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Litha, 2011 - Ano 1 - Edição nº3 - gratuita

BTW - Wica Tradicional Britânica (3ª edição)

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Chegamos à terceira edição da Revista BTW agradecendo aos Deuses por cuidarem com seu amor nos permitindo oferecer conteúdo de qualidade e confiança sobre British Traditional Wica em veículo digital de alcance e participação Internacional via Internet. Entramos na parte decrescente da Roda do Ano pelo dia de maior luminosidade.

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Artemis AbsintoDedicada da Tradição Gardneriana,

linha Olwen - BR

Lorenna EscobarHPS 2*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

Equipe BTW

Projeto Gráfico:

Editora Chefe:

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Ana MarquesDedicada da Tradição Gardneriana,

linha Olwen - BR

Arida DianaHPS 3*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR - Coven Vassoura Sagrada

Artemis AbsintoDedicada da Tradição Gardneriana,

linha Olwen - BR

Baco LiberHP 3*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR - Coven Vassoura Sagrada

Colaboradores:

Calliope Berkanna Iniciada 1*- Tradição Gardneriana, linha Olwen

- BR - Coven Vassoura Sagrada

Brutus LobãoHP 2*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

Lorenna EscobarHPS 2*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

Simone AbraçosIniciada 1*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR - Coven Caldeirão de Cerridwen

Mario MartinezHP 3*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

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Chegamos à terceira edição da Revista BTW agradecendo aos Deuses por cuidarem com seu amor nos permitindo oferecer conteúdo de qualidade e confiança sobre British Traditional Wica em veículo digital de alcance e participação Internacional via Internet. Entramos na parte decrescente da Roda do Ano pelo dia de maior luminosidade. No auge dessa energia a promessa de frutificação e fartura, vitalmente importante para os dias cada vez mais sombrios que virão, quando a vida será completamente depositada numa semente de luz para renascer após a escuridão.

Essas partículas de Wica Tradicional que viajam no espírito de nossos textos chegam aos buscadores como orientação e um farol em tempos de muita escuridão e cegueira espiritual. Os Poderosos Deuses Antigos avançam seu caminho por misteriosas trilhas de beleza aterrorizante, prazeres indescritíveis e o conhecimento mortal da vida que controla todas as transformações. Seguramente o buscador pressente a seriedade deste trabalho, e ilumina seus questionamentos que constroem a idéia refletida do que é BTW. Seu coração deve palpitar de desejo e o seu fôlego suspira por ouvir uma só vez as palavras da Deusa da Lua e das Estrelas:

“Eu amo você; eu anseio por você,...”

A vara erigida do Deus Chifrudo comanda o calor da vida, reúne e precipita perfumadas águas do céu, sopra amorosamente a pele macia e martela firme até as chamas. O leitor que acompanha essa terceira edição deseja ler o que deseja ser lido, que não haja mais demora.

Um bom meio de verão a todos nós, vivendo sob os auspícios dos terríveis e maravilhosos Deuses Antigos.

EDITORIALpor Brutus Lobão

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índice

CARTA DO LEITOR

LithaO Deus de C hifres

Wica e seus DogmasVivendo o Sacerdócio

Deusa, Deus e a IniciaçãoSacrifício

LammasInstrumentos do Ofício

Ocultismo:- Hermetismo

- Botânica Oculta- A Iluminação - O Sol

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Olá, eu gostaria de parabenizar todos os responsáveis por esse maravilhoso projeto que é a revista BTW. Cada edição me surpreende em relação ao nível da qualidade e seriedade dos assuntos abordados. Era exatamente o que nós, buscadores e estudiosos da Arte no Brasil estavamos precisando. Que essa iniciativa possa despertar o amor do Deus de Chifres e da Se-nhora da Lua nos corações dos buscadores sinceros.

Abraços,

Rafael Toledo.

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litha

por Ana Marques

A vida é um ciclo. A Roda do Ano o ilustra e simboliza, para que possamos – vivenciando-a – viver os nossos ciclos in-ternos e nos ciclos eternos da natureza. Todos nos dividimos em três fases, que se repetem infinitamente, de Vida x Morte x Renascimento. Vivemos e sonhamos e cre-mos e realizamos. Buscamos novos cami-nhos, trilhamos passos e nos dirigimos à sua conclusão. Nossa vida renasce todos os dias sob a Luz do Sol.

Sol esse que simboliza a fertilidade que o Deus de Chifres traz em nos-sas vidas. Aquele que é o Senhor da Fertilidade Absoluta faz o ciclo con-tinuar, caminhando ele mesmo através da Roda que celebramos: nascendo em Yule, purificando o solo da vida em Imbolc, plan-tando as sementes em Ostara, fertilizando

a vida em Beltane e, nesse momento, che-gando ao seu Auge em Litha.

Sucederam-se dias às noites longas de Yule que foram igualando-se conforme passamos por Imbolc, Ostara, Beltane. Po-rém, da mesma forma que o Deus cresce em sua força, os dias crescem em sua du-ração e em Litha temos o dia mais longo do Ano.

Um dia de grande Magia, em que a força do Deus – em sua plenitude – penetra a fonte de toda a Vida e distribui essa for-ça a todos nós. A terra, como um todo, floresce em alegria e sonhos de colheitas

e realizações generosas. O amor está por toda parte, a alegria está em todo canto. Basta estender as mãos, conectar-se ao calor e à luz, para que as bênçãos da união do

Casal Divino recaia sobre todos aqueles que os cultuam e celebram seus ritos.

Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) – O Mistério das Cousas

O Auge do Deus de Chifres

o Deus cresce em sua força

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No entanto, no cerne de toda luz está a semente da escuridão. Assim o dia mais longo do ano precede a diminuição do Poder do Deus de Chifres, que começa-rá lentamente a definhar daqui em diante. Esse declínio pode ser visto no mito do Rei do Carvalho e do Rei do Azevinho, um mito não tradicional na Wica Gardneriana mas que ilustra como o ano decrescente se sobrepõe ao ano crescente.

Nesse mito a Roda do Ano é dividida em uma metade Clara e outra metade Escura. Em Yule, o Rei Carva-lho vence o Rei Aze-vinho, marcando a as-censão do poder solar e o retorno da Luz. Em Litha, o Rei Azevinho luta com o Rei Carvalho, simbolicamente tomando seu lu-gar e determinando o momento em que, após chegar ao ápice, o único caminho a ser seguido é para baixo. É a Morte na Vida e a Vida na Morte.

Para a Wica Tradicional, nesse momen-to nos defrontamos com o Deus da Fer-tilidade em todo seu poder, mas pronto para ceder seu lugar ao Terrível Senhor do Submundo e da Morte. Ele é sempre o mesmo e, sendo o mesmo, é sempre dife-rente, girando a Roda e os Ciclos de Vida e Morte em seu próprio corpo. O Deus que fenecerá é o mesmo que nos abrirá as portas do outro Mundo quando nosso tempo de descanso chegar, e é ainda aque-le que regenerará nossos corpos para que possamos recomeçar.

Em Litha, amamos e nos regozijamos no Amor dos Deuses por nós e por todas as criaturas vivas. Somos todos abençoados em alegria e esperança, porque a vida sem-pre recomeça e a colheita farta, plena da-quilo que plantamos dentro e fora de nós, nos espera para logo mais.

Aproveitemos assim o auge da Luz! Que os dias sejam luminosos, que as noites se-jam quentes e que a vida seja plena para todos.

QUADRO: SATANWILLIAM BLAKE

o Rei Azevinho luta com o Rei

Carvalho

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o deus de chifrespor Lorenna Escobar

O Deus das Bruxas é chamado de Se-nhor Chifrudo, o Senhor da fertilidade, o Deus de Chifres. Ele é associado como a força do Sol, É a representação da Virili-dade, da Força Ativa da Natureza, Senhor da Morte, da Floresta e dos animais selva-gens. Seu aspecto sombrio ensina a seus Sacerdotes que existe algo além, algo a ser descoberto, algo que somente a escuridão pode revelar – a Luz.

Ele oferece o seu poder em sua totalidade, é quem doa sua se-mente, seu sacrifício, para novos dias de glória e de vitória, ofere-cendo crescimento e evolução. Seu sacrifício é representado pela semente, aparentemente morta, e em meio a escuridão é capaz de se de-senvolver em uma grande e forte árvore.

A Divindade solar deu a Sua vida ao uni-verso, ao sistema solar, ao planeta e aos mundos, mas o que muita gente confunde é que isso para nós é apenas representado como símbolos e que pouco significa para seus Sacerdotes.

Wica, entretanto é uma religião erótica e o Deus de Chifres intensifica esse poder, o poder do Fogo transformador é um de seus atributos. A Deusa é sua força oposta e juntos eles se complementam. São a for-ça motriz da criação, a dualidade, as trevas e a luz, macho e fêmea, ativo e passivo, duro e macio, o quente e frio. Assim na Religião tomamos consciência desses as-pectos e ampliamos nossos conceitos so-bre as polaridades.

Nos grandes festivais da Antiga religião, os bruxos se reúnem para a celebração da roda do ano, a garantia de que melhores dias virão e que contêm as percepções das mudanças das estações, o ápice e declí-nio da força do Deus. Na primavera, Ele é vida, penetrante e forte; no inverno Ele é morte, frio e silencioso. Com isso nota-se que é Ele o tema central da Roda do Ano e a Wica como uma religião do Deus e da Deusa, pois um nada é sem o Outro e eles se complementam para fazer a roda girar.

Em Litha, um dos sabás das Bruxas, a re-presentação maior da potência do Deus em sua maturidade e virilidade é represen-tada pelo elemento fogo, cujo simbolismo é associada a Vara, na tradição Gardneria-na. Entretanto também existem outras co-

notações quanto ao instrumento mágico, comumente utilizadas na bruxaria, visto no Athame ou Espada, que simboliza o princípio ativo, como na carta do Mago no tarot de Marsella, a representa-ção do Jovem Deus que empunha o seu poder fértil.

Encontram-se, na história em geral, vá-rios registros do culto ao Deus, em diver-sas civilizações; são fragmentos dos atribu-tos desse mesmo Deus no Egito antigo, na Antiga Grécia, Roma, Índia, Itália e entre várias outras. Estes são conhecidos como Pan, Hórus, Mitra, Varuna, Dionísio, Cer-

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A Divindade solar deu a Sua vida ao universo

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nunnos; chifres e serpentes são uma das mais sublimes formas de representá-lo e sua potência sexual. Diante disso perce-bemos as mesmas características do Deus supremo dos Wicas, mas seu nome é sa-grado e secreto, sendo este revelado dire-tamente as suas sacerdotisas

Como símbolo de força e resistência, uma relação tradicional ao carvalho com o Deus Thor (para o povo germânico) pois é uma árvore imponente e de grande longe-vidade. O carvalho foi uma árvore sagrada para povos antigos, era a árvore de Zeus para os Gregos. Outra árvore sagrada li-gada ao Deus é a Figueira, uma árvore que simboliza a abundância e a imorta-lidade, é uma árvore que brota e se renova no verão.

O pilar central da Wica está inti-mamente ligado a enunciação dos gêneros e polaridades, do qual é fundamento para o desenvolvimento do culto. O porque disso vem tanto da litur-gia, quanto da magia sexual relacionados a Arte sendo considerada um dos maiores mistérios da Arte. Toda a experiência má-gica, dentro do contexto dos pólos opos-tos é sentida como sagrada.

É uma tarefa muito difícil escrever so-bre o Deus de Chifres sem falar da Deusa, quando no tema central da Teologia Wica, a Carga da Deusa mostra que a própria Deusa desce ao submundo para confron-tar a morte “e Ele ensina a Ela todos os seus mistérios da morte”. O tema da mor-te, dentro da religião, faz lusão à morte iniciática, é como morrer para um estilo de vida profano, acompanhado de um re-nascimento espiritual. O Deus da Wica é o Senhor que está além dos portões da Mor-te, encontrar este Deus significa se ligar ao centro de tudo. Ele é a força do minotauro dentro do seu próprio labirinto. Represen-ta o início do processo de transformação,

o mesmo estágio alquímico de transformar chumbo em ouro.

Os fragmentos dos ensinamentos da Wica é completa em si e multifacetada, pois o mistério da transformação é intrín-seco, único e diverso. A contemplação da polaridade nos permite a contemplação do infinito. Alcançar uma das chaves da magia é constatar que, além das demais raciona-lizações, o Deus da Morte é também o Se-nhor e doador da Vida.

Eu vejo o Deus de Chifres como um deus cósmico, a suprema divindade masculina (ou ativa) do universo, totalmente igual e

complementar à Deusa. Mas dele é o poder do vigor e dela é a magia da sabedoria; Ele é onipotente enquanto Ela é onisciente, e juntos Eles são a Totalidade, o Duo Divino que vive na Natureza e se manifesta no cosmos.”

Lady Delia

Na magia, as manifestações pelas operações devem permitir um fluxo de poder de um pólo ativo masculino para o receptivo feminino e estabelecer então um fluxo divino – a comunhão com os Deuses. Nestes atos de magia, não existe prazer e nem existe dor, então o Sacerdote sub-merge no oceano ínfimo, no túnel escuro, a consciência e a individualidade se perde e se converte no Todo. Os Deuses cor-rem por todas as coisas, são imanentes e sublimemente transcendentes a todas as coisas.

Tudo procede desse fogo eternamente vivo e tudo deve voltar ao mesmo fogo para surgir de novo em um processo cir-cular de nascimento e destruição.

Heráclito

“e Ele ensina a Ela todos os seus mistérios

da morte”

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Wica e seus dogmasA Lei do Tríplice Retorno

por Calliope Berkanna

Tudo no Universo é energia e essa ener-gia está em constante movimento (tudo é vibração). Uma ação ou um desejo é uma forma de energia vibrante e que de acordo com o Princípio de Ação e Reação (causa e efeito) toda energia gerada vai e retorna a sua fonte de origem. Em outras palavras, tudo o que desejarmos voltará para nós triplicado e nessa mesma vida. O grande problema com esse dogma, é que é preciso ser um Iniciado para com-preendê-lo, já que ele está intimamente ligado aos Mistérios Ancestrais.

A Lei do Tríplice Retorno aparentemente é o Dogma da Arte mais conhecido, o que não quer dizer que seja o mais compre-

endido. Como dito no texto anterior, na Wica os Dogmas são compreendidos pelo Iniciado a partir de uma experiência espiri-tual profunda. Eles passam a fazer parte da sua sabedoria, o Iniciado os aceita como uma verdade incontestável. Dessa forma, o Iniciado compreende a Lei Tripla.

É comum vermos no meio não tradicio-nal que a Lei Tripla é muitas vezes confun-dida com o conceito oriental de Karma, ou com um poema chamado Wiccan Rede, ou até tida como o único dogma de uma religião não dogmática. O que posso dizer é que nenhum desses conceitos se aplica a Lei Tripla.

A Lei Tripla não é o único Dogma da Arte dos Wica, nem o mais importante. Existem outros Dogmas, sobre os quais falaremos mais adiante, e todos são igual-

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mente importantes. Seu conceito faz parte da tradição oral da Arte, e é necessário ser um Iniciado, um Wica para compre-endê-la. Explicar um Dogma para um não iniciado é como tentar explicar as cores para um cego. O não iniciado não os viven-cia, logo não tem como os compreender. Karma pode parecer chegar perto, mas ainda não é esse o conceito.

O conceito de Karma se confun-diu com a Lei do Retorno a partir do momento em que a Arte pas-sou a ser difundida. Não há religião ocidental que exemplifique bem esse Dog-ma, pois tais religiões possuem um deus--pai-todo-poderoso que recompensa os bons e pune os maus, então uma boa ação resulta em uma recompensa e uma má ação, em castigo divino. Como ninguém quer ser castigado, as boas ações acabam sendo corroídas pelo egoísmo e pela ga-nância. Vistas dessa forma, as boas ações já não parecem tão boas...

Sendo o Karma um conceito oriental e Wica uma religião ocidental, é difícil que coexistam. São culturas distintas. A Lei do Karma refere-se ao conceito de ação e reação, um conceito muito semelhante à Lei Newtoniana que diz “para toda for-ça de ação, existe uma força de reação”.

Toda ação, boa ou má, irá gerar uma re-ação do Universo, que pode ser recebida nesta ou em outra vida. Ação e reação, causa e efeito, dar e receber. A causa é primária; o efeito é secundário. Dar é a ação, receber é a reação inevitável. Tudo que recebemos, em quantidade e qualida-

de, estaria condicionado ao que demos. Toda uma vida voltada para o bem, na próxima encar-nação será recompensada, caso contrário será amaldiçoada. Mais uma vez, as boas ações serão fei-tas em prol de uma recompensa

futura, mesmo que seja em uma próxima vida, e essas boas ações estarão mais uma vez corrompidas pelo egoísmo.

A famosa sentença “faze o que tu queres se não prejudicas ninguém” é uma inter-pretação de um poema atribuído a Doreen Valiente, conhecido como Wiccan Rede, que diz “Eight words the Wiccan Rede fulfill, An it harm none do what ye will”. Aparentemente é uma releitura da Lei de Thelema, “Faze o que tu queres há de ser o todo da lei”. A Wiccan Rede parece se tratar de um código de ética, mas se inter-pretado literalmente não pode ser pratica-do. Tornou-se um clichê, uma frase que é repetida sem ser compreendida.

A Wiccan Rede parece se

tratar de um código de ética

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A Rede não é uma interpretação da Lei Tríplice, mas algo distinto, não tradicional. Se interpretado dentro de uma visão cris-tã tem um significado totalmente diferente da interpretação feita por um Iniciado na Arte Antiga.

“Faze o que tu queres” não deve ser interpretado como um convite à anar-quia, mas um convite a agir guiado pelo seu verdadei-ro Eu, pela sua verdadeira Vontade, destituída de Ego. Descobrir o seu verdadeiro propósito e praticá-lo Fazer aquilo que é certo cons-ciente das consequências. “Se não preju-dicas a ninguém” é um lembrete de que vivemos em comunidade. Não estamos so-zinhos e isolados, interagimos com o meio à nossa volta, com outras pessoas, animais e plantas. Essa interação inclui alguns sacri-fícios, o que é benéfico para uns pode pre-judicar outros. A todo momento, a alegria, a dor, a doença, a saúde, tudo isso acon-tecerá independente da sua vontade. Agir consciente e de forma responsável reduz os prejuízos para os outros e para si mes-mo, além de exigir uma dose de disciplina e honra. É uma busca pelo equilíbrio, pelo

crescimento, pelo desprendimento, tudo isso e muito mais faz parte do caminho do Iniciado.

Mago: Você tem obedecido a Lei. Mas observe bem, que quando receberes o bem deverás fazê-lo retornar triplicado.

Aidan Kelly - Conteúdo público do Livro das Sombras Gardneriano

Não existe energia boa ou energia ruim, existe energia bem ou mal direcionada. Quaisquer que sejam essas energias, elas sempre retornam à sua fonte de origem. É como jogar um seixo rolado em uma poça d’água. Assim que o seixo cai na água pro-voca ondulações concêntricas que se ex-pandem até atingir as bordas da poça. Se fosse um lago, poderíamos imaginar que essas ondulações poderiam atingir uma das bordas e retornar ao ponto atingido pelo seixo. Esta é uma boa metáfora sobre a Lei do Tríplice Retorno.

Quando colocamos uma energia em movimento, seja ela bem ou mal direcio-nada, ela retornará para nós, mas porém mais forte, pois esse Dogma nos diz que tudo o que colocamos em movimento retorna para nós triplicado.

Eu acredito que se você é um membro iniciado da Arte e prestou juramento, e por qualquer razão começa a praticar magia negativa de qualquer tipo, a magia negativa irá ricochetear sobre você, três vezes, porque você quebrou seu juramen-to. E por que uma lei tripla? A resposta está novamente no juramento que foi fei-to diante do altar da Deusa Tripla. Assim, o retorno será uma vez para a Deusa, outra para o receptor da magia negativa e a terceira para você mesmo.

Patricia Crowther – Sacerdotisa Gardneriana

A Lei Tríplice é um compromisso iniciá-tico Wicano. Segundo HP Baco, em uma

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é um lembrete de que vivemos em

comunidade

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de suas citações, “quando alguém é inicia-do, essa pessoa é levada e apresentada aos Guardiões e o seu nome mágico da Arte é revelado. Esse é o primeiro passo na união que está prestes a acontecer. Dali por diante, o iniciado é “protegido” e cuidado. Essa união serve também como salvaguar-da, pois todo ato de magia praticado por um Wica é observado e notado pelos Guar-diões.” Para que essa união aconteça correta-mente aqueles que são iniciados na Wica fazem um juramento e tomam consciência de que tudo o que fizerem voltará três vezes. Portanto a Lei Tríplice só é válida para aqueles que prestam um juramento diante dos Deuses.

Uma pergunta interessante seria o moti-vo de o retorno ser triplo. Três é um nú-mero muito significativo na Wica. Três são as fases da Lua, três são os graus de Inicia-ção, três vezes o sino é tocado, enfim, são vários os simbolismos usados pelos Gard-nerianos para o número três. Rick Johnson diz que o retorno é triplo por ser uma vez em espécie, uma vez em espírito e uma vez em necessidade. Ou seja: a energia origina-da por sua ação retornará a você no nível físico, no espiritual e no mental. Há várias interpretações para isso, porém o real sig-nificado apenas pode ser compreendido após ser experimentado por um Iniciado.

O conhecimento e meditação desta Lei e dos demais Dogmas ensejam a tomada de consciência de nossa responsabilidade co-nosco, com quem e o que nos cerca, com os compromissos que firmamos e suscitam que nossas condutas pessoais devam ser regradas pelo equilíbrio. Nossas palavras devem emitir a verdade e nossos atos de-vem corresponder às nossas falas, refletin-do o respeito e consciência em relação à vida e aos superiores. Ao compreender a

QUADRO: ESTUDO PARA CÍRCULO MÁGICOJOHN WATERHOUSE (1886)

Lei Tripla, uma boa ação deixa de ser fei-ta em busca de algum agradecimento ou recompensa, para ser feita apenas por ser a coisa mais certa a fazer. Então a energia bem direcionada irá atingir outras pessoas, as influenciando a perpetuar essa energia e refletindo ela de volta a você de alguma forma.

A Lei Tripla é um assunto polêmico sobre o qual não se consegue falar muito. Nem sempre os textos encontrados sobre ela, mesmo quando escritos por bruxos inicia-dos, condizem com a verdade. Acredito que isso aconteça para não traírem os Ju-ramentos Iniciatórios, não apenas por ser algo que necessita ser vivido e sentido, não explicado, para ser compreendido.

uma vez em espécie, uma

vez em espírito e uma vez em necessidade

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vivendo o sacerdócio‘Depoimentos da Alta Sacerdotisa’

por Arida Diana

O Amor do Sacerdote e da SacerdotisaVocê pode vir a eles por alguns momentos e então ir embora

e fazer o que quer que você faça; o amor deles não muda.Você pode negá-los para eles mesmos ou para si mesmo e

então amaldiçoá-los para qualquer um que ouça; o amor deles não muda.

Você pode tornar-se a mais deprezível das criaturas eEntão voltar para eles; o amor deles não muda.

Você pode tornar-se inimigo dos pró-prios deuses, e então voltar para eles;

o amor deles não muda.Vá para onde você for, fique por quanto

tempo desejar e então volte para eles; o amor deles não muda.Abuse de outras pessoas, abuse de si mesmo; abusedeles e então volte para eles; o amor deles não muda.

Eles nunca vão criticar vocês. Eles nunca vão minimizar você;Eles nunca falharão com você; porque para eles

você é tudo e eles são nada.Eles nunca vão decepcionar você. Eles nun-

ca vão ridiculizar você;eles nunca vão falhar com você. Porque para eles,você é da mesma natureza que o Deus e a Deusa,

para ser servido, e eles, são seus servos.Não importa o que te aconteça, não importa o que você se torne,

Eles sempre esperarão por você. Eles conhecem você;Eles servem você; eles amam vocês.

O amor deles por você, neste mundo sempre emmutação, não muda.

O amor deles, amado, não muda.

Poema de Lady Olwen BUCKLAND, Raymond. “O Livro Completo da Bruxaria do Buckland’. Ed. Gaia, pg.83.

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Embora nós sejamos como todas as pes-soas, nem todas tendem a ser como nós.

A vida Sacerdotal é muita complexa, en-volvente e para poucos. Não pretendo fa-lar da iniciação em si, mas sobre momentos em meus percursos na Tradição Gardne-riana, onde a sabedoria e o amor são exa-tamente o final de toda a jornada. Portanto muitos não entendem o sacerdócio e suas responsabilidades diante do caminho, por-que vivem cegos perante o mundo, ego-cêntricos demais para enxergar no outro a plenitude do verdadeiro amor. A Wica é a arte dos sábios, não queremos ser melho-res e maiores que a humanidade, mas te-mos que ser por excelência melhores em nós mesmos e para aqueles que amamos.

O treinamento de uma Alta Sacerdotisa inclui exatamente o desapego e a entre-ga absoluta ao mistério da vida. Não há negociações nesta jornada. Então, muitas pessoas perguntam: ‘o que existe neste ca-minho?’ E eu respondo: ‘Amor e Morte’.

Quando fiz um texto sobre o amor, mui-tos responderam-me falando como era bonito a vida sacerdotal, contudo, quan-

tas destas pessoas tiveram a verdadeira coragem de se entregar para aquilo que consideravam ser belo e virtuoso?! Como todos sabem, a Alta sacerdotisa não nas-ce completa e formada, desenvolvemos o despertar em nosso interior, daquilo que os nossos chamam de poder pessoal, en-tretanto, sob um foco específico no ofício dos Wica, ou, em nossa corrente negra, ou, a corrente da Deusa, onde G. Gardner notifica que:

Deve-se entender com clareza que nem todas as mulheres são consideradas re-presentantes da Deusa. Apenas aquelas que são reconhecidamente jovens, ado-ráveis, carinhosas, generosas, maternais e afáveis. Enfim, as que possuem todas essas qualidades, que podem ser resumi-das em uma única palavra: “doçura”. Elas devem ser ideais para o homem; de for-ma que sejam merecedoras de receber o espírito da Deusa quando invocado.

E, ele continua:

... Ela deve ser firme, fiel e calma, caso contrário ela não estará apta para rece-ber a Deusa. Se ela for mal-humorada,

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egoísta e mesquinha, certamente nunca receberá essa bênção divina. A Nossa Se-nhora da Bruxaria tem um elevado ide-al adiante; ela deve ser entusiasmada e gentil e ser sempre a mesma pessoa. De qualquer forma, elas sempre receberão a honra e o respeito que as bruxas dedicam a todas as mulheres, mas para receber as mais elevadas honrarias, ela deve ser merecedora.

‘O Significado da Bruxaria’ - Gerald Gardner, p.127

Então temos a certeza que para ser-mos o exemplo para os nossos iniciados e dedicados temos que nos comprometer a sermos tudo isso. Em outras palavras: virtuosos.

Quantas vezes nos deparamos com situa-ções que testam o nosso comprometimen-to. Quantas vezes acordamos de madru-gada com um telefonema de um membro do nosso grupo com alguma dificuldade, e temos de saber conduzí-lo. Quantas vezes estamos abertos a auxiliar, a ouvir, a rir, a chorar, a chamar a atenção daqueles que pelo convívio aprendemos a amar. Quan-tas vezes, muitos vão embora sem ao me-nos agradecer pela atenção recebida, não um, mas, dezenas de vezes, às vezes por anos à fio.

Vários acreditam que somos apenas amigos, e que temos em comum apenas a mesma fé. Mas, não somos amigos! Somos sacerdotes. E como sacerdotes não nos apegamos somente aos valo-res humanos, estamos aqui le-vando aquilo que acreditamos ser sagrado, tecendo um caminho que os velhos de clã fiaram.

Não estamos aqui para irmos à festinhas, boates ou a barzinho da esquina. Não es-tamos aqui para sermos psicólogos, ana-listas e ou psiquiatras, muito menos para

sermos mágicos de circo, tirando coelhos da cartola em nossos Sabás. Não estamos aqui brincando de faz-de-conta, tão pou-co de RPG. Nosso tempo é precioso, um prêmio por nossas antigas promessas, pois acreditamos que reencarnamos perto das pessoas que amamos, para continuarmos um trabalho que não é apenas sagrado, mas, Divino.

A vida de uma Alta Sacerdotisa ainda re-presenta aquilo que é mais sublime e mais sutil: a ligação entre o mundo dos homens e dos Deuses. Ela representa o mistério feminino, o poder de sedução, a consor-te do Deus de Chifres, a que desperta o

desejo no coração do homem. Neste momento, não somos casadas, nem namoradas de ninguém, somos a par-ceira divina. E ainda representamos a força da magia, o poder místico, a noite, a lua, a soberania. Em nossos

treinamentos, aprendemos a governar en-tre os mundos, a sublimar a natureza, a en-xergar além da noite, a viver em virtudes, a ser simples, humilde, generosa, a ser plena.

Aprendemos a acompanhar os ciclos da vida e da morte, a morrer quando é pre-

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não somos amigos! Somos sacerdotes.

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ciso, a gerar quando é necessário e a amar eternamente. Somos aquilo que os nossos ancestrais acreditavam. Somos respon-sáveis pelas colheitas, pelas marés, pela magia. Somos aquelas que mantêm viva a Arte.

A profundidade do treinamento de uma Alta Sacerdotisa inclui a firmeza de cará-ter e a serenidade impassível, a força da palavra, a certeza da decisão, a fidelidade a Arte. Somos aquelas que transmitem a tradição rigorosamente em nossos sabás e esbás, que permite a continuidade de nos-sa história. Somos aquelas que se preocu-pam com a evolução espiritual do outro, e que faz o que for preciso para que a Arte sobreviva. Estamos aqui para aprender e para evoluir, de sermos dignas do poder emprestado de nossa divindade.

Altas Sacerdotisas Gardnerianas que fizeram e ainda fazem a nossa história reviver:

Lady Olwen – Última das Sacertodi-tas de Gardner, herdeira do museu, Rai-nha Bruxa responsável pela iniciação de grande parte dos gardnerianos da atua-lidade, inclusive da linhagem de nossos covens. Mulher com grande firmeza, acreditava firmemente que seu poder era emprestado pelos deuses e o usou de forma íntegra e responsável durante a sua vida.

Anne Tyler – Alta Sacertotisa respon-sável pela iniciação de meu Alto Sacer-dote, Mário Martinez, e segundo suas palavras era uma pessoa muito especial, muito firme e muito sábia.

Lady Cibele - Alta Sacerdotisa do Co-ven do Caldeirão de Cerridween e Rai-nha Bruxa responsável por ceder todo o seu amor incondicional e pelos belos momentos de pura sabedoria para a mi-nha formação.

E de outras linhagens: Patricia Cro-wther, Louis Bourne, Doreen Valiente, Rae Bone, Dafo e entre todas as outras que contribuiram e contribuem com seus exemplos.

QUADRO: A DAMA DE SHALOTTJOHN WATERHOUSE (1888)

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a deusa, o deus e a iniciaçãopor Mario Martinez

A humanidade é muito esquecida. Ainda mais, quando lhe é oferecido algum con-forto em detrimento do que é penoso. O termo iniciação, atualmente, tornou-se perturbador, uma vez que perdeu todo o seu significado verdadeiro, para assumir uma feição grotesca e populista. Perdeu--se, portanto, a chave ancestral, o caminho necessário para promover o que é preciso, ou seja, a transformação radical do eu in-terior, sua morte e renascimento. Os mo-dernos buscadores estão muito satisfeitos em deitarem-se num berço confortável, no qual não existe a premissa do sacrifício.

Ao observarmos o mundo que nos cerca, e a tão proclamada Natureza metamorfo-seada numa Deusa florida e benevolente, podemos ver, desde que estejamos enga-jados num verdadeiro processo iniciático, que iniciação baseia-se na real destruição e aniquilação daquilo que é superficial em

nós mesmos, na morte do ego como ele-mento filtrador da percepção, da própria vida e morte. Esse é um dos sagrados e secretos significados da Roda do Ano, atu-almente totalmente incompreendida pelos neo-pagãos.

Vida e morte pressupõem crescimento e declínio, expansão e recolhimento, e nosso renascimento precisa se sobrepor a tudo o que acreditamos ser importante na nossa vida leiga: educação, família, vida social e religiosa, tudo que termina por criar uma máscara, ou melhor, um casulo que nos fecha da realidade, construindo um modo de ser padronizado e robótico. Atualmen-te, a Deusa tornou-se esse casulo, quando ao contrário, deveria ser a coadjuvante no processo de destruição das ilusões e das trevas. Talvez isso deveu-se principalmen-te à mentalidade puritana dos anos 50/60, quando a Wicca surgiu no cenário mundial, e que teima em continuar oprimindo in-conscientemente o pensamento ocidental.

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A Deusa tinha tudo para representar o desejo humano de equilíbrio com a Natu-reza, embora dissociada do Deus de Chi-fres essa visão seja completamente irreal. O Deus de Chifres foi sendo paulatina-mente descartado pelo puritanismo, cul-minando hoje em dia na figura de um ser assexuado e até mesmo andrógino, mas totalmente inoperante quando sabemos que é ele quem opera a transformação ra-dical dentro da sua natureza selvagem (e da nossa). O equilíbrio buscado acabou sendo perdido e hoje assistimos a uma Wicca banalizada por crianças e adultos pudicos e castos à moda cristã. Trata-se do resul-tado da entrada de centenas de pessoas no paganismo e na Wicca, completamen-te despreparadas, incentivadas pela leitura de autores populares e sedentos de lucros materiais. Entretanto, é o Deus de Chifres o responsável pelo renascimento, pela res-surreição do espírito e sem ele o que te-remos não passará de uma prática vazia e sem sentido.

Tornou-se inacreditável que os manu-ais modernos de Wicca, mais parecendo com livretos de auto-ajuda, declarem que basta a leitura dessa literatura medíocre para encontrar-se a verdadeira sabedoria e tornar-se um iniciado. Isso levou alguns autores e acadêmicos, como Ronald Hut-tos, a crerem que esse raso e puritano paganismo fosse mesmo uma invenção de românticos modernos.

Mas aonde está a sabedoria ancestral, aonde se oculta a chave que permite a en-trada nos portais que foram abertos para nossos ancestrais? Nessa Wicca moderna e teatral, repetitiva e veiculada por Cun-ningham, Farrar, Buckland e outros? Difi-cilmente. Mesmo porque nenhuma inicia-ção poderá jamais ser minimizada até um extrato comercial e racional padronizado. Os wiccans modernos, ao transgredirem as normas e preceitos interiores, logra-ram perder o contato com as verdadei-ras raízes tradicionais. Aliás, eles mesmos se denominam de ‘primos pobres’, e com

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toda razão. A sabedoria ancestral está em se operar uma verdadeira transformação radical interior. E para isso, o mundo ex-terior com seus apelos não é o caminho. Transformação exige o que próprio nome diz - mudanças; mudança radical no modo de vida, mudança total nas nossas relações com o mundo, um rompimento definitivo com o ego. E é exatamente isso que não vemos em nenhum dos líderes modernos da neo-Wicca, deturpada em todos os seus fundamentos.

O que a Wicca ensinava - e ain-da ensina - nos meios iniciáticos tradicionais, é o que podemos chamar de “via da mão esquerda”, que começou a ser destruída tão logo o próprio Deus de Chifres foi descartado como imoral, sel-vagem e arcaico, em detrimento de um co-lorido culto ecológico e de fácil aquisição pela massa. Entretanto, na minha visão de tudo isso, foi até bom que isso aconteces-se. Mesmo porque essa massa de interes-sados não poderia nunca aceitar os pre-ceitos verdadeiros da Arte, uma vez que

está condicionada pelo moralismo judaico--cristã o, e isso é um problema sem volta. Num contexto em que a própria nudez é descartada por tal massificação, soterrada e condicionada, oculta na psique e no es-pírito, percebemos que nenhuma transfor-mação real poderá se processar entre o vulgo. Até porque é no sexo e na morte que a nudez se mostra como elemento de transformação da consciência.

Eu tenho medo do termo empregado atualmente pelos neo-pagãos, ao definirem tudo isso como uma espécie de panteísmo. Isso não é bruxaria, e muito menos Wic-ca. Tal panteísmo moderno, saboreado e consumido pela classe média e empurrado garganta abaixo dessa gente pelos livrecos de auto-ajuda pseudo wiccans - temos hoje em dia até a Wicca Reiki - é desalentador para nós iniciados. Isso não traz nenhuma contribuição consistente para o cenário pagão atual. Ao contrário, afasta as pessoas diametralmente do objetivo iniciático, que é promover uma metamorfose profunda em nosso interior. Gostaria de saber onde está o necessário renascimento, veículo de um crescimento espiritual? Renascimento não pode acontecer ou existir dentro des-se casulo engessado e inventado pela Wic-ca New Age pública e superficial.

Quando tocamos em determina-dos assuntos, mesmo pelas bordas, uma vez que não podemos trair nos-so compromisso iniciático e nossos juramentos, verificamos uma com-pleta falta de conhecimento a res-peito dos fundamentos da religião e dos mistérios. Então, para dar uma

cara de algo consistente, percebemos que essa Wicca new age se mascara sob uma capa de coisa antiga, de uma Antiga Reli-gião revivida nas praças públicas, sempre na total contra-mão do que seja qualquer processo de despertar espiritual. Aonde se encontra a profundidade necessária para

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promover o despertar espiritual, a saída das trevas para a luz?

O agente dessa transformação interior, sempre foi e sempre será o Deus de Chi-fres. Devido ao pudor moderno, o Corní-fero e seus fundamentos não conseguiram preservar a chave sagrada iniciática. Ele é perturbador em essência porque nos joga sem piedade de encontro à nossa natureza primitiva e animal. Mas sem ele, não existe nenhuma iniciação, não existe transforma-ção alguma. Desse modo, Wicca tornou--se um passatempo de ociosos, uma fuga do tédio cotidiano, uma brincadeira infan-til. Ninguém mais sabe o que é realmente o Sabá, e quando se lê alguma coisa nos registros da Inquisição, se descartam tan-to a excitação sexual quanto a liberação da mesma para promover uma libertação anterior como abominações geradas pela ignorância. Acredito mesmo ser quase im-possível reverter tal situação, calcada no moderno hedonismo consumista que em-botou a inteligência de modo irreversível.

Uma reflexão urgente se impõe. Falta humildade na aceitação de que qualquer tipo de movimento de massa não é religio-so. E isso pode ser provado pelo fracasso das religiões de massa ortodoxas. Querer transformar a Wicca num espelho de tais religiões, é levá-la ao fracasso e ao mesmo poço.

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o sacrifíciopor Baco Liber

Palavras possuem significados diversos. Elas nos atraem por suas colocações, ex-pressões e significados. Despertam ques-tões que muitas vezes se mantém vivas, contudo, adormecidas em nosso entendi-mento mais profundo, em nossas sabedo-rias ancestrais. Destes, nossos antigos já sabiam, que uma grande soma das forças mágicas lançadas em feitiços, sempre foi oriunda da expressão vocalizada, ou dos chamados encantamentos.

Como meus antigos mestres me diziam: ‘palavras tem poder, e, sua vontade é quem lhes dá este poder, que lhes confere sen-tido e significado’. Esta carga impregna o feito mágico oral, cria neste um veículo em potencial para a efetivação deste feito má-gico. Não diferente, um significado detur-pado pode impregnar o sentido de seu uso. ‘Sacrifício’, quando ouvido, nos remonta a um instante solene, o da mani-pulação do verdadeiro significado desta palavra, para a política de uma nova religião que necessitava de difusão em sua empreitada sob terras frescas.

Na antiguidade pagã a doação verdadei-ra, em espontaneidade pura, se igualava ao maior ato de amor para com algo. O

entendimento dos povos caçadores-co-letores diante do mundo era respondido pela crença no mito, e, diante disto, as di-vindades possuíam para os mesmos o lugar primário em status e significância. Ofere-cer aos mesmos era agradecer por suas dádivas em reciprocidade. Culturalmente, e, sob um contexto pré-cristão, a afirma-ção das adorações era acometida pelo uso integral do sacrifício, ou do ‘sacro-ofício’. Aludindo através deste o presenteio pelo presenteio, como em um aniversário, con-duzido como uma troca, que em suma pode ser observada sob todas as trocas que nos cerca, este era o verdadeiro senti-do desta palavra, elucidando o límpido ato de oferta.

Doação é seu o significado, e para enten-der o mesmo, deve-se entender o verda-deiro desejo do querer, que só existe quan-do é permeado pelo Amor. Sob o Amor, o mesmo se torna sagrado em sua essência, pois diferente disto, o propósito não al-cança o ato, e, o seu significado se perde. Doação é troca, presenteio. Na comida se doa e se troca; ao respirar se troca, ao ir em direção ao desejado existe a doação; no sexo; no trabalho; nas escolhas, ou, em tudo, tudo existe o Sacrifício. Escolhas são feitas a todo instante, e, sob as mesmas, algo é sacrificado. Quando decidimos por algo, outro se perde. Não diferente do ci-tado acima, trocar o tempo que se tem para algo, por outro, é exemplo desta cei-fa, outra mostra de um sacrifício.

O Medo mora na ignorância e no desconhecido. Quando não conhece-mos algo não o controlamos, não o possuímos pela visão torpe de nosso ego, e, logo, o evitamos e tememos. Existem mistérios maiores dos quais

não podemos dominá-los em sua essên-cia, mas, apenas aceita-los. Os Mistérios Sombrios, como os ligados à Morte, nos confrontam em contraponto àquilo que

Doação é seu o significado

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conhecemos neste plano material, a Vida. O sentido maior no sacrifício, quando aco-metido pelo temor da morte de algo, é esta troca, ou, a permissividade da morte pela vida, antônimos que se complemen-tam, como a dualidade das grandes divin-dades na Arte.

O Sacrifício tomou proporções diversi-ficadas pelo desenvolvimento da humani-dade e do conceito de civilização no oci-dente, permeando-se em aspectos que decorreram pautados sob a conduta de um mundo cristianizado, donde, bem e mal, vigoravam como pontos religiosos de uma visão única de mundo. Bem e mal ritmando pecados e beneficies, manipulando pensamentos e ações para o alcance de uma liberdade irreal. Aqui, firmou-se o pensamento: “O que não é do nosso pensamento, é infame e herege e, deve ser condenado”. Neste mo-mento antigos deuses se tornaram novos demônios, e, o pensamento vigente mani-pulado pela eclesiástica cristã tencionou o ato do Sacrifício como assassinato.

Na Idade Média, os feiticeiros eram adoradores do Diabo. Mas não se tratava aí, do Satã das Escrituras, do Lúcifer ex-pulso do paraíso. O inimigo medieval do

Deus cristão tem chifres e pés bifurcados: é o antigo deus celta. A bruxaria da Fran-ça medieval, e até o século XVII, apre-senta, portanto duas formas distintas: a vontade deliberada do sacrilégio para com a religião nova e oficial e a perma-nência desesperada da religião antiga e “derrotada”. Ora, a mesma confusão não existe na Inglaterra, pelo menos semanti-camente: sorcerer e sorcery estão ligados a mesma origem latina e significam o sa-crilégio voluntário, as missas negras e as trevas do cristianismo.

‘O Deus Chifrudo Ressurge na Inglaterra’ - George Langelaan

Fonte: Revista PLANETA – Junho 1973, n°10.

Lembremo-nos, em exemplo de contra-censos, que no chamado ‘Êxodo’, descrito no início de antigos testamentos cristãos, existia a evidência do desejo de um deus que ordenava a imolação de cordeiros, e a sequente pintura com o sangue do mes-mo nas portas de todo aquele que quisesse manter vivos os primogênitos de famílias escravas no Antigo Egito. Morais hipócri-tas?! Ou senso político?!

Teses observadas pelas pes-quisas das ciências humanas, em principal as da antropolo-gia, descrevem substituições do objeto sacrificial à partir da evolução da humanidade, onde, o humano, como objeto primá-rio em culturas tribais antigas, como a Asteca, a Celta e a Gre-

ga, foi lentamente substituído por animais, à medida em que a própria pecuária se desenvolvia. A figura do sacrifício religio-so animal em culturas ancestrais como as africanas focalizam com primazia esta pas-sagem, enquanto, as religiões mais novas introduziram em seus ritos a presença de simulacros como o pão e o vinho para cor-responderem à dádiva sacrificial do sangue e da carne.

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sacrifício religioso

animal em culturas

ancestrais

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Ritos e afins eram realizados em uma antiga sociedade, firmada por sua he-rança cultural, sob a orientação da troca com o divino para obter a abundância em sua subsistência. Os Celtas realizavam nos períodos da primeira colheita ou em Lammas, o ritual do conhecido atualmen-te por ‘o Homem de palha’, como oferta e oferenda às Divindades da Terra e do Céu. Culturas e religiões mais primitivas produziram um desenvolvimento em rela-ção à oferta, ou ao sacrifício, lançando à frente os animais, em lugar dos sacrifícios humanos, assim por sua vez, as religiões de cunho moderno, suprimiram a oferta animal, pela oferenda vegetal, substituin-do, sangue e carne, por sangria e massa vegetal.

‘Notas sobre Lammas’– Baco Liber

Para os Wica o Sacrifício interpreta o Mito Maior do Senhor sacrificado na co-lheita, representado posteriormente pelo chamado Bode Expiatório, visto na antiga bruxaria como o Crânio animal posto na Estaca em dada fase de nossa Roda Anual. Como há algum tempo já havia postado:

Com exceção do uso do Crânio humano como forma de ‘retorno’ e contato com os antigos de nosso Clã, assim como a clara demonstração deste como sendo um veí-culo para alguns de nossos Mistérios, não podemos nos esquecer do uso de alguns Crânios animais que são largamente utili-zados em nosso ofício. Uma herança que pensamos ter sido possivelmente adqui-rida pela Wica Gardneriana através das práticas e influências nórdicas e escandi-navas. Onde alguns destes eram postos em estacas como meio de amaldiçoar pessoas e propriedades, assim, como para neutralizar energias negativas e sor-tilégios direcionados aos mesmos.

‘Notas sobre Lammas’ – Baco Liber

O Sacrifício realizado pelo Senhor de Chifres na teologia Wicana é observado em diversos rituais, é assim representado por objetos específicos nos cultos, como Martinez bem exemplifica:

Nos ritos de 2º grau é essa a posição adotada pelo Deus em seu aspecto de Se-nhor do Submundo e o crânio com os os-sos cruzados estarão sobre o altar. Talvez esse costume de usar o crânio como re-presentação divina nos tenha sido legado desde a Época Paleolítica. Durante esse período da História, nossos antepassados costumavam pintar ossos com ocre ver-melho. Muitos crânios foram descobertos com pigmentos dessa cor. Seguidores dos caminhos tradicionais saberão que nesses casos, os caminhos misteriosos se con-fundiam, e Mistérios da Transformação e Mistérios do Sangue caminhavam juntos.

E ele consolida:

Ossos pintados de ocre vermelho estão magicamente relacionados com a res-surreição, com o sangue e com a vida. Na Wica tais simbolismos se sobrepõem aos da imutabilidade, da rigidez e da so-lidez. É interessante como o crânio pode assumir significados aparentemente an-tagônicos, dependendo da natureza dos mistérios. Assim, temos a fluidez, a vida e o renascimento por um lado, e por ou-tro lado temos a estagnação, a morte e a imutabilidade.

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Logo sabemos que o Sacrifício do Velho Cornudo, está relacionado aos Mistérios da Transformação, e logo, aos próprios Mistérios Agrícolas, com a germinação da semente e a posterior reencar-nação. Os Mistérios do Sangue assim como os Sexuais também partilham desta senda, onde não se pode haver nem vida e nem re-torno sem que se passe por ambos. Aqui mantenho uma rápida notificação do tema com um pequeno texto de Martinez que descreve a transformação vivenciada e re-presentada pelo Chifrudo como Deus Ce-real Sacrificado:

Esses Mistérios na bruxaria compreen-dem os antigos cultos aos mortos, com os respectivos ritos do crânio; os ritos do caldeirão; os antigos Mistérios Agrícolas li-gados aos ritos da fermentação, também ligados ao culto da Morte.

Os Mistérios da Transformação estão associados ao mundo subterrâneo, aos mitos da germinação e da posterior pas-sagem da alma para o reino da morte. Os Mistérios Agrícolas marcam o ciclo sa-grado da Roda do Ano e estão ligados de perto aos Mistérios do Sangue e do Sexo. Sua origem é incerta, mas, podemos intuir que surgiram junto com o aparecimento da agricultura. A representação mais co-mum do Mistério é a do Deus Cereal sa-crificado, que é transformado em pão e comido no Sabá. Esse rito foi usurpado pelo cristianismo posteriormente, mas to-talmente deturpado em sua essência.

Os ritos dos Mistérios da Transforma-ção nos conscientizam do eterno ciclo de vida, morte e renascimento, e o sacrifício do deus cereal é uma troca na qual o que existe de melhor é devolvido ao útero da Mãe, o que proporcionará um retorno das qualidades oferecidas para benefício da comunidade.

‘Mistérios da Transformação’ - M. Martinez

Em uma nota final, decidi introduzir aqui um texto meu sobre um instrumento que sempre me traz grandes reflexões sobre este tema, e, me fazendo recordar sobre

as diversas estórias dos Wica, onde, diante das perseguições entregamo-nos ao sacrifício não só da fala para não delatarmos companheiro de clã em perigo

mortal, mas, de nós mesmos, lançando--nos na pira ardente para manter viva nos-sa crença na Arte dos Sábios. Diante des-tas memórias e meditações recobro-me deste instrumento peculiar, o Açoite. E, a partir deste interiorizo sua imagem como o absoluto sacrifício, o sacrifício por aquilo que amamos. E assim consolido:

Ele concretiza em nós o que não pode-ria ser afirmado como uma moral conven-cional, por que em todo rito ao receber-mos a flagelação, nos ajoelhando perante o altar, às deidades e aos nossos compa-nheiros de congregação, estamos sendo, além de apenas purificados, nós mesmos! Deste modo, o açoite está além das con-venções humanas, e seu ofício nos conec-ta à face de nossas próprias sombras, do qual nós irremediavelmente sempre ten-tamos escapar. Logo ele nos permite, des-ta forma, assumimos por completo nossa verdadeira personalidade mágica, com o nosso ‘eu’ mundano morrendo simbolica-mente sob a repetitiva flagelação do Açoi-te da Morte. Pode-se assim haver neste tipo de comparação, alguma espécie de “sacrifício” (de nosso ego, ou das preo-cupações de nossa mente consciente), ou a entrega daquilo que pode com certeza acarretar dor. Se assim o for, este sem-pre servirá para nos mostrar o verdadeiro aprendizado nas Tradições Misteriosas, em que a vida na qual fazemos parte, não é apenas uma flor bela e cheirosa, e, se a olharmos mais abaixo veremos que ao pega-la estamos em consequência nos espetando em seus longos espinhos.

o Sacrifício do Velho Cornudo

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lammaspor Lorenna Escobar

Ele resume em si mesmo a união que deve ser mantida entre a humanidade e a Natureza. Ele é o próprio símbolo da esperança: afirma que a sabedoria do ho-mem pode se aliar às forças instintivas e emocionais da Natureza.

Willian Anderson

Um feriado para celebrar o início da colheita, o primeiro pão feito com o trigo novo. Para dar graças pelo que foi dado e antecipar a abundância ainda por vir. Um alívio a partir do trabalho duro. Os dias são longos e cada hora de Luz é preciosa. O campo seria ocupado do alvorecer ao crepúsculo, ceifar o feno, debulhar o trigo, decepar a cana, colher o milho, afagar a terra e se lambu-zar de mel. Os Wicas ainda guardam essa grande festa em meio as suas tradições.

O Festival de Lugh, o Deus do Fogo, também conhecido como Lughnasadh, ou Lammas, período da primeira colheita do ano para os povos pagãos. Como tantas outras datas importantes para os pagãos que foram cristianizados, esse período é conhecido como a benção de novos fru-tos ou a multiplicação dos Pães na religião cristã.

Na Wica, lammas é o momento da par-tilha dos frutos que foram outrora “plan-tados”, é um dos Sabás cuja simbologia é universalmente infinita, mostra de forma subliminar os ciclos da vida e da morte e a importância do sacrifício. Este festival está intimamente ligado ao culto do Deus de Chifres como senhor da Morte, como estágio temporário de recolhimento e de mudanças.

Este rito está ligado aos mistérios agríco-las, representado no ciclo da Roda do Ano como um momento em que começamos a perceber e a “colher” os frutos de tudo o que foi “plantado”, reconhecemos as “er-vas daninhas”, o início e preparação para a introspecção e o desenvolvimento.

Os Celtas durante o período da primeira colheita ofereciam um “Homem de palha” que era disposto como oferenda e onde se ateava fogo como representação do sacri-fício para que as “colheitas” desse período

fossem boas, fazendo um alelo ao poder de transformação da morte e do Fogo. Comunidades primárias exigiam sacrifícios de vidas huma-nas, corrompendo, talvez, todo o significado do ritual, o que ocorre geralmente por tentativas racionais da compreensão dos mitos. E en-

tão cada sociedade fazia a composição de seus ritos, elaborando variações de cada época.

A origem desse festival é incerta, nossos

sacrifício para que as “colheitas” fossem boas

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antepassados acreditavam que podiam li-bertar a essência da força vital do Deus, comumente conhecido como a morte do Rei Sagrado ou Rei Sacrificado, e liberta-vam o sagrado espírito interior e através da distribuição de sua carne e de seu san-gue, uniam-se a terra e o paraíso, reno-vando todo o Reino. É evidente que muito desses mistérios são reservados aos Altos Sacerdotes, o Clero da religião Wicana, contudo posso dizer que grande parte dos Mistérios da Transformação, do Sangue e do Sexo estão intrinsecamente ligados. Esses mistérios estão associados ao que chamamos de submundo, aos antigos mi-tos agrícolas da germinação, a passagem da alma para o reino da morte.

Os símbolos são mais reais que aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado.

Lévi-Strauss

A representação mais comum no pa-ganismo é a do Deus Cereal sacrificado, que é transformado em pão e comido no Sabá de Lammas. Muitas comunidades an-cestrais acreditavam que o touro, símbolo de força e fertilidade (O Deus), sacrificado em forma de ritual, podia estabelecer uma relação com os Deuses, contudo pode-se observar que os grandes animais eram pre-ferenciais para esse tipo de cerimônia, mas também o bode, o cervo e o carneiro fa-zem um alelo às práticas mais tradicionais que envolvem o ato do sacrifício, e todos estes possuem intrínsecas ligações com o Deus de Chifres.

O sacrifício do Deus, por vias dos mis-térios da Arte, está submetido à morte e ressurreição, a Deusa garante seu renasci-mento, pois ela é a Mãe universal. Algumas vezes essa união é mencionada no mito de Lugh como casamento sacrificial.

Em meio as espigas e a cevadaEu nunca vou esquecer aquela noite feliz Soube que o seu coração era todo meu

Amei-a verdadeiramente Beijei-a e beijei-a de novo Entre os cumes de cevada

Brincando sobre Esse estreito E fazendo lã Para mim

Foi na noite da primeira colheita Quando as espigas de mi-

lho estavam bonitas Sob a luz serena da lua, num céu sem nuvens

Tive um momento com AnnieO tempo voou, com descuidada atenção

Até que, entre a escuridão e a madrugadaCom persuasão pequena ela concordou

Para ver-me através da cevada.

Robert Burns

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instrumentos do ofício

por Artemis Absintoe Calliope Berkanna

A FACA DE CABO NEGRODe punhal a Athame

Um Athame é um instrumento BTW es-pecífico para a Iniciação. Ele é consagra-do e o poder é passado para ele no ato da Iniciação. De outra forma, ele é uma faca comum.

M. Martinez

Os Instrumentos do Ofício são objetos de poder utilizados durante os rituais e manuseados pelos Iniciados, dotados de simbolismos que auxiliam nos trabalhos mágicos realizados dentro do Círculo. To-dos os Instrumentos devem ser reais, no caso do Athame e da Espada, devem ser armas de verdade. Tais lâminas devem ser

forjadas em ferro ou aço e possuir cor-te e fio duplo, pois são armas de defesa e ataque. Depois de consagradas essas armas tornam apropriadas para operar a magia, capazes de afetar outros planos de realidade.

Ao se utilizar quaisquer Instrumentos para o Ofício deve-se ter em mente o va-lor da sua importância e o poder que os mesmos contêm. Quando devidamente consagrados, tais Instrumentos adquirem uma magnitude de poder e, quando ma-nuseados corretamente por um membro do Coven introduzido nos Mistérios, con-duzem tal poder e auxiliam nos trabalhos mágicos.

O cuidado e o manuseio dos Instrumen-tos são muito importantes, e o uso cons-ciente dos Instrumentos cortantes é um ponto que merece uma análise ainda mais

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profunda. Para estar dentro de um Círculo Mágico é necessário ser responsável o su-ficiente para portar uma arma afiada, caso contrário, a pessoa poderá estar no lugar errado e acabar gerando algum ferimento em um dos integrantes do Círculo. Em um Rito é preciso ter toda atenção, concen-tração e alerta, e muito treinamento e de-dicação são exigidos para atingir este grau necessário. Todo o cuidado deve ser toma-do para não ferir alguém.

A faca de cabo negro da Arte é o Athame, um instrumento religioso do Ofício Wicano utilizada durante os rituais para consagração, invoca-ção e banimento. Possui duplo gume e é uma arma mágica poderosa ca-paz de atuar sobre energias dos pla-nos superiores.

A faca de cabo preto que é a arma tra-dicional das bruxas chama-se Athame. Ela é usada para lançar e atrair o círculo mágico e para controlar e banir espíritos.

‘Enciclopédia da Bruxaria’ - Doreen Valiente

O Athame tem o poder da discrimina-ção, de delimitação, da ação calculada, de traçar linhas, fazer escolhas e executá-las rapidamente. Através de seu uso podemos sentir o poder da nossa inteligência, sa-bedoria e coragem moral. Concede força para agir segundo o que cremos ser corre-to, mostra o poder de nossa mente para influenciar e também a da responsabilidade para não usar tal poder de forma leviana.

Com o Athame nas mãos somos levados a lembrar do caminho que escolhemos percorrer e do qual não desviamos, apesar das dificuldades. É a arma mágica da Bru-xa, usada para lançar o círculo e subjugar e controlar os Elementos.

Há três ferramentas de trabalho que são essenciais e nada pode ser feito sem elas; ou seja, algo para cortar e apunhalar, algo com que bater e algo para amarrar.

‘A Bruxaria Hoje’ - Gerald Gardner, p. 111

Está relacionado ao quadrante Leste, o portal por onde a luz do Sol nascente entra no mundo to-das as manhãs, o Quarto em que todos os trabalhos começam, a Primavera que traz consigo a luz que não se via no Inverno. De

acordo com Gilberto Lascariz “ele é o se-parador entre as trevas do Inverno abaixo do círculo, no quadrante Terra, e a luz do elemento Ar acima, que ele anuncia dian-te de si cortando os dois mundos como o pensamento recorta, na substância inerte das sensações, os conceitos e ideias com que ilumina o mundo.”

A Espada e o Athame são muito seme-lhantes, não apenas em suas relações, mas em seus usos e poderes. Tanto que alguns ocultistas costumam se referir ao Athame como a “Espada da Razão”. Talvez essa re-lação tenha surgido na Idade Média, quan-do nem todos poderiam possuir uma es-pada, comum apenas entre o Clero ou a Nobreza. Para não levantar suspeitas, um camponês podia ter um Instrumento mági-co que se mesclasse aos utensílios domés-ticos, como um punhal.

O metal característico para a sua confec-ção é o ferro, mas atualmente são forjados em aço inox ou carbono. O ferro possui o magnetismo como propriedade, assim é visto como um ótimo acumulador de

ele é o separador entre as trevas

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energias vitais. Esse metal era considera-do um presente dos Deuses, pois “caía do céu” através dos meteoros. Dessa forma é tido como um elemento de ligação entre os Planos, entre o mundo dos homens e o reino dos Deuses. Ao utilizar instrumen-tos de ferro, a Bruxa realiza essa ligação entre os Planos, abrindo um portal de co-municação. Por isso é possível traçar um Círculo com o Athame. Podemos refletir melhor sobre isso através das palavras do Alto Sacerdote Mario Martinez:

Lançar um Círculo é recriar a ordem no caos, encontrando o ponto central onde se cruzam todas as direções. É por isso que um Círculo lançado está ‘entre mun-dos’, já que é lançado em volta do ‘eixo do mundo’ e assim se conecta com os Reinos inferiores e superiores.

Não apenas as lâminas dos Instrumentos são forjadas em ferro, mas outros instru-mentos também são feitos com esse metal devido às suas propriedades impressionan-tes. No caso do Athame, o ferro é utiliza-do por ter a capacidade de afetar os planos mais sutis de alguma forma. O formato da lâmina direciona não apenas o fluxo ele-tromagnético, mas o fluxo do pensamento do Iniciado.

Se observarmos essas relações, compre-endemos que é necessária uma grande ha-bilidade para manejar esta arma e principal-mente inteligência para usá-la sabiamente, com responsabilidade e precisão. É preciso estudar e praticar muito para estabelecer o espaço sagrado no qual os Deuses se-rão recebidos. Sendo o Athame um Ins-trumento específico da Tradição (pois há relatos de facas de cabo preto em outras tradições de bruxaria, mas apenas na BTW ela é chamada Athame), apenas um Inicia-do em um rito tradicional, por um HP ou uma HPS investidos, o possui, fora isso sua

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faca de cabo preto será apenas um punhal.

Mesmo possuindo uma lâmina com cor-te, não se usa o Athame para cortar ou talhar. Como instrumento de projeção de atração da vontade, tem como função es-pecífica apenas cortar “energia”. Talhar e cortar são funções da Faca de Cabo Bran-co. Com ela moldamos e criamos os outros Instrumentos. O cabo do Athame deve ser feito de material natural, como madeira, chifre, osso ou marfim. Como deve ser preto, acredito que osso e marfim não se-jam realmente apropriados, a não ser que estejam escurecidos de alguma forma. Em hipótese alguma ser feito de material sinté-tico ou de cor diferente.

A lâmina também não deve ser feita de outro metal ou material não cortante. Em lojas esotéricas é possível encontrar pu-nhais feitos dos mais diversos materiais, a maioria sem corte e feito de material “não perigoso”. Fazer uso de tais punhais é perigoso por diversos motivos, pois leva o portador a ser descuidado e displicente, não apenas por manter o pensamento de que seu punhal não é capaz de ferir, ocasio-nando um certo desleixo no seu manuseio, mas pela falta de respeito com seu Instru-mento do Ofício, com a Magia. Se não tem respeito o suficiente pelo que um Athame é e representa a ponto de usar uma réplica barata, como ter respeito por essa répli-ca? E como esperar respeito dos outros Planos ao utilizar um punhal que não tem efeito nos planos sutis? Torna-se arriscado fazer invocações e outras atividades mági-cas com um punhal de brinquedo, pois os seres que habitam os planos sutis podem te tratar como uma “Bruxa” de brincadei-ra e começar a brincar também.

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hermetismo

ocultismo

por Brutus Lobão

Old Gardner, no cáp. II do livro O Sig-nificado da Bruxaria (The Meaning of The WitchCraft), diz como os Wicas nos sécu-los passados, em circunstâncias de perse-guição, principalmente, viveram contatos muito próximos com magos, cabalistas, astrólogos e praticantes de cerimoniais mágicos (sendo seu primeiro livro, fictício, Com o Auxílio da Alta Magia [High Magic’s Aid] sugestão rica de como esse intercâm-bio possa ter ocorrido) conectando todos esses ramos de ciências ocultas à astrolo-gia e à Cabala. E diz:

Astrologia foi sempre respeitável; mui-tos homens de Igreja a praticaram, e a lei nunca os chateou. A idéia fundamental da astrologia é consagrada no famoso pre-ceito de Hermes Trimegistus, da Tábua Smaragdine, ‘O que é abaixo é como o que é acima, e aquilo que é acima é como o que é abaixo, para a execução dos mila-gres da substância una.’

Gardner acrescenta, no cáp. II de O Sig-nificado da Bruxaria:

Bruxas são inclinadas a sorrir para ma-gistas eruditos, dizendo que eles nunca poderiam fazer muito sem uma bruxa para ajudá-los...

Por que Gardner diz que a Bruxaria é tão essencial, ao ponto de que o magista eru-dito e armado com os fundamentos anti-

QUADRO: ANCIÃO DOS DIASWILLIAM BLAKE

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gos de Hermes Trimegistos , e toda sorte de ciências, não pode fazer muito sem uma bruxa? Para entendermos o que um assun-to pode ter com relação ao outro, busca-mos as definições das duas partes.

A Tábua Smaragdine é atribuída à Her-mes Trimegistus, significando o Trimegis-tus que este possui as três partes de toda a sabedoria oculta, e que as três são apenas uma “verdade, sem engano, a certeza mais verdadeira”, a Operação do Sol, que une todas as oposições e constitui o destino, afastando toda a escuridão, sendo a força sobre todas as forças, todas as transmuta-ções e o meio pelo qual foi criado o mun-do, que supera todas as sutilezas e penetra toda a solidez. Tendo como pai o sol e mãe a lua, uma semente de fogo viaja nos vapo-res do ar, como um pássaro flamejante, e é cuidado pela terra. Pela Arte o sutil é se-parado do denso, e o fogo pode ascender da terra, de forma que desça novamente renovado, e assim tudo possa ser feito e ocultado no milagre da unidade que tem três aspectos: verdade, livre de engano, a certeza mais verdadeira.

Por sua parte, a Wica Tradicional é uma religião pagã de Transcendência e Misté-rios, iniciatória e sacerdotal, na qual ao longo de 3 graus da Arte o discípulo presta juramentos secretos e é instruído na Tra-dição secreta dos Antigos por ex-perimentação direta e treinamento presencial intenso e severo.

Que ligação pode haver entre uma religião Iniciatória de Mistérios, Wica Tradicional, o culto das bru-xas, e a filosofia da Tábua Smaralgdine que é tomado como base da astrologia, cabala, e artes mágicas cerimoniais, e pela qual as Wicas, segundo Gardner, dizem que um magista culto pouco pode fazer sem uma bruxa? Wicas Tradicionais são Iniciadas nos Mistérios e em comparação com o

hermetismo isso significa que elas concluí-ram a Grande Obra, e que canalizando os Deuses Antigos separam o sutil do denso e reúne-os novamente para a manifestação de todas as maravilhas.

Essa ciência maravilhosa e oculta da uni-dade não é possível de ser passada aos magos, astrólogos, e estudantes do oculto hermetismo pelos livros e tratados. Toda quantidade de relações e símbolos que decorarado não é nada mais que um dis-curso incapaz de adivinhar ou executar os Antigos Mistérios do Amor, da Vida e da Morte, que continuam guardados dos pro-fanos, sendo compartilhado apenas com os Iniciados no Círculo Mágico.

Por isso, quando as Wicas disseram para Gardner que um mago erudito pouco pode sem uma bruxa, elas provavelmente estavam se referindo aos Anti-gos Mistérios que as Wicas vi-vem dentro do Círculo Mágico

e que revelam a elas as chaves de todos os conhecimentos ocultos, mesmo os her-méticos, do qual os magos, e ocultistas não Iniciados no Círculo Mágico, apenas conhecem como símbolos e fórmulas inte-lectuais sem capacidade de operá-los.

Wicas Tradicionais são

Iniciadas nos Mistérios

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botânica oculta

por Simone Abraços

As Plantas e as Influências Planetárias

Talvez os maiores desafios da Humanida-de sempre tenham sido a busca pela com-preensão da morte e a cura de doenças e enfermidades do corpo. Desde os tempos mais remotos, o homem tem encontrado na Natureza, o seu sustento, suas vesti-mentas e tudo o que era necessário para sua sobrevivência e, através de muitas ob-servações e experimentações, ele perce-beu que as Plantas eram grandes fontes de cura para os males do corpo e, conseqüen-temente, da Alma.

Segundo Plínio, um célebre Enciclopedis-ta romano da Antiguidade, foi o Centauro

Quíron - um ser mitológico meio homem e meio cavalo - o primeiro Boticário e Herborista da Humanidade. Ele, que era o grande detentor de todo o conhecimento sobre as propriedades curativas das Plan-tas, foi o responsável pela educação do filho de Apolo: Asclépio, o Deus da Me-dicina e da Cura (chamado também por Esculápio). Desde então, as Plantas e o seu poder curativo têm sido associados às Mi-tologias, às Lendas e aos Deuses.

Segundo Paracelso, um notável Médico, Alquimista, Ocultista e Botânico do início do século XVI: “A Medicina se fundamenta na Natureza, a Natureza é a Medicina, e somente naquela os Homens devem bus-cá-la. A Natureza é o Mestre do Médico, já que ela é mais antiga que ele, e ela exis-te dentro e fora do Homem... porque os Mistérios das Divindades na Natureza são infinitos”.

Ele ainda afirmava que na sua época, era impossível se dedicar à Medicina sem ter um profundo conhecimento sobre Astro-logia e o Cosmos. Assim, através do ponto de vista ocultista, ele dizia que a saúde e as doenças dependiam do equilíbrio e da har-monia do Microcosmo (o Homem) e do Macrocosmo (o Universo).

Algo muito interessante, é um ponto de concordância entre vários Médicos da Ida-de Média que dizia: “Para encontrar a cau-sa de uma doença, a Medicina deveria estar atrelada aos saberes populares, à Alquimia, à Astrologia e à experiência prática”.

Os saberes populares são aqueles trans-mitidos de geração em geração, baseados em crendices e com um conteúdo discu-tível. Essas pessoas, geralmente mulheres, acreditavam que a Natureza nos dava to-dos os sinais necessários para encontrar-mos as respostas.

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Vejam um exemplo dessas velhas crenças: a Sálvia (Salvia officinalis) possui uma folha com formato de língua e com uma textura vilosa-penugenta que muito se assemelha às papilas gustativas. Não coincidentemen-te, essa erva possui propriedades antiinfla-matórias e antissépticas bucais, que com-bate de forma muito eficaz, as afecções bucais como aftas, gengivites e inflamações na língua.

Outro bom exemplo é o Olho de Zeus ou de Júpiter (Sempervivum tectorum). Uma planta de folhas suculentas que possui um formato arredondado com um botão no centro – o que nos faz lembrar de um olho. Não precisamos nem dizer que essa pequena planta possui propriedades cura-tivas para muitos tipos de oftalmias. Vale mencionar que, se o Olho de Zeus for co-lhido corretamente em uma quinta-feira (dia consagrado a ele, ou seja, ao Planeta Júpiter), as propriedades afrodisíacas da planta seriam ativadas – Zeus, um Deus totalmente suscetível às paixões e aos de-sejos da carne.

Então, seguindo esse raciocínio, se uma planta tivesse uma folha, flor ou fruto com formato de coração, ela conseqüentemen-te teria propriedades cardiotôni-cas – aquelas que reforçam, re-tardam e regularizam as funções e os batimentos cardíacos. Hoje em dia, já temos comprovação de que a grande maioria desses conheci-mentos populares tem fundamen-tos e está correta.

A Alquimia Botânica, que podia ser de-senvolvida e aplicada à Medicina, consistia em produzir a “Essência Soberana”, e esta deveria ser devidamente empregada na cura das doenças.

Ela era o Ouro, o Elixir do vegetal, a tão buscada Pedra Filosofal que todo Alquimis-

ta sonhava em conseguir - o sonho de ven-cer a Morte e alcançar a Imortalidade (ou pelo menos prolongar a vida além dos li-mites naturais e conhecidos pelo Homem).

Era necessário ascender aos Sete Degraus (Sete Iniciações) para final-mente completar a Grande Obra e saborear os Frutos e suas delícias (“O Jardim das Delícias”, o Jardim Alquímico). Então, no início de sécu-lo XVI, surge a figura de Paracelso,

o maior representante da Medicina Quí-mica - que era a união da Alquimia com as propriedades terapêuticas das Plantas.

Sempre com o auxílio transmutador do calor do Sol ou do Fogo, através dos Processos Alquímicos é possível extrair a “Quintessência” da substância escolhida – o que para nós, é a de origem vegetal que importa.

SALVIAhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Salvia_officinalis0.jpg

OLHO DE ZEUShttp://en.wikipedia.org/wiki/File:CommonHouseleek.jpg

essa pequena planta possui propriedades

curativas

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A Quintessência, também chamada de Arcano ou Bálsamo, é uma substância fixa, incorruptível, imortal e incorpórea, que modifica, reestrutura, restaura e conserva os corpos. Esse Bálsamo é o Azeite Essen-cial dos vegetais; não o azeite vulgar, mas algo muito mais sutil – ele é o veículo do Corpo Astral.

Respeitados estudiosos da Idade Média, afirmavam que cada Planta possuía um Es-pírito e que este, atribui à elas uma vida, personalidade, sensibilidade e aptidões semelhantes às dos Seres Humanos - elas nascem, respiram, se alimentam, se desen-volvem, crescem, sofrem influências, ama-durecem, se reproduzem, envelhecem e morrem.

A Antiga Astrologia

A Astrologia se refere ao estudo dos Corpos Celestes e a forma como eles in-fluenciam e afetam os três reinos : animal, vegetal e mineral. Na Idade Média, foi con-siderada como uma Ciência - a “Mãe de todas as Ciências” - e era uma disciplina obrigatória nas Universidades (principal-mente nas Universidades de Medicina).

Com o desenvolvimento científico na Eu-ropa, por volta do século XVII, e com a descoberta de outros novos Planetas - aqueles que eram visíveis apenas através de Instru-mentos de Observação - a Astrologia entrou em declínio e foi dis-sociada da Medicina.

Atualmente, a Astrologia Moderna – bem diferente da Antiga Astrologia - foi reduzi-da a simples previsões de jornais e revistas. Infelizmente, ela – na sua forma original - está caminhando para o mesmo destino que teve a Alquimia: o esquecimento.

A Astrologia e as Plantas

Antigamente, pela falta de Instrumentos de Observação mais sofisticados e poten-tes, apenas Sete Planetas eram conhecidos - visualizar a olho nu, só era possível até Saturno.

Então temos: Lua, Marte, Mercúrio, Júpi-ter, Vênus, Saturno e o Sol. Apesar de sa-bermos que a Lua e o Sol não são Planetas, eles são considerados com tal na Antiga Astrologia.

Se existem relações entre o Microcos-mo (pequeno mundo, o Homem) e o Ma-crocosmo (o grande mundo, o Universo), onde o primeiro pode ser considerado um reflexo reduzido do segundo, pode-mos concordar com nossos Antepassa-dos quando eles diziam que ao estudar os Astros seria possível conhecer o Homem e estudando o Homem, seria possível co-nhecer um pouco mais sobre os Astros – “Assim como é em cima, é embaixo”.

a Astrologia entrou em declínio

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Os Corpos Celestes refletem e enviam Ondas Eletromagnéticas pela própria luz de reflexão dos Planetas. Assim, essas for-ças agem sobre as Plantas, suas caracte-rísticas e o seu desenvolvimento; a época de semeadura, de plantio, de colheita e de poda; o Homem, sua personalidade e o seu comportamento; o Corpo Humano, suas funções fisiológicas e enfermidades; a água, os Oceanos e as marés; a gestação e o ciclo menstrual nas mulheres; etc. e esses são apenas os principais entre vários outros exemplos.

Através de muito estudo, persistência e observação, os Árabes foram os primei-ros a fazer associações entre as Plantas e os Planetas. Perceberam que, conforme a trajetória do Sol e o ciclo dos Planetas na Esfera Celeste, as propriedades tera-pêuticas e nutritivas de algumas Plantas se acentuavam mais evidenciando todo o seu potencial.

Então, com a associação da Medicina aos saberes populares, à Alquimia, à Astrologia e à experiência alcançada através da práti-ca, não tardou muito para que notassem que as Plantas possuíam Virtudes Mágicas.

Botânica Oculta é o estudo das Proprie-dades Mágicas das Plantas e das Ervas. É ter o conhecimento e o domínio da utili-zação das forças ocultas que existem nos vegetais.

Quem nunca ouviu falar que a Arruda (Ruta graveolens) e o Alho (Allium sativum) são amuletos naturais e plantas de proteção? Que a Rosa (Rosa sp) e o Manjericão (Ocimum basilicum) são plantas ideais para atrair o amor? Que folhas de Louro (Laurus nobilis) dão sorte no jogo e atraem dinheiro? Que o Trigo (Triticum spp) traz prosperidade? Que a pimenta (Capsicum spp) espanta a inveja, mandinga e o mau-olhado?

Vamos citar um exemplo muito conheci-do: a Verbena (Verbena officinalis).

A Verbena é uma Erva que sempre es-teve ligada à Bruxaria e às Artes Mágicas por ter como principais Virtudes Ocultas, a Adivinhação e a Proteção.

O Povo Celta a utilizava em uma bebida - uma “Infusão Divinatória” - antes de pre-ver o futuro e lançar sortilégios; os Gregos a utilizavam para confeccionar Coroas e Guirlandas de Proteção em seus Rituais; as Bruxas a utilizavam para afastar o cansaço durante os Sabás; já os Espanhóis a consi-deravam uma planta milagrosa que tinha o poder de afastar qualquer perigo.

Para que a Planta tenha suas proprie-dades medicinais e ocultas multiplicadas, principalmente se o objetivo for Mágico ou curativo, velhos ensinamentos nos ditam algumas regras antes de manipulá-las:

*A Purificação: devemos evitar alimentos indigestos e não podemos comer nenhum tipo de carne nesse dia. Devemos tomar um banho com ervas e sal para limparmos

VERBENAhttp://en.wikipedia.org/wiki/File:Eisenkraut,_Passau.JPG

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nossos corpos de qualquer tipo de ener-gia maléfica que influencie as Virtudes da Planta. O Sal é um agente natural purifi-cador e desinfetante, e um banho de água salgada equivale a 03 dias de jejum. As Er-vas utilizadas no banho devem ser frescas e específicas para limpeza e purificação. A Meditação e o descanso são recomenda-dos algumas horas antes.

*Momento da Colheita: existem horas e dias astrologicamente corretos (não pode estar chovendo e o céu deve estar sereno). São os momentos em que os princípios terapêuticos e ocul-tos se tornam mais ativos. Antes do corte, devemos pedir licença ao “Espírito” da Planta e Invocações e Encantamentos específicos devem ser fei-tos. A Erva deve ser cortada, com um Ins-trumento apropriado apenas para essa fi-nalidade, em um único golpe para que seus princípios ativos não sejam prejudicados.

Então perguntamos: “Como é possível alguém saber disso?”

Isso é fruto de um conhecimento muito antigo guardado entre famílias e passado de geração em geração. É obtido através de muitos anos de observação e prática e exige muita dedicação e sensibilidade.

As horas e os dias (os sete dias da sema-na) astrologicamente corretos são aqueles em que os Planetas atuam mais fortemen-te sobre determinados vegetais para que estes possam alcançar todas as suas Virtu-des plenas. Então temos :

*A Lua influencia principalmente na primeira hora da segunda-feira e age sobre as folhas das Plantas. As Plantas Lunares são frias, lei-tosas, calmantes, com odor sua-ve, com flores brancas ou claras e

são muito utilizadas na Bruxaria. Exemplo: Gardênia.

*Marte influencia na primeira hora da terça-feira e age sobre o caule e o tronco. As Plantas regidas por Marte possuem sa-bor amargo, odor picante, são espinhosas e causam irritação e ardor ao tocá-las. Ex.:

As Plantas Lunares são

frias

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Pimenta, Alho, Urtiga e Eufórbia.

*Mercúrio influencia na primeira hora da quarta-feira e age sobre a semente e a cas-ca. As Plantas Mercurianas possuem sabor misto, odor penetrante, flores pequenas e de cores variadas. Ex.: Verbena.

*Júpiter influencia na primeira hora da quinta-feira age sobre o fruto. As Plan-tas regidas por esse Planetas são grande e frondosas, possuem sabor suave e doce, com odor inodoro e algumas possuem fru-tos. Ex.: Sândalo.

*Vênus influencia na primeira hora da sexta-feira e age sobre as flores. As Plantas Venusianas têm sabor doce e agradável, odor fino e leve, são oleosas e algumas pos-suem flores abundantes. São afro-disíacas e muito utilizadas em Ma-gia Sexual. Ex.: Rosa e Açucena.

*Saturno influencia na primeira hora de sábado e age sobre a raiz. Suas Plantas são de aparência taciturna, com flores acinzen-tadas e contornos sinistros, com proprie-dades narcóticas, odor desagradável e com frutos ácidos ou venenosos. As Plantas regidas por Saturno geralmente preferem ambientes sombrios. Ex.: Heléboro-Ne-gro, Meimendro-Negro e Cipreste.

*E finalmente o Sol, que influencia na pri-meira hora do domingo. As Plantas Solares precisam de calor e da luminosidade do

Sol, geralmente possuem flores amarelas ou alaranjadas, são aromáticas e com fru-tos agridoces. Ex.: Girassol, Açafrão, Ale-crim e o Carvalho.

Não era à toa que as Antigas Bruxas pre-feriam colher e utilizar Plantas e Ervas nas-cidas em Cemitérios. Além do lado oculto e mágico, elas sabiam que era uma terra que continha material orgânico riquíssimo em nitrato e sais de amoníaco. Esses com-postos tinham a capacidade de multiplicar a quantidade de nutrientes e alcalóides dos vegetais, favorecendo assim, o potencial máximo do vegetal. Normalmente essas

Plantas eram colhidas ao entardecer (após uma longa exposição ao Sol, as Plantas ficavam carregadas com a sua energia) ou na calada da noite, na primeira hora da madrugada – ho-rário de maior influência planetária.

Hoje sabemos que elas tinham um conhecimento muito vasto e profundo so-bre as propriedades terapêuticas e Ocul-tas das Plantas e não temos dúvidas de que elas sabiam que o Reino Vegetal estava in-timamente ligado aos movimentos dos Pla-netas na Esfera Celeste.

horário de maior

influência planetária

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A iluminação - o sol

Belo e luminoso o Sol a todos encanta. Ele nasce e o terror noturno desaparece, a depressão vira pó e a face se colore. Ao encararmos, seu brilho nos pega de sur-presa e, saindo da sombra, por instantes somos quase cegados. Aos poucos pode-mos enxergar novamente e eis que senti-mo-nos embriagados: a luz está em todo canto! Por instantes nos sentimos maiores, mais cheios de energia e fortes diante des-te Arcano. Sua força nos instiga à frente, para lutarmos, compreendermos, crescer-mos. Não existem medos sob o Sol, não nos dominam mais os preconceitos, nem mesmo reconhecemos qualquer receio. Tudo é luz, claridade, alegria, felicidade e bem aventurança.

Torna-me grande como o sol, para que eu te possa adorar em mim.

‘O Eu profundo’ - Fernando Pessoa

Felizes e confiantes caminhamos em di-reção ao Sol. Escutamos algumas vozes inaudíveis nos fazendo advertências, mas nos abstemos de ouvi-las. A fascinação é maior que a prudência e como Ícaro, que voava com asas feitas por seu pai Dédalo com de penas de aves e cera, ignoramos os conselhos de nosso interior para nos ine-briarmos diante de uma sensação de falsa liberdade. Tal qual ele, nos aproximamos demais do Sol e seu calor derrete a cera de nossas asas, desfazendo-as e, nos jogan-do de volta a Terra.

O sol queima o que toca.O verde à luz desenverdece. Seca-me a sensação da boca. Nas minhas papilas esquece.

‘Poesias Inéditas’ - Fernando Pessoa

por Ana Marques

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O mesmo poeta que quer “ser grande como o sol” escreveu que o “o sol quei-ma o que toca”. Essa é a incoerência da verdade: os Arcanos tem duas faces. Tudo na natureza é ambíguo por ser amoral. A água que lava também afoga, a brisa que refresca faz parte do tufão, a terra que nos alimenta com seus frutos nos soterra numa avalanche e, por último, o fogo que aquece pode queimar. O poder primordial do Sol é o fogo e é esse o poder que va-mos analisar.

Quando falamos do sol, o associamos a férias, lazer, diversão. Inúmeras qualidades são lembradas para representá-lo e, mes-mo que o sertão brasileiro esteja aí para nos lembrar que esse astro não é tão com-placente assim, parece que fazemos ques-tão de esquecer. No entanto, os gregos já definiam a ambiguidade do Sol no deus que o personificava: Apolo.

Apolo, irmão gêmeo de Ártemis (deusa da Lua) e fi-lho de Leto e Zeus, nasceu auxiliado pela irmã (e con-traparte) sendo alimenta-do com ambrosia e néctar. Devido a isso, logo depois, desvencilhou-se dos panos que o prendiam e tornou-se um homem. Venceu a ser-pente Píton, que a mando de Hera perseguia sua mãe, e estabeleceu seu santuário em Delfos. Apolo é o deus senhor da profecia, da luz, da música e do conhecimen-to. Era também considera-do o deus da morte súbita, da mesma forma que era o curandeiro que aliviava as dores e as doenças.

O deus tanto podia ser condescendente como impiedoso. Quando estabeleceu seu santuário em Delfos, segundo algumas ver-

sões do mito, apoderou-se do dom de pro-fecia da sacerdotisa de Píton e obrigou-a a servi-lo. Cedeu o dom da profecia à Cas-sandra – princesa de Tróia – para depois, ao ser rejeitado, despojá-la da credibilida-de junto às pessoas. Quando Agamenon foi assassinado pela esposa Clitemnestra, exigiu de Orestes a vingança contra a pró-pria mãe; no entanto depois de consumado o crime, não o protegeu das Erínias (deu-sas da vingança divina), que o perseguiram pelo crime do matricídio. Coube à Atena a incumbência de interceder por ele no mo-mento em que se achava tomado do mais completo desespero.

Por isso tudo, Apolo nos mostra a face clara e negra do deus Sol, aquele que “ger-mina o solo, e também fenece a plantação”. Dentro de seu simbolismo, encontraremos a luz que exalta as sombras, obrigando-nos a ver que qualquer espécie de “unanimida-de” não passa de uma ilusão. Para reconhe-

cer o claro, necessitamos do escuro. Com isso, para que o feito diário de Apolo, de iluminar a Terra com sua carruagem de fogo solar, possa ser reconhecido, é preciso que antes a escuridão da noite o tenha precedi-do. Não por acaso, a mãe de Apolo era Leto, a deusa da Noite: a dualida-de estava contida na própria relação Mãe x Filho.

O Sol é o responsável pela vida na Terra, detentor do poder de fazer germinar, da mudança das estações, de uma das formas de marcação do tempo. Através de sua mudança lenta e constante no céu, nos aproxima-mos do ciclo de nascimento/morte/

renascimento vivido por toda a natureza. Apenas no momento em que iluminamos nosso inconsciente, retirando-o da som-bra escura do que nos negamos a ver, nosso ser realmente começa o estágio de encontro consigo mesmo. Nossas carac-

Tarô Mitológico – O SolRepresentado pelo Deus Apolo,

esse arcano é caracterizado com os adjetivos do astro:

calor, alegria, inspiração, artes. E sua dualidade está presente no fato que Apolo também era o deus da morte súbita.

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terísticas rejeitadas, nossos desejos repri-midos e nossos sonhos inconfessáveis pre-cisam ser compreendidos, eles precisam ser paridos. Não podemos esquecer que “parir” tem como sinônimo “dar à luz”. É preciso reconhecer e aceitar quem somos, para que então possamos examinar à luz da consciência os inúmeros aspectos que nos compõe. O Sol, como ilustrado na carta do Tarot of the Old Path, tem a forte conota-ção de libertação quando mostra um homem e uma mulher saudando o sol num local sagrado (Stonehenge), parecendo felizes em vê-lo, em estar debaixo de seus raios mornos que lhes dão nova vida. O sol dessa figura contém em cada raio um signo astrológi-co, formando a roda completa: o Todo. A ave de fogo, na frente da carta parece unir o casal dentro de sua consciência recém conquistada, como se guardasse a entrada que dá acesso à iluminação.

A ciência, em analogia com O Sol, vem trilhando um caminho do desvendamen-to dos mistérios inexplicáveis, buscan-do as causas de cada um dos fenômenos que aterrorizaram nossos antepassados. Exatamente por isso, ela foi combatida ferozmente como heresia pelas religiões dominantes, quando começou a retirar da Terra seu status de “Centro do Universo” e, consequentemente, do Homem o sta-tus de “ápice da criação”. Galileu Galilei foi excomungado como herege por afirmar que a Terra girava em torno do Sol e não o contrário, como se acreditou durante muito tempo. Para não morrer na foguei-ra, teve que se retratar diante do Tribunal do Santo Ofício. Foram necessários anos, e um início de rompimento do homem com a religião (O Renascimento) para que fosse dada à ciência sua devida importân-

cia. Em sua concepção original, a ciência nasceu para trazer a luz, na escuridão da ignorância do ambiente que o cercava, em que o homem vivia. No entanto, da mes-ma maneira que o sol, o que ilumina gera a sombra e, com isso, aos conhecimentos acumulados foi adicionada a arrogância da

verdade absoluta, o que propiciou que a ética e a preservação do meio fossem deixadas de lado, em nome do pro-gresso. A ciência que devia iluminar, também começou a cegar.

A ciência é feita pelos homens, da mesma maneira que as religiões, os países, as cidades e as vilas. Os homens deixam-se cegar pelo orgulho dos próprios feitos, ignorando tudo mais à sua volta, e a ideia de que a vida é uma teia, de que todos estão interligados, e

que a ação de um irá repercutir diretamente na vida de todo o Universo.

O processo de individuação, de cresci-mento, requer muita energia e determi-nação. Não basta querer o processo, é preciso estar disposto a passar por ele e a vivê-lo; como diz Rachel Pollack, “o es-clarecimento é uma experiência, não uma idéia”1. Apenas falar, meditar ou planejar não adianta mais, fizemos esse processo completo no Arcano anterior, “A Estrela”. O Arcano “O Sol” necessita de movimento para que seja concluído, ele é constituído de fogo e esse é o elemento por excelência da ação, da purificação, da transmutação. Nesse momento, as atitudes são exigidas como parte da jornada.

O sol é o responsável pela energia que efetiva a germinação das sementes, sem ele a vida não existiria. Mas é preciso que a Terra esteja pronta para ele: sem que haja o que fecundar, sem que a natureza esteja presente, forte e saudável, tudo que o Sol irá fazer será encher o solo de rachaduras e a paisagem de desolação. A paisagem ári-

1 Rachel Pollack – Livro Setenta e Oito Graus de Sabedoria – Vol. I – Editora Nova Fronteira

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da do Nordeste brasileiro confirma isso, o Saara também. Sem equilíbrio, qualquer força natural será incapaz de gerar a vida. Sem que equilibremos a nós mesmos, o Arcano “O Sol” estará impossibilitado de nos fazer renascer, precisamos estar pron-tos para ele, para o trabalho que nos fará plantar dentro de nós as sementes do que queremos ser, em detrimento do que que-riam que fôssemos. Temos que respeitar a nossa natureza interior, de forma que ela floresça e tenha equilíbrio, para ser ilumi-nada sem ser carbonizada.

O adágio popular que diz: “Por mais lon-ga e escura que seja à noite, o sol volta sempre a brilhar”. Conhecidíssimo, en-cerra em si uma verdade óbvia: as trevas são apenas prenúncio da luz, e a luz é o complemento das trevas. Se estivermos envolvidos pela escuridão, buscaremos a luz. Se estivermos repletos de luz, necessi-taremos da escuridão. Na noite, em seu si-lêncio e calmaria, criamos nossos sonhos, repousando nossos corpos e recuperando nosso espírito. Durante o dia, libertamos os sonhos criados para que se concreti-zem, unindo a energia do sol à nossa pró-pria energia pessoal.

É preciso utilizar a libertação que esse arquétipo nos traz. Essa imagem tem re-presentação perfeita no Tarô Waite, que mostra uma crian-ça libertando-se dos muros, cavalgando o cavalo branco rumo à liberdade comple-ta. Essa criança re-presenta aquele que, consciente de quem é em todos os as-pectos, sente-se confiante e livre para sair ao mundo, adquirindo as experiências que a vida tem a lhe oferecer. Os girassóis,

plantas solares, reforçam a energia que a carta contém, mostrando que o tempo é propício e que tudo em volta está impregnado de energia. Sabendo utilizá-la, comprazendo-se em aceitar a si mesmo, não desperdi-çando energia com disfarces inúteis, que nada acrescen-tariam ao nosso caminho, essa energia não se esgota.

Quando desejamos partir para descobrir o mundo, para viver a nossa própria vida, sem permitir que a interferência alheia ve-nha nos dizer qual deve ser nosso destino, estamos fazendo um trato com o Universo de que estaremos acrescentando a ele ex-periências e vivências reais, plenas de ser. Estaremos recebendo a energia do sol, utilizando-a para fertilizar nosso interior e nos dispondo ao trabalho necessário para que possamos nascer e dar frutos; para que, enfim, sem medo, fitemos o sol que desponta no horizonte sem que fiquemos escondendo partes de nós que não dese-jamos ver expostas. Para que todo nosso ser, luzes e sombras, possa se tornar Uno, entregando-se ao prazer de estar vivo. Porque só sente o verdadeiro prazer, o ser completo.

E o menino com o brilho do sol na menina dos olhos

Sorri e estende a mão entre-gando o seu coração

Eu entrego o meu coraçãoE eu entro na roda e canto as an-

tigas cantigas de amigo irmão As canções de amanhecer lumiar a escuridão

‘De Volta ao Começo’ - Gonzaguinha

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A maturidade mágica através do conheci-mento do EU, o movimento que esplandece e avisa que é o momento de explorar, resplan-decer a luz interior, então chegar mais perto dos Deuses.

O Sol somos nós. Crescidos, iluminados, quando em alguns momentos somos imensi-dão e Nada.

A perfeita comunhão em apenas um insight, o tempo não existe e tudo pode durar apenas um segundo. Descobre-se as influências da Vida e o alcance da liberdade, o impulso para o governo da Alma.

Com vigor das possibilidades e das concreti-zações enfrentamos o cotidiano e aprendemos a cada instante como um renascimento de idéias e de conceitos acordados e prontos para batalha; Somos como um bebê que quando aprende a dizer a primeira palavra, se torna astuto e perseverante.

O Sol aquece os dias e ilumina a Lua à noi-te. O homem ousado conheceu a fórmula e fabricou pedaços de sol na Terra – O Fogo. Se conseguimos partilhar dos segredos dos Deu-ses, porque não conseguimos tomar o Leme de nosso próprio destino? Mas, cuidado com os Monstros, cuidado com as Sombras, procu-re sempre o Equilíbrio!

Não adianta ver o sol brilhar e continuar dor-mindo, é o momento de ver a Roda para girar, movimente-se, ACORDE!

Busque pelos sonhos, Viva!

Plante sementes, desenvolva projetos, AME!

eu sou girassol

próxima ediçãoA revista BTW é publicada quatro vezes

ao ano e seu objetivo é informar, esclare-cer e desmistificar origens, dogmas e prá-ticas da Wica Gardneriana e mostrar que os ensinamentos de Gerald Gardner ainda estão vivos e florescendo no seio dos co-vens tradicionais.

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Lorenna Escobar

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