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O artigo abaixo é um trecho do livro The Jihadi Return: Isis and the New Sunni Uprising, de Patrick Cockburn, correspondente do The Independent no Oriente Médio. O livro – publicado pela OR Books, disponível com exclusividade aqui – analisa um dos piores desastres de relações internacionais do Ocidente e mapeia a ascensão dos novos jihadistas. Este é o último capítulo: “Shock and War”. Na segunda metade de 2013, comecei a escrever sobre os jihadistas que estavam formando a oposição armada na Síria; na mesma época, várias evidências mostravam que o Estado Islâmico, anteriormente conhecido como Al-Qaeda no Iraque, ganhava força rapidamente. Meu jornal, o The Independent, pediu que eu nomeasse um “homem do ano” para o Oriente Médio, e eu escolhi Abu Bakr al-Baghdadi, a sombria figura que tinha se tornado líder do grupo em 2010. Alguns dias depois, em 3 de janeiro de 2014, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, conhecido no Ocidente pela sigla ISIS, chegou a Falluja e o governo local se mostrou incapaz de retomar o controle dessa cidade. Isso não foi tão alarmante quanto poderia ser: o primeiro-ministro iraquiano estava enfatizando a ameaça mortal de uma contrarrevolução sunita na província Anbar para assustar a maioria xiita, fazendo com que o grupo votasse nele nas eleições parlamentares de 30 de abril e se esquecesse da corrupção no governo e da falta de serviços básicos. Achei que o fracasso em recapturar a cidade talvez fosse uma estratégia eleitoral e que um ataque definitivo seria lançado depois das eleições. Mas iraquianos bem informados me disseram que o fracasso na retomada de Falluja e em derrotar o ISIS em Anbar e no norte do Iraque não foi por falta de tentativas. Ao todo, 5 das 15 divisões do exército iraquiano tinham sido mobilizadas em Anbar e foram submetidas a perdas pesadas e muitas deserções. Os soldados estavam sendo mandados à frente de batalha só com quatro cartuchos de munição para suas AKs-47. Soldados passavam fome, porque os comandantes tinham desviado o dinheiro da alimentação enquanto alguns batalhões estavam atuando com um quarto de suas forças. No Iraque, um país tão rico em petróleo, combustível para os veículos do exército estava em falta. “O

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O artigo abaixo um trecho do livro The Jihadi Return: Isis and the New Sunni Uprising, de Patrick Cockburn, correspondente do The Independent no Oriente Mdio. O livro publicado pela OR Books, disponvel com exclusividade aqui analisa um dos piores desastres de relaes internacionais do Ocidente e mapeia a ascenso dos novos jihadistas. Este o ltimo captulo: Shock and War.Na segunda metade de 2013, comecei a escrever sobre os jihadistas que estavam formando a oposio armada na Sria; na mesma poca, vrias evidncias mostravam que o Estado Islmico, anteriormente conhecido como Al-Qaeda no Iraque, ganhava fora rapidamente. Meu jornal, o The Independent, pediu que eu nomeasse um homem do ano para o Oriente Mdio, e eu escolhi Abu Bakr al-Baghdadi, a sombria figura que tinha se tornado lder do grupo em 2010.Alguns dias depois, em 3 de janeiro de 2014, o Estado Islmico do Iraque e do Levante, conhecido no Ocidente pela sigla ISIS, chegou a Falluja e o governo local se mostrou incapaz de retomar o controle dessa cidade. Isso no foi to alarmante quanto poderia ser: o primeiro-ministro iraquiano estava enfatizando a ameaa mortal de uma contrarrevoluo sunita na provncia Anbar para assustar a maioria xiita, fazendo com que o grupo votasse nele nas eleies parlamentares de 30 de abril e se esquecesse da corrupo no governo e da falta de servios bsicos. Achei que o fracasso em recapturar a cidade talvez fosse uma estratgia eleitoral e que um ataque definitivo seria lanado depois das eleies.Mas iraquianos bem informados me disseram que o fracasso na retomada de Falluja e em derrotar o ISIS em Anbar e no norte do Iraque no foi por falta de tentativas. Ao todo, 5 das 15 divises do exrcito iraquiano tinham sido mobilizadas em Anbar e foram submetidas a perdas pesadas e muitas deseres. Os soldados estavam sendo mandados frente de batalha s com quatro cartuchos de munio para suas AKs-47. Soldados passavam fome, porque os comandantes tinham desviado o dinheiro da alimentao enquanto alguns batalhes estavam atuando com um quarto de suas foras. No Iraque, um pas to rico em petrleo, combustvel para os veculos do exrcito estava em falta. O exrcito vem sofrendo uma derrota significativa em Anbar, me garantiu um ex-ministro iraquiano em abril.Apesar desses alertas, fiquei chocado um ms depois, quando, no dia 10 de junho, Mossul caiu quase sem luta. Todas as histrias depreciativas que eu tinha ouvido sobre o exrcito iraquiano como as de que se tratava de uma instituio falsa na qual os comandantes compravam seus postos para poder enriquecer com propinas e desvios - se mostraram verdade. Os soldados rasos podem ter fugido em Mossul, mas no to rpido quanto seus generais, que logo apareceram em trajes civis em Arbil, a capital curda. Ficou aparente nos anos anteriores que o ISIS era comandado com uma mistura arrepiante de fanatismo religioso e eficincia militar. Sua campanha para tomar o norte e o oeste daquele pas foi habilmente planejada, escolhendo alvos fceis e evitando posies bem defendidas, ou, como o prprio ISIS colocou, se movendo como uma serpente entre as pedras.Era evidente que os governos ocidentais tinham interpretado mal a situao no Iraque e na Sria. Por dois anos, polticos iraquianos alertaram quem quisesse escutar que se a guerra civil na Sria continuasse, ela desestabilizaria o frgil status quo do Iraque. Quando Mossul caiu, todo mundo culpou Maliki, que realmente tinha muitas perguntas a responder, mas a causa real do fracasso no pas foi a guerra do outro lado da fronteira. A revolta dos sunitas srios tinha causado uma exploso similar no Iraque. Maliki tratava as provncias sunitas como um pas conquistado, mas os sunitas iraquianos no teriam se levantado novamente sem o exemplo e o incentivo de seus colegas srios. A ascenso do ISIS, que fez o grupo ser capaz de agir como tropas de choque de uma revolta sunita geral, pode ainda ser reversvel. Mas a ofensiva deles no vero de 2014 possivelmente acabou para sempre com o estado dominado pelos xiitas, que tinham subido ao poder com a invaso americana de 2003.A queda de Mossul foi apenas o ltimo de uma srie de eventos desagradveis e inesperados no Oriente Mdio que pegaram o mundo exterior de surpresa. A regio sempre foi um terreno traioeiro para intervenes estrangeiras, mas muitas das razes para o fracasso do Ocidente em ler a situao poltica do outro lado do globo so recentes e autoinfligidas. A resposta dos EUA aos ataques de 11 de Setembro, em 2001, visaram os pases errados: Afeganisto e Iraque foram identificados como os Estados hostis a serem derrubados. Enquanto isso, os dois pases mais envolvidos com a Al-Qaeda e que favoreciam a ideologia por trs dos ataques, a Arbia Saudita e o Paquisto, continuavam quase ignorados.Ambos eram aliados antigos dos EUA e continuaram a ser independentemente do 11 de Setembro. A Arbia Saudita pode estar retirando seu patrocnio aos combatentes jihadistas na Sria e em todo lugar do mundo por medo um efeito bumerangue dentro do prprio reino. O primeiro-ministro paquistans, Nawaz Sharif, pode insistir que est fazendo de tudo para livrar os servios de segurana de sua nao de elementos extremistas. Mas at que os EUA e seus aliados no Ocidente reconheam que esses Estados so fundamentais na promoo do extremismo islmico, pouco progresso real ser feito na batalha para isolar os jihadistas.E no foram s os governos que entenderam tudo errado. Os reformistas e revolucionrios tambm se enganaram ao considerar os levantes da Primavera rabe de 2011 como um golpe mortal nos antigos regimes autoritrios da regio. Por um breve momento, sectarismo e ditadura pareciam estar desmoronando; o mundo rabe estava s portas de um novo futuro, livre de dio religioso, em que inimigos polticos acertavam suas diferenas em eleies democrticas. Trs anos depois, com os movimentos democrticos tendo recuado por toda a regio diante do sucesso da contrarrevoluo e uma violncia sectria cada vez maior, esse entusiasmo parece ingnuo. Vale a pena analisar por que alternativas revolucionrias progressistas, em oposio a estados policiais e movimentos jihadistas como o ISIS, falharam to completamente.As revolues e levantes populares de 2011 eram genunos como quaisquer outros da histria, mas a maneira como foram percebidos, particularmente no Ocidente, foi seriamente errada.O inesperado da natureza das mudanas revolucionrias: sempre acreditei que se eu podia perceber a chegada de uma revoluo, o chefe da inteligncia das foras de segurana egpcias tambm podia. E ele faria todo o possvel para evitar isso. Revolues de verdade acontecem de uma coincidncia imprevisvel e surpreendente, com eventos de diferentes motivaes acontecendo ao mesmo tempo, visando a derrubar um inimigo comum como Hosni Mubarak ou Bashar al-Assad. As razes polticas, sociais e econmicas dos levantes de 2011 so muito complexas. Isso no ficou bvio naquele momento parcialmente, porque comentaristas estrangeiros exageraram o papel das novas tecnologias de informao nesses eventos.Os manifestantes, habilidosos em propaganda, viram a vantagem de apresentar os levantes como revolues de veludo, com blogueiros e tuiteiros educados e falantes de ingls na vanguarda. O propsito deles: transmitir ao publico do Ocidente que os novos revolucionrios eram parecidos com ele e que aqueles acontecimentos no Oriente Mdio em pleno 2011 eram algo como os levantes anticomunistas e pr-Ocidente no Leste Europeu depois de 1989.As exigncias da oposio eram apenas sobre liberdades pessoais: desigualdades sociais e econmicas eram raramente declaradas como questes pertinentes, mesmo quando elas eram as razes da raiva popular contra o status quo. Um ano ates da revolta sria, o centro de Damasco era cheio de lojas e restaurantes chiques, enquanto a maioria dos srios via seus salrios estagnados diante da alta nos preos. Agricultores, arruinados por quatro anos de seca, estavam se mudando para favelas na periferia das cidades. A ONU reportou que algo entre 2 milhes e 3 milhes de srios estavam vivendo em pobreza extrema. Pequenas fbricas estavam fechando por causa da concorrncia das importaes mais baratas da Turquia e China. A liberalizao econmica, elogiada pelos capitais estrangeiros, estava concentrando riquezas rapidamente nas mos de poucas pessoas bem relacionadas politicamente. Mesmo membros da Mukhabarat, a polcia secreta, tentavam sobreviver com US$ 200 por ms.Um relatrio do International Crisis Groupapontou que a elite sria tinha herdado poder em vez de ter lutado por ele e imitava a classe alta urbana. O mesmo aconteceu com as famlias quase monrquicas e seus associados que operavam de maneira parecida no Egito, Lbia e Iraque. Confiantes na proteo de seus Estados policiais, elas ignoraram o sofrimento do resto da populao, especialmente dos numerosos jovens subempregados apesar de educados, que quase no acreditavam mais que poderiam ter uma vida melhor.Uma iluso simplria, de que a maioria dos problemas desapareceria quando democracias tivessem substitudo os antigos Estados policiais, estava no centro dos novos governos reformistas no Oriente Mdio, seja no Iraque em 2005 ou na Lbia em 2011. Movimentos de oposio, perseguidos localmente ou vivendo mngua no exlio, foram tranquilizados por tal noo e eram fceis de vender aos patrocinadores estrangeiros. No entanto, uma grande desvantagem de ver as coisas dessas maneira era que Saddam, Assad e Kadafi eram to demonizados que seria difcil criar qualquer coisa prxima de um compromisso ou transio pacfica do velho para o novo regime.No Iraque em 2003, ex-membros do Partido Baath foram demitidos, empobrecendo assim uma grande parte da populao, que no teve outra alternativa a no ser lutar. A oposio sria se recusou a participar das negociaes de paz em Genebra em 2014 se Assad tivesse qualquer papel nisso, apesar de as reas da Sria sob o controle dele serem o lar da maioria da populao. Essas polticas de excluso eram tambm uma maneira de garantir empregos para os garotos da oposio. Mas acabaram aprofundando divises sectrias, tnicas e tribais, fornecendo mais ingredientes para a guerra civil.Qual a cola que deveria manter juntos esses Estados ps-revolucionrios? O nacionalismo no bem visto no Ocidente, considerado uma mscara do racismo e do militarismo, supostamente fora de moda numa era de globalizao e interveno humanitria. Mas intervenes no Iraque em 2003 e na Lbia em 2011 acabaram sendo muitos similares s tomadas imperialistas do sculo 19. Houve discusses bizarras sobre construo de naes a serem realizadas ou assistidas por potncias estrangeiras que claramente tinham seus prprios interesses em mente, assim como a Inglaterra quando Lloyd George orquestrou o entalhe do Imprio Otomano. A justificativa dos lderes rabes que tomaram o poder nos anos 60 que eles poderiam criar Estados poderosos capazes, finalmente, de dar realidade independncia nacional.E eles no fracassaram totalmente: Kadafi teve um papel crucial na alta do preo do petrleo em 1973, e Hafez al-Assad, pai de Bashar, que tinha tomado o poder na Sria dois anos antes, criou um Estado que pde se manter numa prolongada luta contra Israel pela predominncia no Lbano. Para os oponentes desses regimes, nacionalismo era simplesmente um plano de propaganda de ditadores implacveis, preocupados apenas em manter seu poder. Mas sem o nacionalismo mesmo em lugares onde a unio da nao quase uma fico histrica falta uma ideologia que permita que os Estados disputem o foco de lealdade com seitas religiosas e grupos tnicos. fcil criticar os rebeldes e reformistas do mundo rabe por fracassarem em resolver os dilemas que encaravam para derrubar o status quo. Suas aes parecem confusas e pouco efetivas quando comparadas com a revoluo de Cuba ou a luta pela libertao no Vietn. Mas o terreno poltico no qual eles tiveram que operar nos ltimos 20 anos era particularmente traioeiro. A dissoluo da Unio Sovitica em 1991 significou que o endosso ou tolerncia dos EUA e s dos EUA era crucial para a tomada do poder. Nasser pde se voltar para Moscou para garantir a independncia do Egito na crise de Suez em 1956, mas depois do colapso socialista, pases menores no achavam mais um lugar para si entre Moscou e Washington.Em 1990, Saddam disse que uma das razes para invadir o Kuwait na poca era que tal empreendimento no seria mais vivel depois que o Iraque fosse confrontado com o poder norte-americano. Ali ele errou nos clculos diplomticos, mas sua previso foi, de certa forma, realista pelos menos at que o exrcito americano fosse rebaixado pelo fracasso de Washington em alcanar seus objetivos no Afeganisto e Iraque.A deteriorao da situao no Iraque e Sria pode ter ido longe demais agora para se recriar estados genuinamente unitrios. O Iraque est se despedaando. Depois de tomar a cidade petroleira de Kirkuk, que h muito clamam como sua capital, os curdos nunca vo entreg-la, nem os outros territrios disputados onde eles sofreram limpeza tnica. Enquanto isso, o comando do governo sobre as terras sunitas do norte e do centro do Iraque evaporou com a desintegrao do exrcito iraquiano. O governo pode continuar a manter a capital e as provncias de maioria xiita ao sul, mas ter grandes dificuldades para restabelecer sua autoridade sobre os vilarejos e cidades sunitas do pas.O doutor Safa Rusoul Hussein, conselheiro adjunto de Segurana Nacional do Iraque, me afirmou que quando 100 combatentes do ISIS tomam uma rea, eles normalmente recrutam cinco ou seis vezes o nmero de sua fora original. Esses recrutas no so combatentes de linha de frente e podem se juntar apenas para proteger suas famlias, mas os nmeros do ISIS crescem rapidamente.

Ajuda exterior para o governo do Iraque imprevisvel. Interveno estrangeira pode vir tanto do Ir como dos EUA. Como um Estado colega de maioria xiita, o Iraque importa mais para Teer do que a Sria, e o Ir emergiu como o poder estrangeiro mais influente em Bagd desde as invases de 2003. O presidente iraniano Hassan Rouhani garantiu que seu pas vai agir para combater a violncia e o terrorismo do ISIS; de fato, por uma semana a mquina de rumores de Bagd clamava que batalhes iranianos j estavam no Iraque, mesmo que ningum tivesse realmente visto.Quanto aos EUA, o cansao da guerra em casa descarta o retorno de tropas terrestres, apesar de o pas ter enviados conselheiros. Mesmo ataques areos so problemticos, porque o ISIS opera como um exrcito de guerrilha, sem movimentos facilmente visveis de pessoal ou equipamento. Sua liderana tem muita prtica em ficar fora de vista. Sua ofensiva tem tido sucesso porque foi acompanhada de um amplo levante de ex-oficiais do exrcito iraquiano que combateram os americanos e jovens de vilarejos e cidade sunitas de todo o pas. Atacar essas foras com avies ou drones s enfureceria ainda mais a comunidade sunita. E, se combatentes do ISIS comearem a ser mortos por ataques americanos, pode no demorar muito para que uma certa organizao de renome comece a mandar homens-bomba para destruir alvos americanos. Em qualquer um dos casos, a probabilidade de sucesso do exrcito americano remota. importante lembrar que, mesmo com bases areas e 150 mil soldados no pas, o que os americanos no tm mais hoje, os EUA fracassaram em vencer a guerra de oito anos ali.Alm de tudo isso, os EUA provavelmente no vo querer aparecer como os defensores da dominncia xiita sobre a minoria sunita, especialmente quando a personificao disso um governo mais sectrio, corrupto e disfuncional do que o regime de Saddam jamais foi. Pode haver menos violncia do Estado do que antes de 2003, mas s porque ele fraco. Os mtodos do governo Maliki so igualmente brutais: as prises iraquianas esto cheias de pessoas que confessaram falsamente sob tortura ou ameaa. Vilarejos sunitas perto de Fallujah esto cheios de famlias com filhos no corredor da morte. Um intelectual iraquiano, que planejava abrir um museu na priso de Abu Ghraib para que os iraquianos nunca esquecessem as barbaridades do regime de Saddam, descobriu que no havia mais espao disponvel: as celas j estavam cheias de novos detentos. O Iraque continua sendo um lugar extraordinariamente perigoso. Nunca imaginei que dez anos depois da queda de Saddam, voc ainda poderia mandar matar algum em Bagd por US$ 100, me confessou um iraquiano que tambm estava envolvido no projeto abortado do museu.A desintegrao do pas em regies xiitas, sunitas e curdas quase com certeza ser um processo doloroso e violento. Confrontos sectrios sero inevitveis onde as populaes se misturam, como em torno de Bagd, com sete milhes de pessoas. Parece improvvel que o Iraque possa ser dividido sem derramamento de sangue e milhes de refugiados. Um possvel resultado uma verso iraquiana da violncia que acompanhou a diviso da ndia em 1947.A situao igualmente sombria na Sria. H muitos conflitos e jogadores envolvidos para que quaisquer termos de paz sejam aceitos. O confronto frequentemente comparado com a guerra civil libanesa, que durou de 1975 a 1990, tirando disso o conforto moral de que, por mais sangrento que o conflito tenha sido, todos os lados eventualmente se cansaram e abaixaram as armas. Mas a guerra no acabou exatamente assim: foram a invaso de Saddam Hussein ao Kuwait em 1990 e a deciso do governo srio de se unir a uma coalizo liderada pelos EUA para expuls-lo que levaram Washington a tolerar que a Sria extinguisse sua ltima resistncia no Lbano. No um paralelo muito reconfortante.No h dvida de que o povo srio, tanto dentro quanto fora do pas, est completamente exausto e desmoralizado pela guerra civil e faria quase qualquer coisa para acabar com isso. Mas eles no esto mais em posio de determinar seu prprio destino. A Arbia Saudita e o Catar esto armando e treinando uma nova oposio militar moderada, que supostamente vai enfrentar Assad, ISIS e outros grupos jihadistas. Mas no est claro se essa oposio moderada tem qualquer substncia, exceto como pees rigidamente controlados por poderes estrangeiros.S o tempo dir se o presidente Assad forte o suficiente para derrubar o atual impasse na Sria, apesar de isso parecer pouco provvel. At agora, as foras de combate do exrcito srio foram capazes de lutar apenas numa frente de cada vez, enquanto se torna cada vez mais bvio que movimentos tipo Al-Qaeda mais exatamente ISIS, JAN e Ahrar al-Sham podem operar livremente atravs das fronteiras srias com Iraque e Turquia. Eles tm um vasto territrio para manobra.Enquanto a guerra continuar, grupos fanticos como o ISIS, com legies de combatentes preparados para sacrificar suas vidas, vo continuar tendo vantagem sobre os moderados, que estariam mais abertos a negociaes. Nessa situao, a importncia da opinio pblica sria diminui constantemente. No entanto, isso ainda pode valer de algo. Um dos poucos eventos positivos a ocorrer no pas no comeo do vero de 2014 foi a evacuao da Cidade Velha de Homs por 1.200 combatentes, que tiveram permisso para trazer seu armamento pessoal para territrio rebelde. Ao mesmo tempo, duas cidades xiitas pr-regime, Zahraa e Nubl, cercadas h dois anos pela oposio, puderam receber comboios humanitrios. Alm disso, 70 refns capturados em Alepo e Lataquia foram libertados. O fato de que diferentes grupos rebeldes foram coerentes o suficiente para negociar e implementar um acordo, algo considerado impossvel at agora, encorajador. Esse tipo de negociao de paz local pode no parar o conflito geral, mas salva vidas pelo caminho.Nenhum dos partidos religiosos que tomaram o poder, tanto no Iraque em 2005 como no Egito em 2012, conseguiu consolidar sua autoridade. Rebeldes por toda parte buscam apoio de inimigos estrangeiros do Estado que esto tentando derrubar. A oposio sria pode apenas refletir as polticas e divises de seus patrocinadores. A resistncia ao Estado foi to rapidamente militarizada pelos movimentos de oposio que foi impossvel experimentar uma liderana nacional e um programa poltico. O descrdito do nacionalismo e do comunismo combinado necessidade de dizer o que os EUA querem ouvir os deixaram merc dos eventos, sem nenhuma viso de uma nao no autoritria capaz de competir com o fanatismo religioso dos militantes sunitas do ISIS e movimentos similares financiados por pases petroleiros do Golfo. Agora os resultados disso se espalham alm da fronteira com o Iraque. O Oriente Mdio est entrando num longo perodo de fermentao, na qual cada contrarrevoluo pode se mostrar mais difcil de consolidar que a prpria revoluo