do séc. II é também o famoso hino vesperti-no: “Phos Hilarion”: “Luz serena da glória santado Pai eterno, ó Jesus Cristo”.

Dos princípios do século II são as Odes deSalomão, descobertas em 1905, de caráter místi-

Hilton, Walter

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co, nas quais se quer reconhecer a influência doevangelho de São *João. Da mesma época são osOráculos sibilinos cristãos, poemas didáticos emhexâmetros.

A poesia cristã faz sua aparição também nosepitáfios, e o faz muito cedo. Por sua antigüidadee importância, merecem ser mencionados os tex-tos dos epitáfios de *Abércio (finais do séc. II) ede Pectório (séc. II). A redação do primeiro estáfeita num estilo místico e simbólico, segundo adisciplina do arcano, para ocultar seu caráter cris-tão aos não iniciados: “Chamo-me Abércio, soudiscípulo do pastor casto que pastoreia seus reba-nhos de ovelhas por montes e campos, que temos olhos grandes que olham por todas as partes”.

Por sua vez, o epitáfio de Pectório, cujos pri-meiros cinco versos estão unidos entre si peloacróstico Ichthys, diz assim: “Ó raça divina doIchthys, conserva tua alma pura entre os mortais,tu que recebeste a fonte imortal de águas divi-nas!”

Os séculos III-IV incorporam definitivamen-te os hinos à liturgia.

Do séc. IV escolhemos dois exímios poetas:Santo *Efrém Ciro (307-373), nascido em Nísibe(Mesopotâmia) e morto em Edessa. É conhecidopelo atributo de “Cítara ou harpa do Espírito San-to”. O segundo poeta do séc. IV é Aurélio Cle-mente *Prudêncio, nascido em Saragoça em 348.Muitos dos hinos desses dois poetas passaram àliturgia tanto oriental quanto ocidental. A partir,principalmente, da legalização do cristianismo(313), encontramos um desenvolvimento sistemá-tico dos hinos. Surgem com maior profusão naliturgia bizantina do que na latina. Santo *Hiláriode Poitiers compôs um hinário por volta de 360.E, não muito depois, Santo *Ambrósio criou emsua Igreja de Milão o canto coral de salmos e hi-nos, em parte para rejeitar os hinos cantados pe-los arianos. Da influência desses hinos e de suabeleza temos o testemunho pessoal de Santo Agos-tinho em suas Confissões (l, IX-X).

A história dos hinos e de sua implantação na

Hinos e cantos

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liturgia e na piedade da Igreja chega até nossosdias. Seu tratamento recebeu variadas formasmusicais: melodias populares, canto gregoriano,polifônico, coral etc. É conhecido o papel que oshinos e salmos tiveram na propagação da Refor-ma Luterana e em geral das Igrejas Reformadas.

BIBLIOGRAFIA: Para os primeiros hinos cristãos, verJ. Quasten, Patrología, I, 155s., com a bibliografia ali reuni-da; Obras completas de Aurelio Prudencio. Edição bilíngüepreparada por A. Ortega e I. Rodríguez (BAC). Para infor-mação geral do tema, ver Encyclopaedia Britannica, vol. 6,Hymn.

Hipólito de Roma (170-236)

Primeiro antipapa e mártir, é venerado pelaIgreja como santo até nossos dias. Em uma desuas obras perdidas, afirma ser discípulo de San-to *Irineu, coisa que explica o próprio cuidadode seu mestre pela defesa da doutrina católicacontra as heresias. Talvez esse cuidado excessivoo tenha levado a enfrentar-se com o Papa Calixtopor ter mitigado a disciplina para os penitentes,acusando-o de herege. Foi eleito bispo de Roma,por um reduzido e influente círculo de cristãos,sendo assim o primeiro antipapa. Morreu mártirna “ilha da morte”, e posteriormente seu corpofoi trasladado para o cemitério da via Tiburtina,que ainda leva o seu nome. O Papa *Dâmaso de-corou a tumba de Hipólito com uma inscrição.Nela está escrito que fora discípulo de Novaciano,e logo mártir, depois de aconselhar seus seguido-res a se reconciliarem com a Igreja. No mesmocemitério, seus admiradores erigiram-lhe umaestátua, descoberta em 1551, em cuja cadeira apa-recem gravadas a sua tabela pascal e uma listacompleta de suas obras.

A produção literária de Hipólito foi compara-da à de seu contemporâneo Orígenes, por seuvolume, não pela profundidade e originalidade depensamentos. Hipólito preocupa-se mais comquestões práticas do que com problemas científi-cos. Publicou tratados anti-heréticos, uma Crôni-ca, um Ordo, e até poesia religiosa.

Hipólito de Roma

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Os escritos de Hipólito tiveram a mesma sorteque os de Orígenes. De suas numerosas obrasmuito poucas se conservam em seu texto originalgrego. As razões desta perda são atribuídas àcristologia herética do autor e à sua condição decismático durante algum tempo.

A obra mais preciosa de Hipólito são osPhilosophumena ou Refutação de todas as here-sias. Consta de dez livros, nos quais o autor de-monstra o caráter não cristão das heresias, pro-vando a sua dependência da filosofia pagã. Outraobra importante, da qual somente nos restam frag-mentos, é o Syntagma ou Contra as heresias.Desta obra nos falam *Eusébio, Santo *Jerônimoe, mais tardiamente, *Fócio. Temos também o tra-tado dogmático De antichristo, o único que noschegou completo. Dentro da literatura patrística,esse tratado é a dissertação de maior envergadurasobre o problema do anticristo.

Seguem-lhe os tratados exegéticos, como oComentário sobre Daniel, o Cântico dos Cânticos,sobre algumas passagens do Gênesis etc. E asHomilias sobre os salmos.

— Outras obras importantes de Hipólito são aCrônica da história do mundo, que abrange des-de a criação até o ano de sua composição (234).Foi escrita para tranqüilizar a ansiedade dos queacreditavam na proximidade do juízo final e domilênio. E o Cômputo pascal, com o qual dese-jou libertar a Igreja do calendário judeu e calcu-lar cientificamente a lua cheia da Páscoa. Destaobra restam poucos fragmentos.

— Particular interesse merece a Tradiçãoapostólica. O título desta obra figura na cadeirada estátua de Hipólito, erigida no séc. III. Seu textocompleto foi identificado em princípios de nossoséculo. A Tradição apostólica é a mais antiga,depois da *Didaqué, e a mais importante das cons-tituições eclesiásticas da Antigüidade. Compre-ende três partes principais: 1) Contém um prólo-go, cânones para a eleição e consagração de umbispo, a oração de sua consagração, a liturgiaeucarística que segue essa cerimônia, e as bên-

Hipólito de Roma

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çãos do azeite, do queijo e das azeitonas, normaspara a ordenação de sacerdotes e diáconos. Fala-se também de confessores, viúvas, virgens etc. 2)Dá normas para os seculares: para os neocon-versos, sobre as artes e profissões proibidas aoscristãos, sobre os catecúmenos, o Batismo, a Con-firmação e a Primeira Eucaristia. A descrição doBatismo que encontramos aqui é de inestimávelvalor porque contém o primeiro símbolo roma-no. 3) A terceira parte trata de vários costumescristãos: Eucaristia dominical, regras para o je-jum e para o ágape etc. Há normas para o enterro,para a oração da manhã, para a instrução cate-quética e outras.

Santo Hipólito, um escritor brilhante, e o últi-mo dos escritores latinos que escreveu em grego,tem para a Igreja o mérito de ser a testemunha datradição e do pensamento cristão primitivo.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 10, 16, 3; J. Quasten,Patrología, I, 452-496.

Hirscher, J. B. (séc. XIX)

*Instituições morais.

Hofbauer, São Clemente Mª(1751-1820)

*Schlegel, Friedrich.

Holbach, F. (1723-1789)

*Enciclopédia, A.

Hopkins, Gerard Manley (1844-1889)

Poeta religioso inglês, o mais personalizado dosescritores vitorianos. Embora sua obra poética nãotenha sido publicada até 1918, a influência deHopkins se pode sentir nos grandes poetas ingle-ses do século XX: T. S. *Eliot, Dylan Thomas, W.H. Auden, Steven Spender e C. Day Lewis.

Hirscher, J. B.

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Aluno do Balliol College de Oxford, onde es-tudou línguas clássicas, participou da grande cri-se religiosa de seu ambiente e época, originadapelo movimento de Oxford. Foi recebido na IgrejaCatólica em 1866 por quem, mais tarde, seria car-deal: John H. *Newman. Em 1868 entrou na Com-panhia de Jesus, queimando todos os versos desua juventude, determinado a “não escrever mais,pois não é próprio de minha profissão”.

Só muito tempo depois de sua morte, sua obrapoética e praticamente toda a sua produção lite-rária foi reconhecida. Somente em 1918 puderamser conhecidos, numa edição reduzida, os Poe-mas de Gerard Manley Hopkins, editados por seuamigo e confidente R. Bridges (1918). Seguiu umasegunda edição (1930) que o tornou conhecidono mundo literário e que o reconheceu como umdos grandes e mais personalizados poetas ingle-ses.

O universo literário de Hopkins completa-secom seu abundante Epistolário, seus Diários epapéis e um conjunto de Sermões e Escritosdevocionais.

Homem profundamente sensível, dotado paraas línguas, a música e a pintura, “serviu-se doverso para projetar nele suas profundas experiên-cias pessoais, seu sentido do mistério de Deus,sua grandeza e misericórdia”. Seu olhar contem-pla incansavelmente a natureza como revelaçãodivina, enquanto não deixa de observar ao seuredor os humanos, vivendo e morrendo. Em suascartas aparece também o impulso espiritual deseus versos. Estou sempre pensando no “comu-nismo do futuro” — diz em carta de 2 de agostode 1871. “Horrível afirmá-lo, de certa forma soucomunista.” Preocupava-lhe a situação social daInglaterra; declarou-se pessimista e decidiu nãoescrever mais sobre o assunto.

Embora Hopkins possa ser mais estudadocomo fenômeno literário e poético, sua criaçãoreligiosa e cristã é exemplar e estimulante.

BIBLIOGRAFIA: Antología de poetas ingleses moder-nos. Gredos, Madrid 1962.

Hopkins, Gerard Manley

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Hugo de São Vítor (1096-1141)

*Escola de São Vítor.

Humanistas (séc. XIV-XVI)

Este não é o lugar apropriado para falar dotermo e do conceito de “humanista”,“humanismo”. Nem queremos analisar a evolu-ção do conceito até chegar a nossos dias. Quere-mos simplesmente aludir ao “humanismo” e aos“humanistas” tal e como se produziram e surgi-ram num período histórico (séculos XIV-XVI).Nosso interesse está centrado, particularmente,nas pessoas e valores que encarnam o chamado“humanismo cristão” desta época. Como em ou-tras épocas e momentos, nosso dicionário quercoletar a forma pela qual os autores e suas obrascaptam, vivem e expressam o cristão. Tratamosbasicamente do humanismo renascentista.

Partimos desta constatação: quando desde osséc. XIV-XVI falamos de um “humanismo cívi-co”, de uma “teoria humanista da educação”, deum “humanismo artístico”, de um “humanismocientífico”, e até de um “humanismo utilitário”,devemos ter presentes duas coisas: a) Que o nú-cleo do humanismo era a preocupação íntima dohumanista pela correção de seu texto: se retirar-mos do termo “humanismo” o cheiro da lâmpadado erudito, estaremos utilizando-a de forma en-ganosa. b) De igual modo, percebe-se nele oposi-ção a um cristianismo que “os humanistas dese-javam, no geral, completar, não contradizer, atra-vés de sua paciente escavação da antiga sabedo-ria de inspiração divina” (Enciclopédia doRenascimento italiano).

Essa constatação, inclusive no chamado“humanismo paganizante”, é representada emgrande parte pelos italianos, embora com notá-veis exceções. O redescobrimento da Antigüida-de suscitou um entusiasmo tão vivo que se es-queceram quinze séculos de cristianismo. Contu-do, esse humanismo não é anticristão. Se, ao con-

Hugo de São Vítor

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trário, examinamos o “humanismo cristão”, ve-mos que se caracteriza por um retorno às fontes,ao evangelho, aos grandes textos da tradição, po-rém despojados dos acréscimos por certa teolo-gia escolástica e pelos comentários medievais, quemuitas vezes os falseavam.

Esse humanismo, caracterizado pelo amor epelo estudo da sabedoria clássica e pela demons-tração de sua concordância fundamental com averdade cristã, produziu resultados admiráveis:a) Produziu uma pedagogia, base da revoluçãocultural, indispensável à sua época, e contribuiupoderosamente para colocá-la em prática. b) Exal-tou o evangelismo como “philosophia Christi” ecomo modo de vida, refletido em tantas obras daépoca como o Enchiridion militis christiani(*Erasmo) e Do benefício de Cristo (anônimo,1543). Nos dois encontramos que o “cristianis-mo é essencialmente interioridade e não consistena observância dos ritos externos; é um combatecontra as paixões, que nos eleva sobre os bensmateriais até Cristo salvador”. c) Descobriu oconceito da função civil da religião e da tolerân-cia religiosa (*Morus): a cidade terrena deve rea-lizar, enquanto seja possível, a harmonia e a feli-cidade da cidade celestial. A harmonia e a felici-dade pressupõem a paz religiosa. O ideal da pazreligiosa é a forma com que se apresenta tanto noHumanismo quanto no Renascimento, a exigên-cia da tolerância religiosa. d) Finalmente, oshumanistas rejeitaram a herança medieval e es-colheram a herança do mundo clássico, porquequeriam fazer reviver essa herança como instru-mento de educação, isto é, de formação humanae social. O privilégio concedido por eles às cha-madas letras humanas, ou seja, à poesia, à retóri-ca, à história, à moral e à política, fundamentava-se na convicção herdada também dos antigos, deque tais disciplinas são as únicas que educam ohomem enquanto tal, e o colocam na posse desuas faculdades autênticas.

Dos diferentes humanismos da época, coleta-mos neste dicionário algumas amostras. Do

Humanistas

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humanismo florentino (*Lorenzo Valla, *Pico dela Mirândola, *Marcílio Ficino). Do restante daEuropa (*Morus, *Erasmo, *Melânchton, *LuísVives, *Lefèvre D’Étaples).

BIBLIOGRAFIA: F. Hermann. Historia doctrinal delhumanismo cristiano. Valencia 1962, 2 vols.; J. GómezCaffarena. La entraña humanista del cristianismo. Estella21987; H. de Lubac, El drama del humanismo ateo. Madrid1967; Humanismo y Renacimiento (textos de Lorenzo Valla,Marcílio Ficino, Angelo Poliziano, Pico de la Mirândola etc.).Seleção de Pedro R. Santidrián. Madrid 1986.

Hume, David (1711-1776)

Hume é, sem dúvida, um dos homens maisrepresentativos e característicos do século XVIII.Em contato com todos os homens importantes do*Iluminismo francês, criou a sua própria filoso-fia empirista, trazendo uma nova interpretação doconhecimento humano, da moral, da religião, queinfluirá depois não apenas em *Kant, mas em todaa filosofia e pensamento científico posteriores.

Nascido em Edimburgo (Escócia), cedo aban-donou o negócio de seu pai para seguir “sua pai-xão dominante”: o desejo de celebridade literá-ria. Muito jovem, entrou em contato com a litera-tura e com a cultura francesa. Estudou no famosoColégio de la Flèche (1734-1737), onde teve seuprimeiro contato com os clássicos como Cícero,Sêneca, e os modernos Montaigne, Bayle, e ou-tros céticos. Aqui compreendeu que o seu campoera a filosofia, e aqui escreveu o seu primeiro Tra-tado da natureza humana. Esse livro foi objetode reelaboração praticamente ao longo de toda aagitada vida de Hume. Sua edição definitiva cons-ta de três partes: Do entendimento (L. I); Daspaixões (L. II); Da moral (L. III). Entre 1741-1742 surgiram seus Ensaios de moral e política.E finalmente, a História natural da religião(1757), à qual seguiu post mortem, Diálogos so-bre a religião natural (1779). As obras mencio-nadas não são mais do que uma ínfima parte desua fabulosa produção. Devemos acrescentar ain-da sua abundante correspondência (2 vols.) e sua

Hume, David

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autobiografia, Minha própria vida (1777) que quiscolocar como prólogo de suas obras completas.

Do ponto de vista deste dicionário, interessaassinalar a postura de Hume ante a moral e a reli-gião. Naturalmente, toda a sua doutrina forma umsistema bem travado em que todas as idéias de-pendem mutuamente e se explicam. Mas é preci-so relembrar que onde se evidencia a mentalida-de de Hume, com toda a força destrutiva de seuceticismo, é na filosofia da religião. Mina pelabase, não só cristianismo, mas também o resíduoque se pretendia salvar com a idéia de “religiãonatural” que forjou o *deísmo.

Suas idéias com relação à religião podem sersintetizadas nestas proposições: a) Não existe umareligião natural comum a todos os povos. b) Existeuma história natural das religiões, variadas con-forme as diversas épocas e civilizações. c) A ori-gem do sentimento religioso encontra-se no medoda morte e no horror aos castigos, assim como naânsia de uma felicidade prometida. d) Opoliteísmo é a forma primeira e mais genuína dosentimento religioso dos homens, que inventaramheróis e santos para fazê-los propícios e favorá-veis ao culto. e) O monoteísmo é fruto daprevalência de um deus sobre outro. Como o res-tante dos iluministas, na religião não vê mais doque luta de superstições, fanatismos, hipocrisiasimorais, ambições de poder temporal, intolerân-cia e aversão à liberdade de pensamento.

No entanto, o pensamento de Hume sobre areligião que acabamos de expor não é completonem definitivo. Em seus Diálogos percebe que oateísmo não corresponde ao seu ceticismo. Atacao problema da existência de Deus, não a priori,porque semelhante demonstração implica que aexistência é tão pensável quanto a não existênciade Deus, e em ambos os casos é similar à realida-de da idéia. Dos argumentos a posteriori nem oargumento da finalidade nem a moral sãosatisfatórios à mente humana. Que resta, então?Resta a conclusão cautelosa dos Diálogos:“Desmontadas as pretensões do racionalismo

Hume, David

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teológico, subsiste o fato de que, no mundo daexperiência, onde nada é peremptoriamentedemonstrável, tampouco o homem pode prescin-dir da crença, ou seja, de uma fé”.

Um agnosticismo seria a melhor conclusão,“já que não se pode encontrar uma solução maissatisfatória no que tange a uma questão tão mag-nífica e extraordinária”. Por isso, “o sentimentomais natural que um espírito bem disposto senti-rá, nesta ocasião, será uma espera e um desejoardente de que possa o céu dissipar, ou pelo me-nos aliviar, essa profunda ignorância, oferecendoà humanidade alguma revelação particular, des-cobrindo-lhe algo da natureza divina de nossa fé,de seus atributos e de suas operações, com o queuma pessoa penetrada de um justo sentimento dasimperfeições da razão natural voará à verdaderevelada com a máxima avidez”.

“O ceticismo filosófico, ou seja, crítico, podeser assim o primeiro passo e o mais essencial queconduz a ser um cristão verdadeiro, um crente”.Assim acabam os Diálogos.

Ainda quando fala nas Investigações sobre otema dos milagres, escreverá: “Há um milagremais maravilhoso do que qualquer outro: a pró-pria fé sobre a qual se fundamenta a nossasantíssima religião cristã, onde o que é movidopela fé a aceitá-la tem consciência de um milagrecontínuo que ocorre em sua pessoa, e transtornatodos os princípios de sua inteligência e lhe de-termina acreditar o que é mais contrário ao hábi-to e à experiência”.

De todas as formas, Hume tem um inimigoconstante: o dogmatismo.

Toda certeza em qualquer esfera — na ciên-cia, na moral ou na religião — é somente certezamoral. Daí que seja difícil concluir que foi umteísta, um ateu ou um agnóstico; sua atitude éfreqüentemente agnóstica e, por assim dizer, mo-deradamente teísta, mas em nenhum casodogmaticamente teísta ou atéia (Ferrater Mora,Diccionario de filosofía).

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BIBLIOGRAFIA: Obras: The Philosophical Works ofDavid Hume, 4 vols., reimpressão de 1963; The Letters ofDavid Hume 1954, 2 vols.; Investigación sobre elconocimiento humano. Alianza, Madrid; Mi vida, Cartas deun caballero a su amigo de Edimburgo. Alianza, Madrid;Tratado (1933); Investigación sobre los principios de lamoral (1941); Diálogos sobre la religión natural (1942);Tratado de la naturaleza humana (1974).

Huss, João (1370-1415)

*Marsílio de Pádua; *Wiclef, João

Husserl, Edmund (1859-1938)

*Stein, Edith.

Huxley, Aldous (1894-1963)

Escritor inglês, com residência, desde 1938,nos Estados Unidos. É considerado o arauto einspirador dos “Twenties”: uma geração que sen-tiu o horror do “grande vazio da paz” nascido da1ª Guerra Mundial. Desta primeira época recor-dam-se a suas novelas Crome Yellow (AmareloBrilhante) (1921) e Point Counter Point (Ponto eContraponto) (1928), em meio de uma série denovelas curtas que o tornaram conhecido em todoo mundo.

Na evolução literária de Huxley costumam-sedistinguir três etapas. Sua personalidade deslizada etapa estética à etapa ética, e desta à religiosa.De fato, a primeira etapa distingue-se por umahiperestesia intelectual, iconoclasta e cínica,idealizadora do sexual e do pacifismo. Próximo àdécada de trinta, caminha em direção a uma críti-ca progressiva da cultura e da sociedade até de-sembocar numa utopia negativa, como é o casode Admirável mundo novo (1932); Eminênciaparda (1941); Depois de muitos verões (1939).Depois da 2ª Guerra Mundial, inicia-se a terceiraetapa de Huxley, a etapa religiosa e mística. Cadavez está mais preocupado com os grandes pro-blemas religiosos. Assim ocorre, por exemplo, em

Huxley, Aldous

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A filosofia perene (1946), antologia comentadada espiritualidade de todos os tempos; Céu e in-ferno (1954) etc. Huxley acaba por transformar-se num profeta, proclamando a necessidade devoltar ao transcendente. Para isso, dirige-se, prin-cipalmente, à filosofias orientais.

Ao leitor das obras de Huxley lhe interessasaber que, para esse autor, como para tantos ou-tros, principalmente os anglo-saxões, enojados domarxismo, cheios de ressentimento contra umcatolicismo que identificam com os regimes to-talitários, o mundo oriental exerce uma espéciede fascinação. Procura no conjunto das religiõesda Índia uma nova forma de salvação, cujos prin-cípios podem ser:

— Repúdio de uma religião encarnada no tem-po. Tudo o que pretende ser histórico nas religi-ões deve ser rechaçado. Não se pode tomar a sé-rio a doutrina cristã da encarnação de Cristo. Osmitos religiosos não têm mais do que um valorsimbólico. O erro fundamental dos cristãos é con-ceder à encarnação do Verbo um lugar excepcio-nal, fazer dela um acontecimento único que seinsere no curso da história. Mais do queencarnação, deve-se falar, segundo Huxley, deencarnações, de “avatares do divino”.

— Mais do que uma religião, a sua é uma mís-tica baseada nos princípios monistas da advaita.

Huxley, Aldous

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O homem liberta-se quando intui e discerne queo seu eu se identifica com o absoluto. O efeitodesta intuição liberta a pessoa de sua implicaçãono mundo ilusório em que vive e do ciclo da re-encarnação. Enquanto isso não se produz, o ho-mem continua sendo vítima da ignorância e dailusão.

— Esse misticismo de Huxley baseia-se, por-tanto, na Bíblia que, segundo ele, perdeu toda aforça de persuasão para os espíritos ocidentais.Ele se baseará nas menções e nos testemunhosdos místicos, “cuja autoridade é muito maior doque a dos escritos incluídos no cânon da Bíblia”.

— No mais, sua filosofia perene não é umareligião, nem uma filosofia, nem um reflexo datradição bíblica, porque não é mais do que o pro-duto do mais cru empirismo. “Huxley volta-separa a mística porque tudo o mais fracassou; aprocura do absoluto é uma experiência a mais, aúnica que pode ter êxito; seu próprio êxito provasua legitimidade” (Ch. Moeller, o. c.). Neste sen-tido, sua concepção de Deus, do homem, da re-denção, da outra vida, não se inspiram na doutri-na bíblica e cristã.

Entre nós, a obra mais conhecida de Huxley éAdmirável mundo novo, uma visão desconcertantede uma sociedade futura, produto da política e datécnica. Alguns viram nele uma utopia à inversa,uma distopia, que levaria o mundo a uma catás-trofe se tal sistema de castas e de homens se pro-duzisse. Outros somente vêem nela um exercícioliterário de ficção científica.

BIBLIOGRAFIA: Obras em português: O admirávelmundo novo; Chapéu mexicano; Contos escolhidos;Contraponto; Os demônios de Loudun; Folhas inúteis; OGênio e a deusa; Huxley e Deus; A ilha; O macaco e a es-sência; Moksha; A situação humana; O tempo deve parar eoutras; Obras nos Clásicos del siglo XX. Plaza e Janés. Bar-celona, 3 vols.; Ch. Moeller, Literatura do século XX e cris-tianismo, I.

Hipácia (375-415)

*Cirilo de Alexandria.

Hipácia

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Iconoclastas (séc. VIII-IX)

*João Damasceno, São.

Ildefonso de Toledo, Santo (607-667)

*Isidoro de Sevilha.

Iluminismo (séc. XVIII)

*Deísmo, *Hume, *Kant, *Voltaire.

Inácio de Antioquia (+110)

*Padres apostólicos.

Índex de livros proibidos (1557)

Seu título original: Index librorumprohibitorum. Lista ou catálogo oficial de livrosque a Igreja católica “proibia que os fiéis cristãoslessem ou possuíssem”. A primeira edição apare-ceu em 1557 e foi preparada pela Congregaçãoda Inquisição, mais comumente conhecida porSanto Ofício. A partir de 1571, São Pio V estabe-leceu a Congregação do Índex, encarregada derevisar a lista e de nela incluir novos livros. Em1917 passou a depender do Santo Ofício, hojeCongregação para a Doutrina da Fé. O Índex foiabolido depois do *Vaticano II em 1966.

A história do Índex, paralela à da Inquisição,oferece capítulos e dados muito obscuros. Suafunção e sua utilidade na Igreja e na vida de seusmembros foi julgada negativa no geral por estarexposta à subjetividade dos homens e dos tem-pos.

IIconoclastas

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Instituições morais (moral casuísta)(séc. XVII)

Aos *Livros penitenciais e às *Summas dosconfessores, seguem as Instituições morais outextos de moral casuísta. “O surgimento nosinícios do século XVII, exatamente em 1600,das Instituições morais do jesuíta espanhol JuanAzor marca o nascimento de um gênero literárionovo na teologia moral. Desligada daqui por di-ante da filosofia viva, do dogma, e inclusive deuma teologia moral especulativa, alheiaà espiritualidade e à mística, esta Theologiamoralis practica, modesta servente do confessor,chamava-se pomposamente Theologia moralis”(L. Vereecke, Introducción a la historia de lateología moral).

O desenvolvimento histórico da moral casuístavai do séc. XVII até o Concílio *Vaticano II, porassinalar um momento singular. Durante esse pe-ríodo, a história da teologia moral se reduz a umesquema simples: luta entre laxistas e rigoristas,entre probabilistas e probabilioristas. Autorescomo Juan Azor (1536-1603), já mencionado,*Bartolomeu de Medina, Busembaum com suaobra Medulla theologiae moralis (1650), os*Salamanticenses com o Cursus theologiaemoralis, Caramuel (1606-1682) e muitos outros,militam nas fileiras de um e outro grupo. A lutaentre laxistas e rigoristas exigiu a intervenção domagistério eclesiástico. Alexandre VII e InocênioXI condenaram proposições laxistas, e Alexan-dre VIII condenou tanto proposições laxistasquanto rigoristas.

Coube a Santo Afonso Maria de *Ligório terencontrado uma postura equilibrada entre essesdois extremos. É também o pilar seguro de toda amoral casuísta posterior. O século XIX oferecepoucas novidades em matéria de moral católica.Fora do movimento de renovação moral de J. M.Sailer (1751-1832), de J. B. Hirscher e de M.Jocham, na Alemanha, a moral católica continuouplasmando-se em manuais de moral casuísta.

Instituições morais

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O Vaticano II marca o final da moral casuístaou pós-tridentina. É verdade que houve tentati-vas de renovação, ao longo do século XX, sobre-tudo a partir da II Guerra Mundial. Primeiro foi acrítica à moral casuísta, tachando-a de legalista,de desvinculação da Escritura, da teologia, devinculação excessiva com “a práxis penitencial”.Depois e a partir dos anos 50, com o surgimentode manuais em que “entrava a imposição bíblicae cristocêntrica, ambos os aspectos foram decisi-vos na renovação teológica posterior. Autorescomo Tillmann (+1953), G. Thils, J. Leclercq, quepublica seu livro sobre O ensinamento da moralcatólica (1950), “considerado como um aríeteimplacavelmente demolidor”; e finalmente, *B.Häring, que em 1954 publica A lei de Cristo, rom-pem o esquema tradicional da moral casuísta.Durante alguns anos serão o símbolo da moralrenovada.

O Vaticano II formula um “votum” para quese coloque um “especial empenho em renovar ateologia moral” (OT 16). É a “culminância detodos os esforços realizados até o presente pararenovar a teologia moral, e significa, sem dúvidaalguma, o começo de uma nova época”. O pró-prio Concílio especifica os traços desta moral:caráter científico, especificidade cristã, orienta-ção positiva e de perfeição, caráter eclesial,unificada na caridade e aberta ao mundo.

Mesmo sendo bastante difícil fazer um balan-ço da reflexão teológico-moral depois de VaticanoII, consignamos uma série de dados que em seuconjunto nos ajudam a formar uma idéia do esta-do atual da teologia moral. Destacamos os seguin-tes: a) Criação, nas faculdades de teologia, dosciclos de “licenciatura especializada” em moral.Sobressaem-se os Institutos Superiores, dedica-dos exclusivamente à pesquisa e ao ensino da te-ologia moral. Destacam-se a Academia Alfonsianade Roma e o Instituto Superior de Ciências Mo-rais de Madri. b) Multiplicam-se as associaçõesde moralistas, os congressos, semanários e revis-tas dedicadas exclusivamente ao tema moral.

Instituições morais

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c) Multiplicam-se os estudos monográficos emque surgem autores novéis; aparecem dicionári-os e obras coletivas que evidenciam o esforço co-mum e a convergência de mentalidades.

“Na década de 80, a teologia moral ofereceum panorama de notáveis conquistas, de decidi-do progresso e de caminhos abertos para se con-tinuar avançando. O balanço do pós-concílio éfrancamente positivo no que diz respeito à refle-xão teológico-moral” (M. Vidal, Moral deActitudes, I. Moral Fundamental, Ed. Santuário,p. 20).

BIBLIOGRAFIA: M. Vidal, Moral de Atitudes, I. Mo-ral fundamental, 87-132, com a abundante bibliografia alicitada. A contribuição desse autor e de sua obra para a reno-vação da teologia moral ou “ética teológica”, como preferechamar, é decisiva entre nós. Paralela a essa atividade de M.Vidal está a obra do Instituto Superior de Ciências Morais eseu órgão de expressão “Moralia”, revista especializada emtemas de moral.

Instituto de Teologia Contextual(ITC)

*Smangaliso Mkhatshwa.

Irineu, Santo (c. 130-200)

Nasceu na Ásia Menor, provavelmente emEsmirna. Encontramo-lo como bispo da Igreja deLyon na perseguição de Marco Aurélio, durante aqual, segundo a tradição, foi martirizado sem quepossamos precisar a data.

Das diferentes obras que *Eusébio atribui aSanto Irineu somente nos chegaram alguns frag-mentos (PG 7, 1225-1274). Permanece, no entan-to, uma grande obra contra o gnosticismo,intitulada Refutação e desmascaramento da fal-sa gnosis, conhecida comumente como Adversushaereses, versão latina do original que data doséc. IV.

Irineu preocupou-se em defender a doutrinacristã frente ao gnosticismo (*Gnósticos).

Irineu, Santo

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— A verdadeira gnose é a que nos transmiti-ram os apóstolos da Igreja. Mas essa gnose nãotem a pretensão de superar os limites do homem,como a falsa gnose dos heréticos.

— Deus é incompreensível e não pode serpensado. Todos os nossos conceitos são inade-quados. “É melhor não saber nada, mas acreditarem Deus, e permanecer no amor de Deus, do quearriscar-se a perdê-lo com pesquisas sutis” (Ad.haer., II, 28, 3).

— O que nós podemos conhecer sobre Deus,podemos conhecê-lo somente por revelação: semDeus não se pode conhecer Deus.

— A blasfêmia mais grave dos gnósticos éafirmar que o criador do mundo não é Deus, masuma emanação dele.

— Afirma a igualdade de essência e de digni-dade entre o Filho, o Espírito Santo e o Pai, fren-te à doutrina gnóstica de que o logos e o Espíritosão cones subordinados. Não se pode admitir aemanação do Filho e do Espírito, do Pai. A sim-plicidade da essência divina não permite tal se-paração.

— O homem é composto de alma e corpo,contra a distinção gnóstica de corpo, alma e espí-rito. O espírito é somente uma capacidade da alma,pela qual o homem chega a ser perfeito e se cons-titui em imagem de Deus. O corpo, assim como aalma, é uma criação divina e não pode, portanto,causar o mal à sua natureza. A origem do malestá no abuso da liberdade, e é fruto não da natu-reza, mas do homem e de sua escolha.

— O bem conduz o homem à imortalidade,que é concedida à alma por Deus, mas que não éintrínseca à sua natureza. O mal é castigado coma morte eterna. Também os corpos ressuscitarão,mas o farão na nova vinda de Cristo, que se veri-ficará depois do Reino do anticristo.

A principal contribuição de Irineu foi ter luta-do contra o gnosticismo, ter servido de ponte en-tre a teologia oriental (grega) e a ocidental(latina).

Irineu, Santo

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Uma segunda obra de Santo Irineu chegou-nos através de uma tradução armênia recentemen-te encontrada. Intitula-se Demonstração da pre-gação apostólica. Nela se enfatizam os elemen-tos principais da Igreja: a) A verdadeira Igreja estábaseada na tradição apostólica. b) Essa tradiçãopode ser comprovada em todas as Igrejas do mun-do. c) Essa tradição encontra-se no Credo dosApóstolos, que contém o Antigo e o Novo Testa-mento. Irineu é um dos primeiros que falam doNT como fonte de fé no mesmo nível do AT.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 7, 1225-1274; A. Orbe,Antropología de San Ireneo (BAC); Id.; Parábolas evangé-licas en San Ireneo (BAC), 2 vols.

Isidoro de Pelúsio, Santo (+435)

*Monaquismo.

Isidoro de Sevilha, Santo (560-636)

Nasceu em Cartagena e morreu em Sevilha.Bispo desta cidade, foi considerado o último dospadres da Igreja Ocidental. Une esse título ao deDoutor da Igreja Universal.

A sua inquestionável contribuição à culturamedieval está vinculada à sua obra principal:Originum sive etymologicarum libri viginti, maisconhecida como as Etimologias. Talvez se encai-xe melhor no nome moderno de “enciclopedistas”.Porque, além deste livro fundamental, estão: 1)Seus tratados teológicos e apologéticos, comoSententiarum libri tres; De fide catholica contraiudaeos. 2) Suas obras teológico-cosmológicas ecosmográficas, tais como De ordine creaturarume De rerum natura. 3) E, finalmente, suas obrashistóricas: Liber de viris illustribus; Historia deregibus gothorum etc.

Em todos esses trabalhos ressaltam dois inte-resses: a sistematização e a universalização dacultura e do saber, o que fica evidente, principal-mente, nas Etimologias. Com a ajuda de conside-rações etimológicas, definem-se os principais ter-

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mos e expressões vigentes na cultura latina de suaépoca. Seu caráter enciclopédico é observado noesquema das Etimologias: Livro I (gramática); II(retórica e dialética); III (aritmética, geometria,música e astronomia); IV (medicina); V (leis etempos); VI (livros e ofícios eclesiásticos; VII(Deus, os anjos); VIII (Igreja, seitas); IX (línguas,pessoas); X (vocábulos), o livro mais utilizado.Os livros XI-XX tratam dos omni re scibile: ho-mens, monstros, animais, o mundo e suas partes,a terra, prédios e campos, pedras e metais, agri-cultura, guerra e jogos etc.

A obra de Santo Isidoro não é a de um pensa-dor original e profundo. Sua originalidade estáem ser transmissor da ciência e da cultura clássi-cas, em especial a latina. Suas obras eram desti-nadas às escolas abaciais e episcopais onde seeducavam os clérigos. Através de sua obra foramsalvos os legados da ciência antiga, e destinadosa alimentar o trabalho intelectual da Idade Mé-dia.

No mais, vale a pena destacar em sua obra acontinuidade da tradição, tanto eclesiástica quantolatina. Seu Sententiarum libri tres é um manualde moral e de teologia baseado nas obras de San-to *Agostinho e de São *Gregório Magno. EmDe officiis ecclesiasticis, reúne a tradição litúrgicae, ao estilo de Santo *Ambrósio, estende-se aosdeveres dos membros do clero. Com relação àsEtimologias, suas fontes principais são Servius,gramático latino do séc. IV, os *padres da Igrejae o sempre imprescindível Donato (séc. IV).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 81-84; Etimologías de SanIsidoro de Sevilla. Edição bilíngüe (BAC), 2 vols.

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JJacopone de Todi (1230-1306)

*Nuvem do não-saber, A.

Janduno, João de (1280-1328)

*Marsílio de Pádua.

Jansênio, Cornélio (1585-1638)

Com o nome latinizado Cornelius Janseniussurgiu uma figura polêmica e por trás dela umacorrente de pensamento e de espiritualidade co-nhecida como jansenismo. Essa corrente causouduras lutas e paixões de pessoas e instituiçõeseclesiásticas, praticamente ao longo de dois sé-culos. Boa parte dessas lutas têm como centro omosteiro de freiras cistercienses de Port-Royal, omosteiro próximo a Paris, onde se aprenderam ede onde se difundiram as idéias de Jansênio. Semidentificar ambos os movimentos, é comum falardeles como se fossem a mesma coisa. Falaremos,pois, de Jansênio, os jansenistas ou port-royalistas,e de sua doutrina. Os autores e a literatura impli-cados nesta contenda são altamente significati-vos.

Cornelius Otto Jansen nasceu em Acquoi(Holanda). Ingressou na Universidade de Lovainapara estudar teologia, em 1602. Nela recebeu adoutrina de Miguel *Bayo, morto em 1589, mascuja influência ainda se deixava sentir. SegundoBayo, o homem fica de tal forma afetado pelopecado de Adão, desde o seu nascimento, que éarrastado necessariamente ao mal. Somente a gra-ça de Cristo pode salvá-lo, graça dada somenteaos poucos que foram predestinados ao reino dos

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céus. Essa doutrina definitivamente causou im-pacto a Jansênio e a outro companheiro seu cha-mado Jean Duvergier de Hauranne (1581-1643),conhecido como abade *Saint-Cyran. Finalizadosos seus estudos, ambos decidiram renovar a teo-logia como homenagem devida a Deus pelos ho-mens, já que o orgulho dos sábios doRenascimento havia afastado os cristãos de Jesusque se comprazia nos simples e humildes de co-ração.

Depois de alguns anos dedicados ao ensino(1612-1616), voltou a Lovaina, onde dirigiu ocolégio de Santa Pulquéria, criado para estudan-tes holandeses. Era o momento da violenta dis-puta entre os seguidores de Bayo e os jesuítas.Nele se dedicou à leitura e ao estudo das obras deSanto *Agostinho, que, como ele mesmo nos diz,leu “dez vezes consecutivas”. Interessou-separticularmente pelos textos, dirigidos pelo san-to, contra os pelagianos. Foi então quando co-meçou sua grande obra, o Augustinus. Esselivro custou-lhe 22 anos de esforço. Foi publi-cado depois de sua morte, em 1638, após tersido reitor da Universidade de Lovaina e bispode Yprès.

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Foram esquecidas, praticamente, todas as de-mais obras e folhetos, em particular os comentá-rios aos evangelhos e ao Pentateuco. Desde suapublicação em 1640, o Augustinus transformou-se num ponto de referência obrigatório parajansenistas e seus contrários. Qual era sua doutri-na? Esta ficou resumida nas cinco proposiçõescondenadas: 1) alguns preceitos divinos não po-dem ser cumpridos pelos justos apenas com a for-ça da natureza humana, portanto, lhes é necessá-ria a graça; 2) a graça interior, que opera sobre anatureza corrompida, é irresistível; 3) para o mé-rito ou demérito se requer unicamente a liberda-de da coação externa; 4) os pelagianos ousemipelagianos são hereges, visto que admitem apossibilidade de a vontade humana resistir ouobedecer à graça; 5) é errado afirmar que Cristomorreu por todos os homens. Essas proposições,elaboradas pelos teólogos jesuítas foram contes-tadas pelos port-royalistas. Receberam uma pri-meira condenação em 1641. Em 1643, *Arnauldpediu em seu livro Da comunhão freqüente umareforma moral e eclesiástica congruente com asdoutrinas jansenistas. Em 1653, Inocêncio X con-denou as cinco proposições. Desde então e até aprimeira metade do séc. XVIII continuou a po-lêmica jansenista. Alguns aceitaram as disposi-ções papais, os “aceitantes”; outros apelaram, os“apelantes”. Nesta luta estiveram envolvidas fi-guras como Arnauld, Nicole, *Pascal, *Quesnel,*Saint-Cyran (1634-1719) e outros. A lutajansenista transpassou as fronteiras dos PaísesBaixos. Em 1723 constituiu-se a Igreja Autôno-ma Jansenista, que ainda existe. Em 1786, oSínodo de Pistóia defendeu as teses mais extre-mistas do jansenismo.

— Além de comportar uma dogmática, talcomo o apontamos, o jansenismo comporta tam-bém uma moral e uma ascética rigorista. É o quese qualificou de “vontade sombria” dojansenismo. Essa vontade pessimista e sombriados “solitários” de *Port-Royal passou para suasescolas e métodos, dando a todo o movimentojansenista um ar de rigidez característica.

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BILBIOGRAFIA: J. Orcibal, Les origines duJansénisme, 7 vols. publicados entre 1957-1965. Para oJansenismo na Espanha: M. Menéndez y Pelayo, Historiade los Heterodoxos Españoles, III. El jansenismo regalistaen el siglo XVIII (BAC).

Jerônimo, São (347-420)Nasceu em Stridon (Dalmácia), próximo da

atual cidade de Lubiana, na Eslovênia, e morreuem Belém. Tido como o mais sábio dos padreslatinos, reuniu em sua pessoa o ermitão, monge eescritor preocupado com os assuntos da Igreja. Éconhecido principalmente por sua tradução daBíblia para o latim, chamada Vulgata.

Filho de uma família cristã, aos doze anos deidade já se encontrava em Roma, onde estudougramática, retórica e filosofia. Sua inclinação peloestudo cedo o transformou num apaixonado en-tusiasta da literatura latina. Concluído seu perío-do de formação em Roma, foi batizado, prova-velmente pelo Papa Libério (366).

Os vinte anos seguintes viveu num estilo devida nômade, distribuída entre as suas ânsias desolidão e de estudo. Fez seus primeiros ensaiosde monge e pesquisador em torno do bispoValeriano (369-373), e logo depois foi para o Ori-ente. No ano 374, encontrava-se em Antioquiacomo hóspede de Evágrio. Aí compôs suas pri-meiras obras, e teve seu famoso sonho, no qualera levado ao tribunal de Cristo acusado de sermais ciceroniano do que cristão, e em seguidaseveramente açoitado. Prometeu não voltar a pos-suir ou ler literatura pagã, promessa que irá miti-gando com o tempo. Os anos 375-377 são os dodeserto de Calcídia, lugar escolhido por Jerônimopara a solidão e a paz interior. Estudo, penitênciae oração foram seus companheiros de deserto.Neste deserto fecundo, aprendeu o hebraico gra-ças a um judeu convertido; estudou o grego, foireunindo uma sólida biblioteca de manuscritos emanteve uma polêmica correspondência epistolar.

A partir de 378, final de seu retiro em Calcídia,viu-se envolvido nas disputas teológicas do tem-

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po: sabelianismo, arianismo. Ordenado finalmentesacerdote por Paulino de Antioquia, seguiu deperto as idéias de Apolinário de Laodicéia, de*Gregório de Nissa e de Anfilóquio de Icônio,acompanhando-os no Concílio de Constantinopla(381). Sob a influência destes, aperfeiçoou seugrego e começou a sentir uma admiração profun-da por *Orígenes, cujas 39 homílias traduziu parao latim.

Os três anos seguintes (382-385), passou-osem Roma na qualidade de secretário do papa São*Dâmaso; prossegue aí seu estudo da Bíblia, re-visa a versão latina dos evangelhos e a versão la-tina do saltério. Desdobrou-se numa atividadeinusitada: pregou nas igrejas, atendeu um grupode viúvas e virgens, a quem iniciou no estudo daBíblia e do hebraico, algumas das quais o acom-panharão no seu retiro definitivo de Belém. Des-cobriu-se reformador, arremetendo-se contra oclero romano, os monges relaxados e acomoda-dos, e as virgens hipócritas. Inconformista, aban-donou a Babilônia que era Roma para dirigir-se àTerra Santa. Desde 386 até a sua morte viveunuma gruta nas proximidades de Belém. Foi a suaépoca mais fecunda.

O legado literário de São Jerônimo pode serdividido em três grandes lotes: a) História e con-trovérsia, fruto das lutas teológicas em que se viuenvolvido. b)Traduções e comentários da Escri-tura. c) Obras ascéticas e correspondência. Suasobras ocupam 9 volumes da coleção de Migne(vols. 22-30).

Começando pela história, temos sua traduçãoda Crônica de *Eusébio de Cesaréia, que conti-nuou até 378. Mais conhecido é seu livro De virisillustribus, escrito entre 372-373: um pulso cris-tão na cultura pagã. Da vertente apologética e decontrovérsia, destacamos suas diatribes AdversusIovinianum, exaltação da virgindade frente aomatrimônio; Contra Vigilantium, onde faz umadefesa da vida monástica, do celibato dos cléri-gos e de certas práticas relativas ao culto dosmártires; seu Dialogi contra Pelagianos é sua obra

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de controvérsia mais aguda. Em todas elas, SãoJerônimo mostra-se excessivamente duro comseus inimigos.

As preocupações e doutrina ascéticas refletem-se não apenas em suas obras de controvérsia, mastambém em biografias como a de Malco, captu-rado pelos beduínos, e a de Santo Hilário. Nessamesma linha está a tradução para o latim de obrasascéticas coptas, por exemplo a Regra de SãoPacômio, as homilias aos monges e um vultosonúmero de cartas com os mais diversos destina-tários.

Fica, finalmente, sua obra escriturística, quedividimos desta forma: 1) Estudos introdutóriosà Escritura. Tais são, por exemplo, seu Liberlocorum: uma tradução e adaptação da obra deEusébio sobre os nomes dos lugares da Palestina;e o Liber interpretationis hebraicorum nominum,lista alfabética dos nomes próprios hebreus daBíblia. 2) Traduções da Bíblia. Revisão da VetusLatina, feita do texto grego dos LXX. Entre 391-406 fez a tradução latina do AT, baseada no textooriginal hebraico. 3) É importante a sua obra decomentário ao Gênesis, aos salmos, aos profetasmaiores e menores, a algumas das cartas de São*Paulo e ao evangelho de *Mateus, sem esqueceras traduções que fez dos 39 sermões sobre SãoLucas, escritas por *Orígenes.

Um juízo de conjunto da pessoa e da obra deSão Jerônimo leva-nos à consideração de umapersonalidade singular, diferente de todos os pa-dres da Igreja. Um homem que, acima de tudo,quis ser cristão. Um homem profundamente inte-ressado pela cultura clássica e que, apesar de terrenunciado a tudo, levou consigo a biblioteca atéo deserto.

Sua obra, sua revisão e posteriormente sua tra-dução da Bíblia, conhecida como Vulgata, fize-ram-no credor do perpétuo agradecimento da Igre-ja. Sua preparação para o trabalho do estudo e datradução da Bíblia — chegou a dominar as línguashebraica, grega, latina e copta — são para nós umexemplo admirável de preparação científica.

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BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 22-30; Cartas de SanJerónimo. Edição bilíngüe por Daniel Ruiz Bueno (BAC) 2vols.; F. Moreno, La espiritualidad del desierto, SanJerónimo (BAC).

Jerônimo de Nadal (séc. XVI)

*Ratio studiorum.

Jerônimo de Praga (1370-1416)

*Marsílio de Pádua.

Joana Frémyot de Chantal, Santa(1572-1641)

*Literatura autobiográfica; *Francisco deSales.

Joana Inês da Cruz, Sóror(1651-1695)

*Literatura autobiográfica.

João Batista de la Salle (1651-1719)

*Educadores cristãos.

João da Cruz, São (1542-1591)

Juan de Yepes y Alvarez nasceu em Hontiverosou Fontiveros (Ávila) e morreu em Ubeda (Jaén).Estudou gramática e filosofia no colégio da Com-panhia de Jesus de Medina do Campo. Ingressouna ordem carmelitana em 1563, com o nome deFrei João de São Matias. Na Universidade deSalamanca, estudou humanidades, Escritura, te-ologia, padres da Igreja e teorias escolásticas. Em1568, depois de um encontro com Santa *Teresaem Medina, uniu-se à “reforma” empreendida porela. A reforma de homens o encheu de angústiase perseguições. João foi encarcerado e levado àprisão de Toledo. Após oito meses de sofrimen-

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tos causados pelos carmelitas calçados, conseguiuescapar, refugiando-se em Andaluzia (1578), ondepraticamente viveu o restante de seus dias: Gra-nada, Baeza, Jaén, Ubeda são o cenário onde reza,medita, escreve. Tem breve estadia em Castilla(1588), para morrer em Ubeda.

João da Cruz era um homem pequeno — “meiofrade”, chamou-o Santa Teresa, por sua pequenaestatura —, tímido, desejoso de solidão e reco-lhimento. Era um poeta puro e profundo: o santopoeta e grande contemplador da natureza. “Mui-tas noites inteiras passava o venerável Frade Joãoda Cruz apoiado na janela de sua cela, onde seviam o céu e o campo.” Afastava-se igualmentedo convento, “próximo a uma fonte, onde haviamuitas árvores”, e ali orava. Outras vezes, antesde amanhecer, “ia à horta e, entre uns arbustos,perto de um canal de irrigação, ficava rezando,até que o calor do sol o expulsava dali”. Ou entãoo viam “por noites inteiras com os braços em cruz,sob as árvores, ou louvando a Deus, olhando aágua, se havia arroio ou rio, ou olhando as er-vas”. Dessa contemplação absorta na natureza, emDeus, saiu sua profunda e personalíssima poesia.É essa contemplação de Deus na natureza e em simesmo que fez de São João um grande místico: omístico cristão por excelência. Raro poeta lírico,cheio de musicalidade e de harmonia, culminouno místico luminoso e, por sua vez, oculto nastrevas da noite profunda.

— São João da Cruz nos deixou sua experiên-cia mística em sua vida e em sua obra escrita.Nela alternam-se a poesia e a prosa.

Na poesia rompe a “cantar sua desolação e seudesconsolo, seu contentamento e sua embriaguezde amor”. Na prosa, ao comentar as poesias, ex-põe toda a doutrina mística de tradição medieval,e da nova disposição carmelitana. Sem dúvida, aformação tomista e universitária de São João deuuma grande solidez à sua obra doutrinal. “Aquelasólida filosofia aristotélico-tomista que aprendeunas aulas salamanquinas é a que corre profundapor todos os seus escritos — diz o padre Silvério

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—, dando-lhes forte ligação e a consistência darocha granítica, ainda quando se eleva a regiõesonde parece que folga toda humana especulação”.

— As quatro obras capitais de São João daCruz constituem uma unidade orgânica,correspondendo aos diversos graus e vias da mís-tica: a) Subida do Monte Carmelo, a ascética maispenosa da purgação do sentido e do espiritual.Uma subida difícil por montes ásperos, como avia purgativa; penosa, de lenta meditação pelotriste desprendimento de tudo o que não é tudo,do nada do mundo, para chegar à nudez espiritu-al e ao vazio de tudo o que não é Deus. b) A noiteescura da alma e o Cântico espiritual ocupam oponto central da doutrina na mística do santo. NaNoite escura continuamos “morrendo por verda-deira mortificação a todas as coisas” na negaçãoque a alma faz de si própria e “caminhamos, comona noite, às escuras”. c) A Chama viva de amorcorresponde ao estado da alma, já na divina união,banhada de glória, próxima ao estado de bem-aventurança, em que suspira por romper totalmen-te a envoltura da vida terrena, para permanecerglorificada.

“Em torno dos três poemas, Em uma noite es-cura, Onde te escondeste e Ó chama viva de amor,agrupam-se comentários que constituem um tra-tado completo, emocional e fervoroso, de teolo-gia mística. O poema e o tratado se completam ecausam o mesmo efeito sob pontos de vista dife-rentes. Deixam uma impressão única desse líricoinsuperável na emoção e na musicalidade, desseteólogo místico que, com sólida sistematizaçãofilosófica, não se prende ao factual, e superam osoutros livros de mística européia de seu tempo”(Valbuena Prat, Historia de la LiteraturaEspañola).

Toda a obra de São João da Cruz — em prosae em verso: avisos, recomendações, canções,romanças, cartas, conselhos etc. — cheia de sa-bedoria divina, mereceu o reconhecimento daIgreja que o declarou o doutor místico por exce-lência. Conhecedor a fundo da teologia e da tra-

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dição mística anterior, encaixa a sua doutrinamística na mais sã tradição teológica. Sua síntesedoutrinal é simples e audaz. Propõe levar as al-mas ao grau mais alto possível da união com Deusneste mundo. Além da união natural e da uniãosobrenatural pela graça, há outra união integralou total, fruto do amor, e chamada “união deamor”. Essa união chama-se “transformadoraporque leva a alma a fazer tudo o que agrada aDeus e porque a vontade divina vai comunicandoà alma as suas perfeições e tornando-as, cada vezmais, semelhantes a Deus”. Nesta situação “une-se completamente a Deus e se transforma com-pleta e sobrenaturalmente em Deus” (Subida, II,5, 4). Para isso propõe a doutrina nada-tudo:

“Para vir a gostá-lo todo,não queiras ter gosto por nada;para vir a sabê-lo todo,não queiras saber algo em nada;para vir a possuí-lo todo,não queiras possuir algo em nada;para vir a sê-lo todo,não queiras ser algo em nada”.— Todo comentário e explicação torna-se pou-

co e trai a experiência mística deste doutor ilumi-nado. É melhor lê-lo e segui-lo diretamente atéonde for possível.

BIBLIOGRAFIA: A subida do monte Carmelo; Noiteescura; O amor não cansa nem se cansa; Poesias comple-tas; Cântico Espiritual; Vida y obras de San Juan de la Cruz(BAC). Madrid 1978, com bibliografia citada na obra, p. 8-11.

João Damasceno, São (675-749)

Nascido em Damasco, morreu em Jerusalém.Pertencente a uma família cristã, foi o sucessorde seu pai no cargo de oficial administrativo aserviço do califa árabe. João, na verdade, tinha onome árabe de Mansur.

Sendo ainda funcionário do governo, escre-veu os três Discursos sobre as sagradas imagens

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(próximo de 730) defendendo sua veneração con-tra o imperador bizantino Leão III e osiconoclastas. Iniciava, assim, sua vida de escritore teólogo, e que logo apareceria como porta-ban-deira na luta iconoclasta. Pouco depois o vemoscomo monge em Massaba, próximo de Jerusa-lém, onde passou o restante de seus dias estudan-do, escrevendo e pregando. Seus contemporâne-os conheceram-no como o “orador de ouro”,“Chrysorrhoas”, o “manancial ou corrente deouro”.

Entre suas cerca de 150 obras escritas sobres-sai a Fonte do conhecimento, dividida em trêspartes. É uma síntese da filosofia e doutrina cris-tã, que influiu de maneira decisiva no pensamen-to latino da Idade Média e se transformou no tex-to principal da teologia ortodoxa grega.

A primeira parte, filosófica ou dialética, é to-mada da Isagoge de Porfírio e segue bem de per-to a metafísica e a lógica de Aristóteles. A segun-da parte, histórica, é uma transcrição do Panariode Epifânio, uma história das heresias até o séc.IV. A terceira e mais importante é a Exposição dafé ortodoxa, mais conhecida como De fide orto-doxa, traduzida para o latim por Burgúndio dePisa (séc. XII) e que se transformou num dos tex-tos fundamentais da escolástica. Na essência, éum resumo dos padres capadócios do séc. IV,porém com uma formulação aristotélica. Emborase trate de uma compilação, tem o mérito de co-letar e organizar sistematicamente toda a especu-lação patrística grega que a Igreja reconheceu efez sua. Sua obra é, portanto, uma espécie de an-tologia da própria patrística, unificada com o cri-tério da ortodoxia.

João Damasceno assenta o princípio da subor-dinação das ciências profanas à teologia. Afilosodia deve ser serva da teologia.

Estabelece, também, o princípio escolástico deque tudo o que é criado é mutável. Tudo o queexiste no mundo, seja sensível ou espiritual, émutável e, por conseguinte, criado. Pressupõe,pois, um criador, que não seja criado, mas

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incriado; e esse é Deus. Por outro lado, a conser-vação e duração das coisas pressupõem a exis-tência de Deus. Finalmente, a ordem e a harmo-nia do mundo não podem ser produzidas pelo puroacaso, e pressupõem um princípio organizador,que é Deus (De fide orth., 1, 3).

A existência de Deus pode ser alcançada pelarazão humana; sua essência, ao contrário, é in-compreensível. Podemos negar tudo o que repug-na a sua perfeição infinita e atribuir-lhe tudo oque está implícito em tal perfeição. O caminhomais seguro para falar de Deus é o negativo, por-que cada atributo positivo é totalmente diferentequando aplicado a Deus.

Aplica o mesmo procedimento à natureza daalma humana, que considera imortal, pertencenteàs substâncias incorpóreas e espirituais e dotadade livre-arbítrio.

Menos conhecida é a sua antologia de exorta-ções morais, intitulada Paralelos sagrados, emque combina textos bíblicos com outros tomadosdos padres. Também se sobressai por sua revisãoe participação nos hinos da literatura oriental, suafamosa obra Octoëchos.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 94-96.

João de Ávila, São (1499-1569)

*Literatura autobiográfica.

João, Evangelista, São (séc. I-II)

Conhecido também por “João o Teólogo” e o“discípulo amado” de Jesus. João, de fato, foi umdos apóstolos, junto a Tiago e Pedro, escolhidospor Jesus para ser testemunha de acontecimentosmuito importantes da vida do Mestre, como porexemplo a transfiguração no monte Tabor e a ago-nia de Getsêmani. João, além disso, reclinou suacabeça no peito de Jesus na última ceia e foi-lheconfiada a Mãe de Jesus aos pés da cruz. Foi tam-bém testemunha da tumba vazia na manhã da res-

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surreição e do reconhecimento do Senhor no marde Tiberíades. A tradição nos diz que se retirou aÉfeso, sendo desterrado a Patmos, onde escreveuo Apocalipse. De volta a Éfeso, segundo a mes-ma tradição, escreveu o que hoje conhecemoscomo o quarto evangelho e as três cartas, conhe-cidas como 1, 2 e 3 João.

Sobre o Apocalipse (*Apocalipse,Apocalíptica). Em torno do 4º evangelho — dife-rente no conteúdo e no ponto de vista dos trêsanteriores, conhecidos como sinóticos — colo-cam-se uma série de problemas que os estudio-sos denominam “questão joanina”. Segundo a tra-dição, que remonta à segunda metade do séc. II,o quarto evangelho foi escrito pelo apóstolo João.Hoje, muitos pesquisadores negam a origem apos-tólica do livro. Outros, baseados na leitura e dife-rente estilo do texto, preferem pressupor dois au-tores. O texto teria tido duas redações: a primeirapelo que chamamos evangelista, e outra, posteri-or à sua morte, realizada por um discípulo. Ou-tros, finalmente, pensam que não há nada no pró-prio evangelho que se oponha à tradição, pois seapresenta sob a garantia de um discípulo amadodo Senhor, testemunha ocular dos fatos quenarra.

O evangelho de João diferencia-se dossinóticos, em primeiro lugar, por seu estilo. Osdizeres de Jesus organizam-se em discursos e di-álogos longos. Ordena a atividade de Jesus deforma diferente: a vida pública teria durado doisou três anos. Dispõe o material de forma que de-senha a figura de Jesus, colocando em destaqueque é o Messias, o Filho de Deus. Seu tema fun-damental, portanto, é que Jesus é o enviado deDeus. Interessa-lhe destacar a pessoa de Jesus,sua missão, origem e destino, assim como a atitu-de dos homens diante dele. Dito de outra forma:o quarto evangelho, melhor ainda que os sinóticos,pretende esclarecer o sentido da vida, das ações edas palavras de Jesus.

O quarto evangelho é uma obra complexa. Nãoé um simples relato dos milagres e do ensinamento

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de Cristo ao povo, mas uma representação bemmeditada de sua pessoa e doutrina, fruto de umesforço sustentado sob a direção do Espírito San-to. Não à toa, desde a antiguidade, seu autor foichamado: “João, o Teólogo”. Sua data de compo-sição fixa-se entre 90-100.

Entre as sete “cartas católicas”, três são atri-buídas a João. “Apresentam tal parentesco literá-rio e doutrinal com o evangelho que é difícil nãoatribuí-las ao próprio autor, a João, o apóstolo.”A primeira carta, a mais importante e extensa, épor seu estilo e doutrina a que mais se aproximado evangelho. Resume a experiência religiosa deJoão, que consiste na fidelidade ao duplo manda-mento da fé em Jesus Cristo e do amor fraterno.Põe-se em guarda contra a doutrina dos falsosmestres.

BIBLIOGRAFIA: J. Mateos-J. Barreto, El Evangelio deJuan. Análisis lingüístico y comentario exegético.Cristiandad, Madrid 1979; R. Schnackenburg, El evangeliosegún san Juan. Herder, Barcelona 1980-1987, 4 vols.

João Paulo II (1920-)

Karol Wojtyla, nome original de João PauloII, nasceu em Wadowice, Polônia, em 1920. Foieleito papa em 1978, sendo o primeiro não italia-no em 456 anos. A 2ª Guerra Mundial truncouseus estudos de literatura polonesa na Universi-dade de Cracóvia, vendo-se obrigado a trabalharnuma fábrica de soda. Participou da resistênciacontra os invasores nazistas e atuou num grupode teatro antifascista. Em 1942 determinou tor-nar-se sacerdote, ordenando-se em 1946. Ampliouseus estudos na Universidade Angelicum de Romae na Universidade Católica de Lublin. Exerceu adocência como professor de ética na faculdadede filosofia de Lublin e, mais tarde, na faculdadede teologia de Cracóvia. Bispo auxiliar deCracóvia em 1958, foi nomeado arcebispo damesma cidade em 1964 e feito cardeal em 1967.

João Paulo II ascendeu ao pontificado roma-no com uma densa obra literária e teológica la-

João Paulo II

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vrada em seus anos de docência universitária ede vida pastoral. Além de suas narrativas e obrasde teatro, publicou em 1960 Amor e responsabi-lidade, onde critica os métodos não naturais decontrole de natalidade; seguiram-lhe Pessoa eação (1969), análise da teoria do conhecimento;Os fundamentos da renovação (1972), assimcomo uma monografia sobre Max Scheler. A es-ses trabalhos devem-se acrescentar mais de 500ensaios e artigos, alguns deles reunidos no ABCda ética moral (1975). Se a isto acrescentarmosas cartas pastorais, alocuções, conferências, dis-cursos e encíclicas, teremos um dos papas maisfecundos no apostolado da palavra e da escrita.

O serviço à palavra em todas as suas formas é,de fato, uma das constantes do atual pontífice.Grande comunicador e poliglota, transformou-seem porta-voz da Igreja e do Evangelho no mun-do. Além de seu ministério ordinário em Roma,as viagens realizadas aos cinco continentes per-mitiram-lhe falar e transmitir a mensagem cristãde muitas e diversas formas e a múltiplas audiên-cias em todo o mundo. As viagens pastorais e asmensagens nelas transmitidas serão, de fato, umadas chaves para compreender seu pontificado. Ainformação de suas viagens pela imprensa e pelaTV fizeram do Papa Wojtyla um dos personagensmais conhecidos.

A chave de interpretação da atividade de JoãoPaulo II está nos centros de interesse dos grandessetores da Igreja e suas prioridade. A Igreja doOcidente está preocupada com problemas da se-cularização, da procura de um sistema de valo-res, de uma reforma moral. Diante desta situa-ção, acusa-se o papa polonês de querer fazer daEuropa um novo fortim medieval com essa espé-cie de medo da verdadeira modernidade. Com aIgreja da América Latina, interpelada pela misé-ria, pela exploração econômica e pela revoluçãosocial, e que opta pela “Teologia da Libertação”,o Papa Wojtyla mostrou-se reticente e cauteloso.A mesma atitude de cautela encontramos por partedo papa frente a uma Igreja de diálogo e a serviço

João Paulo II

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dos homens e do mundo. Essa atitude de pruden-te cautela levou-o a tensões com teólogos, comgrupos, pelo que denominam “autoritarismo” e“involucionismo” do pontificado de Wojtyla.

A Igreja do Papa Peregrino, que soube devol-ver o orgulho a numerosas comunidades católi-cas nacionais, aparece hoje muito mais forte nomundo se considerarmos seu prestígio político esocial. João Paulo II apostou inclusive com suavida — foi vítima de um atentado a 13 de maiode 1981 — por uma ordem democrática e socialbaseada na liberdade e na justiça; condenou ocomunismo e outros regimes autoritários; saiu nadefesa e recuperação dos direitos humanos; pro-nunciou-se contra a guerra “como o mal sem re-torno”. “Pertence a seu pontificado um trabalhodiplomático em continuidade com o de seus pre-decessores, que aproveitou com perseverança, decada abertura e de cada oportunidade deenfrentamento com os regimes comunistas, numatentativa constante para que as Igrejas locais exer-cessem uma ação pastoral mais decisiva.”

Se a essa luta social e política acrescentarmosa voz do pontífice contra o materialismo, o cha-mado à fidelidade conjugal, à pureza e santidadedos jovens e da vida familiar, teremos algumasdas chaves do pontificado de João Paulo II. Foi eé contestado. Mas certamente, se tivesse uma lin-guagem espiritual, dogmática ou piedosa que pa-recesse convir a todos, essa linguagem seriajulgada então inadequada para responder às situ-ações concretas de hoje.

João XXIII (1881-1963)

Angelo Giuseppe Roncalli, conhecido comoo Papa Roncalli, ou João XXIII, foi e continuasendo “um dos homens mais queridos e amadosdo mundo”. Nascido em uma família humilde decamponeses em Sotto il Monte, perto de Bérgamo,viveu sua vida de sacerdote na simplicidade e naentrega ao serviço da Igreja. Bulgária (1931),Turquia e Grécia (1934), Paris (1944) foram os

João XXIII

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lugares de seu trabalho como delegado e NúncioApostólico. Nomeado cardeal em 1953, foi de-signado patriarca de Veneza, até que, na mortede *Pio XII, foi eleito Papa, a 28 de outubrode 1958.

Sua idade avançada e o escasso destaque quesua conciliadora personalidade até então haviademonstrado fizeram crer que seria um “papa detransição”, depois do pontificado tão pessoal dePio XII. Mas o novo papa surpreendeu a todos.No dia 25 de janeiro de 1959 anunciou a convo-cação de um concílio ecumênico. Em sua mente,esse concílio estava destinado a: 1) Promover aunião dos cristãos das diversas Igrejas, que o papapensava, se deveria fazer num prazo curto, algoassim como a parusia para os primeiros cristãos.2) Adaptar e renovar a Igreja e o apostolado a ummundo em plena transformação. A palavraaggiornare, aggiornamento foi colocada em cir-culação pelo papa em todo o mundo. Não se tra-tava tanto para a Igreja de lutar contra os seusadversários; tratava-se mais de encontrar ummodo de expressão no meio do mundo em quevivia e que parecia ignorar. Expressões como “de-vem-se sacudir o pó imperial” que recobre a Igre-ja, “deve-se abrir as janelas para que entre um arfresco”, “deve-se examinar os sinais do tempo”foram frases e “slogans” carregados de força esignificativos do que o papa queria para o futuroconcílio.

A 11 de outubro de 1962 abriu o Concílio*Vaticano II. No ato de abertura chamou a aten-ção da assembléia, composta de 2.400 bispos,contra a tentação do pessimismo e do integrismo.Realçou o caráter pastoral, de renovação, nãocondenatório, que o concílio deveria ter.

Ao falar de João XXIII neste dicionário, faz-se necessário aludir a seu magistério. Em conso-nância com o concílio, que desencadeia a revolu-ção pacífica mais extraordinária do século, o papadirigiu-se pela primeira vez ao mundo inteiro, “atodos os homens de boa vontade, não apenas aoscristãos”, com duas encíclicas: Mater et Magistra

João XXIII

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(1961) sobre os problemas sociais, e Pacem inTerris (1963) sobre a paz e as relações interna-cionais.

— “Como no passado, também no nosso tem-po os progressos da ciência e da técnica influempoderosamente nas relações sociais do cidadão.Por isso é preciso que, tanto na esfera nacional,quanto na esfera internacional, tais relaçõesse regulem com um equilíbrio mais humano”(MM 212).

— “Nenhuma época poderá apagar a unidadesocial dos homens, já que consta de indivíduosque possuem, com igual direito, uma mesma dig-nidade natural. Por esta causa, sempre será ne-cessário, na mesma natureza, atender devidamenteo bem universal, isto é, o que afeta toda a famíliahumana...” (PT 132).

Contudo, o surpreendente de João XXIII é suaprópria personalidade, que inaugurou uma novaera na história da Igreja católica, por sua aberturapara a mudança e para o mundo, por sua imensahumanidade. Esse pontífice corpulento e baixode estatura — nunca pôde dominar sua tendênciaà gordura — foi-se apoderando gradualmente domundo até ser tido como o “pai do mundo”. Quan-do morreu em 1963, o coração dos homens esta-va com ele.

BIBLIOGRAFIA: J. L. Martín Descalzo, El Conciliode Juan y Pablo (BAC) 1967; H. Küng, Iglesia en Concilio.Sígueme, Salamanca 1965; João XXIII, Diário espiritual,;As encíclicas sociais de João XXIII, Rio de Janeiro, 1963;Encíclicas, várias edições em português.

Joaquim de Fiore (1145-1202)

Nasceu em Dorfe Celico, Cosenza (Itália) emorreu na Calábria, no mosteiro de São João deFiore, fundado por ele e do qual era abade desde1191. A lenda apoderou-se deste abade profeta,místico, teólogo, comentarista bíblico e filósofoda utopia. Os dados sobre sua vida são tardios,pois procedem de um monge do séc. XVI. Destesdados, transmitidos por J. Greco do cenóbio de

Joaquim de Fiore

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Fiore, sabe-se que Joaquim de Fiore, depois deuma viagem à Terra Santa, onde se livrou de umapeste, entregou-se ao ascetismo. Novamente naItália, entrou no mosteiro cisterciense deSambrucino e Corazzo (Sicília), onde foi abade.Posteriormente se retirou para a vida de anacoreta(1119), fundando então o cenóbio de São João deFiore, onde reuniu muitos discípulos.

Mais interessante do que sua vida é a sua dou-trina, aliás, sua vida é a sua própria doutrina. Desua numerosa produção restam três obras funda-mentais: 1) Concordia Veteris et Novi Testamenti.2) Expositio in Apocalypsim; 3) Psalterium decemchordarum. Além destas obras indiscutíveis, selhe atribuem estas outras: Tractatus superQuattuor Evangelia; De unitate et essentiaTrinitatis contra Pedro Lombardo; um escritoAdversus Judaeos; uma exposição sumária da fécatólica, intitulada De articulis fidei. E finalmen-te, o Liber figurarum, descoberto em 1937, umlivro de desenhos e figuras reconhecido pelospesquisadores como autêntico. Nele expressa asua doutrina de forma simbólica em árvores queproduzem flores e frutos, em figuras geométricase em visões de formas estranhas em que as árvo-res se transformavam em águias etc.

Quais são as idéias e a originalidade destehomem tão pesquisado e estudado hoje em dia?Seguindo um pouco a ordem e o conteúdo de suastrês obras fundamentais, podemos resumir seupensamento desta forma:

Concordia Veteris et Novi Testamenti. Nestelivro, J. de Fiore elabora sua filosofia da história.A compreensão espiritual da Escritura, meta etarefa contínua de Joaquim, leva-o a superar osentido literal tanto do Antigo quanto do NovoTestamento. A história culminará numa era final,produto das duas anteriores, a do AT e a do NT.Assim é como se constrói a sua filosofia trinitáriada história, em que as três Pessoas da Trindade setransformam numa estrutura temporal: a era doPai, Antigo Testamento; a era do Filho, Novo Tes-tamento; a era do Espírito Santo, o tempo atual

Joaquim de Fiore

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da história até o final dos tempos. Seu início seriapróximo ao ano 1260. Seria a irrupção do Espíri-to que varreria a corrupção da Igreja e implanta-ria a verdadeira religião.

Na Expositio in Apocalypsim anuncia a imi-nente crise do diabo, tal como a pintam as ima-gens do Apocalipse, personificado na figura doanticristo, e a subseqüente vida do Espírito quepreencherá a terra.

Seu Psalterium decem chordarum interpretaa doutrina da Trindade através do símbolo e vi-são do saltério de dez cordas. Opõe-se ao pensa-mento de *Pedro Lombardo, que de tanto distin-guir entre a essência e as três pessoas, pareciaadmitir uma quarta.

Joaquim de Fiore é um grande poeta e artista.É principalmente o homem que luta constante-mente contra “o sentido literal” para chegar aoespírito, porque este é o que dá vida e sentido àhistória. Esse espírito é o que faz dele um profetados novos tempos. Suas especulações trinitáriasvinculam-se, assim, numa mensagem proféticaque nos leva ao “Evangelho eterno”, obra do Es-pírito que supera toda letra e toda lei.

O terceiro estado que há de vir, se caracteriza-rá por uma inteligência da Palavra divina, já nãoliteral, mas espiritual. Os homens conhecerãoverdadeiramente o seu significado real. “A men-sagem joaquinista é documento de uma grandeexpectativa do advento e dos valores espirituaisjá sobre a terra. Suas aspirações renovadoras secristalizarão e se expressarão melhor em sucessi-vos movimentos ortodoxos. Influenciou princi-palmente o movimento franciscano, não já em suainspiração original, mas em sua evoluçãoespeculativa. Notável é o seu influxo teórico so-bre muitos escritores, especialmente sobre Dante”(Diccionario de filósofos). Sua importância einfluência são grandes na construção da utopiacristã.

BIBLIOGRAFIA: E. Gebhart, La Italia mística, 1945;Historia Universal, Siglo XXI. 11, c.10, com a bibliografia.

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Juliana de Norwich (1342-1413)

*Nuvem do não-saber, A.

Juliano Apóstata (332-363)

Flavius Claudius Iulianus foi imperador ro-mano desde 361. Sobrinho de Constantino, foieducado no cristianismo para seguir depoisneoplatonismo e iniciar-se nos mistérios deElêusis. Em 355 foi apresentado como César, sen-do aclamado imperador por suas tropas em 360.

A partir da morte de Constâncio II (361), ata-cou uma série de grandes reformas baseadasna restauração da cultura e religião gregas. Seualvo foi o esmagamento do cristianismo e a pro-moção do paganismo por todos os meios que nãofossem a perseguição aberta. Foi um escritor pro-lífico. Seu tratado Contra os Galileus podemosconhecê-lo somente em parte pela refutação quedele fez São *Cirilo de Alexandria. Muitos dosargumentos formulados por Juliano contra os cris-tãos foram-se repetindo ao longo de toda a histó-ria da Igreja. Junto a *Celso, *Luciano e Porfírio,é um dos grandes inimigos do cristianismo. Sãotambém notáveis os dicursos II, IV, V, VIII, aCarta a Temistio e o Banquete ou a festa dossaturnais.

“Temperamento místico mais do queespeculativo, não foi um filósofo autêntico. Seupaganismo foi uma expressão psicológica maisdo que uma convicção profunda. Não chegou acompreender o que era o cristianismo, que nuncao entusiasmou. Seus escritos (panegíricos, discur-sos, cartas) são preponderantemente polêmicos,carentes de sistematização... Do cristianismo re-jeitou, em particular, a exegese bíblica e aliturgia...” (Diccionario de filósofos).

BIBLIOGRAFIA : Obras: Contra los Galileos. Cartasy fragmentos. Testimonios. Leyes. Introduções, tradução enotas por J. García Blanco e P. Jiménez Gazapo. Gredos,Madrid; Id., Discursos. Introduções, tradução e notas de J.García Blanco. Gredos, Madrid, 2 vols.

Juliano Apóstata

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Jungmann, J. A. (1889-1975)

*Teologia atual, Panorama da.

Justino, Mártir, São (séc. II)

Flávio Justino nasceu no primeiro decêniodo séc. II em Flávia Neápolis, a antiga Siquém,atual Nablus, na Palestina. Filho de pais pagãos,freqüentou as diversas escolas filosóficas de es-tóicos, peripatéticos e pitagóricos. Depois de terprofessado durante longo tempo as doutrinas dosplatônicos, converteu-se ao cristianismo. Viveumuito tempo em Roma, onde fundou uma escolae onde sofreu também o martírio entre os anos163-167.

De São Justino conservam-se três obrasautênticas: O Diálogo com o judeu Trifão e I eII Apologia. A primeira e mais importante delasé dirigida ao imperador Antonino Pio e deve tersido escrita entre os anos 150-155. A segunda,que vem a ser um apêndice da primeira, foi mo-tivada pela morte de três cristãos, réus por seprofessarem tais. O Diálogo com o judeu Trifãoapresenta uma discussão ocorrida em Éfeso entreJustino e Trifão, e quer demonstrar que a prega-ção de Cristo realiza e completa os ensinamentosdo AT.

A doutrina fundamental de São Justino podeser resumida nos seguintes pontos:

— O cristianismo é a “única filosofia segura eútil” ( Diál., 8), resultado último e definitivo aoqual a razão deve chegar em sua investigação. Ea razão nada mais é do que o Verbo de Deus, istoé, Cristo, do qual participa todo gênero humano(Apol., I, 46).

— Os que viveram conforme a razão são cris-tãos, embora tenham sido considerados ateus...“De modo que aqueles que nasceram e viveramirracionalmente foram malvados e inimigos deCristo e assassinos dos que vivem segundo a ra-zão; mas aqueles que viveram e vivem segundo arazão, são cristãos impávidos e tranqüilos.”

Jungmann, J. A.

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— Porém, esses cristãos anteriores não conhe-ceram toda a verdade. Havia neles sementes deverdade que não puderam entender perfeitamen-te (Apol., I, 44).

— Tudo o que de verdade se tenha dito per-tence a nós, cristãos; já que, além de Deus, nósadoramos e amamos o logos do Deus ingênito einefável, o que se fez homem por nós, para noscurar de nossas doenças, participando delas”(Apol., II, 13).

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 6; Corpus ApologetarumChristianorum saeculi II. Ed. Otto, Jena 1847-1872, 9 vols.;H. Yaben, San Justino. Apologías, Madrid 1943; Padresapologetas griegos. Edição bilíngüe (BAC).

Kant, Emmanuel (1724-1804)

Kant nasceu, viveu e morreu na cidade alemãde Königsberg. Professor de lógica e metafísicana mesma universidade de sua cidade, fez seu olema do *Iluminismo: “Sapere aude”, “atreva-sea pensar”. Submeteu a razão humana ao juízo paraque pudesse responder às quatro perguntas fun-damentais da filosofia: Que posso conhecer? Quedevo fazer? Que posso esperar? Que é o homem?Sua passagem pela filosofia deu a esta um girocopernicano. Mas suas idéias filosóficas transcen-dem o âmbito acadêmico e afetam todos os cam-pos da vida, particularmente o moral e o religio-so. Homem de arraigada fé protestante e de for-mação e educação pietistas, submeteu a moral e areligião à crítica, principalmente à existência deDeus, chegando a umas conclusões que terão

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influência decisiva nas idéias e na conduta poste-riores.

Na Crítica da razão pura aplica sua teoria doconhecimento ao mundo religioso, e em particu-lar ao conhecimento de Deus, da alma e da eter-nidade e imortalidade. Segundo Kant, não pode-mos conhecer o que são as coisas em si mesmas,mas tal como nós as experimentamos através dossentidos. Em conseqüência: a) Os argumentosontológico, cosmológico e teológico não servempara demonstrar a existência de Deus. b) Rejeitatambém toda pretensão de conhecer como é Deus,porque suporia aplicar ao âmbito do incondicio-nal ou absoluto algo que somente tem vigênciano terreno do finito e fenomênico. c) Deste prin-cípio, chega à conclusão de que não é válida atentativa de provar que Deus existe. A razão nãotem uma forma sensível que lhe permita dar o saltoaté Deus. A Deus somente chegamos pela fé, nãopelo conhecimento. Não obstante, o conceito deDeus atua como “princípio regulador” que nosmostra um objetivo teórico capaz de orientar nossavida.

Na Crítica da razão prática, na Crítica do juízoe na Metafísica dos costumes, Kant aborda a fun-damentação da moral e da religião. Sustenta queos conceitos de Deus, alma, liberdade e imortali-dade são postulados necessários para dar sentidoàs exigências incondicionais da moral. A razãoprática, a consciência: a) Descobre esses concei-tos como postulados que a razão é incapaz dedemonstrar, mas que se impõem por si mesmos.b) Descobre deste modo que o homem é livre aodar-se a si mesmo a lei. c) Descobre finalmenteque a liberdade exige a imortalidade e a existên-cia de um ser divino, um Deus justo que reivindi-que os direitos ou exigências da justiça vulneradospelas injustiças e desajustes deste mundo.

As conclusões a que essa doutrina de Kantconduz não podem ser mais claras: 1) Não há porque pensar numa religião revelada, como podeser a revelação histórica do cristianismo. Não hánecessidade dela. 2) Também não há necessidade

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de um redentor especial e particular. Cristo seriatão-somente um mestre ou um filósofo dos ho-mens. 3) A religião não é mais do que o reconhe-cimento de nossos deveres como mandatos divi-nos. É um puro reconhecimento da razão prática.Não há, portanto, lugar para a chamada experiên-cia místico-religiosa.

A filosofia de Kant deu uma base racional efilosófica às idéias do *Iluminismo sobre o deísmoe a religião natural. (*Deísmo). Ao lado de*Hume, são os dois pensadores mais sólidos quechegaram a propor as bases do agnosticismo filo-sófico e religioso modernos.

Karlstadt (1480-1541)

Andreas Bodenstein, reformador alemão co-nhecido pelo lugar de seu nascimento. Foi um dosprimeiros professores da nova Universidade deWittenberg (1505). A visita a Roma, realizada em1515 provocou-lhe uma profunda crise espiritu-al. Desde então manteve a doutrina pessimista daextrema debilidade da vontade humana, incapazpor si mesma de nada bom. Na disputa com Eck(1519), sustentou as teses protestantes, sendo re-conhecido como um dos reformadores mais ex-tremistas. Próximo a 1521, celebrou o primeiroserviço protestante da comunhão, ou ceia, “semvestimentas nem cânon, recebendo os leigos acomunhão sob as duas espécies”. Tendo-se opos-to a Lutero por suas excentricidades, renunciou àsua cátedra em 1524, passando o restante de seusdias na Suíça.

Kazantzakis, Nikos (1885-1957)

*Literatura atual e cristianismo.

Kierkegaard, Sören (1813-1855)

Foi educado por seu pai ancião numa severareligiosidade. Depois de uma infância triste e iso-lada, inscreveu-se na faculdade de teologia de

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Copenhague, onde primava a inspiração hege-liana. Dominado sempre por uma “autocom-paixão”, nunca pôde arrancar de seu corpo a me-lancolia e a angústia que lhe invadiram toda a vida.Graduou-se em teologia em 1840, mas não sedecidira estudar e escrever até praticamente seusúltimos anos. Seu Diário no-lo apresentasummamente angustiado. Ele próprio viveu to-talmente a figura que tão bem descreve nas pá-ginas finais do Conceito da angústia: “O que eusou é um nada; isto dá a mim e a meu caráter asatisfação de conservar minha existência no pon-to zero, entre o frio e o calor, entre a sabedoria e anecessidade ou entre o algo e a nada, como umsimples talvez”. O ponto zero é a indecisão per-manente, o equilíbrio instável entre as alternati-vas opostas que se abrem diante de qualquer pos-sibilidade.

O ponto de partida da filosofia de Kierkegaardderiva da crítica de Hegel. Este, segundoKierkegaard, ignorou os traços passionais da sub-jetividade humana. A verdade não é o “puro pen-samento”, como acreditava o filósofo alemão; averdade é a subjetividade. A filosofia, em conse-qüência, como sistema de deduções, é uma pura

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falácia. Para Kierkegaard, a verdade fica vincu-lada e limitada ao sujeito existente, concreto eparticular, não a seu objeto. Isto torna impossí-vel, em última instância, que a verdade possa co-municar-se com outros indivíduos. A existênciaé, pois, opção e paradoxo. Esta concepção da ver-dade e da existência de cada sujeito permitiu vernele o pai do existencialismo tanto cristão quantosecular.

Levou essas conclusões ao campo religioso, emais concretamente ao cristianismo. Se a filoso-fia não é uma especulação, mas um modo de serdo indivíduo, também não se deve falar de umateologia sistemática: conjunto ou sistema objeti-vo de verdades doutrinais. Ser cristão é viver a fédesde a própria existência paradoxal no Deus-homem, não num conjunto de verdades.Kierkegaard acentua o abismo entre o tempo e aeternidade, entre o finito e o infinito, entre o ho-mem e Deus. “Deus é o absolutamente desconhe-cido.” Existe também um abismo entre o pecadodo homem e a santidade de Deus. “Sem pecado,não há cristianismo... Tirar a consciência peca-dora seria como fechar as igrejas e transformá-las em salões de baile. Isto é o que torna parado-xal a fé do cristão: que Deus é absolutamente reale absolutamente incompreensível. Por isso mes-mo, não se pode falar de Deus nem muito menosformular uma teologia.”

Somente Deus pode salvar o homem do abis-mo entre ambos. E isto Deus o fez na pessoa deCristo. Deus revelou-se a si mesmo em Jesus Cris-to, mas é uma revelação sob véus. Deus se mani-festou em Jesus Cristo, mas isto não é patente parao observador casual. Somente aos olhos da fé,Deus é visto em Jesus Cristo. Somente os que têmfé o reconhecem e o encontram. A fé não é racio-nal. É a aceitação do absurdo, do paradoxal.Kierkegaard aceita a expressão de *Tertuliano:“Credo quia absurdum”. A fé é uma decisão pes-soal, um ato de afirmação, um salto na escuridão.Pressupõe risco e compromisso pessoal e, atra-vés deste, chegamos a conhecer Deus.

Kierkegaard, Sören

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Como era natural, Kierkegaard não oferece umsistema completo de doutrina. Ele próprio des-creveu sua obra como “um pouco de pimenta”,como um revulsivo ou corretivo. Suas obras de-vem ser encaradas como uma “espécieprovocativa e profética”, mais que como uma di-eta regular e completa. Se levadas muito a sério,podem causar grandes desarranjos gástricos. Men-cionamos as mais importantes: O conceito de iro-nia (1841); Diário de um sedutor (1843); Miga-lhas filosóficas (1844); O conceito de angústia(1844); A enfermidade mortal (1846-47); Discur-sos religiosos etc. Toda a sua obra e a sua vidaforam dedicadas a pôr em destaque o “escânda-lo” e o “paradoxo” da fé cristã, o caráter munda-no da Igreja dinamarquesa, alvo de seus ataques,e a corrupção do cristianismo por parte da filoso-fia de Hegel. O seu é a “existência cristã” ou oreligioso paradoxal. Seu individualismo exerceuuma influência decisiva na teologia dialética e noexistencialismo. *Unamuno foi um dos seus ad-miradores e seguidores mais fervorosos.

BLIOGRAFIA: J. Collins, El pensamiento deKierkegaard, 1958.

King, Martin Luther (1929-1968)

Nasceu em Atlanta, Geórgia, Ministro da IgrejaBatista e lutador pelos direitos civis da popula-ção negra dos EUA. Estudou na Universidade deBoston, onde se doutorou com uma tese sobre Paul*Tillich. A partir de 1954, quando foi nomeadopastor de uma Igreja Batista em Montgomery,Alabama, sua vida se envolveu completamenteno trabalho pastoral e na luta política em favor daraça negra.

A luta pelos direitos civis da população negracomeçou para M. L. King em 1955, quando umamulher negra foi levada à prisão por não ter cedi-do seu lugar no ônibus a um branco. O resultadofoi um boicote ao sistema de apartheid nos ôni-bus por parte da comunidade negra. Em 1957criou a Conferência de líderes cristãos do sul para

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coordenar a ação não violenta pelos direitos ci-vis. Reconhecido como líder indiscutível, adotouo método da ação direta não violenta, conforme adoutrina de Gandhi. A essa primeira medida deestratégia acrescentou a do controle e uso do votodos negros. Foi levado à prisão em 1960 e 1962.Nessa ocasião escreveu no cárcere: “Sabemos, porpenosa experiência, que o opressor jamais con-cede livremente a liberdade, e que esta deve serexigida pelo oprimido”. No ano de 1963, dirigiua célebre marcha sobre Washington e, nela, a suamelhor e mais conhecida palestra a mais de200.000 seguidores: “Tive um sonho de que che-gará um dia em que meus quatro filhos viverãonuma nação onde não serão julgados pela cor dapele, mas pelo valor de sua própria pessoa...”.

Os anos entre 1960-1965 constituíram o ápicede sua glória, quando obteve o apoio de Kennedye Johnson. Em 1964, o Congresso dos EUA apro-vou a Lei de Direitos Civis e, em 1965, a Lei doDireito ao Voto. No ano anterior, foi-lhe concedi-do o Prêmio Nobel da Paz.

A partir de 1965, o movimento da não violên-cia patrocinado por M. L. King foi criticado e tor-pedeado pelos grupos do Poder Negro, partidári-os da violência. Em 1968 foi assassinado emMemphis. Nesses anos de luta, o exemplo de M.L. King influenciou decisivamente a luta pelosdireitos civis em todo o mundo.

BIBLIOGRAFIA: N. Blázquez, Los derechos delhombre. Reflexión sobre una crisis (BAC).

Knox, John (1513-1572)

Reformador escocês de tendência luterana e,depois, calvinista. Redigiu a primeira Confissãode fé da Igreja da Escócia em 1560, de carátercalvinista. Assim mesmo, formou uma comissãoque aboliu a autoridade do papa e a celebração eassistência à Missa.

Em 1561, com um grupo de reformadores, re-digiu o Livro da disciplina, ao que seguiu, em

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1564, o Livro da ordem comum. Todos esses li-vros, de conteúdo dogmático, disciplinar elitúrgico, foram aprovados pelo Parlamento Es-cocês e estiveram vigentes até que em 1647 seadotou a Confissão de Westminster.

Knox deu à reforma da Igreja da Inglaterra umforte conteúdo luterano-calvinista. Durante o pe-ríodo de Eduardo VI, interveio na redação do Li-vro da oração comum. Posteriormente se opôs àrainha Maria Tudor (católica); não foi aceito pelarainha Elizabeth I, e lutou contra Maria Stuart daEscócia. Contra as três mulheres parece ter escri-to sua primeira obra: Primeiro toque de trombetacontra o reinado das mulheres (1558). A luta fren-te a essas três mulheres ocupou praticamente todaa sua vida, tanto na Alemanha, onde fugiu da per-seguição de Maria, quanto na Escócia e na Ingla-terra. Apesar disso, ainda pôde escrever sua obrade maior empenho: História da reforma da reli-gião no reino da Escócia (1644).

Knox, Roland (1888-1957)

*Literatura atual e cristianismo.

Kosuke Koyama (1929-)

*Libertação, Teólogos da.

Küng, Hans (1928-)

Teólogo católico suíço, professor de teologiacatólica e ecumênica na Universidade de Tubinga.Considerado como o teólogo mais polêmico eproblemático de hoje, seus 69 anos apresentam,em retrospectiva, um panorama esplêndido deatividade acadêmica, científica e literária comomuito poucos podem oferecer. Seu pensamentodestina-se a esclarecer o genuinamente cristão ecatólico, desmascarando, sem medo, tudo o quede espúrio e corrupto se introduziu no cristianis-mo ao longo de sua história de séculos. O viver eo acontecer da Igreja é seu campo de pesquisa e

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sua luta, que o levaram a enfrentamentos, acarea-ções e condenações da Igreja oficial.

Alguém disse que o seu trabalho científico eteológico reproduz na Igreja de Roma o que sé-culo e meio realizara *Newman na Igreja da In-glaterra: procurar razões e fundamentos para a suafé católica. Desde a tese doutoral, Justificação. Adoutrina de Karl Barth e uma reflexão católica(1957), passando pelo trabalho como conselhei-ro no Vaticano II, até a última obra Projeto deética global (1990), toda a sua produção é umapesquisa do cristão em todos os seus planos e di-mensões. Assim devemos ler os seus livros: ExisteDeus?; Ser cristão; Infalível?. Todos eles susci-taram polêmica e o colocaram contra a parede.Negaram-lhe o título de teólogo e até o de cris-tão. Muitos se perguntaram: Küng é verdadeira-mente católico? Por que continua sendo católi-co? Ele mesmo se fez esta pergunta e lhe respon-de da seguinte forma: “A resposta, tanto para mim,quanto para muitos outros, é que não quero dei-xar que me arrebatem algo que faz parte de mi-nha vida. Nasci no seio da Igreja Católica: incor-porado pelo Batismo à imensa comunidade detodos os que acreditam em Jesus Cristo, vincula-do por nascimento a uma família católica que amoentranhadamente, a uma comunidade católica daSuíça à qual volto com prazer em qualquer opor-tunidade; em uma palavra, nasci num solar cató-lico que não gostaria de perder nem abandonar, eisto como teólogo...”.

“Desde muito jovem conheço Roma e opapado mais a fundo do que muitos teólogos ca-tólicos, e não guardo, apesar do que se tem ditocontra, nenhum afeto anti-romano. Quantas ve-zes ainda terei de falar e de escrever que não es-tou contra o papado nem contra o papa atual, masque sempre tenho defendido, ante os de dentro efrente aos de fora, um ministério de Pedro purifi-cado de traços absolutistas, de acordo com osdados bíblicos! Sempre me pronunciei a favor deum autêntico primado pastoral no sentido da res-ponsabilidade espiritual, direção interna e solici-tude ativa pelo bem da Igreja universal... Um

Küng, Hans

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primado não de domínio, mas de serviço abne-gado...

“Desde muito jovem vivi a universalidade daIgreja Católica e nela pude aprender e recebermuitas coisas de inumeráveis homens e amigosde todo o mundo. Desde então resulta-me maisclaro que a Igreja Católica não se identifique maiscom a hierarquia nem com a burocracia roma-na...

“Por que, então, continuo sendo católico? Nãoapenas em razão de minhas raízes católicas, mastambém em razão dessa tarefa que para mim é agrande oportunidade de minha vida e que somen-te posso realizar plenamente, sendo teólogo cató-lico no marco de minha faculdade teológica. Masisso nos leva a outra pergunta: Que significa pro-priamente o católico, isso que me impulsiona acontinuar sendo teólogo católico?

“Segundo a etimologia do termo e da antigatradição, é teólogo católico quem, ao fazer teolo-gia, sabe-se vinculado à Igreja Católica, isto é,universal, total. E isto em duas dimensões: tem-poral e espacial... Nesse duplo sentido, quero con-tinuar teólogo católico e expor a verdade da fécatólica com uma profundidade e abertura igual-mente católicas. Neste sentido podem ser tambémcatólicos certos teólogos que se chamam protes-tantes ou evangélicos, coisa que acontece de fatoe, particularmente, em Tubinga. Isso deveria cons-tituir um motivo de alegria para a Igreja oficial...

“Essa aceitação da catolicidade no tempo e noespaço, na profundidade e na abertura, significaque é preciso aprovar tudo o que as instânciasoficiais ensinaram, prescreveram e observaram aolongo do século XX?... Não, não é possível quese refira a uma concepção tão totalitária da ver-dade... De tudo se depreende que ser católico nãopode significar aceitar e suportar tudo submissa-mente com uma falsa humildade em aras de umapressuposta ‘plenitude’, ‘totalidade’ e ‘integrida-de’. Isso constituiria uma má complexiooppositorum, um trágico amálgama de contradi-ções, de verdade e erro...

Küng, Hans

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“Em todo caso, a catolicidade deve ser enten-dida sempre com um sentido crítico fundamenta-do no Evangelho... A catolicidade é dom e tarefa,indicativo e imperativo, enraizamento e futuro.Nesta tensão quero continuar fazendo teologia econtinuar expondo a mensagem de Jesus aos ho-mens de hoje com a mesma resolução que atéagora, disposto a aprender e retificar sempre quese trate de um diálogo amistoso e fraterno...”.

BIBLIOGRAFIA: Para o estudo da teologia no momen-to atual, ver La teología en el siglo XX (BAC), 3 vols.; JoséMaria Gómez Heras, Teología protestante. Sistema e historia(BAC minor); H. Küng, Teología para la postmodernidad.Fundamentación ecuménica. Alianza, Madrid 1988.

Laberthonnière, Lucien (1860-1932)

Um dos teólogos do movimento modernista,junto a *Tyrrell, *Loisy e outros. O movimentomodernista, tolerado por *Leão XIII, foi conde-nado por Pio X em 1907. Laberthonnière desen-volveu em seus livros uma idéia pragmática daverdade religiosa que ele qualificou de“dogmatismo moral”. Aplicado esse princípio aocristianismo, e mais concretamente a seu proces-so histórico tal como se manifesta na Igreja, oque interessa é o estado atual da doutrina, não assuas origens.

Suas obras Ensaios de filosofia religiosa(1903) e Realismo cristão e idealismo grego(1904) foram postas no *Índex em 1913. Igualsorte tiveram: Positivismo e catolicismo (1911) eNo caminho do catolicismo (1912). Dentro daapologética blondeliana, Laberthonnière se opôs

L

Laberthonnière, Lucien

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ao intelectualismo neotomista. Com o fim dereviver o pensamento cristão, tentou fundá-lo numsentido concreto e vivente da existência e do ser.A fé é algo vivente, isto é, algo “que se faz”; aprimeira coisa que se deve fazer com a fé é“interiorizá-la”. A fé, portanto, tem um desenvol-vimento histórico e reside essencialmente no su-jeito individual humano.

Lacordaire, Henri D. (1802-1861)A esse célebre dominicano francês estão vin-

culadas três grandes missões dentro do catolicis-mo francês e da Igreja: a) Foi o iniciador, entre1835-1836, da primeira série de conferências ousermões de Notre Dame de Paris. Em anos poste-riores, e já no séc. XX, sucederam-lhe no púlpitode Nossa Senhora os melhores oradores france-ses, reunindo em torno deles a “inteligência fran-cesa”. b) Lacordaire foi um dos líderes da “reno-vação e restauração” da Igreja na França duranteo séc. XIX. O ter unido em sua pessoa um libera-lismo aberto nas idéias e um “ultramontanismo”favorável ao poder do papa criou-lhe sérios pro-blemas dentro e fora da Igreja. c) Uma terceiramissão teve Lacordaire: restabelecer a ordem dospregadores na França em 1843, depois da aboli-ção decretada em 1790. Em 1850 foi nomeadoprovincial dos dominicanos franceses. A vida, asidéias e o estilo de Lacordaire suscitaram muitasvocações à vida religiosa e ao apostolado dos lei-gos. Sua obra escrita ainda é um estímulo e umexemplo para hoje.

Do ponto de vista doutrinal e político, a vidade Lacordaire parte da condenação pelo papa de“L’Avenir”, periódico que fundara juntamentecom *Lamennais. Em 1832 foram condenados operiódico e as idéias teológico-filosóficas deLamennais (1834). Desde esse momento,Lacordaire combateu o sistema de Lamennais,criando seu próprio estilo e sua apologética debase filosófica e racional, mas não tradicionalistanem “pseudo-racional”.

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres, 1911-1912, 9 vols.

Lacordaire, Henri D.

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Lactâncio (240-317)Seu nome romano era Lucius Caecilius

Firmianus Lactantius. Converteu-se ao cristianis-mo no ano 300, perdendo o cargo de professor deretórica que exercia em Nicomédia. Mais tardefoi para a corte imperial, sendo tutor de Crispo,filho de Constantino.

De Lactâncio ficaram-nos muitas obras, todaselas escritas em perfeito latim de estilociceroniano. Na Antigüidade cristã Lactâncio foiconsiderado como um dos mestres da língua lati-na e da retórica. Sua obra apologética, sólida edireta, ficou plasmada fundamentalmente nasDivinae institutiones e em De mortibuspersecutorum. Na primeira apresenta, aos ho-mens de letras romanos, a postura cristã dianteda vida. A vida não acaba com a morte. A se-gunda descreve a morte dos perseguidores daIgreja. Lactâncio é considerado na patrística co-mo um dos grandes escritores “apologistas” dosséc. III-IV.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 6-7; Institutiones divinas.Introdução, tradução e notas de E. Sánchez Salor. Gredos,Madrid 1978, 2 vols.; Sobre la muerte de los perseguidores.Introdução, tradução e notas de R. Teja. Gredos, Madrid1968.

Lagrange, Marie Joseph (1855-1938)

Dominicano francês, considerado o iniciadordos estudos bíblicos modernos dentro da IgrejaCatólica. Foi o principal colaborador de *LeãoXIII na implantação e restauração dos estudosbíblicos. Para isso, fundou a Escola prática deEstudos bíblicos em Jerusalém (1890) e, no anoseguinte, a “Revue Biblique” (1891). Seus traba-lhos de crítica literária, crítica textual e históriabíblica o colocaram no ápice dos estudiosos daBíblia. Sua aproximação das teses da alta críticatextual valeram-lhe sérios desgostos e contratem-pos em seu trabalho.

A obra de Lagrange sobrevive atualmente naEscola de Estudos Bíblicos de Jerusalém, conhe-

Lagrange, Marie Joseph

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cida entre outros trabalhos pelo texto e pela tra-dução da chamada Bíblia de Jerusalém.

BIBLIOGRAFIA: L. Alonso Schökel, Hermenéutica dela Palabra. Madrid 1986s., 3 vols.

Lain Entralgo, Pedro (1910-)

*Zubiri.

Lamennais, Félicité Robert de(1782-1854)

Polêmico escritor religioso e político francês,ordenado sacerdote contra a sua vontade em 1816.Sua primeira e prematura obra Ensaio sobre aindiferença em matéria de religião (1818) invocae defende o princípio da autoridade, que identifi-ca com a “razão geral” ou com o “sentido co-mum”. Afirma também que o indivíduo dependeda comunidade na aquisição e no conhecimentoda verdade.

Entre 1821-1823 publicou vários volumes deobras em que desenvolve outros princípios rela-cionados com a religião. Assim: a) Identifica cris-tianismo com religião da humanidade. b) Nega ocaráter sobrenatural do cristianismo. c) Dispensaos súditos do dever de lealdade aos soberanosquando estes se negam a adequar sua conduta aosideais cristãos. d) Propõe o papa como líder su-premo de reis e povos para combater todos osmales. Assim, Lamennais pensa numa teocracia,para acabar anunciando uma revolução de todosos homens em união e liberdade.

Suas idéias foram condenadas por GregórioXVI, em 1832, na encíclica Mirari vos. A réplicaa essa condenação papal foi a sua famosa obraPalavras de um crente (1834), condenada nomesmo ano. Nela admite a autoridade da Igrejaem matérias de fé, mas não na esfera do político.Lamennais deixou a Igreja a partir desse momen-to, fracassando todas as tentativas que se fizerampara reconciliá-lo com ela.

Lain Entralgo, Pedro

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BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes, 1836-1837, 12vols.; Louis Le Guillou, L’évolution de la pensée religieusede F. Lamennais, 1966.

Leão, Frei Luís de (1528-1591)

Nasceu em Belmonte do Tejo (Cuenca), “massua segunda pátria, como no caso de *Unamuno,foi Salamanca, a Salamanca dos humanistas e dosinquietos estudantes do séc. XVI, misto de gran-deza clássica e miséria picaresca, de boato eformulismo e de sérios trabalhos literários eescolásticos”. Estudou em Salamanca na épocade seu maior esplendor e teve como mestre o gran-de teólogo Melchior *Cano: “Ouvindo o mestreCano, que foi meu mestre, escrevi-lhe no geral aslições que ouvia dele, como é costume emSalamanca”.

Esse frade agostiniano foi chamado “mestre ecatedrático” da Universidade de Salamanca já em1561. De fato, pertencente à ordem de Santo Agos-tinho desde 1544, desempenhou a cátedra de Bí-blia com geral satisfação entre seus numerososdiscípulos. A partir de 1565, envolveu-se numprocesso inquisitório em que “a inveja e a menti-ra” o mantiveram fechado no cárcere durante cin-co anos. Acusavam-no de menosprezar a autori-dade da *Vulgata e por sua tradução clandestinado Cântico dos Cânticos. Absolvido em dezem-bro de 1576, foi recebido triunfalmente emSalamanca, dirigindo-se a seus discípulos comoa sua famosa frase: “Dicebamus externa die: Di-zíamos ontem”. Continuaram suas aulas: a partirde 1578, na nova cátedra de filosofia moral, obti-da por oposição e, no ano seguinte, na da Bíblia.Durante todo o ano de 1583, interveio muito ati-vamente no debate sobre a predestinação e o li-vre-arbítrio, que novamente o colocou face a facecom o Santo Ofício. Terminou seus dias comoprovincial dos agostinianos, morrendo em seuconvento de Madrigal de la Altas Torres, em 1591.Esse é o retrato que Pacheco nos deixou dele: “Foipequeno de corpo, em devida proporção; a cabe-ça grande, bem formada, povoada de cabelo um

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tanto crespo e a franja densa; a testa larga; o rostomais redondo do que comprido; cor trigueira, osolhos verdes e vivos”. Tinha o “dom do silêncio,agudeza no falar, sobriedade no comer e beber,grave, limpo e honesto; de natural colérico, masse controlando”.

— Frei Luís de Leão, em seus diversos aspec-tos — o escritor, o neo-escolástico das obras lati-nas, o poeta e prosador em castelhano —, “temum preciso denominador comum essencial: o ele-mento religioso. Renascimento cristão, católico,o da época de Felipe II, reúne os aspectos cultu-rais na unidade. Do humanismo se faz escriturá-rio”. De fato, Frei Luís é um humanista, um teó-logo e um escritor perfeito, conhecedor dasantigüidades clássicas. Seu conhecimento do gre-go e do latim, suas leituras, sua interpretação dosclássicos numa técnica moderna unem o seu nomeao de um Maquiavel, de um Leonardo ou de umErasmo. Quando se encontrava no cárcere daInquisição, pediu para ler obras de Sófocles ePíndaro. Sua lírica encontra-se plena dehoracionismo, e na prosa realiza a mais bela sín-tese que qualquer literatura possa apresentar doestilo e técnica do diálogo platônico com o as-sunto e sentimento cristão e, dentro do cristão,teológico.

— De Frei Luís possuímos: a) Traduções emverso de Virgílio e Horácio, de Píndaro e Tibulo.b) Traduções diretas do hebraico: Salmos, Cânticodos Cânticos e Livro de Jó. c) A obra relativa-mente breve de sua “poesia”, editada por Quevedoem 1637, e da qual disse: “Entre as ocupações demeus estudos, em minha mocidade, e quase naminha infância, caíram de minhas mãos estasobrinhas”. d) As obras em prosa — latim ecastelhano — das quais se destacam A casadaperfeita e Os nomes de Cristo. Dos sermões, par-te importante de sua atividade e personalidade,apenas se conservam exemplos.

— Como poeta, Frei Luís deixa uma obra re-lativamente breve, porém modelar. Poesias comoQué descansada vida — de estilo horaciano, em

Leão, Frei Luís de

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que substitui o tom epicúreo e cético do venusinopor um desenganado estoicismo cristão — ou aode a Salinas: El aire se serena e a Noche serenade tom platônico — elevam-nos da natureza in-ferior ao reino da harmonia dos universos e dasidéias. Porém, em Frei Luís culmina o poeta cris-tão que deixava para trás Pitágoras, Platão,Virgílio e Horácio, para expressar sua fé na odeLa Ascensión ou Morada del cielo com acentosverdadeiramente cristãos. Penetra nas alturas damística com um sentimento da natureza associa-do ao pastor divino.

— Em verso, Frei Luís é o criador de auges debeleza. Em prosa é ao mesmo tempo o acerto e odomínio constante de um estilo. Em prosacastelhana, deixou-nos um modelo de elegante etrabalhada simplicidade em dois livros de temateológico-moral: Os nomes de Cristo e A casadaperfeita. Este último, surgido em Salamanca em1583, quer ser um espelho exemplar da esposacristã. Toma como base o capítulo 31 do livro dosProvérbios. Combina as sátiras antifeministas daliteratura patrística com as observações dos cos-tumes mais pinturescos de seu tempo. Um docu-mento para conhecer as damas espanholas do séc.XVI.

— A obra mais perfeita quanto ao estilo e aopensamento é Os nomes de Cristo. Grande partedela foi composta na prisão. Publicou-se pela pri-meira vez, em Salamanca, em 1583. Explica osnomes de Cristo na Escritura: Criança, Faces deDeus, Caminho, Monte, Pai do Século Futuro,Braço de Deus, Rei de Deus, Príncipe de Paz,Esposo, Pastor, Filho de Deus, Amado, Jesus,Cordeiro. A figura de Cristo aparece em toda asua radiante humanidade e divindade: “Olhemoso semblante formoso e a postura grave e suave, eaqueles olhos e boca, esta nadando sempre emdoçura, e aqueles muito mais claros e resplande-centes que o sol; e olhemos toda a compostura docorpo, seu estado, seu movimento, seus membrosconcebidos na mesma pureza e dotados de inesti-mável beleza”.

Leão, Frei Luís de

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— Frei Luís fala-nos de Cristo chamando aalma, “unida sempre à aldrava de nosso coração”.Nele aparecem todas as vivências e emoções desua alma religiosa, como a devoção a Maria:“Atrevo-me a chamá-la minha em particular, por-que desde a minha infância ofereci-me totalmen-te ao seu amparo”. E sobretudo a mística atraçãoda pessoa de Jesus, o “deleite da alma e sua docecompanhia”.

Frei Luís, que “como poeta figura entre os cin-co ou seis ápices da lírica em língua castelhana, éna prosa o autor mais equilibrado, mais clássico,mais perfeito; poeta e prosador, a representaçãomais harmônica do Renascimento espanhol” (A.Valbuena Prat, Historia de la LiteraturaEspañola).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas castellanas de FrayLuís de León. Ed. del P. Félix García (BAC); La poesía deFray L. de León. Universidad de Salamanca, 1970; AA. VV.Fray Luís de León. Salamanca 1981.

Leão I, Papa, São (+461)

Conhecido na história como “São Leão Mag-no”, foi papa de 440 a 461. É o expoente do pon-tificado romano por sua defesa da ortodoxia emanutenção da unidade da Igreja do Ocidente soba supremacia papal. Uma terceira qualidade res-salta neste papa: seu valor. Em 452 enfrentou-sepessoalmente com Átila, persuadindo-o a retirar-se e não atacar Roma. Em 456, no ataque dos vân-dalos a Roma, evitou também a destruição e amatança.

A supressão da heresia de Êutiques foi suaprimeira e principal tarefa. E o fez não apenascondenando a heresia, mas também formulandoa doutrina ortodoxa. Em sua Epístola dogmáticaa Flaviano (Tomo a Flaviano, 449) condenam-seos erros de *Nestório e de Êutiques. Ao mesmotempo se define de uma maneira precisa e siste-mática a doutrina cristológica sobre a dupla natu-reza de Cristo numa única pessoa. Êutiques de-fendia uma só natureza divina em Cristo, pois sua

Leão I, Papa, São

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natureza humana havia sido absorvida pela natu-reza divina. O Concílio de Calcedônia (451), con-vocado para condenar o eutiquianismo, aceitou adoutrina do Papa Leão como a verdade definiti-va. Ao mesmo tempo reconheceu, em sua doutri-na, “a voz de Pedro”.

A doutrina sobre o “primado romano” deve aSão Leão seu primeiro e principal defensor. Emsuas 432 Cartas e 96 Sermões expressa e definesua doutrina sobre a primazia do papa na jurisdi-ção da Igreja. Sustenta que o poder do papa foiconcedido por Cristo somente a *Pedro, e que essepoder passou de Pedro a seus sucessores. Assimadverte o bispo de Tessalônica, dizendo-lhe que,“embora lhe tenham confiado o ofício e compar-tilhasse a solicitude do próprio Leão, não possuíaa plenitude de poder”. Isto significa que o papa,como herdeiro de São Pedro, herdou toda a auto-ridade dada por Cristo a Pedro (Mt 16,18-19).Assim, o papa é “algo mais que primus inter pa-res”. A autoridade dos bispos vem do papa, quetem a responsabilidade de governar a Igreja.

Apesar de tais afirmações, todos viram neleum homem de governo, prático e responsável.Longe da cultura e do talento de Santo *Ambrósioe de Santo *Agostinho, São Leão aparece comoo exemplo do gênio romano, artífice da unidadee da disciplina na Igreja. A ele se deve o primeiromissal, conhecido mais tarde como SacramentárioLeonino. Foi declarado doutor da Igreja, em 1754,por Bento XIV.

Leão XIII, Papa (1810-1903)

Considerado “primeiro papa social”, ou “opapa da renovação dos estudos eclesiásticos”,Leão XIII marcou um estilo novo de abertura ede compreensão para o mundo moderno. Seus 25anos de pontificado são um exemplo dessa reno-vação interna da Igreja e dessa abertura ao mun-do, sem negar a fé, o espírito e a tradição cristãs.

Não há dúvida de que o pontificado de LeãoXIII caracterizou-se por um novo espírito. Em

Leão XIII, Papa

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suas relações com os governos civis, mostrou suapreferência pela diplomacia, conseguindo, atra-vés dela, conquistas incontestáveis. A grandezadeste papa consistiu precisamente em não ter sidoexclusivamente um papa político, apesar de seugosto pela política. Foi também um intelectual,que se simpatizou com o progresso científico eque viu a necessidade de a Igreja abrir-se paraele. E, principalmente, foi um pastor interessadona vida interna da Igreja e em difundir sua men-sagem através do mundo.

Seu interesse pela renovação do diálogo entrea Igreja e o mundo moderno foi manifestado nasencíclicas que publicou a esse respeito. No planodoutrinal, expôs e deu resposta a todos os proble-mas surgidos pela transformação da sociedademoderna: sustentou os direitos da autoridade(Diuturnum, 1884) e condenou a maçonaria(Humanum Genus, 1884); definiu, no entanto, olimite legítimo das liberdades populares(Immortale Dei, 1885) e da liberdade em geral(Libertas, 1888); defendeu a família cristã da onda

Leão XIII, Papa

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de divórcios (Arcanum, 1880) e combateu o soci-alismo (Quod Apostolici, 1878).

Dois aspectos ou preocupações do pontifica-do de Leão XIII merecem uma atenção especial.A primeira é o impulso dado aos estudosexegéticos e de pesquisa científica (Provi-dentissimus Deus, 1893); abriu aos pesquisado-res os arquivos vaticanos e patrocinou, de manei-ra decisiva, o estudo da filosofia de Santo *To-más nas aulas. A ele se deve fundamentalmente arenovação da chamada *“neo-escolástica” e a cri-ação das “universidades católicas” em muitaspartes do mundo contemporâneo.

O segundo aspecto do pontificado de Leão XIIIé a sua atenção aos problemas sociais. Propôs-sea criar uma ordem cristã baseada na justiça soci-al. A culminância de todo o seu trabalho socialfoi a encíclica Rerum Novarum (1891). Nela cons-tata que a sociedade mudou; que a concentraçãodas riquezas traz consigo uma “miséria não me-recida” dos trabalhadores. O socialismo é um re-médio falso, já que propõe a supressão da propri-edade privada querida por Deus. O verdadeiroremédio situa-se nos princípios cristãos ensina-dos pela Igreja: as desigualdades são uma lei danatureza. É necessária a união de todos, e por issonão é aceitável a luta de classes: “Não há capitalsem trabalho, nem trabalho sem capital”. O Esta-do tem de intervir para uma distribuição conve-niente dos bens, para a duração do trabalho, odescanso semanal, o salário familiar... Condena-se, portanto, o liberalismo econômico. São úteise necessárias as associações profissionais de pa-trões e operários, mas não exclui os sindicatossomente de operários.

“Estamos convencidos de que é preciso acu-dir em auxílio aos homens das classes inferiorescom medidas prontas e eficazes, já que estão, emsua maioria, numa situação de infortúnio e demiséria não merecida” (Rerum Novarum).

A importância desse documento é evidente.Suscita na Igreja uma legião de apóstolos, asso-ciações e sindicatos operários de caráter cristão

Leão XIII, Papa

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que chegam até nossos dias. A importância daencíclica situa-se no interior da Igreja, fixando aatenção não no passado, mas na realidade que temdiante de si. Pede-se aos católicos que conside-rem o mundo em que vivem e se coloquem nomarco das instituições existentes: regimes políti-cos, sindicatos etc. E, principalmente, a encíclicalevou à formação do que se denominou a *dou-trina social da Igreja, desenvolvida pelos papasposteriores.

Esse papa, “dotado de uma inteligência supe-rior, de um temperamento enérgico, de uma agu-da consciência de seu valor pessoal e de um finosentido das relações públicas”, quis confrontartodos os problemas que lhe colocaram a Igreja eo mundo. E embora seu pontificado não captas-se, de forma imediata, a relação da Igreja católicacom o mundo, iniciou atitudes novas que foramamadurecendo em décadas sucessivas (*Concí-lio, *Neo-escolásticos).

BIBLIOGRAFIA: Suas encíclicas estão nos “Documen-tos Pontifícios”da Ed. Vozes; R. Soderini, Il pontificato deLeone XIII, 1932-1933, 3 vols.; E. Dolleans, Historia delMovimiento obrero. Algorta 1970, 3 vols.

Lebreton, J. (1873-1956)

*Teologia atual, Panorama da.

Lefèvre d’Etaples (1455-1537)

No movimento humanista francês, inspiradono italiano, destaca-se Lefèvre d’Etaples. É o tipode humanista que coleta e expõe, com grande li-berdade especulativa, os temas da filosofiahumanística. Iniciador dos estudos humanísticos,aspirou a restaurar primeiramente o verdadeiroAristóteles. Mais tarde inclinou-se para um mo-vimento de pensamento vinculado, por sua vez,com os florentinos, em particular *Ficino e *Picode la Mirândola, com *Lúlio e com *Nicolau deCusa. Dos florentinos, de Lúlio e particularmen-te do Cusano fará edições, apresentando-os como

Lebreton, J.

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mestres da filosofia cristã. A publicação desseslivros, viagens pela França, Alemanha e Itália fi-zeram dele homem de letras conhecedor perfeitode tudo o que produziram a filosofia, a teologia ea mística anteriores a ele.

— O trabalho literário e editorial de Lefèvreestende-se à edição e estudo de algumas obras dePlatão, para passar depois ao estudo e publicaçãoda Escritura e dos santos padres. Iniciado tardia-mente no hebraico, publicou uma edição comen-tada dos Salmos e das Cartas de São *Paulo. Em1530, Lefèvre concluiu sua tradução completa daBíblia, o que em seu tempo representava um ver-dadeiro desafio. A esta precedera (1524) sua tra-dução do Novo Testamento, com aprovação reale dedicatória a Leão X.

— Nesse humanista esconde-se um místico devida irrepreensível. Além de editar as Contem-plações de Lúlio, publicou o tratado De Trinitatede Ricardo de São Vítor, As bodas espirituais de*Ruysbroeck e outros livros de piedade e deliturgia. Lefèvre buscou constantemente, tantona Escritura quanto nos escritos espirituais, o sen-tido de caráter místico. Bem longe de *Lutero,parece admitir, senão uma deificação imediataà maneira de *Eckhart, pelo menos um acessopossível, já nesta vida, à plenitude do CorpoMístico.

— Como em todos os humanistas cristãos,particularmente em *Erasmo, em Lefèvre apare-ce o aspecto de reformador da Igreja. Quer umaIgreja reformada in capite et in membris. “MasLefèvre não critica nem as peregrinações nem oculto às relíquias; das indulgências não rechaçamais do que seu abuso simoníaco, e reconhece ovalor das práticas ascéticas que reprimem as re-beliões da carne. Se as obras são a seus olhos,antes de tudo, “sinais de penitência”, admite comSão Tiago que “vivificam” a fé e que quem delasse abstém pode “perder a graça da justificação”.Certamente, os monges não são os únicos perfei-tos, porque existem “diversos estados de religião”,mas Lefèvre está muito longe de condenar o esta-

Lefèvre d’Etaples

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do monástico. Se destaca em particular omemorial da Ceia, não põe em dúvida nem a pre-sença real do Corpo e do Sangue sobre o altar,nem o caráter sacrificial da Missa. Menciona dis-cretamente o caráter recente do celibato eclesiás-tico e os escândalos demasiado numerosos queacarreta, assim como a inconveniência de ofícioscelebrados numa língua cada vez mais desconhe-cida pelos fiéis. É preciso assinalar, no entanto,as linhas quase apocalípticas em que recorda, de-pois da “primeira besta” — isto é, Maomé, sem-pre ameaçador —, a proximidade da “segundabesta”, mais temida ainda para a unidade cristã:“a defecção da monarquia romana” (Historia dela filosofía. Século XXI, 5, 174).

— Lefèvre termina sua vida longa um tantosaturado pelos acontecimentos de um movimen-to reformador que, de acordo com sua intenção,não deveria indispor a fé, a única que salva, con-tra a filosofia, e menos ainda contra a contempla-ção mística na qual ambas culminam.

BIBLIOGRAFIA: R. G. Villoslada, La Universidad deParís durante los estudios de Francisco de Vitoria (1507-1522). Roma 1938.

Le Fort, Gertrudis von (1876-1971)

*Literatura autobiográfica; *Literatura atu-al e cristianismo.

Legenda áurea (1264)“Entre os autores da Idade Média mais desta-

cados pela fama e prestígio proporcionados pe-los seus escritos, nenhum alcançou tanta glória etanto renome como Tiago de Vorágine, que comsua compilação da vida dos santos colheu, du-rante mais de três séculos, elogios bem superio-res a quaisquer das pessoas que escreveram so-bre essa matéria”. Assim escrevia em 1845 o Dr.Graesse como prólogo à primeira edição críticada obra.

A Legenda áurea ou Lenda dourada é um dos

Le Fort, Gertrudis von

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livros clássicos da piedade cristã. Foi escrita porvolta de 1264, pelo dominicano genovês Tiagode Vorágine. Com o surgimento da imprensa,multiplicaram-se as edições da Lenda dourada eem cada uma delas apareciam, além dos 182 ca-pítulos iniciais do frei Tiago de Vorágine, um nú-mero maior ou menor de outros autores desco-nhecidos. A edição crítica do Dr. Graesse inclui243 capítulos: os 182 originais e 61 mais, escri-tos posteriormente por autores anônimos.

A obra escrita em latim intitula-se Legendaaurea. A palavra legenda (lenda) não tem um sig-nificado pejorativo de lenda fantástica ou fabulo-sa, embora apresente muitas lendas de santos docalendário cristão. Significa, principalmente, es-crito para ser lido. O título faz parte de um gêne-ro literário muito em voga na Idade Média e pos-teriormente. Seria algo assim como o que maistarde se denominou Leituras exemplares ou mo-delo. O adjetivo dourada traduz o latim aurea e éevidentemente ponderativo. Essas coleções ouLendas douradas foram a primeira tentativa doque se chamou Ano cristão ou Vida dos Santos.O livro mais conhecido deste gênero seria o Anocristão do padre Croiset (séc. XVIII), seguido poroutros ao longo dos séc. XIX-XX. Foram o livrode cabeceira dos cristãos piedosos.

A obra segue os tempos do ano litúrgico. “Deacordo, pois, com a ordem estabelecida pela Igre-ja, trataremos das festas que caem no tempo darenovação, ou seja, das compreendidas entre Ad-vento e Natal. Em seguida, das que se celebramentre Natal e Septuagésima. Depois, das que ocor-rem entre Septuagésima e Páscoa. E, finalmente,das correspondentes à etapa da peregrinação, istoé, das compreendidas entre Pentecostes e Adven-to”. As festas dos santos ficaram marcadas nosciclos litúrgicos no dia correspondente a sua ce-lebração segundo o calendário cristão.

Convém advertir o leitor culto e crítico denosso tempo que evite preconceitos “com rela-ção à ingenuidade e à excessiva credulidade denosso autor”. Como adverte o Dr. Graesse, “que

Legenda áurea

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o nosso autor colete numerosas historietas maisou menos fantásticas não significa que ele as te-nha por verdadeiras ou que pretenda que as acei-temos como tais... Por outra parte, resultam mui-to úteis para interpretar corretamente inúmeraspassagens obscuras das obras dos poetas e escri-tores medievais”.

BIBLIOGRAFIA: Santiago de Vorágine, La leyendadorada. Tradução de Frei José Manuel Macias, O. P. Madrid31987, 2 vols.

Lenda dourada (1264)

*Legenda áurea.

Liberatore, G. (1810-1892)

*Neo-escolásticos.

Libertação, Teólogos da

A “Teologia da Libertação” é um dos fenô-menos mais complexos da América Latina, játransportado para outras regiões como África eÁsia. É um fenômeno universal em nívelsóciocultural e político e, sobretudo, eclesial.Dada a confusão e desorientação em torno dotema, e dada a imensa literatura produzida emvolta dele, fazemos uma nota sobre as causas, osautores e o alcance de tal teologia.

Embora o fenômeno venha de longe, nos últi-mos quarenta anos a América Latina vive e sentea profunda decepção de comprovar como o de-senvolvimento, com toda a sua seqüela depopulismos, justicialismos, comunismos, não con-seguiu tirá-la do subdesenvolvimento. Começatambém a tomar consciência não só deste, masda dependência econômico-política, causa, emboa parte, desse subdesenvolvimento. Constata-se assim a miséria de grande parte de seus habi-tantes junto à escandalosa desproporção na dis-tribuição da riqueza e da cultura, que coloca opoder de todo tipo em mãos de uns poucos.

Lenda dourada

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As soluções propostas a esta situação propici-aram todo tipo de movimentos desde o comunis-mo em Cuba até as diferentes ditaduras que, comofebre recorrente, sucederam-se durante esses anos,em boa parte das repúblicas sul-americanas, semse esquecer, é claro, a guerrilha e as frentes delibertação. Até os homens da Igreja tomam as ar-mas para lutar por uma justiça que não parecepoder conseguir-se de outro modo. Tal é o caso,verdadeiramente espetacular, do padre colombi-ano Camilo Torres, morto em 1966 e que passaráà mitologia guerrilheira.

Na Igreja do Concílio *Vaticano II surge outralinguagem. A reflexão sobre a sua doutrina pôsem circulação os termos “conscientização” e “li-bertação”. Urge conscientizar o povo de sua míserasituação e empurrá-lo à sua libertação. “Podería-mos dizer — escreveu Paul Richard, teólogo dalibertação — que a Igreja européia viveu o Con-cílio sob o signo da revolução da burguesia mo-derna e que a Igreja latino-americana viveu o Con-cílio sob o signo da revolução dos explorados poressa burguesia moderna. A teologia européia con-frontava o problema fé-ciência e entrava num pro-cesso de secularização, desclerização edesmitologização. A Igreja latino-americana, aocontrário, confrontava o problema fé-revolução eentrava num processo de libertação”.

Esse “processo de libertação” foi tomandoconsciência e aplicação na práxis das comunida-des de uma forma lenta, mas progressiva. Um deseus fatores mais importantes é representado pe-los “teólogos da libertação” que refletem indivi-dualmente e em equipe em Roma, no Escorial,em Lima, na Bélgica etc., sobre os diferentes as-pectos do problema. Pouco a pouco vai-se siste-matizando uma doutrina, perfila-se um método,criam-se agentes pastorais. E, o que é mais im-portante, geram uma nova consciência e uma novadisposição. Nascem as comunidades eclesiais debase.

O primeiro em sistematizar a doutrina dalibertação é o sacerdote peruano Gustavo

Libertação, Teólogos da

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*Gutiérrez, em sua Teologia da libertação (1971),obra traduzida para todas as línguas modernas.Esta teologia não quer ser uma “teologia univer-sal”, aplicável em todo tempo e situação. É umateologia para a situação que vive a América Lati-na, que “não é de subdesenvolvimento, mas deopressão”. Medellín a chamará “situação de in-justiça ou de violência institucionalizada, em vir-tude das estruturas que violam os direitos básicosdo povo”.

Para Gutiérrez, a Teologia da Libertação “nãooferece tanto uma nova temática de reflexão quan-to um novo método de fazer teologia”. Contraria-mente à teologia tradicional européia, parte dasituação concreta da opressão em que vive o povo,frente à qual se compromete com os oprimidos.Por isso, a Teologia da Libertação “é uma refle-xão crítica sobre a práxis cristã à luz da Palavra”.Servindo-se da análise da realidade que faz omarxismo, esta teologia postula “uma libertaçãototal do homem e da realidade”, “uma salvaçãoaqui e agora” do homem completo. A salvação éinterpretada em termos de libertação política, decompromisso real com o pobre, e das estruturasde opressão em que vive.

Os teólogos da libertação inspiram-se naexegese bíblica, dando um papel central ao textodo Êxodo. Negam além disso que textos comoLc 6,20-21; 24-25 e outros semelhantes nada te-nham a ver com a pobreza; que a morte de Jesusnão tenha nenhum aspecto político e que a justi-ficação esteja brigada ou divorciada da justiça decada dia. Segundo Gustavo Gutiérrez, na Teolo-gia da Libertação cabem três níveis de significa-ção “libertação política, libertação do homem aolongo da história, libertação do pecado e entradana comunhão com Deus”.

Como se vê, o termo libertação, amplamenteutilizado, encerra uma grande riqueza de signifi-cados, conforme os contextos e âmbitos em quese empregue, e também segundo os diferentesautores ou teólogos da libertação. José PorfírioMiranda, mexicano, estudou a libertação na Bí-

Libertação, Teólogos da

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blia sob o ponto de vista de Marx e do comunis-mo. Assim, em Marx e a Bíblia (1971); Comu-nismo na Bíblia (1981); O humanismo cristão deMarx (1978) e em outras obras. O jesuíta uru-guaio Juan Luís Segundo acentua a dimensãopastoral do movimento com sua Teologia para osartífices de uma nova humanidade (1968-1972)e Libertação da teologia (1975). Dom A. OscarRomero defendeu a libertação desde a“radicalidade evangélica”, até dar a vida por seupovo. E *Hélder Câmara, desde a injustiça e aopressão que sofre a população desprotegida doBrasil: “Trato de enviar homens ao céu, não ove-lhas. E certamente não ovelhas com o estômagovazio e esmagados seus testículos”. Outros mati-zes da idéia de libertação podem encontrar-se emteólogos como Comblin, C. e L. *Boff, I.Ellacuría, J. Sobrino, e no mesmo J. MíguezBonino, protestante, que escreve sua teologia naperspectiva argentina. Deste fundo comum, cabever e interpretar a teologia asiática do japonêsKosuke Koyama (1929-); a africana de John Mbiti(1931-), queniano; do sul-africano *SmangalisoMrhatshwa (n. 1939); do haitiano, depois presi-dente da República do Haiti, padre Aristides, eoutros que fazem uma teologia da libertação ne-gra, feminista, “de cor” etc., baseada no evange-lho “do amor e da justiça”.

BIBLIOGRAFIA: R. Oliveros, Liberación y teología.Génesis y crecimiento de una reflexión (1966-1976). Méxi-co 1977; Teología de la liberación: Missão aberta 4 (1984);Práxis de Libertação e fé cristã, Concilium 96 (1974); R.Manzanera, Teología y salvación-liberación en la obra deG. Gutiérrez. Bilbao 1978; Juan José Tamayo-Acosta, Paracomprender la teología de la liberación. Verbo Divino,Estella 31991.

Liégé, Pierre-André (1922-1979)

*Congar, Yves Me Joseph.

Liga de Malinas (1921-1925)

*Beauduin, Lambert

Liga de Malinas

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Ligório, Santo Afonso Mª de(1696-1787)

A vida de Afonso de Ligório, é extensa quan-to ao tempo: 90 anos completos e densa quanto àatividade desenvolvida. Transcorreu na área so-cial do reino de Nápoles e no ambiente ideológi-co do séc. XVIII, época de fermentação de gran-des revoluções socioculturais (*Deísmo).

Deixando de lado sua atuação inicial comoadvogado (1713-1723) e restando os anos de for-mação sacerdotal (1723-1726), assim como osúltimos anos de sua vida em que sua atividadediminuiu extremamente (1777-1787), a vida ple-namente ativa de Afonso desenvolveu-se durantequatro décadas. Um período longo para o que erae é a média de vida do ser humano.

A densa atividade é a característica de sua vida.Por temperamento e por compromisso de seutrasbordante zelo apostólico, entregou-se de talmodo ao trabalho que lhe pareceu faltar tempopara realizar as tarefas empreendidas. Símbolo detal característica é o voto que fez de não perderum minuto de tempo, voto especialmente relevan-te se se contextualiza no ideal da vida napolitana,para a qual “il dolce farniente” é um dos traçostípicos.

A vida ativa de Afonso desdobrou-se em trêsgrandes capítulos: fundação e organização daCongregação do Santíssimo Redentor(redentoristas); ministério pastoral — da prega-ção, da confissão e da direção espiritual — comosacerdote e como bispo (1726-1775); e labor lite-rário. A personalidade histórica resume-se em trêstraços fundamentais: fundador, pastor e escritor.Não se podem separar as três facetas indicadas.Formam um todo indivisível. Mutuamente seimplicam e se explicam. Também não é proce-dente estabelecer graus de importância entre elas.No entanto, a faceta de escritor é tão óbvia que,no retrato simbólico de Ligório, não podem faltarnem a “pena” nem os “livros”. A essas três facetasse deve acrescentar os títulos póstumos que a Igre-

Ligório, Santo Afonso Mª de

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ja lhe reconheceu proclamando-o “doctorcelantissimus” (1871) e patrono de “confessorese moralistas” (1950).

A obra literária de Afonso de Ligório costumaser dividida em três grandes blocos: 1) Obras deteología moral; e cabe citar, entre essas, sua prin-cipal obra, Theologia moralis (1748). A versãopopular, ou resumo da mesma feita pelo autor,está nos livros: Instrução e prática do confessor;Homo apostolicus e O confessor da gente docampo.

2) Escritos ascéticos e devocionais: Glóriasde Maria; Preparação para a morte; A verdadei-ra esposa de Jesus Cristo (para religiosas); Visi-tas ao SSmo. Sacramento etc.

3) Temas pastorais e teológicos: Selva de ma-térias para pregação (para sacerdotes); A voca-ção religiosa; A oração, grande meio de salva-ção. E outros.

A classificação, evidentemente, não é comple-ta. A obra literária de Afonso abrange ainda suas“anotações de consciência”, sua numerosa cor-respondência e, principalmente, seus escritos parao serviço interno de sua congregação: circulares,cartas a religiosos de sua ordem, constituições etc.Esses documentos, melhor do que nenhum outro,apresentam-nos os problemas espirituais e mate-riais da personalidade psíquica e humana de Afon-so.

É indispensável falar de sua atividade comomoralista, concretizada principalmente em suaTeologia moral. Seguindo Marciano Vidal (Frenteal rigorismo moral, benignidad pastoral. Estudiosde ética teológica), formulamos os seguintesjuízos globais:

— No século XVIII, Afonso representa a de-fesa do direito do cristão simples a viver em tran-qüilidade de consciência e a sentir a graça do amorque Deus outorga com abundância através deCristo. A obra moral afonsiana significou o final,não penas cronológico, mas também e sobretudocausal, da crise do rigorismo, uma crise que ha-

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via submetido a consciência católica a umaoverdose de angústia e de abatimento intole-ráveis.

— O significado de Afonso como moralis-ta não reside tanto no conteúdo direto e precisode seus escritos morais quanto na atitude globaladotada por ele em relação à vida moral doscristãos.

— Desde a segunda metade do séc. XX ini-ciou-se o segundo grande movimento históricode conversão para Afonso enquanto guia da mo-ral católica. Também essa nova leitura da moralafonsiana fixou-se mais no espírito do autor doque na letra de seus escritos. Por exemplo, aoanalisar o sistema moral afonsiano, procura-semais o fundo antropológico-teológico do que asregras técnicas que dirigem o juízo de consciên-cia. Nesse fundo antropológico-teológico apare-ce a orientação personalista da atitude moral pro-clamada por Afonso: primazia axiológica da li-berdade, paixão pela verdade, estima e cultivo dojuízo prudente da consciência.

— Se precisasse selecionar um único traçocomo característica peculiar da obra moralafonsiana, não duvidaria em afirmar que a moralde Afonso é uma moral salvífica, isto é, pensadapara servir de caudal à abundante salvação cristã.A partir desta compreensão salvífica, o projetomoral afonsiano organiza-se como uma estraté-gia contra o rigorismo (M. Vidal, o. c., 225-228).

— Assim nasceu o projeto moral afonsianocomo uma moral da benignidade pastoral, recri-ação pessoal do espírito evangélico, que é aomesmo tempo benigno e exigente (Ibid., 28).

BIBLIOGRAFIA: Opere Ascetiche (ed. Crítica), Romaa partir de 1933; Obras ascéticas de San Alfonso Mª deLigorio (BAC), 2 vols.; Th. Rey-Mermet, Afonso de Ligório,uma opção pelos abandonados, Ed. Santuário; M. Vidal,Frente al rigorismo moral, benignidad pastoral, Alfonso deLiguori (1696-1787). PS, Madrid 1986; Theologia Moralis.Gaudé, Roma 1905-1912, 4 vols.; Homo apostolicus. PelaEditora Santuário: Glórias de Maria, Práticas de amar aJesus Cristo, A oração, Visitas ao Santíssimo.

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Literatura atual e cristianismo

Na impossibilidade de apresentar todos os es-critores cristãos modernos, oferecemos um pano-rama da chamada “geração de profetas escrito-res”. “Nas três primeiras décadas do século XX— escreve Martín Descalzo — produz-se nomundo um fenômeno que, pelo menos por suaextensão e característica, é único na história deIgreja: o nascimento de um grupo de escritores— poetas, novelistas, autores teatrais — que des-de as filas da secularidade transformam sua arteliterária numa muito especial apologética da fé”(2000 años de cristianismo, IX, 155).

A diferença que traz essa nova geração de“profetas escritores” à imensa obra escrita de au-tores cristãos de outros séculos é que se trata deescritores, não de pregadores; de apóstolos em lutapor suas crenças, não de simples divulgadores dojá aceito por todos. Trata-se de novelistas, dra-maturgos ou poetas que são fervorosos filhos daIgreja, mas que trabalham nela “livremente”, àmargem das estruturas hierárquicas e às vezescontra a corrente em relação a elas. Embora emalgum caso fossem apresentados como uma novaonda de pais da Igreja, eles se contentam, na rea-lidade, com ser seus filhos...

Não se trata desta vez dos clássicos crentesque, com sua boa fé, fazem má literatura, mas deum autêntico avanço da arte de escrever em nos-sos dias. Vinte deles, pelo menos, merecem figu-rar, (e figuram de fato) nas mais exigentes anto-logias da literatura contemporânea... Não se tratade escritores “morais” no sentido tradicional dapalavra, que contraponham as boas “condutas”frente às más. São escritores teólogos — no me-lhor sentido da palavra —, que se aprofundamnas realidades transcendentes e na raiz dos pro-blemas religiosos do homem contemporâneo.Teologicamente, estão sempre na fronteira, naraia, quase sempre dez centímetros além da linhada ortodoxia, talvez porque toda verdade se tornadesmesurada quando se vive...

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Como surgiu esse grupo? Não certamentecomo uma “ação católica literária”, como “braçohierárquico na novela, no teatro ou na poesia”.Ninguém manda, organiza ou dirige esse grupo.Surgem quase contemporâneos em diversas na-ções, talvez como fruto das grandes inquietudesespirituais que acompanharam e seguiram a Pri-meira Guerra Européia.

Dividimo-los em quatro ou cinco grupos, se-gundo as nações:

1. Franceses. O grupo espiritualmente maisimportante é o francês. Configura-se em volta dafigura gigante de Léon Bloy, que criou um longorasto de discípulos em todos os campos do pen-samento, por exemplo, Jacques e Raïssa *Maritainem filosofia, Rouault na pintura, os novelistas eescritores belga e holandês respectivamenteMaxence van der Meersch e Pieter van der Meerde Walcheren, e outra longa fila como Péguy,*Bernanos etc.

Léon Bloy (1846-1917) deixou-nos o testemu-nho de uma fé ardente, bramante, patética, em lutaconstante contra a mentira dos ricos e em favordos pobres. Restam-nos dele seus oito tomos dememórias e livros como O sangue do pobre;Exegese de lugares comuns; O desesperado; Amulher pobre etc. Apesar do desmesurado de sualiteratura e de seu quixotismo religioso e patrióti-co, é um exemplo de união entre vida e obra, dore criação artística.

Charles Péguy (1873-1914) apresenta-nos oexemplo de sua vida dramática entre o socialis-mo utópico e sua fé no próprio limite da Igreja:“Uma espécie de herege fervorosíssimo, de nãopraticante que não saísse jamais da oração”. “Umdos cristãos mais vivos e sangrantes de nosso sé-culo.” De sua fé dramática restam-nos os teste-munhos de O mistério da caridade de Joanad’Arc; O pórtico da terceira virtude; O mistériodos santos inocentes, e suas inesquecíveis Tape-çarias.

Outro dos grandes escritores franceses dessaépoca é G. *Bernanos (1888-1948), de quem já

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falamos. E Paul Claudel (1868-1955), que reen-contrará a fé perdida após uma longa peregrina-ção pela África e por todos os abismos do peca-do. Deixou-nos, em sua obra barroca e empola-da, um dos testemunhos mais vivos dos grandesproblemas do homem contemporâneo em quatrolivros fundamentais: Partilha do Sul; O sapatode cetim; o Livro de Cristóvão Colombo e Aanunciação a Maria. Paul Claudel continua sen-do o grande poeta, apesar de suas intransigênciasde cruzada ou de certas defesas do nacional-cato-licismo.

O mais importante deste grupo é o novelistaFrançois Mauriac (1885-1970). Sua densanovelística cria um mundo de pecadores e de ar-dentes procuradores da graça. Novelas como oMistério de Frontenac; Nó de víboras;TeresaDesqueiroux, e outras, poderão envelhecerem suas formas, mas não no profundo tremor deseu espírito.

O mesmo tremor interior qualifica a obra deJulien Green (1900-). Green é um novelista aquem ninguém pode ler sem se sentir empurradopara as mais radicais meditações e ao mais brutalchoque com o mundo sobrenatural. Moira;Leviatã; Varouna; Cada homem em sua noite, eseu extenso Diário são testemunhos de um espí-rito doentio, porém, profundamente aberto para atranscendência.

Junto a esses, citamos uma lista interminávelde escritores franceses que, embora menos conhe-cidos, não deixam de ser importantes. Assim,Joseph Malègue (1867-1940), autor da obra pro-vavelmente mais importante do pensamento reli-gioso contemporâneo: Agostinho. Uma novela queé uma minuciosa análise da fé no homem de hojee um canto inesquecível ao “mistério da docehumanidade de Jesus”. No terreno restritamenteliterário seguem-lhe Charles du Bos (1883-1939),Henri Gheon (1875-1974). E outros muito próxi-mos a nós como Cesbron, Renard, Luc Estang,Jean Cayron, Jean Sullivan, Daniel Rops etc. (Paraoutros pensadores franceses da época, ver

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*Blondel, *Gilson, *Teilhard de Chardin, *G.Marcel).

2. Escritores de língua inglesa. Semelhanteressurgir de escritores profetas encontramos nasregiões de língua inglesa. De alguns deles apre-sentamos referências especiais (*Newman, J. H.*Chesterton, *Graham Greene, *Merton). Den-tre os numerosos escritores de língua inglesamerecem ser citados Bruce Marshall, autor deobras como O mundo, a carne e o P. Smith; Omilagre de padre Malaquias; A cada um seu di-nheiro. Essas obras são animadas pelo humor, pelaluz e pela mais terna alegria, afastadas de todacomplicação novelística. Maior qualidade alcan-ça a obra do inglês Evelyn Waugh (1903-), prodí-gio da ironia e do melhor humor inglês. Obrascomo Um punhado de pó; Retorno a Bridesheadetc., acrescentam a todo o conjunto de escritorescrentes um rosto, o risonho e feliz, que os escri-tores do grupo francês jamais souberam pintar noscrentes. Na mesma linha cabe citar o australianoMorris West, autor de duas obras que prometiamum grande novelista religioso: O advogado dodiabo, e As sandálias do pescador. Junto a MorrisWest, é justo citar dois novelistas: Cronin eMorton Robinson, autores de novelas como Aschaves do reino e O cardeal, ambas levadas aocinema.

Seria injusto não mencionar o grande histori-ador e crítico, Hilaire Belloc, amigo de*Chesterton; o monsenhor Ronald Knox, brilhanteescritor de ensaios e novelas policiais e sábio tra-dutor da Bíblia para o inglês.

Na lista de escritores cristãos de língua ingle-sa, merece um lugar especial o “anglocatólico” egrande poeta Thomas Eliott (1888-1965). Suapeça de teatro Assassinato na catedral é uma dasobras fundamentais da espiritualidade literáriaatual. E sua obra poética Quarteto alcança o maisalto destaque da poesia religiosa.

3. Itália e Alemanha oferecem uma boa amos-tra de escritores-profetas desta geração. O nomemais conhecido na Itália é o de Giovanni Papini

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(1881-1956). Tenso lutador do espírito, procura-dor incansável — considerava a si próprio um“pequeno Unamuno” —, deixou uma obravastíssima e irregular. Suas Cartas do papaCelestino VI e sua Vida de Cristo — em algumasde suas páginas — jamais serão esquecidas. Jun-to a Papini cabe citar Carlo Coccioli com sua no-vela O céu e a terra; Hugo Betti (1892-1953),com obras tão perturbadoras e vertiginosas comoDelito na ilha das cabras; Corrupção no paláciode Justiça e, principalmente, O jogador. Tambémse deve acrescentar a obra de Diego Fabri. Suasduas peças teatrais: Vigília de armas e O proces-so de Jesus tiveram seu êxito durante algum tem-po. E. I. Silone, ex-comunista, cuja obra Aventu-ra de um pobre cristão é uma das peças-chave daliteratura católica contemporânea. E como nãorecordar G. Guareschi com seu inesquecível DomCamilo?

A literatura de caráter cristão na Alemanha émenos conhecida entre nós. Cabe destacar a figu-ra de Gertrudis von Le Fort (1876-1971), conver-tida ao catolicismo em 1925. Ofereceu-nos algu-mas das obras mais belas e atuais da literaturadeste século, como por exemplo: O véu deVerônica; A última no cadafalco; O papa dogueto, em que dá forma e vida a decisões de fé.

4. Na Espanha contamos com dois soberbospersonagens de tendências literárias e feições bemdiferentes. O primeiro, Marcelino Menéndez yPelayo (1856-1912), escritor, crítico e pesquisa-dor. Entre suas melhores obras, fruto de uma ex-traordinária formação humanística, de uma gran-de sensibilidade crítica e de um profundo patrio-tismo, e ao mesmo tempo de uma religiosidadeprofunda levada com freqüência até à polêmica,devemos mencionar: História das idéias estéti-cas na Espanha; A ciência espanhola, e Históri-as dos heterodoxos espanhóis. Com freqüência,a direita eclesiástica e política espanhola viram-no como apoio e defesa de ideais patrióticos ecristãos vinculados ao passado.

Do lado oposto coloca-se Miguel de

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*Unamuno, que abre um sulco inesquecível depreocupações com a Espanha atual e com o trans-cendente cristão.

No campo estritamente literário, apenas en-contramos as tentativas mais catequéticas dePemán ou Calvo Sotelo; os mergulhos de Car-men Laforet em A nova mulher; de José MªGironella em sua trilogia da guerra civil espanho-la; e de M. Delibes em seu encontro com a almacastelhana de suas novelas. Talvez seja precisofazer uma exceção a essa falta de literatura cristãatual na Espanha e América Latina: a de José L.Martín Descalzo, jornalista, poeta, dramaturgo enovelista que levou a seus escritos a preocupaçãocom os temas cristãos numa prosa limpa, cheiade sinceridade e luz. A ele se devem em parte asopiniões deste artigo sobre literatura e cristianis-mo. Há uma falta de escritores cristãos no “boom”da recente literatura latino-americana, tão prolí-fica e tão em evidência atualmente.

Porém, deve-se ressaltar a criação poética es-panhola de caráter religioso intimista de umDâmaso Alonso, Filhos da ira, de Luís Rosales,Gerardo Diego, José Mª Valverde Versos do do-mingo — e inclusive Leopoldo Panero...

5. Em outras nações européias encontramostambém nomes significativos: a norueguesa SigridUndset, o dinamarquês Pär Lagerkwist, o gregoNikos Kazantzakis e o polonês Jan Dobraczynski.E tantos outros que produziram obras de alto in-teresse religioso.

BIBLIOGRAFIA; J. L. Martín Descalzo, Unageneración de profetas-escritores, em 2000 años de cristia-nismo, 9, 159s.; Ch. Moeller, Literatura do século XX e cris-tianismo.

Literatura autobiográfica

O gênero autobiográfico — diários, memóri-as, itinerários, confissões e autobiografias propri-amente ditas — tem sido cultivado na história docristianismo de forma constante e esplêndida. Emtodas as épocas encontramos exemplos magnífi-

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cos desta literatura. Como simples informação, esem querer esgotar todos os autores, oferecemosum breve resumo da história literária da autobio-grafia.

O valor deste tipo de relatos reside nos teste-munhos diretos e pessoais de uma experiência ede uma fé vividas. Sua linguagem é concreta efala de fatos ocorridos com alguém que sabe quesão verdadeiros. Entre todas as formas apresen-tadas por esse gênero autobiográfico, sobressa-em os relatos dos convertidos. Nossa época é tes-temunha deste tipo de narrações e do impacto quecausaram entre nós. E leitor desse tipo de litera-tura encontrará uma ampla gama de textos dehomens que vêm ou retornam à fé do comunis-mo, da indiferença, do agnosticismo, da quebra edo pecado, de qualquer caminho e situação. Pode-se afirmar que tais histórias são paralelas às con-fissões do ateísmo, da descrença, da literaturageral atual? Talvez, mas o certo é que fica o valordeste relato testemunhal que o leitor saberá apre-ciar, em última instância, a melhor prova da pre-sença do invisível e do transcendente na existên-cia humana.

Outro dos subgêneros que se deve levar emconta é o epistolar. Mais íntimo e confidencial,oferece-nos uma fonte de experiências e vivênciasreligiosas insuspeitas. Por trás de todos os gran-des escritores há uma correspondência que mere-ce ser lida. A grande riqueza psicológica e religi-osa das cartas estimula-nos a lê-las; no entanto,sua leitura ficou praticamente para estudiosos eeruditos.

O gênero autobiográfico a já parece no NovoTestamento. São típicas as Cartas de São *Paulo,nas quais constantemente se ouve a sua voz emprimeira pessoa. Sua experiência mística e seuconhecimento do mistério de Cristo não é algoinventado. Os relatos em primeira pessoa encon-tram-se nos Atos dos Apóstolos. A partir do capí-tulo 20, fala-se na primeira pessoa do plural, dan-do à narração um ar muito pessoal de quem contaos fatos porque os viveu. Esse mesmo caráter

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autobiográfico aparece no último livro da Bíblia:o *Apocalipse.

Se deixarmos o marco restrito do NT, logoencontraremos as Cartas de Santo *Inácio deAntioquia, a Carta e o Martírio de São *Policarpo,assim como muitas das Atas dos mártires. Têm oselo do pessoal e confidencial. O cristianismoantigo deixou-nos pelo menos duas jóias da lite-ratura universal: as Confissões de Santo *Agosti-nho (388) e o Itinerário da Virgem Egéria (séc.IV-V). De suas peregrinações a Jerusalém, a es-panhola Egéria deixou-nos um documento vivodaquela comunidade, seus hábitos e costumes. Porsua vez, Santo Agostinho inicia propriamente ogênero autobiográfico, colocando-se como mo-delo não só da literatura religiosa, mas da univer-sal. As Confissões são o livro de referência obri-gatória para falar de conversão.

A Idade Média apresenta-nos também notá-veis exemplos de literatura autobiográfica. Alu-diremos tão-somente a alguns exemplos que têma sua referência própria neste dicionário. Preste-se atenção à presença feminina desta época:*Gertrudes,*Hildegarda, *Ângela de Foligno,*Catarina de Sena, Juliana de Norwich, entre ou-tras. A obra dessas mulheres é eminentementepessoal, confidencial e mística. Embora já tenha-mos feito alusão a *Abelardo, convém destacarsua produção autobiográfica como a Historiacalamitatum, sem esquecer as Cartas de Abelardoe Eloísa, um dos documentos mais relevantes daIdade Média. Abelardo tem ainda duas Confis-sões de fé admiráveis.

Se algo merece ser destacado na literatura re-ligiosa do Renascimento e da Idade Média é seucaráter vivencial em cartas, relatos, autobiografi-as, poesia religiosa etc. Lembraremos Santa *Te-resa, São *João da Cruz, Santo *Inácio, *Inês daCruz, Maria da Encarnação, *Bunnyan etc. Osmovimentos espirituais da época — pietistas,quietistas, port-royalistas — ofereceram uma ri-queza impressionante de doutrina espiritual base-ada na experiência. Na obra de *Tomás Morus,

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por exemplo, não se pode esquecer sua mensa-gem e seu testemunho nas Cartas da torre. Ri-queza psicológica nas cartas de direção de mes-tres espirituais como São *Francisco de Sales, SãoVicente de Paulo, e nas de almas como Santa JoanaFrémyot de Chantal, Santa Luísa de Marillac, San-ta Margarida Mª Alacoque etc., que brilharam noséc. XVII francês. O mesmo se diz dos grandesmestres da direção espiritual e de pregadores des-ta época (séc. XVI-XVII): São João de Ávila,Segneri, Vieira, para não citar mais que alguns.

Passando por cima do séc. XVIII, escasso emliteratura religiosa confidencial, adentramos osséculos XIX e XX, que podem ser caracterizadospor um “boom” da literatura autobiográfica, pa-ralela à que floresce no campo profano. O gêneroepistolar, as memórias, os relatos, as autobiogra-fias, as confissões de fé etc., prodigalizam-se deforma inusitada. Seria interminável citar aqui arelação completa de obras e autores. No séculoXIX temos documentos esplêndidos desta litera-tura. Mencionarei, como exemplo, os mais conhe-cidos: Apologia pro vita sua do cardeal *Newman,junto à produção nascida em torno do “movimentode Oxford”. Uma segunda obra é o Relato de umperegrino russo, *hesiquia, que foi uma verda-deira revolução quando foi descoberto nos mea-dos do século passado. E outro exemplo mais entremuitos: História de uma alma, de Santa Teresinhado Menino Jesus (1873-1897), um dos textos maisdelicados da espiritualidade moderna.

Do século XX é impossível dar uma lista sufi-ciente, não completa, de obras e autores destegênero. Autores como *Chesterton, *Merton,Psichari, G. von Le Fort, Sigrid Undset, E. Zolli,e um longo etecétera, escreveram sua experiên-cia e sua aventura cristã. Eles e muitos outros vêmdemonstrando a vitalidade e a atualidade destetipo de escritos. João XXIII deixou-nos seu Diá-rio espiritual, um verdadeiro documento autobi-ográfico.

BIBLIOGRAFIA: Para a leitura dos autores e obras ci-tados, remetemos aos artigos correspondentes deste dicio-

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nário. Como complemento, indicamos os seguintes: SeveringLamping, Hombres que vuelven a la Iglesia, Madrid 1948;John O’Brien, Los prodigios de la gracia (The Road toDamascus). Trad. de Pedro R. Santidrián. Madrid 1952;Douglas Hyde, Yo creí (I Believed). Trad. de Pedro R.Santidrián. Barcelona 1954; Testimonios de la fe. Relatos deconversiones. Sigrid Undset, Peter Wust, Mac Jacob...(Patmos). Rialp, Madrid 1950; E. Zolli, Mi encuentro conCristo (Patmos). Rialp, Madrid 1950; João XXIII, Diariode un alma; Paulo VI, Testamento espiritual.

Livros penitenciais (séc. VII-XII)

Com esse nome designam-se catálogos de pe-cados e de penas expiatórias, destinados princi-palmente a guiar os sacerdotes no exercício deseu ministério, em especial na administração doSacramento da Penitência. Preenchem o períodoque transcorre entre o final da época patrística eo século XII.

Aparecem no Ocidente no início da IdadeMédia, quando a penitência canônica cedeu pas-sagem ao regime de penitência privada. OsPenitenciais têm uma grande importância na evo-lução da penitência na Igreja.

Sua pátria de origem é a Irlanda; desenvol-vem-se nas comunidades célticas da Grã-Bretanha, passam ao continente e se estendemprincipalmente pela Alemanha, França e Espanha.Têm seu apogeu entre os anos 650 e 800. Ante aproliferação excessiva e a confusão que criaram,surgiu frente a eles uma reação negativa por par-te dos bispos durante a reforma carolíngia. Apa-recem novamente durante a reforma gregoriana(850-1050). A era dos Penitenciais termina comGraciano (1140).

Em geral, os Penitenciais são obras anônimas,constituídas por longas listas de pecados, com suavalorização moral e sua pena ou castigo corres-pondente. A ordem ou esquema seguido neles émuito variado.

BIBLIOGRAFIA: L. Vereecke, Introducción a lahistoria de la teología moral. PS, Madrid 1969; M. Vidal,Moral de Actitudes, I Madrid 51981, 105s.

Livros penitenciais

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Loisy, Alfred (1857-1940)

Loisy é o mais destacado representante domovimento modernista francês. Especialista emtemas bíblicos, aplicou o método histórico-críti-co ao estudo da Bíblia. Sua obra primeira e fun-damental, O evangelho e a Igreja (1902), parteda idéia de que a essência do Evangelho deve serencontrada não na figura histórica de Jesus, comopretendia *Harnack, mas na fé da Igreja, à medi-da que esta evolui sob a direção do Espírito. Esselivro, condenado primeiro pelo arcebispo de Pa-ris, foi posto no *Índex em 1903 por Pio X, juntoà sua segunda obra O quarto evangelho.

Loisy fez um primeiro ato de submissão for-mal à decisão pontifícia e retirou-se para o cam-po. A ruptura com a Igreja produziu-se em 1907,quando o mesmo Pio X condenou o modernis-mo. A resposta de Loisy foi a publicação de Sim-ples reflexões sobre o decreto “Lamentabili” doSanto Ofício e do segundo volume de Os evange-lhos sinóticos (1908). Publicou o primeiro em1907. Dois meses depois foi excomungado.

De 1909 a 1930, Loisy foi professor do Colé-gio de França e continuou escrevendo sobre te-mas bíblicos. Apesar de sua vida de místico preo-cupado pastoralmente com os temas religiosos,sua obra posterior foi muito desigual e demasia-do partidarista. De Loisy permanecem sua prepa-ração científica e sua dedicação aos estudos bí-blicos: um teste e um estímulo para os estudiososposteriores da Bíblia.

BIBLIOGRAFIA: Para a evolução do pensamento deA. Loisy, Mémoires pour servir a l’histoire religieuse de notretemps, 1931, 3 vols. Para sua biografia, A. Houtin e F.Sartaux, Alfred Loisy, sa vie, son oeuvre, 1960.

Loyola, Santo Inácio de (1491-1556)

Nascido em Loyola (Guipúzcoa), passou suaadolescência entre os pajens da corte real. Cedodestacou-se tanto por sua inclinação militar quantopor seus dotes diplomáticos. Abraçou a carreira

Loyola, Santo Inácio de

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militar, sendo ferido no cerco a Pamplona (1521).A leitura da Vida de Cristo de Dionísio *Cartuxoe as vidas dos santos fizeram-no decidir ser sol-dado de Cristo. Depois de pendurar sua espadano altar do santuário de Montserrat, retirou-sedurante um ano numa gruta de Manresa (1522-1523), de onde escreveu a maior parte de seusExercícios espirituais. Daqui partiu para Jerusa-lém com a firme intenção de passar o restante deseus dias nos Santos Lugares. Obrigado a regres-sar à Espanha, fez seus estudos superiores emAlcalá, Salamanca e Paris. Em 1534, Inácio e maisseis companheiros, fizeram em Montmartre votode pobreza e castidade, juntamente com o ir emperegrinação a Jerusalém, se as circunstâncias opermitissem. Impedidos na realização da viagem,dedicaram-se a trabalhos apostólicos, dirigindo-se à Itália em 1537, onde ofereceram seus servi-ços ao papa. Em Roma foi amadurecendo poucoa pouco a idéia e decisão de fundar um institutoreligioso, livre das observâncias de tipo monásti-co e consagrado inteiramente ao apostolado.

Assim nasceu, em 1540, a Companhia de Je-sus. A partir desta data, o fundador não saiu deRoma. De sua cela, dirigiu a marcha da Compa-nhia com minucioso controle, através de umaabundante correspondência e empregando o res-tante de seu tempo na lenta e fatigante redaçãodas Constituições da Ordem (1547-1550). Quan-do de sua morte, a Companhia de Jesus contavacom mil membros. Havia chegado até a Índia e oJapão, fundara em Roma o Colégio Romano e oColégio Germânico, e por diversas maneiras ha-via prestado seus serviços à Igreja na Alemanha,na França, na Espanha e em Portugal.

— A obra escrita de Santo Inácio é variada,porém não muito numerosa. Não é uma obra lite-rária perfeita na forma, mas reflete seu pensamen-to de modo adequado, ajustando-se perfeitamen-te ao programa que traçou de serviço a Cristo e àIgreja. Temos em primeiro lugar, embora não cro-nologicamente, sua Autobiografía: um diário queregistra sua vida espiritual é um dos documentos

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de experiência religiosa e mística mais novos eoriginais. Essa autobiografia ou diário, em queaparece a profunda e sentida piedade e vida espi-ritual do santo é freqüentemente esquecida.

— A obra capital de Santo Inácio é o livro dosExercícios espirituais, que iniciou em Manresaem 1522-1523 e que veio à luz em 1548. Os Exer-cícios não são uma obra literária; são um instru-mento ou método de introspecção, de composi-ção de lugar que permite ao homem entrar no ca-minho de Cristo e segui-lo com resolução e fir-meza. O próprio título do texto é significativo.Diferentemente de *Lutero, e também de *Eckharte dos místicos do “abandono”, Inácio espera davontade um esforço progressivo que prepare opecador para receber a graça, em cuja ação estacooperará ativamente. Deste modo, o domínio desi mesmo transforma-se numa virtude primor-dial.

O livro dos Exercícios, cuja meta é descobrira vontade de Deus sobre a pessoa, procura a de-dicação completa a serviço de Cristo. Os exercí-cios são concebidos como um programa de qua-tro semanas. Na primeira, o exercitante enfrenta-se com a sua realidade pessoal de pecador. Nasegunda coloca-se diante do Reino de Cristo. Odiscípulo medita na vida de Cristo e decide alis-tar-se sob a sua bandeira, rechaçando a bandeirado mundo e do demônio. Na terceira semana, odiscípulo dedica-se à meditação da paixão de Cris-to. Na quarta semana, dedica-se a meditar o mis-tério de Cristo ressuscitado. Com isso, espera-seque, ao final dos exercícios, o exercitante, queem sua primeira intenção foi jesuíta, siga Cristo,trabalhando por seu Reino. Para isso inserem-seas Regras para pensar com a Igreja, tão caracte-rísticas do método e da espiritualidade inaciana.

— Dentro da obra escrita de Santo Inácio as-sinalamos duas fundamentais: suas Cartas e suasConstituições, cuja redação levaram-lhe váriosanos. A maior parte das cartas são dirigidas amembros particulares da Companhia, e a esta emgeral. As Constituições definem o que o santo

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queria que fosse sua instituição, a Companhia. “Amaior glória de Deus... o que principalmente nes-ta jornada de Trento pretende-se por nós, procu-rando estar juntos em alguma honesta parte, é pre-gar, confessar e ler, ensinando moços, dando exer-cícios, visitando pobres em hospitais e exortandoo próximo... a confessar, comungar e celebrar comfreqüência Exercícios espirituais e outras obraspias”, escrevia o santo.

BIBLIOGRAFIA: Obras completas de San Ignacio deLoyola. Edição crítica de C. de Dalmases-I. Iparaguirre(BAC); San Ignacio de Loyola. Nueva biografía (BAC).Madrid 1986.

Lubac, Henri de (1896-1991)

É considerado um dos principais representan-tes do pensamento religioso contemporâneo. Seucampo de preocupação e estudo vai desde os *pa-dres da Igreja à teologia medieval e ao ateísmocontemporâneo. Especializado em temas da Igre-ja, é fundador com Daniélou da coleção de textoscristãos “Sources chrétiennes”. Em 1967, rece-beu o “Grande Prix” católico de literatura, dandoa conhecer ao grande público a importância destefundador de uma teologia aberta, em diálogo per-manente e positivo com as diversas correntes dopensamento moderno.

Nascido em Cambrai (França), entrou na Com-panhia de Jesus para atuar muito cedo como pro-fessor de Teologia Fundamental e História dasReligiões na Universidade Católica de Lyon e nafaculdade dos jesuítas de Fourvière. Suas quali-dades de escritor, sua grande erudição e a agude-za de seu pensamento cedo o levaram ao primei-ro plano da investigação teológica francesa. Ini-ciou sua produção com o ensaio Catolicismo, so-bre os aspectos sociais do dogma. Fruto de seuestudo da história da teologia patrística e medie-val é a criação de “Sources chrétiennes”, coleçãode textos da literatura cristã. A partir de 1950,apareceram seus estudos sobre patrística e teolo-gia medieval, História e espírito, que reabilita

Lubac, Henri de

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Orígenes e põe em destaque o que significou suadoutrina no pensamento da Igreja. A partir de1959, apareceram os quatro grossos volumes deExegese medieval.

Como todos os grandes teólogos da época,Henri de Lubac foi objeto, durante algum tempo,de crítica e suspeita por seu livro O sobrenatural.Neste livro denuncia a noção escolástica de “na-tureza pura” e desenvolve a idéia de uma conti-nuidade da natureza e da graça no ser.

Outra das grandes incursões de Lubac foi opensamento moderno em estudos sobre Proudhon,Blondel, o budismo japonês e temas relaciona-dos com o ateísmo. Mas sem dúvida o trabalhomais importante é dar a conhecer e reabilitar aobra de *Teilhard de Chardin, e seu apoio e parti-cipação no Concílio *Vaticano II. Seu humanismoé concebido e expresso numa perspectiva cristã etranscendente: “o humanismo exclusivo é umhumanismo inumano”, dirá. Seu comentário àconstituição conciliar sobre a divina revelação —Deus se lê na história (1974) — é um exemplodeste humanismo transcendente.

BIBLIOGRAFIA: Obras: O drama do humanismo ateu;Diálogo sobre el Vaticano II (BAC popular); La teología enel siglo XX (BAC maior), 3 vols.

Lucas, Evangelista, São (séc. I)

O nome de Lucas está vinculado a dois livroscanônicos do Novo Testamento: o terceiro evan-gelho sinótico e os Atos dos apóstolos. A tradi-ção da Igreja está de acordo em identificar seuautor com Lucas. “Jamais se propôs seriamente,nem na Antigüidade, nem em nossos dias, nenhumoutro nome”. As qualidades e características deestilo e de composição destes dois livros coinci-dem com as que sabemos de Lucas. O autor apa-rece como um cristão, judeu muito helenizado ou,melhor ainda, grego de ampla instrução, conhe-cedor a fundo das coisas judias e da Bíblia grega,com conhecimentos em medicina e, sobretudo,companheiro de viagem de São Paulo.

Lucas, Evangelista, São

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A ninguém, de fato, melhor do que a Lucas seencaixam estas características: sírio de Antioquia,conforme uma antiga tradição, médico e de ori-gem pagã. É apresentado por Paulo “como o que-rido médico” (Cl 4,14) e que esteve a seu ladodurante dois cativeiros romanos.

— Evangelho segundo Lucas. Como vimos,atribuído desde o séc. II a São Lucas, e reconhe-cido como canônico desde essa época. A data decomposição mais provável situa-se entre 75 e 90d.C. O mérito especial do terceiro evangelho vemda atrativa personalidade de seu autor, quetransparece constantemente. São Lucas é um es-critor de grande talento e uma alma delicada. Ela-borou sua obra de forma original, com afã de in-formação e de ordem (Lc 1,3). O evangelho, es-crito em grego, tem como principal característicasua insistência na vida, morte e ensinamento deCristo como mensagem de salvação universaldirigida a todos os homens, não apenas aos ju-deus. Lucas acentua a misericórdia e compreen-são humana de Jesus com os pecadores e margi-nalizados. Há também retratos de mulheres quenão aparecem nos outros evangelhos. Insiste emquais devem ser as atitudes do discípulo de Cris-to: amor ao próximo, como sinônimo de serviço.Através do amor e do serviço, o discípulo entranuma nova relação com Deus, a quem pode cha-mar de Pai. Outra característica de Lucas é a in-sistência na oração de Jesus.

— Atos dos Apóstolos. O autor é o mesmo queo do terceiro evangelho, identificado desde o séc.II com Lucas, “o querido médico”. Nem todos osestudiosos compartilham essa identificação. Adata de composição costuma situar-se entre 80-90 d.C. “O terceiro evangelho e o livro dos Atosse compuseram como partes integrantes de umasó obra, que hoje chamaríamos de ‘História dasOrigens do Cristianismo’. Separaram-se as duasobras quando os cristão desejaram dispor dosquatro evangelhos num mesmo códice. E deve terocorrido muito cedo, antes do ano 150”.

— Os Atos não pretendem ser uma história

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completa, mas assinalar os acontecimentos maisimportantes com relação à expansão do Evange-lho e, especialmente, da grande decisão deanunciá-lo aos pagãos. A obra é composta comgrande destreza e resulta de uma amenidade ex-traordinária. O autor propõe como exemplo a épo-ca apostólica e, em concreto, a vida da primitivacomunidade de Jerusalém. Mostra como a Igrejacontinua a verdadeira tradição de Israel e deixaclaro que a difusão do Evangelho entre os pagãosse faz por expressa vontade de Deus. Paulo é oprotagonista da mensagem que quer transmitir olivro: a salvação prometida para os tempos finaisjá está presente na Igreja guiada pelo Espírito deJesus, que se vai estendendo com a pregação.

BIBLIOGRAFIA: João de Maldonado, Comentarios alos cuatro evangelios (BAC), 3 vols.; J. A. Fitzmayer, Elevangelio de Lucas. Cristiandad, Madrid 1986, 2 vols.; X.León-Dufour, Los evangelios y la historia de Jesús.Cristiandad, Madrid 31982.

Luciano de Samosata (125-192)

*Apologistas; *Celso; *Escolas teológicas,Primeiras.

Luísa de Marillac, Santa (1591-1660)

*Literatura autobiográfica.

Lúlio, Raimundo (Ramon Llull)(1235-1315)

“Fui casado, pai de família em boa situaçãofinanceira, lascivo e mundano. Renunciei a tudoisto de bom grado com o fim de poder honrar aDeus, servir ao bem público e exaltar nossa santafé. Aprendi o árabe, viajei muitas vezes para pre-gar aos sarracenos. Detido, encarcerado e açoita-do pela fé, trabalhei durante cinco anos para co-mover os chefes da Igreja e os príncipes cristãosem favor do bem público. Agora sou velho, agorasou pobre, mas não mudei de propósito e perma-

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necerei no mesmo, se Deus o concede, até a mor-te.” Eis o auto-retrato de R. Lúlio tal como o dáem seu Disputatio clerici et Raymundi phantastici.

Nascido em Palma de Maiorca, serviu na cor-te de Jaime II. Como conseqüência de uma visão,tornou-se terciário franciscano (1265) para dedi-car-se à conversão dos muçulmanos, tanto com apalavra e testemunho direto quanto com seus es-critos. Essa causa dominou toda a sua vida. Apartir de 1288, começou a viajar por diferentescidades para propagar suas idéias. Nesse mesmoano lecionou em Paris sobre o que depois veio aser seu Ars generalis ou Ars magna, uma lógicaque concebe como ciência universal, base de to-das as ciências. De Paris passou à Tunísia, Nápo-les e Oriente. Depois de vários anos, regressoupelo mesmo caminho e voltou a visitar as cidadeseuropéias, sempre com o propósito de interessarpríncipes e hierarquias eclesiásticas por suas idéi-as. Finalmente, em 1314, embarcou rumo àTunísia e, segundo a lenda, morreu apedrejadopelos muçulmanos no dia 29 de junho de 1315.

A história não nos pode fazer esquecer de todaa lenda em torno deste homem fantástico, missi-onário e filósofo, literato catalão, místico e poe-ta, cavaleiro andante de sua idéia e um poucomágico. Conhecemos mais de 250 obras suas,escritas em catalão e em árabe, que ele procuroutraduzir para o latim. Nestas, Lúlio fala com fre-qüência de si mesmo como um homem fantasioso(“phantasticus”) e inclusive como um iluminado.“Doctor illuminatus” é, efetivamente, o título des-te mestre que acredita ter recebido sua doutrinade uma revelação divina, e que se dedicou comum ardor um tanto quimérico e quixotesco a pro-pagar um método apologético inventado por ele.

A obra de Raimundo Lúlio é a expressão deseu caráter polifacético. Costuma ser dividida emcinco grandes blocos: 1) Obras enciclopédicas,como o Liber contemplationis, escrito primeiroem árabe e traduzido depois para o catalão:Contemplació en Deu (1271-73), e o Arborscientiae (1295). 2) Obras científicas: Liber

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principiorum medicinae; Ars compendiosainveniendi veritatem, seu Ars magna et maior; Arsinveniendi particularia in universalibus; Liberpropositionum etc. 3) Místicas: Llibre de amic eamar, Llibre de Erast e Blanquerna, compreen-didos os dois últimos no título mais geral de Artde contemplació. 4) Finalmente, uma série deobras, umas publicadas e outras inéditas, teológi-co-filosóficas. São apócrifos os escritos alquimis-tas e cabalísticos que levam o seu nome.

Observada a vida e, um pouco, a obra de R.Lúlio, surge a pergunta: quem realmente era equem continua sendo R. Lúlio? Que juízo mere-cem hoje a vida e a obra deste homem? Num afãde síntese, apontamos estes valores:

1. Em primeiro lugar, R. Lúlio era umfranciscano de mente e espírito, com a sensibili-dade do próprio São Francisco. Um franciscanodevorado pelo zelo da conversão dos infiéis, en-tre os quais considera os muçulmanos.

2. Um homem de um forte ideal. “O que Lúliopretende é converter o infiel, mas não é possívelatingir essa finalidade se a razão não apóia a cren-ça. Daí a necessidade de demonstrar racionalmen-te os artigos da fé a que responde o Ars magna ouArs generalis, que é em última instância um ‘arsinveniendi’, uma arte da invenção na idéia damathesis universalis prosseguida por Descartes eLeibniz” (Ferrater Mora).

3. Isto transforma Lúlio num dos grandes mes-tres da lógica. Em Ars magna, estabelece os prin-cípios de uma ciência geral na qual estão implíci-tos os das ciências gerais. Mediante esta ciência,podem-se aprender facilmente as ciências parti-culares.

Portanto, a Ars magna é a arte de combinar ostermos simples e predicados absolutos — 9predicados relativos, 9 questões, 9 sujeitos, 9 vir-tudes e 9 vícios — para o descobrimento sintéti-co dos princípios das ciências. Esta é a idéia maisoriginal de Lúlio, que tantos discípulos e segui-dores lhe proporcionaram. Até o próprio Leibnizrecolheu mais tarde o conceito luliano de uma arte

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combinatória, dirigida a descobrir, por via sinté-tica, as verdades das ciências.

4. E como ponto culminante há algo profundoe misterioso na figura de Lúlio: seu misticismo,seu iluminismo que tem suas raízes em Platão,Santo *Agostinho, São *Francisco, São*Boaventura. “Parece que lhe deram uma luz paradiscernir as perfeições divinas — diz de si pró-prio — em relação a algumas de suas proprieda-des e relações mútuas, segundo todas as relaçõesque têm entre si... Por essa mesma luz conheceuque o ser total da criatura não é outra coisa doque uma imitação de Deus.”

“O mundo moderno está cheio de idéias cris-tãs que se tornaram loucas” (Chesterton). Muitasidéias cristãs elaboradas por Lúlio correm hojeem lábios de quem nem sequer o conhece. Tal é afecundidade deste grande mestre e doctor ilumi-nado que ainda surpreende o mundo.

BIBLIOGRAFIA: Obras literarias de Ramón Llull:Libro de Caballería; Libro de Evast y Blanquerna; Fénix delas maravillas; Poesía (em catalão e castelhano). Ediçãopreparada por M. Batllori e M. Caldentey (BAC); Id., Obresessencials, 1957-1960, 2 vols., com a bibliografia ali apre-sentada.

Lutero, Martinho (1483-1546)

Nascido em Eisleben, Saxônia, no dia 10 denovembro de 1483, morreu na mesma cidade em18 de fevereiro de 1546. De família de campone-ses, conseguiu entretanto estudar filosofia naUniversidade de Erfurt, em um ambiente impreg-nado de ockhamismo. As doutrinas de Ockham ede seus discípulos Gabriel Biel e Pierre d’Aillyempolgaram, desde então, Lutero, que não ocul-tará dizer: “Sum occamicae factionis, Occammagister meus dilectus”. Tudo isso, mais a leitu-ra posterior do místico Tauler, por quem Luterosentia profunda admiração e cujas obras utiliza-va e anotava pessoalmente, influenciarão decisi-vamente o reformador.

Em 1505, conseguido o doutorado, entrou no

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convento dos ermitães de Santo Agostinho deErfurt. Ordenou-se sacerdote dois anos depois efoi transferido para Wittenberg, onde ensinou pri-meiro ética e depois teologia e exegese, comen-tando sucessivamente os salmos e diversas Car-tas de São Paulo. Foi o período de 1512-1518 oque marcou melhor sua evolução interior. Come-çou explicando os Salmos (1513-1515), a Cartaaos Romanos (1515-1516), Gálatas (1517) eHebreus (1518). Simultaneamente, Luteroaprofundou-se no conhecimento do ockhamismo,como na mística alemã, principalmente de Tauler,tirando daí uma idéia da nulidade absoluta dohomem diante de Deus e do abandono passivonele. Lutero sofreu nestes anos um estado de pro-funda inquietude, com temores de que não se po-deria libertar do pecado e de que pertencia aonúmero dos condenados. Isso explica a leitura eestudo destes livros, assim como sua nova pai-xão pela leitura dos tratados antipelagianos deSanto Agostinho e de São Paulo, os dois mestresa quem sempre se agarrara. Fechado nessas leitu-ras, encontrou na “experiência da torre” a solu-ção para seu problema interior. Numa ilumina-ção interior, Lutero intuiu o que significava a jus-tiça de Deus: o ato pelo qual o Senhor cobre ospecados dos que se abandonam a ele mediante afé. Tal é a justiça de Deus de que se fala na Cartaaos Romanos: não a justiça reivindicatória, masa justiça salvífica, isto é, a graça com a qual Deusnos santifica (Rm 1,17).

— Essa iluminação é central no sistema teo-lógico luterano e chave de sua atuação e condutaposterior. Ao reconhecer na graça um dom não sóabsolutamente gratuito, mas também independen-te por completo de nossa colaboração, dentro doquadro geral da arbitrariedade divina própria dosistema ockhamista, Lutero encontrava um desa-bafo para suas ânsias: abandonar-se à açãosalvífica de Deus era suficiente para saber-se esentir-se salvo: sola fides.

— Desse primeiro princípio surgiram outrostrês que resumem todo o luteranismo. 1) Sola

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Scriptura. A Escritura não só contém material-mente a totalidade da divina Revelação, mas tam-bém não tem necessidade de ser iluminada nemesclarecida pela tradição. É suficiente por si mes-ma e por si só para garantir à Igreja a certeza so-bre todas as verdades reveladas. Ficam excluídasassim a tradição e a intervenção da Igreja por meiode seu magistério, e abre-se a porta para o livreexame. 2) Justiça imputada ou puramente atri-buída, não inerente. A natureza humana ficou,após o pecado original, irremediavelmente cor-rompida; o homem perdeu sua liberdade e todasas suas obras são necessariamente pecado. Deus,contudo, sem apagar os pecados e sem renovarinteriormente quem acredita nele e nele confia,aplica-lhe os méritos e a santidade de Cristo, con-sidera-o como se fosse interiormente justo e re-novado; o homem é, portanto, simultaneamentejusto e pecador. Embora se sinta pecador e nãorealize obras boas, basta abandonar-se no Senhore em sua misericórdia, que de per si atua no ho-mem. 3) O terceiro princípio é a repulsa da Igrejahierárquica e, naturalmente, da Igreja históricaque lhe foi dado viver. a) “A Igreja é concebidacomo continuidade espiritual de almas unidasnuma só fé”, “a união de todos os crentes em Cris-to sobre a terra”, uma união espiritual que bastapara formar a Igreja. b) A Igreja é definida pelarelação fundamental e direta do Senhor com cadaum dos fiéis por cima e à margem de qualquertipo de mediação: não há diferença essencial en-tre o sacerdócio dos simples fiéis e o do papa. c)A negação do primado papal e da Igreja comoinstituição hierárquica visível são corolários ne-cessários desta mesma concepção da Igreja quefaz Lutero. d) A negação da Missa como sacrifí-cio é também corolário da doutrina anterior. Como agravante de que “a missa é o mais grave e hor-rível delito entre todas as formas conhecidas deidolatria”. e) Outros corolários são igualmente aredução dos sacramentos, a liberdade de culto edisciplina, a repulsa e repúdio absoluto às indul-gências e a todas as formas de idolatria e decorrupção da Igreja do Renascimento.

Lutero, Martinho

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— Como se pode apreciar, a Reforma deLutero começara clamando por um “cristianismomais puro” proclamado por todos os reformadoresnos dois últimos séculos. “Essa atitude constituia originalidade da doutrina e da obra de Lutero.Indubitavelmente, todos os elementos de tal dou-trina são medievais, e não apresentam nenhumaoriginalidade. Esta se apóia, entretanto, em terfeito valer o retorno ao Evangelho como instru-mento de uma palingenesia (eterno retorno) reli-giosa, e em ter feito de tal retorno uma força dedestruição e renovação. A Reforma uniu-se aoRenascimento, precisamente em seu motivo cen-tral, em seu esforço de voltar às origens. E, comoo Renascimento, tendeu a compreender os homensnas obras da vida, afastando-os das cerimônias edo culto externo.

— Toda a história posterior, desde a exposi-ção das 95 teses em 1517 até a sua morte ocorri-da em 1546, formou a trama de sua vida. Um ho-mem de autêntica e profunda religiosidade, ten-dência ao subjetivismo, ao autoritarismo, e à vio-lência: traços essenciais do reformador que ex-plicam em parte o enorme influxo que exerceusobre o espírito germânico e principalmente acultura européia. Sua herança e legado ficaramnos sermões, nas palestras, nas cartas, folhetos eobras de grande porte como seus dois Catecis-mos — o maior e o menor —, suas obras polêmi-cas: De servo arbitrio, suas arengas, suas fórmu-las da fé. E sua tradução da Bíblia para o alemão,monumento da língua germânica.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Werke. KritischeGesamtausgabe. Weimar, 1883s.; Obras de Martín Lutero.Ediciones la Aurora, Buenos Aires, 10 vols.; Ricardo GarcíaVilloslada, Martín Lutero (BAC maior) 21976, 2 vols.; J.Lortz, Historia de la Reforma. Madrid 1963, 2 vols.; J. L. L.Aranguren, El protestantismo y la moral. Madrid 1954; Ca-tolicismo y protestantismo como formas de existencia.Madrid 1957; J. Atkinson, Lutero y el nacimiento del pro-testantismo. Madrid 1971; Lutero (Biblioteca grandes per-sonagens). Ed. de Pedro R. Santidrián. Madrid 1984.

Lutero, Martinho

366 /

Mabillon, Jean (1632-1707)

Pesquisador beneditino francês, qualificadocomo o erudito mais destacado dos mauristas,monges beneditinos da congregação de SãoMauro que se especializaram durante os séc. XVIIe XVIII no estudo histórico e literário de obrasde autores cristãos. Muitas de suas edições sãobásicas para as edições críticas dos textos.

Mabillon publicou mais de vinte obras emfólio, entre as quais se destacam edições de SãoBernardo e de diversos documentos litúrgicosimportantes. A referência a Mabillon é obrigató-ria em alguns pontos, como a sua defesa do direi-to das ordens religiosas para cultivar o estudo fren-te ao abade Rancé, ou como fundador da ciênciaou arte da diplomática, com sua obra principal,De re diplomatica (1681).

Macário de Alexandria (+395)

*Monaquismo.

Macário de Moscou (1816-1882)

Seu nome de batismo era Miguel Bulgakov,que trocou pelo de Macário ao tornar-se monge.Desde 1879 foi metropolita de Moscou. Homemde estudo, ocupou diversos cargos acadêmicosantes de ser nomeado bispo.

Sua obra literária como historiador e teólogoestá contida na História da Igreja da Rússia, umaobra em 12 volumes publicada de 1857 a 1882.Escreveu também duas obras sobre Teologia or-todoxa, que se tornaram clássicas como expoen-tes da postura oficial da Igreja russa.

MMabillon, Jean

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Macário, o Grande, São (300-390)

Conhecido como Macário, “o Egípcio” ouMacário, “o Grande”. Aos 30 anos, fundou umacolônia de monges no deserto de Scitia, Egito(Wadi-el-Natrum), que transformou no centromais importante do monaquismo egípcio.

São-lhe atribuídas 50 Homilias e vários ou-tros escritos. Embora mais pareça que essas obrasforam escritas na Síria do que no Egito, a paterni-dade das mesmas continua sendo atribuída a SãoMacário. O que é certo é seu poder e encanto nas-cido das anedotas, ditos e feitos atribuídos a ele.Sobre a autenticidade de suas cartas, e principal-mente a Grande Carta, ver Quasten, Patrologia,II, 173s.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 34. Outras 7 homilias fo-ram descobertas por G. L. Marriot em 1918.

Maldonado, João (1533-1583)

Teólogo e exegeta espanhol, ingressou naCompanhia de Jesus em 1562 e durante quaseduas décadas ensinou em Paris. Fruto deste ensi-no são os seus famosos Comentários aos evange-lhos, publicados entre 1596-1597, que lhe deramrenome e fama universal. Foi acusado de heregee atacado na Sorbonne (1574-1576). Seu reconhe-cimento posterior como mestre seguro e confiávelfez dele um dos comentaristas mais sérios e sóli-dos do Renascimento. Maldonado introduziu naexegese o sentido comum, a explicação literal dotexto e o realismo. Recentemente se publicou umaedição bilíngüe, em latim e espanhol, de seusComentários.

BIBLIOGRAFIA: Comentarios a los cuatro evangelios(BAC), 3 vols.

Manjón, Andrés (1846-1923)

*Educadores cristãos.

Manjón, Andrés

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Manning, H. (1809-1892)

*Newman, Henry

Mansi, Giovanni Domenico(1692-1769)

Eminente canonista, transformado em clássi-co da jurisprudência canônica. Sua obra originalTractatus de casibus et censuris reservatis (1724)tornou-se imprescindível nas escolas e faculda-des eclesiásticas.

Mansi passou também à história do pensamen-to teológico por uma série de colaborações e ano-tações em livros básicos. Assim é, por exemplo,sua participação na História dos concílios, queleva o seu nome. É uma fonte importante de do-cumentos, textos, dados para reconstruir a histó-ria e a doutrina conciliar ao longo dos séculos.

Mansur (675-749)

*João Damasceno, São.

Manuais para confessores

*Summas dos confessores.

Marcel, Gabriel (1889-1973)

Filósofo, ensaísta e dramaturgo francês. Clas-sificado geralmente — sobretudo por Sartre —como existencialista católico, Marcel seguiu o seupróprio caminho e não pode ser tratado comomembro de uma determinada escola. Em 1950,rechaçou o rótulo de “existencialismo cristão”,propondo para seu pensamento a qualificação de“socratismo cristão”.

Diversas análises e estudos sobre seu pensa-mento filosófico o consideram desconcertante.Em certos aspectos, seu pensamento produz aimpressão de ser muito realista, próprio para an-

Manning, H.

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dar pela terra. Outros se sentem tentados a consi-derar sua filosofia como uma espécie de poesiaou como meditações personalíssimas, e não comoo que geralmente se costuma entender por filo-sofia.

“Sua filosofia pretende chamar a atenção so-bre o significado metafísico que se oculta no fa-miliar, sobre os indicadores do eterno que há nasrelações interpessoais, às quais lhe atribui umvalor positivo, e sobretudo uma presença que oinvade e unifica tudo. Sua filosofia gira em tornodas relações interpessoais — eu-tu-nós — e darelação com Deus. Mas nossa forma de enfocaras coisas está tão condicionada por esse ‘mundo’que somos incapazes de discernir as dimensõesmetafísicas da existência ou, pelo menos, isso éextremamente difícil para nós”.

— Para Marcel, a existência de Deus não éuma conclusão resolutória de um problema. A fénão é questão de crer o que, mas de crer em. Deusé o tu absoluto, a presença absoluta e misteriosa.Mas há diversos modos de se orientar em direçãoà presença absoluta: o homem pode abrir-se paraesta presença — Deus — mediante as relaçõesintra-subjetivas, tais como o amor e a fidelidade

Marcel, Gabriel

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criadora, que são sustentados por Deus e para eleapontam; ou pode também encontrar Deus noculto e na prece, invocando-o e respondendo aseu chamado. Os diversos modos não são,logicamente, exclusivos. São caminhos para che-gar a experimentar a divina presença...

— Os conceitos de “mistério”, “problema”,“presença”, “disponibilidade”, “mundo rompido”,“ser versus ter”, são fundamentais no pensamen-to de Marcel.

— “Para Marcel, termina dizendo Copleston,nosso mundo está essencialmente rompido. E emnossa civilização parece revelar uma crescentedespersonalização. Em qualquer caso, a idéia deque o mundo marcha, inevitavelmente, cada vezmelhor não é certamente sua. A coletivização e ogrande desenvolvimento tecnológico de nossasociedade pareciam-lhe expressões de um espíri-to prometeico que repudia Deus. Marcel acreditafirmemente no triunfo escatológico da bondade,e admite que com base religiosa, isto é, à luz dafé, pode-se manter uma atitude otimista. Mas estáconvencido de que a invocação e o repúdio fo-ram sempre duas possibilidades para o homem eassim continuarão. E pensa que o dogma do pro-gresso é um “postulado completamente arbitrá-rio” (Copleston, Historia de la filosofía, 9, 314-324).

Sua obra filosófica é muito extensa. Inicia-seem 1914 com Existência e objetividade; segue-lhe Diário metafísico (1914-1923); Ser e ter(1918-1933); Da rejeição à invocação (1940);Homo viator (1944) etc.

Outra das características de Marcel são suasobras de teatro, nas quais põe em cena teses psi-cológicas e morais. Foi também um excelente crí-tico teatral de “Nouvelles littéraires”.

BIBLIOGRAFIA : M. Bernard, La Philosophie religieusede Gabriel Marcel. Étude critique, 1952; Obras: Diáriometafísico; Filosofia concreta; Prolegômenos para umametafísica da esperança; O mistério do ser; Os homens con-tra o humano; Decadência da sabedoria; O homem proble-mático.

Marcel, Gabriel

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Marcião (séc. II)

Marcião nasceu em Sínope, no Ponto, atual-mente Sinop, na costa do Mar Negro. Pelo ano 140,estabeleceu-se em Roma, inserindo-se na comu-nidade cristã da cidade. Muito cedo suas doutrinasse chocaram com as dos chefes da Igreja. Em ju-lho de 144 foi excomungado, formando sua pró-pria Igreja para a qual atraiu muitos adeptos.

Marcião parece ter sido dotado de um carismaespecial de persuasão. Nenhuma de suas obraschegou até nós, nem sequer as Antíteses, ondeexpunha sua doutrina. Foi, no entanto, o mais com-batido pelos escritores cristãos dos primeiros sé-culos.

Sua doutrina resume-se nestes pontos: a) Ocristianismo é o evangelho do amor, não da lei.Rejeitava, portanto, o Antigo Testamento comocontrário ao Evangelho de Jesus. b) Do Novo Tes-tamento somente aceitava 10 cartas de São Paulo,e uma versão revisada do evangelho de Lucas. c)Considerava Cristo um demiurgo cujo corpo eraaparente (docetismo), e sua crucifixão tambémaparente.

O marcionismo aparece mesclado com todasas heresias e seitas dos primeiros séculos, passan-do a engrossar depois as filas dos maniqueus. San-to Irineu dele nos diz: “Ensinou que o Deus pro-clamado pela lei e os profetas não é o Pai de Nos-so Senhor Jesus Cristo, porque aquele é conheci-do, esse desconhecido; um é justo, o outro bom”(Adv. Haer; I, 27, I). O próprio Santo Irineu con-tava que uma vez o bispo Policarpo de Esmirnaencontrou-se com Marcião e, ao ser indagado poreste: “Conheces-me?”, Policarpo respondeu:“Sim, conheço em ti o primogênito de Satanás”.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, I, 256ss.; A.Harnack, Marción. Das Evangelium von fremden Gott (TU45). Leipzig 1924.

Marcionismo (séc. II)

*Marcião.

Marcionismo

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Marco (séc. II-III)

*Gnósticos; *Jerônimo, São.

Marcos, Evangelista, São (séc. I)Com muita probabilidade, o autor do segundo

evangelho sinóptico é João Marcos, primo deBarnabé (At 12,25). Era natural de Jerusalém,onde vivia com sua mãe, e Pedro conhecia suafamília (At 12,12). Mais tarde acompanhouBarnabé a Chipre e o encontramos em Roma aolado de São Pedro. Eusébio refere-se a ele em seusúltimos anos em Alexandria.

O evangelho de Marcos pode ter sido escritoem Roma ou Antioquia entre os anos 65-67. Da-dos mais recentes tendem a adiantá-lo ao ano 50.De qualquer forma, já era amplamente conheci-do no século I, e tanto o evangelho de Mateus,quanto o de Lucas, parecem depender dele. Papíasafirma que Marcos transmite uma informaçãobaseada na pregação de Pedro. Os estudos poste-riores aceitaram e coletaram essas afirmações.

O evangelho de Marcos está escrito em gregoda “koiné”, a língua popular e comum da épocahelenística. Segue uma exposição linear bastanteclara, embora seu esquema, mais do que restrita-mente cronológico, baseie-se numa sucessão defatos significativos que constroem um quadroabreviado, porém coerente, de uma realidade maisextensa. O propósito de Marcos é mostrar queJesus é o Messias, o Filho de Deus. Aparece JoãoBatista como seu arauto e a seguir a figura de Je-sus, com a sua consagração messiânica, a pleni-tude do Espírito e a vitória sobre Satanás, na qualse decide a sorte do mundo. “O paradoxo de Je-sus incompreendido e repudiado pelos homens,porém, enviado e triunfando por Deus, é o queinteressa em primeiro lugar ao segundo evan-gelho.”

BIBLIOGRAFIA: J. Gnilka, El evangelio según sanMarcos. Salamanca 1986, 2 vols.; B. Hurault, Sinopsis pas-toral de Mateo-Marcos-Lucas (Juan), com notas exegéticase pastorais. EP, Madrid 1980.

Marco

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Marechal, J. (1878-1944)

*Neo-escolásticos.

Margarida Maria de Alacoque, Santa(1647-1690)

*Literatura autobiográfica.

Maria da Encarnação, Sóror(1566-1618)

*Literatura autobiográfica.

Marías, Julián (1914-)

*Zubiri.

Maritain, Jacques (1882-1973)

Filósofo neotomista francês, discípulo deBergson e mais tarde seu crítico. Vinculado naprimeira juventude ao socialismo revolucionário,converteu-se ao catolicismo em 1906, com suamulher Raíssa, influenciado por *Léon Bloy.Maritain iniciou-se como filósofo tomista em1913 em umas conferências sobre Bergson. Noano seguinte, foi convidado para ensinar Históriada Filosofia Moderna no Instituto Católico deParis, para ser posteriormente chamado ao Insti-tuto de Estudos Medievais da Universidade deToronto (Canadá) e na Universidade de Colúmbia(USA). A vida de Maritain é a de um professoruniversitário dedicado ao estudo e à pesquisa fi-losófica. Sua obra é ampla e cobre praticamentetodo o âmbito da filosofia. É considerado, ao ladode Gilson, o principal renovador do pensamentode Santo Tomás em nosso tempo. Foi tambémembaixador da França no Vaticano.

Maritain tentou desenvolver a filosofia tomista— sobretudo a social e política — aplicando seusprincípios aos problemas modernos. Segundo

Maritain, Jacques

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nosso pensador, se o Aquinate vivesse na épocade Galileu e Descartes, teria libertado a filosofiacristã da mecânica e da astronomia de Aristóteles,sem deixar de ser fiel aos princípios da metafísicaaristotélica. E, se vivesse no mundo atual, livra-ria o pensamento cristão das “imagens e fantasi-as do sacrum imperium e dos antiquados esque-mas e procedimentos de seu tempo”.

A obra de Maritain alcançou sua máxima res-sonância no campo da filosofia político-social.Rechaçou o comunismo e o socialismo não ape-nas nas formas atéias, mas inclusive como deri-vado de uma concepção errônea e defeituosa dohomem, do trabalho e da sociedade. Sua concep-ção político-social baseia-se num “humanismointegral”, tal como ficou formulada em sua obraHumanismo integral. “O mundo, segundoMaritain, marcha para a construção de um novotipo de cidade temporal cristã, diferente do quese realizou na Idade Média, onde houve um regi-me político de ordem sacra. Na civilização futu-ra, entretanto, a esfera do profano será ao mesmotempo autônoma e subordinada ao sacro, e o Es-tado será leigo, porém construído cristãmente.Neste Estado os valores temporais terão dignida-de de fins. Não serão rebaixados à categoria deinstrumentos, mas terão um fim subordinado aum fim último mais elevado.

Maritain dedicou parte de sua atividade aoestudo dos problemas pedagógicos. Concebe afilosofia como uma disciplina pedagógica quepressupõe uma concepção filosófico-religiosa dohomem. A meta da educação é a formação da pes-soa. Sua luta é contra as concepções pragmatistas,instrumentalistas e empiristas da educação. Assi-nala alguns erros que infeccionam a colocaçãodo processo educativo, entre os quais contam odesconhecimento dos fins a serem atingidos e apresunção de que tudo se pode ensinar. Não seensina a intuição e o amor, que são dom e liber-dade” (A educação na encruzilhada).

Particularmente notável é a especulação esté-tica em Maritain, assim como sua contribuição

Maritain, Jacques

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para o esclarecimento das ciências: ciência e fi-losofia; ciência e metafísica; ciência e religião etc.(Ver a esse respeito: Arte e escolástica; A intui-ção criadora na arte e na poesia; Distinguir paraunir ou Os três degraus do saber).

É considerado um filósofo tomista “liberal”.No entanto, em seu último livro, O camponês doGarona (1969), apresenta uma espécie de testa-mento não apenas filosófico, mas também teoló-gico, sociológico, político e pessoal, que muitosconsideram como uma aproximação ao“integrismo”. Deve-se ver também como um ata-que contra tudo o que o autor considera um false-amento do cristianismo. No seu entender, essefalseamento é representado por Teilhard deChardin e pelos seguidores de sua teologiacosmológica, assim como pelo uso dafenomenologia e da psicanálise para propósitosreligiosos.

BIBLIOGRAFIA: Boa parte das obras de Maritain fo-ram traduzidas para o português. Caminhos para Deus, VillaRica; Introdução geral a Filosofia, Agir; Lógica Menor; Agir;Sete lições sobre o ser.

Mar Morto, Manuscritos do(séc. II a.C.—séc. I d.C.)

Os “Manuscritos do Mar Morto”, conhecidostambém como “Manuscritos de Qumrã”, são umacoleção de manuscritos hebraicos e aramaicos,descobertos em grutas nas proximidades deQumrã, a noroeste do Mar Morto. Os achados ti-veram lugar de 1947 a 1956. São o mais impor-tante descobrimento bíblico registrado até agora.Compreendem quase todos os livros canônicosdo Antigo Testamento, além de outras obras nãoconhecidas anteriormente. Abrangem um perío-do-chave que vai do séc. II a.C. até o ano 68 d.C.

Junto aos manuscritos do AT foram encontra-dos também: 1) Uma série de comentários do ATque interpretam o texto bíblico como profeciacumprida em tempos do comentarista. 2) Umacoleção de Salmos de ação de graças, de confi-

Mar Morto, Manuscritos do

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guração semelhante à do livro bíblico dos Sal-mos. 3) Uma obra intitulada Guerra dos filhos daluz contra os filhos das trevas. 4) Um manualconhecido como o Manual da disciplina, com asregras ou normas da comunidade religiosa quevivia na região, identificada com os essênios. 5)Os chamados Fragmentos de Damasco, um livrode composição semelhante ao anterior. Foi cha-mado de Damasco pela descoberta que se fez nes-sa cidade de um documento semelhante a esseem 1896.

Parece que os manuscritos pertenciam à bibli-oteca de uma comunidade judia estabelecida emQumrã desde o início da era cristã. Sua impor-tância está em nos permitir conhecer textos bíbli-cos anteriores em mil anos aos que até agora sepossuíam (*Codex sinaiticus; *Codex Vaticanus).

BIBLIOGRAFIA: A. González Lamadrid, Losdescubrimientos del mar Muerto (BAC); Alan Millard,Discoveries from the time of Jesus. Lion Publishing, Oxford1990; Los papiros griegos de la cueva 7 de Qumrán (BAC);Jean Pouilly, Qumrán. Verbo Divino, Estella 1991.

Marshall, Bruce

*Literatura atual e cristianismo.

Marsílio de Pádua (1275-1343)

Pensador político radical que encabeçou apolêmica contra o papado e a favor da reforma daIgreja. Elaborou uma teoria totalmente leiga doEstado. A Igreja, segundo ele, não somente deverespeitar a autonomia do poder temporal, mas tam-bém submeter-se a ele. Marsílio de Pádua figurana história do pensamento político como elementoucrônico: suas grandes teses inovadoras espera-riam séculos até encontrar uma correspondêncianos fatos. É considerado como “precursor do ab-solutismo moderno”, e cabeça e inspirador dacorrente reformadora da sociedade e da Igrejaeuropéias dos séculos XIV-XV. Sua influência éevidente em figuras como J. *Wiclef (1330-1418),

Marshall, Bruce

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J. Huss (1370-1415), Jerônimo de Praga (1370-1416) e inclusive no mesmo movimentoreformador de Lutero.

Nasceu em Praga e morreu em Munique. Suavida acadêmica esteve vinculada à Universidadede Paris, onde estudou e de onde foi reitor (1312-1313). Aqui mesmo fez amizade com Jean deJandum, um dos principais “averroístas latinos”da época. As denúncias por essa amizade e cola-boração na obra de Marsílio, Defensor pacis(1324), obrigaram ambos a refugiar-se emNürenberg (1327), na corte de Luís da Baviera.

Embora incluído comumente dentro da cor-rente “averroísta”, Marsílio não se destacou nun-ca nas pesquisas de filosofia natural e metafísica,mas sim na filosofia política e em seu propósitode reforma religiosa. Por essas causas passou àhistória. Fruto desta opção política são suas duasobras principais: Defensor pacis (Paris 1324) eDefensor minor (por volta de 1341-1342).

— Defensor pacis estabelece, pela primeiravez, a doutrina do Estado em coerência vigorosadesde a teoria aristotélica, e em oposição subs-tancial à doutrina política de Santo Tomás. NesteEstado, auto-suficiente e particular: a) O poderdecisório corresponde à comunidade que, em fun-ção de “legislator humanus”, exerce-o legislandoe deliberando. b) A administração efetiva do Es-tado — poder executivo e sindical — foi confia-da à comunidade por eleição de um órgão: a ummagistrado individual ou a um colégio restrito,que o exerce sob o controle da comunidade. c) Asleis positivas são as únicas que regulam a vidados cidadãos. d) Em conseqüência, as leis natu-rais — e as mesmas leis divinas — perdem todarelevância. Reduzem-se a um simples dever deconsciência, sem vinculação jurídica alguma.

Dentro da harmonia dessa estrutura jurídicado Estado, o papado e a Igreja de Roma não sãomais do que uma desordem e ameaça à tranqüili-dade da “policia civilis”.

Em conseqüência, na segunda parte de suaobra estabelece uma disputada polêmica contra a

Marsílio de Pádua

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Cúria Romana. Nela pretende: a) Separar a hie-rarquia sacerdotal da “ecclesia fidelium”. b) Iden-tificar a sociedade civil com a comunidade dosfiéis, confiando a um administrador fiel os assun-tos religiosos. c) Reduzir o sacerdócio a uma sim-ples função de cada Estado.

Com isso, tenta derrubar o sistema político-eclesiástico de seu tempo e a própria constituiçãoda Igreja. E, finalmente, mostra a inutilidade dopapado e de seu “universalis episcopatus”.

— No Defensor minor é, no entanto, mais ra-dical ainda, se é possível. Entre outras idéias: a)Não se admite a fragmentação definitiva da“respublica christiana” numa pluralidade de Igre-jas nacionais. b) Vê no concílio geral, passandopor cima da autoridade do papa, o expedienteadequado para assegurar a homogeneidade e aunidade dos fiéis. c) Discute o problema técnicopara convocar o concílio sem recorrer ao papa.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Defensor pacis. Edição críti-ca de C. W. Previté-Orton, Cambridge 1928; Defensor minor.Edição crítica de C. H. Brampton, Birmingham 1922; Eldefensor de la paz. Tradução espanhola de Luis MartínezGómez (Clásicos del pensamiento). Madrid 1980.

Martín Descalzo, José Luis(1930-1991)

*Literatura atual e cristianismo.

Martinho de Dúmio, Abade (séc. VI)

*Sentenças dos Padres.

Marx, Karl (1818-1883)

Filósofo, político e economista, Karl Marxnasceu em Trier (Alemanha). Estudou nas uni-versidades de Bonn e de Berlim, onde foi discí-pulo de Hegel. Esteve toda a sua vida empenha-do na luta social e política, que exerceu atravésde suas obras, do jornalismo e do contato diretocom homens e líderes. Os cenários de suas ati-

Martín Descalzo, José Luis

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vidades foram Paris, Bruxelas e finalmente Lon-dres, onde continuou inspirando e dirigindo omovimento operário internacional. Morreu nestaúltima cidade.

Marx deixou uma volumosa produção filosó-fica, iniciada em sua juventude e mantida ao lon-go de toda a sua vida. Assinalamos as principaisobras: Crítica da filosofia do direito de Hegel(1843); Economia e filosofia (1844); A SagradaFamília (1845); O manifesto comunista (1845);Teses sobre Feuerbach (1845); A miséria da filo-sofia (1847); Crítica da economia política (1859);O Capital (três vols., 1867; os dois últimos pós-tumos, publicados por Engels em 1885 e 1895respectivamente).

O ponto de partida de Marx é “a reivindicaçãodo homem, do homem existente, em todos os seusaspectos”. O que Marx quis realizar foi uma in-terpretação do homem e de seu mundo, que aomesmo tempo fosse empenho de transformaçãoe, neste sentido, atividade revolucionária. Porém,tal interpretação do homem somente é possívelse o analisarmos em suas relações externas comos demais homens e com a natureza que lhe pro-porciona os meios de subsistência. Nada de es-sência em abstrato. A personalidade real e ativado homem concretiza-se nas relações de traba-lho em que se encontra. O homem cria-se a sipróprio mediante o trabalho. E é o criador nãoapenas de sua existência material, mas de seumodo de ser ou de sua existência específica. Emconseqüência, o trabalho é para Marx a únicamanifestação da liberdade.

Tudo o que impede a realização do homem notrabalho é considerado por Marx como aliena-ção. Alienação que nada mais é do que a condi-ção histórica na qual o homem vem a encontrar-se diante dos meios de produção. De fato, a pro-priedade privada e a sociedade capitalista trans-formam os meios de produção de simples ins-trumentos e materiais da atividade produtivahumana, em fins aos quais o mesmo homem sesubmete.

Marx, Karl

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A essa conseqüência da alienação, Marx, al-gumas vezes, chama de “alienação religiosa”.Neste sentido, considera a religião como “a ima-gem de um mundo transtornado”, isto é, um mun-do no qual, no lugar do homem real, colocou-se aessência abstrata do homem. “A religião — dizMarx — é a teoria geral deste mundo transtorna-do, seu compêndio enciclopédico, sua lógica emforma popular, seu point-d’honneur espiritualista,seu entusiasmo, sua sanção moral, seu comple-mento solene, o fundamento universal da conso-lação e da justificação do mesmo” (Crítica da fi-losofia do direito de Hegel). Neste último aspec-to, “a religião é o ópio do povo”, “a felicidadeilusória do povo”.

No pensamento de Marx: a) A religião — as-sim como as ideologias, a filosofia, o Estado, ocapital — são fonte de alienação, porque subtra-em o homem da vida real, inchando-o com umavida irreal, inexistente. b) A religião é uma dasformas históricas de alienação, porque, além deafastá-lo da realidade e de sua própria identida-de, promete ao homem uma felicidade enganosafora deste mundo e perpetua desta maneira o es-tado de injustiça e de opressão, já que sanciona aexploração do homem pelo homem.

Na filosofia de Marx, a religião é umsuperfenômeno, uma super-estrutura humana,nascida do desconhecimento da realidade do mun-do e do homem. O universo religioso — Deus-espírito-eternidade — é um falso desdobramentodo homem, fruto da alienação, tal como já o for-mulou Feuerbach. O universo real é a matéria;tudo o que existe explica-se por ela mesma e apartir dela mesma, num duplo processo dialéticoconhecido como materialismo dialético e materi-alismo histórico.

O marxismo histórico seguiu a linha impostapelo mestre. As conversações entre teólogos cris-tãos e marxistas manifestaram essa verdade. Aconcepção que o faz marxismo do mundo e dohomem é plana e horizontal, não transcendente.Marx também não se ocupou expressamente da

Marx, Karl

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ética. De sua filosofia, deduzimos a negação ra-dical que faz da moral platônica e cristã e seu re-púdio ao jusnaturalismo, como abstratos ealienantes. Cabe sim falar de uma ética marxistano sentido de que, dada a concepção do homemsocial, a procura da libertação efetiva do homemnão pode coincidir menos com a procura da li-bertação de todos os homens: a libertação dosdemais é inseparável da minha.

BIBLIOGRAFIA: G. Rodríguez de Yurre, El Marxismo(BAC), 2 vols.; Id., El marxismo y marxistas (BAC popu-lar); Medellín, reflexiones en el CELAM (BAC); R. Alves,Cristianismo, ¿opio o liberación? Salamanca 1973.

Mater et Magistra (1961)

*João XXIII.

Mateus, Evangelista, São (séc. I)

Apóstolo e evangelista. Em Mt 10 é apontadocomo “publicano”. Foi chamado por Cristo aoapostolado (Mt 9,9). No evangelho de Mc e deLc chamam-no Levi. Não se pode identificar oautor do primeiro evangelho com a pessoa doapóstolo Mateus. Papías, no entanto, afirma queMateus fez uma coletânea das palavras de Cristoem hebraico. Tradicionalmente vem sendo iden-tificado com o autor do primeiro evangelhosinóptico.

A data de composição do evangelho de Mt écalculada entre os anos 80-90. O destino do mes-mo é uma comunidade de língua grega e de mai-oria judaico-cristã. Provavelmente foi compostoem Antioquia por um judeu-cristão de língua gre-ga, com possível formação rabínica, que redigiuas palavras de Jesus, aproximando-as de sua men-talidade, proclamando-o ao mesmo tempo Mes-sias para todas as nações.

Mateus apresenta o Messias vindo a seu povo,porém este o repele. A mensagem de Jesus, noentanto, é destinada a todos os homens. As pro-messas feitas a Israel no Antigo Testamento es-

Mateus, Evangelista, São

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tenderam-se à humanidade inteira. A figura deJesus é a do Messias Salvador enviado por Deus.Ele é intérprete da lei divina, e a interpreta deuma forma radical, libertando-a da tradição que asufocava, e colocando em destaque sua única exi-gência profunda, o amor ao próximo. O confron-to contínuo com os letrados e fariseus quer livraros cristãos de qualquer tentação de volta à obser-vância e às instituições judaicas.

BIBLIOGRAFIA: P. Bonnard, El evangelio según sanMateo. Tradução de Pedro R. Santidrián, Cristiandad, Madrid1975; J. Mateos, El evangelio de Mateo. Leitura comentada,Madrid 1981.

Mateus, João

*Teologia atual, Panorama da.

Mauriac, François (1885-1970)

*Literatura atual e cristianismo.

Máximo, o Confessor, São (580-662)

Nascido em Constantinopla, foi o teólogobizantino mais importante do séc. VII, comenta-rista e seguidor da doutrina mística do Pseudo-Dionísio. Sua obra, no entanto, centrou-se na de-fesa da doutrina cristológica dos padres gregos.Influiu poderosamente na teologia e mística daIdade Média.

Deste grande cristão, o que primeiro devemosresenhar é a sua própria vida. Secretário do im-perador Heráclio I, deixou seu cargo em 613 paraempreender uma vida monástica próxima deCrisópolis (Bitínia). Fugindo da invasão persa de626, dirigiu-se ao norte da África, onde tomouparte da controvérsia monotelista em Cartago.Decididamente inclina-se para dupla vontade, di-vina e humana, na única pessoa de Cristo, e a de-fende. Em 645, enfrentou-se com o patriarca Pirrode Constantinopla, exilado em Cartago, diante dequem defendeu a dupla vontade de Cristo contra

Mateus, João

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os monotelistas e os monofisitas. Chamado aRoma em 649, tomou parte muito direta e ativano sínodo local que, presidido pelo Papa MartinhoI, proclamou a doutrina da dupla vontade de Cristofrente aos monotelistas. Como conseqüência dis-to, tanto Máximo quanto Martinho foram presose torturados pelo imperador Constantino II. OPapa Martinho foi exilado. Máximo foi captura-do e levado de novo a Constantinopla, onde este-ve na prisão de 653 a 655. Durante esse tempo,foi pressionado e torturado para que aceitasse adoutrina da única vontade em Cristo. O exílio foia resposta à sua negativa. Em 661 foi trazido no-vamente a Constantinopla para ser submetido anovas prisões e torturas. Diz-se que lhe cortarama língua e o braço direito por não ceder às exi-gências do poder imperial. Isto lhe valeu um últi-mo exílio, próximo do mar Negro, onde morreuem 662.

São Máximo é conhecido com o título de “OConfessor”, sem dúvida por sua atitude valente esincera na defesa da ortodoxia. Seu nome estávinculado aos padres gregos que o precederamna defesa da mesma. Sua doutrina ficou sancio-nada no Concílio de Constantinopla em 680-681.

Conhecido também como o “pai da teologiabizantina”, São Máximo escreveu perto de 90obras importantes sobre diversos temas, mas prin-cipalmente em torno da teologia cristocêntrica edo misticismo. A maioria das obras de São Máxi-mo aparece em forma de comentário ou de cole-ção de máximas. Entre suas obras destacam-se osOpuscula theologica et polemica. Os Ambigua(comentários das obras de São GregórioNazianzeno), e os Scholia (comentários aoPseudo-Dionísio). Nesses três tipos de obras, ocentro das especulações teológicas de São Máxi-mo é o Deus-homem.

“Para ele, o logos é a razão e o fim último detudo o criado. A história do mundo encerra umduplo processo: o da Encarnação de Deus e o dadivinização do homem. Esse último processo podeiniciar-se graças à Encarnação para restabelecer

Máximo, o Confessor, São

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no homem a imagem de Deus. Como princípiodeste segundo processo, Cristo deve, necessaria-mente, ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem.As duas naturezas não se mesclam nele, nem rom-pem a unidade de sua pessoa. Posto que a cadauma delas está unida a capacidade de querer, emCristo subsistiam duas vontades: a divina e a hu-mana; porém a vontade humana era conduzida àdecisão e à ação pela vontade divina” (PG 19,48).

Em seu 400 capita de caritate, São Máximopropõe um humanismo cristão, calcado na vidadiária e na caridade. “O homem pode conhecerDeus, não em si mesmo, mas somente através dascoisas criadas, das quais Deus é causa.”

“Em seu ser em si, Deus é inconcebível e ine-fável. Não obstante, se damos as costas às pai-xões que contrastam com a razão e nos elevamosaté o perfeito amor de Deus, podemos alcançarum conhecimento de Deus que transcende a ra-zão e o procedimento discursivo e no qual Deusse revela imediatamente.”

“Ao conhecimento de Deus não se pode che-gar com a capacidade da natureza humana, maspela graça divina; contudo, esta não opera por sisó, mas eleva e aperfeiçoa a capacidade própriado homem.”

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 90-91.

Mbiti, John (1931-)

*Libertação, Teólogos da.

Medellín, Documento de (1968)

*CELAM.

Medina, Bartolomeu de (1527-1580)

Teólogo e moralista dominicano. É conheci-do como o “pai do probabilismo”. Em seu co-mentário à Summa Theologica de Santo *Tomás

Mbiti, John

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defende estas duas proposições: 1) Quando háduas opiniões, ambas igualmente prováveis, pode-se seguir qualquer delas. 2) Quando há duas opi-niões não igualmente prováveis, pode-se seguir amenos provável.

A doutrina de B. de Medina foi muito discuti-da e passou a ser durante os séc. XVII-XVIII adoutrina seguida pelos jesuítas. Contra essa cor-rente moral surgiram o probabiliorismo de ten-dência rigorista e o equiprobabilismo de SantoAfonso de Ligório (*Ligório, Santo Afonso Ma-ria de).

Melanchton, Philipp (1497-1560)

Teólogo, reformador e educador, conhecidocomo “Mestre da Alemanha” por ter reorganiza-do todo o sistema educativo alemão, fundando ereformando várias universidades.

Dois traços fundamentais acompanham todaa sua vida. Por herança paterna recebeu um senti-mento de profunda piedade que jamais o abando-nou. De sua aldeia local, Bretten, onde cinco pes-soas foram queimadas como bruxas em 1504,adquiriu um sentido do oculto e misterioso queseus estudos bíblicos posteriores relacionaramcom as estrelas, os sonhos e os demônios. Sem-pre foi um crente apaixonado pela astrologia epelos demônios. O segundo traço é o dohumanista, influência de seu tio, o grandehebraísta e humanista, J. Reuchlin. Seu amor pelaliteratura clássica, latim e grego, levaram-no atrocar o seu nome alemão de Schwarzerd peloequivalente grego Melanchton: “terra negra”.Considerado já em seu tempo como o grandehumanista da Alemanha, em 1518 ingressou comoprimeiro professor de grego na Universidade deWittenberg, depois de ter estudado nas Universi-dades de Heidelberg e Tubinga, conseguindo otítulo de mestre em artes. Após quatro dias de suaestada em Wittenberg, expôs o seu programa deretorno às fontes clássicas e cristãs “para regene-rar a teologia e rejuvenescer a sociedade”.

Melanchton, Philipp

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Em Wittenberg encontrou Lutero, de quemnunca mais se separou. Uma mútua empatia e sim-patia uniu a sorte e o destino destes homens, umimpetuoso como um vulcão, o outro manso comoum riacho. Nos finais de 1519, Lutero consegui-ra fazer de Melanchton o melhor teólogo da Re-forma e o homem mais adequado para seus pro-pósitos reformadores. Daí para a frente seria seuporta-voz e homem de relações públicas diantedo imperador e diante de Roma. Seu sentido con-ciliador o levou, no entanto, a posturas incômo-das até parecer traidor da doutrina do Reformador,sobretudo em temas como a Eucaristia e as boasobras.

Assim como a sua vida, a sua obra é totalmen-te dedicada à Reforma. A instâncias de Lutero,Melanchton passou a explicar a Carta de São Pau-lo aos Romanos. Imediatamente depois publicou(1521) sua principal obra teológica: Locicommunes, o primeiro tratado sistemático do pen-samento protestante. Trata do pecado, da lei, dagraça, do livre-arbítrio, dos votos, da confissão.Apoiado na Escritura, Melanchton afirma “que opecado é algo mais do que um ato externo, afetaa vontade do homem e suas emoções, de formaque o homem não pode praticar o bem nemmerecê-lo diante de Deus. O pecado original éuma propensão natural, um impulso desordenadoque se estende a todas as ações humanas. A graçade Deus consola o homem, e as obras deste, em-bora imperfeitas, são uma resposta alegre e agra-decida à benevolência divina”. O livro teve umêxito impressionante: três edições num ano. Em1525, 18 edições, além de uma edição alemã. Aedição de 1558, dois anos antes da morte deMelanchton, apareceu muito ampliada e modifi-cada. Os temas da Eucaristia e as boas obras so-freram em Melanchton mudanças importantes.

— Melanchton esteve presente na Dieta deEspira (1529), quando se originou o termo pro-testante, nascido em nome da liberdade de cons-ciência. A partir deste momento, será porta-vozdos protestantes diante do imperador e dos dele-

Melanchton, Philipp

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gados de Roma. A ele se deve a redação da Con-fissão de Augsburgo, a Confessio Augustana, detom moderado. No ano seguinte (1531), escre-veu a Defesa ou Apologia da Confissão deAugsburgo, que cedo se transformaram nos do-cumentos oficiais ou confissões de fé luterana. Aestes acrescentou-se um terceiro documento, pos-to como apêndice aos artigos de Smalkalda(1536), Apêndice sobre o papado, em que se re-pele, histórica e teologicamente, qualquer prima-zia papal por direito divino. Na edição de 1540da Confissão de Augsburgo, Melanchton trocouo n. 10 dos 21 artigos que o documento contém, oque se refere à Eucaristia. Afastando-se de Lutero,expressa o pensamento calvinista da presença sim-bólica de Cristo no pão e no vinho. Essas confis-sões, junto à Fórmula de Concórdia, redigida em1577, depois da morte de Melanchton, consti-tuem os documentos de fé luterana (*Confissõesde fé).

— Não termina aqui a obra de Melanchton.Temos seus comentários às Cartas aos Coríntios,aos Romanos, aos Colossenses etc. E sobretudoas Instruções aos visitadores (1528), em que alémdas instruções aos vigários, faz-se uma exposi-ção da doutrina evangélica e se esboça um esque-ma de educação para os graus inferiores. Com essee outros livros de texto, Melanchton transforma-se no primeiro educador da Alemanha eorganizador da Reforma.

Sua capacidade literária, sua clareza de pen-samento e seu estilo elegante fizeram-no o“escriba” da Reforma. Foi também o porta-voz eo representante dos evangélicos diante dos adver-sários. Não quis, ou não conseguiu, libertar-setotalmente de Lutero, mas modificou algumas desuas posições primeiras. Como dissemos, taismodificações referem-se à Eucaristia, ao papel dohomem na conversão e ao lugar das boas obras.

BIBLIOGRAFIA: Obras, em Corpus Reformatorum,vols. 1-28, Hale 1834-1860: Ricardo García Villoslada,Martín Lutero, (BAC maior), 2 vols.; Id., Raíces históricasdel luteranismo (BAC), 1969.

Melanchton, Philipp

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Méndez Arceo, Sergio (1907-)

*CELAM.

Menéndez y Pelayo, Marcelino(1856-1912)

*Literatura atual e cristianismo.

Mercier, D. J. (1851-1926)

*Neo-escolásticos; *Teologia atual, Panora-ma da.

Mersenne, J. (1588-1648)

*Ciência e fé.

Merton, Thomas (1915-1968)

Escritor religioso e místico norte-americano.Estudou na Universidade de Cambridge, douto-rando-se na de Colúmbia. Em 1938 converteu-seao catolicismo, ingressando em 1941 no mostei-ro trapista de Gethsemani (Kentucky).

Merton iniciou-se como escritor religioso,expondo a sua própria experiência pessoal da con-versão na Montanha dos sete patamares (1948),que alcançou ampla difusão. Esse primeiro livropermitiu descobrir em Merton um dos grandesescritores cristãos de nosso tempo. As obras queseguiram, como As águas de Siloé (1949); Semen-tes de contemplação (1949); Ascensão à verdade(1951); O sinal de Jonas (1952); Nenhum homemé uma ilha (1955) despertaram nos Estados Uni-dos e em todo o mundo um interesse pela vida epela espiritualidade monástica muito poucas ve-zes conhecido.

Outros escritos de Merton destinam-se a co-nhecer o misticismo oriental no Ocidente. Podeser considerado como um dos promotores e pio-neiros da difusão dos métodos de oração oriental

Méndez Arceo, Sergio

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nas comunidades católicas da América. Nestecampo deixou-nos sua obra Místicos e mestres dozen (1967). Os últimos anos estão marcados poressa atividade de estudo e de relação com as reli-giões do Oriente. Morreu precisamente emBangkok quando participava de conversasecumênicas com budistas.

A preocupação e o interesse de Merton nãotermina aqui. Desde a sua vocação trapista de tra-balho e contemplação, aproxima-se da sociedadee do mundo de hoje com uma mensagem detranscendência e de paz, fruto da oração interior.Ainda teve tempo para preocupar-se com o pro-blema racial americano em sua última obra Fé eviolência (1968).

A obra espiritual de Merton merece uma aten-ção particular. Suas Sementes de contemplaçãobastariam para considerá-lo um dos grandes mes-tres e clássicos da oração e contemplação. Emsumma, um grande escritor e poeta, que muitoinfluenciou nos anos cinqüenta, e cuja poesia vi-brará por muito tempo nos corações cristãos.

BIBLIOGRAFIA: Quase toda a obra de Th. Merton foitraduzida para o português.

Metafrastes, Simeão (séc. X)

Conhecido também como “Logothetes”;hagiógrafo bizantino que deve sua fama à cole-ção de vidas de santos ou Menologion. Seguindoo calendário do Oriente, traçou as vidas dos san-tos, algumas delas tomadas de coleções anterio-res. Outras foram “metafraseadas” — daí o nomedo autor —, isto é, transformadas, escritas comum estilo ao gosto do tempo. O Menologion foidurante muito tempo a obra clássica da piedadepopular oriental e ortodoxa. Ao longo da história,sofreu adições e amplificações.

Metz, Johann Baptist (1928-)

Nasceu em uma pequena aldeia da Baviera(Alemanha). Mais conhecido dos estudiosos do

Metz, Johann Baptist

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que do grande público, figura, entretanto, juntoaos grandes da cultura alemã empenhados emdesvendar a crise do homem contemporâneo. Suaatividade dividiu-se entre a cátedra, o estudo, con-ferências e viagens do Leste até a América Cen-tral. Muito vinculado à *Teologia da Libertação,da qual é inspirador, é o criador da teologia polí-tica, estreitamente unida a vários movimentos, eespecialmente à rebelião das aulas que sacudiuestudantes e professores em maio de 1968.

“Cronologicamente — diz — a teologia polí-tica nasceu antes do maio francês e da rebeliãodos estudantes. A partida de minha colocaçãocoincide com o momento em que me perguntocomo é possível fazer teologia de costas paraAuschwitz e para o Holocausto final. Porque nomeu país continuavam rezando e teologizandocomo se nada tivesse acontecido. Jurei para mimmesmo não fazer teologia de costas às dores eaos males dos homens.”

Metz descobriu que, por trás de todo esse si-lêncio, está a chamada religião burguesa. “Per-cebi — continua dizendo — que Auschwitz não éum assunto interno dos alemães. Aquilo foi umacatástrofe cristã. Mas se os cristãos — incluída ateologia — calaram-se, não foi por acaso. O cris-tianismo transformou-se num discursolegitimador de uma determinada cultura, onde areligião perdeu toda a capacidade criativa pararesolver as ameaças que pesam sobre a humani-dade. O Deus da religião burguesa está morto enão reage sequer diante do holocausto final. EsseDeus é capaz de fazer tremer, mas não é digno deser suplicado, nem exige nada, nem intervém, nemconsola, nem nada. É somente um valor que legi-tima a identidade burguesa. Em nossa sociedade,Deus é o ópio, mas não dos pobres, como queriaMarx, mas sim dos poderosos que fazem das pro-priedades o seu futuro.”

O discurso de Metz vai além até afirmar “queentramos no desmoronamento de uma civiliza-ção forjada no Renascimento e no Iluminismo”.Reconhece, mesmo assim, que a religião tem algo

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a dizer neste momento. “A religião cristã, quan-do não se dilui em desvirtuados secularismos, areligião messiânica, leva consigo sempre umaprofecia política, que não anuncia um final cor-de-rosa mas a catástrofe final. O profeta não diz:“Se fizerem isso alcançarão o paraíso”, porém diz:“Se não fizerem isso, caminham para o desastre”.A profecia implica ruptura, resistência, conver-são. Ou melhor, a política do uso desconhece acategoria de ruptura. Isso me parece muito sérioporque o pior que pode acontecer é que as coisascontinuem como estão: assim vamos ao paroxis-mo dos conflitos que apontam por todos oslados”.

Às objeções surgidas a essa concepção da cul-tura moderna por parte da teologia política, Metztraz uma tripla resposta: 1) A teologia política nãoé nem pode ser uma alegação em favor de umaeutanásia da técnica. “O que pretendo é uma con-frontação produtiva com idéias dominantes comoas de progresso, continuidade, desenvolvimentoetc., que não nos levam ao futuro, mas ao rompi-mento.” 2) A teologia política também não advo-ga por uma nova forma de teocracia. Porque anovidade da teologia dos anos oitentas — dife-rentemente das épocas anteriores — é que apare-ceu um sujeito-chave: as comunidades de base,que podem ser um lugar social modelo, onde avida política se personaliza em novas exigênciasmorais e onde a vida pessoal se prolonga na vidapolítica com toda a sua incidência social. Aqui sefaz evidente que os conteúdos contemporâneosda religião cristã, como o pecado, a conversão docoração, o sacrifício etc., além de se oporem auma interpretação simplesmente intimista, con-têm uma carga política muito maior do que seuscorrelatos secularizados. 3) Finalmente, não aca-ba com esses movimentos de base —carismáticos, pentecostalistas e muitas outras va-riantes — que se confessam expressamenteapolíticos. Para Metz, “a espiritualidade cristã épropriamente tal quando não é exclusivamentereligiosa. Jamais crucificariam Jesus por um com-portamento simplesmente espiritualista. Eu me

Metz, Johann Baptist

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refiro ao que está acontecendo na América Lati-na, que se transformou no centro da catolicidadedo cristianismo e de onde está chegando a II Re-forma do cristianismo”.

O que afirma Metz sobre a relação existenteentre religião e cultura? Há lugar para as notíciasde Deus numa sociedade técnica e industrial?Pode-se falar já de um pós-cristianismo? “NaEuropa — responde — existe uma relação muitodeteriorada entre religião e cultura. Historicamen-te, a religião tem procurado falsos aliados; daí oantagonismo entre religião e cultura. Creio, noentanto, que dado o caráter universal do cristia-nismo, a relação entre religião e cultura não sepropaga cingindo-nos exclusivamente na Euro-pa. O que acontece no Terceiro Mundo é definiti-vo. Se não se consegue ali uma nova relação en-tre religião e libertação, não vejo nada clara a res-posta.

BIBLIOGRAFIA: La fe, en la historia y en la sociedad.Esbozo de una teología política fundamental para nuestrotiempo. Cristiandad, Madrid 1979; Id., Teología del mundo,Sígueme, Salamanca 1970; J. B. Metz-A. Exter-W. Dirks,La nueva comunidad. Sígueme, Salamanca 1970.

Migne, Jacques Paul (1800-1875)

O nome de Migne está vinculado à edição deduas grandes coleções de textos cristãos, assimcomo à publicação de dicionários. Das coleçõesde textos e obras resta-nos o sua monumentalPatrologia Latina (PL), um conjunto de escrito-res eclesiásticos latinos que chegou até InocêncioIII no século XIII. Consta de 221 volumes, publi-cados entre 1844 e 1864. Junto a esta se coloca aPatrologia Graeca (PG), de escritores gregos, quecobre o período que vai do século I até 1439.Consta de 162 volumes e foi publicada entre 1857e 1866.

Tais coleções ainda são imprescindíveis paraa leitura e o estudo da literatura e de textos cris-tãos. Apesar do surgimento de outras coleçõesmais críticas das fontes cristãs, as coleções de

Migne, Jacques Paul

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Migne continuam sendo mencionadas com pre-ferência.

Míguez Bonino, José (1924-)

*Libertação, Teólogos da.

Milcíades (+314)

*Apologistas.

Milenarismo

Sonho de uma felicidade terrena, mil vezescombatida e mil vezes renascida, o milenarismoalimenta-se de um texto do Apocalipse (20,2-15),no qual o evangelista *João narra a visão de umreino que durará mil anos, durante o qual Satanásserá acorrentado e os justos, que sofreram perse-guição e martírio, ressuscitarão para reinar comCristo. “Ditosos e santos, escreve João, os quetenham parte nesta primeira ressurreição” (v. 6).Será, de fato, a primeira ressurreição e a penúlti-ma fase da história do mundo.

Depois desse período de mil anos, Satanás serásolto novamente e seduzirá as nações, mas o seudomínio não será mais do que passageiro, porqueserá devorado por um fogo do céu; o mesmo acon-tecerá com todos os seus partidários. Os justos,no entanto, e todos os mortos conhecerão a res-surreição. Um juízo geral marcará o fim do mun-do e a inauguração de “um novo céu e uma novaterra”.

Essa crença num millenium — período de milanos, chamado também quiliasmo, do gregokhilioi, mil — conheceu um êxito verdadeiramen-te surpreendente desde os primeiros séculos docristianismo. De fato, a vinda de Cristo não tinhacumulado todas as esperanças; sua vida acabarana vergonha e na dispersão de seus discípulos. Aesperança da realização completa de seu reino —“mil anos” poderia ser interpretada ao pé da letraou poderia ser interpretada simbolicamente — não

Milenarismo

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seria suprimida, mas demorada. Os crentes quepadeciam as perseguições nela encontravam ummotivo de alento e de perseverança na prova.

Essa mesma crença inventava o sonho domessianismo, isto é, da espera de uma salvaçãopor sua vez coletiva, terrestre, iminente, total esobrenatural, já presente na tradição judaica e queadquiriu um novo esplendor depois da ruína deJerusalém (70 d.C.). Por essa razão, uma série deautores cristãos dos três primeiros séculos deixa-ram-se seduzir por essa ilusão, enquanto que São*Jerônimo e Santo *Agostinho dedicam-se a com-bater tal interpretação do *Apocalipse conformeo sentido literal.

Contudo, o movimento milenarista não mor-re. Vemo-lo renascer na Idade Média com *Joa-quim de Fiore, e o movimento ao qual dá seunome, o joaquinismo. Hoje mesmo aparece comtoda pujança ao abrigo das correntes milenaristas— mórmons, adventistas, testemunhas de Jeová,darbistas — e mil outros movimentos e seitas.Esses movimentos milenaristas jogam com o de-senvolvimento dos crentes e dos não-crentes fren-te às desgraças e às injustiças de nossa socieda-de. Junto a estes também devemos colocar a lite-ratura atual pseudognóstica e apócrifa(*Gnósticos, *Apócrifos), destinada ao consumoda curiosidade e da demanda de leitores cada diamais preocupados com o sobrenatural.

Devemos dizer, para concluir, que essa cor-rente não se justifica nem do ponto de vista daBíblia nem da teologia. Nenhuma palavra de Cris-to faz alusão a período algum de mil anos nem auma ressurreição parcial dos justos. Sua vinda nofinal dos tempos coincide com o juízo definitivoe universal (Jo 5,28-29). E embora o milenarismonão tenha sido rechaçado de uma maneira explí-cita por parte da Igreja, não se coaduna com a fécristã, que acredita na vinda de Cristo nos finaisdos tempos. Não se pode admitir uma terceiravolta provisional que, por outra parte, resulta su-pérflua. Da mesma maneira, não se coaduna coma doutrina cristã esse mundo imaginário criado

Milenarismo

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pela literatura milenarista, embora proposto porautores literários de fama mundial ou seus livrosse transformem em “best-sellers”. Seu êxito estámais vinculado ao sensacionalismo dos leitoresou espectadores do que à verdade da doutrina.

Como se entendem os “mil anos” de que falao Apocalipse? O Apocalipse é uma mensagem deesperança para os cristãos do século I, vítimas dasperseguições, e para os crentes de todas as épo-cas. Com sua ressurreição, Cristo já inaugurou oseu Reino. Nesse Reino, seus discípulos perse-guidos encontram força, vida e alento para supe-rar toda prova. A luta dos cristãos realiza-se entreas forças do bem e do mal. A esperança da vitóriafinal do bem sobre o mal apóia-se na vitória deCristo sobre a morte e o pecado. Essa esperançao conduz ao Reino último e definitivo com Cris-to, depois da segunda vinda. O Apocalipse que,por seu gênero literário, é construído de imagense símbolos, deve ser lido por cima e para alémdestes a fim de poder captar o sentido profundodo texto.

BIBLIOGRAFIA: F. J. Nocke, Escatología. Herder,Barcelona 1984; José L. Ruiz de la Peña, La otra dimensión.Sal Terrae, Santander 1986; J. B. Libânio-M. C. L. Bingemer,Escatología cristiana. EP, Madrid 1985; J. Moltmann,Teología de la esperanza. Sígueme, Salamanca 1969.

Militão de Sardes (séc. II-III)

*Apologistas.

Minúcio, Félix (c. 170)

*Apologistas.

Miret Magdalena, Enrique

*Literatura atual e cristianismo.

Modernismo

*Loisy; *Teologia atual, Panorama da.

Modernismo

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Mogila, Pedro (1597-1646)

*Catecismo.

Molina, Luís de (1535-1600)

Jesuíta espanhol nascido em Cuenca. Criadordo sistema teológico conhecido como“molinismo”. Entrou na Companhia de Jesus emCoimbra, onde ensinou filosofia e teologia (1553-1562). Nesta mesma universidade e na de Évora,ensinou teologia de 1563 a 1583.

Três obras fundamentais saíram de sua pena:Concordia liberi arbitrii cum gratiae donis (1588-1589), sem dúvida a obra principal e mais conhe-cida de Molina. Seguiram-lhe os Comentários àPrimeira parte de Santo Tomás (1592). E final-mente seu tratado De iure et iustitia (Sobre a lei ea justiça), 6 vols., publicados de 1593 a 1609,alguns depois de sua morte.

O molinismo suscitou uma grande polêmicanos séculos XVI-XVIII, em toda a Igreja, parti-cularmente entre dominicanos e jesuítas. Boa par-te dos melhores teólogos estiveram enredadosnuma luta estéril e paralisadora. De nada servi-ram as reuniões de ambos os grupos em Roma(1598-1607) para pacificar e aquietar os ânimos.

O molinismo situa-se no ponto médio entre apremoção física (dominicanos) e a tese extremaagostiniana. Segundo Molina, não se pode con-siderar o livre-arbítrio como algo físico e intrin-secamente determinado. A criatura física nãoé inteiramente determinada para o bem ou parao mal, mas pode, em último palavra, decidir seexerce ou não a correspondente faculdade de de-cisão. Segundo Molina, Deus exerce uma açãosobre a liberdade humana através do “concursosimultâneo”, o qual afeta à própria constituiçãodo livre-arbítrio e ainda a seus movimentos, masnão a sua “indiferença”. Deus conhece o que faráo homem, justamente porque sabe o que podefazer em todos os mundos possíveis em que estácolocado. Segundo o tomismo, essa solução não

Mogila, Pedro

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satisfaz nem os direitos da criatura nem osde Deus.

“Quanto à moral e ao direito, Molina é dosautores mais importantes de sua época. Por suacontribuição com os problemas da guerra, do di-reito das pessoas e das relações entre a Igreja e oEstado, pode ser contado entre os fundadores dodireito internacional” (Diccionario de filósofos).

BIBLIOGRAFIA: Estudios sobre L. de Molina, em V.Muñoz, Zumel y el molinismo, 1953.

Molinismo (séc. XVI-XVII)

*Molina, Luís de.

Molinos, Miguel de (1628-1696)

A pessoa e a obra de Miguel de Molinos vêmsendo conhecidas paulatina, porém progressiva-mente, ao longo deste século. Sua obra, que teveuma enorme influência antes de ser proibida peloSanto Ofício (1688), caiu no esquecimento prati-camente até nossos dias.

Esse original aragonês nasceu em Muniesa(Saragoça). Depois de realizados seus estudos nocolégio de São Paulo dos jesuítas, ordenou-sepresbítero e foi enviado a Roma na qualidade deprocurador da causa de beatificação do padreRojas (1665). Na cidade santa, passou praticamen-te o restante de seus dias até a sua morte no cár-cere da Inquisição.

A direção espiritual a pessoas particulares, agrupos de leigos e religiosos é a atividade funda-mental deste sacerdote em Roma, atividade querealizou de viva voz, no contato direto de alma aalma, através de cartas, e posteriormente atravésdos livros. Fruto desta atividade são suas inume-ráveis cartas — no processo contra ele foram exa-minadas mais de 20.000 — e suas obras escritas.Em 1675 publicou em Roma o Guia espiritualque livra a alma e a conduz pelo caminho interi-or para alcançar a perfeita contemplação e o rico

Molinos, Miguel de

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tesouro da paz interior. Nesse mesmo ano publi-cou o Breve tratado da comunhão cotidiana. Eno ano seguinte (1676), Cartas a um cavaleiroespanhol para animá-lo a fazer oração mental,oferecendo-lhe modos para exercitá-la. É enor-me a popularidade e a influência que desde essemomento adquiriu Molinos. De 1676 a 1782 sur-giram as polêmicas em torno do *quietismo. Em1678 apareceu a primeira refutação do Guia porBell’Huomo e, em 1680, a Concórdia de Segnericontra Molinos. Instâncias maiores como a docardeal César de Estrées denunciaram o Guia di-ante da Inquisição. Em 1585, quando se encon-trava no auge da popularidade e da influência, esendo papa o seu amigo Inocêncio XI, Molinosfoi preso. Acusaram-no de difundir o quietismoem círculos secretos, de defender a licitude dosatos carnais — “o espiritual não peca” — e deinduzir a desprezar os crucifixos e os demais sím-bolos religiosos. Molinos reconheceu a segundaacusação, confessando atos sexuais próprios ealheios. Nesse mesmo ano começou o processocontra Molinos, em que foi acusado de heresia.Pronunciaram-se mais de 70 testemunhas e fo-ram encarceradas na Itália (1686) mais de 200pessoas acusadas de quietismo. Em 1687, encer-rou-se o processo, sendo Molinos condenado àprisão perpétua. Veio em seguida a abjuração so-lene de Molinos, que se viu condenado a não seconfessar mais do que quatro vezes por ano, arezar diariamente o Credo e uma parte do rosá-rio, e a usar continuamente um hábito de peniten-te. Em 1688, Inocêncio XI condenou o molinismona bula Coelestis Pastor, coletando as 68 propo-sições que resumiram a acusação contra Molinos.Depois de nove anos de cárcere, Molinos mor-reu, prisioneiro da Inquisição. O sumário de seuprocesso está na Biblioteca Vallicelliana, e suascartas nos arquivos da Congregação para a Dou-trina da Fé.

— Pode-se resumir a doutrina de Molinos?Num esquema muito breve, podemos fazê-lo nosseguintes pontos: a) A perfeição consiste na com-pleta aniquilação de si mesmo. b) A isto se chega

Molinos, Miguel de

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pela contemplação passiva, na qual a alma podeperseverar por tempo indefinido, estando total-mente passiva e renunciando a toda atividade pró-pria e natural. c) Neste estado consegue-se umaindiferença total e não há que se preocupar comatos exteriores de ascética. d) Como conseqüên-cia, a parte superior, unida a Deus na contempla-ção, não é responsável por tudo o que ocorre naparte inferior. e) O espiritual não peca; os peca-dos da carne são permitidos passivamente paraaprofundar mais na quietude de Deus.

— “São *João da Cruz e Molinos parecem tertomado por modelo de sua experiência mística asexperiências terrenas do amor e da fome... ParaSão João da Cruz, o tempo da vida terrena tem aforma de tormento de amor, de sofrimento da se-paração e de sofrimento do não poder amar cadavez mais, até atingir a medida infinita do amor.Para Molinos, o tormento de estar separado deDeus apresenta-se como fidelidade total ao obje-to eterno e desprezo absoluto pela existênciaterrena” (S. González-Noriega).

BIBLIOGRAFIA: M. Marcelino Menéndez y Pelayo,Historia de los heterodoxos españoles, II (BAC); H. Hatzfeld,Estudios literarios sobre mística española. Gredos, Madrid1968; J.-R. Armogathe, Le quietisme. Paris 1973; Guía es-piritual. Ed. de S. Sánchez Noriega, EN, 1977.

Moltmann, Jürgen (1926-)

Nasceu em Hamburgo e, de 1945-1948, este-ve prisioneiro dos aliados na Bélgica e na Ingla-terra. Esses anos de prisão levaram-no a refletirsobre o sentido da vocação cristã. A partir de 1952,atuou como pastor da Igreja Luterana. Desde1967, foi professor de teologia sistemática naUniversidade de Tubinga.

Moltmann é um escritor prolífico, centradointegralmente em “olhar a teologia sob um pontode vista particular: a esperança. É uma contribui-ção sistemática à teologia, na qual considera ocontexto e a correlação que os diferentes concei-tos têm no campo da teologia”.

Moltmann, Jürgen

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Suas principais obras são: Teologia da espe-rança (1964), que o torna conhecido como umdos grandes teólogos de hoje na linha de *Barth ede *Bultmann. Nela confirma a importância quea escatologia tem na doutrina do Novo Testamen-to; a escatologia, não como crença em fatos con-cretos que devem acontecer nos finais dos tem-pos, mas como fator que modela toda a teologiacristã. Tal perspectiva escatológica do cristianis-mo é interpretada como promessa, como plata-forma para a futura esperança. É base para umatransformação antecipada do mundo da nova ter-ra prometida. A meta da missão cristã não é sim-plesmente uma salvação individual, pessoal, nemsequer espiritual; é a realização da esperança dajustiça, da socialização de toda a humanidade eda paz do mundo. Esse outro aspecto de recon-ciliação com Deus pela realização da justiçafoi descuidado pela Igreja. A Igreja deve traba-lhar por essa realização, baseada na esperançafutura.

O Crucificado (1972) expõe a doutrina deDeus a partir da perspectiva da cruz. O Deus cris-tão é um Deus que sofre de amor. Não é um sofri-mento imposto de fora — pois Deus é imutável—, mas um sofrimento de amor, ativo. É um so-frimento aceito, um sofrimento de amor, livre, li-gado ao Deus sofredor de Auschwitz e do exter-mínio judeu. A esse livro deve-se acrescentar AIgreja no poder do Espírito (1975). Neste estudaa atividade reconciliadora de Deus no mundo,vista sob a perspectiva da Ressurreição, da Cruze de Pentecostes. “A Igreja — diz Moltmann —deve estar aberta a Deus, aos homens, e aberta aofuturo tanto de Deus quanto dos homens. Isso pededa Igreja não uma simples adaptação às rápidasmudanças sociais, mas uma renovação interiorpelo Espírito de Cristo e a força do mundo futu-ro.” Isso faz com que a Igreja tenha de ser Igrejade Jesus Cristo e Igreja missionária. Deve ser tam-bém uma Igreja ecumênica, que quebre as barrei-ras entre as Igrejas. E deve ser também política: adimensão política — agrade ou não — sempreexistiu nela. A *Teologia da Libertação ensina a

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Igreja a tomar partido pelos pobres e humilhadosdeste mundo.

Finalmente, em A Trindade e o reino de Deus(1980) estuda o mistério da Trindade de Deus fa-zendo “uma história trinitária”. Examina a pai-xão de Cristo e vê, no abandono de Cristo na cruzpor Deus, o centro da fé cristã. “Deus é abando-nado por Deus.” Apóia a sua doutrina social na“Doutrina Trinitária do Reino”, baseada nas idéi-as de *Joaquim de Fiore, elaborando assim uma“Doutrina Trinitária da Liberdade”.

A obra de Moltmann pressupõe umarevitalização e um aprofundamento da teologiacristã.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Teología de la esperanza.Sígueme, Salamanca 1969; Esperanza y planificación delfuturo. Sígueme, Salamanca 1971; La Iglesia, fuerza delEspíritu. Sígueme, Salamanca 1978.

Monaquismo, Textos e autores do(séc. III-V)

Interpreta-se o monaquismo como uma cria-ção do Egito cristão. Aqui teve seu berço e seuesplendor, embora se estendesse, mais tarde, aoutras regiões. A tradição relaciona sua origemcom a perseguição de Décio (próximo a 250),quando muitos cristãos fugiram das regiões po-voadas do Egito para os desertos, onde permane-ceram por algum tempo. Outros lá se estabelece-ram de forma permanente, dando lugar assim àvida dos ermitães. Duas características destacam-se na origem do monaquismo: o clima ideal paraesse gênero de vida próprio da terra do Egito, e ocaráter camponês ou rural dos primeiros ere-mitas.

Destacou-se, com efeito, que seus fundadoresnão foram filósofos, nem homens contaminadospelas idéias gregas; foram pessoas não cultas, quequiseram viver seu cristianismo em toda a suaradicalidade. Posteriormente, fugiram para o de-serto diante do perigo de secularização que a Igre-ja corria depois de seu reconhecimento pelo Es-

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tado. Combateu-se a difusão da mundanidade,fugindo do mundo. Esse monaquismo de primei-ra hora opôs-se ao saber e à literatura, mas à me-dida que passaram os anos, sua estima pela edu-cação e pelo saber foi crescendo lenta mas cons-tantemente. O monaquismo também foi evoluin-do em direção a diferentes formas. A mais antigaé o anacoretismo ou vida eremítica, isto é, emsolidão; a mais recente, o cenobitismo, oumonaquismo propriamente dito.

A partir do século IV, apareceu uma nova lite-ratura cristã criada por ermitães e monges. Essenovo gênero literário era composto de regrasmonásticas, tratados ascéticos, coleções de sen-tenças espirituais dos padres do deserto, escritoshagiográficos e edificantes, sermões e cartas. Dostrabalhos que refletiam somente os ideais da vidaespiritual, passaram a compor ensaios de históriae teologia. Outros se transformaram em centroseminentes da ciência sagrada. Para a reconstru-ção desse período do monaquismo, contamos comA história lausíaca de Paládio e a História dosmonges do Egito, além dos dados que nos pro-porcionam as Histórias eclesiásticas de Sócratese Sozomenes.

Entre os textos e autores do monasquismo,contamos com uma abundante e seleta literatura.O primeiro é *Antão Abade, criador domonaquismo. Antão — segundo Santo *Ataná-sio, seu biógrafo — era um homem de “sabedo-ria divina”, cheio de “graça e de cortesia”, embo-ra jamais tenha aprendido a ler ou escrever. Nãoobstante isto, conservamos suas Cartas e Sermõese uma Regra chamada de Santo Antão, que não éautêntica. Parece ser uma compilação feita pordois ou mais autores, que lhe deram sua formaatual. Os Sermões também não parecem autênti-cos, “embora incendiasse com contínuos sermõeso zelo dos que já eram monges e, quanto aos de-mais, incitava a maioria a amar a vida ascética”.

Pacômio foi o organizador da vida cenobíticano sul do Egito. Convertido à fé aos 20 anos, ini-ciou seu primeiro mosteiro de vida comum na

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Tebaida, à margem direita do Nilo (próximo doano 320). Morreu em 346. Pacômio deixou-nos,fundamentalmente, sua Regra, que teve uma in-fluência extraordinária em toda a legislação pos-terior da vida monástica. Há edições em copta egrego. São *Jerônimo traduziu-a para o latim, epor esta edição foi conhecida no Ocidente. Cons-ta de 192 seções, geralmente curtas, que tratam,com todos os detalhes, das condições da vidamonástica. Muitas se referem ao trabalho manu-al. Em sua maioria, os monges dedicavam-se atarefas agrícolas; outros exerciam um oficio, mastodo o trabalho manual era considerado serviçodivino. Uma das regras dispunha que a todos osmonges lhes determinassem um trabalho em pro-porção a suas forças. Há duas orações em comum,a da manhã e a da noite. Não se admite ninguémque não saiba ler e escrever, e o noviço deveriaaprender ambas as coisas antes de ser admitido.Mas a originalidade e o valor da regra de Pacômioapóia-se, especialmente, em ter dado uma baseeconômica e espiritual à vida comum. Esta des-cansa nas virtudes monástica de obediência, cas-tidade e pobreza, praticadas sem nenhum voto.

Nesta literatura monástica não se pode deixarde lembrar autores tão importantes e influentesna vida monástica e na espiritualidade posteriorcomo Teodoro (+368); *Macário, o Egípcio (300-390), chamado também o Velho ou o Grande, queescreveu as Homilias espirituais, Cartas e prin-cipalmente a conhecida como Grande Carta, eoutros sete Tratados. Seguiu-lhe o seu homôni-mo, Macário, o Alexandrino, que morreu no ano394, quase centenário.

É obrigatório mencionar aqui *EvágrioPôntico (345-399), “habilidoso nas discussõescontra as heresias”, que quando viu sua almaameaçada por perigos e sua virtude por tentações,retirou-se para o deserto do Egito (382). “Ganha-va seu sustento escrevendo, pois escrevia oscaracteres Oxyrhynchus de forma excelente”.Escreveu muitas e extensas obras e foi o funda-dor do misticismo monástico e o escritor espiri-tual mais fecundo e interessante do deserto egíp-

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cio. Seu misticismo baseia-se em *Orígenes, dequem também tomou os erros. Expôs sua doutri-na em forma de aforismos, imitando, desta for-ma, a literatura gnômica dos filósofos. De suasobras destacamos o Antirrhetikos, “textos seletosda Escritura contra os espíritos tentadores”. Sãoos espíritos que atacam o monge: demônios dagula, do adultério, da avareza, do desalento, dairritabilidade, do fastio, da preguiça, da arrogân-cia etc. Monachikos — O Monge —, um livro de100 sentenças organizado por capítulos. E paraos eruditos e estudiosos, Espelho de monges emonjas, que consta de 50 sentenças. E outroscomo Sobre a oração, Sobre os maus pensamen-tos. E numerosas Cartas.

Terminamos considerando Paládio comoimprescíndivel por sua História lausíaca para oconhecimento do monaquismo. No ano 388 foipara o Egito, onde se relacionou com os monges.Viveu com Macário e Evágrio. Descreveu o mo-vimento monástico do Egito, da Palestina, da Síriae da Ásia Menor no séc. IV. É, pois, uma fonteextremamente importante para a história domonaquismo antigo. Fecham essas notas sobre omonaquismo as Cartas de Isidoro de Pelúsio(+435), “sacerdote, correto na fé, cheio de sabe-doria e de conhecimento bíblico”. Sua correspon-dência revela uma personalidade extraordinária,com educação clássica e uma excelente forma-ção teológica. Suas cartas ultrapassam as 2.000(*Sentenças dos Padres; *Cassiano).

BIBLIOGRAFIA: G. M. Colombás. El monacato pri-mitivo (BAC), 2 vols., La Regla de San Benito (BAC); R.Molina, San Benito, fundador de Europa.

Monte Athos

*Hesiquia.

Moral casuística

*Instituições morais; *Ligório, Santo AfonsoMª de.

Monte Athos

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Moral para confessores

*Antonino, Santo.

Morton, Robinson (1900-)

*Literatura atual e cristianismo.

Morus, Santo Tomás (1478-1535)

Lorde chanceler da Inglaterra de 1529 a 1532.Enfrentou Henrique VIII em razão de seu divór-cio, renunciando ao cargo de chanceler. Em 1534,negou-se a aceitar a ata de Supremacia do pró-prio rei como cabeça da Igreja da Inglaterra. Issolhe custou o confinamento na Torre de Londres.Depois de 15 anos de cárcere, foi julgado e con-denado pela traição de ter-se oposto à ata de Su-premacia. Foi decapitado em 1535. Hoje é umdos santos canonizados pela Igreja católica.

Tão apaixonante quanto sua biografia políticaé sua trajetória como escritor e humanista. Trans-formou sua casa em Chelsea (Londres) num cen-tro de vida intelectual: *Erasmo, J. Colet, W.Grocyn, Luis *Vives, Hans Holbein e outros de-ram testemunho de sua grande humanidade, dei-xando-nos a imagem de “a man for all seasons”.Morus, de fato, encarna o perfeito humanista cris-tão em sua vida e em suas obras. Sua vinculaçãoao que mais tarde se chamou de “humanismo cris-tão” fez dele um clássico, junto a seus dois ami-gos — Erasmo e L. Vives —, desta corrente depensamento.

— A fama de sua primeira obra, Utopia (1516-1517), obra de entusiasmo e de juventude a ser-viço de uma nova pedagogia, inspirada no Elo-gio da loucura de Erasmo, obscureceu o restantede sua obra. De fato, Morus apenas é conhecidocomo teólogo que enfrentou a Tyndale e Luteroem suas obras de polêmica escriturística teológi-ca. Também não são conhecidos os seus livros efolhetins de meditação e doutrina espiritual. Des-de a Torre, suas cartas são modelo de uma litera-

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tura cristã de aceitação da vida e da morte comuma integridade única e superior. Nunca ohumanismo cristão esteve tão alto! Hoje, vale apena ler e meditar As quatro últimas coisas (1522);A ceia do Senhor (1533); O diálogo do consolo(1534); Meditações e orações (1535).

— A Utopia de Morus é um livro de significa-do muito profundo. Trata de precisar as atitudesfundamentais do humanismo frente ao mundo,considerado do ponto de vista civil. Não é somenteuma indagação da sociedade política, mas umaanálise da ótima constituição do Estado capaz degarantir a liberdade total do homem. “Os princí-pios dessa república olham em especial esta meta:subtrair a todos à sujeição do corpo e levá-los àliberdade da cultura e do espírito, enquanto o con-sentirem as necessidades públicas. Aqui está, pen-sam os ‘utopianos’, a verdadeira felicidade davida”.

— No plano social, propõe a abolição dapropriedade privada, causa de todos os malesde que padece a sociedade inglesa em que vive.A raiz do mal está, portanto, na organização dasociedade e não na maldade da natureza humana:a instituição típica de uma sociedade, que con-sente ao rico despojar e maltratar o pobre, é a pro-priedade privada; por conseguinte, deve-se abo-li-la. Como contrapartida a tal princípio, esboça-se na segunda parte de Utopia: a) Uma comuni-dade de bens, baseada na igualdade de oportuni-dades para todos os cidadãos. b) O trabalho —seis horas diárias — é o tributo que todo cidadãodeve pagar à comunidade para que esta consiga obem-estar comum. c) Supressão do dinheiro e dosmetais preciosos como desnecessários, já que asociedade decide e facilita tudo o que os cida-dãos necessitam. d) Alimento, vestimenta, casa,serviços educacionais e sanitários para todos fa-zem da Utopia a sociedade do bem-estar, aEutopia.

— No plano moral, a Utopia moreana ofere-ce grandes contrastes com a moral de seu tempo:a) Apóia decididamente uma política de paz como

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um bem em si mesmo, e à qual deve subordinartoda outra política. b) Organização democráticada sociedade em que todos os cargos se fazemcom justiça e por eleição dos delegados do povo.c) Sociedade baseada na célula do matrimôniomonogâmico — permite-se o divórcio por cau-sas graves — e na família patriarcal e tribal. d)Aceitação do princípio epicúreo do prazer-felici-dade. Em tudo o homem deve procurar o prazer ea felicidade e repudiar a dor. e) Pela primeira vez,aborda o cuidado dos anciãos, a eutanásia, o ce-libato dos sacerdotes, a criação e o fomento daguerrilha com dinheiro do Estado, a formação dascolônias e o cultivo de terras, o problema dos con-selheiros e conselhos de reis, dos advogados, dosclérigos, dos desempregados etc.

— No plano religioso — desde a simplesracionalidade —, a Utopia propõe: a) Uma reli-gião baseada num só Deus, princípio e fim detudo, criador e mantenedor de todas as coisas. b)Aceitação do cristianismo como forma superiorde religião, embora defenda a liberdade de religi-ões ou credos. c) O Estado não pode impor pelaforça, e contra os indivíduos, uma religião parti-cular, nem mesmo o cristianismo. Condena-setodo tipo de proselitismo fanático. d) A religiãotoma parte da entranha e da natureza do homem,de forma que quem não reconhece Deus não podeser um bom cidadão e não pode exercer cargospúblicos. e) A contemplação da natureza leva aoreconhecimento de um ser superior, Deus, querecebe diversos nomes segundo os povos.

— Dificilmente se pode medir a influência deMorus desde a sociedade de seu tempo até nos-sos dias.

BIBLIOGRAFIA: Obras: The Yale Edition of CompleteWorks of St. Thomas More. Editadas por Louis L. Martz eRichard S. Sylvester. Nova York e Londres 1963s., 16 vols.;E. F. Rogers, The correspondence of Sir Thomas More. Edi-ção crítica. Princeton University Press, 1947; A. Prévost,L’Utopie de Thomas More. Présentation, texte original,apparat critique, éxegèse, traduction et notes. Paris 1978;Un hombre solo (Cartas desde la torre); Diálogo de la forta-leza contra la tribulación; La agonía de Cristo. Rialp;

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Utopía. Edição completa tomada do original de 1518. Ver-são de Pedro R. Santidrián. Alianza Editorial, Madrid 1984;A. Vázquez Prada, Sir Tomás Moro, Lord Canciller de In-glaterra. Rialp, Madrid 51990.

Mounier, Emmanuel (1905-1950)

Nascido em Grenoble, estudou filosofia, pri-meiro em sua cidade natal e depois em Paris. So-freu a influência de escritores e de pensadorescomo Péguy (1873-1914) e do filósofo russo N.*Berdiaev. Alternou a docência da filosofia eminstitutos com a revista “Esprit”, que dirigiu até1941, quando foi suprimida pelo governo deVichy. Foi membro ativo da resistência francesadurante a ocupação alemã, passando vários me-ses na prisão. Depois da guerra, Mounier reavivou“Esprit” como órgão do personalismo.

“Mounier pode ser qualificado como ‘revolu-cionário cristão’, oposto a toda despersonalizaçãoe inimigo acirrado, tanto do conservadorismo re-acionário e falsamente tradicionalista, quanto dopseudo-revolucionarismo fascista. Filosoficamen-te, Mounier é apresentado como um dos princi-pais e mais ativos representantes do personalismocristão na França” (Ferrater Mora, Diccionariode filosofía). O órgão dessa filosofia personalistafoi “Esprit”, fundada e dirigida por ele.

O personalismo é — segundo Mounier —“uma reafirmação que o homem faz de si mesmocontra a tirania da natureza, representada no pla-no intelectual pelo materialismo... É a reafirmaçãoque a pessoa faz de sua própria liberdade criativacontra qualquer totalitarismo que queira reduziro ser humano a uma simples célula no organismosocial, ou pretenda identificá-lo exclusivamentecom sua função econômica... A primeira condi-ção do personalismo é a descentralização do ho-mem: que ele possa dar-se aos demais e estar àdisposição deles. A pessoa existe somente numarelação social, como membro do ‘nós’. Somentecomo membro de uma comunidade de pessoas ohomem tem vocação moral”. É aqui que Mounieralcança o conceito cristão de pessoa como “pró-

Mounier, Emmanuel

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ximo”, constituída pelo ato, presença e entregaaos demais.

Em seu Manifesto do personalismo (1936)chega a esta definição: “Uma pessoa é um serespiritual constituído como tal, como modo desubsistência e de independência no ser; que man-tém essa subsistência mediante sua adesão a umahierarquia de valores livremente adotados, assi-milados e vividos com uma auto-entrega respon-sável e uma constante conversão; que unifica as-sim toda a sua atividade na liberdade e, mais ain-da, desenvolve mediante atos criadores sua únicavocação própria”. Naturalmente, essepersonalismo é o que pede que repensemos nos-sas estruturas sociais e políticas para tratar de al-cançar o desenvolvimento de um socialismo per-sonalizado. Sua fé cristã está sempre presente paraque esse personalismo não seja apanhado nem poruma sociedade burguesa, capitalista e fechada,nem por um marxismo materialista.

Mounier é um exemplo de lutador, de que suasconvicções filosóficas tinham de expressar-se naesfera da ação. Aberto como estava ao mundo,“muito provavelmente se simpatizaria com as ten-tativas de estabelecer um diálogo entre cristãos emarxistas sobre os temas do homem e dohumanismo” (F. Copleston, Historia de lafilosofía, 9, 299-305).

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes, 1931-1963, 4vols.; Obras. Trad. espanhola, 1974 e ss.; EmmanuelMounier, a los 25 años de su muerte, 1975 (colaboração).

Morte de Deus

*Nietzsche.

Mosteiro de Santa Catarina (Sinai)

*Hesiquia; *Codex Sinaiticus.

Mosteiro de Santa Catarina

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Neo-escolásticos (séc. XIX)

Atentos ao desenvolvimento do pensamentocristão ao longo da história, seguimos sua evolu-ção apresentando as *Escolas teológicas, as *Es-colas e universidades da Idade Média e Moderna.Em consonância com isto, demos os nomes da-queles autores que melhor as representam. Sãoos chamados mestres da escolástica cristã, tantodo período medieval (séc. IX-XIV) quanto daescolástica tardia ou espanhola do barroco (séc.XVI-XVII).

Ficaria incompleta a nossa visão se não apre-sentássemos o desenvolvimento do pensamentoescolástico cristão em nossos dias. Esse pensa-mento recebe o nome de neo-escolástica. Desig-na o movimento filosófico-teológico contempo-râneo “que aspira a restaurar os modelos de pen-samento medieval, confrontando as teses centraisdos mesmos com as filosofias modernas”. Inicia-se na segunda metade do séc. XIX e chega aténossos dias.

Os traços estruturais desse movimento neo-escolástico poderiam ser os seguintes: aceita-ção e repetição de uma tradição herdada; fide-lidade ao método dos grandes mestres da escola;tratamento de uma temática herdada dos clás-sicos e reelaborada em confrontação com mode-los de pensamento moderno, junto a uma atitudeexcessivamente apologética quando se trata defundamentar os próprios pressupostos funda-mentais.

Não obstante, cabe assinalar os sérios esfor-ços de renovação que, tanto na filosofia quantona teologia neo-escolástica, se deram, como odemonstram os autores que oferecemos em di-

NNeo-escolásticos

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versos artigos deste dicionário. Deve-se levar emconta que a neo-escolástica teve de lutar não ape-nas com as correntes da filosofia kantiana epositivista-materialista do tempo, mas tambémcom outras tendências católicas ecléticas como osemi-racionalismo alemão, o tradicionalismo fran-cês e o ontologismo italiano.

Dentro da neo-escolástica, distinguem-se di-versas tendências. Surgida do impulso de *LeãoXIII em sua encíclica Aeterni Patris, essa novaescola promoveu o professorado a escolásticosconvictos, e criou novas instituições universitári-as. Na Universidade Gregoriana de Roma surgi-ram, no primeiro terço do século, J. J. Urráburu eL. Billot, entre muitos outros. No Angelicum, tam-bém de Roma, surgiu um número importante defilósofos e teólogos como E. Hugón e R. Garrigou-Lagrange. Em Lovaina, M. Mercier e M. de Wulf.No Sacro Cuore de Milão, A. Gemelli. EmSalamanca, Santiago Ramírez e G. Fraile. E as-sim em outras universidades como Comillas, To-ronto, Nimega, Washington, Dublin, Friburgo daSuíça, Instituto Católico de Paris etc.

Não em todos esses centros se entenderam ese cultivaram da mesma forma a ciência e a filo-sofia. Sob uma orientação eclesiástica e conser-vadora na Itália e na Espanha, vemos os autoresescolásticos centro-europeus em contextos uni-versitários não clericais, abertos a caminhos e amétodos mais amplos. O Instituto Superior deFilosofia da Univesidade de Lovaina, por exem-plo, com Mercier à frente, pratica o estudo histó-rico-crítico dos clássicos da escolástica e ampliaa temática filosófica: psicologia experimental,epistemologia, fenomenologia etc. A neo-escolástica germânica prefere os estudos históri-co-críticos, como se pode ver em *H. Denifle, *M.Grabmann e outros. Na França encontramos umgrupo de pensadores mais independentes e maissintonizados com o pensamento contemporâneo.Servem de exemplo, P. Rousselot, J. Maréchal, oneotomista *J. Maritain e o historiador do perío-do medieval *E. Gilson.

Neo-escolásticos

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Na Espanha são dignos de menção entre osprecursores da neo-escolástica e do neotomismo:Jaime Balmes (1810-1848) e Ceferino González.Balmes representa, em parte, a corrente que con-tribuiu para a reafirmação e florescimento da neo-escolástica, exercendo uma notável influênciasobre o cardeal Mercier e a escola de Lovaina.Balmes contribuiu também com a filosofia polí-tica, especialmente com vistas a situações con-cretas colocadas na Espanha do seu tempo. Tam-bém não se deve menosprezar o trabalhoapologético desenvolvido em sua obra El protes-tantismo comparado con el catolicismo (1842) eCartas a un escético en matéria de religión(1841). A moderação e o bom senso encobrem,às vezes, sua postura conservadora.

BIBLIOGRAFIA: Para a neo-escolástica, verIntroduction a la Philosophie néo-scholastique, 1904;Ferrater Mora, Diccionario de filosofía, Neoescolástica. ParaBalmes: Obras completas. Ed. de P. I. Casanova. Barcelona1925-1927, 33 vols. Reedição na BAC. Madrid 1948-1950,8 vols.; J. Mª García Escudero, Antología política de Balmes(BAC). Madrid, 2 vols.

Nestório (381-450)

Da mesma forma que *Ario, Nestório é im-prescindível no estudo e compreensão das lutascristológicas dos séc. IV-V. Podemos dizer que,tanto ele quanto Ario suscitaram as heresiaspermanentes que provoca, a todo momento e emtoda pessoa, o fato do Deus-homem. Nascido depais persas em Germanícia (Síria), recebeu suaeducação teológica na escola de Antioquia e pro-vavelmente sob a direção de *Teodoro deMopsuéstia. Monge do mosteiro de SantoEuprópio, e depois presbítero da Igreja deAntioquia, adquiriu grande fama de orador. Semdúvida por isso foi elevado, por instância deTeodósio II, à sede de Constantinopla (428). Emseu plano de reforma da cidade, empreendeu umasérie de medidas contra hereges, cismáticos e ju-deus. Atacou os arianos, macedônios enovacianos, porém, muito cedo ele mesmo caiu

Nestório

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sob suspeita por suas violentas disputas e por seucaráter impetuoso.

Seus sermões foram sua arma de combate, jáque transformou sua cristologia em tema favori-to dos mesmos. Sua doutrina pode ser resumidaem dois pontos fundamentais: a) Em Cristo háduas pessoas, uma pessoa divina que é o Logos,que mora numa pessoa humana. Essas duas pes-soas estão completamente separadas, havendoportanto em Cristo dois centros de operação. b)Em conseqüência, não podemos chamarTheotokos, Mãe de Deus, à Virgem Maria. São*Cirilo de Alexandria primeiro, e por último oConcílio de Éfeso (431) — que ele presidiu emnome do papa — depuseram e excomungaramNestório, condenando sua doutrina cristológica,e reconheceram solenemente Maria com o títulode Theotokos.

Nestório “compôs muitíssimos tratados sobrediversas questões”, testemunha Gennadio. De to-dos eles ficaram apenas alguns, pois Teodósio IImandou queimar todos os seus escritos. O únicoque se conserva íntegro é o Bazar de Heráclides,descoberto em 1895. Nele faz a defesa de suadoutrina e narra a sua vida. Ataca duramente asdecisões de Éfeso (*Concílio) e de São *Cirilo.Também nos restam quatro Sermões, dos muitosque proferiu. E dez Cartas autênticas.

Resultado da doutrina e condenação deNestório foi a heresia nestoriana, iniciada na ÁsiaMenor e na Síria, por ocasião do Concílio deÉfeso. Hoje sobrevive na chamada Igrejanestoriana, assentada no Iraque e no Irã.

BIBLIOGRAFIA: Michael Schmaus, Alois Grillmeiere Leo Scheffczyk. Historia de los dogmas, tomo III:Cristología, Soteriología, Eclesiología. Caderno 3º-b:Eclesiología: Escritura y patrística hasta San Agustín (BAC).Enciclopédias.

Newman, John Henry (1801-1890)

J. H. Newman foi educado na “religião da Bí-blia”, que ele mesmo qualifica como o “título

Newman, John Henry

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reconhecido e a melhor definição da religião in-glesa”, que consistia “não em ritos nem dogmas,mas principalmente em ler a Bíblia na Igreja, emfamília e em particular”. Essa influência do“evangelismo” no lar permitiu-lhe memorizar to-talmente a Bíblia. As incidências de sua infânciae suas primeiras experiências religiosas serãomelhor apresentadas ao leitor em sua Apologiapro vita sua (1864). Por outro lado, toda a produ-ção literária de Newman tem um selo pessoal in-confundível. Cada obra faz parte de sua vida eresponde às exigências e problemas que esta ex-põe ou suscita.

Newman esteve vinculado a Oxford, onde foi“fellow” do Oriel College, e mais tarde (1828)vigário de Santa Maria, para terminar aderindoao “movimento de Oxford” e ser seu líder e cabe-ça. É autor de 24 dos Tracts for the times dirigi-dos contra o “papismo e o dissenso”. Neles de-fendia sua tese da “via média”, isto é, a crença deque a Igreja da Inglaterra mantinha uma posiçãointermediária, representada pela posiçãopatrística, frente ao moderno catolicismo roma-no por um lado e ao protestantismo moderno poroutro. No Tract 90 advogava por uma interpreta-ção dos 39 Artigos do anglicanismo num sentidomuito próximo aos decretos do Concílio deTrento. Apesar do silêncio imposto sobre essetema pelas autoridades, começou em 1839 a terdúvidas sobre as reclamações da Igreja da Ingla-terra. Em 1842, deixou Oxford pelo retiro quasemonástico da aldeia de Littlemore. Em 1843 re-nunciou ao vicariato de Santa Maria e, dois anosdepois, 1845, passou a fazer parte da Igreja deRoma. A conversão de Newman ao catolicismofoi precedida de um intenso labor de prédica e deestudo. Assim foram surgindo suas obras Confe-rências sobre a função profética da Igreja (1837),em que desenvolve o tema clássico da doutrinasobre a autoridade na Igreja; os Sermões da uni-versidade (1843), clássicos também por sua teo-ria da crença ou fé religiosa; e seus Simples ser-mões paroquiais (1834-1842), que coletam todasas incidências do movimento de Oxford. Final-

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mente, no último ano como anglicano, escreveuo Ensaio sobre a evolução da doutrina cristã, quepublicou semanas depois de sua conversão aocatolicismo, no dia 9 de outubro de 1845.

Depois de sua conversão, a atividade deNewman teve várias frentes. Os primeiros passosestiveram direcionados para a fundação doOratório que, depois de várias dúvidas, estabele-ceu em Birmingham. Com alguns membros domovimento de Oxford, também convertidos, for-mou uma comunidade de estudo e oração (1848).A conversão ao catolicismo obrigou Newman aolhar para a postura hostil de muitos católicosingleses que desconfiavam dele por suas idéiasliberais, segundo eles, e a da Igreja da Inglaterraque o atacava. Frente aos dois ele lutou sem con-vencer, de momento, a nenhum. Do lado católicoestava Manning, tractariano também como ele edepois arcebispo de Westminster. Manning repre-sentou o “velho catolicismo inglês”, que via comreceio tudo o que dizia ou fazia Newman. Inclu-sive foi tachado de herege diante de Roma porum de seus artigos no “Rambler” sobre a necessi-dade de consultar os seculares em matéria de fé.A mesma suspeita recaiu sobre suas tentativas deformar a universidade católica de Dublin, cujoúnico resultado foram as conferências que deu eque apareceram com o título de Proposta de umauniversidade (1852). Nelas aponta o ideal do “in-telectual católico” aberto à modernidade. Estas eoutras frustrações — como a do processo do ex-dominicano Achilli (1852-1853) — somaram-seaos ataques de Ch. Kingsley sobre o seu ensinomoral. Este, de fato, desafiou Newman a justifi-car a honestidade de sua vida como anglicano. Oresultado foi a história de suas opiniões religio-sas ou Apologia pro vita sua (1864). O impactoque a leitura de sua Apologia produziu nos leito-res, tanto anglicanos quanto católicos, convenceu-os de sua integridade. Voltaram a reconhecê-locomo o que sempre havia sido: o inglês autênticoe cristão sincero, livre em suas convicções. Suavida continuou sempre envolvida em debates. Em1870 expressou sua oposição à definição da in-

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falibilidade do papa, apesar de estar convencidodesta verdade. Era questão de oportunidade dian-te das demais Igrejas. E nesse mesmo ano publi-cou A gramática do assentimento, sem dúvida aobra de maior empenho filosófico. O objetivo dolivro é duplo, segundo o próprio Newman: “Naprimeira parte demonstra que podes crer no quenão podes compreender. Na segunda, que podescrer no que não podes comprovar falando abso-lutamente”. Em 1879, *Leão XIII o fez cardeal.Morreu em 1890, em Birmingham, e está sepul-tado em Rendal, a casa de descanso do Oratório.Pediu que em sua lápide esculpissem as palavras:“Ex umbris et imaginibus ad veritatem”, “Dassombras e imagens até a verdade”.

— A figura de Newman ultrapassa qualqueresquema. Seus retratos mostram um rosto de sen-sibilidade e delicadeza estética: poeta, novelista,escritor, filósofo e teólogo, cheio de força e saga-cidade. Talvez o seu defeito intelectual fosse asua exagerada sutileza; deleitava-se no preciosis-mo do raciocínio, acabando preso nas armadilhasde de sua própria ingenuidade. Tinha o costumede reduzir sua argumentação ao absurdo. Era cons-ciente, não obstante, da limitação da linguagem eda necessidade da parábola e da analogia.

— Sua natureza sensível o fez especialmentedotado para a amizade e o respeito às idéias e sen-timentos alheios. Fez da amizade uma de suastarefas pastorais. Assim o demonstram as vintemil cartas que se conservam das muitas que es-creveu. A própria Apologia é um canto à amizadecom aqueles que foram seus companheiros.

— A obra que nos deixou — grande parte daqual foi recompilada por ele mesmo entre 1868-1881 — pode ser classificada nos seguintes blo-cos: a) Sermões; b) Tratados; c) Obras teológi-cas; d) Obras polêmicas; e) Obras literárias; f)Obras póstumas; g) Correspondência. Ao todo,31 volumes da edição iniciada pelo P. Dessain,em 1981.

Encerramos essas linhas com duas notas queexplicam o significado de Newman para

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anglicanos e para católicos. Tiramos da notanecrológica do “Guardian”, do dia 13 de agostode 1890, dois dias depois de sua morte: “O carde-al Newman morreu. Com ele perdemos não ape-nas um dos maiores mestres de estilo da línguainglesa, um homem de singular pureza e belezade caráter, um exemplo eminente de santidadepessoal, mas perdemos principalmente o funda-dor da Igreja Anglicana, tal como a vemos hoje.Dificilmente podemos adivinhar o que teria sidoa Igreja Anglicana sem o movimento tractariano,e Newman foi a alma viva e o gênio inspiradordo movimento tractariano...”.

“Desde que se escreveram essas palavras —escreve Dessain —, a influência de Newman seexpandiu e penetrou por todos lados na IgrejaCatólica. Isto se tornou mais evidente desde a novaabertura iniciada pelo Papa *João XXIII e conti-nuada no Concílio *Vaticano II, que inclusive foiaclamado como o ‘Concílio de Newman’. Comoo Papa João, gostava de insistir no antigo provér-bio: “In necessariis unitas, in dubiis libertas, inomnibus caritas”... Queria que os católicos saís-sem do gueto e ocupassem seu lugar no mundo,se adaptassem, ampliassem sua capacidade decompreensão com a confiança de que a verdadenunca pode contradizer a verdade... Suas opini-ões sobre a fé, o estudo livre, a Igreja como co-munhão, o lugar do laicato na Igreja e no mundo,valorizam-se positivamente, assim como seu re-torno à fonte da revelação, e seu esforço para pôrem prática o ensino espiritual do NT” (Ch. S.Dessain, Vida y pensamiento del Card. Newman).

BIBLIOGRAFIA: Obras: Apologia pro vita sua (BAC);Sermones católicos; Discursos sobre la fe, Rialp.; Gramáti-ca del asentimiento (Biblioteca de Teologia), Herder; Elsueño de un anciano, Rialp; La idea de la universidad. Epesa,Madrid 1950; Ch. Stephen Dessain, Vida y pensamiento delCardenal Newman. EP, Madrid 1990.

Nicodemos Agiorita (1748-1809)

*Hesiquia.

Nicodemos Agiorita

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Nicole, P. (1625-1695)

*Jansênio.

Niebuhr, Reinhold (1892-1971)

Depois de estudar em Yale, exerceu oapostolado como pastor da Igreja Evangélica deDetroit. A partir de 1928, deu aulas de teologiapastoral no seminário da União Teológica de NovaYork. Até a sua morte em 1971, dedicou-se aoensino na cátedra, em revistas, conferências, as-sembléias e congressos. Sua obra escrita é im-portante por seu sentido pastoral e pela grandeinfluência que exerceu no pensamento religiosoamericano.

Na doutrina de Niebuhr podemos distinguirtrês aspectos fundamentais: o aspecto ou planosocial, o político e o cristão. Esse último é funda-mental e envolve toda a sua atividade.

1. Do ponto de vista social, teve especial sen-sibilidade para as injustiças do capitalismo nor-te-americano. Desmontou as pretensões moraisde Henry Ford com seu famoso salário de cincodólares por dia para os trabalhadores de suas fá-bricas, e fez ver as injustiças e o custo humanoque isso pressupunha para os empregados da Ford.Estas e outras experiências o fizeram ver o enga-noso desse doce ideal moral que se vem identifi-cando com a fé cristã, frente às realidades do po-der de nossa sociedade técnica moderna. Idênticareflexão fez sobre o liberalismo, ao qual oporá amaldade do pecado original, que atua no homem.

2. A preocupação pastoral de Niebuhr dirigiu-se também para a política. A observação e o con-tato direto com a realidade americana permitiram-lhe revisar constantemente suas idéias. De suainocência e otimismo primeiros no liberalismo,que o levaram a acreditar que a ciência e a educa-ção libertariam o homem do pecado, passou aaceitar, através de sua experiência de Detroit, al-guns dos pontos da crítica de *Marx ao liberalis-mo, sem jamais cair no marxismo como tal. Mais

Nicole, P.

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tarde criticou também o marxismo “como a maisprofunda tragédia de nosso tempo”, doença mui-to mais terrível que o liberalismo que pretendiacurar. A crítica ao liberalismo, Niebuhr a expõeem Moral, Man and Immoral Society (1932). “Omal é fruto — diz — tanto dos grupos quanto doegoísmo dos indivíduos. É evidente que os inte-resses coletivos de classe, raça e nação são maisobstinados e persistentes que o egoísmo dos indi-víduos.” Suas observações neste sentido apare-cem como proféticas em nossos dias. “As rela-ções entre os grupos são sempre predominante-mente políticas mais do que éticas, já que estãodeterminadas pela proporção do poder que cadagrupo possui.” E mais à frente: “A justiça se man-terá na sociedade, assegurando uma justa distri-buição do poder entre os diferentes grupos, evi-tando que uns dominem os outros. Um não fácilequilíbrio do poder poderia ser a meta mais alta àqual a sociedade poderia aspirar”. O pensamentopolítico de Niebuhr está exposto em Nature andDestiny of Man (1941-1943), uma série de con-ferências dadas em Edimburgo, em 1939.

3. O compromisso social e político de Niebuhrnasce de sua fé cristã, e nela procura o sentidoúltimo de sua existência. Os vícios ou crueldadeshumanas são conseqüência, ou do esquecimentode Deus, ou da ilegítima apropriação do mesmopara fins egoístas. Como dissemos, Niebuhr nãoé otimista sobre a natureza do homem, já que opecado tem suas raízes profundas nele. Somenteo amor de Deus é capaz de superar e transcenderessa condição pecaminosa do mundo, e por esseamor adquire a liberdade necessária para vinculá-lo ao eterno e vivente amor de Deus. Esse amorde Deus é fundamental, não é contrário à razão,mas faz possível a razão. Suas duas obras maispessoais e pastorais: Intellectual Autobiographye Leaves from the Notebook of a Tamed Cynic(1929), são livros que todos os cristãos e pastoresresponsáveis deveriam ler hoje.

BIBLIOGRAFIA: J. Mª G. Gómez-Heras, Teología pro-testante. Sistema e historia (BAC); Teología en el siglo XX(BAC maior), 3 vols. Para a compreensão da obra de Niebuhr,

Niebuhr, Reinhold

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ver Diccionario de religiones comparadas. Cristiandad,Madrid 1975, 2 vols., com a bibliografia ali destacada.

Nietzsche, Friedrich Wilhelm(1844-1900)

Escritor e filósofo alemão. Cursou seus estu-dos nas Universidades de Bonn e Leipzig, ondese especializou em filologia clássica, entusiasman-do-se com a filosofia de *Schopenhauer e a mú-sica de Wagner. Em 1870 foi nomeado professorde filologia clássica em Basiléia, atividade quedeixou em 1878 por grave enfermidade. O res-tante de seus dias esteve em Sils Maria, na Riviera,e em diversas cidades da Itália e da Alemanha,quase sempre solitário e rodeado, às vezes, de seusescassos amigos e discípulos. Na última décadade sua vida foi vítima de um obscurecimentomental e paralisia, fruto de uma depressão nervo-sa que vinha sofrendo há muitos anos.

No pensamento e atividade de Nietzsche cos-tumam distinguir-se três períodos. O primeiro —que vai desde seus estudos até 1878 — caracteri-za-se por seus primeiros trabalhos de interpreta-ção e crítica da cultura do Ocidente e do cristia-nismo, e pela exaltação e devoção que sente porSchopenhauer e Wagner. Deste período são as suasobras: A origem da tragédia (1872); A filosofiana época trágica dos gregos (1874) e Considera-ções intempestivas (1875-1876). No segundo —a partir da ruptura com Wagner (1878) — mani-festa sua exaltação pela cultura e espírito livres.Está representado por obras como Humano, de-masiado humano (1876-1880); Aurora (1881); Agaia ciência (1882). Finalmente, o terceiro, cha-mado período de Zaratustra ou da vontade de po-der, com obras como Assim falou Zaratustra(1883); Para além do bem e do mal (1889);Genealogia da moral (1887). A essas seguiram-lhe outras bem conhecidas como O anticristo; Oimoralista; A vontade de poder; Ensaio de umatransmutação de todos os valores; O niilismoeuropeu; Os princípios de uma nova escala de

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valores, e os aforismos definitivos sobre o Eter-no retorno.

Apesar desses períodos de seus contrastes econtradições, os críticos encontraram emNietzsche uma unidade de pensamento em toda asua obra. Reduzida a um esquema, poderia ser oseguinte: a) A distinção entre o apolíneo e odionisíaco na cultura grega e em toda a culturaocidental leva-o a uma exaltação de Dionísiocomo “afirmação religiosa da vida total, não re-negada nem fragmentada”. É a exaltação do mun-do tal como ele é, sem diminuição, sem exceçãoe sem eleição: exaltação infinita da vida infinita.b) A inversão dos valores — na qual Nietzschevia a sua missão e o seu destino — aparece emsua obra como uma crítica da moral cristã, redu-zida por ele substancialmente à moral da renún-cia e do ascetismo. A moral cristã é a rebeliãodos inferiores, das classes subjugadas e escravas,contra a casta superior e aristocrática. Seu verda-deiro fundamento é o ressentimento: o ressenti-mento daqueles a quem é proibida a verdadeirareação da ação, e que encontram sua compensa-ção numa vingança imaginária. c) Os fundamen-tos da moral cristã: o desinteresse, a abnegação,o sacrifício são o fruto do ressentimento do ho-mem fraco diante da vida. d) O tipo ideal da mo-ral corrente, o homem bom, existe somente àscustas de uma fundamental mentira: negar a rea-lidade, tal como está feita. O último resultado énegar a vida, não aceitá-la. e) Comocontraposição, Nietzsche exalta tudo o que é ter-reno, corpóreo, anti-espiritual, irracional. “Euensino aos homens uma vontade nova: seguirvoluntariamente o caminho que os homens segui-ram cegamente, aprovar esse caminho e não ten-tar refugiar-se como os doentes e decrépitos” (As-sim falou Zaratustra). Tal é a vontade de viver oude poder: porque a vida é o valor supremo.

Para a conquista da vida e do mundo,Nietzsche propõe o eterno retorno e o super-ho-mem. Porque o “eterno retorno” nada mais é doque o sim que o mundo diz a si próprio, é a auto-

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aceitação do mundo, a vontade cósmica de rea-firmar-se e de ser ela mesma: expressão cósmicadaquele espírito dionisíaco que exalta e bendiz avida. “Esse mundo tem em si uma necessidade,que é sua vontade de reafirmar-se e, por isso, vol-tar eternamente sobre si mesmo.”

E se a fórmula do “eterno retorno” é a fórmu-la central, cósmica, do filosofar de Nietzsche,a do super-homem é a sua palavra final. “O ho-mem deve ser superado — diz Zaratustra —.O super-homem é o sentido e o fim da terra.É a expressão e encarnação da vontade de poder.Portanto, o homem deve ser superado.” O quesignifica que todos os valores da moral corrente— que é moral gregária — devem ser trans-mudados. Para conseguir esse super-homem,deve-se renunciar aos valores constitutivos dacultura ocidental: a filosofia, a metafísica e a éti-ca platônicas, juntamente com a contribuição ju-daico-cristã a ela.

Nietzsche propõe um niilismo absoluto e totalpara a consecução do super-homem. Consiste emfazer tábula rasa de todo pensamento filosóficogrego e cristão. O super-homem exige a morte deDeus, do Deus dos metafísicos, do Deusmonoteísta, do Deus moral das contraposiçõesmetafísicas entre o bem e o mal, mundo real emundo aparente. Somente assim será possível aliberdade, característica do super-homem. Somen-te assim se construirá uma vida e uma moral aci-ma e além do bem e do mal.

Dificilmente se pode dizer, em poucas pa-lavras, o que significou e ainda significa Nietzs-che para o cristianismo. Filósofo da “suspeita”,assim como *Marx e *Freud, “criou uma filoso-fia onde não há um acontecer objetivo, uma ga-rantia estável, onde Deus morreu e onde o ho-mem só pode existir como super-homem”.Nietzsche quis realizar o infinito para o homem eno homem. Transmudou os valores eternos pelosdo mundo.

BIBLIOGRAFIA: Obras em português: O Anticristo;Crepúsculo dos ídolos; A genealogia da moral; A origem da

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tragédia; Assim falava Zaratustra; A minha irmã e eu; Alémdo bem e do mal; Ecce Homo: como cheguei a ser o que soue outras; Eugen Fink, La filosofía de N., 1969; GonzaloSobejano, Nietzsche en España, 1967.

Nil Majkov (1433-1508)

*Hesiquia.

Novaciano (séc. III)

*Hipólito de Roma.

Nuvem do não-saber, A (séc. XIV)

Entre as obras místicas anônimas que chega-ram até nós, duas merecem destaque: A Nuvemdo não-saber e o Livro da orientação particular,ambas atribuídas a um autor místico inglês do séc.XIV, que permaneceu no anonimato. Essas duasobras figuram entre as dos grandes místicos comoo *Pseudo-Dionísio, São *Bernardo, São*Boaventura, Mestre *Eckhart, São *João da Cruzetc.

Sua aparição num dicionário de autores cris-tãos obedece a múltiplas razões. Além da influ-ência exercida por esses livros na espiritualidadede sua época, cabe a nosso tempo ter redescoberto— depois de cinco séculos de esquecimento qua-se total — um autor que parece estar em modanos movimentos de oração e meditação cristã enão cristã no Ocidente. “Neste clima — diz W.Johns —, os que procuram um guia místico nãopodem fazer nada melhor do que se dirigir ao autoranônimo do século XIV de A Nuvem do não-sa-ber.”

“Trata-se de um inglês místico, teólogo e di-retor de almas, que se situa em plena corrente datradição espiritual do Ocidente. Um escritor degrande força e de notável talento literário, quecompôs quatro tratados originais e três traduções”(W. Johnston, Introdução à edição de A Nuvemdo não-saber).

Nuvem do não-saber, A

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Suas duas obras principais e mais conhecidas— como dissemos — são A Nuvem do não-sabere o Livro da orientação particular. SeguindoJohns, analisamos primeiro os pontos de inflexãodo místico, para depois estudar rapidamente es-sas duas obras.

Ambas são tratados eminentemente práticos.Guiam o leitor no caminho da contemplação; nãoensinam uma meditação discursiva. “Todo con-ceito, pensamento e imagem devem ser sepulta-dos sob uma nuvem de esquecimento.” Entretan-to, nosso amor nu — nu por estar despojado depensamento — deve elevar-se até Deus, ocultopor trás da nuvem do não-saber. Com a nuvem donão-saber por cima de mim — entre meu Deus eeu, e a nuvem do esquecimento debaixo —, entretodas as criaturas e mim, encontro nele silentiummysticum, que o autor inglês conhece pela obrado Pseudo-Dionísio.

— O ponto de partida básico no caminho paraa união com Deus é a “perda do eu”. O sentimen-to da própria existência é o maior sofrimento parao homem. “Todo homem tem muito motivo detristeza, mas somente entende a razão universalda tristeza aquele que experimenta o que é (exis-te)”, diz-se em A nuvem. A razão dessa tristezaou angústia está na separação de Deus. O sofri-mento do homem não nasce de sua existência, masde ser como é.

— “Ele é teu ser, e nele és o que és”. “Ele éteu ser, mas tu não és o dele.” Não basta aniquilaro eu. De nada serviria afastar-se de tudo, inclusi-ve de si mesmo. Todo o desejo do autor consisteem levar-nos à experiência de que “Ele é teu ser,e de que nele tu és o que és”. “Quanto mais unidoestou a Deus, mais sou eu mesmo.” A união comDeus não destrói nem aniquila o “eu”.

— Essa união com Deus não é fruto do co-nhecimento, mas do amor. “Procura a experiên-cia mais do que o conhecimento. Com relação aoorgulho, o conhecimento pode enganar-te comfreqüência, mas esse afeto delicado e doce não teenganará. O conhecimento tende a fomentar a

Nuvem do não-saber, A

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vaidade, mas o amor constrói. O conhecimentoestá cheio de trabalho, mas o amor é quietude.”Deus está no centro da alma que dirige.

— Não se entendem a oração e a contempla-ção, de que nos falam as duas obras, sem a pre-sença de Cristo: o Homem, a Palavra encarnada.Cristo, que ao mesmo tempo é o porteiro e a por-ta. Cristo, centro do universo, que dá à contem-plação uma dimensão cósmica e universal. Cris-to, que ora interiormente em mim e se oferece asi mesmo ao Pai.

A Nuvem no não-saber é um livro de inicia-ção à contemplação amorosa de Deus, da almaguiada por seu espírito. Não é um livro para “in-trigantes, aduladores, escrupulosos, alcagüetes,intrometidos e hipercríticos”. Consta de 75 capí-tulos. O Livro da orientação particular não temdivisões nem capítulos. É uma obra de maturida-de, de leitura mais difícil, por sua precisão teoló-gica e por sua profundidade espiritual. “É a obrade um amigo desejoso de ajudar e orientar. Tem aautoridade que convém a um homem que percor-reu o caminho místico pessoalmente, e que dá amão a quem quiser escutar suas palavras.”

Essas duas obras, escritas nos últimos anos doséculo XIV, refletem o ambiente e a mentalidademedieval em que foram criadas. Lembre o leitorque, nesse mesmo tempo, floresceram místicoscomo Juliana de Norwich, e mestre *Eckhart,*Tauler, Suso, Ruysbroek, Jacopone de Todi,*Catarina de Sena, *Ângela de Foligno e *To-más de *Kempis.

BIBLIOGRAFIA: La nube del no-saber. El libro de laorientación particular. Introdução de William Johnston. Tra-dução de Pedro R. Santidrián. EP, Madrid 1984.

Nuvem do não-saber, A

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Ockham, Guillerme de (1295-1350)

Conhecido com vários nomes como “doctorinvincibilis”, “princeps nominalistarum”,“venerabilis inceptor” etc., cada um deles refle-tindo aspectos diferentes da personalidadepoliédrica de seu autor. Ockham foi a última gran-de figura da escolástica que enfrentou o mesmosistema escolástico que o precedeu, e o poderdominante do papa.

Nascido em Ockham, sul da Inglaterra, ingres-sou muito cedo nos franciscanos. Estudou emOxford, onde deu aulas sobre a Escritura e sobreas Sentenças de *Pedro Lombardo, de 1312 a1323. Seu nome apareceu pela primeira vez em1324, quando foi intimado a declarar-se dianteda corte papal de Avinhão. Num processo quedurou dois anos, foram censuradas 51 de suasproposições tiradas de seu comentário às Senten-ças.

Estando em Avinhão, viu-se envolvido na po-lêmica entre os franciscanos e o Papa João XXIIsobre a pobreza de Cristo. Em 1328, fugiu deAvinhão, junto ao general da ordem, M. deCesena, para refugiar-se na corte do imperadorLuís de Baviera, primeiro em Pisa e depois emMunique, onde permaneceu provavelmente o res-to de seus dias. Aí sua atividade mudou de signo:da teologia passou primeiro à polêmica, e logodepois à política. Parece que viu cumprido seudesejo diante do imperador: “Tu me defendegladio, ego te defendam calamo”. Foi enterradono Convento de Franciscanos de Munique. A ati-vidade literária de Ockham pode ser dividida emtrês etapas consecutivas: 1) A filosófico-teológi-ca, pertencente à primeira época de Oxford. 2) A

OOckham, Guillerme de

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polêmica religiosa na defesa da posição dosfranciscanos. 3) A polêmica política em apoio aLuís de Baviera, tal como se produziu nos últi-mos anos.

O padre Ph. Bochner classifica as obras deOckham em políticas e não-políticas, incluindonestas últimas as lógicas, as físicas e as teológi-cas.

— Lógicas. Entre as lógicas, sobressai aSumma totius logicae (antes de 1328), sua obrafundamental nesta matéria; Expositio super librumPorphyrii; Expositio super librumPraedicamentorum; Expositio super librumPerihermeneias.

— Físicas: Expositio super octo librosPhysicorum; Summulae in libros Physicorum.

— Teológicas: Ordinatio Ockham. Comentá-rio aos quatro livros das sentenças de PedroLombardo. Sua obra mais polêmica: Tractatus decorpore Christi; Tractatus de sacramento altaris;Tractatus de praedestinatione et de praescientiaDei etc.

— Políticas. A obra polêmico-política deOckham foi dirigida especialmente contra JoãoXXII e Bento XII. Mencionamos suas principaisobras: Dialogus inter magistrum et discipulum deimperatorum et pontificum potestate (entre 1332-1339); Octo quaestiones super dignitate etpotestate papali; Tractatus de imperatorum etpontificum potestate; Breviloquium de principatutyrannico papae etc.

A atividade literária de Ockham nasce de umaúnica posição: “A aspiração à liberdade da pes-quisa filosófica e da vida religiosa”. “As asserçõesnão devem ser — diz — ordenadas ou colocadasem censura por ninguém solenemente, porquenelas qualquer um deve ser livre para expressarlivremente o que lhe parecer” (Dialogus, I, tract.II, q. 22). É a primeira vez que se faz semelhantereivindicação.

A partir dessa postura de liberdade total,Ockham enfrentou a escolástica tradicional

Ockham, Guillerme de

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— leia-se tomismo — com uma atitude crítica. A“navalha de Ockham” foi direto às questões fun-damentais. Assim: a) É preciso aplicar uma eco-nomia que suprima todos os entes não necessári-os... b) O conhecimento intuitivo intelectual dosingular concreto é o único elemento positivo eponto de partida para um conhecer real e verda-deiro. c) Não há leis absolutas derivadas das ne-cessidades essenciais das coisas. Era a negaçãoda metafísica. d) Os universais são simples con-ceitos representativos e, portanto, não reais. Osuniversais como conceitos só existem na mente:são termos, vozes, nomes. Daí o nominalismo quetem Ockham por pai e príncipe. e) O fundamentode todo conhecimento está na experiência,rechaçando tudo quanto transcende os seus limi-tes. Temos em Ockham a origem do empirismomoderno, base da ciência empírica ou dos fatos.

— A mesma postura de liberdade dirige suanavalha a cortar tudo o que seja aderência inútilem filosofia natural (física) e teologia. Daqui nas-cem suas negações metafísicas, teológicas e mo-rais. Ockham arrasa com tudo o que haviaconstruído nestes campos a escolástica, particu-larmente a aristotélico-tomista. Assim: a) Nega adoutrina da analogia do ente e sustenta a suaunicidade. b) Ignora a teoria do ato e da potência,e nega a distinção real entre essência e existên-cia. c) Afirma que o princípio de contradição nãoé aplicável em Deus. O princípio de causalidadetambém não é válido para os seres vivos. E suaformulação: “Toda causa tem seu efeito” é ilegí-tima. Tampouco se pode provar a finalidade paraseres que carecem de consciência e vontade etc.

— Transporta para o âmbito da fé todo conhe-cimento e certeza que superam a própria experi-ência. Em conseqüência: a) Não se pode sabercom certeza evidente — nem mediante o raciocí-nio, nem pela experiência — que a almaintelectiva seja a forma do corpo humano, nemque o entender de tal substância esteja no homem.Tudo isto o sabemos somente pela fé. “Todas asdemonstrações da espiritualidade da alma deixam

Ockham, Guillerme de

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dúvidas e incertezas.” b) Não se pode demonstrarcom razões convincentes que a vontade seja li-vre. Somente a liberdade é testemunhada pelaexperiência íntima. c) Também não se pode de-monstrar a existência de Deus nem com argumen-tos a priori nem a posteriori. Não basta ter a sim-ples idéia de Deus para afirmar sua existência,porque muitos a têm e não admitem a existênciade Deus. Também não é concludente partir daexistência do movimento. “Omne quod moveturab alio movetur” não é aplicável aos seres vivos.E não se pode demonstrar a impossibilidade doprocesso “ad infinitum” dos moventes movidos edas causas causadas. d) Mesmo assim não se podedemonstrar a unicidade de Deus, porque éindemonstrável a unicidade da primeira causa. Eassim outras verdades relativas ao auto-reconhe-cimento de Deus, do futuro etc. Com a razão nãose pode demonstrar que Deus conheça o futuro,nem que aja livremente, nem que esteja neces-sitado intrinsecamente de agir (In I Sent., d. 35,48, 72).

— As seqüelas de sua postura na moral nãosão menos radicais: a) Nega a moralidade intrín-seca dos atos humanos. O critério de moralidadeé realmente extrínseco: a vontade de Deus. b)Todos os atos humanos são bons ou maus, con-forme sejam mandados ou proibidos por Deus.Mas nenhum ato humano é mandado ou proibidopor Deus porque seja bom ou mau em si mesmo.c) A Deus lhe é lícito fazer tudo o que nas criatu-ras seria pecado e que nele não é porque não háninguém que o proíba. Poderia mandar às criatu-ras que o odiassem, e então o ódio a Deus seriabom e meritório (In IV Sent., q. 9). Tal é, em resu-mo, a doutrina ética voluntarista de Ockham.

— Com relação à sua doutrina política, pode-ríamos resumi-la nestes pontos: a) O poder resi-de no povo. b) O poder imperial teve sua origemna vontade do povo romano. Tal poder passou dosromanos aos gregos, aos francos e aos germanos.c) Nenhum poder humano pode ser superior aoimperial. Nada no mundo seria capaz de destruí-

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lo (Diálogo, 3, 2, 1, 27-29). d) O poder do impe-rador estende-se sobre toda a terra. e) O impera-dor — como autoridade suprema, cristã e romana— tem o direito de escolher o papa, embora defato essa eleição a façam os cardeais. f) Em con-seqüência, o imperador tem o direito de julgar umpapa que caiu em heresia. Da mesma forma podedepô-lo por esse motivo e por qualquer outro de-lito. g) Não tem sentido a existência de dois po-deres supremos na cristandade. Basta um só, eeste deve ser o do imperador, por ser historica-mente anterior ao do papa (Diálogo, 3, 2, 3). h) Opoder do papa sobre os bens temporais e sobre osestados pontifícios não é bíblico nem autêntico(Breviloquium).

BIBLIOGRAFIA: Ópera omnia philosophica ettheologica, aos cuidados de E. M. Buytaert, G. Mohan,Lovaina, 25 vols., 1961ss. (em publicação); Operaphilosophica et theologica ad fidem codicummanuscryptorum edita. St. Bonaventure University, NewYork 1967ss.; Opera politica, por R. F. Bennet e H. S. Hoffler,3 vols.; Tratado sobre los principios de la teología. Aguilar,Buenos Aires 1980; Sobre el poder tiránico del papa, Trad.de Pedro R. Santidrián. Madrid 1991; E. Gilson, A filosofiana Idade Média, 591-640, com a bibliografia ali reunida.

Odes de Salomão (séc. II)

*Hinos e cantos.

Oráculos sibilinos cristãos (117-138)

Coleção de oráculos que imitam os livrossibilinos pagãos. Estão escritos em hexâmetros esão precedidos de um prólogo em prosa em quese afirma terem sido pronunciados pela Sibilagrega em diferentes ocasiões. Alguns padres acei-taram sua autenticidade; a crítica moderna atri-bui-os a autores judeus e cristãos. O exame inter-no desses oráculos revela neles tendênciasmonoteístas e messiânicas. Daí que se atribua suaorigem a judeus e cristãos anônimos.

As datas para os oráculos judeus oscilam en-tre o período dos macabeus e o da época do im-

Odes de Salomão

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perador Adriano (117-138). A datação dos orácu-los e autores cristãos seria a partir do século II denossa era.

BIBLIOGRAFIA: J. Quasten, Patrología, I, 163-166.*Hinos e cantos.

Oraison, Marc (1914-)

O sacerdote francês Marc Oraison simboliza,para o grande público, certa contestação no seioda Igreja Católica. Suas tomadas de posição nostemas da sexualidade, seus enfrentamentos coma hierarquia, os incidentes ocorridos em algumasde suas conferências, asseguraram-lhe uma famaque seus adversários qualificam de escandalosa.No entanto, suas idéias de sacerdote, médico, te-ólogo e psicoterapeuta, ilustram uma mudança naIgreja Católica.

Depois de uma experiência religiosa evocacional muito movimentada, ordenou-se sa-cerdote em 1948. Descobriu a psicanálise —Hesnard, Dalbiez, *Freud e outros — e preparousua tese de teologia sobre Vida cristã e sexuali-dade, que defendeu em março de 1951. Sua apa-rição em 1952 provocou violentas polêmicas noclero. Em abril do mesmo ano, foi advertido peloSanto Ofício, e em 1953 a obra foi colocada no* Índex. A partir desse momento, Oraison dirigiusua atividade para resolver os problemas de se-minaristas e sacerdotes “em dificuldade”. Parti-cipou na fundação de uma clínica especializadaem problemas psiquiátricos. Como suas interven-ções determinavam o abandono do caminho sa-cerdotal por parte dos consulentes, Oraison foicondenado por Roma em 1966: negação doimprimatur para suas obras, proibição de prosse-guir seus trabalhos de psicanálise e de falar empúblico. Medidas anuladas posteriormentre.

A vida de Oraison, depois do *Vaticano II,prosseguiu com menos tensão com a hierarquia.Interessou-se pelos problemas dos “blousonsnoirs”, escrevendo um livro em colaboração com

Oraison, Marc

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um deles: Grito de socorro de um blouson noir.Mas Oraison continuou sua pesquisa. Publicou Aculpabilidade (1974), um estudo sobre o senti-mento do pecado nas pessoas religiosas. Em 1975publicou A questão homossexual, para enfocarrealidades condenadas até agora pela Igreja. Eoutros trabalhos posteriores, sempre em torno deproblemas psiquiátricos relacionados com a reli-gião. A esse respeito, no fundo da temática deOraison está o que ele considera “imobilizaçãodas estruturas eclesiásticas que esterilizam o sa-cerdócio”. Defende a desclericalização da Igreja,“demasiado submetida ao racionalismo tomista edespreocupada com a vida”.

BIBLIOGRAFIA: Ilusão e angústia; Por uma educa-ção moral dinâmica; Psicologia e sentido do pecado.

Orígenes (186-254)

Nascido de pais cristãos em Alexandria,Orígenes foi o membro mais eminente da escolacatequética alexandrina. Dedicado totalmente aoestudo dos filósofos gregos e aos textos sagra-dos, primeiro desenvolveu uma atividade impres-sionante como diretor da escola catequética e,depois, como pregador em Cesaréia de Palestina,onde prosseguiu como mestre e escritor. Morreuem Tiro, em conseqüência das torturas a que foisubmetido durante a perseguição de *Décio.Orígenes apresenta um estilo inconfundível, tan-to em sua vida quanto em seus escritos, marca-dos por seu afã de ser discípulo cristão. Seu dese-jo de martírio e sua posterior autocastração sãoexemplos deste empenho de ser cristão até as úl-timas conseqüências.

Sua produção literária foi amplíssima. São*Jerônimo atribui-lhe cerca de 800 obras. O edi-to de Justiniano (543) contra ele e o juízo do VConcílio Ecumênico (553), que o incluía entre oshereges, provocaram a perda de boa parte da pro-dução do alexandrino. Suas obras estão divididasem quatro blocos gerais: a) Bíblicas e exegéticas,entre as quais se deve contar, em primeiro lugar,

Orígenes

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sua edição da Bíblia (AT) em seis línguas, conhe-cida com o nome de Hexapla. Os scholions, ounotas sobre passagens difíceis da Bíblia, e os co-mentários ou tomos, análises minuciosas de li-vros inteiros bíblicos. b) Teológicas, como o li-vro De principiis, que é a primeira tentativa deteologia sistemática. c) Apologéticas. Destas so-mente conservamos o seu livro Contra Celsum,destinado a rechaçar o Discurso verdadeiro desteautor. d) Ascéticas. Dois escritos: Sobre a oraçãoe Exortação ao martírio, além de duas cartas efragmentos de outras obras.

A doutrina de Orígenes constitui o primeirogrande sistema de filosofia cristã. Distingue, nocristianismo, doutrinas essenciais e doutrinasacessórias. Todo aquele que recebeu o dom dapalavra tem a obrigação de interpretar as primei-ras e explicar as segundas. Orígenes empreendeuuma e outra pesquisa.

— Seu trabalho exegético dos textos bíblicosdeixa claro o significado oculto e, por conseguin-te, a justificativa profunda das verdades revela-das. Distingue um triplo significado na Escritura:o somático, o psíquico e o espiritual, que se rela-cionam entre si como as três partes do homem: ocorpo, a alma e o espírito (De princ., IV, 11).

— A passagem do significado literal ao ale-górico das Escrituras é a passagem da fé aoconhecimento. Acentua a diferença entre um eoutro e afirma a superioridade do conhecimentoque compreende em si a fé (In Joannem, XIX, 3).Ao aprofundar-se, a fé se transforma em conhe-cimento.

— As Escrituras são, pois, o ponto imprescin-dível, porém mínimo, para o conhecimento com-pleto. Existe um Evangelho eterno que vale paratodas as épocas do mundo e somente a poucos édado a conhecer (De princ., IV, 1s).

— Contra os hereges afirma a espiritualidadede Deus. Deus não é um corpo e não existe numcorpo. É de natureza espiritual e muito simples.Para expressar essa unidade, Orígenes emprega

Orígenes

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as palavras mônada e ênada — termos pitagóricoe neoplatônico, respectivamente — que expres-sam a singularidade absoluta de Deus.

— O Logos ou verbo é o exemplar da criação,a idéia das idéias, e todas as coisas são criadaspelo Logos, que atua como mediador entre Deuse as criaturas. É certamente co-eterno com o Pai,mas não o é no mesmo sentido. A eternidade doFilho depende da vontade do Pai. O Espírito San-to é criado não diretamente por Deus, mas atra-vés do Logos.

— Orígenes explica a formação do mundosensível pela queda das substâncias intelectuaisque ocupavam o mundo inteligível. O mundo vi-sível não é, pois, outra coisa senão a queda e adegeneração do mundo inteligível e das purasessências racionais que o habitam.

— As almas foram criadas por Deus exata-mente iguais umas às outras, mas o pecado, numestado de pré-existência, fez com que fossemrevestidas pelos corpos, e assim as diferençasqualitativas entre as almas se devem ao compor-tamento destas antes de sua entrada neste mundo.Desfrutam do livre-arbítrio e seus atos dependemnão só de sua livre escolha, mas também da graçade Deus, que é distribuída conforme sua condutano estado de pré-encarnação.

— Interpreta a ação da mensagem cristã comouma ação educadora que conduz o homem gra-dualmente para a vida espiritual. Essa é a funçãodo Logos que se encarnou em Cristo. “Jesus afastaa nossa inteligência de tudo aquilo que é sensívele a conduz ao culto de Deus que reina sobre todasas coisas” (Contra Celsum, III, 34). Nisto consis-te a obra da Redenção.

— A educação do homem como retorno gra-dual à condição de substância inteligente e livreverifica-se através de graus sucessivos de conhe-cimento. Do mundo sensível, o homem eleva-seà natureza inteligível, que é a do Logos, e doLogos até Deus. Mediante esse processo, todasas almas — inclusive o diabo e os demônios —,

Orígenes

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mediante um sofrimento purificador, conseguirãoa união com Deus. Todas as coisas serão restau-radas e regressarão a seu último princípio: Deus.Assim se realizará o ciclo do retorno do mundo aDeus, e Deus será tudo em todos. Tal é a chama-da apocatástasis ou restauração universal.

Tais são os traços fundamentais do sistema deOrígenes, no qual pela primeira vez o cristianis-mo recebe uma formulação doutrinal orgânica ecompleta. O platonismo e o estoicismo constitu-em as duas raízes fundamentais pelas quais se uneà filosofia grega.

Não obstante, a síntese cristã de Orígenes estálonge de ser completa. Frente a grandes conquis-tas e acertos na interpretação do cristianismo,como são a exigência da liberdade humana e odestino da humanidade inteira vinculado à reden-ção de Cristo, há outros pontos que Orígenes nãosoube ver e situar, como o sacrifício de Cristo oua ressurreição da carne.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 11-17; Contra Celsum.Versión, introducción y notas de D. Ruiz Bueno (BAC); J.Quasten, Patrología, I, 338-397; Tradução francesa dasHomilias sobre o Gênesis, com estudo de H. de Lubac (SC7). Paris 1944.

Pacem in terris (1963)

*João XXIII.

Pacômio, São (290-346)

*Monaquismo.

P

Pacômio, São

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Padres apostólicos (séc. I-II)

Com esse nome são conhecidos um grupo deescritores da Igreja primitiva que trataram, ousupõe-se que trataram, da vida dos apóstolos. Essadenominação de padres apostólicos deve-se a J.B. Cotelier, que fez (1672) a editio princeps decinco desses padres que “floresceram nos tem-pos apostólicos”. Esses cinco primeiros escrito-res são: Barnabé, supostamente o companheirode apostolado de Paulo; *Clemente, bispo deRoma, terceiro sucessor de Pedro e que, segundoSanto *Irineu, tratou dos apóstolos Pedro e Pau-lo; Hermas, que se fez discípulo de Paulo; *Inácio,bispo de Antioquia, que pôde conhecer os após-tolos; e *Policarpo, a quem Santo *Irineu relaci-onou com São *João.

A partir de 1765, quando se publicou aBibliotheca veterum patrum, incluíram-se nospadres apostólicos *Pápias, a quem São*Jerônimo qualifica de “ouvinte de João”; umautor desconhecido do belo discurso apologético,dirigido ao também desconhecido *Diogneto. Fi-nalmente, e a partir de 1873 quando foi descober-ta, faz parte dos padres apostólicos a *Didaquéou Doutrina dos doze apóstolos.

As obras em concreto desse grupo de escrito-res são as seguintes: a Didaqué, que pode ser aprimeira em sua composição, pelo ano 70; Duascartas de São Clemente; Sete cartas de SantoInácio às Igrejas; Carta e martírio de SãoPolicarpo; Carta de Barnabé; Carta a Diogneto;Fragmentos de Pápias; Pastor de Hermas.

Todos esses escritos, dentro de sua diversida-de, têm alguns traços comuns:

— Foram escritos entre o ano 70 d.C. e o ano170.

— Representam a passagem ou ponte entre osescritos canônicos do NT e a literatura subseqüen-te dos finais do séc. II, quando aparece outro tipode escritos: apologistas, santos padres, historia-dores etc. “Depois dos Evangelhos, Atos e Cartasdos Apóstolos, não há conjunto algum de obras

Padres apostólicos

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que nos dêem uma impressão tão imediata, tãoíntima, tão cálida da vida da Igreja”.

— Os padres apostólicos constituem a fonteprimeira da tradição viva não canônica. Desco-brem-nos a fé e a práxis de uma Igreja que cami-nha, nutrindo-se da Eucaristia e do Evangelho,permanecendo na oração do Senhor e obedienteaos pastores, representantes do único pastor,Cristo.

— Essa Igreja primitiva, tal como aparece nosescritos dos padres apostólicos, apresenta-se comoexemplo vivo da Igreja de todos os tempos: fielao Senhor e aos apóstolos, à espera da segundavinda.

BIBLIOGRAFIA: Padres apostólicos. Edição bilíngüecompleta. Versão, introdução e notas de Daniel Ruiz Bueno.(BAC) 51985; B. Altaner, Patrología. Madrid 1945, comabundante bibliografia; J. Quasten, Patrología, I, 1-109.

Padres capadócios (séc. IV)

*Basílio; *Gregório Nazianzeno; *Gregóriode Nissa.

Padres da Igreja

O estudo da doutrina dos autores da Antigüi-dade cristã recebe o nome particular de patrologia,que se pode definir como o estudo ou ciência dospadres da Igreja. Estende-se tanto aos escritoresortodoxos como heterodoxos, embora se ocupecom preferência dos que representam a doutrinaeclesiástica tradicional, isto é, dos chamados pa-dres e doutores da Igreja. A patrística inclui noOcidente todos os autores cristãos até São*Gregório Magno (604); no Oriente chega geral-mente até São *João Damasceno (749).

Embora a patrística — como ramo da ciênciateológica — seja relativamente recente, podemosdizer que suas origens remontam aos primeirosséculos da Igreja. Foi *Eusébio (265-340) quemprimeiro se propôs “tratar daqueles que, seja de

Padres da Igreja

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palavra ou por escrito, foram os mensageiros daPalavra de Deus em cada geração”. Seguiram-lheno empenho homens como São *Jerônimo e San-to *Isidoro com suas respectivas obras De virisillustribus. No Oriente escreveram sobre o temaFócio (séc. IX) e Suidas de Constantinopla (peloano 1000); o primeiro com sua Biblioteca ouMyriobiblon, e o segundo com seu Dicionário,monumento de erudição bizantina, que nos brin-dam importantes dados sobre grande número deobras patrísticas.

O humanismo teve especial interesse pela li-teratura cristã antiga. Fez grandes coleções e ex-celentes edições de textos patrísticos, ao longodos séculos XVI-XVII. O século XIX distinguiu-se pelo descobrimento de novos textos, principal-mente orientais, e pelo início de novas ediçõescríticas em séries latina e grega e às quais se acres-centaram depois as coleções de literatura cristãoriental. Ao mesmo tempo apareceram as cáte-dras de patrologia nas universidades e centros deestudo eclesiásticos. Nosso século “preocupou-se, em especial, com a história das idéias, concei-tos e termos da literatura cristã e da doutrina dosautores eclesiásticos. Além disso, os papiros doEgito, recentemente descobertos, permitiram aossábios recuperar muitas obras patrísticas que sehaviam perdido” (Quasten).

— Hoje se consideram “padres da Igreja” so-mente os que reúnem estas quatro condições ne-cessárias: ortodoxia de doutrina, santidade devida, aprovação eclesiástica e antigüidade. Todosos demais escritores são conhecidos com o nomede escritores da Igreja ou escritores eclesiásticos,tal como os chamara São Jerônimo.

O título de “doutor da Igreja” não se identifi-ca com o de “padre da Igreja”. A alguns doutoresda Igreja falta-lhes a nota de antigüidade. Têm,no entanto, além das três notas características —doutrina ortodoxa, santidade de vida e aprovaçãoda Igreja — dois requisitos importantes: erudi-ção eminente e expressa declaração da Igreja. Pordeclaração de Bonifácio VIII (1298), os santos

Padres da Igreja

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*Ambrósio, *Jerônimo, *Agostinho e GregórioMagno foram considerados “doutores egrégios daIgreja” e reconhecidos como “os grandes padresda Igreja”. A Igreja grega venera somente trêsgrandes mestres ecumênicos: *Basílio Magno,*Gregório de Nazianzeno e *Crisóstomo. A es-ses três a Igreja Romana acrescenta *Atanásio,constando desta maneira quatro grandes padresdo Oriente e quatro do Ocidente.

A autoridade dos padres na Igreja católica ba-seia-se na doutrina da Igreja, que considera a tra-dição como fonte de fé. A Igreja considera infalí-vel o “unânime consenso dos padres” quandoversa sobre a interpretação da Escritura.

— A literatura patrística está escrita em gre-go, latim, armênio, copta, siríaco.

BIBLIOGRAFIA: Além das duas grandes coleções deMigne, Patrologia Latina (PL) e Patrologia Graeca (PG),que constam de 221 e 161 volumes respectivamente, cita-mos as seguintes coleções: Los Santos Padres. Seleção dehomilias e sermões, de E. Caminero, 5 vols. Madrid 1878-1879; “Biblioteca de Autores Cristianos” (BAC). A sériepatrística consta de numerosos textos em grego, latim ecastelhano e amplas introduções, desde 1949.

Padres do deserto (séc. III-IV)

*Monaquismo; *Sentenças dos Padres.

Paládio, São (365-425)

*Monaquismo.

Palamas, São Gregório (1296-1359)

Nasceu em Constantinopla e morreu emTessalônica. Monge ortodoxo, teólogo eorientador intelectual da *hesiquia. Nomeado bis-po de Tessalônica em 1347, aclamado santo enomeado pai e doutor da Igreja ortodoxa em 1368.

Nascido numa família ilustre, vinculada à corteimperial, Palamas estudou a filosofia clássica nauniversidade imperial. Em 1316, renunciou a tudo

Palamas, São Gregório

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para tornar-se monge em *Athos. Durante 25 anosdedicou-se ao estudo da Escritura e dos padres,iniciando-se na vida espiritual e na oraçãocontemplativa. Obrigado a abandonar seu retirodo Monte Athos por causa das incursões dos tur-cos, retirou-se com dez colegas para a vidaeremítica na Macedônia. Voltou a Athos em 1331,onde foi eleito abade de uma comunidade demonges.

A partir desses anos, envolveu-se numa pro-longada série de controvérsias públicas comhumanistas e teólogos — tanto latinos quanto or-todoxos — que o levaram à excomunhão por pres-sões de tipo político em 1344. Sua luta principalfoi contra Barlaão da Calábria, monge ortodoxoque propalava certo agnosticismo teológico e ne-gava que os conceitos racionais pudessem expres-sar, inclusive metaforicamente, a oração mística,assim como sua comunhão humano-divina.Barlaão chegou a compor um poema satírico emque difamava a hesiquia, aludindo a seus segui-dores como “aqueles que têm a sua alma no um-bigo”: alusão evidente aos ascetas e místicos quepraticavam a meditação hesiquiástica (meditaçãode quietude) sentados e com o olhar colocadodebaixo do peito para poder alcançar a experiên-cia mística.

Basicamente, a obra de Palamas defende adoutrina hesiquiástica, como o fez primeiro emsua Apologia dos santos hesiquiastas (1338), co-nhecida com o nome de Tríada por sua divisãoem três partes. Na Apologia põe as bases teológi-cas para a experiência mística. Esta pressupõe aimplicação, não só do espírito, mas de toda a pes-soa, corpo e alma. A hesiquia aspira a uma trans-formação do homem interior, realizada por umailuminação que o une a Deus no mais fundo deseu espírito. É “a deificação do homem inteiro”.

— A oração hesicasta aspira a alcançar a for-ma mais intensa de comunhão do homem comDeus na forma de visão da “luz divina” ou da“energia incriada”. Para chegar a ela, é necessá-rio adotar uma postura especial do corpo que pres-

Palamas, São Gregório

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supõe uma concentração — do olhar e dos senti-dos — e uma invocação metódica do nome deJesus: “Jesus, Filho de Davi, tende piedade demim”. Esse estado espiritual dos hesicastas nãose concede a todos, mas aos puros de coração.

Sua obra fundamental é o Livro da santidade,texto do misticismo ortodoxo-bizantino e fruto deuma série de públicas confrontações com teólo-gos e humanistas que o levaram à excomunhão,já referida, em 1344, por pressões políticas. Ocu-pa o resto de seus dias em trabalhos pastorais desua diocese, Tessalônica, e na composição de ou-tras obras e escritos menores.

Palamas é um dos principais autores do pen-samento cristão oriental. A sábia fusão deplatonismo e aristotelismo serviu-lhe para trans-mitir sua experiência mística. Sua aclamação desanto, em 1368, quinze anos depois de sua morte,e de “padre e doutor da Igreja Ortodoxa”, deu àsua doutrina e à sua vida o referendo do mestreque soube “ensinar e fazer”.

BIBLIOGRAFIA: Espiritualidad rusa. San Serafín deSarov, Macario de Optina, Juan de Kronstad y Silvano delMonte Athos. (Col. Neblí). Rialp, Madrid 1982; M. J. LeGuillou, L’esprit de l’ortodoxie grecque et russe, 1961; A. J.Philippou, The Ortodox Ethos, 1964.

Pânfilo de Alexandria (240-309)

*Apologistas.

Panteno (+200)

*Clemente de Alexandria.

Pápias (60-130)

*Marcos, Evangelista; *Jerônimo São.

Papini, Giovanni (1881-1956)

*Literatura atual e cristianismo.

Papini, Giovanni

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Pascal, Blaise (1623-1662)

É difícil, para não dizer impossível, fazer umasíntese do que foi esse homem. Matemático, físi-co, filósofo e homem profunda e sinceramentecristão são qualificativos que configuram somenteem parte o perfil de Pascal. Nele se conjugam ohomem científico, pesquisador, inventor, filóso-fo moralista e religioso mergulhador no mar inte-rior de si mesmo e de todos os homens. A influ-ência de Pascal em *Rousseau, *Bergson, nosexistencialistas e, em geral, em todo homem queprocura a verdade e Deus é evidente. Sua figura esua obra são exemplares para os científicos e paraos cristãos de hoje.

Nascido em Clermont-Ferrand em 1623, foieducado por seu pai num ambiente cultural sele-to. Cedo sentiu um irresistível interesse pelos es-tudos científicos, matemáticos e físicos. Frutodessas primeiras afeições e estudos serão o seuprimeiro escrito científico sobre as cônicas e ainvenção da máquina calculadora para tornar maisfácil o cálculo dos impostos. A estes lhe seguirãomuitos outros até o fim de sua vida.

Pascal, Blaise

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Aos 23 anos, Pascal tinha uma fé rotineira, paraquem “tudo o que é objeto da fé, não pode sê-loda razão”. A partir de 1646, tanto seu pai quantoele converteram-se numa piedade do tipojansenista. É a chamada “primeira conversão”.Seguiu-lhe o período conhecido como mundano,caracterizado pela importância excessiva dada àpesquisa científica, a ânsia de glória e o gosto pelavida de sociedade. O estudo desta etapa mundanarevelou um Pascal desejoso de conhecer o homeme a sociedade. Nos finais de 1653, iniciou sua “se-gunda conversão”, manifestada através de “umgrande desprezo pelo mundo e um desgosto qua-se insuportável por todas as pessoas que perten-cem a ele”. Na noite de 23 de novembro de 1654,consumou-se a segunda conversão. A graça o “le-vou ao esquecimento do mundo e de tudo, forade Deus”. Essa noite ficou confiada a um pedaçode pergaminho que levou costurado no forro desua roupa, sem que ninguém o percebesse, até suamorte: o Memorial, que conclui com a “submis-são total a Jesus Cristo e a meu diretor”.

A partir dessa data, a vida e a atividade dePascal adquiriram uma dimensão nova: suavinculação a *Port-Royal e ao jansenismo, e seucompromisso de escrever uma apologia do cris-tianismo, cristalizado nos Pensamentos.

De sua residência em Paris, com breves esta-das em Port-Royal, Pascal esteve em contato comos jansenistas, principalmente com *Arnauld e*Nicole, a instâncias dos quais empreendeu a de-fesa de *Jansênio e sua doutrina frente aos jesuí-tas. Assim nasceram as que se conhecem hojecomo Cartas provinciais, ou simplesmente pro-vinciais, “escritas a um provincial por um de seusamigos sobre o objeto da presente disputa daSorbonne”. Foram escritas entre 23 de janeiro de1656 e 24 de março de 1657. São 18 cartas, nasquais o alvo centra-se nos jesuítas. Os “jesuítascolocaram o cristianismo em perigo ao acomodá-lo no mundo; substituíram a contrição-arrependi-mento, fundados no amor de Deus, pela atrição,que procede do temor ao inferno”. “Outra forma

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de compromisso com o mundo é a substituiçãoda verdadeira moralidade pelo legalismo e da leimoral por uma série de preceitos ocasionais. Osjesuítas descartam o dever, e no seu lugar colo-cam a licitude e a procura de razões que podemtornar lícitas ações que estão em evidente contra-dição com a consciência moral”.

O verdadeiro valor das Provinciais não está,no entanto, em sua crítica à teologia imoraljesuítica de sua época. A novidade das Provinci-ais está no estilo breve, conciso, direto, que tornaPascal, disse Boileau, o “criador do francês mo-derno”. E em desmascarar o falso cristianismo.Talvez tais cartas preparassem o material do que,na sua intenção, deveria ser a apologia do cristi-anismo, e que fica na forma de Pensamentos quehoje conhecemos. Da projetada apologia do cris-tianismo, conservam-se mil fragmentos, algunsapenas esboçados, outros totalmente acabados.Pode-se descobrir o esquema de sua obra no frag-mento 187: “Os homens — diz Pascal — menos-prezam a religião; sentem aversão por ela e te-mor de que seja verdadeira. Para superar tal ati-tude, é necessário começar por mostrar que a re-ligião não é em absoluto contrária à razão, masvenerável, infundindo respeito por ela; portanto,deve-se fazer amável e conseguir que os bonsdesejem que seja verdadeira; finalmente, deve-semostrar que é verdadeira; venerável, porque elaconhece bem o homem; amável, porque prometeo verdadeiro bem”. Por isso, o plano de sua obracompreende duas partes: na primeira, quer de-monstrar que a religião não é contrária à razão;na segunda, que é contrário à razão rejeitar suaevidência.

A linha seguida por Pascal nos Pensamentospode ser traçada desde o interior do homem atéDeus. Começa declarando o estado atual do ho-mem. Após sua queda original, é um ser cego quetateia em vão num mundo de sombras, suspensoentre o nada e o infinito: um complexo de gran-deza e de miséria. Esse paradoxo humano, com-binação de miséria e grandeza, leva-o a procurar

Pascal, Blaise

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com sinceridade uma realidade verdadeira e su-perior. Finalmente, deve-se examinar se nos re-velou, de alguma forma, essa fonte de grandezaque encontramos em nós. Nesse exame, conclui-se que a religião cristã, reforçada pelos milagrese profecias, destaca-se como a verdadeira.

Várias são as provas pelas quais, segundoPascal, podemos chegar até a crença verdadeira,até a “visão desse Deus de Abraão, de Isaac e deJacó”, o único capaz de decifrar o nosso parado-xo humano. Entre as diversas razões, aponta umaparticular e própria: o conhecimento do “coração”.Entre a razão e a sensibilidade, o conhecimentodo coração — “a lógica do coração” — é o resul-tado de uma integração da universalidaderacionalista dentro da fé pessoal. Dessa formaganha sentido e valor o que é: “O coração temrazões que a inteligência não tem”. É uma provaauxiliar, não principal. Trata-se da famosa “apos-ta” na jogamos por uma todas as demais coisas.Podemos e devemos apostar na existência deDeus. Nesta aposta arriscamos uma série de bensfinitos, mas ganhamos um bem infinito. Se seganha, ganhamos tudo; se se perde, não perde-mos nada. Deve-se apostar, portanto, que existeDeus, que é infinito, e jogamos contra algo finito.O caráter utilitário da prova indica-nos que ela édirigida para os incrédulos: um passo prévio paradispor o espírito à procura do verdadeiro Deus.Não é uma prova que demonstre a verdade docristianismo. Com ela não se demonstra que ocristianismo seja uma religião verdadeira: conti-nua um mistério. Se é “o coração o que sente Deuse não a razão”, deve-se procurar um “Deus vivo”e não uma “verdade eterna”, ou um “organizadordo universo”, o chamado “deus dos filósofos”.Deve-se procurar Deus em Jesus Cristo, o únicoque salva do ateísmo e do deísmo, e o único quepermite o que é mais importante e decisivo: a sal-vação. Devemos comunicar-nos com Deus atra-vés da mediação com Jesus Cristo. Desta forma,o conhecimento de Deus deve ser ao mesmo tem-po o conhecimento de nossa miséria. Em conse-

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qüência, o problema que se deve tratar racional-mente é o das provas da verdade de Jesus Cristo,baseadas nos milagres e nas profecias. Assim sa-bemos qual é a verdadeira religião.

— Os que se extraviam, fazem-no por nãoverem uma destas coisas. Pode-se conhecer Deussem conhecer a própria miséria, e a miséria semDeus. Mas não se pode conhecer Jesus Cristo semconhecer, ao mesmo tempo, a Deus e a própriamiséria.

— Jesus estará em agonia até o fim do mun-do: se não deve dormir durante esse tempo (735).

— Não conhecemos Deus senão por JesusCristo. Sem esse mediador, fica suprimida todacomunicação com Deus; por Jesus Cristo conhe-cemos a Deus. Todos os que pretenderam conhe-cer Deus e demonstrá-lo sem Jesus Cristo, nãotinham mais do que provas impotentes (729).

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes. Ed. de L.Brunschvich, 1904-1914, 14 vols.; J. Mesnard, Pascal: elhombre y su obra, 1973.

Pastor, Ludwig von (1854-1928)

Nascido em Aquisgrana, Pastor lecionou emInnsbruck a partir de 1880. Foi diretor do Institu-to Histórico de Áustria em Roma. Terminada a 1ªGuerra Mundial, foi representante da Áustria di-ante da Santa Sé, cargo que lhe permitiu continu-ar a obra à qual havia dedicado sua vida desdeque, ainda estudante, pensara contrapor à Histó-ria dos papas do protestante *Ranke, uma histó-ria objetiva e documentada.

Com sua morte, em 1928, deixa uma Históriados papas que abrange desde os princípios doséculo XIV até finais do XVIII. O grande méritode Pastor apóia-se, principalmente, na explora-ção sistemática das fontes, tanto do Arquivo doVaticano, o primeiro de que se pôde aproximar,influindo ele mesmo na decisão de *Leão XIII deabri-lo a todos os pesquisadores, como de outrosnumerosos arquivos europeus. Seu mérito com-

Pastor, Ludwig von

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pleta-se por ter-nos oferecido uma reconstruçãosubstancialmente livre de preocupaçõesapologéticas, e superior, por isso mesmo, a mui-tas sínteses da historiografia liberal, dominadasmuito freqüentemente por concepçõesapriorísticas, muito mais do que pela procura daverdade através da exploração das fontes. Não sãomuito sólidas as acusações que lhe fizeram base-adas em motivos confessionais. A obra de Pastorcontinua sendo válida em seu conjunto, pelo me-nos como ponto de partida insubstituível paraqualquer pesquisa e como fonte de informaçãode altíssimo valor.

BIBLIOGRAFIA: Historia de los papas, 16 vols.,em 22 tomos. Barcelona 1910-1937; G. Martina, La Iglesiade Lutero a nuestros días, I, 27s., sobre historiografia daIgreja.

Patrologia

*Padres da Igreja.

Paulino de Antioquia (353-431)

*Jerônimo, São.

Paulo, Apóstolo, São (10-67 d.C.)

Saulo ou Saul, conhecido mais tarde comoPaulo, nasceu em Tarso, Ásia Menor, de famíliahebréia, na primeira década do séc. I. Cidadãoromano por seu nascimento numa cidade livre,foi educado, desde sua juventude, pelo sábio ra-bino Gamaliel, nas doutrinas dos fariseus. Gran-de inimigo da nascente Igreja e implicado namorte de Estêvão, o primeiro mártir cristão, suavida mudou bruscamente por seu encontro nocaminho de Damasco com o Senhor ressuscita-do. Jesus manifestou-lhe a verdade da fé cristã elhe deu a conhecer sua missão especial de após-tolo dos gentios (At 9).

Isso aconteceu pelo ano 36. A partir dessemomento, dedicou toda a sua vida ao serviço de

Paulo, Apóstolo, São

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Cristo, que o havia “alcançado”. Depois de per-manecer três anos no deserto da Arábia, voltou aDamasco, subiu a Jerusalém (pelo ano 39), e de-pois retirou-se para a Síria-Cilícia. Começou suapregação em Antioquia e, em seguida, empreen-deu sua primeira viagem apostólica (entre o ano45-49): anunciou o evangelho em Chipre, Panfília,Pisídia e Licaônia. E então mudou seu nome deSaulo para Paulo, pelo qual será conhecido.

No ano 49 participou do Concílio Apostólicode Jerusalém, no qual foi reconhecida sua missãocomo apóstolo dos gentios, depois de a assem-bléia ter admitido que a lei não obrigava os cris-tãos convertidos do paganismo. Vêm em seguidaa sua segunda e terceira viagens apostólicas entreos anos 50-52 e 53-54, respectivamente. No ano58 foi detido em Jerusalém e mantido na prisãoem Cesaréia da Palestina até o ano 60. No outonodesse ano, o procurador Festo enviou-o em es-colta a Roma, onde Paulo permaneceu dois anos(61-63). Cancelado o seu processo, ficou livre. Éprovável que nesta situação se dirigisse à Espanha,conforme seu desejo (Rm 15,24), e a outras regi-ões do Oriente. O último cativeiro em Roma ter-minou com o martírio, segundo a tradição maisprimitiva, e que pode ser colocado pelo ano 67.

— A figura e a atividade de Paulo nos foramtransmitidas fundamentalmente pelos Atos dosApóstolos, dos quais é o personagem principal, epelas 14 cartas que se conservam e que formamuma terceira parte dos livros canônicos do NovoTestamento. A literatura apócrifa tratou tambémde engrandecer a vida e os feitos de Paulo, orna-mentando-os de fantasia e milagres. Sobre o va-lor dos Atos dos Apóstolos (*Lucas) como fontepara a vida de Paulo, ninguém duvida que ofere-ce dados de primeira mão. De suas 14 cartas, 7são consideradas autênticas: Romanos, 1 e2Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1Tessalonicensese Filêmon. A opinião dos estudiosos varia sobrea autenticidade de Efésios, Colossenses e2Tessalonicenses. As cartas pastorais — 1 e 2Ti-móteo e a de Tito — consideram-se escritas de-

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pois de sua morte. Os dados dos apócrifos nãotêm, em seu conjunto, valor histórico.

— Paulo é, antes de tudo, um pregador do“querigma apostólico”, proclamação de Cristocrucificado e ressuscitado conforme as Escritu-ras. Seu evangelho não é “coisa sua”, é o evange-lho da fé comum aplicado à conversão dos genti-os. Suas cartas, então, nada mais são do que con-firmação e ampliação da mensagem transmitidade viva voz às comunidades. Para nós, as cartassão, hoje, a voz e a doutrina de Paulo. Damosuma breve nota sobre elas:

— Carta aos Romanos. Escrita pelo ano 57,em Corinto, foi dirigida à comunidade de Roma,composta por cristãos, convertidos do paganis-mo, e por alguns judeus convertidos. O tema cen-tral é a ação de Deus através de Jesus Cristo parasalvar a humanidade destroçada pelo pecado. Asalvação do homem realiza-se pela fé em Jesus, oMessias, manifestação suprema de Deus ao ho-mem. Em conseqüência, há uma mudança no ín-timo do homem, efetuada pelo Espírito de Deus,que acaba com o domínio do pecado e permiteuma vida nova. A salvação realiza-se por umanova solidariedade do homem com o Messias,Jesus, o novo Adão, princípio de uma humanida-de nova.

— Cartas 1 e 2Coríntios. 1Coríntios foi es-crita aos cristãos de Corinto, provavelmente noano 56. Seu objetivo é restabelecer a unidade dacomunidade perturbada por elementos estranhosà doutrina pregada por ele três anos antes.1Coríntios contrapõe Cristo-sabedoria de Deus àvã sabedoria do mundo; a fé em Cristo à orgulho-sa confiança na razão do espírito grego dominan-te na cidade. As duas Cartas aos Coríntios nãosão um tratado; são respostas a problemas práti-cos colocados pela mesma comunidade cristã.Destacam-se, principalmente, o tema da ressur-reição dos mortos, a celebração da Eucaristia, osdons ou carismas.

— Gálatas. Escrita entre os anos 54-57,Gálatas é o manifesto da liberdade cristã. Paulo

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ensina que “o crescimento pessoal” a que Deuschama o homem não se obtém pela fidelidademinuciosa a um código de leis ou regras, mas pelouso responsável da liberdade. A relação criadorado homem não se estabelece com um código, mascom Cristo, presente no profundo do ser. O guiada liberdade é o amor a si próprio e aos demais,que se identifica com o interesse ativo pelo bemdo próximo (5,6.13.15). A carta é certamente au-têntica e reivindica o apostolado de Paulo e suadoutrina. Reafirma a validade do Evangelho comocontraditório à Lei e à espiritualidade legalista. Otema desta carta completa o tema da Carta aosRomanos.

— Filipenses é outra das cartas autênticas dePaulo. É a primeira das cartas chamadas do “cati-veiro”, por tê-la escrito no cárcere. Sua data deredação está entre os anos 55 e 57. Filipenses é acarta da alegria cristã, inclusive diante da pers-pectiva da morte. A vida do cristão está centradaem Cristo no presente com a esperança do futuroe se manifesta no afeto, união, amor e alegria dacomunidade, de onde é desterrada toda a rivali-dade e orgulho.

A Filipenses devemos unir as cartas aosColossenses e aos Efésios, também chamadascartas do cativeiro. Essas duas cartas, no entanto,nem todos as reconhecem como autênticas dePaulo. Para a primeira propõem-se diversas datasde composição, que oscilariam entre os anos 54-63. Para Efésios, dá-se uma data posterior, entreos anos 80-100 de nossa era.

Em Colossenses, Paulo apresenta a plenitudede Cristo, que começa por uma renovação interi-or do homem e continua por uma associação àprópria vida de Cristo, declarando que a ascéticaé impotente para renovar o homem. O resultado éa nova qualidade das relações humanas, opostasàs vigentes no mundo, e que rompem as barreirasentre os homens. Em Efésios podemos apreciar ogrande documento da unidade eclesial.

— 1 e 2Tessalonicenses. A primeira conside-ra-se como autêntica de Paulo e foi escrita próxi-

Paulo, Apóstolo, São

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mo ao ano 49-50. A autenticidade da segunda éincerta. Poderia ser atribuída a um discípulo dePaulo de finais do séc. I.

Em 1Tessalonicenses, Paulo aclara algumasdúvidas sobre a sorte dos mortos e sobre a vindaescatológica de Cristo. Corrige algumas defici-ências na vida da comunidade, como a preguiçano trabalho e certa inquietude pela crença na vol-ta iminente do Senhor. A 2Tessalonicenses pro-põe um ensino sobre a vinda do Senhor, que nãocoincide com a que se dá na primeira. Enquantonesta se afirma claramente que não haverá sinaisque anunciem a volta do Senhor, na segunda enu-meram-se uma série de signos precursores. Tudoisso faz pensar num autor diferente e numa datatambém diferente da primeira.

— Carta a Filêmon. A mais breve das cartasde Paulo; é considerada “carta do cativeiro”, jáque Paulo a escreveu do cárcere a Filêmon, umcristão poderoso, convertido por ele, e recomen-da a Onésimo, escravo de Filêmon, fugido de-pois de cometer um roubo.

— Cartas a Timóteo (1 e 2) e a Tito. Chama-das, desde o séc. XVIII, “cartas pastorais”. Sãocartas individuais, não a comunidades cristãs.Tanto Timóteo quanto Tito foram companheirose colaboradores de Paulo. A autenticidade dessascartas é muito discutida. Tudo faz supor que fo-ram escritas no final do século I. Seu texto giraem torno da organização e cuidado pastoral des-ses grupos de cristãos.

— Carta aos Hebreus. É, na realidade, umsermão que se envia por escrito para ser lido poroutras comunidades, de estilo retórico e solene.Seu autor é um mestre judaico-cristão, muito ver-sado na Escritura, com grande penetração teoló-gica e grande domínio da língua. Seu estilo nãose parece em nada ao de Paulo. Sua data de com-posição é incerta, embora anterior ao ano 96. Osestudiosos inclinam-se a não atribuí-la a Paulo,embora também não seja fácil atribuí-las a ne-nhum dos personagens do tempo. Seu autor, por-tanto, é anônimo.

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A carta é dirigida aos hebreus, isto é, a cris-tãos convertidos do judaísmo. Adverte-os sobre aapostasia, oferecendo-lhes magníficas perspecti-vas sobre a vida cristã concebida como uma pe-regrinação em direção ao repouso prometido, àpátria celestial com Cristo como guia superior aMoisés. Para isso, contrapõe a pessoa de CristoSacerdote conforme a ordem de Melquisedec, eseu único sacrifício, o único válido, aos sacrifíci-os e sacerdotes do Antigo Testamento.

— Não é este o lugar e o momento de um es-tudo completo da personalidade e doutrina dePaulo. Basta afirmar a importância e influênciadecisiva que sua vida e sua obra escrita tiveramno cristianismo em geral e na vida dos cristãosem particular. Por sua vida, apresenta-nos comoo modelo de seguidor de Cristo, o modelo de quemdeixou tudo por ele. Como evangelizador e es-critor, foi o apóstolo e o mestre para a Igreja detodos os tempos. As diferentes interpretaçõesque, ao longo do tempo, deram-se de Paulo e suadoutrina não anulam o magistério perene que exer-ce desde sempre. Paulo é de Cristo, e Cristo daIgreja.

BIBLIOGRAFIA: G. Bornkamm, Pablo de Tarso.Salamanca 1982; G. Eichholz, El evangelio de Pablo. Esbozode una teología paulina. Sígueme, Salamanca 1977; J. A.Fitzmyer, Teología de San Pablo. Síntesis y perspectivas.Cristiandad, Madrid 1975; “Cuadernos bíblicos”, série devários volumes sobre Paulo e suas cartas. Verbo Divino,Estella 1976s.

Paulo III, Papa (1468-1549)

*Trento, Concílio de.

Paulo VI, Papa (1897-1978)

Giovanni Battista Montini nasceu emConcesio, Brescia, de família piedosa da burgue-sia lombarda. Cursou seus estudos nos jesuítas,para passar aos 20 anos para o seminário, e serordenado sacerdote em 1920. Completou seusestudos superiores de Filosofia e Direito, ingres-

Paulo III, Papa

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sando depois na diplomacia vaticana. Passou ostrês primeiros anos de sua carreira como agrega-do à Nunciatura de Varsóvia, ficando definitiva-mente, e por mais de 30 anos, vinculado à Secre-taria de Estado do Vaticano. A partir dos anos 30,transformou-se num dos mais próximos colabo-radores do cardeal Pacelli, eleito papa em 1939com o nome de *Pio XII. De 1954 a 1963 presi-diu como arcebispo a diocese de Milão, sendoeleito nesse mesmo ano papa com o nome dePaulo VI.

Paulo VI, tímido, de inteligência brilhante,grande trabalhador, místico, contrastava com seupredecessor, *João XXIII, e dava a impressão defragilidade. Parecia dominado pela dúvida e pelavacilação; no entanto, os anos e a distância de-volvem-nos a imagem de um grande homem deIgreja, um intelectual que levou a bom porto oConcílio *Vaticano II e a obra de reforma delenascida.

Dos três grandes capítulos de seu pontificado:o Vaticano II, as viagens apostólicas e os interes-ses sociais, ecumênicos e pastorais, o primeiro é,de longe, sua principal preocupação. Depois desua eleição, declarou que tentou prosseguir a ta-refa empreendida por seu predecessor. De 1962-1965 convocou e presidiu as quatro últimas ses-sões do Concílio *Vaticano II. Paulo VI dirigiu-as, dando aos intrincados problemas do momen-to uma compreensão acadêmica e um tratamentofruto de seus longos anos de experiência diplo-mática. Foi suficientemente aberto para manter oMagistério da Igreja em matéria de fé e de moral,fiel à tradição, e fiel também aos sinais dostempos.

Essa abertura natural e calculada — olhandoao mesmo tempo para a frente e para trás —, opontífice a usou na aplicação da reforma postula-da pelo Concílio. Seus críticos atribuíam-na a suatimidez, indecisão e incerteza. Houve quem acre-ditasse ver nele a sombra de Hamlet. Entretanto,muitas de suas decisões dos anos posteriores aoConcílio são fruto de uma coragem e de uma deci-

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são autênticas. Progressivamente começaram afuncionar as instituições previstas pelos textosconciliares. Organizaram-se as conferências epis-copais em todos os países. Criaram-se as dife-rentes comissões de liturgia, de ecumenismo,de apostolado social, de leigos etc. Empreendeuimportantes reformas da Cúria Romana e dasindulgências (1967), do calendário litúrgico edo Missal Romano (1969), do breviário (1970),das ordens menores (1972), do consistório (1970).Ao mesmo tempo criou novos organismospara agilizar o aparelho eclesial burocrático ea criação pastoral do sínodo episcopal desde1965.

Sua fidelidade à tradição — e a falta de inova-ção — ficou impressa em suas encíclicas, cartasapostólicas e discursos que, em ocasiões, susci-taram desaprovação e crítica dos elementos maisprogressistas da Igreja. Por exemplo, a encíclicasobre o celibato sacerdotal (1967) e a HumanaeVitae (1968). Nesta última linha de plasmar e di-rigir a reforma do Concílio estão suas encíclicasEcclesiam Suam (1964), Populorum Progressio(1967), em que afirma que o progresso deve serintegral e afeta todos os aspectos: econômico,cultural e espiritual; a Octogesima Adveniens(1971) sobre questões sociais, e outras sobre avida religiosa (1971) e sobre a evangelização(1976).

Com Paulo VI, a Igreja parece ter encontradouma dimensão mundial, tomando parte ativa en-tre os que procuram a solução dos problemas destemundo. Com as viagens, os encontros e os ges-tos, o papa ganhou a simpatia dos cristãos e dosnão-cristãos. O papa esteve em Nova York, sededas Nações Unidas, em 1965; em Portugal e emIstambul, onde encontrou-se com o patriarcaAtenágoras, em 1967; na América Latina em1968; em Genebra e Uganda em 1969; no Ex-tremo Oriente em 1970. Sem esquecer sua pri-meira viagem à Terra Santa (1964) e seu encon-tro com o arcebispo de Cantuária em 1970. Ostemas tratados por Paulo VI nessas viagens eram

Paulo VI, Papa

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basicamente os mesmos: a paz mundial, a justiçasocial, a fome e a ignorância no mundo, afraternidade universal em Deus e a cooperaçãointernacional.

BIBLIOGRAFIA: G. Alberigo-J. P. Jossua, Recepcióndel Vaticano II. Cristiandad, Madrid 1987; C. Floristán-J. J.Tamayo, El Vaticano II, veinte años después. Cristiandad,Madrid 1985; R. Laurentin, Balances. Taurus, Madrid 1964;J. L. González-T. Pérez, Pablo VI, 1964.

Pedro Lombardo (1100-1160)

O nome de Pedro Lombardo está vinculado àsSumas ou compêndios de teologia da escolásticamedieval. Sua influência é patente nas escolas eautores medievais. Sua obra principal, a SummaSententiarum, foi livro de texto até boa parte doséc. XVI.

Nascido em Lumello (Novara), estudou emBolonha, para passar depois à escola de São Vítorem Paris e, de 1140, à escola-catedral de Paris.Foi nomeado bispo desta cidade em 1159, mor-rendo provavelmente em 1160.

As obras de Pedro Lombardo que chegaramaté nós são um Comentário às epístolas deSão Paulo e outro aos Salmos. Sua obra prin-cipal, como se sabe, são os Libri quattuorSententiarum, conhecidos também como SummaSententiarum, que lhe valeu o título de “MagisterSententiarum”.

A Summa Sententiarum insere-se no gêneroliterário de summas ou compêndios, em que osprofessores expunham sua doutrina teológica paraos alunos. São uma série de sentenças ou propo-sições que seguem uma ordem mais ou menoslógica sobre diferentes pontos ou teses de teolo-gia. A essas sentenças tomadas das Escrituras ouda patrística, seguia o texto original, que não eramais do que a explicação das mesmas conformeo critério do mestre.

As Sentenças de Pedro Lombardo transforma-ram-se, muito cedo, num dos livros fundamen-tais do ensino filosófico-teológico medieval.

Pedro Lombardo

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Embora sua originalidade filosófico-teológicofosse escassa, essas Sentenças tinham, entretan-to, a vantagem de oferecer uma doutrina coerentee sistemática dos conteúdos da fé cristã.

A Summa Sententiarum está dividida em qua-tro livros. Os três primeiros tratam das coisas (res)que não são símbolos de outras coisas. O quartoocupa-se dos signos (signa) que simbolizam ou-tras coisas, isto é, os sete sacramentos. Temosassim: Livro I: Deus; Livro II: As criaturas; Li-vro III: As virtudes e a salvação; Livro IV: Ossacramentos. Um esboço do que seriam asSummas dos séc. XIII e XIV e os manuais poste-riores de teologia.

Como dissemos, a Summa Sententiarum nãonasce “ex novo”. Copia com freqüência de outrassummas e autores como Hugo de São Vítor, dostextos patrísticos coletados no Decretum Gratianietc. Utiliza muitas das classificações de São *JoãoDamasceno em De fide orthodoxa. Sua principalcontribuição vem dos textos e opiniões de Santo*Agostinho, Santo *Hilário, Santo *Ambrósio,São *Jerônimo, São *Gregório Magno,*Cassiodoro, Santo *Isidoro, São *Beda etc.

“Ao expor sistematicamente a doutrina cristã,Pedro Lombardo preocupa-se mais em conservaro patrimônio da tradição que de em aprofundar-se nele. Não é um espírito original, mas um com-pilador, como ele mesmo confessa no prólogo,onde diz que seu objetivo é compendiar, numaobra breve, as *sentenças dos santos padres, paraevitar que o estudante tenha o fatigante trabalhode recorrer a textos originais” (Diccionario de fi-lósofos).

Numa condensada e obrigatória síntese dopensamento e do método de Pedro Lombardo,diremos que: a) apesar de sua afirmação de que“acredita nos pecadores, não nos dialéticos”, nos-so autor é um dialético que procura fazer valertodo o peso de sua razão em apoio à autoridadedos textos citados; b) emprega e serve-se de to-dos os meios possíveis para a compreensão dostextos patrísticos; c) é notável a influência que

Pedro Lombardo

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tem *Abelardo sobre ele, assim como o empenhode realizar um trabalho sistemático em teologia.Resumindo, é um dos escolásticos cujo pesose faz sentir em outros mestres, obrigando-os aum comentário sobre suas Sentenças. SomenteF. de *Vitória e Cayetano conseguiram deixá-lode lado nas escolas, impondo a Summa de Santo*Tomás.

BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 191-192; São Boaventura,Opera omnia, nos tomos I-IV aparecem os Libri quattuorSententiarum. Quaracchi 1882-1889; P. Delhaye, PierreLombarde, sa vie, ses oeuvres, sa morale.

Pedro, o Venerável (1092-1156)

*Abelardo, Pedro.

Péguy, Charles (1873-1914)

*Mounier, E.; *Literatura atual e cristia-nismo.

Petrarca, Francesco (1304-1374)

Nasceu em Arezzo e morreu em Arquà sui CilliEuganei. Petrarca é considerado o iniciador emestre do humanismo. Se *Dante ainda está li-gado, doutrinalmente, à Idade Média, Petrarcaafasta-se daquele mundo até mesmo em sua dou-trina. Viu nos Studia humanitatis um instrumen-to muito eficaz e uma nova força espiritual paracriar uma nova cultura e uma nova concepção davida.

Em que consistia essa nova cultura e concep-ção da vida? Petrarca deixou-o bem claro em suaprimeira obra De sui ipsius et multorumignorantia (1337-1338), chamando a um retornoà antiga sabedoria romano-cristã representada porCícero e Santo *Agostinho. A sabedoria clássicae cristã é a que se fundamenta na meditação inte-rior, através da qual a personalidade do homemaclara-se e se forma. O modelo e o método nesteretorno ao interior é, para Petrarca, Santo Agosti-

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nho. É o mais próximo de seu espírito e a quemprocura retornar continuamente.

— Esse procedimento foi aplicado em sua obraposterior De contemptu mundi (entre 1347-1353),conhecida também como Secretum. Santo Agos-tinho compendia todas as exigências eensinamentos de Petrarca. No diálogo entre Fran-cisco e Agostinho, o poeta faz uma confissão deseu conflito interior. Confessa ser vítima da acídia— o tédio doloroso da vida — a doença medievaldos claustros. Encontra a resposta nas Confissõesde Santo Agostinho, que sempre levava consigo.“Os homens se esquecem de si próprios e ficamsem admiração diante de si mesmos.” Terminoureconhecendo que toda a sabedoria antiga tendea concentrar o homem em si mesmo e que o “noliforas ire” agostiniano e o “scito te ipsum”socrático são equivalentes.

— Descobre também que toda a sua vida estádividida entre a admiração pela natureza e a inci-tação da sabedoria. Em seu espírito, combatem ochamado do mundo e o convite à concentraçãointerior. Essa é a luta característica de sua perso-nalidade. Vive a experiência do contraste entre afuga do mundo e a procura das honras, a coroa-ção no Capitólio, a glória, o amor de Laura, oamor à natureza e o desejo de riquezas e de gló-ria. O contraste é reconhecido como lei de vidaem sua obra posterior De remediis utriusquefortunae (1366). “Tudo — afirma — aconteceatravés do contraste, e o que se chama aventurana verdade é luta.” “E a luta maior, mais dura, é aque se estabelece dentro do homem.” “Nunca estácompleto; nunca é uno, mas está internamente emdiscordância e lacerado.”

— Esse pessimismo petrarquiano fica suavi-zado com o anúncio e a esperança do renascer deuma era de paz. Anuncia o retorno à idade áureado mundo, ou seja, à era da paz e da justiça: “Ani-me belle e di virtute amiche terranno il mundo...”.

E o retorno à idade áurea é um regresso a“le opere antiche”, aos costumes e às artes an-tigas. Para esse advento contribuiu com sua

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obra de poeta e de historiador. Seu poema África,seu livro De viris illustribus não são mais doque a tentativa de adiantar a vinda da idade deouro com o exemplo das grandes figuras daAntigüidade. Nesta mesma linha inscreve-se suaobra Rerum memorandarum libri IV (incomple-ta). No De vita solitaria advoga pelo otium, ga-rantia da liberdade do espírito contra a dispersãode quem se deixa dominar pelas ocupações mun-danas, tal como se manifesta na vida dos eremi-tas cristãos.

— Numa síntese muito condensada do pensa-mento de Petrarca — não nos ocupamos de suaarte e poesia —, podemos concluir: a) em Petrarca,o culto à Antigüidade clássica e cristã leva consi-go uma crítica à Idade Média, o descobrimentonuma primeira formulação das linhasprogramáticas da consciência moderna; b)Petrarca contribui ainda com a formação do as-pecto filosófico e especulativo do humanismo.Para isso faz uma crítica do aristotelismo em to-das as suas formas, desde o averroísmo até aescolástica; c) ao aristotelismo Petrarca contra-põe uma sabedoria que não é uma filosofia emsentido intelectualista, mas uma concepção davida em função de suas exigências morais e reli-giosas. Para isso aponta na direção de três ho-mens: Platão, Cícero e Santo *Agostinho. Delesreceberá a preocupação pelo homem e por todosos seus problemas morais e religiosos.

“O pensamento filosófico de Petrarca mani-festa-se no desinteresse pela ordem da natureza,na aversão a toda forma de cosmologismo, na re-dução da filosofia ao problema da interioridadehumana e o caráter essencialmente religioso dabusca da sabedoria, orientada para uma fundamen-tal finalidade soteriológica. Nessa orientação jáexiste um sensível afastamento da espiritualidademedieval, assim como uma clara antecipação daconsciência moderna” (Diccionario de filósofos).

BIBLIOGRAFIA: Francisci Petrarcae Opera omnia.Basiléia 1581; Diccionario Bompiani de Autores Literarios.Planeta-Agostini, Barcelona 1987.

Petrarca, Francesco

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Pico de la Mirândola, João, Conde deConcórdia (1463-1494)

Esse jovem aristocrata do “quattrocento” ita-liano é chave para se entender o humanismo. Pro-vocador em sua vida, em seus gestos e em seusescritos, encarna o desejo do saber universal alémdas formas e das escolas. Ensaiou um tipo de vidae de pensamento original, rompendo os moldesde seu tempo. Não se limitou ao estudo do latime do grego — que começam a dominar nos ambi-entes cultos da Itália —, mas se iniciou no conhe-cimento das línguas orientais: hebraico, árabe ecaldeu. Mergulhado na verdade filosófica e reli-giosa — acima de tudo — trata de procurá-la emPlatão, Aristóteles e Averróis; estudou as Escri-turas cristãs e os Oráculos caldeus, a cabala e oCorão. Viveu onde viveu a ciência: Ferrara,Pádua, Florença, Paris. Escutou *Savonarola, semtomar partido por sua causa, e se aproximou de*Ficino, sem entrar em sua escola nem no círculode seus amigos.

— Porém, o que mais se destacou neste jo-vem inquieto foi seu entusiasmo pelos novos ide-ais científicos. Estimulou-o a verdade filosóficae religiosa — que se apresenta nua a quem a pro-cura com afã — e que deve ser transmitida aosdemais tal como é, sem as roupagens da retórica.Em 1486 irrompeu na vida pública com a apari-ção em Roma de suas 900 Conclusões ou Teses(Conclusiones philosophicae, cabalisticae ettheologicae). Das 900 teses, 402 foram tomadasdas mais díspares fontes culturais: filósofos e te-ólogos latinos, peripatéticos árabes, platônicos,matemáticos, pitagóricos, teólogos caldeus,Hermes Trismegisto, cabalistas hebreus. As de-mais eram fruto de sua reflexão pessoal. Umasqueriam introduzir novas verdades filosóficas;outras tentavam demonstrar a verdade sobre ocristianismo, como ponto de convergência da tra-dição cultural, religiosa, filosófica e teosófica dediversos países. Essas teses deveriam ser discuti-das por sábios de todo o mundo, num congresso

Pico de la Mirândola, João,

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convocado e sufragado por Pico, e que não se le-vou a efeito.

— Passou à história do pensamento comOratio de hominis dignitate, que precedeu àsConclusões como introdução. O homem é, paraele, o centro da realidade, colocado por Deus paraque pudesse escolher livremente a meta de suasaspirações e viver, de acordo com sua escolha, avida das bestas ou a dos seres divinos.

— Pico nega a proposição neoplatônica de queo homem é intermediário entre o mundo terrenoe o divino. O homem não é copula mundi, nemmensura mundi, nem microcosmos. O homem nãotem teto nem medida: pode ser o que quiser. Ohomem encontra-se fora dessa hierarquia e pos-sui uma capacidade ilimitada para o auto-aper-feiçoamento espiritual. O valor da verdade filo-sófica encontra-se em sua capacidade de purifi-car a alma humana e de contribuir para a sua per-feição.

— Pico expressa essas idéias na célebre pas-sagem do Discurso sobre a dignidade do homem.Diz assim: “Por fim me pareceu chegar a enten-der por que o homem é o ser vivo mais feliz e,por isso, o mais digno de admiração. E cheguei aentender também qual é a condição que lhe cou-be na sorte dentro do universo... Tu marcarás tuanatureza segundo a liberdade que te entreguei,pois não estás submetido a nenhum caudal estrei-to. Não te fiz celeste nem terrestre, nem mortalnem imortal. Tu mesmo deves dar-te a forma quepreferires para ti”.

— Pico é um eclético: a) Sustenta que todasas filosofias contêm verdades de valor. b) Platãoe Aristóteles coincidem substancialmente na con-cepção do ser e do uno (De ente et uno, 1492). c)Desenvolve a idéia de um fundo primitivo de sa-bedoria divina desde as obras dos herméticos atéo cabalismo judeu que, segundo ele, encerravauma tradição de saber essencial para a interpreta-ção da Bíblia. d) Vê a natureza impregnada deum hálito divino. Em sua obra Disputationesadversus astrologiam (1493), opôs-se à astrolo-

Pico de la Mirândola, João

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gia e à magia convencional, qualificando-as de“inimigas da religião”. Não obstante, Pico pro-cura algo mais profundo do que a bela forma lite-rária: a verdade filosófica e religiosa. “Com isso,a cultura renascentista, saindo da fase filológicae literária, começou a caminhar para uma con-cepção científica e ao mesmo tempo religiosa douniverso”.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Ed. de E. Garin, Tu-rim 1971; P. O. Kristeller, Ocho filósofos. México 1974, combibliografia; Humanismo y Renacimiento. Tradução e sele-ção de Pedro R. Santidrián, em que aparece o Discurso so-bre la dignidad del hombre, 121.

Pietismo (séc. XVII)

*Pietistas.

Pietistas (séc. XVII)

O pietismo não deve ser confundido com oquietismo‚ nem muito menos com o puritanismo.Esse último é um movimento de reforma que sur-giu e evoluiu nos séc. XVI-XVII na Igreja da In-glaterra e que se transportou às colônias da Amé-rica do Norte, onde criou o “modelo de vida puri-tana” que todos conhecem. O quietismo é um pro-duto da Igreja Católica. Nasceu na Espanha(*Molinos; *Fénelon) e teve ramificações na Itá-lia e na França. O pietismo nasceu na Alemanhaprotestante do século XVII. Acentua a fé pessoalem protesto contra a secularização da Igreja. Sur-giu como reação da guerra dos “trinta anos” naAlemanha e estendeu-se um pouco por toda aEuropa sempre que a religião se divorciava daexperiência pessoal. Foram vários os motivosimediatos desse movimento, entre eles o endure-cimento escolástico do luteranismo diante dosseus adversários, e a influência vinda do exterior,das obras dos puritanos ingleses, como RichardBaxter, John *Bunyan e outros exilados naHolanda, como William Ames.

Embora, mais tarde, derivasse para uma lite-

Pietismo

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ratura devocional, baseada em parte na tradiçãomística alemã, o próprio dos pietistas foi uma“teologia do coração”, alimentada pelos escri-tos de Johann Arndt (1555-1621). Encontraramseu refúgio na Palavra pela leitura e meditaçãoda Bíblia, reforçada pela força dos hinos daliturgia luterana. O principal representante des-se movimento pietista na Alemanha foi F.Jacob Spener (1635-1705). Em seu ministérioem Frankfurt, ficou impressionado com a vida de-cadente da cidade e organizou os primeiroscollegia pietatis, nos quais os leigos cristãos reu-niam-se regularmente para trocar suas experiên-cias e fazer a leitura espiritual. Essas práticastransformaram-se em características dos colegiapietatis, recebendo seus freqüentadores o nomede pietistas.

Em sua obra mais famosa, Pia desideria(1675), Spener expôs as debilidades da ortodoxiae adiantou uma reforma cujos pontos principaissão: a) maior uso privado e público das Escritu-ras; b) maior dedicação por parte dos leigos desuas responsabilidades sacerdotais como crentes;c) a necessidade de que a fé viva dê frutos práti-cos; d) que a formação para o ministério ressaltemais a piedade e o conhecimento do que a dispu-ta; e) que a prédica dirija-se mais à edificação.Para isso, os collegia pietatis foram um instru-mento muito eficaz, assim como foram entre oscatólicos os Oratórios (*Filipe Néri; *Bérulle).

O sucessor de Spener foi Auguste H. Francke(1663-1727), da Universidade de Halle. Baseadono princípio de que “um grão de fé verdadeiravale mais do que um quintal de erudição históri-ca, e uma gota de caridade mais do que um ocea-no de ciência”, lançou-se a uma campanha inten-sa de alfabetização e de criação de escolas e deum seminário para mestres, nos quais se busca,fundamentalmente, “a piedade do coração”.Francke é considerado um dos grandes pedagogosda fé e da piedade cristãs, assim como das letrashumanas. Exemplo disso é seu livro Doutrinamais breve e simples para dirigir as crianças à

Pietistas

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verdadeira piedade e ao espírito cristão (1702),que constitui um verdadeiro plano de ensino.Francke teve muitos outros seguidores, entre eleso fundador dos Irmãos moravos, um dos quaisfoi *Comenius, o autor da Didática magna (*Edu-cadores cristãos). Desta forma, o pietismo nãosó se abriu às novas formas de educação cristã,mas também a uma nova pastoral, à açãomissionária e litúrgica. O movimento pietista ca-lou fundo no seio do protestantismo alemão e deregiões de sua influência. Desde o século XVIII,estimulou direta ou indiretamente todos os movi-mentos “revivalistas” dos séc. XIX e XX.

BIBLIOGRAFIA: J. M. Gómez-Heras, Teología Protes-tante (BAC).

Pio IV (1499-1565)

*Trento, Concílio de; *Símbolo dos Após-tolos.

Pio V (1504-1572)

*Catecismo.

Pio IX (1792-1878)

*Vaticano I; *Syllabus.

Pio X, São (1835-1914)

*Loisy; *Modernismo; *Teologia atual, Pa-norama da.

Pio XII (1876-1958)

Eugênio Pacelli, Papa Pio XII de 1939 a 1958,mostra em que medida o Magistério da Igrejaadquire sua consciência e desenvolvimento ple-no nos últimos tempos. Pio XII é o gesto, a voz ea presença da Igreja na guerra e na paz, na cons-trução de um mundo novo, de uma nova ordem

Pio IV

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moral e espiritual, de um perfil e de uma disposi-ção cristã diferente. A palavra e a presença daIgreja fizeram-se ouvir através de suas alocuçõesirradiadas, diretas, através de encíclicas, discur-sos, intervenções. Observou-se, no entanto, o ca-ráter de preparação e antecipação que o pontifi-cado de Pio XII teve com relação à Igreja e aomundo do *Vaticano II e de nossos dias. Da mes-ma forma, acusa-se o estilo pessoal do papa dian-te do imobilismo das estruturas; o centralismo deRoma diante da iniciativa das Igrejas particula-res, dos movimentos e dos indivíduos.

Contudo, não se pode passar por cima de algoque caracteriza e resume tanto a atividade de PioXII como a de seu predecessor Pio XI: a solicitu-de pastoral por uma presença do Evangelho nomundo moderno, dentro e fora da Igreja. A ne-cessidade de sair ao encontro dos problemas domundo moderno permite-nos ressaltar as princi-pais frentes de atuação do pontífice: 1) Atividadediplomática, baseada no princípio e no valor dosacordos, que trata de preservar os privilégios e aliberdade de ação da Igreja, mesmo em regimesirreconciliáveis com os princípios cristãos. Comoexemplo, sua atividade diplomática com a Ale-manha nazista, com a Itália de Mussolini, com aEspanha de Franco e o Portugal de Salazar. Mui-to discutida foi sua ação e política com o regimenazista e com sua posterior perseguição aos ju-deus. Tudo isso provocou uma áspera controvér-sia. Faltou valentia a Pio XII para denunciar aperseguição e o holocausto judeu? Era favorávelao nazismo? Ignorava o que acontecia? Haviaassinado o acordo com Hitler em 1933 e em 1937participara da redação da encíclica Mit brennenderSorge. Sem nenhuma simpatia pelo nazismo, pre-feria as intervenções diplomáticas discretas maisque as declarações solenes.

— Príncipe da paz. Em 1939-1940, depois dese esforçar por impedir a declaração da guerra,aconselhou Mussolini a manter-se fora do con-flito e às potências européias a negociarem pa-ra solucionar seus problemas. Durante toda a

Pio XII

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guerra, em numerosos discursos e nas rádio-mensagens de Natal, falou incansavelmentesobre os excessos da guerra e os benefícios deuma negociação e de uma paz baseadas num jus-to equilíbrio. Definiu assim as condições de umapaz cristã (Summi Pontificatus, 1940); as rádio-mensagens de Natal de 1939-1948 aspiravam auma nova ordem internacional, acima dos inte-resses das partes e do nacionalismo dos beli-gerantes.

— No terreno doutrinal, Pio XII abordou im-portantes problemas, tanto para a Igreja quantopara o mundo: a Igreja como Corpo Místico deCristo (Mystici Corporis, 1943); alocuções e dis-cursos sobre o matrimônio, a família e a educa-ção dos filhos; sobre problemas de medicina emoral, assim como sobre problemas de direitointernacional.

Nessa atividade doutrinal, destacam-se trêscapítulos: a) a encíclica Divino Afflante Spiritu(1943) dá um novo impulso e direção aos estudosbíblicos dentro do catolicismo, atrasados pela at-mosfera um tanto inquisitória que se arrastavadesde Pio X com o modernismo; b) a encíclicaHumani Generis (1950), que pela primeira vezdenuncia os desvios da pesquisa teológica eexegética com especial atenção à “nova teologia”;c) Mediator Dei (1947) é uma encíclica sobre aliturgia que prenuncia as reformas do VaticanoII.

Talvez o que mais devamos ressaltar em PioXII seja o novo impulso e a canalização das aspi-rações da Igreja e de um mundo que queria sermelhor. Evidentemente, nem sempre o conseguiu.Comunismo, ação católica e apostolado secular,novas formas de apostolado, pastoral dos padresoperários, o não-avanço no campo ecumênico, sãoalguns dos temas que ficaram pendentes e que oConcílio Vaticano II teria de enfrentar.

BIBLIOGRAFIA: J. A. Hardon, El cristianismo en elsiglo XX. Santander 1973; R. de Luis, El Vaticano, cátedrade paz, 1945; L. Pereña, En la frontera de la paz. Madrid1961; D. Tardini, Pío XII, 1960.

Pio XII

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Policarpo de Esmirna (59-155)

*Padres apostólicos; *Marcião.

Porfírio (232-304)

*João Damasceno; *Juliano Apóstata.

Port-Royal

*Jansênio.

Professio fidei tridentinae (1564)

*Símbolo dos Apóstolos.

Prudêncio, Aurélio (348-405)Aurelius Clemens Prudentius nasceu em

Saragoça. Governador e perito do direito, foi ho-mem de confiança do imperador Teodósio, emcuja corte gozou de alta estima. Cansado da vidada corte, dedicou o resto de seus dias — desde392 — a compor poemas sobre temas cristãos.Prudêncio foi o poeta latino que compôs o pri-meiro poema totalmente alegórico da literaturaeuropéia, chamado Psychomachia. Gozou de umainfluência imensa na Idade Média, sendo imitadopor poetas e escritores espirituais.

Entende-se a obra poética de Prudêncio sobdiferentes pontos. Em primeiro lugar, o literário:a poesia do saragoçano que dá forma literária clás-sica aos temas cristãos. Em segundo lugar, en-contra o conteúdo de sua poesia e inspiração naBíblia, nas *Atas dos Mártires e em autores como*Tertuliano e Santo *Ambrósio. Finalmente, suapoesia — seus hinos em particular — entra naliturgia do Ocidente e é conhecida do povo culto.Sob esses pontos de vista, é considerado o pri-meiro poeta cristão por seu profundo conteúdo emensagem.

Suas obras: o Cathemerinon ou livro das ho-ras. Compreende doze poemas líricos sobre as

Prudêncio, Aurélio

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horas do dia e sobre as festas cristãs. Predominaneles o simbolismo contínuo da luz e das trevas.Muitos desses poemas passaram a ser hinos dashoras litúrgicas do breviário. Segue-lhe oPeristephanon ou poemário das coroas dos már-tires. Contém catorze poemas sobre os mártiresespanhóis e romanos. Esses dois livros de poe-mas são os que melhor nos conduzem à alma sen-sível e exaltada, ao mesmo tempo, de Prudêncio.

Há ainda outras quatro obras nas quais a poe-sia está mais a serviço da ortodoxia cristã. Assim,a Apotheosis é dirigida contra os que não aceitama Trindade nem a divindade de Cristo. AHamartigenia é um ataque contra *Marcião e seusseguidores, que defendiam o dualismo gnóstico.Na Psycomachia descreve a batalha da fé, apoia-da pelas quatro virtudes cardeais, contra a idola-tria e seus correspondentes vícios. Em seus doislivros Contra Symmachum responde ao senadorque pedia que o altar voltasse ao Senado.

Em qualquer caso, Aurelio Prudêncio conti-nua sendo o poeta cristão elegante e clássico, cujosversos e estrofes ainda ressoam em nossasigrejas.

BIBLIOGRAFIA: Obras completas de AurelioPrudencio. Edição bilíngüe preparada por A. Ortega e I.Rodríguez (BAC); Patrología, III. La edad de oro de la lite-ratura patrística latina; A. di Bernardino, Patrología, (BAC).

Psichari, Ernesto (1883-1914)

*Literatura autobiográfica.

Ptolomeu (séc. II)

*Ciência e fé.

Puebla, Documentos de (1979)

*CELAM.

Psichari, Ernesto

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Quadrato (séc. II)

*Apologistas.

Querigma

*Paulo Apóstolo, São.

Quesnay (1694-1774)

*Enciclopédia.

Quesnel, Pasquier (1634-1719)

*Jansenismo.

QuietismoPara entender melhor os autores místicos e em

geral a literatura mística cristã, é convenientecompreender o conceito e termo quietismo. “Oquietismo é uma doutrina teológica e por sua vezuma posição metafísica, entendida, esta última,como disciplina de salvação mais do que comocaminho de conhecimento” (Ferrater Mora,Diccionario de filosofía). Vinculado o conceitoao espanhol Miguel de *Molinos, seus anteceden-tes, segundo *Menéndez y Pelayo, são múltiplos:“A genealogia de Molinos — diz ele — remontaa muito mais tarde e chega até Sakya-Muni e osbudistas indianos, e deles descende, passando pelaescola de Alexandria e pelos gnósticos, até osbegardos e os fraticellos e os místicos alemães doséc. XIV”. Nessa genealogia quietista devemospensar, em especial, num autor e em sua obracomo é o *Pseudo-Dionísio Areopagita.

QQuietismo

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Costuma-se conceituar o quietismo como umadoutrina e atitude espiritual que põe a perfeiçãona passividade ou quietude da alma, na supres-são do esforço humano, de forma que a ação dagraça divina possa atuar totalmente. Assim, doponto de vista religioso e cristão, o quietismo sem-pre enfatiza a contemplação, à qual se outorgasuperioridade, sobre todos os atos morais e reli-giosos, e ao qual lhe concede a única possibilida-de de uma visão estática e direta do ser divino.

Nessa linha situa-se o quietismo de *Molinos.As análises que se fazem da contemplação noGuia espiritual e em suas Cartas a um cavaleiroespanhol para animá-lo a fazer oração mentalnão objetivam a nada mais do que a provocar essaquietude do espírito através da contemplação. Paraisso distingue: a) entre contemplação imperfeita,ativa e adquirida, e contemplação infusa e passi-va; b) entre um silêncio de palavras, um silênciode desejos e um silêncio de pensamentos, é supe-rior a todos esse último por ser o único que con-duz ao recolhimento interior. Termina afirmandoque a perfeição da alma não consiste em pensarmuito em Deus, nem em falar dele, mas em amá-lo muito. Só então a alma chega a gozar de summafelicidade. “Aniquilada a alma e com perfeitanudez renovada, experimenta uma profunda paze uma saborosa quietude, que a conduzem a umaperpétua união de amor que em tudo se alegra.Essa alma chegou a tal felicidade que não quernem deseja outra coisa senão o que seu amadodeseja.”

Nesta situação, querer agir é ofender a Deus,que tudo deseja fazer no homem. A inatividadedevolve a alma a seu princípio, o ser divino, noqual se transformou. Deus, a única realidade, vivee reina nele. A alma já não se ocupa da salvaçãonem de sua perfeição. Tampouco necessita rea-lizar os exercícios ordinários de piedade. Inclusi-ve diante das tentações, deve manter-se passiva,porque o espiritual não peca, pois não pode con-sentir.

O quietismo brotou na França, principalmen-

Quietismo

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te no caso de *Fénelon e de Madame *Guyon.Movimentos paralelos de quietismo encontram-se nos movimentos *pietistas e nos “quackers”protestantes, embora não sejam idênticos. Tantoa doutrina de Molinos quanto a de Fénelon foramcondenadas pela Igreja.

BIBLIOGRAFIA : M. Menéndez y Pelayo, Historia delos Heterodoxos Españoles (BAC), 2 vols.; Helmut Hatzfeld,Estudios literarios sobre mística española. Gredos, Madrid1968; Claudio Lendínez, Treinta y tres proposiciones sobreMiguel de Molinos. Júcar, Madrid 1974; J. R. Armogathe,Le quiétisme . PUF, Paris 1973.

Quiliasmo

*Milenarismo.

Qumrã (séc. II a.C.-séc. I d.C.)

*Mar Morto, Manuscritos do.

Rahner, Karl (1904-1985)

Jesuíta alemão, profundamente ligado à reno-vação da teologia católica e da Igreja. Desde 1948foi professor de teologia dogmática em Innsbruck.Posteriormente lecionou também teologia nasUniversidades de Munique e Münster. A partirde 1964, e durante três anos, participou dos tra-balhos da comissão teológica do *Vaticano ll,dando ao mesmo tempo cursos sobre a concep-ção cristã do mundo na Faculdade de Filosofia deMünster, onde sucedeu Romano *Guardini. Aaposentadoria de Rahner, em 1971, não interrom-

R

Rahner, Karl

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peu sua atividade científica e pastoral, já que con-tinua sendo membro ativo do Sínodo Nacionalda Alemanha.

Sua obra insere-se na corrente filosófica ale-mã de Heidegger, de quem foi discípulo, e nutre-se do pensamento teológico alemão tanto católi-co quanto protestante. É uma teologia aberta eprofundamente tradicional, mas fortalecida comum novo alento de vida e cultura moderna. Suanumerosa produção vai de 1941 a praticamenteseus últimos dias, em 1985. Cabe assinalar as se-guintes obras: Ouvinte da palavra (1941); Visõese profecias (1952); Liberdade de palavra na Igreja(1953); Missão e graça (1959); Cristologia(1972); Mudança estrutural da Igreja (1973);Curso fundamental da fé (1976). Muitos de seusescritos foram coletados nos Escritos de Teolo-gia (1954-1975) e na coleção “Quaestionesdisputatae” (iniciada em 1958). Dirigiu tambémas obras enciclopédicas Sacramentum mundi(1969) e Manual de teologia pastoral (1971-1972).

Dessa abundante obra destacamos sua doutri-na mais original, e que divulgou o que se conhe-

Rahner, Karl

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ce como “cristianismo anônimo”. Para ele, cris-tão é todo aquele que “choca com o mistério”.Quanto mais o homem se coloca questões funda-mentais e se aprofunda na experiência da vida ouutiliza seus conhecimentos científicos, mais seadentra no mistério: “é o mistério que chamamosDeus”.

Pois bem, “o cristão anônimo”, tal como oentendemos, é o pagão que vive depois da vindae pregação de Cristo, em estado de graça atravésda fé, da esperança e da caridade, embora não te-nha conhcecimento explícito do fato de que suavida é orientada pela graça salvadora que leva aCristo... Deve haver uma explicação cristã quedê conta do fato que todo indivíduo que não ope-ra em nenhum sentido contra a sua própria cons-ciência e diz realmente em seu coração ‘Abba’com fé, esperança e caridade, é na realidade aosolhos de Deus um irmão para os cristãos” (Escri-tos de teologia).

Sua idéia, seguida hoje por muitos outros teó-logos, de que existam “cristãos anônimos” semcompromisso religioso algum, é altamente suges-tiva. “Cristão anônimo é aquele que aceita a simesmo numa decisão moral”, ainda quando taldecisão não se faz de uma forma “religiosa” ou“teísta”. Justificaria o chamado “cristianismo se-cular” ou “cristianismo horizontal” tal como oformulou a Assembléia de Upsala (1964) e talcomo o formula a Teologia da *Libertação. Pode-se ser cristão sem referência a nenhum elementoreligioso. E a Igreja fica como comunidademissionária sem nenhuma pretensão ou pressãosocial e política.

Como outros teólogos, Rahner recebeu vários“monitum”. Sua teoria do cristianismo anônimo,aberto a todos e não monopolizado pela Igreja —um cristianismo disperso e arraigado em todo omundo, um cristianismo sem fronteiras, fruto dagraça de Deus oferecida acima de todas as cate-gorias humanas — foi posta em questão. “A teo-logia não é um assunto privado e, submetida aoMagistério da Igreja, inclusive em sua tarefa de

Rahner, Karl

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pesquisa, não pode esconder-se atrás de uma li-berdade acadêmica” (*Paulo VI, 1975). Nãoobstante, permanece o mais valioso de sua dou-trina: o diálogo constante mantido com o homemmoderno, com a sociedade e suas condições. Ateologia terá de fazer o possível para não se de-sentender com eles.

BIBLIOGRAFIA: Graça divina em abismos humanos;Missão e graça; O caminho do homem novo; Teologia e Bí-blia; Teologia e antropologia; Revelação e tradição; Odogma repensado; Estruturas em mudança; O homem e agraça; Curso fundamental de la fe. Herder, Barcelona 1978;Cristología. Estudio sistemático y exegético. Cristiandad,Madrid 1975; Sentido teológico de la muerte. Herder, Bar-celona 1975; Escritos de teología; La infalibilidad de laIglesia. Respuesta a H. Küng, obra em colaboração dirigidapor K. Rahner (BAC); Dios con nosotros. Meditaciones(BAC popular).

Raimundo de Peñafort, São(1185-1275)

Religioso dominicano de grande influência navida política e religiosa de seu tempo. Fez seusestudos de direito em Bolonha (1210-1216), ondeexerceu o magistério (1216). Fruto desse magis-tério é sua Summa Juris. Em 1219 regressou aCatalunha e ingressou nos dominicanos em 1222.Nomeado capelão e penitenciário do PapaGregório IX, foi encarregado por este de compi-lar os decretos promulgados em 1234. Foi mestregeral da ordem de Pregadores (1238-1240), emcujo mandato se redigiram as novas constituiçõesda ordem, promulgadas em Paris em 1240. Devolta a Barcelona, dedicou especial atenção aoapostolado entre os judeus.

A obra teológica e moral de São Raimundochegou até nós na Summa de poenitentia etmatrimonio e na Summa pastoralis. As duas obrasocupam um lugar destacado dentro das *summasou manuais de confessores. Assim como seu com-patriota Raimundo *Lúlio, franciscano, preocu-pou-se com o apostolado de judeus e maometanos.Com esse motivo animou Santo *Tomás deAquino a redigir a Summa contra gentes.

Raimundo de Peñafort, São

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Raimundo Martí (séc. XIII)

*Domingos de Gusmão, São.

Ramírez, Santiago

*Neo-escolásticos.

Ranke, Leopold von (1795-1886)Historiador alemão, conhecido por sua Histó-

ria dos papas. Essa obra pretende ser um estudohistórico imparcial e à margem das polêmicas queos papas suscitaram entre as diferentes confissõescristãs. Dois critérios fundamentais presidem aobra: 1) O uso das fontes originais. 2) Estudo ecompreensão das diferentes tendências em rela-ção à época em que surgiram. É a visão dos papasa partir de uma ótica protestante.

BIBLIOGRAFIA: L. Von Ranke, Historia de los papasen los tiempos modernos. Fundo de Cultura Econômica,México 1951.

Ratio studiorum (séc. XVI)Tanto a Reforma como a Contra-Reforma de-

ram um impulso formidável ao ensino tanto reli-gioso como leigo. É a época dos *catecismos, daorganização de novos *colégios e universidades,das associações da Doutrina Cristã, das congre-gações para o ensino etc. Com essas instituiçõessurgem também novos métodos e planos de estu-do, entre os quais sobressai a Ratio studiorum daCompanhia de Jesus.

Um dos ideais que primeiro propôs SantoInácio de *Loyola a seus companheiros foi “man-ter escolas públicas onde se ensinassem gratuita-mente as ciências”. Esse ideal surgiu muito cedona Companhia, sobretudo na educação de jovense de crianças.

O padre Rivadeneira escreveu: “Não sei seexiste uma só coisa pela qual a Companhia possaconsagrar-se desde agora ao maior serviço de sua

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Divina Majestade que pela Educação literária dajuventude”. E em 1556, esse mesmo padre escre-veu a Felipe II: “Entre outros ministérios que elaexecuta, não é o menor de seus deveres o ter co-légios... nos quais se recebam gratuitamente, comos conhecimentos necessários para um bom cris-tão, as ciências humanas, desde os rudimentos dagramática até as faculdades mais elevadas... Fun-daram-se na Espanha, em Portugal, na Itália, naAlemanha... E por toda a parte esses estabeleci-mentos responderam a favor dos povos, comocomprovam os êxitos e os progressos que NossoSenhor concedeu em pouco tempo para uma obraque ele parece ter feito sua”.

O instrumento que canalizou e regulou essesideais foram as Constituições e posteriormente aRatio studiorum. Dez anos demorou Santo Inácio(1541-1551) para redigir as constituições. A ter-ceira parte destas é composta de 17 capítulos etotalmente dedicada à educação e ao ensino. Os10 primeiros capítulos enfocam o estilo dos colé-gios, e o restante o problema das universidades.Parece que Santo Inácio tomou o melhor da ex-periência universitária de seu tempo: deSalamanca, a subordinação de todos os saberes àteologia; de Paris, o trabalho pessoal dos alunos;e de Bolonha, os atos públicos e solenes em queintervêm e discutem os estudantes.

A Ratio studiorum é um trabalho posterior àsconstituições. Coleta a experiência dos primeirosdecênios da docência da Companhia, dita um con-junto de disposições direcionadas à prática peda-gógica dos colégios e a ordenar e dar unidade àorganização dos centros da ordem em todo omundo. A Ratio apresenta-se como obra coletivada Companhia, sob o assessoramento dos várioscérebros mais especializados, e ao mesmo tempocomo resultado das experiências nos próprios cen-tros e colégios da época. Para formar esse ambi-cioso plano de estudos entraram os dados trazi-dos pelo padre Jerônimo Nadal e coletados no Deratione studiorum Messinae, colégio que funcio-nava desde 1548; dois tratados escritos pelo pa-

Ratio studiorum

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dre Polanco, Sobre o modo de fundar colégios eConstituições que nos colégios da Companhia sedevem observar; finalmente, a obra do segovianopadre Ledesma, prefeito de estudos do ColégioRomano, De studiis Collegii Romani; e outrosdocumentos menos conhecidos. Foi lento o pro-cesso de elaboração e redação da Ratio. Em 1581criou-se uma comissão sob a direção do padreAcquaviva. Em 1584 nomeou-se uma nova co-missão composta por representantes da Alema-nha, Áustria, Espanha, França, Itália e Portugal.Depois de sete meses de estudo, fez-se um proje-to para ser submetido à revisão de todos os mem-bros da Companhia. Em 1591 fez-se uma novaredação. Em 1599, o padre Acquaviva aprovou aredação definitiva.

Na Ratio apresentam-se dois planos de estu-dos: os superiores, que compreendem a filosofiae a teologia; e os inferiores, divididos em cincograus: os três primeiros dedicados à gramática, aseguir um curso de humanidades e depois um deretórica. Era uma educação fundamentalmenteliterária, com base nas humanidades clássicas,muito ao gosto da época. Busca-se o desenvolvi-mento de todo o homem que termina no bom di-zer, bem alicerçado no bem saber e no bem pen-sar. O eixo de todo o ensino é o latim, baseadonuma série de exercícios graduados. O grego ficaem segundo plano. Todos os cursos estão relacio-nados entre si de menor a maior grau: desde agramática à retórica, que é a classe superior.

A originalidade da Ratio reside em muitos fa-tores, tanto externos quanto internos. Entre osfatores externos pode-se contar a oportunidade.É um plano de estudos que vai ao encontro dosproblemas de seu tempo. Um instrumento e ummétodo pedagógico fruto do humanismorenascentista, que trata de proporcionar uma edu-cação adequada para a época. Sob o ponto de vis-ta do documento, é evidente que apresenta mui-tas inovações e que representa um passo adiantena educação. As críticas e louvores que recebeuao longo desses quatro séculos constituem seu

Ratio studiorum

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melhor aval. “O método opõe-se radicalmente àstendências da pedagogia moderna, que cada vezmais abandona as línguas clássicas para dar suapreferência às ciências positivas, às naturais e àhistória. Esse sistema tinha a vantagem de for-mar a mente, familiarizando-a com os clássicos ecom a filosofia, acostumando-a a gostar da bele-za, do raciocínio rígido, sem preocupar-se comas noções de detalhe. Naturalmente que tudo istose tornava embebido pelos princípios cristãos.”

BIBLIOGRAFIA: R.G. Villoslada, Manual de Historiade la Compañía de Jesús. Madrid 1954; F. Charmot, Lapedagogía de los Jesuitas. Madrid 1956; J. Misson, Les idéespédagogiques de S. Ignace de Loyola. Paris 1932.

Ratzinger, Joseph

*Teologia atual, Panorama da.

Reforma (séc. XVI)

O termo Reforma aplica-se primordialmenteà revolução religiosa que teve lugar na Igreja doOcidente no século XVI. A Reforma levou con-sigo alguns homens que a tornaram possível, umadoutrina ou literatura e algumas conseqüênciasque poderíamos concretizar num estilo ou talantediferenciados.

A respeito dos autores da Reforma oureformadores, seu pensamento e atividade podemser consultados neste mesmo dicionário nos ter-mos *Lutero, *Calvino, *Zwinglio, *Melanchtonetc. Sua leitura fala não de uma, mas de váriasreformas. O talante e a cultura do reformador edo lugar deram fôlego às distintas reformas ouIgrejas reformadas.

Não obstante, fala-se da Reforma como algodiferente das reformas ocorridas na Igreja antes edepois. Os reformadores do século XVI — dife-rentemente dos anteriores, sobretudo medievais— não somente atacaram a corrupção da Igreja,mas também foram a raiz teológica do problema,como era a perversão da doutrina da Igreja sobre

Ratzinger, Joseph

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a Redenção e a graça. Lutero e os demaisreformadores deploraram e atacaram o sistema dasindulgências como acobertador e falseador do li-vre dom da graça de Deus. Insistiu na não autori-dade do papa sobre o purgatório e na não consis-tência dos méritos dos santos sobre a base doEvangelho. Daí passou a descobrir a chave teoló-gica e moral de reforma da Igreja: a) a volta àEscritura com única norma (sola Scriptura); b) afé, não as obras, como princípio da justificação(sola fides). A Reforma, em sua origem, procuravoltar à primeira forma do cristianismo, tal comoaparece nas fontes do Novo Testamento. Leva,portanto, uma intenção de crítica, revisão, inter-pretação e vivência do fato cristão. Isto se produ-ziu ao longo dos séculos XVI-XVII.

A Reforma realizou-se frente à Igreja de Roma,insistindo nestes pontos-chave, além dos dois aci-ma mencionados: 1) Sacerdócio universal dos fi-éis, a quem foi dirigida diretamente a palavra daBíblia, que podem interpretar livremente. 2) Asupremacia e direção interior de Cristo versus asupremacia e poder exterior do papa. 3) O aspec-to interior da fé e da graça que nos vem direta-mente pela fé e aceitação da Palavra. Tudo issosupõe a crítica e revisão do sistema sacramental,as indulgências, as devoções, o celibato, a vidareligiosa consagrada etc. 4) A revisão do próprioconceito de Igreja. É algo exterior ou é somenteinterior? Quem são os que pertencem à Igreja?

A Reforma é, pois, uma nova maneira de en-tender e viver o “fato cristão”. Supõe, ao mesmotempo, uma tarefa permanente de chegar ao idealcristão ou utopia descrito no Evangelho. Alémdisso, abre um processo baseado no princípio de“Ecclesia semper reformanda”.

Foi uma revolução e, como tal, dolorosa e ca-tastrófica. “Em toda a história da Igreja, a refor-ma protestante constitui a maior das catástrofes,já que trouxe consigo males maiores do que asheresias da Idade Antiga, as seitas medievais emesmo o cisma oriental de 1054” (G. Martina, DeLutero a nuestros días. I. Epoca de la Reforma).

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Em primeiro lugar, a Reforma pôs fim à uni-dade européia, ou pelo menos à unidade religiosabaseada no catolicismo. O historiador Lortz re-sume os frutos do protestantismo no subjetivismoque deságua no racionalismo que leva ao laicismo,no nacionalismo e, finalmente, na subordinaçãoda Igreja ao Estado. Com a mesma imparcialida-de, os historiadores modernos reconhecem osvalores parciais que constituem o estilo e o talan-te das Igrejas e dos homens da Reforma. Advirta-se, no entanto, que pelo fato de esta tê-los afir-mado e colocado em primeiro plano, não se con-clui que não existam na Igreja católica. Existemneles verdades parciais que a Igreja do séc. XVIera propensa a deixar um pouco na penumbra eque foram revalorizados pelos reformadores. “Écerto que a Igreja Católica reconhece tais valorescomo parte de seu patrimônio doutrinal, mas issonão nos dispensa de reconhecer como um méritodo protestantismo a afirmação e a defesa de al-gumas verdades, embora parciais, e de algunsvalores, embora unilaterais” (G. Martina). Entremuitos outros, assinalamos os seguintes: a as-piração a uma religião mais pura e íntima, ba-seada numa relação mais direta com o Deus vivo;o sentido do mistério ante o onipotente; certaausteridade de vida, alheia a compromissos fá-ceis com o mundo; o cultivo e a leitura freqüen-te da Bíblia em medida muito mais ampla do quese fazia entre os católicos; a importância atribuí-da à graça na vida cristã; participação mais ativae responsável da liturgia, assim como maior cons-ciência do verdadeiro sacerdócio dos fiéis;exaltação da liberdade e da interioridade da cons-ciência etc.

Todos esses traços e outros dão às Igrejas ehomens da Reforma o estilo e o talante de queantes falamos.

BIBLIOGRAFIA: Ricardo G. Villoslada, Martín Lutero.(BAC). Madrid 1973, 2 vols.; J. Lortz, Historia de la Refor-ma. Madrid 1963, 2 vols.; E. G. Léonard, Histoire Généraledu Protestantisme, I. Paris 1961; M. Weber, La ética protes-tante y el espíritu del capitalismo. Madrid 1952.

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Relato de um peregrino russo (1870)

*Hesiquia; *Literatura autobiográfica.

Renan, Ernest (1823-1895)

A vida e a obra de Renan podem ser estuda-das longe da polêmica e da paixão que suscita-ram em seu tempo. O “escândalo Renan” e seuimpacto na Igreja da França, e com efeito em todaa Igreja, pode ser explicado desde uma perspecti-va da própria pessoa e da época que lhe tocouviver: o séc. XIX. Protagonizou uma das grandespreocupações de seu tempo: o antagonismo entreciência e religião. Seu pensamento filosófico foiuma curiosa amálgama de positivismo e religio-sidade, que terminou em ceticismo.

Depois de sua ruptura com a Igreja em 1845,a obra filológica, histórica e crítica de Renan ins-pirou-se constantemente num positivismo exal-tado. “A ciência e somente a ciência pode dar àhumanidade aquilo sem o qual não pode viver,um símbolo e uma lei”, escrevia em sua primeiraobra O porvir da ciência (1848). Via o fim últi-mo da ciência na “organização científica da hu-manidade”. A religião do futuro será “ohumanismo, o culto de tudo o que pertence aohomem, a vida inteira santificada e elevada a umvalor moral”.

De acordo com o positivismo de Comte, oconhecimento positivo da realidade deve ter umabase experimental. Daí que o homem culto nãopossa acreditar em Deus. “Um ser que não se re-vela a si mesmo através de nenhuma ação é, paraa ciência, um ser inexistente.” Na opinião deRenan, o Deus pessoal e transcendente da fé ju-daico-cristã ficara privado de toda base racionalpelo desenvolvimento da ciência. Ficava somen-te o saber positivo acerca do mundo, obtido pormeio das ciências naturais e de investigações his-tóricas e filológicas. A ciência, em seu sentidoamplo, substituíra a teologia e a metafísica comociências de informação sobre a realidade existen-

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te. Dada a inverificabilidade do absoluto, Renanderiva para o ceticismo no campo religioso: “Nãopodemos conhecer o infinito, nem sequer se háou não infinito, nem tampouco podemos estabe-lecer se há ou não valores objetivos absolutos”.

“A verdade é que podemos atuar como se hou-vesse valores objetivos e como se existisse umDeus.” “A atitude mais lógica do pensador ante areligião — diz — é proceder como se fosse ver-dadeira. Deve comportar-se como se Deus e aalma existissem. A religião entra assim na esferade outras muitas hipóteses, como o éter, os flui-dos elétrico, luminoso, calórico, nervoso e mes-mo o átomo, dos quais sabemos perfeitamente quesomente são símbolos, meios cômodos para ex-plicar fenômenos; mas que, não obstante, mante-mos”.

Essas idéias Renan levou-as ao campo do seutrabalho: o estudo da história, “verdadeira ciên-cia da humanidade”. Assim seus primeiros estu-dos sobre Averróis e o averroísmo (1852) tendema demonstrar que a ortodoxia religiosa impede,entre os maometanos, a evolução do pensamentocientífico e filosófico. Sua História das origensdo cristianismo, composta de seis volumes, es-critos entre 1863-1881, baseia-se inteiramente nopressuposto de que as doutrinas do cristianismonão podem ser valorizadas do ponto de vista domilagre ou do sobrenatural, mas como a manifes-tação de um ideal moral em perfeito acordo coma paisagem e com as condições materiais em quenasceu. O primeiro volume desta história é suafamosa Vida de Jesus (1963), na qual colocou umimportante prólogo em 1866, quando alcançou a13ª edição. Fiel a seus princípios de rejeitar todaidéia que suponha “mistério”, “milagre” ou “in-tervenção sobrenatural” nos processos religiosos,Renan apresenta em Jesus o “homem incompará-vel”, negando-lhe, porém, a condição de Filho deDeus. “Quaisquer que sejam os fenômenos quese produzam no porvir, ninguém sobrepujará aJesus. Seu culto se rejuvenescerá incessantemen-te; sua lenda provocará lágrimas sem conta; seu

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martírio despertará a ternura nos melhores cora-ções e todos os séculos proclamarão que entre osfilhos dos homens não há nenhum nascido que selhe possa comparar” (palavras finais da Vida deJesus). “Aquela amálgama confusa de pressenti-mentos, aquela alternativa de decepções e de es-peranças, rejeitadas incessantemente pela odiosarealidade, tiveram seu intérprete no homem in-comparável a quem a consciência universal con-cedeu com justiça o título de Filho de Deus, pos-to que ele fez dar à religião um passo ao qual nãopode e não poderá provavelmente comparar-se anenhum outro” (Vida de Jesus, c. l).

A obra, como se sabe, foi violentamente ata-cada pela Igreja de seu tempo. Jesus ficava redu-zido a um amável messias, pregador de uma men-sagem de suprema moralidade, mas despojado deseu mistério profundo de salvador e verdadeiroFilho de Deus. O cristianismo era apresentadocomo uma evolução natural dos desejos e ânsiasde Israel de perfeição e justiça. Nada mais.

Na mesma linha colocamos sua História dopovo de Israel, obra em cinco volumes, sendo queos dois últimos apareceram depois de sua morte(1887-1893). Nela demonstra como se formaraentre os profetas uma religião sem dogmas nemcultos. Por isso, “embora o judaísmo desapare-cesse, os sonhos de seus profetas se tornariamverdadeiros, de forma que, sem um céu compen-satório, a justiça existirá sempre na terra graças aeles”.

Temos de dizer, no entanto, que não foi opositivismo nem o ceticismo que mereceram ascríticas e os aplausos a Renan. Foi seu estilo: “Essacapacidade de passar de um juízo a outro... essaatitude característica de aparentar saber tudo, enão ficar com nada, que o leva a rir e a duvidar detudo, e a manter o ceticismo como a posição filo-sófica mais segura”. Teve o segredo de saber le-var às massas e aos homens cultos de seu tempotanto a desmistificação sobrenatural de Cristo edo cristianismo quanto a beleza suprema de suapessoa e de sua doutrina na história da humani-

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dade. Renan foi uma bandeira que arrastou ami-gos e inimigos, pois os interesses que representa-va eram definitivos para ambos.

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes de E. Renan, 10vols. Edição de Henrriette Psichari, 1947; J. Pommier, Lapensée religieuse de Renan, 1925; H. W. Wardman, E. Renan:A critical biography, 1964.

Renascimento (séc. XV-XVI)

Este não seria o lugar para definir os limitesdo espaço e do tempo desse período da históriaque conhecemos como Renascimento. Emboradifícil, e com risco de cair em tópicos, damos al-guns traços da natureza específica desse movi-mento, que resiste até hoje a uma definição queseja comumente aceita. O Renascimento, comomovimento europeu dos séculos XIV a XVI, vemcaracterizado:

1) Por sua diferença com a Idade Média. Paraalguns, o Renascimento pressupõe uma rupturaradical com a cultura medieval. Há quem veja neleuma exaltação da razão e das artes por trás daintolerância e do obscurantismo da Idade Média.Os primeiros em advertir a oposição com a idadeprecedente foram os humanistas e os historia-dores da arte contemporânea dos grandes artis-tas. Essa diferença é interpretada por outros apartir da teoria da continuidade. O Renascimentodescobriu no período medieval seus predecesso-res, isto é, seus aspectos cristãos e seus fermen-tos racionalistas. Finalmente, outros se mantêmnum meio termo, qualificando-o como a diversi-dade dentro da continuidade. “Tanto literáriaquanto moralmente, o Renascimento consistiumais em desenvolver plenamente certas tendên-cias profundas do período medieval, com o riscoàs vezes de hipertrofiá-las do que de opor-se aelas” (Gilson).

2) Afirmação exasperada da autonomia dotemporal. “O Renascimento segue uma tendên-cia favorável a uma autonomia relativa do tem-poral e termina por exagerá-la. Na Idade Média

Renascimento

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há um impulso para a fuga do mundo, para a re-núncia aos valores terrenos, manifestada nos li-vros como De contemplu mundi e a Imitação deCristo, por exemplo. Há também a tendência asubordinar direta e indiretamente à religião todasas atividades humanas, como se estas não tives-sem outro fim imediato do que o de favorecer adifusão e o desenvolvimento do cristianismo.História, arte, filosofia, política etc. aparecemnormalmente concebidas e apoiadas somente emfunção da Igreja, da religião.

O Renascimento reage contra as duas pri-meiras tendências: a fuga do mundo e a subordi-nação direta de tudo à religião; afirma-se numaterceira posição, reconhecendo a necessidade deuma autonomia real das atividades humanas comsua racionalidade específica intrínseca, mas ter-mina por extremar tal autonomia e tende atransformá-la em independência e separação”(G. Martina).

Resumindo: tanto o Renascimento quanto seuaspecto literário, o Humanismo, não podem serconsiderados como intrinsecamente pagãos, na-turalistas, imanentistas, mas abrem uma nova pro-blemática, típica da Idade Moderna: o velho equi-líbrio que em alguns casos construíra o períodomedieval, e ao qual muitas vezes se aproximarafatigadamente, rompe-se agora sem que surja ain-da um novo equilíbrio. Não se limita o sobrena-tural, mas sim passa-o a segundo plano. Não senega a autoridade da Igreja, mas a aceitação doespírito crítico empurra à desconfiança com rela-ção a ela. A polêmica anticlerical contra a cúria,o clero secular e regular, diminui o prestígio daIgreja. Neste sentido e dentro destes limites, oespírito do Renascimento, nas antípodas, por ou-tros tantos capítulos, como o da Reforma, prepa-ra-lhe o terreno, pelo menos na Itália, e facilita-lhe o caminho.

Do ponto de vista literário, que é o que maisnos interessa aqui, supõe uma grande riqueza depensamento, de autores e de instituições. Reme-temos aos conceitos: *Humanistas; *Educadores

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cristãos; *Ratio studiorum; *Reforma; *Contra-Reforma, e aos correspondentes autores daépoca.

BIBLIOGRAFIA: J. Burckhardt, La cultura delRenacimiento en Italia. Barcelona 1964; J. Huizinga, Elotoño de la Edad Media. Tradução de J. Gaos, Madrid 1962;P. O. Kristeller, Renaissance Thought. Nova York 1961-1965,2 vols.; Humanismo y Renacimiento. Tradução e seleção dePedro R. Santidrián, Madrid 1986; Enciclopedia delRenacimiento. Alianza, Madrid 1985.

Reuchlin, J. (1455-1522)

*Melanchton.

Ricardo de São Vítor (+1173)

*Escolas e universidades.

Ricci, Mateus (1552-1610)

Missionário jesuíta que viveu na China desde1582. Ganhou a estima dos chineses por sua ci-ência e por sua explicação dos instrumentos ci-entíficos usados na Europa: relógios, esferas, sis-temas de ensino etc. Seus métodos de apostoladobasearam-se, fundamentalmente, na adaptação daspráticas e ritos cristãos à cultura e mentalidadechinesa. Conseguiu a conversão ao cristianismode muitos chineses.

Depois de sua morte, surgiu a controvérsiasobre os ritos chineses e, posteriormente, osmalabares. Essa acomodação das práticas e ritoscristãos às tradições e à cultura chinesa e malabar(indiana) foi muito discutida e logo condenadaem 1704 e, posteriormente, em 1715. A contro-vérsia não se limitou aos instrumentos e métodosdo culto e da liturgia. Afetou também a doutrina:Em que medida se deve transmitir toda a mensa-gem cristã? E sobre a linguagem? Poderiam osmissionários dar à linguagem budista econfucionista um significado cristão? E, em con-seqüência, continuariam a usá-la?

Reuchlin, J.

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Richard, Paulo (1939-)

*Libertação, Teólogos da.

Ripalda, Jêronimo de (1535-1618)

*Catecismo.

Robinson, John

*Tillich, Paul.

Romero, Oscar Arnulfo (1917-1980)

*Libertação, Teólogos da.

Rosales, Luis (1909-)

*Literatura atual e cristianismo.

Roscelino (c. 1125)

*Abelardo.

Rousseau, J. J. (1712-1778)

*Enciclopédia.

Ruysbroeck, J. D. (1293-1381)

*Eckhart; *Tauler.

Ruysbroeck, J. D.

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Sailer, J. M. (1751-1832)

*Instituições morais.

Saint-Cyran, Abade de (1581-1643)

Amigo e colaborador de C. Jansênio, é consi-derado o co-autor da doutrina jansenista oujansenismo (*Jansênio). Desde 1623, vinculou-se à família *Arnauld e a *Port-Royal (*Pascal),exercercendo uma grande influência no mosteirocomo diretor espiritual. De 1638 a 1643 esteveno cárcere por ordem do cardeal Richelieu. Gran-de estudioso e admirador dos escritos de SantoAgostinho, quis reformar a Igreja na linha extre-ma do agostinismo.

BIBLIOGRAFIA: Saint-Beuve, Histoire de Port-Royal,1867, 7 vols.; J. Orcibal, Les origines du Jansenisme, 1947-1961, 7 vols., especialmente o 2.

Saint-Simon, Claude Henri deRouvroy (1760-1825)

Pioneiro na França do chamado “socialismoutópico, não científico”. Duas idéias centrais unemsuas doutrinas: 1) Somente as classes trabalhado-ras colaboram para o bem-estar físico e moral dasociedade. 2) Somente elas merecem um tratamen-to privilegiado na nova sociedade socialista.

Em sua obra O novo cristianismo (1825) sus-tenta que o único princípio básico do cristianis-mo é que todos os homens devem ser irmãos. Odogma e o culto são aspectos descartáveis e aces-sórios. O cristianismo e a religião, no geral, de-veriam transformar-se numa força de melhoria epromoção dos mais pobres.

SSailer, J. M.

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Saint-Simon foi um homem sincero, que des-pertou grande simpatia e exerceu grande influên-cia nas massas populares durante o séc. XVIII eprincípios do séc. XIX.

Salisbury, João de (1115/1120-1180)

Nasceu em Salisbury e morreu em Chartres.“As obras deste inglês instruído na França e quemorreu bispo de Chartres, não desmerecem daépoca do Renascimento, nem pela qualidade doseu estilo nem pela delicadeza do espírito que asinspira... Para dar uma idéia exata da variedadeda Idade Média, nada melhor que se se deter umpouco nos escritos deste bispo do séc. XII, quefoi também um delicado literato” (E. Gilson, Afilosofia na Idade Média, 257).

Desde muito jovem (1136) o encontramos naFrança, onde recebeu sua grande formaçãohumanista e filosófica. Entre seus mestres encon-tram-se *Abelardo e Gilberto de la Porrée. Em1151 voltou à Inglaterra como secretário do Ar-cebispo de Cantuária, Teobaldo, e, posteriormen-te, do seu sucessor, Tomás Becket. Foi nomeadoArcebispo de Chartres (1176), vivendo nesta ci-dade até a sua morte (1180).

O interesse humanístico de João de Salisburyé evidente já na sua primeira obra, Entheticus sivede dogmate philosophorum (1155). Um poemaem dísticos, cuja primeira parte é um manual defilosofia greco-romana. Seguem-lhe suas nume-rosas Epistolae, uma Historia Pontificalis, umavida de *Anselmo de Cantuária e uma vida deTomás Becket. Suas duas obras principais foramescritas a partir de 1159: são o Polycraticus, pri-meira obra medieval de teoria política, e oMethalogicon, uma defesa do valor e da utilidadeda lógica.

João de Salisbury tenta fazer reviver a eloqüên-cia de Cícero e de Quintiliano, isto é, a formaçãointelectual e moral completa do homem reto, ca-paz de expressar-se bem. Cícero é seu modelo defilósofo em seu estilo e em seu pensamento.

Salisbury, João de

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— “Nem o completo dogmatismo nem o ceti-cismo absoluto respondem à situação real do co-nhecimento humano, composto de certezas, deprobabilidades e de ignorâncias.” Não se trata,pois, nem de saber tudo nem de ignorar tudo. Umsaber harmônico e razoável: eis o que, sem colo-car em dúvida as verdades da fé, pretende Joãode Salisbury.

Dessa atitude partem suas posições fundamen-tais:

— Sobre os universais: “O mundo fez-se ve-lho; tem-se dedicado a essa empresa mais tempodo que o requerido pelos césares para conquistare governar o mundo. O ultra-realismo é errôneo.Os universais são construções mentais que nãoexistem na realidade extramental”.

— Sobre a lógica: é o instrumento do pensar,segundo queria Aristóteles. Tem predileção pelosentido justo e pelas soluções claras, sente horrorà obscuridade e ao verbalismo.

— Sobre o fim: o que interessa ao homem échegar até o fim, e a investigação filosófica não éum jogo desinteressado. Se o verdadeiro Deus éa verdadeira sabedoria humana, então o amor deDeus é verdadeira filosofia. Não é filósofo com-pleto o que se contenta com um conhecimentoteórico, senão o que vive a doutrina ao mesmotempo em que a ensina: “Philosophus, amator Deiest”.

Essa é a concepção de vida desse espírito “quefoi sem dúvida mais delicado que genial, porémtão fino, tão rico e tão perfeitamente cultivadoque sua presença realça e enobrece, em nossopensamento, a imagem de todo o século XII”.

BIBLIOGRAFIA: PL 199 Edições críticas doPolycraticus e do Methalogicon por C. C. J. Webb, Oxford1909.

Salmanticenses (1631-1712)

Com esse título se conhece o Cursustheologicus Summam Divi Thomae complectens.

Salmanticenses

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É um comentário à Summa de Santo Tomás, rea-lizado por um grupo de professores carmelitasdescalços, professores de Salamanca entre 1631-1712.

Os Salamanticenses são considerados a últi-ma grande obra que produziu na Espanha aescolástica tardia dos séculos XVI-XVII. Suaautoridade chega até nossos dias, e exerceramgrande influência na orientação moral dos manu-ais de moral aparecidos posteriormente.

BIBLIOGRAFIA: Cursus theologicus Summam AngeliciDoctoris Divi Thomae complectens. Paris 1870-1883, 20vols.; M. Solana, Historia de la Filosofía Española. Era delRenacimiento (séc. XVI), III, 1941.

Sánchez, Tomás (1550-1610)

Jesuíta espanhol, famoso por suasDisputationes de sancto matrimonii sacramento(1602). Sánchez estudou os aspectos morais ecanônicos do matrimônio e, desde o séc. XVII, éconsiderado um clássico nesta matéria.

Sartre, Jean-Paul (1905-1980)

Filósofo, novelista e dramaturgo, é o repre-sentante de uma forma de existencialismo que sereconhece ateu. “Sou o ateu perfeitamente lógi-co”, diz. Ídolo da juventude e da intelectualidadefrancesa durante muitos anos, Sartre alimentouuma clientela numerosa e variada com novelas,peças de teatro, ensaios e estudos. Se a isso acres-centamos sua participação no rejuvenescimentodo marxismo e numa ação múltipla para fazer deleinstrumento de mudança da sociedade, teremos aexplicação da popularidade do seu nome e da di-fusão das suas idéias.

Existencialismo e marxismo foram os doispólos em torno dos quais giraram sua vida e seupensamento. “Se o marxismo retoma sua inspira-ção originária e redescobre dentro de si a dimen-são humanista, o existencialismo já não terá ra-zão de ser.” Deixará de existir como uma linha de

Sartre, Jean-Paul

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pensamento diferente e será absorvido, retido esuperado no “movimento totalizador da filosofiaviva e pujante do nosso tempo”. O marxismo é,sem dúvida, a única filosofia que expressa real-mente a consciência do homem que vive nummundo de “escassez”, num mundo em que os bensmateriais estão distribuídos sem eqüidade e que,como conseqüência disso, caracteriza-se pelo con-flito e pelo antagonismo entre as classes. E ummarxismo humanizado, existencializado, seria aúnica filosofia autêntica da revolução. Sartre, pois,procurou combinar existencialismo e marxismo,reinterpretando esse último à luz de uma antro-pologia existencialista.

Se tivéssemos de resumir seu pensamento, di-ríamos que a sua filosofia propõe e analisa umhumanismo ateu, em que “o homem é uma pai-xão, mas uma paixão inútil”. Em que a liberdadedo homem não serve para nada, já que “se esgotana busca de uma síntese impossível que deveriatorná-lo Deus”. A existência é “obscena”, de umasuperabundância viscosa, na qual a liberdade seinterliga. O homem nada mais é do que o seu pro-jeto; somente existe quando se realiza, é tudo umconjunto de seus atos, nada mais é do que a suaprópria vida. O homem é totalmente e sempre li-vre ou nunca o será. No entanto, ao querer a li-berdade, descobrimos que ela depende inteira-mente da liberdade dos outros, e que a liberdadedos outros depende da nossa. Onde fica, então, aliberdade humana?

Da mesma forma, o existencialismo humanistade Sartre postula a não-existência de Deus. “Nãopode haver um Deus, se por Deus entendemosum ser autoconsciente infinito.” O conceito deDeus é em si mesmo contraditório, posto que tra-ta de unir duas noções que se excluem reciproca-mente, a do ser-em-si e a do ser-para-si. Por em-si entende-se a não consciência. Para-si vale tan-to quanto a liberdade. O homem é livre, em suaprópria liberdade, sempre referente a outra coisa;é consciência de outra coisa que não seja ele. Seexistisse Deus, por força teria de ser ao mesmo

Sartre, Jean-Paul

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tempo consciência pura, absoluta, e consciênciade um em-si, do qual se distinguiria, que seria enão seria, identicamente e sob o mesmo respeito.Essa noção de em-si-para-si deve ser rejeitada porser contraditória. A hipótese de Deus éimpensável. Deus não existe.

Uma conclusão importante tirada por ele mes-mo é que, se Deus não existe, os valores depen-derão inteiramente do homem e são criação sua.O ponto de partida do existencialismo, segundoSartre, é a frase de Dostoyevski: “Se Deus nãoexiste, tudo é permitido”. Se não há Deus, é obvioque não há nenhum plano divino pré-ordenado;não pode haver nenhum ideal comum da nature-za humana, para cuja realização, mediante asações do homem, tenha sido criado. O homem éenviado inteiramente a si mesmo, e não pode jus-tificar sua escolha de um ideal, recorrendo a umplano divino para a raça humana. A idéia de queexistam valores absolutos subsistindo por si mes-mos, sem pertencer a uma mente divina, em al-gum reino celestial, é totalmente inadmissível paraSartre.

Muitas outras conclusões poderiam ser tira-das de suas doutrinas, entre elas seu declaradoantiteísmo, sua negação do mundo sobrenatural,sua oposição ao fato cristão etc. Sua obstinadaimplantação da liberdade — o homem é liberda-de — incapacita-o para não ver além dos fenô-menos que nos rodeiam.

BIBLIOGRAFIA: A produção literária e crítica sobreSartre é imensa. Algumas obras em português: Marxismo eexistencialismo; A náusea; Sartre no Brasil: a conferênciade Araraquara; O muro; A imaginação; A defesa dos inte-lectuais; Com a alma na morte; Diário de uma guerra es-tranha; E. Frutos, El humanismo y la moral de Jean PaulSartre (crítica), 1949; R. Troisfontaines, El existencialismode Jean Paul Sartre, 1950; Ch. Moeller, Literatura do sécu-lo XX e cristianismo, II, 31-96.

Savonarola, Girolamo (1452-1498)

A figura de Jerônimo Savonarola tem o raroprivilégio de não deixar ninguém indiferente.

Savonarola, Girolamo

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Mereceu os títulos de santo, herege, mártir,reformador e profeta. O passar do tempo não con-seguiu diminuir a paixão e o ardor que inspira-ram esse florentino. Para isso contribuiu, semdúvida, sua rica personalidade cheia de fogo econtrastes, seu papel político num cenário con-creto como a Florença dos Médicis, seuenfrentamento à corte romana e à corrupção daIgreja, e sua missão de reformador e profeta dopovo cristão. O caso Savonarola tipifica o pro-testo e a reforma que, ao longo da velha Europa,vinha-se realizando durante os séculos XIV e XV.

Nascido em Ferrara em 1452, ingressou aos23 anos no convento dos dominicanos de Bolo-nha. Aí iniciou e completou sua formaçãoescolástica baseada em Santo *Tomás, Santo*Alberto e Aristóteles. Logo começou a se desta-car como pregador e teólogo. De Bolonha passoua Florença, onde viveu o triênio 1482-1485. Asegunda e definitiva volta a Florença deu-se em1490, agora por petição de Lourenço de Médicis,

Savonarola, Girolamo

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sendo nomeado no ano seguinte prior de SãoMarcos. Os últimos sete anos fizeram de Floren-ça e do púlpito o cenário de sua atividade: come-çou seu papel de político, reformador, pregadorarrebatado da multidão e líder do protesto contrao poder político e religioso. O enfrentamento aesse duplo poder e a denúncia que fez dos doislevaram-no à condenação. Quando em 1498 ogoverno uniu-se à Igreja no desejo de se desfazerdele, não foi difícil — com a ajuda da tortura —estabelecer as acusações de heresia que o leva-ram à forca e depois à fogueira.

— Quatro aspectos merecem destaque na ati-vidade falada e escrita de Savonarola: a) o estu-dioso da doutrina teológico-política; b) o fradeque se uniu e promoveu a proposta do partido edo povo contra o materialismo dos Médicis e oseu mau uso da autoridade; c) o asceta ereformador rígido e implacável que enfrenta acorrupção do papa, da corte romana e do clero; d)o pregador iluminado que revolucionou o povoflorentino, exigindo uma vida austera e prome-tendo um futuro cheio de esperanças.

— Não se pode negar a Savonarola um co-nhecimento sólido do pensamento cristão dospadres, sobretudo de Santo *Agostinho, acentu-ando, principalmente, o problema soteriológicodo homem e da vida. Em sua obra O triunfo dacruz, de caráter teológico-filosófico, sustenta ainaceitabilidade da religião dos filósofos e dospoetas, opondo a solidez inquebrantável da fé cris-tã. Rejeita toda possível síntese da religião cristãe da filosofia pagã. Está muito longe de compar-tilhar os ideais da docta religio e da pia quaedamphilosophia. Rejeita também de uma forma radi-cal, a astrologia, que humanistas como *Ficino e*Pico queriam integrar na religião.

— É conhecida sua postura política diante dopoder dos Médicis primeiro, e a favor do invasorCarlos VIII da França depois, diante de quem foiembaixador por duas vezes. Rejeitou ao primeiropor abuso de autoridade e pelo paganismo mate-rialista de sua corte. Savonarola aplicou neste caso

Savonarola, Girolamo

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a doutrina de seu Compendium totiusphilosophiae, tam naturalis quam moralis, e doTrattato circa il reggimento de la città de Firenze(1489). Nessas duas obras expressa-se a doutrinapolítica de Savonarola sobre a função essencialdo Estado, para permitir ao homem o pleno exer-cício das virtudes, para que este possa exercer seusfins naturais e preparar a consecução de sua bem-aventurança sobrenatural. Subordina o aspectopolítico ao religioso, recalcando o princípio me-dieval da unidade e do universal. No Trattato apli-ca essas idéias à cidade de Florença. E embora obom governo, em sentido absoluto, tenha sua for-ma institucional na monarquia, propugna comomais oportuno para o povo florentino não a for-ma monárquica, mas o “reggimento civile”, ougoverno dos cidadãos, ou república. É o modelode uma oligarquia moderada e ilustrada. Acasonão procurava Savonarola uma democraciateocrática em Florença?

— Do enfrentamento ao poder civil, passouSavonarola ao enfrentamento ao poder religioso.Sua pregação abriu-se ao horizonte mais longín-quo de Roma, que entrou também numa época depaganismo e de corrupção. “Somente uma coisahá neste nosso tempo que nos deleita, pregavaSavonarola aos florentinos em 1493: que todo eleestá enfeitado com ouropéis. Nossa Igreja temmuitas belas cerimônias externas para dar soleni-dade aos ofícios eclesiásticos, com belasvestimentas, com muitos estandartes, com can-delabros de ouro e prata. Tu vês ali aqueles gran-des prelados com maravilhosas mitras de ouro, eesses homens te parecem de grande prudência esantidade. E não acreditas que possam equivo-car-se, senão que tudo o que dizem e fazem deveobservar-se no Evangelho. Eis como estáconstruída a Igreja moderna. Os homens conten-tam-se com essas folhagens...”. “Os que te odei-am, Senhor, são os pecadores e os falsos cristãos,e principalmente os que estão constituídos emdignidades. E estes são glorificados hoje por te-rem acabado com a rigidez e a severidade doscânones, com as instituições dos santos padres,

Savonarola, Girolamo

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com a observância das boas leis... Vês hoje osprelados e os pregadores prostrados com seu afe-to em terra, o cuidado das almas já não lhes in-quieta o coração, somente pensam em tirar pro-veito” (Sermões do advento, XXIII, 1493).

O objetivo mais direto da prédica deSavonarola foi a pessoa de Alexandre VI e suacorte mundanizada. Foi chamado a Roma e exco-mungado em 1497.

— Há, finalmente, um aspecto nele que nãopode passar despercebido: sua pregação, seus ser-mões, ao longo de oito anos, ao povo de Venezadesde o púlpito de São Marcos: “Seus sermões,que combinavam chamados ao arrependimentocom comentários sobre os assuntos constitucio-nais, tinham uma capacidade de perturbação efascinação que podemos recuperar de modo mui-to expressivo nos que tomaram forma muito abre-viada ou se publicaram a partir de suas notas”.Em seus sermões identificava-se completamentecom os florentinos, aqueles que adulava ao mes-mo tempo que repreendia. Através deles, refor-çou a crença popular, já latente, de que Deus otinha designado para um destino especial. De-sencadeou uma verdadeira cruzada moral, con-vencendo os florentinos de que cumpriam umpapel de designação divina na purificação de todaa Itália do pecado pessoal e da corrupção ecle-siástica.

Sua personalidade cheia de encanto e de forçafez com que, embora as cinzas de sua fogueira seatirassem ao Arno, suas idéias viessem à superfí-cie em circunstâncias críticas da história da Igre-ja, sempre necessitada de reformadores.

BIBLIOGRAFIA: Obras: 1633-1640, 6 vols.; Opereinedite, 1835; A. Huerga, Savonarola, reformador y profeta(BAC).

Scaliger, Joseph Justus (1540-1609)

Erudito francês convertido ao calvinismo em1562. Posteriormente foi professor em Leyden.Tornou-se famoso por suas edições de textos lati-

Scaliger, Joseph Justus

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nos, com que ganhou reconhecimento, por partedos estudiosos, de pioneiro na crítica textual.

No campo da ciência e da história restaram-nos duas obras suas: De emendatione temporum(1583), na qual estabelece a ciência moderna dacronologia; e o Thesaurus temporum, reconstru-ção parcial da Crônica de *Eusébio de Cesaréia.

Scheeben, Matthias Joseph(1835-1888)

Teólogo da época romântica da Restauração.Desde 1860, professor de dogma no seminário deColônia. Em suas diversas obras, acentua o as-pecto sobrenatural da fé e da graça diante das ten-dências naturalistas e racionalistas do séc. XVIII.Foi contrário às idéias de *Döllinger e firme de-fensor da infalibilidade do papa. De Scheeben fi-cou uma obra popular, As maravilhas da graçadivina, que ainda continua difundindo-se entre opovo. É considerado um dos grandes renovado-res da teologia na segunda metade do séc. XIX.

Scheler, Max (1874-1928)

*Tillich; *Aranguren.

Schillebeeckx, Edward (1914-)

Nasceu em Amberes em 1914 e entrou paraos dominicanos em 1934. Estudou no StudiumGenerale dominicano de Le Saulchoir e naSorbonne de Paris. De 1953 a 1957, foi professorde estudo dominicano em Lovaina, de onde pas-sou a professor de teologia dogmática na Univer-sidade de Nimega (Holanda).

O estudo e a atividade de Schillebeeckx res-ponde aos princípios da “nova teologia” iniciadaem Le Saulchoir. Plenamente empenhado na re-novação e “aggiornamento” da Igreja. Seu traba-lho consistiu “em repensar a fé tradicional emfunção da situação presente no mundo”. Foi o te-

Scheeben, Matthias Joseph

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ólogo assessor do episcopado holandês no Con-cílio *Vaticano II. Depois foi consultor do epis-copado holandês nos anos que seguiram ao Con-cílio, em que a Igreja da Holanda submeteu-se auma profunda revisão. Em 1965 fundou, comoutros teólogos, a revista internacional de teolo-gia “Concilium”, sendo também um dos princi-pais inspiradores do Novo Catecismo holandês(1966).

Sua numerosa obra escrita pode ser encontra-da na revista “Concilium” e em outras revistasespecializadas, e em obras de grande impacto edifusão não só entre teólogos, mas também entreo público dos diferentes idiomas cultos. Como ade *Küng, *Rahner, De *Lubac, *Häring e ou-tros, sua obra escrita transcendeu a cátedra e oscírculos especializados para passar aos diversossetores da sociedade. Citamos algumas de suasobras: A economia sacramental da salvação(1952); Maria, Mãe da redenção (1954); Cristo,sacramento do encontro com Deus (1958); Deus,futuro do homem (1965); Mundo e Igreja (1966);Compreensão da fé: interpretação e crítica(1972); Jesus. Uma tentativa de cristologia(1974). Dois tomos sobre A Igreja de Cristo e ohomem de hoje segundo o Vaticano II reúnem suacontribuição para as revistas especializadas.

Desde 1968, Schillebeeckx é objeto de obser-vação e de críticas por parte da atual Congrega-ção para a Doutrina da Fé. Em 1979 foi chamadoa Roma para depor diante dela. “Os dogmas, se-gundo Schillebeeckx, têm um sentido dentro deuma perspectiva histórica determinada e utilizamnoções tomadas de uma cultura particular.” Essahistoricidade leva-o a reinterpretar os dogmas,levando em conta as condições da existência doshomens. Por isso, a ortodoxia só é plenamentepossível sobre a base de uma “ortopráxis”: é naprática efetiva da Igreja que se realiza uma novacompreensão da mensagem da fé. A unidade deuma mesma fé e de uma mesma confissão só éreconhecível na “pluralidade de opiniões teoló-gicas”. E o “que é verdade para o teólogo, o é

Schillebeeckx, Edward

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também para cada crente”. Num mundo seculari-zado, “Deus manifesta-se normalmente sob a for-ma de ausência”. Ao abordar os problemas doponto de vista histórico, aplica-os tambémSchillebeeckx à figura de Jesus, cujo estudo tem-lhe valido duras críticas. (*Teologia atual, Pano-rama da).

BIBLIOGRAFIA: Revelação e teologia; O matrimônio— realidade terrestre e mistério de salvação; Maria, mãeda redenção; Deus e o homem; Cristo, sacramento do en-contro com Deus; La historia de un viviente. Cristiandad,Madrid 1981; Cristo y los cristianos. Cristiandad, Madrid1982; El misterio eclesial. Responsables en la comunidadcristiana. Cristiandad, Madrid 1983.

Schlegel, Friedrich (1772-1829)

Autor romântico e apologista, líder do movi-mento romântico em Berlim. Converteu-se aocatolicismo em 1808. Em suas conferências so-bre filosofia e história moderna, dadas em Vienaentre 1810-1812, defendeu a idéia medieval doimpério frente ao Estado napoleônico. Foi um dosrestauradores da vida católica na Áustria e naAlemanha, colaborando com o grupo de inte-lectuais que trabalhavam com o “Apóstolo deViena”, o redentorista São Clemente Mª Hof-bauer. O campo onde se movimentou Schlegelfoi a literatura e a filosofia para a renovação docatolicismo.

Schmaus, Michael

*Teologia atual, Panorama da.

Schnackenburg, R.

*Teologia atual, Panorama da.

Schökel, Luis Alonso

*Teologia atual, Panorama da.

Schlegel, Friedrich

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Schopenhauer, Arthur (1788-1860)

Filósofo alemão que influenciou grandementea filosofia e a literatura dos séculos XIX e XX.Professor da Universidade de Berlim (1820),abandonou o ensino em 1831 para viver em seuretiro de Frankfurt. Sua filosofia é uma reação aoidealismo de Hegel e prepara, de alguma forma,a filosofia existencial do pessimismo. Seu pensa-mento foi fortemente influenciado pela filosofiae pelas concepções religiosas da Índia.

Schopenhauer inicia sua obra antes de chegara ser professor em Berlim com a obra que o tor-nou conhecido em todo o mundo: O mundo comovontade e representação (1818). O restante sur-giu ao longo dos 28 anos do seu retiro de Frank-furt. Destacam-se: A vontade na natureza(1836);O livre-arbítrío (1839); Os dois proble-mas fundamentais da ética (1841); Dores do mun-do; A vontade de amar. E as duas obras póstu-mas: Aforismos sobre filosofia de vida e Pensa-mentos e fragmentos.

Constrói toda a sua filosofia sobre a represen-tação que compreende o sujeito e o objeto e so-bre o conceito de vontade e de força. O mundo éuma representação — não pode ser concebidosenão como representado numa inteligência — eo substrato deste mundo aparente ou fenomênicoé o que ele chama de “vontade”. A realidade por-tanto se reduz a sua aparência. Para além dessaaparência, coloca-se a coisa em si, que devemosinterpretar como uma vontade que se mostra emforma de impulso cego e irracional e que é sem-pre uma vontade de viver.

Em cada um de nós, tal vontade manifesta-secomo exigência de felicidade e auto-afirmaçãoque jamais está satisfeita. Por sua vez, o mundo écampo de luta onde cada um quer dominar. O mal,a dor e a crueldade do mundo expressam a natu-reza básica da realidade. O mal nunca poderá servencido, porque faz parte da realidade. A liberta-ção da dor e do mal inspiraram Schopenhauer àanálise pessimista das condições da vida que ca-

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racterizou sua filosofia. Pela contemplação esté-tica, a castidade que nega a espécie e o ceticismoque esgota os desejos e paixões, o homem conse-guirá libertar-se, refugiando-se no nirvana da re-ligião da Índia. A salvação é alcançada assimmediante a renúncia à vontade de viver, da qualresulta a resignação. Nem o teísmo nem opanteísmo podem fazer nada contra o mal. Omelhor é rejeitá-los. Nessa resignação,Schopenhauer fundamenta sua moral na piedade,que procede da consciência de identidade essen-cial dos seres.

BIBLIOGRAFIA: Obras: O mundo como vontade e re-presentação; Sobre a vontade na natureza, 1934; O livrearbítrio, 1934; O fundamento da moral, 1896; Parerga eParalipômena, 1926, 2 vols.; Adalbert Hamel, A.Schopenhauer y la literatura española, 1925.

Schutz, Roger (1915-)

O nome de Roger Schutz está vinculado a doisfatos fundamentais e singulares: a comunidadecristã interconfessional de Taizé e o movimentoecumênico. Os dois fatos estão intimamente liga-dos: em torno de Taizé, cristãos de todas as con-fissões, inclusive outros crentes ou agnósticos,encontram-se numa atmosfera de silêncio, ora-ção, intercâmbio e diálogo.

Roger Schutz nasceu na Suíça em 1915. De-pois de realizar seus estudos teológicos emLausanne, dedicou-se como pastor calvinistaao cuidado pastoral. Em 1940 foi para a França,onde comprou uma velha mansão na colina deTaizé, próxima a Maçon. Quis fundar uma co-munidade de cristãos “concebida como um sinalde unidade”. Tentou combinar ação e oração, re-tiro e participação na miséria dos homens atravésdo acolhimento aos refugiados políticos. Em1942, foi para Genebra, fugindo da Gestapo, eretornou a Taizé em 1944 com mais três irmãos.Cinco anos depois, são sete os que emitiram seusprimeiros votos: castidade, comunidade de bense obediência.

Schutz, Roger

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Desde essa época, Taizé transformou-se numlugar de paz e de intercâmbio. Em 1958, o irmãoRoger, assim quis chamar-se, encontrou-se pelaprimeira vez com o Papa João XXIII. Em 1962,visitou o patriarca Atenágoras. Nesse mesmo ano,inaugurou-se a igreja da comunidade, com o nomesimbólico de Igreja da Reconciliação. Desde1966, esse homem simples e crente transformouTaizé em centro ecumênico de um surpreendentemovimento de jovens de todo o mundo. Na Pás-coa de 1970, lançou a idéia de um concílio dejovens, que todos os anos, desde então, buscamas portas da comunidade, seja qual for sua reli-gião.

Durante esses anos, a atividade do irmão Rogerfoi universal: convidado pessoal do Papa às qua-tro sessões do Concílio *Vaticano II (1962-1965);acompanhou *Paulo VI em sua viagem a Bogo-tá; visitas às “fraternidades” dispersas por todo omundo, sobretudo nos países mais pobres; confe-rências a operários na Polônia; assembléias amultidões de jovens em Florença etc.

O pensamento do irmão Roger ficou impres-so na Regra da comunidade de Taizé, redigidaentre 1952-1953 e expressa o mais profundo daespiritualidade monástica e do sentido missioná-rio do Evangelho. Suas obras: Viver no hoje deDeus; A unidade, esperança de vida; Dinâmicado provisório etc.; transmitem uma mensagem depaz e de serenidade na fé cristã para os mongesde Taizé e para todo o mundo. Luta e contempla-ção (1973) resume, melhor do que nenhuma ou-tra obra, seu ideal de um cristianismo compro-metido com o mundo de hoje na vivência pro-funda do mistério cristão. Em 1974, os livreirosalemães concederam-lhe, em Frankfurt, o Prêmioda Paz.

BIBLIOGRAFIA: Diccionario del cristianismo. Herder,Barcelona 1974; Las religiones. Mensajero, Bilbao 1976;John Macquarrie, El pensamiento religioso en el siglo XX;Teología de la renovación. Sígueme, Salamanca 1972, 2vols.; 2000 años de cristianismo, t. 9.

Schutz, Roger

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Schwartz, Edward (1858-1940)

Filólogo clássico e especialista em patrística.Sua obra fundamental Acta ConciliorumOecumenicorum (1914-1940) é uma edição críti-ca dos concílios gregos. Pela primeira vez publi-cam-se as Atas do Concílio de Éfeso (431) e deCalcedônia (451). São importantes também seusestudos sobre Santo *Atanásio (1904-1911).

BIBLIOGRAFIA: O. Clément, L’Église orthodoxe. PUF,Paris (1965); Historia de la Iglesia católica, I. La Iglesia enel mundo greco-romano; II. Edad Media: La cristiandad enel mundo europeo y feudal (BAC).

Schweitzer, Albert (1875-1965)

Teólogo francês de origem alsaciana. Desde1912 foi médico-missionário na África Equato-rial francesa, onde fundou o famoso hospitalpara negros em Lamborené (hoje Gabão). Em1952 concederam-lhe o Prêmio Nobel da Paz.Além de seu trabalho e entrega pessoal, reunidosem suas Memórias (1924-1931), escreveu tam-bém obras de teologia e sociologia. Deu concer-tos e conferências na Europa e em outras partesdo mundo para reunir fundos para seu trabalhomissionário.

Suas obras mais conhecidas são a Vida de Je-sus (1910) e a Mística do apóstolo Paulo (1931).Afirma que a vida e a obra de Jesus somente sepodem entender na perspectiva do apocalípticojudaico contemporâneo. Segundo Schweitzer,Jesus decidiu salvar seu povo da tribulação final,oferecendo-se ele próprio à morte. Assim cum-priu, de alguma forma, suas esperanças de um fimeminente de um mundo que não se realizou. Maso importante desse pastor luterano, médico emissionário, é sua contribuição e sua entrega àpopulação negra e marginalizada da África e suacontribuição para a paz mundial. Seu livro O pro-blema da paz no mundo de hoje, de tanta resso-nância em sua época, continua válido para todotempo.

Schwartz, Edward

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BIBLIOGRAFIA: Obras: Filosofía de la civilización,I. Decaimiento y restauración de la civilización; II.Civilización y ética, 1962; El cristianismo y las religiones,1950; Mi vida y mi pensamiento, 1961; J. Brabazon, AlbertS.: A. Biography, 1975.

Segneri, Paulo (1624-1694)

*Literatura autobiográfica; *Molinos.

Segundo, João Luís (1925-)

*Libertação, Teólogos da.

Sentenças dos Padres (finais do séc. V)

As Sentenças dos Padres, tradução da obraApothegmata Patrum, é uma coleção anônima demáximas espirituais nascidas do *monaquismoegípcio. Esse livro de sentenças foi compiladoprovavelmente nos finais do século V. Contémfrases dos mais famosos abades e solitários dodeserto egípcio e anedotas sobre seus milagres evirtudes: suas obras. No séc. VI surgiu uma an-tologia de tais frases na ordem alfabética de seusautores, começando com o abade Antônio e ter-minando com o abade Or. Esta série conserva-seem algumas redações e traduções tardias.

A obra foi escrita originalmente em grego, maslogo se fizeram traduções para o latim, copta,armênio etc. Oferecem um quadro vivo da vidamonástica no vale de Natrón. Essas Sentenças dosPadres representam uma fonte inestimável de in-formação para a história da religião e da civiliza-ção. “Trata-se, de fato, de palavras isoladas, depropósitos fragmentários, nos quais não cabe pro-curar um ensino completo de teologia ou deespiritualidade... Não se podem considerar taisapotegmas como uma espécie de livres e peque-nas sentenças, como essas que pronunciam de boavontade em nossos dias os homens de letras, aosdirigentes políticos ou aos dignatários eclesiásti-cos em suas entrevistas, encontros familiares oucoletivas de imprensa. Por mais espontânea que

Sentenças dos Padres

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pareçam, freqüentemente, nos textos que utiliza-mos, os apotegmas são o fruto de um lento e lon-go amadurecimento no silêncio do deserto”...(Dom Lucien Regnault).

Para os cristãos, os apotegmas ou sentençastransformaram-se numa leitura muito freqüente equerida, pois lembram aqueles homens dos sécu-los II-III de nossa era que responderam ao Evan-gelho de forma tão original! “Em todas as fórmu-las, o mais importante e revelador é a menção dasalvação, com a aspiração profunda que implicano coração daquele que pergunta: “Como me sal-varei?”. “Dá-me uma palavra de salvação.” Es-ses são os apotegmas.

As mais conhecidas sentenças ou apotegmasdos padres são uma versão latina de quatro cole-ções diferentes dos Apotegmas, todas elas escri-tas originalmente em grego, e relacionadas comas que mencionamos acima. A tradução para olatim com o título de Verba Seniorum foi feitapelo Papa Pelágio (556-561) e pelo Papa João III(561-574), ajudados pelo diácono Pascácio e peloabade Martinho de Dúmio.

BIBLIOGRAFIA: G. M. Colombás, El monacato pri-mitivo, I. Hombres, hechos, costumbres e instituciones; II.La espiritualidad (BAC); Id.; La regla de San Benito (BAC);Las sentencias de los Padres del desierto. Los apotegmas delos padres. Desclée de Brouwer, Bilbao 1989.

Sérgio, São (1314-1392)

*Hesiquia.

Sertillanges, A. D. (1863-1948)

*Teologia atual, Panorama da.

Servet, Miguel (1511-1553)

De Miguel Servet, conhecido em sua épocacomo Servetus ou Serveto, interessa-nos aqui suavida, sua vasta mas desordenada cultura, sua obrade medicina, geografia, astrologia e teologia.

Sérgio, São

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Nasceu em Vilanova de Sixena (Lérida) e reali-zou seus estudos em Barcelona, Saragoça eToulouse. Viajou pela Itália e pela Alemanha, es-tabelecendo relações com os principaisreformadores do continente, entre eles*Melanchton e *Calvino.

Expulso da Alemanha, instalou-se na França,dedicando-se ao estudo da Matemática, da Astro-logia e, principalmente, da Medicina. Paris e Lyonforam suas primeiras etapas do exílio, encontran-do nelas um ambiente de letrados, sábios e im-pressores. Isso lhe permitiu publicar Geografia ePtolomeu. Dedicou-se ainda aos estudos de Me-dicina, sobretudo em Vienne, onde viveu de 1541a 1552.

Em Vienne (França) foi detido, na verdade,por Calvino em 1552. Foi processado, mas fugiudo cárcere no terceiro dia do processo. Em suafuga até Nápoles, passou por Genebra, onde foireconhecido e detido a 13 de agosto de 1553. Apósuma acusação violenta, levada diretamente pelopróprio Calvino, que o acusava de libertinagem,de fraude, de corromper a juventude e, principal-mente, de heresia, no dia 26 de outubro de 1553 oConselho dos Duzentos condenou-se a ser quei-mado vivo com seus livros. No dia seguinte, ocondenado foi conduzido à fogueira de Champel.Não se retratou. Com seus escritos amarrados emsuas pernas, morreu pronunciando estas palavras:“Jesus, Filho do Deus eterno, tende piedade demim”.

Deixando de lado suas pesquisas e instituiçõescomo médico — Servet descobriu e descreveu acirculação do sangue nos pulmões — e sua obraastrológica, exposta em Apologetica disceptatiopro astrologia (1538), interessa-nos aqui sua dou-trina filosófico-teológica. Esta se expõe, princi-palmente, em três obras teológicas: Erros sobre aTrindade (1531); Diálogos sobre a Trindade(1532); Christianismi restitutio (1553), a últimae a mais importante obra de Servet. Nas duas pri-meiras, negava que o Filho fosse da mesma natu-reza do Pai e co-eterno com ele.

Servet, Miguel

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— A Christianismi restitutio ou restauraçãodo cristianismo, sua obra principal, impressa emsegredo e sob o anonimato, é uma obra eloqüentee obscura, sem demonstração nem lógica, compiedosas efusões, de invectivas violentas, princi-palmente contra o papa e a Igreja Romana, deprofecias, de textos tomados de múltiplas fontes.Sua filosofia mostra-o como panteísta. Calvinocriticou-o que Deus comunica sua deidade a todaa criação, de que é “pedra sobre pedra, e madeirasobre madeira”.

— Em seus Diálogos de sobremesa, *Luterotratou Servet como “mouro”. Servet não se consi-dera de nenhuma confissão. Seu cristianismo, ir-regular e confusamente expresso, seria única eexclusivamente seu. Assim, sua teologia separa-oessencialmente dos católicos, sobretudo com re-lação ao dogma da Trindade. Segundo ele, Cristonão é Deus por natureza, mas chegou a sê-lo pelagraça. É o intermediário entre o criador e a criatu-ra, mas se diferencia dos dois. Para ele, a Trinda-de nada mais é que uma questão de modalidade: oPai, o Filho e o Espírito Santo não representamsenão três modalidades de manifestação divina.

— Da mesma forma, Servet opõe-se aos pro-testantes, apesar de se ater à autoridade da Escri-tura. Revela-se contra a doutrina da justificaçãopela fé. Rejeita a rígida predestinação doscalvinistas, que rebaixa o homem à categoria de“pedra” ou “tronco de árvore”.

— Servet foi repudiado em seu propósitoreformador de devolver à fé cristã sua pureza pri-mitiva perdida, segundo ele, desde Constantino.“Afirmo que seus magistrados atuaram com todajustiça, escreve Melanchton a Calvino, condenan-do à morte um homem culpável de blasfêmia aotérmino de um processo formal.” Assim se sanci-onava uma morte e uma repressão terrível em-preendida pela Reforma.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Christianismi restitutio(reimp. 1965); Dialogi de Trinitate (reimp. 1965); De iustitiaregni Christi (reimp. 1965). Tradução recente de Restitutioe biografia de Servet.

Servet, Miguel

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Siger de Brabante (1240-1284)Filósofo averroísta, criador do chamado

“averroísmo latino” no séc. XIII. Desde 1266ensinou em Paris a filosofia aristotélica tal comoa interpretou Averróis (1126-1198).

A doutrina de Siger-Averróis afetava seriamen-te pontos fundamentais cristãos. Tal era, por exem-plo, a eternidade do mundo; a negação da imorta-lidade pessoal da alma e, por conseguinte, os prê-mios e castigos após a morte; a doutrina de “du-pla verdade”: o que pode ser verdade segundo afé, pode não ser segundo a razão e vice-versa. Comessa consideração, a teologia poderia afirmar umacoisa sobre um assunto, e a filosofia outra.

O averroísmo se impôs durante algum tempona Sorbonne. Em 1270, o arcebispo de Paris con-denou 13 de suas proposições ou teses. Nessemesmo ano, Santo *Tomás de Aquino escreveuDe unitate intellectus contra averroístas, obradecisiva na implantação do novo aristotelismo.Em 1276, foi intimado por Simão du Val,inquisidor da França, por delito de heresia, manão atendeu à intimação por ter fugido do país. Oaverroísmo voltou depois no séc. XIV à Univer-sidade de Paris e a outras escolas da França e daItália. No Renascimento teve também alguns in-dícios.

BIBLIOGRAFIA: E. Gilson, A filosofia na Idade Mé-dia, com a bibliografia aí publicada, p. 511s.

Símbolo dos Apóstolos

Com o nome de Símbolo dos Apóstolos ouCredo dos Apóstolos, inicia-se na Igreja uma sé-rie de fórmulas ou profissões de fé que chegaramaté nossos dias. São fórmulas muito elaboradas econcisas que contêm um compêndio da teologiada Igreja. Servem para a proclamação ou confis-são da fé da comunidade, e boa parte delas entrouna liturgia eucarística e na catequese.

A primeira dessas manifestações de fé é o pro-priamente chamado Credo ou Símbolo dos Após-

Símbolo dos Apóstolos

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tolos, usado no Batismo e na Eucaristia, tantopelos católicos quanto pela maioria das confis-sões protestantes. Sua forma atual, que consta de12 artigos, não é anterior ao século VI. No entan-to, o nome Symbolum Apostolicum indica-nos queé mais antigo. Uma tradição nos diz que os após-tolos, antes de separar-se para suas respectivasmissões em diferentes países e nações, redigiramde comum acordo um breve sumário da doutrinacristã como base de seus ensinamentos e comoregra de fé para os crentes.

As investigações recentes concluem que seuconteúdo essencial data da era apostólica. A for-ma atual, no entanto, desenvolveu-se gradual-mente. Sua evolução está vinculada à liturgiabatismal e à preparação ao catecumenato, e o textoé semelhante ao credo utilizado em Roma nosséc. III-IV. Na forma presente, já se encontraem Cesário de Arles e foi usado na França,Espanha, Irlanda e Alemanha, nos finais do sé-culo VI e princípios do VII. Esse credo foi reco-nhecido como afirmação oficial de fé da IgrejaCatólica do Ocidente pelo Papa Inocêncio III(1198-1216).

Existem também outras fórmulas de fé nas-cidas ao longo da história da Igreja, fruto damesma necessidade de explicitar ou acentuar,tanto a fé em geral, quanto um dogma particular.Junto ao Credo dos Apóstolos, de uso nas Igre-jas do Ocidente, encontramos o credo formuladopelo Concílio de Nicéia (325), conhecido comoCredo de Nicéia ou niceno. Foi redigido para de-fender a fé ortodoxa contra o arianismo. Comoapêndice do mesmo, há quatro anátemas antia-rianos, que são considerados parte integrantedo texto.

Deste credo há uma segunda versão, conheci-da como Credo Niceno-constantinopolitano e quese usa na liturgia tanto do Oriente quanto do Oci-dente. Desde o Concílio da Calcedônia (451) foitido como o credo do Concílio de Constantinopla(381). Daí seu nome. O mesmo que o Credo dosApóstolos ou o de Jerusalém, o Credo Niceno-

Símbolo dos Apóstolos

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constantinopolitano pretende excluir idéias heré-ticas, e em particular a heresia ariana que negavaa igualdade do Filho com o Pai. Para isso afirmaa consubstancialidade do Filho com o Pai(homoousion). Posteriormente, as Igrejas ociden-tais acrescentaram a cláusula filioque, que afirmaque o Espírito procede do Pai e do Filho. Estacláusula foi parte e causa da ruptura da Igreja doOriente e do Ocidente, já que aquela jamais acei-tou tal cláusula.

Um terceiro credo ecumênico é o chamadoCredo Atanasiano, atribuído a Santo *Atanásio.Hoje se reconhece que é posterior, provavelmen-te da segunda metade do séc. V. Esse credo, queteve seu reconhecimento no Oriente até o séc.XVI, ainda é reconhecido oficialmente peloscatólicos, pelos anglicanos e pelos luteranos.Seu uso veio a ser pouco presente na liturgia. Éextremamente polêmico em seu tom, detém-se nasafirmações sobre a Trindade, a Encarnação e osfatos da vida do Salvador. Termina com anáte-mas contra os que não acreditam em tais afir-mações.

As fórmulas de fé ou credos continuaram aténossos dias. As Igrejas nascidas da Reforma ado-taram as *Confissões de fé para expressar e for-mular sua fé. Entre os católicos, existem duas fór-mulas de fé promulgadas por dois papas depoisde dois concílios. A primeira é a Professio fideitridentinae, compêndio das doutrinas promulga-das no Concílio de Trento. Foi publicada por PioIV, em 1564. Era a profissão de fé que deveriamfazer os oficiais da Cúria Romana e de todos oscargos eclesiásticos antes da posse. Em 1967, foisubstituída por uma fórmula mais breve. A se-gunda fórmula de fé é o Credo do povo de Deusde *Paulo VI (1968), uma fórmula ampliada comorecordação da fé vivida pela Igreja Católica noséculo XX.

BIBLIOGRAFIA: E. Denzinger, Enchiridionsymbolorum...; J. Quasten, Patrología, I, 31s.; J. N. D. Kelly,Primitivos credos cristianos. Salamanca 1980; Vários, Paradecir el credo. Verbo Divino, Estella 1988.

Símbolo dos Apóstolos

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Simeão de Tessalônica (+1429)

Foi arcebispo de Tessalônica e autor de umaobra de grande influência na teologia e naespiritualidade ortodoxas: O diálogo contra to-das as heresias e sobre a única fé. Consta de umbreve tratado sobre a doutrina da fé e outro maisextenso sobre a liturgia e os sacramentos.

Simeão, São (c. 960)

*Hesiquia.

Sínodo dos Bispos

*Concílio.

Smangaliso Mkhatshwa (1939-)

Sacerdote católico sul-africano, tem sofridovárias detenções e prisões por sua oposição comocristão ao “apartheid” de seus concidadãos ne-gros na África do Sul, durante os últimos vinteanos. Recentemente foi premiado com o título dedoutor “honoris causa” das Universidades deTubinga (Alemanha) e Washington (EstadosUnidos). É fundador e diretor do Instituto deTeologia Contextual (ITC), versão africana da*Teologia da Libertação. Sua atividade discor-re na direção do instituto, de conferências, decongressos, além de trabalhos sobre a situaçãosocial e religiosa da população negra no sul daÁfrica.

Sobre o ITC escreve: “A nossa é uma institui-ção independente, na qual há de tudo: católicos,protestantes, representantes das Igrejas indepen-dentes africanas e membros da Igreja ReformadaHolandesa como Alex Bhiman, afastado de seuministério por ter exigido que fossem tomadasdecisões mais rígidas contra o apartheid”.

“A teologia contextual — diz Smangaliso —é uma versão da Teologia da Libertação. Seu ob-

Simeão de Tessalônica

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jetivo é contribuir para a construção de uma novasociedade justa e livre de toda forma de opres-são. Sublinha que a diferença com relação à Amé-rica Latina é a peculiar situação social e políticasul-africana, onde a luta de classes está vinculadaà discriminação racial”.

A missão principal do ITC é proporcionar àpopulação uma análise que desperte sua consci-ência sobre a situação de escravidão em que vivee a ajude, conseqüentemente, a atuar”. Por isso,diante do fim do apartheid, que ele considera pró-ximo, pergunta: “Que sentido terá, então, a exis-tência do ITC?”, e responde: “O fim do apartheidnão suporá a libertação total dos sul-africanos.Muitos anos se passarão até que se apaguem asatitudes psicológicas que permitiram tal monstru-osidade, e isso só será possível através de um pro-cesso de reeducação. Continuarão as desigualda-des econômicas e a pobreza da maioria negra. Quesentido tem que um novo governo proceda àredistribuição da terra, em poder de minoria bran-ca, se os negros não vão ter nem o capital, nem apreparação técnica, nem a tecnologia apropriadapara sua exploração e rendimento?”.

A missão da Igreja será dar ao povo a forma-ção necessária. “Sabe-se — conclui — que o prin-cípio pietista de que não temos por que nos preo-cupar com o que ocorre na terra, porque nossoobjetivo da salvação é o céu, é egoísta, e, se fosselevado adiante, impediria o progresso da huma-nidade.

BIBLIOGRAFIA: Vários, Teología negra-Teología dela liberación. Sígueme, Salamanca; Cl. Boff, Teología de lopolítico. Sus mediaciones. Sígueme, Salamanca, 1981.

Sobrino, Jon (1938-)

*Libertação, Teólogos da.

Soto, Domingo de (1494-1560)

*Domingos de Gusmão, São.

Soto, Domingo de

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Sozomenes (séc. IV-V)

*Monaquismo; *Eusébio de Cesaréia.

Spener, Philip H. (1635 1705)

*Pietistas.

Stein, Edith (1891-1942)

A ficha pessoal, que dicionários e enciclopé-dias fazem desta mulher, é a seguinte: “EdithStein, nome original de Theresia Benedicta aCruce, nascida em Breslau, morta em Auschwitz(Polônia), católica convertida do judaísmo, mon-ja carmelita, filósofa e escritora espiritual que foiexecutada pelos nazistas por sua ascendência ju-daica e considerada mártir moderna” (Enc. Bri-tânica).

Décima primeira filha de um casal de comer-ciantes judeus, Edith Stein herdou um caráterenérgico e sensível, inquieto e, ao mesmo tempo,responsável. Sua carreira universitária iniciou-sena Universidade de Gotinga (1911) onde entrouno círculo de discípulos de Edmund Husserl, cri-ador da corrente filosófica Fenomenologia. Anosdepois, passou a ajudante de Husserl, nomeadocatedrático de filosofia da Universidade deFriburgo. Fez o doutorado em filosofia em 1916e permaneceu nesta cidade até 1922, dedicando-se totalmente à filosofia e ao estudo dos manus-critos de seu mestre.

Paralelamente à sua vida acadêmica, corre suavida religiosa. Desde tenra idade (1904), EdithStein abandonou sua fé judaica para entrar numateísmo agnóstico. Não obstante, em Gotinga terátambém seus primeiros contatos com o catolicis-mo. A 1ª Guerra Mundial produziu-lhe uma im-pressão tão viva que influiu decisivamente na pro-funda crise pessoal que atravessou em 1920. Estacircunstância preparou o terreno para sua conver-são à religião católica. Decidiu receber o Batis-mo no verão de 1921, após a leitura da autobio-

Sozomenes

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grafia de Santa Teresa, que realizou em 1922. Apartir desta data, abandonou seu estudo ao ladode Husserl para dar aulas no Liceu Dominicanode Spira (1922-1932). Em 1933, teve de abando-nar as aulas devido à legislação anti-semita dosnazistas. Em 1934, ingressou no carmelo de Co-lônia, tomando o nome de Teresa Benedicta de laCruz. Primeiro a conversão e depois a entrada nocarmelo não interromperam seu estudo e seuscontatos com o mundo intelectual.

Em 1938, foi transferida para o Carmelo deEcht, na Holanda, acreditando estar a salvo daperseguição nazista. A condenação por parte doepiscopado holandês (1942) da barbárie nazistaprovocou a ordem de Hitler de prender todos oscatólicos não arianos. Foi detida pela Gestapo em1942 e levada, junto com sua irmã Rosa, ao cam-po de concentração de Auschwitz. Os sobreviven-tes desse campo de extermínio testemunham oauxílio prestado por Edith Stein a seus compa-nheiros. Foi enviada à câmara de gás, onde mor-reu com sua irmã. Foi beatificada por João PauloII em maio de 1987, em Colônia.

— A obra escrita por Edith Stein encontra-seno Archivium Carmelitanum Edith Stein, emLovaina, Bélgica. Suas obras, em vias de publi-cação, estão classificadas da seguinte forma: a)Reelaboração dos manuscritos, que constituema base da segunda e terceira parte das Ideen deHusserl. b) As traduções que fez de algumas obrasde Newman e de Santo *Tomás. Deste último tra-duziu De veritate e talvez também De ente etessentia. c) A numerosa correspondência comintelectuais e outras pessoas sobre temas particu-lares e sobre problemas de estudo. d) As obras defilosofia como : Sobre o problema da empatia;Contribuições para a fundamentação filosóficada psicologia e das ciências do espírito, I. Cau-salidade psíquica; II. Indivíduo e comunidade; Afenomenologia de Husserl e a filosofia de SantoTomás de Aquino; O “ethos” da missão da mu-lher etc. e) Estudos de espiritualidade e mística:Os caminhos do silêncio interior; A ciência da

Stein, Edith

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cruz; Estudos sobre São João da Cruz etc. Entreessas merece destaque sua autobiografia e Serfinito e ser eterno, talvez sua obra filosófica fun-damental.

— De Edith Stein, afirma-se: “Jamais escre-veu nada em que não acreditasse firmemente, nãofez nada com espírito conformista” (R. Ingarden,companheiro de estudos). “A filosofia de E. Steiné uma combinação original de fenomenologia epensamento escolástico. Da primeira tomou ométodo e os aspectos realistas; do segundo, prin-cipalmente o tomismo.”

— Outro importante ingrediente de seu pen-samento filosófico é a mística, em especial a detrês autores: o *Pseudo-Dionísio, São *João daCruz e Santa *Teresa de Jesus.

— Mas o interesse principal de sua filosofiaestá na construção de uma metafísica completa,novo degrau da filosofia perene que, sem deixarde ser estritamente filosófica, não descuida as ri-quezas proporcionadas pela experiência e por suaanálise fenomenológica. A síntesefenomenológico-escolástica era para E. Stein umasíntese de razão e experiência, de temporalidadee eternidade, de finitude e infinitude, de existên-cia e essência.

BIBLIOGRAFIA: Obras completas: I. La ciencia de lacruz; Estudios sobre san Juan de la Cruz, 1559; Cartas a H.Conrad-Martius; Teresa Renata del Espíritu Santo: EdithStein, una gran mujer de nuestro siglo, 1953.

Strauss, Friedrich (1808-1874)

Discípulo de *Hegel e considerado da “esquer-da hegeliana”, Strauss dedicou-se a uma críticaradical dos textos bíblicos e tentou, assim como*Feuerbach, reduzir o significado da religião aexigências e necessidades humanas: simples an-tropologia. Seguindo as idéias e orientações deFerdinand Baur, da escola de Tubinga, publicouem 1835 a Vida de Jesus, obra que logo se fezfamosa e suscitou as violentas polêmicas queconsummaram a divisão dos discípulos de Hegel.

Strauss, Friedrich

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“Essa obra foi a primeira tentativa radical, siste-mática e completa de aplicar o conceito hegelianoda religião aos textos bíblicos. O resultado foireduzir a fé religiosa a um simples mito. O Jesusda tradição é um mito: não pertence à história; éuma ficção produzida pela orientação intelectualde uma determinada sociedade.”

O mito é uma idéia metafísica expressa medi-ante uma imagem, por um espírito contemplativo.Seu valor não reside no fato narrado, mas na idéiarepresentada. O mito de Jesus foi originado pelaardente espera do Messias e pela personalidadedo Jesus histórico. Partindo destes princípios,Strauss leva adiante a análise filosófica e históri-ca dos textos evangélicos, relegando ao mito e àlenda todo elemento sobrenatural ou, em geral,não fundado sobre o testemunho comprovado econcordante das fontes. A obra quer demonstrara diferença entre a religião cristã, caracterizadapor seus mitos, e a filosofia. No entanto, parado-xalmente, afirmará como conclusão que religiãoe filosofia são a mesma coisa: a unidade do infi-nito e do finito, de Deus e do homem. Em conse-qüência, Jesus “não pode ser senão um daquelesindivíduos cósmicos nos quais se realiza a idéiasubstancial da história. Nele surge, pela primeiravez, a consciência da unidade do divino e do hu-mano, e neste sentido é único e inigualável nahistória do mundo”. “Já temos aqui o homem in-comparável”, moldado por *Renan, anos maistarde, e a base da doutrina de Feuerbach.

Suas duas obras completam o pensamento re-ligioso de Strauss: A fé cristã em seu desenvolvi-mento e em sua luta com a ciência moderna(1841-1842) e A antiga e a nova fé (1872). Naprimeira, contrapõe o panteísmo da filosofia mo-derna ao teísmo da religião cristã. “A história dodogma cristão é a crítica do próprio dogma, jáque revela o progressivo triunfo do panteísmosobre o teísmo, chegando a reconhecer que Deusnada mais é do que o pensamento que age emtodos, que os atributos de Deus nada mais são doque as leis da natureza e que o todo é imutável e

Strauss, Friedrich

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absoluto refletido nos espíritos finitos desde a eter-nidade.

Na segunda, faz estas quatro perguntas: 1)Somos ainda cristãos? Responde que não, por-que o teísmo já não existe. 2) Temos ainda umareligião? Afirma que sim, desde que por religiãose entenda o sentimento de dependência que ohomem tem do universo e suas leis. 3) Como en-tendemos o universo? A resposta a esta terceirapergunta contém sua profissão de materialismo.4) Como devemos regular nossa vida? A respostacontém sua doutrina moral. O objetivo desta élevar uma vida social ordenada mediante a per-feita realização de nossa humanidade, utilizandopara isso o princípio da “simpatia”. Termina exal-tando o industrialismo moderno e a burguesia.Ataca o cristianismo que detesta o afã de lucro ede êxito, assim como o socialismo. A poesia, es-pecialmente a de Lessing e a de Goethe, será aeducadora do povo, não a Bíblia (Diccionario defilósofos).

BIBLIOGRAFIA: Das Leben Jesu, 1835, 2 vols.

Suárez, Francisco (1548-1617)

Nasceu em Granada e morreu em Lisboa. Co-nhecido como “Doctor eximius”, ingressou naCompanhia de Jesus em 1564. Professor de teo-logia e filosofia em Segóvia, Ávila, Valladolid,Roma, Alcalá, Salamanca; por último, desde 1597,em Coimbra.

Sua extensa obra filosófico-teológica, 26 vo-lumes in folio, compreende dois blocos: a) O blo-co de obras teológicas. Quase todas elas desen-volvem a Summa Teológica de Santo *Tomás.Mas a obra de Suárez não é comentário. São tra-tados autônomos e independentes, que estudamde forma sistemática todos os problemas da teo-logia. São eles: De divina substantia, em que seencontra toda a teologia natural; De angelis estu-da o problema do conhecimento intelectual; Degratia analisa as relações entre a liberdade divina

Strauss, Friedrich

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e a liberdade criada; De ultimo fine e Devoluntario expõem os princípios e as normas fun-damentais da ética natural. b) A obra filosóficaestá contida nos dois grandes volumes de suasDisputationes metaphysicae. Nas 54Disputaciones metafísicas, Suárez estuda comclareza e rigor o problema do ser independente-mente das questões teológicas, embora sem per-der de vista que sua metafísica ordena-se à teolo-gia, à qual serve de fundamentação prévia.“Suárez é, desde Aristóteles, escreve *Zubiri, oprimeiro ensaísta a fazer da metafísica um corpode doutrina filosófica independente. Com Suárez,eleva-se ao nível de disciplina autônoma e siste-mática.”

— A metafísica de Suárez aborda, com muitaagudeza, os pontos capitais da filosofiaescolástica. Embora se mantenha fiel ao tomismo,não rechaça os desvios quando lhe parecem ne-cessários. Algumas vezes recolhe antecedentes dafilosofia pré-tomista; em outras, ao contrário, estámais próxima de Duns Scot e dos nominais; al-gumas expõem soluções originais e própriascomo, por exemplo, na questão da distinção realentre a essência e a existência, em que se afastados tomistas. Na questão dos universais, não ad-mite que a matéria signata quantitate seja o prin-cípio individualizante. O decisivo do indivíduo ésua incomunicabilidade. Para a demonstração daexistência de Deus, somente concede valorapodítico aos argumentos metafísicos. Afirma ain-da a impossibilidade de ver e conhecer natural-mente a Deus, a não ser de forma indireta, refleti-do nas criaturas.

— Verdadeiramente notável e original é suadoutrina política exposta em seu tratado Delegibus (1612). A tese fundamental dessa obraapóia-se em que, enquanto o poder eclesiásticoprocede imediatamente de Deus, o poder tempo-ral procede somente do povo. De fato, todos oshomens nascem livres, e o corpo político resultada livre reunião dos indivíduos que, explícita outacitamente, reconhecem o dever de ocupar-se do

Suárez, Francisco

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bem comum. Em conseqüência: a) nega a teoriado direito divino dos reis, usada pelos protestan-tes, segundo a qual o rei teria seu poder imediata-mente de Deus; b) afirma que a soberania residesomente no povo, que é superior ao rei, em quemse confia e de quem pode ser tirada quando não aempregar politicamente, isto é, no interesse co-mum, e sim com tirania.

— Suárez pertence à chamada “escolásticatardia do século XVI”, que teve em Salamanca,Alcalá e Coimbra seus centros intelectuais de in-teresse. Quase todos esses escolásticos tinhamuma formação adquirida em Paris e em Roma.Reafirmaram a tradição escolástica frente à críti-ca dos renascentistas; tornaram ao tomismo e àsgrandes obras sistemáticas da Idade Média, nãopara repeti-las, e sim para comentá-las e esclarecê-las. Abordaram-se também uma série de proble-mas sociais e políticos que o Renascimento atua-lizou, como por exemplo o direito internacional,a condição dos índios da América etc.

A obra de Suárez insere-se nesse ambiente daContra-Reforma e da escolástica renascentista.“Durante os séculos XVII e XVIII, asDisputationes de Suárez — observa J. Marías —serviram de texto em inúmeras universidades eu-ropéias, inclusive protestantes; Descartes,Leibniz, *Grócio, os idealistas alemães a conhe-ceram e utilizaram. Pode-se dizer que a Europa,durante dois séculos, aprendeu metafísica comSuárez, embora tenha sido mais utilizada parafazer outra diferente do que para continuá-la se-gundo sua inspiração. Através de Suárez pene-trou na filosofia moderna o mais fecundo do cau-dal da escolástica, que ficou assim incorporado auma nova metafísica, feita sob outro ponto de vistae com método diferente” (Historia de la filosofía,5ª ed., p. 200).

BIBLIOGRAFIA: Obras: Misterios de la vida de Cris-to (BAC), 2 vols.; Disputaciones metafísicas. Edição bilín-güe, Gredos, 7 vols.; Tratado de las Leyes y del Dios legis-lador, 1918-1921, 11 vols. Edição crítica bilíngüe porLuciano Pereña, 1972-1975, 5 vols.; R. de Scorraille, ElPadre Francisco Suárez, 1917, 2 vols.

Suárez, Francisco

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Suidas de Constantinopla (séc. IX-X)

*Padres da Igreja.

Summa angelica (séc. XV)

*Summas dos confessores.

Summa antonina

*Antonino, Santo.

Summas dos confessores

Dentro das summas, produto das escolas euniversidades da Idade Média, há um gênero co-nhecido como Summas dos confessores. Consti-tuem o elo de ligação entre os livros Penitentialese as Institutiones morales (moral casuísta) dosséculos XVII-XVIII. Começaram a difundir-se noséculo XIII, desenvolveram-se no XIV, alcança-ram seu apogeu no XV e acabaram no séc. XVI.

A maior parte das summas segue uma ordemalfabética; outras adotam uma forma sistemática.Trata-se, simplesmente, de “prontuários” ou, sese preferir, “léxicos de teologia moral”. Nelaspode-se encontrar, agrupado em torno de certostemas, tudo de que, para uma informação rápida,necessita um sacerdote ocupado com o ministé-rio: moral, direito, liturgia, pastoral sacramentaletc. São um vademecum, não um manual de teo-logia moral, pois até então não há nada ainda maisdo que uma teologia indivisa, da qual a moral fazparte.

Durante esse longo período existiram muitassummas: a de São Raimundo de Peñafort e a deJoão de Friburgo no século XIII; a summa pisanae a summa astesana no século XIV; a summa deSanto Antonino, a Summa angelica, a summabatista no século XV; a summa silvestrina, asumma talínea e a summula de Cayetano no sé-culo XVI. Imitação ou continuação das summasdos confessores são os manuais para confesso-

Summas dos confessores

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res, que têm vigência nos séculos XVI e XVII.Merece ser lembrado o de F. de Toledo, Instructiosacerdotum.

BIBLIOGRAFIA: B. Häring, A lei de Cristo, Herder1960; M. Vidal, Moral de Atitudes, I, Ed. Santuário.

Summa contra gentes

*Tomás de Aquino, Santo.

Summa iuris

*Raimundo de Peñafort, São.

Summa theologica

*Tomás de Aquino, Santo.

Suso, Enrique (1295-1366)

*Tauler; *Eckhart.

Syllabus (1864)Um dos documentos doutrinais mais signifi-

cativos do velho estilo dos papas anteriores à se-gunda metade do século XIX é o Syllabus. É fru-to e resultado das lutas da Restauração na Europae da industrialização que seguiram às guerrasnapoleônicas e à Revolução Francesa. O socia-lismo, o liberalismo, o racionalismo haviamirrompido em cena, querendo afogar a fé e a tra-dição da Igreja.

Seguindo a linha da encíclica Mirari vos deGregório XVI (1832), na qual se condenam oindiferentismo e a liberdade de consciência, “essafonte infecta do indiferentismo da qual nasce essedelírio de que se deve assegurar e garantir a cadaum a liberdade de consciência”, Pio IX publicaem 1864 dois documentos. Um, a encíclica Quan-ta cura, na qual condenava o racionalismo, o li-beralismo etc., tal como o haviam pedido algunsbispos “ultramontanos” franceses e outros inte-

Summa contra gentes

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lectuais, tais como L. Veuillot. Anexo a essaencíclica estava um catálogo (Syllabus) de 80 pro-posições condenadas, no estilo das que seguem:

— A Igreja deve separar-se do Estado e o Es-tado da Igreja (55).

— É lícito negar a obediência aos príncipeslegítimos e até rebelar-se contra eles (66).

— Em nossa sociedade não convém que a re-ligião católica seja a única religião do Estado, comexclusão de quaisquer outros cultos (77).

— O Romano Pontífice pode e deve reconci-liar-se e consentir com o progresso, com o libera-lismo e com a civilização moderna (80).

A última proposição, a 80, parece implicar orepúdio a toda a sociedade moderna. Os católicosintransigentes exultaram! Os anticlericais zom-bavam: o papa vai eliminar os trens em Roma.Os católicos liberais sentiram-se desaprovados echeios de surpresa. Hoje o julgaríamos defasadoe superado, mas é expressão de uma Igreja cleri-cal, fechada sobre si mesma, que quer impor-secom o anátema, afastada da realidade.

BIBLIOGRAFIA: R. Aubert, O pontificado de Pio IX,tomo 21 da História da Igreja de Fliche-Martin.

Taciano, o Sírio (n. 120)

*Apologistas.

Taizé

*Schutz, Roger.

T

Taizé

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Tauler, João (1300-1361)

Discípulo de *Eckhart e dominicano como ele,Tauler ou Tauler representa o pólo eminentemen-te moral diante do predomínio da especulaçãometafísica daquele e do elemento afetivo de Suso.No pensamento e doutrina de Tauler é fácil en-contrar elementos platônicos e neoplatônicos, semesquecer outros procedentes de Santo *AlbertoMagno e de Santo *Tomás. Tauler é um pregadore um místico interessado mais pela mística do quepela filosofia e pela razão.

Nascido em Estrasburgo, ingressou no conven-to dominicano dessa cidade e depois foi para oStudium generale de Colônia, onde realizou seusestudos. Foi aí que encontrou provavelmente omestre Eckhart. Quase toda a sua vida transcor-reu em Estrasburgo, onde se dedicou ao ensino e,em especial, à pregação. Não escreveu nenhumaobra. De seus famosos sermões, que vários ou-vintes colocaram por escrito, somente 81 são con-siderados autênticos. Consideram-se apócrifos ostratados que lhe foram atribuídos, como As insti-tuições divinas; Medulla animae; As 10 ceguei-ras espirituais etc.

Sobre o plano da doutrina eckhartiana da uniãoda alma com o uno, Tauler constrói sua doutrinada “essência da alma”, a qual também chama,“união íntima da alma” e “reduto inominável”,como é o próprio Deus. Nessa essência, para alémda própria essência da alma, reinam um silêncioe um repouso perpétuos, sem imagens, sem co-nhecimentos, sem ação, em pura receptividade emrelação com a luz divina. Tal é a concepção mís-tica de Tauler, baseada na possibilidade de retor-no de uma alma criada por Deus à sua idéiaincriada em Deus.

— No pensamento de Tauler ocupa um lugarcentral a teoria do Gemüt ou disposição estávelda alma, que condiciona a atuação de todas assuas faculdades. É o coração ou a tendência ori-ginal do homem enquanto filho de Deus, sua as-piração absoluta ao bem absoluto. É como uma

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agulha magnética que se volta, infalivelmente,para o norte. O homem pode desviá-la, mas ja-mais mudar sua tendência original. Está presenteem todo homem e não se extingue em nenhumser humano, nem sequer nos condenados.

— Sendo o Gemüt a atitude estável e perma-nente da alma com sua própria essência, devetransformar-se de impulso vago em consciêncialuminosa do fim, libertando-se de pensamentos,desejos e afetos até conseguir o pleno desprendi-mento de tudo. Esse impulso, tendência, coração,ímã que é o Gemüt deve tornar-se liberdade ab-soluta, desprendimento, respeito pelas criaturas,para transformar-se em liberdade absoluta no ca-minho que leva a Deus.

— O processo de retorno a Deus acontece emtrês etapas: o amor doce, o amor sábio e o amorforte. Nesse caminho, a alma despoja-se de suacondição de criatura e identifica-se na “essência”com o próprio Deus. “Perde-se em Deus e mer-gulha no mar sem fundo da divindade”. A almapode, então, entregar-se completa e confiadamen-te a Deus. Isso não quer dizer que Tauler afirme,como se disse, que a alma se torne divina, idéiana qual tanto insistiu seu mestre Eckhart.

A influência de Tauler é notável na história daespiritualidade cristã e particularmente notável éa que exerceu sobre Lutero. Este sentia uma pro-funda estima por Tauler, cujas obras utilizava comfreqüencia, anotando-as pessoalmente. “Dele to-mou uma espiritualidade profunda, uma imensaconfiança na misericórdia divina, a convicção daprópria incapacidade e o desprezo pelas própriasações. Mas Lutero acabou por interpretar à suamaneira alguns textos de Tauler, que em seu con-texto original tinham um significado muito diver-so” (G. Martina, La Iglesia. De Lutero a nuestrosdías, 96).

BIBLIOGRAFIA: B. Jiménez Duque-L. Sala Balust,Historia de la espiritualidad. Barcelona 1969, 4 vols; A.Royo Marín, Los grandes maestros de la vida espiritual(BAC), 1973. Obras: Instituciones. Temas de oración.Sígueme, Salamanca.

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Teilhard de Chardin, Pierre(1881-1955)

Cientista e pensador francês. Ingressou naCompanhia de Jesus em 1898 e dedicou-se ex-clusivamente ao estudo e à pesquisa científica(Geologia). De 1922-1925 ensinou geologia noInstituto Católico de Paris. Em 1926 foi à Chinapara tomar parte nas pesquisas que conduziramao descobrimento do sinantropo. Participou pos-teriormente de diferentes expedições científicasà África. Da ciência passou ao campo da filoso-fia e da teologia, oferecendo em sua obra os re-sultados de pesquisas científicas e de intuiçõesdo entendimento e do coração. Tudo para superar“concepções do mundo medievais e escolásticas”e oferecer uma concepção mais de acordo com amentalidade contemporânea.

T. de Chardin deixou uma extensa obra, rápi-da e amplamente difundida e que foi objeto deapaixonantes controvérsias. Os mais conhecidosdentre seus livros são: O meio divino (1926-1927);O fenômeno humano (1938-1940); O grupo zoo-lógico humano (1949). Deve-se acrescentar a es-

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sas três obras fundamentais, outros estudos queaparecem nas Obras completas preparadas por C.Cuénot, por exemplo O aparecimento do homem(1956); A energia humana (1962); A ativação daenergia (1963); Ciência e Cristo (1965) etc. E asnumerosas cartas, nas quais presta contas de suaspesquisas científicas.

Pode-se resumir a doutrina fundamental deTeilhard de Chardin nestes pontos: 1) Sua intui-ção, convencido como estava da evolução, esten-deu o funcionamento a todos os setores do ser,desde a matéria originária da vida, ao homem, àhistória, à religião e ao cristianismo “evolucio-nismo integral”. 2) Mediante um processo de con-centração de uma matéria originária, o “materialdo universo, de uma simplicidade indefinível ede natureza luminosa”, que continha de uma ma-neira latente, mas muito real, enormes energiasfísicas e espirituais — a “consciência” —, for-maram-se faz muitos milhões de anos, primeira-mente os astros, logo nosso sistema solar e, den-tro dele, a Terra. 3) O processo de evolução se-guido pelo universo vai sempre em direção a ní-veis mais altos de complexidade. Esses níveis sãoqualificados de hilosfera, biosfera e noosfera,segundo a ordem evolutiva e de aparição da ma-téria, da vida e da consciência. Mas dentro da úl-tima — a consciência — segue o processo de evo-lução para formas as mais complexas desta. Aaparição do homem pressupõe um passo impor-tante, mas não último ou definitivo, nesta evolu-ção, já que o homem faz parte e dirige essa mes-ma evolução. 4) Avançando sempre para formasde maior socialização, o homem se faz conscien-te de que cada vez é mais pessoa e marcha para aconstituição de uma humanidade superior ousuper-humanidade: “A Terra ficará coberta poruma só membrana organizada... e se produzirá aplanetização humana”. Produzir-se-á uma unida-de “biológica” e “crística”, formada por pessoasmovidas pelo altruísmo mais generoso e pela gra-ça sobrenatural própria do cristianismo. 5) Tudo,pois, segundo Teilhard de Chardin, concorre paraa realização de um “ponto ômega” para o qual o

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homem é impulsionado pelo amor e pela graça.Nesse “ponto ômega”, o homem reconhecerá a“Deus criador”, a quem se dirige com atos inter-nos e externos de religião. Esse ponto ômega, quea humanidade deve realizar, consiste na incorpo-ração da mesma ao Cristo da história e da Reve-lação pelos séculos dos séculos. Assim entra ohomem na “cristosfera”, com o que se cumprirá amissão que tem Cristo “de agregar a si opsiquismo total da terra” (O fenômeno humano).

Não há dúvida de que é grandiosa e fascinan-te a visão multiforme do cosmos, da história e docristianismo que Teilhard de Chardin expôs deforma apaixonada; por isso o entusiasmo de unse a reserva de outros. O conjunto de sua obra éuma mescla de ciência, poesia e fé religiosa quecomumente impressiona quem não é capaz de, ounão deseja, respeitar os ideais de precisão do pen-samento e de clareza da linguagem. A visãoteilhardiana do mundo parece, no melhor dos ca-sos, elevada e esperançosamente poética e, nopior, um enorme engano que pretende introduzir,sob pretexto de ciência, uma maneira de ver ascoisas que, na realidade, não tem nada de cientí-fica” (F. Copleston, Historia de la filosofía, 9,313).

“No entanto, continua Copleston, como ex-pressão da mentalidade de um homem que era,ao mesmo tempo, um científico e um cristão con-victo e que tratava não só de conciliar mas, prin-cipalmente, de integrar o que ele mesmo consi-derava uma visão científica do mundo com umafé cristocêntrica, a versão teilhardiana da realida-de tem inquestionável importância e é de umagrandeza que tende a fazer que, em comparação,resultem pedantes ou irrelevantes as objeções.Pode-se afirmar que foi um visionário ou um adi-vinho que apresentou em amplos e às vezes im-precisos e ambíguos desenhos um programa pro-fético, um programa que outros estão convidadosa estudar em detalhe, a esclarecê-lo, a dar-lhemaior rigor e precisão e a defendê-lo com sólidosargumentos” (Copleston, o.c.).

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BIBLIOGRAFIA: Oeuvres, 9 vols., 1955-1965; O fenô-meno humano; O aparecimento do homem; A visão do pas-sado; O meio divino; C. Tresmontant, Introducción alpensamiento de Teilhard de Chardin, 1958; Henri de Lubac,La pensée religieuse de T. de Ch., 1962.

Teodoro, Monge (+368)

*Monaquismo.

Teodoro de Mopsuéstia (+428)

*Escolas teológicas, Primeiras.

Teodoro, São (759-826)

*Hesiquia.

Teodoto (séc. II)

*Gnósticos.

Teologia atual, Panorama da(homens e obras)

Aos homens já registrados dentro do pensa-mento católico atual — teólogos, filósofos, lite-ratos, sociólogos etc. — acrescentamos um mar-co histórico de referência sobre cujo fundo pos-sam ser melhor interpretados. Resumidamente,apresentamos o panorama atual da teologia des-de o século XIX até nossos dias.

O séc. XIX passou à história da teologia cató-lica como o “século da apologética”. A maioriadas obras importantes da época apresentam-secomo defensoras do cristianismo e da fé. Ao mes-mo tempo, revelam a situação da teologia tradici-onal, combatida em diferentes frentes, especial-mente pela filosofia, história, ciência e inclusivepela moral. Tratava-se de uma confrontação, po-lêmica e em todos os níveis, do catolicismoimperante ainda no Ocidente com o espírito econquistas da modernidade. Por sua seriedade,

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merece citar-se a obra de autores como Hermes eMoehler na Alemanha, Laforet e Dechamps naFrança, Taparelli e Liberatore na Itália, Balmes eCeferino González na Espanha e *Newman naInglaterra. Junto deles, muitos outros no campoda pesquisa científica e histórica.

Foi *Leão XIII quem iniciou a grande decola-da da renovação eclesiástica produzida ao longodo século XX. Sua encíclica Aeterni Patris mar-cou um hiato decisivo no desenvolvimento dapesquisa teológica. O mesmo podemos dizer daProvidentissimus Deus sobre os estudos bíblicos.O séc. XX desperta com ares de renovação, quese irão plasmando ao longo do século.

1. O primeiro problema que teve de enfrentara teologia do séc. XX foi o modernismo. Ques-tões como a formação do cristianismo, a naturezados escritos bíblicos, a historicidade das doutri-nas e os próprios conceitos de inspiração,inerrância e inclusive revelação começam a serconsiderados desde outras perspectivas. Entre ospromotores das novas correntes, destacaram-se:A. *Loisy (1857-1940) na França, E. Buonaiutti(1881-1946) na Itália e G. Tyrrell (1861-1909)na Inglaterra. As taxativas condenações de Pio Xno decreto Lamentabili e na encíclica Pascendicolocaram um freio e um parêntese no desenvol-vimento teológico do catolicismo.

2. O ressurgir dos estudos teológicos promo-vidos por Leão XIII materializou-se em diversasformas. Retrospectivamente pode-se afirmar quea maior influência nos rumos da teologia posteri-or correspondeu aos avanços na pesquisa históri-co-crítica e na exegese bíblica. Ao contrário, aprincipal conquista em sua época foi o auge queexperimentou a teologia escolástica, e especial-mente o tomismo, conhecido mais comumente porneo-escolástica e neotomismo.

a) Neo-escolástica e neotomismo. Sem entrarno que diferencia essas duas correntes de filoso-fia e de teologia católicas, é evidente o auge de-las nos centros e nas universidades católicas des-de princípios do séc. XX até a 2ª Guerra Mun-

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dial. Os centros mais importantes dessas corren-tes são a Universidade Católica de Lovaina e asUniversidades Pontifícias Romanas Gregorianae Angelicum. A esses centros de pensamentodeve-se acrescentar o Studium Generale dosdominicanos de Le Saulchoir (França) e dos je-suítas de Fourvier (França). Dessa corrente cita-mos o jesuíta L. *Billot (1846-1931), cuja inter-pretação do tomismo criou escola; o cardeal D.Mercier (1851-1926), o grande restaurador da*neo-escolástica com sede em Lovaina. Sem es-quecer a equipe de teólogos dominicanos: A.Gardeil, A-D. Sertillanges, G. Thery, R. Vaux, M.D. Roland-Gosslin, R. *Garrigou-Lagrange,Dubarle, Y. M. *Congar, M. *Chenu e outros. Aesse grupo de dominicanos uniram-se outros je-suítas como Pesch, Lerger, H. de *Lubac, J.*Daniélou, junto aos mais recentes da “teologiaquerigmática” e da “teologia nova”, de que fala-remos depois.

Um papel de primeira ordem na sobrevivên-cia da escolástica e do tomismo foi o das revistasespecializadas. Merecem ser citadas a “RevueThomiste”, a “Revue des Sciences Philosophiqueset Théologiques” (1907), a “Gregorianum” (1920)e outras.

b) Estudos históricos. O surgimento de estu-dos histórico-críticos que beiram os primeirosdecênios do século XX contribuiu de modo maiseficaz para prestigiar a teologia católica. O con-tato com as fontes patrísticas, o melhor conheci-mento do marco histórico em que surgiram e sedesenvolveram as diferentes doutrinas, a críticatextual e a depuração dos testemunhos tradicio-nais foram as principais conquistas da pesquisacatólica. Fruto desse trabalho é a aparição da“Revue d’Histoire Ecclésiastique” (1900). Em1903 iniciou-se o Dictionnaire de ThéologieCatholique, ao que segue poucos anos depois oDictionnaire d’Archéologie Chrétienne et deLiturgie e o Dictionnaire d’Histoire et deGéographie Ecclésiastique. Seguindo a tradiçãoiniciada por *Migne nos meados do século pas-

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sado, com a publicação da Patrologia Graeca eLatina (PG, PL), aparecem agora o CorpusScriptorum Christianorum Orientalium, os Textset documents pour l’étude historique duchristianisme e a Bibliothèque de ThéologieHistorique, além de outras coleções de documen-tos e textos caros ao grande público.

Dentro destes estudos de história merece umaatenção especial o trabalho dedicado aos estudospatrísticos e à Idade Média, suas fontes e suasdoutrinas. Por trás de cada uma destas tarefas hánomes importantes que não se devem esquecer,como B. Altaner (1858-1958), A. d’Alés (1851-1938), F. Ehrle (1934), M. *Grabmann (1875-1949), H. de *Lubac (1896-1991), J. Lebreton(1873-1956), E. *Gilson (1884-1965) e outros.

c) Mais espinhoso e delicado foi o trabalhorealizado no campo da exegese bíblica. Os pro-blemas exegéticos, textuais, históricos e literári-os da Bíblia se haviam tornado iniludíveis devi-do aos progressos da pesquisa e das ciências na-turais, aos avanços da crítica textual e filológica,aos surpreendentes encontros arqueológicos noOriente e à necessidade de responder criticamen-te às tendências liberais da exegese protestante.Tudo isso abrira interrogações em torno dahistoricidade dos primeiros capítulos do Gênesis,da autenticidade mosaica do Pentateuco e da pró-pria exatidão neotestamentária sobre a figura deJesus. E de quebra, afetava também as doutrinasarraigadas na teologia católica.

A renovação dos estudos bíblicos dentro daIgreja Católica está vinculada ao Papa Leão XIII,que propôs as pautas da renovação em suaencíclica Providentissimus Deus. Mas a figura quedominou a exegese católica de todo esse períodoé a do dominicano francês M. J. *Lagrange (1855-1938), fundador em 1890 da Escola Bíblica deJerusalém, que dirigiu até sua morte, e fundadorigualmente da “Revue Biblique”. Lagrange dei-xou uma obra ampla e variada, acusada na épocade conivências modernistas, mas que chega aténossos dias com os trabalhos da equipe de pro-

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fessores e de pesquisadores da Escola de Jeru-salém.

Os estudos bíblicos continuaram renovando-se com instituições tão prestigiosas quanto o Ins-tituto Bíblico de Roma, com biblistas tão respon-sáveis como A. Wikenhauser, R. Schnackenburg,L. Cerfaux, P. Benoit, F. M. Braun, A. Bea, C.Spicq, H. Schlier, E. Peterson. E ultimamente, aténossos dias, com os novos nomes de N. Lohfink,X. León-Dufour, J. Mateos e L. A. Schökel.

3. Nos anos anteriores à 2ª Guerra Mundialhouve diversas tentativas de renovação teológi-ca, que se ligarão, anos mais tarde, com o Concí-lio *Vaticano II. Referimo-nos de forma especialà chamada “teologia querigmática” e à “teologianova”.

Desde a faculdade teológica de Innsbruck(Alemanha), um grupo de jesuítas, entre os quaisse destacaram J. A. Jungmann, F. Lakner, H.Rahner, J. B. Lotz e outros, constataram com cres-cente desgosto que a teologia já não preparavapara a pregação. Surgiu a chamada “teologiaquerigmática”, preparada pelo aspecto salvíficoe direto para a vida. Esse movimento querigmáticocristalizou-se em obras como a Dogmática de M.Schmaus, e a Initiation théologique dosdominicanos de Le Saulchoir.

Nos mesmos anos surgiu na França um movi-mento paralelo de renovação da teologia, que re-cebe o nome de “teologia nova” (1942). A partirdesta data até os anos 50, fala-se de “erros queameaçam arruinar os fundamentos da fé”. No cen-tro das polêmicas em torno da “teologia nova”encontravam-se homens que depois haveriam deter uma parte muito importante e decisiva nosdocumentos do *Vaticano II. Citamos os nomesde H. Bouillard, D. M. *Chenu, Y. de Montcheuil,H. de Lubac, Y. M. Congar e J. Daniélou. A novatecnologia vem caracterizada por três pontos:a) Um modo de fazer teologia menos especulativoe mais histórico. Percorre-se toda a história daIgreja e da teologia, especialmente a patrística emedieval, com a tentativa de chegar até as ori-

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gens evangélicas. b) A Igreja é o ponto de estudopreferido: revê-se o próprio conceito de Igreja,sua natureza e função. Descobre-se o aspecto deIgreja como “Corpo Místico”, “Povo de Deus”(*Congar; *Lubac). c) Preocupação pela aberturada Igreja ao mundo e por questões em tornoda vida de fé numa sociedade descristianizada(K. *Rahner).

4. Os anos que precederam o Concílio VaticanoII estão marcados por uma consolidação das cor-rentes renovadoras anteriores e pela aparição denovos núcleos de reflexão teológica. O clima te-ológico foi dominado pelo desejo de uma com-preensão cristã do mundo. Apareceram diversastentativas de teologia das “realidades terrestres”,e a expressão “sinais dos tempos” começa a par-ticipar da linguagem teológica. A teologia cató-lica abre-se ao diálogo com o ateísmo e acentua-se a influência dos pensadores protestantes(*Bultmann, *Tillich, *Bonhoeffer) de modosurpreendente. A teologia dogmática, com raízesmais bíblicas e pastorais, conheceu uma flora-ção de autores que tiveram um papel decisivona preparação do Concílio e nas discussões pos-teriores até nossos dias. Além dos já mencio-nados, como K. Rahner, é justo mencionaraqui E. *Schillebeeckx, P. Schoonenberg,J. Ratzinger, J. Alfaro, H. U. von Balthasar, semesquecer homens que se incorporam desde a his-tória e a crítica teológica como H. *Küng, desdea teologia moral como *Häring, a teologia polí-tica como J. B. *Metz ou desde a Teologia daLibertação.

BIBLIOGRAFIA: Y. Congar, Situação e tarefas da teo-logia hoje; H. Vorgrimler-H. Van der Gucht, La teología enel siglo XX. Ed. Católica, Madrid 1973, 3 vols.; R. Winling,La teología del siglo XX. La teología contemporánea.Sígueme, Salamanca 1987; J. L. Segundo, Teología abierta.Cristiandad, Madrid 1983-1984, 3 vols.

Teologia da libertação

*Libertação, Teólogos da.

Teologia da libertação

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Teologia nova (1948)

*Teologia atual, Panorama da; Libertação,Teólogos da.

Teologia querigmática

*Teologia atual, Panorama da.

Teresa de Jesus, Santa (1515-1582)

Teresa de Cepeda e Ahumada nasceu em Ávilae morreu em Alba de Torres. Aos 18 anos ingres-sou no Carmelo da Encarnação de Ávila (1533) edepois de 30 anos de vida religiosa sentiu-se cha-mada para fundar um mosteiro onde se vivessesem mitigações, em plena pobreza e austeridade,a regra que Inocêncio IV aprovara para oscarmelitas no séc. XIII. Com a ajuda inicial doprovincial dos carmelitas, e após superar as difi-culdades colocadas por outras freiras e pelas mes-mas autoridades da cidade, fundou, no ano 1563,e na mesma Ávila, o primeiro mosteiro da Refor-ma. Ganhou *São João da Cruz para a sua causae abriu em 1568 o primeiro convento de carmelitasdescalços. Vieram depois outras funções femini-nas em Castilla e em Andaluzia, principalmente,até dúzia e meia, como o conta a própria Teresacom grande vivacidade e finura psicológica noLivro das fundações. Suas viagens e peregrina-ções mostram-nos que, em 1582, ano de sua mor-te, esteve em Ávila, em Medina, em Valladolid,em Palência, em Burgos, para chegarfatigadíssima a Alba de Torres em 20 de setem-bro. Ainda com incríveis esforços, foi no dia se-guinte à capela para comungar. Morreu em 4 deoutubro de 1582. Foi declarada doutora da IgrejaUniversal em 1970.

— Com Teresa de Jesus nasceu um dos movi-mentos de espiritualidade mais vivos da Igreja daContra-Reforma: a escola mística de Teresa deÁvila e de João da Cruz, e um florescente movi-mento teológico que, partindo de Salamanca, exer-

Teresa de Jesus, Santa

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ceu em toda a Europa uma considerável influên-cia. O programa teresiano não consistia tantonuma reforma no sentido de reação contra os abu-sos que se introduziram lentamente, quanto naafirmação de um ideal de vida religiosa eremítico-contemplativa, em grande medida original e emfranco contraste com as tendências em vigor en-tre os calçados.

— Mais interessante e mais original do que areforma é sua própria vida e experiência religio-sa tal como nos ficou nas passagens contadas pe-las pessoas que a conheceram, nas muitas cartasque escreveu e em suas obras ascético-místicas.Leitora assídua e cheia de curiosidade por saber eentender a teologia, Teresa é uma “grandedivulgadora de conceitos sagrados”. Mulher deinteligência sumamente desperta e vivíssima sen-sibilidade, descobriu por si mesma o mundo dacultura, afirmando que “grande coisa é o saber ea literatura para todos”. Afirma que a inteligênciahumana sem leituras e meditações fica estéril, eintui que o mais importante na vida é o amor deDeus, porque “a questão não está em pensar mui-to, mas em amar muito”.

— Dessa inteligência e sensibilidade nasceuuma devoção popular, humilde, afetiva, que re-correu a comparações correntes como a do jogode xadrez, a dama, as propriedades da água, acozinha etc. E daí nasceu também seu estilo in-confundível, que Frei Luís de León louvou peladelicadeza e claridade com que trata das coisassublimes, pela sua maneira de se exprimir, pelapureza e facilidade do seu estilo, pela graça e pelobom uso das palavras e por uma elegânciadesataviada, que agrada ao extremo.

— O mais interessante, no entanto, e o maisoriginal é que toda a obra da santa é uma autobi-ografia do reino interior, ou a particularidade desua vida de fundadora. Interessa-lhe falar de suaspróprias experiências, dos favores divinos quealcançou. Nessa “intimidade surpreendente”, quecaptou Américo Castro, aparecem paisagens in-teriores antes inexploradas. Neste sentido, colo-

Teresa de Jesus, Santa

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ca-se a obra de Teresa à frente de toda a literaturapsicológica, especialmente autobiográfica, dosséculos posteriores. A relação com as Confissõesde Santo *Agostinho é evidente, e também a iden-tificação com seu sistema, com seu descobrimentoda alma.

— Na obra escrita de Santa Teresa distinguem-se três tipos: a) a correspondência epistolar oucartas; b) os livros de circunstâncias; c) os auto-biográficos e doutrinais.

a) As cartas, que representam a forma maispróxima da conversação, têm um valor filológico,histórico, na vida e nas obras da santa. Represen-tam estados vivos da alma, instantes ricos em forçae oportunidade.

b) Entre os livros de circunstâncias devemosincluir: Livro das fundações; Livro das relações;Livro das constituições etc. Embora dedicados ànarração dos fatos externos da ordem, encontra-mos detalhes interessantes da psicologia e daespiritualidade da santa.

c) A parte mais densa e interessante é o auto-biográfica e doutrinal. Encontramos o Livro davida; O caminho de perfeição; As Moradas e osConceitos.

— O Livro da vida é uma obra-mestra de con-fissão íntima e de autobiografia. O interesse lite-rário está na forma tão bela em que se alternamos fatos com os favores sobrenaturais e com asconclusões teóricas de mística. O interesse reli-gioso apóia-se no desvelamento gradual da almaem sua experiência religiosa cristã. A mística apa-rece viva na pessoa de Teresa.

— As Moradas ou Castelo interior é o livrodoutrinal mais importante da santa. “Para anali-sar a alma na experiência mística, baseia-se nametáfora de um castelo todo de diamante e muitoclaro cristal, onde há muitos aposentos, assimcomo no céu há muitas moradas.” Essas setemoradas correspondem a diversos estados de per-feição: formam os diversos graus da vida de puri-ficação, de iluminação e, por último, de unidade.

Teresa de Jesus, Santa

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Nas últimas moradas realiza-se “o divino e espi-ritual matrimônio”. De tal forma faz-se uma comDeus, que se pode dizer que “esta borboleta jámorreu, com grande alegria de ter encontrado re-pouso, e que nela vive Cristo”.

— Os Conceitos do amor de Deus são o com-plemento de As Moradas. De sua poesia, a críticanos diz que possuía o mais alto grau de criaçãopoética, mas não dominava a forma adequada.Conseguiu, no entanto, belas criações como: “Quemeus olhos te vejam, doce Jesus bom”; “Vivo semviver em mim” etc.

Para terminar, recolhemos o testemunho deFrei Luís de Leão: “Conheci e vi a Madre Teresade Jesus enquanto esteve na terra, mas, agora quevive no céu, conheço-a e vejo-a quase sempre emduas imagens vivas que nos deixou de si, que sãosuas filhas e seus livros”.

BIBLIOGRAFIA: Obras completas de Santa Teresa deJesús (BAC), 3 vols., Id., Obras completas de Santa Teresade Jesús (BAC), 1 vol.; Efrén de la Madre de Dios e OtgerSteggink, Tiempo y vida de Santa Teresa (BAC), Madrid1968, com a bibliografia aí publicada.

Teresa do Menino Jesus, Santa(1873-1897)

*Literatura autobiográfica.

Tertuliano (160-225)Quinto Septimio Florencio Tertuliano nasceu

em Cartago, de pais pagãos. Teve uma educaçãoesmerada e, provavelmente, exerceu a profissãode advogado em Roma. Sua conversão ao cristia-nismo deu-se entre 193-197, recebendo a seguira ordenação sacerdotal. A partir daí desenvolveuuma intensa atividade polêmica em favor de suanova fé. No meio de sua vida, passou à seita dosmontanistas e começou a polemizar contra a IgrejaCatólica com uma violência não menor à utiliza-da anteriormente contra os hereges. Seu caráterpolêmico levou-o a fundar sua própria seita, os

Teresa do Menino Jesus, Santa

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“tertulianistas”. Morreu muito velho, sem que sepossa determinar uma data.

A atividade literária de Tertuliano é muitoampla e de caráter exclusivamente polêmico.Costumam-se distinguir três grupos de obras:a) apologéticas, em defesa do cristianismo;b) dogmáticas, em refutação das heresias; c) prá-tico-ascéticas, sobre questões de moral práticae de disciplina eclesiástica. Ao primeiro grupopertence seu livro mais conhecido, Apologéticas,dirigido no ano de 197 aos governadores dasprovíncias do Império. É importante também nestegrupo seu De testimonio animae, destinado a fun-damentar a fé no testemunho da alma “naturaliterchristiana”. Entre as obras dogmáticas está Depraescriptione haereticorum, filosoficamenteum dos mais significativos. Adversus Marcio-nem, Adversus Hermogenem e AdversusValentinianos dirigiram-se contra os *gnósticos.Dentro deste mesmo caráter dogmático, encon-tramos De baptismo, que declara inválido o ba-tismo dos hereges; De carne Christi, afirmandoa realidade do Corpo de Cristo, e De resurrectione,em defesa da ressurreição da carne. Seu tratadoDe anima é o primeiro escrito de psicologiacristã.

Entre os tratados prático-ascéticos estão: Depatientia; De oratione; De paenitentia; Depudicitia; De exhortatione castitatis; Demonogamia; De spectaculis; De idololatria; Decorona; De cultu feminarum etc. Como se podever, uma série de obras destinadas a dirigir e aeducar os cristãos do Império em temas de cará-ter prático.

O traço característico de Tertuliano é ainquietude. “Pobre de mim que ardo sempre nafebre da impaciência.” Não era para ele o traba-lho paciente e rigoroso da pesquisa diante da fé.Tinha, no entanto, uma habilidade polêmica ex-cepcional e uma fluente oratória pouco comum.Toma as posições mais simples e extremistas, in-diferente diante de toda crítica e de toda exigên-cia de método.

Tertuliano

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Sua doutrina ou sua atitude doutrinal pode re-sumir-se nestes pontos:

— O ponto de partida de Tertuliano é a conde-nação da filosofia. Da filosofia nascem somenteas heresias. “Não há nada comum entre o filóso-fo e Cristo, entre o discípulo da Grécia e o doscéus” (Apol., 46).

— A verdade do cristianismo tem seu únicofundamento na tradição. Somente a Igreja tem odireito de interpretar as Sagradas Escrituras.

— Junto à tradição, o testemunho da alma,como testemunho da linguagem ou do sentidocomum, testemunha a favor da fé. Mas a alma nãoé para ele o princípio da interioridade, o canto ín-timo onde ressoa do alto a voz da verdade divina.É a voz do sentido comum, a crença que manifes-ta o homem da rua na linguagem ordinária.

Toma dos estóicos a corporeidade dos seres.Não há nada incorpóreo; apenas o que não existe.A alma é também corpo. Não há mais diferençasenão a que existe entre um corpo e outro. Deus éum corpo sui generis; também se transmite a almade pai para filho junto com o corpo, através dageração (traducianismo).

— Afirma a imortalidade da alma e a ressur-reição da carne. O testemunho do sentido comumé a prova da imortalidade da alma. E a Ressurrei-ção de Cristo é a garantia da ressurreição do ho-mem.

Sua atitude mental — “credo quia absurdum”,expressão que não se encontra em seus escritos— deve ser entendida como “que a fé é mais cer-ta quanto mais repugna aos valores naturais dohomem: é acreditável que o Filho de Deus mor-resse, ressuscitasse, porque é inconcebível.

Por tudo o mais e por seus erros, Tertulianocontinua sendo o principal apologeta, que escre-veu num latim perfeito, que constrói frases lapi-dares, que forja uma terminologia que servirá paraconstruir a teologia posterior. Seu rigorismo e suaheresia não o impediram de ser reconhecido comoum dos grandes defensores do cristianismo.

Tertuliano

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BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 1 e 2; Pellicer de OssauSales e Tobar, Obras de Quinto Septimio Florente Tertuliano.Barcelona 1639; G. Prado, El Apologético de Tertuliano(Coleção Excelsa, 7). Madrid 1943; Padres apologetasgriegos. Edição bilíngüe (BAC); J. Quasten, Patrología, I,530s.

Tillich, Paul Johannes (1866-1965)

Teólogo alemão, nacionalizado americano. Em1929 sucedeu Max Scheler na cátedra de filoso-fia e psicologia de Frankfurt. Em 1933 foi para aAmérica, onde ensinou teologia filosófica naUnion Theological Seminary de Nova York até1955. Harvard e Chicago ocuparam os últimosanos de sua docência como teólogo protestante.

Tillich deixou uma densa obra e numerososdiscípulos, que seguiram e aplicaram sua doutri-na. Seu pensamento aparece como uma ponteentre o sagrado e o profano. Não confunde as duasesferas, mas tende a explicitar o sentido religio-so, implícito nas profundezas do ser, de todo ser.A tentativa apóia-se nestes conceitos-base: o li-mite, a ruptura, a correlação e o abismo. É umpensamento no limite, porque é onde se definemas coisas. O ser no limite significa não um serestático, mas uma posição de ruptura entre o sere o não-ser. A ruptura segue a correlação, cate-goria básica de Tillich, resposta aos problemasdo homem e da história. E finalmente o abismo,que permite a Tillich superar a oposição da mo-derna teologia protestante entre o Deus da razãoe o Deus da fé. No abismo de todo ser reúnem-see harmonizam-se unitariamente o ser em si e oUno-Trino da Bíblia.

Sobre essa base filosófica de fundo hegeliano,Tillich constrói sua teologia, que pode ser resu-mida nestes pontos:

— Insistência em que a Bíblia não é a únicafonte da teologia. Esta deve ser predominantemen-te apologética e querigmática, isto é, deve inte-ressar-se pelas diferentes formas de cultura e seruma tarefa essencialmente racional para chegar àcompreensão do especificamente cristão. Em sua

Tillich, Paul Johannes

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Teologia sistemática (3 vols., 1951-1957), Deusé apresentado como “aquele que nos concerne,em última instância” ou “a essência de nosso ser”.Deus não é um ser, mas o próprio ser. A lingua-gem da teologia e da religião é essencialmentesimbólica. A única exceção é Deus que, comovimos, define como o mesmo ser. “O homem destainfinita e incansável profundidade de todo ser éDeus.” “Talvez se esqueça tudo o que se apren-deu sobre Deus, inclusive a própria palavra, paradesta maneira saber que conhecendo que Deus éo profundo, conhecemos muito sobre ele. Nestesentido, ninguém pode chamar-se ateu ou não-crente. Somente é ateu quem seriamente afirmaque a vida é superficial.”

— Com relação ao fato cristão, afirma queCristo, “enquanto símbolo da participação deDeus nas situações humanas”, é a resposta neces-sária para a situação existencial do homem peca-dor. Com ele mudou-se a existência, pois reve-lou-nos um Deus libertador. Para Tillich, o NovoTestamento somente se refere à história de Jesuspara elevá-lo a valor simbólico universal, cujosmomentos decisivos são a cruz, símbolo do en-cadeamento do homem ao finito e negativo daexistência, e a ressurreição, símbolo da vitória.

— Fiel a seu método da “correlação”, Tillichinsinua e demonstra, em termos arduamenteexeqüíveis, que não existe contradição entre onatural e o sobrenatural e que, portanto, o Deusda razão e o Deus da fé e a revelação são doisaspectos de uma mesma realidade. Corrige assimo sobrenaturalismo de *Barth, demasiado preo-cupado em identificar a mensagem imutável doEvangelho com a Bíblia ou com a ortodoxia tra-dicional. Sua teologia apologética destina-se aresponder aos problemas da situação de hoje.“Deve-se lançar a mensagem como se lança umapedra sobre a situação de hoje.” A situação é oque se deve levar a sério.

A influência de Tillich cresceu ainda mais de-pois de sua morte. Seu pensamento com relaçãoao conceito de Deus foi seguido e popularizado

Tillich, Paul Johannes

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por John Robinson, autor de Honest to God(1963). Mais recentemente, Don Guppitt iniciouum duro ataque à doutrina tradicional cristã so-bre Deus em sua obra Tomando o lugar de Deus(1980), na qual advoga por um conceito cristão-budista de Deus similar ao de Tillich.

BIBLIOGRAFIA: Teologia sistemática; JohnMacquarrie, El pensamiento religioso en el siglo XX. Herder,Barcelona 1975.

Tillmann, F. (+1953)

*Vaticano II; *Instituições morais.

Tischendorf, C. (1815-1874)

*Codex sinaíticus.

Tomás de Aquino, Santo (1224-1274)

Conhecido com diferentes nomes, como“Doctor Angellicus”, “Doctor Communis”,“Divus Thomas”, “Anjo das escolas” e outros.Encontramo-nos diante de uma figura excepcio-nal, tanto por seu pensamento e por sua obra,quanto por sua influência na vida e no pensamen-to da Igreja posterior.

Tomás, da família dos condes de Aquino, nas-ceu no castelo de Rocaseca (Aquino-Nápoles).Realizou seus primeiros estudos na abadiabeneditina de Monte Cassino. Iniciou os estudossuperiores na Universidade de Nápoles, ingres-sando em 1243 nos dominicanos dessa mesmacidade. De 1245 a 1248 estudou em Paris sob omagistério de Santo *Alberto Magno, a quem se-guiu até Colônia, onde permaneceu entre 1248-1252. Nesse último ano voltou a Paris como “lei-tor” da Escritura e das sentenças de *PedroLombardo no studium generale dos dominicanos,incorporado à universidade. Os anos 1252-1259constituíram a primeira etapa de sua docência naSorbonne, caracterizada pelas lutas dos seculares

Tomás de Aquino, Santo

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contra os mendicantes. Tomás foi objeto da ira edas invectivas dos canônicos e mestres seculares,até o ponto de ver diminuída e suprimida a suafaculdade de ensinar. Superada a contenda, foinomeado, em 1257, mestre da Universidade deParis. Em 1259 voltou à Itália, desempenhando ocargo de mestre em teologia na corte pontifíciade Agnani, Orvieto e Viterbo. Em 1265 foi encar-regado de organizar os estudos da ordem emRoma. Retornou a Paris em 1269 para lecionardurante três anos em sua cátedra de teologia. De-dicou os últimos anos de sua vida à Universidadede Nápoles, onde começou como estudante (1272-1274). Morreu no mosteiro cisterciense deFossanova, enquanto se dirigia ao Concílio deLyon.

Em sua curta vida realizou uma profundo evasto trabalho “verbo et calamo”. Chama a aten-ção sua grande atividade falada e escrita. Alémdas aulas, em menos de 20 anos, de 1252 a 1274,escreveu 895 lições sobre os livros de Aristóteles,803 sobre a Escritura, 850 capítulos sobre os evan-gelhos, 2.652 artigos na Summa theologica. Aedição de suas obras completas é de 25 volumesin folio.

Numa tentativa de síntese, podemos fazer estaclassificação de suas obras: 1) Comentários àsobras de Aristóteles, *Boécio, *Pseudo-Dionísioe outros. 2) Questões disputadas (Quaestionesdisputatae): Temas que apresentava o mestre emdatas determinadas do curso acadêmico. 3)Quaestiones quodlibetales: Temas de livre esco-lha a que o professor submetia os alunos em mo-mentos solenes do curso. Como seu nome indica,eram temas livres. Restam umas 12 dessas ques-tões. 4) Comentários da Sagrada Escritura, fru-to das aulas de teologia, em que o texto da Bíbliaera a base. O mestre in sacra página devia expli-car e comentar em aula o texto sagrado. 5) Opús-culos ou estudos breves sobre dogma, moral, fi-losofia etc. Entre eles está seu primeiro opúsculoDe ente et essentia, base de sua filosofia (1252).6) Summas: Obras de criação pessoal ou manuais

Tomás de Aquino, Santo

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para estudantes de uma matéria determinada. DeSanto Tomás restam-nos dois: a) Summa deveritate fidei catholicae contra gentiles (1259-1264), composta como manual para missionáriose pregadores para o triplo mundo judeu, árabe epagão da Idade Média. b) Summa Theologiae ouSumma Theologica, sua obra mestra, cujas duasprimeiras partes foram escritas entre 1265-1271,enquanto que a terceira, até a questão 90, foi es-crita de 1271 a 1273. A morte impediu-o de con-cluir essa obra. 7) Conferências e sermões, frutosde sua prédica que foi simultânea com a cátedraao longo de sua vida.

A simples trajetória de sua vida como mestrede teologia e o elenco de seus livros tal como aca-bamos de expor não nos diz na realidade quem ecomo era esse homem. Chesterton viu nele certotipo “não tão comum na Itália como o é entre ra-ros italianos. Sua corpulência fez com que se com-parasse humoristicamente a essas cubas ambulan-tes, comuns nas comédias de muitas nações. Elemesmo brincava sobre isso... Mas, principalmen-te, sua cabeça era suficientemente poderosa parareger aquele corpo. Sua cabeça era de um tipomuito real e facilmente reconhecível, a julgar pe-los retratos tradicionais e pelas descrições pesso-ais”.

Os testemunhos que seus companheiros e pri-meiros biógrafos deixaram são coincidentes.“Uma de suas principais recreações corporais erapassear sozinho pelo claustro com a cabeçaerguida.” “Seus sonhos eram sonhos diurnos,eram sobre o dia e sobre o dia de batalha. Comoos sonhos do galgo, eram sonhos de caça, perse-guindo o erro como se persegue a verdade, se-guindo todos os subterfúgios e volteios da falsi-dade.” “Tomás foi muito cortês — diz *Dante —, era de bom trato para conversar e suave no fa-lar.” “Não parecia perturbar-se por nada, olhandosempre para as coisas superiores. Jamais quis fa-lar de si mesmo. Conhecemos anedotas de suavida, mas o segredo ficou com ele. Sua experiên-cia contemplativa e mística foi-nos transmitida.

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Sabemos os argumentos do professor, mas igno-ramos sua experiência mística.

O volume de sua obra e atividade permite-nosperceber sua capacidade de trabalho e sua entre-ga à verdade. Pelo que nos restam de seus ma-nuscritos, sabemos que estão cheios de emendas,censuras, supressões e aditamentos. Há parágra-fos que passaram por três ou quatro redações. Comletra corrida e quase taquigráfica, nervosa, vamosseguindo o escritor em seu robusto pensamento.Três ou quatro amanuenses redigiram o que elepreparou em rascunho ou notas amplas. Seus bi-ógrafos calcularam de 16 a 18 horas de trabalhodiário.

A essa capacidade de trabalho temos de acres-centar sua prodigiosa memória — sabia de cor aBíblia e as Sentenças de Pedro Lombardo —, suacuriosidade insaciável e sua capacidade intelec-tual. É um puro intelectual, distinguido pelo res-peito à opinião dos outros, por sua capacidadecrítica e por sua criação e elaboração de síntese.Vejamo-lo na síntese de sua obra:

— Santo Tomás marca uma etapa decisiva nafilosofia e na teologia escolástica. Culmina a obrade seu mestre Alberto Magno. Graças à especula-ção tomista, o aristotelismo faz-se flexível e dó-cil a todas as necessidades da interpretaçãodogmática.

Para isso, tratou primeiro de estabelecer o ver-dadeiro significado do aristotelismo, tomando-odos textos originais do Estagirita, que traduziudiretamente do grego. Dos intérpretes islâmicosvaleu-se como fontes independentes. Em seus tex-tos originais, Aristóteles é para Santo Tomás ofim último da pesquisa filosófica, pois chega atéonde poderia chegar a razão. Para além está so-mente a verdade sobrenatural da fé.

— Harmonizar a filosofia com a fé, a obra deAristóteles com as verdades que Deus revelou aohomem e das quais a Igreja é depositária, esse é otrabalho a que se propôs Santo Tomás.

Para isso vale-se de dois pressupostos: a) Se-parar claramente a filosofia da teologia; a pes-

Tomás de Aquino, Santo

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quisa racional, baseada em princípios evidentesda teologia, cujo pressuposto é a revelação queaceitamos pela fé. b) Fixar um critério que per-mita ver a disparidade e a separação entre o obje-to da filosofia e o da teologia, do ser das criaturase de Deus.

— Esse princípio é a chave do sistema tomista.É o que ajudará: a) a determinar as relações entrerazão e fé; b) a estabelecer a regula fidei; c) acentrar ao redor da função da abstração, a capaci-dade de conhecer do homem; d) a formular asprovas da existência de Deus como dato aposteriori da experiência: dos efeitos, da ordem,do nascimento, da contingência e da finalidadedos seres; e) a esclarecer os dogmas fundamen-tais da fé.

Esse princípio ficou formulado em sua primei-ra obra De ente et essentia como distinção realentre essência e existência. E fica expresso tam-bém na analogia do ser, que tanto utiliza. ParaSanto Tomás não há identificação entre o ser deDeus e o das criaturas. Os dois significados dotermo ser (ens a se-ens ab alio) nem são idênti-cos nem completamente diferentes. Santo Tomáso expressa dizendo que o ser não é unívoco nemequívoco, e sim análogo, o que implica propor-ções diferentes. Essa proporção é uma relação decausa e efeito: o ser divino (ens a se) é causa doser finito (ens ab alio).

— Santo Tomás constrói sobre essas bases asíntese mais completa e sistemática da doutrinacristã. Daí para a frente impõe-se nas escolas, nãosem dificuldade, essa interpretação que SantoTomás tem de Deus, do homem, da alma, do co-nhecimento humano, da ordem social, do poderpolítico, da Igreja e da vida sobrenatural.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Summa contra gentiles;Summa theologica; Suma Teológica,Tradução em portugu-ês de Alexandre Correia, S.Paulo 1934s; S. Ramírez,Introducción a Tomás de Aquino (BAC), com a bibliografiapublicada; C. Copleston, El pensamiento de Santo Tomás deAquino, 1960; E. Gilson, A filosofia na Idade Média, 488ss.;Pedro R. Santidrián, Tomás de Aquino (Biblioteca de gran-des personagens). Madrid 1984.

Tomás de Aquino, Santo

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Tomás de Celano (1190-1260)

*Francisco de Assis.

Tomás de Kempis (1379-1471)

Nasceu em Kempen (perto de Colônia), daí onome com que é conhecido: Tomás de Kempenou Kempis. Em 1392 mudou-se para Deventer(Holanda), centro e casa matriz dos Irmãos da vidacomum. Nessa escola, dedicada à educação e aocuidado com os pobres, estudou suas primeirasletras. Aí mesmo estudou teologia sob a direçãode Florenz Radwyns, que em 1387 fundara a con-gregação de Windesheim, de cônegos regularesagostinianos que viviam em comunidade sob aregra de Santo *Agostinho. Em 1408 fez seusvotos religiosos no mosteiro de Agnietemberg. Em1413 foi ordenado sacerdote. Durante mais de 70anos permaneceu nesse mosteiro, dedicado à ora-ção, à cópia de manuscritos e à direção de novi-ços.

Tomás de Kempis é o melhor representanteda chamada “devotio moderna”, movimento reli-gioso iniciado por Gerard Groote, e fundador dosIrmãos da vida comum. Esse movimento, que seestende por toda a Europa ao longo dos séculosXV-XVI, põe sua ênfase: a) na meditação e navida interior; b) dá pouca ou menos importânciaàs obras rituais e externas; c) não atende o aspec-to especulativo da epiritualidade escolástica dosséculos XIII-XIV, para incidir no aspecto práticoda vida cristã. Um movimento que influirá de for-ma decisiva em leigos e religiosos, principalmentena época imediatamente anterior e posterior àReforma. Insiste sobretudo na conversão interi-or, na meditação da vida e paixão de Cristo e nafreqüência aos sacramentos.

Fruto dessa espiritualidade, em que foi educa-do T. de Kempis, é sua obra mais conhecida, Deimitatione Christi. Embora tenha-se discutidoquem seja o autor do livro, este continua sendoatribuído a T. de Kempis, sem dúvida o livrete

Tomás de Celano

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mais difundido da literatura cristã depois da Bí-blia. Seu êxito inicial deve-se, sem dúvida, àsmesmas características da devotio moderna, queentão se inciava. De linguagem e estilo simples,tem a originalidade de pôr diante do cristão, clé-rigo ou leigo, a vida e o exemplo de Cristo.

— A Imitação de Cristo é uma obra divididaem 4 livros. I. Conselhos úteis para a vida espiri-tual, que, dividido por sua vez em 25 capítulos,em que se desenvolvem temas como: a imitaçãode Cristo e o desprezo a todas as vaidades; o hu-milde sentir de si mesmo; a doutrina da verdade;os afetos desordenados etc. II. Exortação à vidainterior (12 capítulos). III. Do consolo interno queleva o estar centrado em Cristo (59 capítulos.).IV . Do sacramento da eucaristía (18 capítulos.).

Talvez alguém estranhe ou se decepcione comesse livro. Somente no 1º capítulo do livro I fala-se expressamente da imitação de Cristo. Seus cha-mados constantes ao auto-exame e à humildade,à autonegação e controle ou renúncia própria obs-curecem um tanto a procura do modelo Cristo.Não obstante, é a via da renúncia a que leva aCristo: “Tota vita Christi crux et martyrium fuit”.Um livro imprescindível na história daespiritualidade cristã.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Colonia 1759. Existeminumeráveis traduções de A imitação de Cristo em portugu-ês. Sobre a vida e espiritualidade de T. de Kempis, emHistoria de la Iglesia Católica, III. Edad Nueva (1303-1648)(BAC); A. Royo Marín, Los grandes maestros de la vidaespiritual (BAC).

Tradicionalistas

*Chateaubriand; *De Maistre; *Bonald.

Trento, Concílio de (1545-1563)

É reconhecido como o XIX ConcílioEcumênico pela Igreja Romana. O Concílio deTrento representa os ideais da Contra-Reformacatólica e estabelece uma base sólida para a reno-

Trento, Concílio de

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vação da disciplina e da vida espiritual da Igreja.Foi motivado pelo avanço da Reforma protestan-te e pelas repetidas demandas de um concílio ge-ral, surgidas desde a cristandade, ao longo da Ida-de Média. Embora convocado por Paulo III em1537, de fato reuniu-se em Trento em 1545. Di-versas circunstâncias, tanto internas quanto ex-ternas e de diferente ordem, precederam e acom-panharam o desenvolvimento do Concílio, que seprolongou até 1563.

O Concílio não conseguiu restabelecer a uni-dade. Esse fracasso aparente não diminuiu emnada a importância substancial do Tridentino.“Poderíamos sintetizar em três pontos o alcancehistórico de Trento: demonstra a forte capacida-de de recuperação da Igreja para superar umagravíssima crise; enfatiza a unidade dogmática edisciplinar; finalmente, abre uma época nova nahistória da Igreja, e de certa forma, fixa seus tra-ços principais desde o séc. XVI até nossos dias”(G. Martina, La Iglesia de Lutero a nuestros días).

Costumam-se distinguir três períodos ou eta-pas na marcha do Tridentino:

Período I (1545-1547). “O santo sínodo pro-pôs, antes de mais nada, condenar e anatemizaros principais erros e heresias de nosso tempo eensinar a verdadeira e católica doutrina.” Em con-seqüência, neste primeiro período: estabelece-seo Concílio de Nicéia como base da fé; confirma-se a validade das Escrituras e da tradição comofontes da fé cristã, assim como a única autorida-de da Igreja para interpretar validamente a Escri-tura. Perfila-se a teologia dos sacramentos emgeral. Os decretos sobre o pecado original e so-bre a justificativa e os méritos chegaram até a raizdo sistema luterano.

Período II (1551-1552). Convocado, no-vamente, por Júlio III, o Concílio chegou aconclusões importantes sobre a Eucaristia, aPenitência e a Unção dos Enfermos. O tema prin-cipal deste período é o da transubstanciação dopão e do vinho na Eucaristia. Rejeitam-se as dou-trinas de *Lutero, *Calvino e *Zwinglio sobre

Trento, Concílio de

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esse ponto e se define o ponto de vista da Igreja.Período III (1562-1563). Depois de um lapso

de 10 anos, voltou-se ao terceiro período com aconvicção de que já não era possível a concilia-ção com os protestantes. Definiu-se o carátersacrificial da Missa; estabeleceu-se a doutrina dasordens sagradas: bispos, sacerdotes; matrimôniocristão; criaram-se os seminários nas dioceses eregulou-se a nomeação dos bispos, obrigando-osà residência e à renúncia de outros bispados e be-nefícios. O Concílio recomendou e iniciou outrasreformas que o papa devia concluir: a revisão da*Vulgata, a publicação do *Catecismo do Concí-lio de Trento ou Catecismo Romano, e a reformado *Breviário. Além de definir a Missa como ver-dadeiro sacrifício, formulou a doutrina sobre asindulgências, a veneração dos santos, das ima-gens e relíquias, sobre as quais os protestantesincidiam tanto.

Pio IV, papa nesse terceiro período, confirmouos decretos do Concílio em 1564 e publicou umresumo de seus princípios doutrinais. A observân-cia de seus decretos disciplinares foi imposta sobsanções. Nos finais do século, muitos dos abusosque motivaram a Reforma protestante haviamdesaparecido. Os papas seguintes foram aplican-do e completando o trabalho do Concílio., Abria-se assim a *Contra-Reforma.

*Concílio.

BIBLIOGRAFIA: Concilium Tridentinum, 13 vols. pu-blicados (1901-1961) sobre as fontes do Concílio de Trento;Hefele-Leclercq, Histoire des Conciles, t. 9 e 10, 1930-1938;G. Martina, La Iglesia, de Lutero a nuestros días, 1974, 4vols.; R. García-Villoslada-B. Llorca, Historia de la IglesiaCatólica, III (BAC).

Tyndale, William (1494-1536)

*Tomás Morus.

Tyrrell, George (1861-1909)

*Loisy; *Laberthonnière.

Tyrrell, George

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Ultramontanos

*De Maistre; *Döllinger; *Syllabus.

Unamuno, Miguel (1864-1936)

Natural de Bilbao, concluiu o bacharelato nestacidade, estudando filosofia e letras na Universi-dade de Madri. Sua primeira orientação filosófi-ca foi dominada pelo positivismo. Em 1894, trêsanos depois de ganhar sua cátedra de grego clás-sico na Universidade de Salamanca, ingressou nopartido socialista e começou a escrever no jornal“A luta de classes”, de Bilbao. Em 1897, experi-mentou uma crise religiosa que o fez voltar a re-pensar os problemas religiosos da infância e seuspróprios problemas como indivíduo, inauguran-do assim o que podemos chamar seuexistencialismo. Nesta época, descobriu a obra ea personalidade de Kierkegaard, com quem temnumerosas afinidades.

De sua cátedra em Salamanca, desdobrou umaatividade extraordinária, dando aulas, escreven-do na imprensa diária e cultivando quase todosos gêneros literários: ensaio, teatro, contos, poe-sia, crônicas de estudo, crítica etc. Seus livros demaior significação filosófica, como Do sentimentotrágico da vida, revelam uma grande influênciada teologia protestante e uma primordial preocu-pação com os problemas do indivíduo enquantoser limitado. “A limitação provoca a frustraçãodo eu em sua ânsia de ser tudo sem deixar de serele mesmo. Essa problemática, somada aosconflitos fé-razão, lógica-biótica, tempo-eter-nidade, configura o horizonte existencialistaem que se movem as reflexões unamunianas”

UUltramontanos

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(M. A. Quintanilla, Diccionario de filosofíacontemporánea).

A tese fundamental de Unamuno é a mesmaque a do pragmatismo e de toda filosofia da ação:a subordinação do conhecimento, do pensamen-to, da razão à vida e à ação. “A vida — diz emVida de Dom Quixote e Sancho —, é o critério daverdade e não a concórdia lógica, que é somenteda razão. Se minha fé me leva a aumentar ou cri-ar vida, para que quereis mais provas de minhafé?” (c. 31). Além disso, em sua doutrina há umelemento irracional: a afirmação do caráter obs-curo, arbitrário, inconsciente e irracional de todadoutrina ou crença. Esse fundo irracional em quese apóia a filosofia unamuniana tem como base oinconsciente: é uma exaltação da fé pela fé, docrer pelo crer, da vida pela vida, que não precisade nenhum critério racional e objetivo, pois a fé eo crer não são mais que a própria vida.

Mas a vida para ele não é algo abstrato: é mi-nha própria vida, meu próprio eu, que sou umhomem de carne e osso. Concebe o homem comoum ser de carne e osso, como uma realidade ver-dadeiramente existente, como um “princípio de

Unamuno, Miguel

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unidade e um princípio de continuidade”. Um in-divíduo real e atual com “fome de sobrevivênciae afã de imortalidade”. A crença na imortalidade,em minha imortalidade, não consiste em uma pá-lida e desbotada sobrevivência das almas.Unamuno espera e proclama “a imortalidade decorpo e alma”, e precisamente do próprio corpo,o qual se conhece e sofre na vida cotidiana. Essaesperança na ressurreição dos corpos, de base fun-damentalmente cristã, é rastreada por ele nos nu-merosos exemplos da sede de imortalidade, des-de os mitos e as teorias do eterno retorno até o afãde glória. E até na voz constante de uma dúvidaque se insinua no coração do homem quando esteafasta como molesta a idéia de uma sobrevi-vência.

— Como para Unamumo o homem é tudo emsua raiz, o tema de Deus só tem sentido quandoaparece no horizonte existencial da ânsia huma-na de imortalidade. E como o homem aspira a sermais homem, e o que o homem deseja ser não éoutra coisa que Deus, assim Deus transforma-seno ideal do homem e da humanidade. O homemcria Deus. Deus em mim, para mim e a partir demim, como iluminação de minha ânsia de imor-talidade. Deus é pessoal enquanto o homem temexperiência pessoal dele, sente-o atuar e viver emsi mesmo. O Deus-razão é um Deus arbitrário.Só tem sentido o Deus-amor, que responde ao queo homem precisa: um Deus vontade, amor, ideal,sofrimento, fim inefável e inacessível.

A fé e somente a fé consegue o encontro comesse Deus-amor. É uma fé porque cria o querer— daí sua definição da fé como “criar o que nãovemos” —, um crer de caráter imanentista, numesforço agônico de superação, que nunca se al-cança totalmente. No entanto, as verdades de fé,em sentido dogmático, são dogmas mortos(Diccionario de filósofos).

Que dizer desse pensamento e filosofiaunamunianos? Devemos exaltá-lo como um gran-de místico ou cristão? Deve-se rebaixá-lo à con-dição de “herege e pai de hereges”, como alguém

Unamuno, Miguel

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disse dele? “A esperança unamuniana — concluiCh. Moeller — participa da esperança bíblica porseu projeto: eternidade, caridade, ressurreição,peregrinação pela infinitude de Deus; mas se opõea ela por seu fundamento, pois repudia radical-mente toda luz. Como uma ponte sobre dois pila-res, a esperança cristã apóia-se na chamada feitapor Deus e em sua promessa de salvar-nos. A es-perança unamuniana, ao contrário, é como umaponte estendida sobre o vazio; seu vertiginosoarco repousa sobre um só pilar; nossa abismalrecusa a morrer”. Eis, sem dúvida, a razão por-que o autor do sentimento trágico não cite jamaiseste texto da Bíblia: “Deus é luz...”.

“Unamuno pregou a esperança durante toda asua vida ‘apostólica’; a cruz que sempre levavasobre o peito, procedente de sua mãe e a que fezacrescentar à célebre estátua de Victorio Macho,testemunham sua adesão definitiva à cruz, únicasalvação” (Ch. Moeller, Literatura del siglo XX ycristianismo, IV, 161-163).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas. Ed. de M. García-Blanco, 1950-1958, 16 vols.; Julián Marías, Miguel deUnamuno 1948; Id.; La filosofía española actual: Unamuno,Ortega, Morente, Zubiri, 1948; Hernán Benítez, El dramareligioso de Unamuno, 1949; Ch. Moeller, Literatura delSiglo XX y cristianismo, IV.

Undset, Sigrid (1882-1949)

*Literatura atual e cristianismo; *Literaturaautobiográfica.

Undset, Sigrid

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Valentim (séc. II)

*Gnósticos.

Valla, Lourenço (1407-1457)

Todos parecem estar de acordo em apontarLourenço Valla como o principal humanista daprimeira metade do séc. XV. Encarna um tipo dehumanista muito original, não vinculado a nenhu-ma escola e considerado o “ousado precursor dolivre pensamento”.

Valla representa, em primeiro lugar, um ma-nifesto do método escolástico medieval e da ló-gica aristotélica. Ataca esta como esquemaabstruso, artificial e abstrato, que não serve paraexpressar nem para conduzir a um conhecimentoconcreto e verdadeiro. A lógica aristotélica é ra-cional e depende em grande parte do barbarismolingüístico. Assim se expressa em sua primeiraobra dialética: Disputationes contra aristotelicos(publicada depois de sua morte).

A pouca simpatia por Aristóteles o fez estarmais atento aos estóicos e epicureos. Seduziu-o aidéia destes últimos, ao sublinhar o anelo huma-no de prazer e felicidade. Assim o expressou emseu jornal de estilo ciceroniano De voluptate etsummo bono, no qual se equilibra para manter-sena doutrina tradicional sem se inclinar demais parao epicurismo, que tanto atraiu humanistas como*Morus e *Erasmo. No Diálogo sobre o livre-arbítrio trata de esclarecer o pensamento de*Boécio e responde à pergunta “se a presença deDeus e a liberdade da vontade humana são com-patíveis”. Responde afirmativamente.

Dois campos asseguram sua fama de huma-

VValentim

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nista: 1) Seu culto quase místico do latim, cujaignorância e abandono são, segundo ele, a causada noite medieval e o fim dos valores huma-nísticos. Com razão pode-se considerar o restau-rador desse latim renascentista e culto, que será aexpressão do pensamento humanístico e cien-tífico dos séculos XV ao XVII. Sua obraElegantiarum linguae latinae libri sex (1444) é oponto de partida para esse movimento. 2) Suacondição de filólogo levou-o a adentrar no terre-no muito mais profundo da redditio ad fontes: oretorno às fontes, ponto de partida do humanismorenascentista. Em seu In Novum Testamentum exdiversorum utriusque linguae codicum collectioneadnotationes (1449) não se limita a realizar umnovo trabalho gramatical ou filológico, mas pro-cura devolver à fé cristã as contribuições da anti-ga razão, restituir a pureza dos textos bíblicos eindicar aos eruditos os caminhos do verdadeirocristianismo. Essas anotações foram para Erasmoum verdadeiro achado. Nessa mesma linha daredditio ad fontes está seu estudo da Doação deConstantino (1442), na qual prova o caráterapócrifo do documento da doação constantinianaao papa. Valla é assim modelo e exemplo dosnovos humanistas procuradores da novidade napesquisa dos velhos manuscritos e pergaminhos.

BIBLIOGRAFIA: Opera omnia. Basiléia 1540; Scrittifilosofici e religiosi. Ed. de G. Radetti, Florença 1953; P. O.Kristeller, Ocho filósofos del Renacimiento. México 1974,35-36, em que estuda a contribuição de Valla ao pensamen-to humanista do Renacimiento; Humanismo y Renacimiento.Estudo e seleção de textos por Pedro R. Santidrián. Madrid1986.

Valverde, José Mª (1926-)

*Literatura atual e cristianismo.

Van der Meersch, Maxence(1907-1951)

*Literatura atual e cristianismo.

Van der Meersch, Maxence

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Vaticano I, Concílio (1869-1870)

Considerado pela Igreja Católica de Roma seuvigésimo concílio ecumênico, celebrou-se naBasílica de São Pedro, em Roma, de 8 de dezem-bro de 1869 a 18 de julho de 1870. Foi convoca-do e presidido pelo Papa Pio IX, que “desejavaremediar com um meio extraordinário os malesextraordinários que afligem a Igreja” (BulaAeterni Patris, 1868). Foram convidados ao Con-cílio os não católicos, que não participaram. Nãose convidaram os chefes de Estado. Participaram731 padres católicos de todo o mundo: dois ter-ços eram europeus e, destes, a metade italianos.Não houve nenhum bispo representante de raçanegra. No entanto, foram os bispos de fala fran-cesa e alemã os que tiveram intervenções maisnotáveis e decisivas.

Os trabalhos do Concílio estiveram centradosem torno das constituições Dei Filius e PastorAeternus.

A constituição Dei Filius foi votada em 24 deabril de 1870 e foi a conclusão das discussõessobre as relações entre a razão e a fé. Diante doserros do racionalismo, do panteísmo, do fideísmoetc., o Concílio definiu a existência de um Deuspessoal que a razão pode alcançar, embora afir-mando a necessidade da Revelação. Não podehaver nenhum conflito entre a razão e a fé. Eis otexto:

— “Se alguém disser que é uma só e a mesmaa substância ou essência de Deus e a de todas ascoisas, seja anátema”.

— “Se alguém disser que Deus vivo e verda-deiro, criador e Senhor nosso, não pode ser co-nhecido com certeza pela luz natural da razãohumana através das coisas que foram feitas, sejaanátema”.

A constituição Pastor Aeternus foi votada em18 de julho de 1870, em meio a aclamações e auma tremenda tempestade. O documento contémessencialmente a afirmação do primado e da in-falibilidade do papa. O debate foi prolixo e apai-

Vaticano I, Concílio

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xonado. O fato do primado e de sua perpetuidadenão apresentava dificuldade, mas os qualificati-vos de “plena, ordinária, imediata, episcopal”,aplicados à jurisdição pontifícia, ocasionaramásperas discussões. Muito mais o texto em que seafirmava a infalibilidade do papa quando fala “excathedra” e a irreformabilidade de suas decisõessem necessidade do “consensus Ecclesiae”. O tex-to foi aprovado por 533 padres; 55 se ausentaramde Roma para não votar contra na sessão definiti-va; 2 votos foram negativos.

— “Ensinamos e declaramos que a Igreja Ro-mana, por disposição do Senhor, possui o prima-do de potestade ordinária sobre todas as outras, eque essa potestade de jurisdição do RomanoPontifice, que é verdadeiramente episcopal, éimediata...

— Ensinamos e definimos ser dogma di-vinamente revelado que o Romano Pontífice,quando fala ‘ex cathedra’... goza daquela infa-libilidade de que o Redentor divino quis queestivesse provida sua Igreja na definição da dou-trina sobre a fé e os costumes; e portanto, queas definições do Romano Pontífice são irrefor-máveis por si mesmas e não pelo consentimentoda Igreja”.

Embora a aceitação das decisões conciliaresfosse geral, houve repúdios como os de *Döllingere de grupos universitários alemães. Fruto dissofoi também a Igreja de “os velhos católicos”, quelogo se uniram à Igreja jansenista de Utrecht. Noentanto, o Concílio Vaticano I, há mais de umséculo de distância, é visto hoje sob diferentesperspectivas. Alguns o consideran como a reaçãoda Igreja em retirada, frente a um mundo que cadavez mais se afirmou como “consciência seculari-zada”. Outros viram no Vaticano I a defesa daIgreja como instituição clerical e fechada diantede um mundo aberto para a modernidade. Seja oque for, “devemos reconhecer que suas definiçõesaumentaram, às vezes, a tensão entre a sociedadepolítica e a Igreja. Esse foi o pretexto para medi-das anticlericais em vários países”, com o con-

Vaticano I, Concílio

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seqüente aumento do anticlericarismo em algunsdeles. Mas não seria justo ver somente tais con-seqüências negativas. Devemos reconhecer quea declaração da infalibilidade pontifícia separouainda mais Roma das diferentes Igrejas cristãs;que a mesma infalibilidade como doutrina eradifícil de entender e mais difícil ainda o seu exer-cício. De fato, somente se exerceu uma vez em1954 por Pio XII, ao proclamar a Assunção deMaria em corpo e alma aos céus. Mas reforçou aautoridade do Papa, precisamente no momentoem que perdia sua autoridade temporal. O Con-cílio Vaticano II pôde também completar me-lhor a definição e função da Igreja e o poderdos bispos.

BIBLIOGRAFIA: R. Aubert, Vaticano I, tomo 12 daHistoria de los Concilios ecumenicos. Eset, Vitoria 1970; R.Aubert, em Fliche-Martin, Historia de la Iglesia, tomo 21,Valência 1977; J. Collantes, La cara oculta del Vaticano I(BAC). Madrid 1970.

Vaticano II, Concílio (1962-1965)

O Concilio Vaticano II é reconhecido como oXXI concílio ecumênico da Igreja Romana. Anun-ciado por *João XXIII, em janeiro de 1959, acon-teceu de 1962 a 1965. Foi convocado “como meioou instrumento de renovação espiritual para a Igre-ja e como ocasião que permita a todos os cristãosseparados de Roma procurar juntos a unidade”.Preparado durante três anos por comissões de tra-balho, em que intervêm especialistas e teólogosde todo o mundo, o Concílio Vaticano II adquiriuum tom e uma qualificação verdadeiramenteecumênicos. É considerado o maior acontecimen-to religioso de nosso tempo.

São notáveis as diferenças que o Vaticano IIoferece com relação aos demais concílios: a) oclima de expectativa que suscitou na Igreja e foradela; b) a preparação esmerada dos temas sub-metidos a debate; c) a participação de, pratica-mente, todos os bispos da Igreja, em número su-perior a dois mil; d) a presença de observadores

Vaticano II, Concílio

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da maioria das Igrejas e comunidades separadasde Roma; e) a participação dos leigos.

A diferença essencial, entretanto, deste concí-lio com relação a outros é o estilo e a disposiçãocom que estuda e define a mensagem cristã nomundo de hoje. O Concílio obedeceu e realizoutudo a que o Papa João se propusera: oaggiornamento da Igreja diante dos retos do mun-do de hoje. Esse aggiornamento cristaliza um novoclima e um novo rosto da Igreja. O “ar fresco” defora penetra nas constituições, decretos e decla-rações que o Concílio vai elaborando e aprovan-do ao longo de três anos.

1) Constituições: constituição sobre a sagradaliturgia (1963); constituição dogmática sobre aIgreja (1964); constituição dogmática sobre aRevelação Divina (1965); constituição pastoralsobre a Igreja e o mundo moderno (1965).

2) Decretos: decreto sobre os meios de comu-nicação social: sobre as Igrejas Orientais; sobre oecumenismo; sobre o ministério pastoral dos bis-pos; sobre a vida religiosa; sobre a formação sa-cerdotal; sobre o apostolado dos leigos; sobre aatividade missionária; sobre os presbíteros.

Vaticano II, Concílio

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3) Declarações: declaração sobre a educaçãocristã; declarações sobre as religiões não-cristãs;declaração sobre a liberdade religiosa.

Cada um desses documentos oferece a todosos cristãos a “nova consciência” que a Igreja teme apresenta ao mundo o “novo perfil” do cristão edo cristianismo. A legislação e a aplicação poste-riores, concluídas fundamentalmente por *PauloVI, criaram o clima do que se chamou “pós-con-cílio”. Renovação bíblica, ecumênica, litúrgica,pastoral, nova interpretação da vida dos leigos esua atuação na Igreja e no mundo foram os resul-tados mais destacados nesses 25 anos que nosseparam do Concílio.

— Depois de assinalar a reflexão que a Igrejafez sobre si mesma: “Igreja, que dizes de ti mes-ma?”, deve-se dimensionar a reflexão que a Igre-ja fez sobre o mundo de hoje. Neste sentido, aconstituição pastoral sobre a Igreja no mundomoderno pode considerar-se como a melhor men-sagem e colaboração que a Igreja oferece ao mun-do de hoje.

— Sobre a literatura e estudos nascidos doConcílio Vaticano II, podem-se ver principalmenteas encíclicas e documentos posteriores dos papasPaulo VI e João Paulo II. A seguir, alguns estu-dos sobre esse tema.

BIBLIOGRAFIA: Compêndio do Vaticano II, Vozes,1968; Documentos do Vaticano II — Constituições, Decre-tos e Declarações, Petrópolis, 1966; El Concílio de Juan yPablo. Documentos pontificios sobre la preparación,desarrollo e interpretación del Vaticano II. Introdução, di-reção e índices por J. L. Martín Descalzo (BAC); M. A.Molina. Diccionario del Vaticano II (BAC); R. Latourelle,Vaticano II: Balance y perspectivas (Veinte años después:1962-1987). Sígueme, Salamanca 1987s.; 3 vols.

Veuillot, Louis (1813-1883)

*Syllabus.

Vicente de Paulo, São (1576-1660)

*Literatura autobiográfica.

Veuillot, Louis

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Vidal Garcia, Marciano (1937-)

*Instituições morais.

Vidas dos santos

*Legenda áurea.

Vilhena, Isabel de (1430-1490)

Primeira escritora em catalão, Elionor Manu-el de Vilhena, mais conhecida como Sóror Isabelde Vilhena, nasceu em Valência. Morreu comoabadessa de seu convento, na mesma cidade deValência. É considerada a escritora espanholamais importante do século XV.

Duas obras da freira escritora chegaram aténós. A primeira é a Vita Christi, que destaca osepisódios evangélicos nos quais intervêm mulhe-res. A obra — escrita provavelmente para con-testar a misoginia do Llibre de les dones escreve-ra Jaime Roig, médico do convento do qual elaera abadessa — consta de uns 60 folhas grandes.Contém no texto diferentes ilustrações pintadaspela escritora, as quais apresentam diversos mo-mentos da vida de Cristo, com uma legenda deoito linhas explicando a cena.

A outra obra de Sóror Isabel é o Speculumanimae, recentemente descoberta na BibliotecaNacional de Paris. Como a Vita Christi, oSpeculum “contém ilustrações feitas pela freirapara fomentar a imaginação das freiras que nãosabiam meditar”. O medievalista Albert Hauf estápreparando a edição crítica dessas duas obras dareligiosa valenciana.

Vítor, Escola de São (séc. XI-XII)

Escola de cônegos regulares situada em Paris.Foi fundada em 1113 por Guillermo deChampeaux (*Abelardo). Dela saíram grandessábios, teólogos, místicos e poetas, especialmen-te no séc. XII. Os autores mais importantes dessa

Vítor, Escola de São

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escola, conhecida pelos Vitorianos, são Adão deSão Vítor, famoso por suas seqüências em latimritmado; Hugo de São Vítor, Ricardo de São Vítore Válter de São Vítor.

A importância dessa escola apóia-se, junto àde Chartres, na influência exercida na escolásti-ca posterior e na fundação da Universidade deParis.

BIBLIOGRAFIA: E. Gilson, A filosofia na Idade Mé-dia, 283s.

Vitória, Francisco de (1492-1546)Teólogo e filósofo de direito, esse frade

dominicano nasceu em Burgos e morreu emSalamanca. Estudou em Paris e foi professor deteologia nessa mesma universidade (1516-1522).Regente catedrático no estudo de São Gregóriode Valladolid (1523-1525), ocupou a primeiracátedra de teologia da Universidade de Salamancade 1526 até a sua morte. Vitória foi, antes de maisnada, um professor e um orador brilhante, quetratou de problemas de atualidade com grandeindependência de juízo e soube unir o rigor dométodo escolástico à elegância humanística daexposição.

Sua obra fundamental são as Relectionestheologicae, publicadas depois de sua morte. Sãolições extraordinárias dadas aos alunos da uni-versidade em circunstâncias solenes, segundo ocostume da época e desenvolvem temas de gran-de interesse. Entre elas, destacam-se as que tra-tam do poder civil, do direito público eclesiásti-co e, principalmente, as que tratam das questõescolocadas pelo descobrimento e conquista daAmérica.

Outra das obras são seus Comentários à partemoral da Summa theologica de Santo *Tomás.Tais comentários coletam suas lições durante ocurso acadêmico.

— Vitória passou à história do pensamento porsua filosofia política e como criador do direitocivil ou direito internacional:

Vitória, Francisco de

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1. Para ele, a comunidade política constituiuma instituição de direito natural e é autônomano sentido dos fins temporais do homem. Todogrupo humano exige uma autoridade que assegu-ra o bem comum.

— O poder reside, derivado originalmente deDeus, imediatamente na comuniddade como tal.O governante que participa da comunidade sub-mete-se não só ao direito divino e natural, mastambém ao positivo.

— Quanto ao direito eclesiástico, sustenta queo papa não tem a plenitude do poder e somentetem sobre o temporal um poder indireto em ma-térias que afetem o bem espiritual. Diferente doEstado, a Igreja é de direito divino.

Nega ao papa, em conseqüência, a soberaniauniversal. Sua jurisdição estende-se somente aoscristãos.

— Dentro da Igreja, o papa está acima doConcílio.

2. A contribuição mais importante de Vitóriapara a filosofia política pertence ao campo do di-reito civil. Sua idéia central é a do orbe — totusorbis — como comunidade universal dos povosfundada no direito natural.

— Todo povo é convidado a formar e a cons-tituir-se em Estado. Os povos organizados politi-camente encontram-se unidos entre si pelo vín-culo da natureza humana comum, que dá lugar àpessoa moral do orbe.

— A sociedade internacional resulta da socia-bilidade natural do homem, de alcance universal.Seu vínculo é o ius gentium, que Vitória concebecomo um direito universal da humanidade, quedimana da autoridade do orbe.

— Conseqüência da idéia do orbe é o reco-nhecimento da personalidade jurídico-internaci-onal das comunidades políticas não-cristãs. Alémdisso, existe um direito de comunicação entre ospovos, ao qual nenhum deles pode subtrair-se semjusta causa.

Vitória, Francisco de

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3. A originalidade de sua doutrina tem suaaplicação no problema da legitimidade da ocu-pação da América. Vitória desfaz os argumentosapresentados pelos reis e pelos teólogos para ocu-par e manter as novas terras. Constrói outra sériede argumentos válidos como o iuscommunications e a incapacidade efetiva dos ín-dios, transformando assim a conquista em tutelae proteção. A difusão do Evangelho justificaria aconquista somente na medida necessária para per-mitir sua pregação, porque a fé não pode ser im-posta pela força.

— Finalmente, seria lícita uma intervenção,por razões humanitárias, no caso de graves viola-ções.

— Vitória, portanto, é um pioneiro da filoso-fia política e do direito civil, que mais tardereformularão *Suárez, *Belarmino e o próprio*Grócio.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Relecciones teológicas. Edi-ção crítica, com códices, notas e introdução por P. Luis G.Alonso Getino. Madrid 1933-1936, 3 vols.; Obras de Fran-cisco de Vitoria. Relecciones teológicas. Edição bilíngüe(BAC); Luis Alonso Getino, El maestro Fray Francisco deVitoria. Su vida, su doctrina e influencia, 1930; A. Truyol ySierra, Los principios del Derecho Público en Francisco deVitoria, 1949.

Vives, Luís (1492-1540)

Luís Vives nasceu em Valência. Hoje está pro-vada a sua descendência judaica, razão que ex-plicaria, em parte, sua ausência da Espanha. Essainformação, que faz de Vives “o grande exilado eo primeiro dos exilados espanhóis”, é importantepara se entender sua vida e sua obra. Em 1508,ingressou na Universidade de Valência, para noano seguinte passar à de Paris, onde permaneceuaté 1512. A partir desse ano, encontramo-lo emBruges, cidade que fará sua e onde viverá até ofinal de seus dias. “Amo Bruges como a minhaValência natal”, disse mais tarde. De 1517 a 1522foi professor em Lovaina, lugar de encontro dehumanistas, erasmistas e reformadores. Fruto des-

Vives, Luís

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sa primeira estadia nos Países Baixos é a publica-ção de 13 de suas obras, que marcaram sua predi-leção por temas filosóficos e religiosos.

A etapa culminante do Vives professor foi aInglaterra (1523-1528), de onde se destacaram trêsacontecimentos importantes: foi professor deOxford no Colégio de Corpus Christi. Foi intro-duzido na corte de Henrique VIII como homemde conselho, compatriota e amigo da rainhaCatarina de Aragão e preceptor de suas duas fi-lhas. E, sobretudo na Inglaterra, viveu a amizadede dois humanistas excepcionais: *Morus e*Erasmo. Do primeiro disse: “Nasceu para res-peitar e cultivar a amizade e para ajudar seusamigos”.

Os últimos anos de sua vida (1528-1540) fo-ram marcados pelo afastamento e pela penúria emsua casa de Bruges. Mas o que caracterizou essaépoca foi a “transformação intelectual e espiritu-al de Vives”. Os livros que escreveu no últimoperíodo de sua vida são mais criativos e origi-nais. Até 1528, fora um membro significativo docírculo erasmiano, mas, nos últimos anos de suavida, transformou-se num dos mais importantesreformadores da educação européia e um filóso-fo de destaque universal na história do pensamen-to do séc. XVI.

Morreu em 6 de maio de 1540, em Bruges,sem ter retornado à Espanha, onde sua vida foimarcada por certa depressão e tristeza. Não co-nheceu a jovialidade do Renascimento, “idade dodescobrimento do mundo e do homem”. Sua vidade casado foi regida pela rigidez, assim o demons-tram suas convicções sobre o sexo. Morreu coma certeza de que o homem pode ser muito menlhorno futuro.

Luís Vives é um escritor de expressão latina.Seu primeiro livro apareceu em 1514 e sua obrapóstuma foi publicada em 1543. Nesse intervaloescreveu um total de 54 obras, além da numerosacorrespondência com amigos e humanistas de seutempo. Um trabalho tão extenso como o dovalenciano não se resume a um só tema. Mas,

Vives, Luís

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como em todos os humanistas, há uma série dematérias comuns ao humanismo e uma preocu-pação própria e distintiva de Vives. Distingue-senele “um forte compromisso temporal”, isto é, um“intelectual que fez da problemática de seu tem-po a preocupação máxima de suas reflexões”.Assinalou-se, com razão, sua preocupação sociale política, assim como seu fervor religioso dehomem leigo, até afirmar que foi “o mais cristãodos humanistas” (Noreña). Eis um roteiro paraclassificar seus escritos:

— Obras em torno do problema da vivência erenovação do cristianismo. Luís Vives começoucomo escritor religioso, seguindo a linha da de-voção moderna e de Erasmo. Como este, viu seuslivros no Índex por seus Comentários à cidade deDeus. Mas seria um erro ver em Vives um sim-ples epígono de Rotterdam. “A literatura religio-sa do espanhol deixou uma profunda marca atéinfluir no livro oficial da oração comum da IgrejaAnglicana” (Noreña). Pessoalmente dou fé nissobaseado nas fórmulas que introduz em seus Diá-logos. Muitos se perguntaram que tipo de cristãoé Vives. Podemos dizer que seu cristianismo ésincero, apesar de sua remota descendência ju-daica. Mas é um cristão crítico e atípico, que unefé e razão. “O cristianismo — diz — é o homemperfeito. Como na devotio moderna, sua fé e suadevoção centram-se em Cristo, tal como apareceno Novo Testamento. Isso não o impede de dis-tanciar-se da Igreja oficial, a qual submete, comotodos os humanistas, a duros juízos. Rejeita tam-bém visceralmente a chamada cultura medieval,que considera uma perversão do pensamento clás-sico. Embora conheça todos os movimentos teo-lógicos da época, não participa com osreformadores de um e outro símbolo de seutempo.

— Obras lítero-filosóficas da renovação dossaberes. Aqui seu pensamento é amplo e de certoecletismo, distante e culto, que o impede de iden-tificar-se com um só autor. Suas principais obrasnessa linha são De disciplinis (1531) e De animaet vita (1538).

Vives, Luís

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— Obras no plano político e social e no pla-no da educação. O pensamento social e políticode Vives está em sua correspondência epistolar,sobretudo a de sua estada na Inglaterra, e em suasobras. De concordatia et discordia in humanogenere (1529); De pacificatione (1529); DeEuropae statu et tumultibus (carta a Adriano VI,1522); De Europae desidiis et de bello turchico(1526). São obras de caráter político. De carátersocial são De communione rerum (1527) e Desubventione pauperum, um plano para a ajuda aospobres de Bruges, o aspecto mais conhecido doeducador e pedagogo. Obras como De institutionefeminae christianae; De ratione studii puerilis(1526); Os diálogos da educação (... LinguaeLatinae exercitatio 1538) fazem de Vives o gran-de mestre da educação humana e cristã.

— “Daí parte a necessidade de cultivar o es-pírito e enfeitá-lo com o conhecimento das coi-sas, com a ciência e a prática das virtudes. Docontrário, mais do que homem temos uma besta.Deve-se assistir às cerimônias sagradas com amaior atenção e reverência. Tudo quanto nelaouvires ou vires deves considerá-lo como algogrande, admirável e divino, que está por cima deteu alcance. Em tuas orações deves encomendar-te com freqüência a Cristo, colocando nele toda atua fé e confiança” (Diálogos sobre a educação,diálogo 25).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas de Luis Vives. Edi-ção de Gregório Mayans, Valência 1782-1790, reimpressãoem Madrid 1953; Obras completas. Tradução de toda a obrade Vives por Lorenzo Riber, Madrid 1947-1948, 2 vols.;Carlos G. Noreña, Juan Luis Vives, 1970; Diálogos de LuisVives. Tradução, introdução e notas de Pedro R. Santidrián,Madrid 1987.

Voltaire (1694-1778)

François Marie Arouet, que a partir de seus 24anos fez-se chamar “Monsieur Voltaire”, nasceuem Paris e morreu também em Paris. Considera-do um dos principais pensadores e promotores do*Iluminismo francês, é um dos grandes e mais

Voltaire

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conhecidos escritores clássicos. Sua influência nopensamento contemporâneo foi decisiva para aformação de uma atitude leiga e finalmente hos-til para a religião. Por sua sutileza, ironia e sar-casmo, envolvidos numa frase perfeita e feliz,mereceu o qualificativo de “venenoso” e “perver-so”. Conseguiu um tipo de pensar e de ser“volteriano”: entre cético e frívolo.

Dos aspectos originais que se podem estudarem Voltaire — sua filosofia e suas idéias, porexemplo — interessa-nos o aspecto religioso deseu pensamento. Já em outra parte (*Deísmo) vi-mos que concebe a religião natural como “os prin-cípios da moralidade da espécie humana”. É tam-bém o criador ou formulador dos princípios dodeísmo. Mas o ponto fundamental de toda a suaatitude é a luta contra o fanatismo, “causa de gran-de parte dos males que afligem toda a humanida-de”. “Nessa luta, Voltaire é sincero e movido tam-bém por um impulso que se poderia chamar reli-gioso. Aparentando ceticismo, sente a oposiçãoao fanatismo como uma missão e como um deverimposto pela dignidade do homem.”

Encerrado nessa concepção puramente natu-ral e racionalista própria do deísmo, incluiu emsua luta contra o fanatismo todas as religiões po-sitivas, especialmente o cristianismo. Apesar deser um fino historiador, interpreta como intole-rância religiosa os simples excessos do podertemporal de reis e governantes. Inclina-se a vernesses casos um retorno do poder político à clas-se sacerdotal, que utilizava tais meios para au-mentar sua riqueza e seu poder terreno. Identificaas práticas religiosas do cristianismo com supers-tições vãs; e a verdadeira fé com crenças falsa-mente religiosas.

Voltaire lutou contra o fanatismo e suas con-seqüências ao longo de toda a sua vida e, em es-pecial, no último período. Realizou a luta atravésde seus escritos, empenhados quase todos eles emtal tarefa, qualquer que seja sua forma. Assim,suas tragédias, particularmente Maomé ou o fa-natismo (1742), voltam constantemente ao tema.

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Buscam também esse objetivo seus numerososensaios de crítica bíblica e religiosa, por exemploA tumba do fanatismo (1767); A defesa de meutio (1769); A Bíblia finalmente explicada (1776);Um cristão contra seis judeus (1777). Nessesensaios, que às vezes apresentam a forma desainetes satíricos, toma seus argumentos de todaa crítica bíblica dos deístas e livre-pensadores dosséc. XVII-XVIII, e em particular de Bolingbroke,a quem dedica uma de suas obras.

Outra arma de luta de Voltaire são os ensaiosfilosóficos propriamente ditos, que indicam decerta forma sua carreira de escritor. Nesta linhaestão suas Cartas filosóficas (1754); Observaçõesaos Pensamentos de Pascal (1742); O filósofoignorante (1761) e as Cartas de Nemmius a Cícero(1771). Em todos esses ensaios filosóficos, ins-pirados nas idéias de Bayle, Clarke, Locke e ou-tros, discorre sobre a religião, brinca com ela eironiza. Mas o meio preferido por ele, em sua lutacontra o fanatismo, foram as “novelas curtas, oscontos e a *Enciclopédia. Foram esses três mei-os os mais eficazes para a difusão de suas idéiasentre o grande público do séc. XVIII. A partir doconjunto de verbetes da *Enciclopédia de*Diderot, escrito por ele, publicou separadamen-te o Dicionário filosófico manual, no qual extra-vasou todos os seus preconceitos sobre a religiãoe expôs sua filosofia em geral.

Em sua longa e agitada vida, viveu as experi-ências de um homem intelectual e público: desdeo cárcere na Bastilha (1717), e o exílio na Ingla-terra (1726-1729), até as mais fervorosas ho-menagens populares. A paixão de Voltaire é seurepúdio de todo obscurantismo em nome da ra-zão, obscurantismo personificado na religião ena Igreja de seu século. Seu grito de “esmague-mos a infâmia”, referente à Igreja de todos os tem-pos como protetora da ignorância, da superstiçãoe do fanatismo, foi acolhido por toda uma cor-rente de anticlericalismo e de pensamento des-ligada de toda crença. Tal corrente difundiu-seprimeiramente na aristocracia e, depois da

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Revolução Francesa, em amplos setores da bur-guesia liberal.

BIBLIOGRAFIA: Oeuvres complètes de Voltaire. Ed.de Moland, Paris 1883-1885, 52 vols.; Id., Correspondancegénerale. Std. de Th. Besterman, Paris 1953s.; René Pomeau,La religión de Voltaire, 1956. Muitas obras de Voltaire estãotraduzidas para o português.

Vorágine, Tiago de (1230-1298)

*Legenda áurea.

Vulgata (c. 383)

*Jerônimo, São.

Waugh, Evelyn (1903-)

*Literatura atual e cristianismo.

Wesley, John (1703-1791)

Pregador evangélico e fundador, junto com seuirmão Charles, do movimento metodista na Igre-ja da Inglaterra. Foi estudante na Universidadede Oxford, onde, por sua vida regular de estudo eoração com outros companheiros, chegou a serconhecido como “o metodista”. Seu primeiro des-tino foi o de missionário na Geórgia, na Américado Norte (1735-1737), para retornar à Inglaterrae experimentar uma profunda conversão que o fezdedicar toda a sua vida a evangelizar, dentro daIgreja Anglicana. O contato com Peter Böhler,

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Vorágine, Tiago de

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pietista morávio, e com a leitura dos comentáriosde *Lutero à Carta de São Paulo aos Romanos,fizeram-no ver que sua missão na vida era a pre-gação da boa nova do Evangelho, onde houvesseum púlpito para proclamá-la. Seu entusiasmo cho-cou as igrejas anglicanas, que lhe fecharam asportas. Por isso preferiu pregar às massas ao arlivre e a grupos reduzidos nas casas. A partir de1742, atravessou a cavalo quase toda a Inglater-ra, chegando a percorrer até 13.000 quilômetrospor ano. Sua missão foi de caráter “revivalista”,dirigida à Igreja da Inglaterra, a qual desejoualertar diante das novas necessidades da era in-dustrial que se avizinhava. Sua prédica ao ar li-vre dirigia-se principalmente a lavradores, pes-cadores e operários. Seguindo o método iniciadona Universidade de Oxford, formou também gru-pos ou associações de leigos e logo de pregado-res seculares, itinerantes como ele, na pregaçãoda Palavra. Esses grupos ou pequenas Igrejas lo-cais estenderam-se pela Irlanda, Escócia e, prin-cipalmente, pela América do Norte, chegando aformar o que se conhece hoje como Igrejas Re-formadas Metodistas, fora do controle da Igrejada Inglaterra.

A pregação e a obra de J. Wesley inspiram-seno movimento “revivalista” inglês, imbuído nopietismo e no puritanismo da época. Sua doutri-na fundamental é baseada na justificação pelagraça por meio da fé individual. Daí a insistênciana conversão. “O sincero desejo de salvar-se dopecado pela fé em Jesus Cristo e de dar provasdisso na vida e na conduta” é a condição únicapara ser admitido na Igreja.

Sua experiência e sua atividade de missioná-rio itinerante estão reunidas em seus Diários decampanha. Sua obra de organizador e legisladorestá nas Regras (1743) para as sociedadesmetodistas. O Livro dos ofícios, de caráteranglicano, guarda seu espírito e insiste na prédicada Palavra e no canto de hinos, em sua maior par-te compostos por ele. Desta forma, Wesley e seus“evangelizadores” pregaram e cantaram a fé em

Wesley, John

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Cristo. Nesta obra, seu irmão Charles tem o mé-rito de ser o principal colaborador, sobretudo nacomposição de hinos, dos quais é consideradocomo o maior compositor em língua inglesa.

O movimento “revivalista” de Wesley influiumuito nas chamadas Igrejas livres da Inglaterra:presbiterianos, congregacionalistas e batistas. Aprópria Igreja Anglicana, embora oposta à prédicametodista, sofreu sua influência. A vida inglesapassou por uma profunda transformação em suamoral privada e pública. O nome de Wesley fi-cará para sempre como o do grande pregadorque “revitalizou a vida religiosa e moral dosingleses”.

*Pietistas.

BIBLIOGRAFIA: Martín Schmidt, John Wesley: A.Theological Biography, 1962-1971, 2 vols.

West, Morris (1916-)

*Literatura atual e cristianismo.

Wiclef, João (1330-1384)Os historiadores modernos viram em Wiclef

uma das figuras-chave para interpretar a IdadeMédia eclesiástica tardia. Faz parte dessa elite dehomens, como *Marsílio de Pádua, João Huss,Jerônimo de Praga, os “lolardos” e outros — en-tre os quais se contam também os santos e santasdo calendário — que promoveram a reforma daIgreja e lutaram para impô-la. A importância deWiclef consiste na radicalidade de sua atitudepolêmica mais do que em sua doutrina. Pode-sedizer que o movimento determinante de sua ati-vidade é a luta contra a autoridade eclesiástica.Também não é difícil ver nele uma figura que ilu-mina e explica o complexo fenômeno da posteri-or Reforma luterana.

João Wiclef nasceu de uma família de lavra-dores. Sua vida foi marcada por três etapas per-feitamente diferenciadas. A primeira, de forma-ção e estudo em Oxford, que se prolongou até

West, Morris

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1371. Nessa época foi mestre no colégio Balliol.Iniciou a carreira eclesiástica, que usa como meiopara prolongar e financiar seus estudos, que lhepermitiram colocar-se como eminente filósofo eteólogo. A partir de 1372, começou sua segundaetapa como líder e agitador radical de um movi-mento para denunciar o governo e a corrupção daIgreja. Finalmente, em sua terceira etapa, entre1378-1379: um período de estudo, reflexão e afas-tamento na paróquia de Lutterworth. Aqui seradicalizaram ainda mais suas idéias que expôspor escrito e propagou por meio de missionários“evangélicos pobres”, convertidos depois, mui-tos deles, nos famosos “lolardos”. Morreu vio-lentamente, defendido por seus nobres patronosda ira do povo.

— A vida, a obra escrita e a atividade de Wiclefdevem ser entendidas a partir da exigência de lim-par a teologia e a prática cristãs das degeneraçõese excrescências de sua época. Queria levar à cons-ciência e ao ânimo dos fiéis a diferença entre aIgreja como é e o ideal da Igreja como devia ser.Isso pressupõe uma visão crítica e histórica aomesmo tempo: ambas estão presentes em Wiclef,como o estão, mais ou menos claramente, emmuitos outros contemporâneos seus.

— Para Wiclef, os responsáveis pela corrupçãoda Igreja e suas crenças são: o papa, os bispos,monges, padres, o clero em seu conjunto. Quasetoda a sua doutrina é uma ata de acusação contrao sistema eclesiástico em todas as suas formas einstituições. Firmemente convencido da naturezae missão da Igreja, afirma: a) Somente os predes-tinados são os verdadeiros membros da Igreja. b)O Corpo Místico de Cristo pode viver à margemda hierarquia. Tal como estão as coisas, seria de-sejável e saudável para a Igreja que não houvessepapa nem cardeais. c) Vê a Igreja de seu tempocomo a perversão completa do cristianismo e acritica em todos os seus aspectos. Do ponto devista social, o clero é a causa principal das misé-rias civis, já que monopoliza uma quantia enor-me de dinheiro e riqueza que seriam suficientespara satisfazer as necessidades dos pobres. Os

Wiclef, João

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mosteiros especialmente tornam estéreis as ter-ras e despovoam os campos. E, do ponto de vistacristão, a abominação eclesiástica é ainda maior.

— No fundo da polêmica Wiclefiana, existe acontraposição espiritualista entre a Igreja comoCorpo Místico e a Igreja como organismo social,entre a religião que vive na alma e a que somenteestava na rotina. Por isso, tratou de procurar seusfundamentos, sobretudo na terceira época de re-fúgio em sua igreja rural. E o que primeiramentepropôs foi um retorno à revelação tal como con-tém a Bíblia do Antigo e do Novo Testamento,tomada literalmente e entendida em seu verda-deiro espírito. Para esse fim, escreveu sua obra Averdade da Sagrada Escritura, apontando estacomo norma única da fé. Propôs também que aBíblia deveria ser lida por todos os cristãos e nãosomente pelo clero. Para facilitar a leitura, tradu-ziu a Bíblia para o inglês do texto latino da Vulgatae mandou-a para “evangelistas pobres” por todaa Inglaterra para difundi-la.

— Em 1379, escreveu seu livro sobre O po-der do papa. Determina estas proposições: o papanão é de instituição divina; não é infalível; a Igrejapode prescindir dele etc. Em sua Apostasia e emseu Tratado da eucaristia, escritos entre 1379-1380, afirma que a mensagem de Cristo é perfei-ta, não há nada que acrescentar a ela. Deve-serepudiar, portanto, tudo o que lhe é incorporado:a penitência auricular, o dogma datransubstanciação etc. Sobre esta última, pronun-cia-se contra Santo *Tomás e *Duns Scot. ParaWiclef, a transubstanciação é um milagre inútil.O que importa não é a recepção material do Cor-po de Cristo, mas a comunhão espiritual com ele:a Eucaristia é, sobretudo e antes de tudo, um sím-bolo.

Para concluir, Wiclef insiste na necessidadede uma verdadeira piedade, consistente no exer-cício das virtudes cristãs, não nos ritos em si, emuito menos no culto supersticioso ou nas práti-cas exteriores, como o culto às relíquias, a com-pra de indulgências, funerais especiais.

Wiclef, João

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— Foi imensa a obra de Wiclef na Inglaterra.Cedo se estendeu pelo continente, particularmenteem Praga, onde teve muitos divulgadores comoJoão Huss, Jerônimo de Praga e muitos outros.As teses de Wiclef respondiam a uma situaçãogeral da Igreja, e ali onde a coerção da hierarquianão pôde impedir sua penetração, exerceram umaenorme influência. Sem dúvida, por isso o Con-cílio de Constança (1414-1418) de alguma formauniu, no castigo, Huss e Wiclef: condenou o pri-meiro à fogueira (1415) e, do segundo, condenou45 proposições ou erros. Posteriormente (1428)foram desenterrados seus ossos e queimados.

BIBLIOGRAFIA: L. P. Hughes, A History of theCatholic Church. London 1934-1947, 3 vols.; John Stacey,John Wyclef and Reform4 1964.

Wilkins, John (1614-1672)

*Ciência e fé.

Wulf, M.

*Neo-escolásticos.

Zaragüeta, João (1883-1974)

*Zubiri.

Zolli, Eugênio

*Literatura autobiográfica.

Z

Zolli, Eugênio

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Zubiri, Xavier (1898-1981)

Nasceu em San Sebastián, Espanha, e estudoufilosofia em Lovaina, a qual completou emMadrid com o doutorado. Catedrático de históriada filosofia na Universidade Complutense desde1926. Em 1941 abandonou a cátedra oficial paradedicar-se a realizar cursos em diversas universi-dades e instituições. Zubiri foi reconhecido comoum dos grandes mestres do pensamento e da filo-sofia durante mais de meio século na Espanha.Em volta de sua pessoa e de seus escritos, girouum número de filósofos, pensadores, científicose humanistas com influxo notável em diversasáreas da vida espanhola. De seu grupo de ami-gos, discípulos e companheiros cabe citar*Aranguren, Pedro Laín Entralgo, Zaragüeta, J.Marias e uma geração mais próxima de nós deestudiosos e seguidores do mestre, entre os quaiscabe mencionar González de Cardeal (teólogo),I. Ellacúria (teólogo da libertação, assassinado em1989 em El Salvador).

Duas notas distinguem a pessoa e o pensamen-to de Zubiri, segundo Laín Entralgo, baseadas emsua autenticidade, integridade e precisão. A pri-

Zubiri, Xavier

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meira delas é sua atualidade. “A atualidade deZubiri não consiste, logicamente — diz Laín —num simples estar no dia. ...A essencial atualida-de dessa filosofia vem de ser ‘hoje’ e ‘no ato’ aforma pessoal ou zubiriana de uma tradição queparte de Anaximandro, Heráclito e Parmênides,passa por Platão e Aristóteles, e depois pela espe-culação dos filósofos cristãos, continua com opensamento dos filósofos modernos, cristãos ounão, e vai prosseguir enquanto o homem comotal continue existindo...”.

“A segunda nota essencial da obra filosóficazubiriana é a fundamentalidade. Mas essa condi-ção genérica de toda autêntica filosofia persona-liza-se na de Zubiri por algo duplamente peculiare decisivo: a atribuição de um caráter formalmenteteologal ao fundamento da filosofia que ele crioue a metódica e rigorosa exploração intelectual dateologalidade, sit venia verbo, enquanto dimen-são essencial da existência humana e, por conse-guinte, enquanto nota fundante do sistema filo-sófico de que ele é o autor”. Para Zubiri, de fato,a fundamentalidade da existência humana faz-sepatente e atual em nossa religação ao que nos fazexistir, “ao que faz que haja”... “Ut infirma permedia ad summa redducantur”, era a fórmula do*Pseudo Areopagita para expressar a função dohomem na economia da criação. “As criaturas,disse São *Paulo, abrigam uma esperança: de se-rem também elas libertadas do cativeiro dacorrupção para participarem da liberdade glorio-sa dos filhos de Deus” (Rm 8,21).

Ter cumprido, estar cumprindo essas ordensnos decênios centrais e finais do século XX, e terdado, estar dando forma a esse cumprimento atra-vés da ciência, da história e da metafísica, eis achave da obra filosófica, cujas notas constitucio-nais e constitutivas teve a ousadia de nomear edescrever. Por isso, a obra de Zubiri deve ser en-tendida como um poderoso, rigoroso, esplêndidoesforço até a salvação intelectual através da his-tória, da ciência e da metafísica” (La filosofía deJavier Zubiri: El País 13.14-2-1981).

Zubiri, Xavier

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Zubiri procurou elucidar e apreender o queconstitui realmente a realidade, tanto em seu serreal enquanto real como em seu ser tal. A realida-de é prévia ao ser; longe de ser a realidade umtipo de ser, por mais fundamental que se supo-nha, o ser se funda na realidade. A realidade, por-tanto, é algo “seu”. Fundamental, dentro destepensamento, é a relação possível entre uma “filo-sofia intermundana”, que é a que Zubiri desen-volveu com mais detalhe, e uma “filosofiatransmundana”, à qual parece apontar com fre-qüência. Isso pressupõe que a realidade é primei-ro inteligível. A realidade se dá como realidadesentida, podendo o homem ser definido como“animal de realidades” ou “inteligência que sen-te”, “cuja função primária é enfrentar-sesentidamente com a realidade das coisas”.

Toda a sua obra gira em torno desta realidadeprimeira. Começa com Natureza, História, Deus(1944); Sobre a essência (1962); Cinco liçõessobre filosofia (1963); para terminar com Inteli-gência sensitiva (1980); Inteligência e logos; Ohomem e Deus; Sobre o homem, e Estrutura di-nâmica da realidade (póstuma).

BIBLIOGRAFIA: Homenaje a Zubiri. 1973; FerraterMora, Diccionario de filosofía, com abundante bibliografia.

Zwinglio, Ulrich (1484-1531)

Reformador da Igreja da Suíça, iniciou seu tra-balho na cidade de Zurique. Pregador de grandepersuasão, conferencista brilhante, sintonizou-secom a Reforma luterana na Alemanha nos pontosessenciais, porém por diferentes caminhos e mé-todos.

Seu trabalho como reformador pode ser sin-tetizado nestes pontos: a) Justificação pela fé.b) Simplificação do sistema litúrgico e sacra-mental. c) Uma Igreja de caráter popular e de-mocrático, não hierárquica. d) A Bíblia como basee fundamento único da revelação de Deus emCristo. Sobre essas linhas — basicamente coin-cidentes com as da reforma luterana — estabe-

Zwinglio, Ulrich

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leceu Zwinglio as diferenças de sua própriareforma.

— O retorno às fontes, princípio comum doRenascimento, foi concebido e atualizado porZwinglio de forma mais de acordo com o idealhumanístico. Para ele, o retorno a tais fontes sig-nificou voltar a uma sabedoria religiosa originá-ria na qual concluem e concordam a Escritura eos filósofos pagãos. “Toda verdade que foi dita,quem quer que a tenha dito, sai da própria bocade Deus; do contrário não seria verdade.”

— Em sua obra principal Commentarius devera et falsa religione (1525) fala de Deus no sen-tido de um teísmo universalista. Deus é o ser, osumo bem, a unidade, a própria natureza. Em seutratado De providentia (1530) nos diz: “Se a pro-vidência não existisse, Deus não existiria; supri-mida a providência, também se suprime Deus”.

— A vontade livre de Deus desejou todo oacontecido no mundo: determinou tanto o peca-do de Adão quanto a Encarnação do Verbo, e de-termina, em virtude de uma escolha gratuita, asalvação dos homens. Esta última deve-se a umalivre decisão de Deus, que a dá ou a nega segun-do seu arbítrio, não obrigado a nada, mas que eledetermina só com a sua vontade o que é justo einjusto. E a escolha se efetua ab aeterno. Nãosegue a fé, mas a precede: os escolhidos são taisantes de crer.

— Concordando com *Lutero na apresenta-ção da fé como única disposição para a justifica-ção, ele diz: “A fé basta-se por si mesma; nadaque venha do exterior pode ajudá-la ou sustentá-la. Ela pode tudo, mas não é movida por nada,porque é a própria escolha de Deus na consciên-cia: as cerimônias, os símbolos, a exteriorizaçãode religiosidade ficam absolutamente excluídos”.Foi até mais longe que Lutero na interpretação daEucaristia que, para ele, ficou reduzida a uma puracerimônia simbólica, na qual o Corpo de Cristojá não era seu corpo real, mas a comunidade dosfiéis que se convertem realmente no Corpo deCristo no ato de evocar novamente na cerimônia

Zwinglio, Ulrich

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seu sacrifício. O enfrentamento com Lutero nes-te ponto foi total.

— Afastou-se também deste em sua concep-ção da Igreja. Nascido e educado numa socieda-de democrática como a da Suíça, Zwinglio con-cebeu a vida religiosa dos cristãos como uma co-munidade política que voltou às formas da socie-dade cristã originária. Reconheceu como possí-vel, embora muito difícil, a comunidade de bensentre os cristãos. Com isso situou a reforma noplano social e transformou-a num instrumento derenovação e na base de uma nova organizaçãopolítica.

A diferença da educação humanista e teológi-ca de Zwinglio com relação a Lutero — Zwinglioé erasmiano e teologicamente da via antiqua(tomismo e escotismo) e da via moderna(ockhamismo) — poderia estar na base destasdiferenças. No entanto, como dissemos, existemcoincidências substanciais na compreensão daReforma.

BIBLIOGRAFIA: Obras: Corpus Reformatorum, 88-89.Ed. De Geor Finsler, 1905-1928; R. C. Walton, Zwingli’sTheocracy.

Zwinglio, Ulrich

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Padres apostólicos, Edição bilíngüe preparada por D.Ruiz Bueno (BAC 65).

Padres apologistas griegos, Edição bilíngüe prepara-da por D. Ruiz Bueno (BAC 116).

Actas de los mártires, Edição bilíngüe preparada porD. Ruiz Bueno (BAC 75).

Historia eclesiástica, de Eusébio de Cesaréia. Ediçãobilíngüe de A. Velasco (BAC 149-150).

4. Patrística

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Colombás, G. M., Aranguren, I., La Regla de SanBenito (BAC 406).

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Obras de Santo Irineu, Santo Ambrósio, São Cipriano,São João Crisóstomo, São Gregório Magno, Auré-lio Prudêncio, Santo Agostinho, podem ser encon-tradas em BAC, Editorial Católica.

Quasten, J., Patrología, Edição preparada por I.Oñativia (BAC 206, 217, 412).

Jedin, H., Breve historia de los concilios, Herder, Bar-celona 1960.

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Dante Alighieri, Obras completas (BAC 157).

Francisco de Assis, São, Escritos e biografias de S.Francisco de Assis; crônicas e outros testemunhosdo primeiro século franciscano, Fr. IldefonsoSilveira e Orlando dos Reis (orgs.), Petrópolis,1993; Escritos completos. Biografia (BAC 399).

Clara, Santa, Escritos y documentos complementarios(BAC 314).

Domingos de Gusmão, São, Fuentes para suconocimiento (BAC 490).

Boaventura, São, Obras (BAC), 6 vols.

Tomás, Santo, Summa Theologica.

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Summa Theologica, Edição bilíngüe (BAC), 16 vols.

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Bernardo, São, Obras completas (BAC), 6 vols.

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Lúlio, Raimundo, Obras literárias (BAC 31).

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Lortz, J., Historia de la Reforma, Taurus, Madrid 1963,2 vols.

Menéndez y Pelayo, M., Historia de los Heterodoxosespañoles (BAC 150,151), 2 vols.

Huerga, Álvaro, Savonarola, reformador y profeta(BAC 397).

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Textos. Para os textos dos autores dessa época, ver abibliografia ao final de cada um deles. Além disso,pode-se consultar:

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Moltman, J., Teología política. Etica política,Salamanca 1987.

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1. Escritores do Novo Tes-tamentoApocalipseApocalípticoBíbliaCartas católicasCodex SinaiticusCodex VaticanusEvangelho-EvangelhosJoão Evangelista, SãoJudas, Apóstolo, SãoLucas, SãoMar Morto, ManuscritosdoMarcos, SãoPaulo, Apóstolo, SãoPedro, Apóstolo, SãoTiago, Apóstolo

2. Padres Apóstolicos.Apologistas.ApologistasDidaquéDiogneto, Carta aJustino, SãoLactâncioPadres apostólicosTertuliano

3. Historiadores. Literatu-ra apócrifa. Gnósticos ehereges.Atas dos mártiresApócrifosCassiodoroConfissões de féConstituição eclesiástica

dos apóstolosConstituições apostólicasDídimo, o CegoEusébio de CesaréiaGnósticosHegesipoMarcião

4. Patrística: Padres edoutores da IgrejaAgostinho, SantoAfraatesAmbrósio, SantoAreopagita, Pseudo-DionísioArioAurélio PrudêncioBasílio Magno, SãoCipriano, SãoCirilo de Alexandria, SãoCirilo de Jerusalém, SãoClemente de AlexandriaCrisóstomo, São JoãoDâmaso, SãoDoutores da IgrejaGermano, SãoGregório Magno, SãoGregório Nazianzeno, SãoGregório de Nissa, SãoGregório de ToursHilário de Poitiers, SantoHipólito de Roma, SantoIrineu, SantoIsidoro de SevilhaJerônimo, SãoJoão Damasceno, SãoMáximo, o Confessor, São

Índice temáticoTemas, obras e autores ordenados por campo de interesse.

592 /

OrígenesPadres da Igreja

5. Monaquismo.Espiritualidade. Mística.Beda, o Venerável, SãoBento de Núrsia, SãoBernardo de Claraval, SãoCabasilas, NicolauCabasilas, NiloCassianoDomingos de Gusmão,SãoEckhart, JohannFaber, FrederickFrancisco de Assis, SãoGranada, Frei Luís deHesiquiaInácio de Loiola, SantoJoão da Cruz, SãoMacário, o GrandeMolinos, Miguel deMonaquismoPalamas, Gregório SãoPietistasQuietismoSentenças dos PadresTauler, JoãoTeresa de Jesus, SantaTomás de Kempis

6. Credos e profissões defé. Concílio. Catecismos.Ensino.CatecismoConcílio. ConcíliosConcílio de TrentoConcílio Vaticano IConcílio Vaticano IIConcórdia, Livro daConfissões de féConselho Mundial dasIgrejasConstituições apostólicasDidascalia Apostolorum

Syriaca (séc. III)Doutores da IgrejaDoutrina social da IgrejaEducadores cristãosEncíclica-EncíclicasEscolas teológicasEscolas e universidadesÍndex de livros proibidosSímbolo dos apóstolos

7. Escolástica: Filosofia.Teologia. Moral. Utopiacristã.Abelardo, PedroAdelardo, de BathAlano de LilleAlberto Magno, SantoAlcuínoAnselmo de Cantuária,SantoAntonino de Florença,SantoBacon, RogerBiel, GabrielBocchioBradwardine, TomásBoaventura, SãoCartuxo, DionísioCusa, Nicolau deDuns Scot, JohnEriúgena, Johannes ScotusGerson, JoãoHales, Alexandre deJoaquim de FioreLegenda áurea, Tiago deVorágineLúlio, RaimundoNuvem do Não-Saber, AOckham, Guilherme dePedro LombardoRaimundo de Peñafort,SãoSalisbury, João deSimeão de TessalônicaTomás de Aquino, Santo

/ 593

Vítor, Escola de São

8. Mulheres escritorasÂngela de Foligno, SantaArnauld, Jacqueline MarieCatarina de Sena, SantaGertrudes, SantaEgériaHeloisaHildegarda, SantaStein, EdithTeresa de Jesus, SantaTeresa de Lisieux, SantaVilhena, Isabel de

9. Humanistas. Científicos.Reformadores.Agrippa von Nettesheim,HeinrichBarônio, CésarBessarión, JoãoErasmo de RotterdamFicino, MarcílioHumanistas (séc. XIV-XVI)Huss, JoãoMarsílio de PáduaMorus, TomásPetrarcaPico de la MirândolaSavonarola, JerônimoVives, J. LuísWiclef, João

10. PoetasAurélio PrudêncioDante AlighieriFrei Luís de LeãoHinos e cantos cristãosHopkins, Gerard M.João da Cruz, SãoLiteratura cristã atual, Pa-norama da

11. Reforma.

Renascimento. Contra-re-formaBayo, MiguelBelarmino, São RobertoBéze, TeodoroBucer, MartinhoBunyan, JohnCalvino, JoãoCanísio, São PedroCarlos Borromeu, SãoContra-ReformaCopérnico, NicolauCranmer, ThomásEducadores cristãos (séc.XVI-XVII)KarlstadtLutero, MartinhoMelanchton, FilipeNéri, São FilipePietistasQuietismoRatio studiorumReformaRenascimentoScaliger, JosephServet, MiguelTrento, Concílio deWesley, JohnZwinglio, U.

12. Autores modernos: Fi-losofia. Teologia. Moral.Literatura.Baltasar GraciánBáñez, DomingoBossuet, Jacques-B.Cano, MelchiorCayetano, Tomás de VioFénelon, François deSalignacGrócio, HugoHume, DavidKant, EmmanuelLigório, Afonso Mª de,Santo

594 /

Mabillón, JeanMaldonado, JoãoMansi, GiovanniMedina, Bartolomeu D.Molina, Luís dePascal, BlaiseRanke, Leopold VonSalamanticensesSanchez, TomásSimeão de TessalônicaSuarez, FranciscoVitória, Francisco de

13. Escritores “heterodo-xos”. Não cristãos.ArioArnauld, AntoineBruno, GiordanoCelsoDeísmoDiderot, DenisEnciclopédia, AFeuerbach, LudwigFreud, SigmundGide, AndréHuxley, AldousIluminismoJansênio, CornelioJuliano ApóstataLabertonniére, LucienLamennais, F. Marie-JosephLoisy, AlfredMarx, KarlModernismoNestórioNietzsche, FriedrichRenan, ErnestSaint-Cyran, Abade deSaint-Simon, Cl.Sartre, Jean PaulSchopenhauer, ArthurVoltaire

14. Escritores contempo-

râneos. Filósofos. Teólo-gos. Literatos. Historiado-res. Educadores. LíderesSociaisAdam, KarlAranguren, J. L. L.Barth, KarlBatiffol, PierreBaur, Ferdinand ChristianBeauduin, LambertBerdiaev, NicoláiBergson, HenriBernanos, GeorgesBlondel, MauriceBoff, LeonardoBonhoeffer, DietrichCabrol, FernandCâmara, HelderCamus, AlbertCasel, OdoCongar, Yves MarieCouturier, Paul IrenéeCullmann,OscarChateaubriand, FrançoisChesterton, GilbertDelehaye, HyppoliteDe Maistre, JosephDenifle, HeinrichDöllinger, JohannFreire, PauloGilson, EtienneGrabmann, MartínGreene, GrahamGratry, AugusteGuardini, RomanoGuéranger, ProsperHäring, BernardHarnack, AdolfHecker, Isaac ThomasKierkegaard, SörenKing, Martin LutherKüng, HansLacordaire, HenriDominiqueLagrange, Marie JosephLiteratura autobiográfica

/ 595

Literatura cristã atual, Pa-norama da.Lubac, Henri deMarcel, GabrielMaritain, JacquesMauriac, FrançoisMerton, ThomasMetz, Johann BaptistMigne, Jacques PaulMiret Magdalena, E.Moltmann, JürgenMounier, EmmanuelNewman, J. H.Niebulu, ReinholdOraison, MarePanorama da teologia atu-alRahner, KarlScheeben, Matthias JosephSchelegel, FriedrichSchillebeeckx, EdwardSchutz, Roger

Schwartz, EdwardSchweitzer, AlbertSmangaliso, MrhatshwaTeólogos da LibertaçãoTeilhard de Chardin, PierreTillich, Paul JohannesUnamuno, Miguel deZubiri, X.

15. Papas. ConcíliosClemente Romano, SãoJoão XXIIIJoão Paulo IILeão I, Magno, SãoLeão XIIIPaulo VIPio IX (Syllabus)Pio XIIConcíliosTrento, Concílio deVaticano I, ConcílioVaticano II, Concílio

596 /

/ 597

Nota.Neste índice aparecem somente aqueles autores etemas que, de uma forma mais ou menos extensa,constam no Dicionário. O asterisco colocado an-tes de algumas verbetes remete ao verbete ondepoderá encontrar-se um nome ou uma obra deter-minada.

Índice alfabético de autorese temas deste dicionário

Abelardo, Pedro (1079-1142)

Abércio (séc. II)Adam, Karl (1876-1966)Adão de São Vítor (1112-

1177)Adelardo de Bath (séc. XII)Afraates (séc. IV)Agrippa von Netteshein, H.

(1486-1535)Agostinho, Santo (354-430)Alano de Lille (+1203)Alberto Magno, Santo

(1206-1280)Alcuíno (730-804)Altaner, B. (1885-1958)Ambrósio, Santo (339-397)Ames, William (1576-

1633)Anacoretismo (séc. II-III)Anfilóquio de Icônio (séc.

IV)Ângela de Foligno (1248-

1309)Ângela de Mérici (séc.

XVI)Ano cristãoAnselmo de Cantuária, San-

to (1033-1109)Anselmo de Laon (c. 1117)Antão, Abade, Santo (c.

251-356)

Antoniano, Sílvio (séc.XVI)

Antonino, Santo (1389-1459)

Apeles de Laodicéia (310-390)

Apocalipse, Livro do (séc.I)

ApocalípticoApócrifosApolinário de Laodicéia

(310-390)Apologistas (séc. II-III)Apotegmas dos padres (fi-

nais séc. V)Aranguren, José Luís López

(1909-)Areopagita, Pseudo-

Dionísio (séc. IV-V)Aretas (séc. X)Aristides, J. B. (1953-)Aristides de Atenas (séc. II)Arnauld, Antoine (1612-

1694)Arnauld, Jacqueline Marie

Angélique (1591-1661)Arndt, Johann (1555-1621)Ario (256-336)Astete Gaspar (1537-1601)Ata dos Mártires (séc. II-V)Atanásio, Santo (279-373)Atos dos Apóstolos (séc. I)

598 /

Atenágoras, Patriarca(1886-1972)

Atenágoras de Atenas (séc.II)

Auger, Edmond (1530-1591)

Averróis (1126-1198)Azor, João (1536-1603)Bacon, Roger (1214-1294)Balmes, Jaime (1810-1848)Baltasar Gracián (1601-

1658)Balthasar, H. Urs von

(1905-1988)Báñez, Domingo (1528-

1604)Bardasanes (154-226)Barlaão de Calábria (1290-

1348)Barônio, César (1538-

1607)Barth, Karl (1886-1968)Bartolomeu de las Casas

(1474-1566)Basílides (séc. II)Basílio Magno, São (331-

379)Batiffol, Pierre (1861-1929)Baur, Ferdinand Christian

(1792-1860)Baxter, Richard (1615-

1691)Bayle, Pierre (1647-1706)Bayo, Miguel (1513-1589)Beaudin, Lambert (1873-

1960)Beckett, Santo Thomas

(1118-1170)Beda, o Venerável, São

(672-735)Belarmino, São Roberto

(1542-1621)Bell’Huomo (séc. XVII)Belloc, Hilaire (1870-1953)Bento de Núrsia, São (480-

547)Benoit, Pierre (1886-1962)Berdiaev, Nikolái (1874-

1948)

Bergson, Henri (1859-1941)

Barnabé, Carta de (séc. I-II)Bernanos, Georges (1888-

1948)Bernardo de Claraval, São

(1091-1153)Bérulle, Pierre de (1575-

1629)Bessarión, João (1403-

1472)Betti, Hugo (1892-1953)Beza, Teodoro de (1519-

1605)BíbliaBiel, Gabriel (1420-1495)Billot, Louis (1846-1931)Blondel, Maurice (1861-

1949)Bloy, Léon (1846-1917)Boaventura, São (1221-

1274)Boécio (486-525)Boff, Leonardo (1938-)Bonald, Louis de (1754-

1840)Bonhoeffer, Dietrich (1906-

1945)Bossuet, J. B. (1627-1704)Bradwardine, Thomas

(1290-1349)Breviário, Reforma do

(1562-1563)Bruno, Giordano (1548-

1600)Bryennios, Filoteo (1833-

1914)Bucer, Martinho (1491-

1551)Bula “Aeterni Patris”

(1868)Bulgakov, Miguel (1816-

1882)Bultmann, Rudolf (1884-

1976)Bunyan, John (1628-1688)Cabasilas, Nicolau (1320-

1390)Cabasilas, Nilo (1298-

/ 599

1363)Cabrol, Fernand (1855-

1937)Calasâncio, São José (1556-

1648)Calvino, João (1509-1564)Câmara, Hélder (1909-)Camus, Albert (1913-1960)Canísio, São Pedro (1521-

1597)Cano, Melchior (1509-

1560)Caramuel (1606-1682)Carlos Borromeu, São

(1538-1584)Carta de Judas (séc. I)Carta de São Tiago (séc. I)Cartas católicasCartas de João (séc. I)Cartas de Paulo (séc. I)Cartas de Pedro (séc. I)Cartuxo, Dionísio (1402-

1471)Cartuxo, Ludolfo (+1378)Casel, Odo (1886-1948)Cassiano, João (360-431)Cassiodoro (485-580)Catarina de Gênova, Santa

(1447-1510)Catarina de Ricci, Santa

(1522-1590)Catarina de Sena, Santa

(1347-1380)CatecismoCayetano, Tomás de Vío

(1469-1534)CELAM (1955)Celso (séc. II)Cenobismo (séc. III-V)Cesbron, G. (1931-1979)Chateaubriand, François R.

(1768-1848)Chenu, M. D. (1895-1990)Chesterton, Gilbert Keith

(1874-1936)Ciência e féCipriano, São (200-258)Cirilo de Alexandria, São

(375-444)

Cirilo de Jerusalém, São(315-387)

Clara, Santa (1194-1253)Claudel, Paul (1868-1955)Clemente de Alexandria

(150-215)Clímaco, São João (570-

649)Codex Sinaiticus (séc. V)Codex Vaticanus (séc. IV)Comenius (1592-1670)Companhia de Jesus (1540)ConcílioConcórdia, Livro da (1580)Condren Ch. de (1584-

1641)Confissão de Augsburgo

(1530)Confissões de féCongar, Yves Marie-Joseph

(1904-)Conselho Mundial das Igre-

jas (1948)Constituição eclesiástica

dos apóstolos (séc. IV)Constituições apostólicas

(c. 380)Contra-ReformaCopérnico, Nicolau (1473-

1543)Couturier, Paul I (1881-

1953)Cranmer, Thomas (1489-

1556)Crisóstomo, São João (347-

407)Croiset, J. (1656-1738)Cullmann, Oscar (1902-)Cusa, Nicolau de (1400-

1464)D’Ailly, Pierre (1350-1420)D’Alembert, M. (1717-

1783)Dâmaso, São (304-384)Daniélou, J. (1905-1974)Dante, Alighieri (1265-

1321)Décio (c.250)Deísmo

600 /

Delehaye, Hippolyte (1859-1941)

De Maistre, Joseph (1753-1821)

Denifle, H. (1844-1905)Devotio modernaDidaqué (50-70)Didascalia apostolorum

syriaca (séc. III)Diderot, Denis (1713-1784)Dídimo, o Cego (313-398)Diodoro de Tarso (séc. IV)Diogneto, Carta a (séc. II-

III)Doutores da Igreja (séc.

XIII)Doutrina social da IgrejaDöllinger, Johann (1799-

1890)Domingos de Gusmão, San-

to (1170-1221)Donato (séc. VI)Duns Scot, John (1266-

1308)Eckhart, Johann (1260-

1327)Educadores cristãos (séc.

XVI-XVII)Efrém, Santo (306-373)Egéria (séc. IV-V)Eliot, Thomas (1888-1965)Ellacuria, Inácio (1930-

1989)EncíclicaEnciclopédia, A (1750-

1780)Epifânio,Santo (+403)Erasmo de Rotterdam,

Desidério (1467-1536)Eriúgena, Johannes Scotus

(810-877)Escolas teológicas, Primei-

ras (séc. II-V)Escolas e universidades

(séc. IX-XIII)Eunômio (séc. IV)Eusébio de Cesaréia (265-

340)Êutiques (378-454)

Evágrio (345-399)Evangelho, Evangelhos

(séc. I)Faber, Frederick W. (1814-

1863)Fabri, Diego (1911-)Feijóo, Benito (1676-1764)Fénelon, François de S.

(1651-1715)Feuerbach, Ludwig (1804-

1872)Ficino, Marcíilio (1433-

1499)Filipe Néri, São (1515-

1595)FilocaliaFílon da Alexandria (20 a.

C.-50 d. C.)Flávio Josefo (37-100)Florino (séc. II)Fócio (810-897)Fourier, São Pedro (1768-

1830)Francisco de Assis,São

(1181-1227)Francisco de Sales, São

(1567-1622)Francke, Auguste H. (1663-

1727)Freire, Paulo (1921-1997)Freud, Sigmund (1856-

1939)Galileu Galilei (1564-1642)Gardeil, A. (1859-1931)Garrigou-Lagrange, R.

(1877-1964)Gemelli, A. (1878-1959)Germano, São (634-733)Gerson, João (1363-1429)Gertrudes, Santa (1256-

1302)Gide, André (1869-1951)Gil de Roma (1243-1316)Gilson, Etienne (1884-

1978)GnosticismoGnósticos (séc. II-III)González, Ceferino (1831-

1894)

/ 601

Grabmann, Martin (1875-1949)

Graciano (c. 1140)Granada, Frei Luís de

(1504-1588)Gratry, Auguste (1805-

1872)Greene, Graham (1904-

1991)Green, Julien (1920-)Gregório XVI (1765-1846)Gregório de Nissa, São

(335-395)Gregório de Tours, São

(540-596)Gregório, o Taumaturgo

(213-276)Gregório Magno, São (540-

604)Gregório Nazianzeno, São

(330-390)Grócio, Hugo (1583-1645)Groote, Gérard (1340-

1384)Guardini, Romano (1885-

1968)Guéranger, Prosper (1805-

1875)Guilherme de Champeaux

(1070-1121)Gutiérrez, Gustavo (1928-)Guyon, Madame (1648-

1717)Hales, Alexandre de (1186-

1245)Häring, B. (1912-)Harmônio (séc. II)Harnack, Adolf (1851-

1930)Hecker, Isaac Th. (1819-

1888)Hegel, Georg (1770-1831)Hegesipo, Santo (séc. II)Heraclião (145-180)Hermas, O Pastor de (séc.

II)Hermias (c. 200)HesiquiaHesíquio, Sinaíta (séc. VIII-

IX)HesiquismoHéxaplaHilarião, Santo (291-371)Hilário de Poitiers, Santo

(315-367)Hildegarda, Santa (1098-

1179)Hilton, Walter (+1396)Hinos e cantosHipácia (375-415)Hipólito de Roma (170-

236)Hirscher, J. B. (séc. XIX)Hofbauer, São Clemente Mª

(1751-1820)Holbach, F. (1723-1789)Hopkins, Gerard Manley

(1844-1889)Hugo de São Vítor (1096-

1141)Humanistas (séc. XIV-XVI)Hume, David (1711-1776)Huss, João (1370-1415)Husserl, Edmund (1859-

1938)Huxley, Aldous (1894-

1963)Iconoclastas (séc. VIII-IX)Inácio de Antioquia, Santo

(+110)Ildefonso de Toledo, Santo

(607-667)Iluminismo (séc. XVIII)Índex de livros proibidos

(1557)Instituições morais (séc.

XVII)Instituto de Teologia

ContextualIrineu, Santo (c. 130-200)Isidoro de Pelusio, Santo

(+435)Isidoro de Sevilha, Santo

(560-636)Jacopone de Todi (1230-

1306)Janduno, João de (1280-

1328)

602 /

Jansênio, Cornélio (1585-1638)

Jerônimo, São (347-420)Jerônimo de Nadal (séc.

XVI)Jerônimo de Praga (1370-

1416)Joana de Chantal, Santa

(1572-1641)Joana Inês da Cruz, Sóror

(1651-1695)Joaquim de Fiore (1145-

1202)João Batista de la Salle, São

(1651-1719)João Damasceno, São (675-

749)João de Ávila, São (1499-

1569)João da Cruz, São (1542-

1591)João Evangelista, São (séc.

I-II)João XXIII (1881-1963)João Paulo II (1920-)Juliana de Norwich (1342-

1413)Juliano Apóstata (332-363)Jungmann, J. A. (1889-

1975)Justino, São (séc. II)Kant, Emmanuel (1724-

1804)Karlstadt (1480-1541)Kazantzakis, Nikos (1885-

1957)Kierkegaard, Sören (1813-

1855)King, Martin Luther (1929-

1968)Knox John (1513-1572)Knox, Roland (1888-1957)Kosuke Koyama (1929-)Küng, Hans (1928-)Laberthonnière, Lucien

(1860-1932)Lacordaire, Henri D. (1802-

1861)Lactâncio (240-317)

Lagrange, M. J. (1855-1938)

Lain Entralgo, Pedro (1910-)

Lamennais, F. R. (1782-1854)

Lebreton, J. (1873-1956)Lefèvre d’Etaples (1455-

1537)Le Fort, Gertrudis von

(1876-1971)Leão, Frei Luís de (1528-

1591)Leão I, Papa, São (+461)Leão XIII (1810-1903)Legenda áurea (1264)Lenda dourada (1264)Libertação, Teólogos daLiberatore, G. (1810-1892)Liga de Malinas (1921-

1925)Livros penitenciais (séc.

VII-XII)Liégé, P. A. (1922-1979)Ligório, Afonso Mª de, San-

to (1696-1787)Literatura atual e cristianis-

moLiteratura autobiográficaLoyola, Inácio de, Santo

(1491-1556)Loisy, Alfred (1857-1940)Lubac, Henri de (1896-

1991)Lucas, Evangelista, São

(séc. I)Luciano de Samosata (125-

192)Luísa de Marillac, Santa

(1591-1660)Lúlio, Raimundo (1235-

1315)Lutero, Martinho (1483-

1546)Mabillon, Jean (1632-1707)Macário de Alexandria

(+395)Macário de Moscou (1816-

1882)

/ 603

Macário, o Grande, São(300-390)

Maldonado, João (1533-1583)

Manjón Andrés (1846-1923)

Manning, H. (1809-1892)Mansi, Giovanni D. (1692-

1769)Mansur (675-749)Manuais para confessoresMarcel, Gabriel (1889-

1973)Marcião (séc. II)Marsílio de Pádua (1275-

1343)Marcionismo (séc. II)Marco (séc. II-III)Marcos, Evangelista, São

(séc. I)Marechal, J. (1878-1944)Margarita Mª Alacoque,

Santa (1647-1690)Maria da Encarnação, Sóror

(1566-1618)Marias, Julian (1914-)Maritain, Jacques (1882-

1973)Mar Morto, Manuscritos do

(séc. II a. C.-I d. C.)Marshall, BruceMartinho de Dúmio, Abade

(séc. VI)Martinho Descalço, José L.

(1930-1991)Martinho I, Papa (590-655)Marx, Karl (1818-1883)Mateus, Evangelista, São

(séc. I)Mateus, JoãoMater et Magistra (1961)Mauriac, François (1885-

1970)Máximo, o Confessor, São

(580-662)Mbiti, John (1931-)Medellin, Documentos de

(1968)Medina, Bartolomeu de

(1527-1580)Melanchton, Filipe (1497-

1560)Méndez Arceo, Sérgio

(1907-)Menéndez y Pelayo,

Marcelino (1856-1912)Mercier, D. J. (1851-1926)Mersenne, J. (1588-1648)Merton, Thomas J. (1915-

1968)Metafrastes, Simeão (séc.

X)Metz, Johann B. (1928-)Migne, Jacques P. (1800-

1875)Míguez Bonino, José

(1924-)MilenarismoMilcíades (+314)Militão de Sardes (séc. II-

III)Minúcio, Félix (c. 170)Miret Magdalena, E.ModernismoMogila, Pedro (1597-1646)Molina, Luís de (1535-

1600)Molinismo (séc. XVI-

XVII)Molinos, Miguel de (1628-

1696)Moltmann, Jürgen (1926-)Monaquismo, Textos e au-

tores do (séc. III-V)Monte AthosMoral casuísticaMoral para confessoresMorton, Robinson (1900-)Morus, Tomás, Santo

(1478-1535)Mounier, Emmanuel (1905-

1950)Morte de DeusMosteiro de Santa Catarina

(Sinai)Neo-escolásticos (séc. XIX)Nestório (381-450)Newman, John H. (1801-

604 /

1890)Nicodemos Agiorita (1748-

1809)Nicole, P. (1625-1695)Niebuhr, Reinhold (1892-

1971)Nietzsche, Friedrich W.

(1844-1900)Nil Majkov (1433-1508)Novaciano (séc. III)Nuvem do Não-Saber, A

(séc. XIV)Ockham, Guilherme de

(1295-1350)Odes de Salomão (séc. II)Oráculos sibilinos cristãos

(117-138)Oraison, Marc (1914-)Orígenes (186-254)Paulo, Apóstolo, São (10-

67)Paulo VI, Papa (1897-1978)Pacem in terris (1963)Pacômio, São (290-346)Padres apostólicos (séc. I-

II)Padres capadócios (séc. IV)Padres do deserto (séc. III-

IV)Padres da IgrejaPaládio, São (365-425)Palamas, São Gregório

(1296-1359)Pânfilo de Alexandria (240-

309)Panteno (+200)Pápias (60-130)Papini, G. (1881-1956)Pascal, Blaise (1623-1662)Pastor, Ludwig von (1854-

1928)PatrologiaPaulino de Antioquia (353-

431)Paulo III, Papa (1468-1549)Pedro, o Venerável (1092-

1156)Pedro Lombardo (1100-

1160)

Péguy, Charles (1873-1914)Petrarca, Francesco (1304-

1374)Pico de la Mirândola (1463-

1494)Pietismo (séc. XVII)Pietistas (séc. XVII)Pio IV (1499-1565)Pio V (1504-1572)Pio IX (1792-1876)Pio X, São (1835-1914)Pio XII (1876-1958)Policarpo de Esmirna, São

(59-155)Porfírio (232-304)Port-RoyalProfessio fidei tridentinae

(1564)Prudêncio, Aurélio (348-

405)Psichari, Ernesto (1883-

1914)Ptolomeu (séc. II)Puebla, Documentos de

(1979)Quadrato (séc. II)QuerigmaQuesnay, François (1694-

1774)Quesnel, P. (1634-1719)QuiliasmoQuietismoQumrãRahner, Karl (1904-1985)Raimundo de Peñafort, São

(1185-1275)Raimundo MartíRamírez, SantiagoRanke, Leopoldo von

(1795-1886)Ratio studiorum (séc. XVI)Ratzinger, JosephReforma (séc. XVI)Relato de um peregrino rus-

so (1870)Renascimento (séc. XV-

XVI)Renan, Ernest (1823-1895)Reuchlin, J. (1455-1522)

/ 605

Ricardo de São Vítor (c.1173)

Ricci, Mateus (1552-1610)Richard, Paul (1939-)Ripalda, J. de (1535-1618)Robinson, JohnRomero, Oscar Arnulfo

(1917-1980)Rosalez, Luis (1909-)Roscelino, J. (c. 1125)Rousseau, J. J. (1712-1778)Ruysbroeck, J. (1293-1381)Sailer, J. M. (1751-1832)Saint-Cyran, Abade de

(1581-1643)Saint-Simon, Claude H.

(1760-1825)Salamanticenses (1631-

1712)Salisbury, João de (1115-

1180)Sanchez, Tomás (1550-

1610)Sartre, Jean P. (1905-1980)Savonarola, Girolano

(1452-1498)Scaliger, Joseph J. (1540-

1609)Scheeben, Matthias J.

(1835-1888)Scheler, Max (1874-1928)Schillebeeckx, Edward

(1914-)Schlegel Friedrich (1772-

1829)M.Schmaus, M.Schnackenburg, RSchökel, L. A.Schopenhauer, Arthur

(1788-1860)Schutz, Roger (1915-)Schwartz, Edward (1858-

1940)Schweitzer, Albert (1875-

1965)Segundo, João L. (1925-)Segneri, P. (1624-1694)Sentenças dos Padres (fi-

nais do séc. V)

Sérgio, São (1314-1392)Sertillanges, A. D. (1863-

1948)Servet, Miguel (1511-1553)Setenta, OsSiger de Brabante (1240-

1284)Símbolo dos ApóstolosSimeão, São (c. 960)Simeão de Tessalônica

(1429)Sínodo dos bisposSmangaliso Mkhatshwa

(1939-)Sobrino, Jon (n. 1938)Soto, Domingo de (1494-

1560)Sozomenes (séc. IV-V)Spener, Philip J. (1635-

1705)Stein, Edith (1891-1942)Strauss, Friedrich (1808-

1874)Suarez, Francisco (1548-

1617)Suidas de Constantinopla

(séc. IX-X)Summa angelica (séc. XV)Summa antoninaSumma dos confessoresSumma contra gentesSumma iurisSumma TheologicaSuso, Henrique (1295-

1366)Syllabus (1864)Taciano (n. 120)TaizéTauler, João (1300-1361)Teilhard de Chardin, P.

(1881-1955)Teodoro, Monge (+368)Teodoro de Mopsuéstia

((428)Teodoro, São (759-826)Teodoto (séc. II)Teologia atual, Panorama

da (homens e obras)Teologia da libertação

606 /

Teologia querigmáticaTeologia nova (1948)Teresa de Jesus, Santa

(1515-1582)Teresa do Menino Jesus,

Santa (1873-1897)Tertuliano (160-225)Tillich, Paul (1866-1965)Tillmann, F. (1953)Tischendorf, C. (1815-

1874)Tomás de Aquino, Santo

(1224-1274)Tomás de Celano (1190-

1260)Tomás de Kempis (1379-

1471)TradicionalistasTrento, Concílio de (1545-

1563)Tyndale, W. (1494-1536)Tyrrell, G. (1861-1909)UltramontanosUnamuno, Miguel de

(1864-1936)Undset, Sigrid (1882-1949)Valentim (séc. II)Valla, Lourenço (1407-

1457)Valverde, José Mª (1926-)Van der Meersch, M. (1907-

1951)Vaticano I (1869-1870)Vaticano II (1962-1965)Veuillot, L. (1813-1883)Vicente de Paulo, São

(1576-1660)Vítor, Escola de São (séc.

XI-XII)Vidal, Marciano (1937-)Vidas dos santosVilhena, Isabel de (1430-

1490)Vitória, Francisco de (1492-

1546)Vives, Luís (1492-1540)Voltaire (1694-1778)Vorágine, Tiago de (1230-

1298)

Vulgata (c. 383)Waugh, Evelyn (1903-)Wesley, John (1703-1791)West, Morris (1916-)Wilkins, John (1614-1672)Wulf, M. (+1864)Wiclef, João (1330-1384)Zaragüeta, João (1883-

1974)Zolli, EugênioZubiri, Xavier (1898-1981)Zwinglio, Ülrich (1484-

1531)