BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA · PDF fileMARIA E DO SEU CULTO: ... – 1596), no ano de 1573 em Port ugal. Nosso recorte espaço-temporal é delimitado ... no convento da ordem

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    BREVES CONSIDERAES ACERCA DA REPRESENTAO DA VIR GEM MARIA E DO SEU CULTO: Nicolau Dias e o Livro do Ros rio de Nossa

    Senhora (1573)

    Andr Rocha Cordeiro1 (LERR/DHI/PPH - UEM)

    Resumo. Propomos neste artigo realizar breves consideraes da pesquisa em andamento acerca da representao de Maria e de seu culto, a partir da hagiografia Livro do Rosrio de Nossa Senhora, escrita pelo dominicano Nicolau Dias (1525? 1596), no ano de 1573 em Portugal. Nosso recorte espao-temporal delimitado pela nossa fonte, sendo portanto, Portugal do sculo XVI. Buscamos por objetivo geral compreender o modo que o culto a Virgem Maria representado pelo telogo, na referida obra, em consonncia com o contexto histrico ao qual pertence o escrito hagiogrfico, especialmente a Reforma Catlica. Respaldando-se na discusso acerca da histria das religies e religiosidades e dos conceitos de lugar social e representao, propostos por Michel de Certeau (1982) e Roger Chartier (1990; 1991), respectivamente, buscamos analisar como o discurso catlico, incorporado por Nicolau Dias, expressa e representa o culto Me de Deus. Compreendendo tambm nenhum documento incuo e/ou inocente, e que resultante de toda uma conjuntura e construo que o faz compreensivo e expresso, buscamos compreender o processo de construo e (re)afirmao do culto Maria diante do contexto portugus, no sculo XVI. Fonte pouco estudada at o presente momento, o Livro do Rosrio de Nossa Senhora (1573), em nossa perspectiva, uma obra de expresso e relevncia para os estudos da Histria das Religies e Religiosidade, principalmente da Histria da Igreja Catlica Portuguesa. Consideramos que o discurso empreendido por Nicolau Dias, apresenta o posicionamento da Igreja em Portugal, diante dos questionamentos levantados pelo protestantismo, que se alastrava pelo continente europeu.

    Palavras-chave: culto mariano; Nicolau Dias; Portugal, Igreja Catlica.

    1 Graduado no curso de Licenciatura em Histria pela Universidade Estadual de Maring (UEM).

    Mestrando em Histria pelo Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Estadual de

    Maring (PPH-UEM). Integrante do Laboratrio de estudos em religies e religiosidades na

    Universidade Estadual de Maring (LERR - UEM). E-mail: [email protected]

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    Considerada pela Igreja Catlica Apostlica Romana como a me de

    Deus, modelo de crist e discpula fiel, Maria desde o incio do cristianismo

    objeto de culto e venerao por parte de fiis. O culto Maria, segundo

    Ludimila Campos, ganhou grande destaque e adeptos entre as primeiras

    comunidades crists, que se firmaram no Imprio Romano, devido

    transferncia de sentimento devocional das divindades femininas da religio

    greco-romana, mais especificadamente s deusas responsveis pelo cultivo e

    terras (CAMPOS, 2012). Formas de expresso e de culto Virgem Maria se

    materializaram atravs em diversas iconografias, templos, objetos, festas

    litrgicas, dogmas e escritos hagiogrficos, que perpassaram os tempos

    histricos e hoje so objetos pesquisa de diferentes cincias, entre elas a

    Histria.

    A partir de tal esboo inicial, buscamos neste artigo, apresentar algumas

    consideraes da pesquisa em andamento acerca da representao da Virgem

    Maria e do culto mariano em Portugal no sculo XVI, desenvolvida no

    Laboratrio de Estudos em Religies e Religiosidades (LERR UEM). Nossa

    pesquisa objetiva compreender, por meio da obra o Livro do Rosrio de Nossa

    Senhora (1573), de autoria do frade dominicano Nicolau Dias (1525? 1596),

    como a Virgem Maria e seu culto foram representados neste contexto. Partimos

    do pressuposto e levamos em conta que dependendo das situaes e dos

    aspectos histricos dos diversos grupos, a me de Deus, foi e ainda

    representada de maneiras diversas, dependendo da maneira que estes

    apropriam a sua simbologia (ANDRADE, 2012, p. 243).

    Sobre nossa fonte de pesquisa, podemos afirmar que poucos so os

    estudos que se debruam sobre ela. Tal afirmativa se fez presente aps a

    realizao de um levantamento bibliogrfico que realizamos no ano de 2014,

    durante o desenvolvimento de Projeto de Iniciao Cientifica (PIC/DHI), na qual

    constatamos que apenas dois trabalhos trabalham ou realizam meno ao

    Livro do Rosrio de Nossa Senhora (1573), de Nicolau Dias.

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    O primeiro estudo que encontramos foi publicado em 2006 e de autoria

    de Antnio Jos de Almeida O.P., e intitulado As estampas das edies

    quinhentistas do Livro do Rosayro de Nossa Senhora. Neste estudo, Almeida,

    realiza a anlise de imagens em xilogravuras, que ilustram as edies de 1573,

    1576, 1582 e 1583, em relao com os textos escritos nas diferentes edies.

    J o estudo de Leonara Delfino (2013), que o segundo a qual

    encontramos meno a nossa fonte de pesquisa, verificamos que a autora

    aborda a devoo mariana do rosrio no imprio ultramar portugus. Para

    tanto, a autora, utiliza a obra de Nicolau Dias e de Agostinho de Santa Maria,

    para justificar o uso e a prtica da referida devoo na colnia portuguesa.

    Sendo assim, observamos que Almeida (2006) e Delfino (2013), ao se

    debruarem sobre a referida obra, no se buscam estudar a representao e o

    culto mariano na perspectiva que objetivamos.

    Sobre o autor da obra que utilizamos como fonte, as informaes

    biogrficas encontradas so restritas a textos introdutrios das vrias edies

    do Livro do Rosrio de Nossa Senhora, e principalmente da impresso fac-

    smile datada de 1982. Quanto ao local e data de nascimento de Nicolau Dias

    no existe consenso acerca desta informao, porm Marques (2000) e

    Almeida (2006) indicam o ano 1525, como provvel para o nascimento do

    autor. Com relao ao ano de morte do frade dominicano, Rolo (1982) afirma

    que ocorreu em 06 de fevereiro de 1596, no convento da ordem em Lisboa.

    Membro da Ordem dos Pregadores, fundada em 12152 por So

    Domingos de Gusmo (1140-1221), Nicolau Dias alm de sacerdote era mestre

    em Santa Teologia. Segundo Ral Rolo (1982), em 1571, o frade portugus

    participou do Captulo Geral da Ordem, que se realizou em Roma, e na

    oportunidade, acredita-se que, conheceu o sumo pontfice Pio V (1504-1572

    papa desde 1566).

    Provavelmente, deste contato com o papa, nasceu o desejo de escrever

    sua obra dedicada devoo mariana do rosrio, haja vista que Pio V era

    2 Segundo Faria (2010, p. 140), a Ordem dos Pregadores (latim, Ordo Prdicatorum, O. P.) foi

    fundada em 1215 por So Domingos de Gusmo (1140 1221), admitida por Inocncio III (1161-1216, papa desde 1198) e confirmada por Honrio III (1148 - 1227, papa desde 1216).

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    grande devoto do rosrio, inclusive instituindo a festa litrgica a tal devoo no

    ano de 1571, aps a vitria dos cristos sobre os turcos em Leopanto

    (DELFINO, 2012).

    Importante ressaltar que pertencente Ordem dos Pregadores, Nicolau

    Dias se demonstra fiel seguidor e expoente da prpria proposta do santo

    fundador da ordem, So Domingos de Gusmo, ao se propor escrever e

    produzir obras com teor hagiogrfico aos fieis de seu perodo. Vilar (2000, p.

    228) afirma que, a palavra era um dos principais instrumentos de trabalho e

    misso dos dominicanos, para tanto a ordem inclinava-se na formao de

    pregadores e telogos para tal empreitada, chegando a denominar-se

    popularmente como Ordem dos Doutores.

    Alm da sua formao enquanto pregador e telogo da ordem de So

    Domingos, Marques (2000) afirma que, Nicolau Dias era grande devoto da

    paixo de Cristo e da Virgem Maria. Ainda segundo este autor, esta devoo

    Jesus e a sua me teriam levado o frade dominicano a escrever, em 1580, o

    Tratado da Paixo de Cristo Nosso Senhor, e o Livro do Rosrio de Nossa

    Senhora, em 1573.

    Observando, dentro deste contexto, que Nicolau Dias produtor de um

    discurso, buscamos compreender as influncias do lugar social a qual o frade

    est inserido, na perspectiva da discusso de Michel de Certeau (1982).

    Segundo este historiador, todo indivduo produtor de discurso, e que se

    dedicam histria, esto ligados s instituies a qual pertence, e que esta

    influencia o sistema dialtico deste mesmo indivduo.

    Ainda segundo Certeau (1982, p. 66), os pensamentos e as ideias dos

    indivduos esto ligados a lugares, sejam eles sociais, econmicos ou culturais.

    Para este autor, discursos e lugares mantm uma relao na qual h

    existncia de um capital simblico, que passvel de ser transmissvel,

    susceptvel de ser deslocado, acrescido ou perdido (1982, p. 25).

    Partindo metodologicamente do que proposto por Michel de Certeau

    (1982), entendemos que existem contornos precisos s leis silenciosas que

    organizam o espao produzido como texto (1982, p. 66), bem como se

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    apresenta impossvel analisar o discurso histrico independente da instituio

    em funo do qual ele se organiza silenciosamente (CERTEAU, 1982, p. 71).

    Dessa forma, podemos verificar que Nicolau Dias produto e produtor

    de um discurso que estava em voga na instituio a qual pertence, a ordem

    dos pregadores e especialmente a Igreja Catlica Apostlica Romana, pois

    cada sociedade se pensa historicamente com os instrumentos que lhe so

    prprios (CERTEAU, 1982, p. 78).

    A IGREJA CATLICA NO SCULO XVI

    Publicada no ano de 1573, o Livro do Rosrio de Nossa Senhora, de