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Universidade Federal de Uberlândia
Programa de Pós-graduação em Economia
Curso de Mestrado em Economia
Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington
Grasiela Cristina da Cuniia Baruco
SISBI/UFU
1000224376
Uberlândia - MG2005
Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington
Grasiela Cristina da Cunha Baruco r I
L. ' .... -
Dissertação submetida ao Programa de Pós- graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Economia.
Área de concentração: Economia
Orientador: Dr. José Rubens Damas Garlipp
Uberlândia - MG2005
Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington
Grasiela Cristina da Cunha Baruco
Banca Examinadora Constituída pelos professores:
RESUMO
O trabalho faz um “balanço” da trajetória Consenso Keynesiano - Pós-Consenso de Washington, mostrando que a intervenção estatal, sob a forma de política econômica, que havia prevalecido no pós-segunda guerra como forma de garantir a conciliação de interesses capitalistas e da classe trabalhadora, e de regular a atividade econômica, mantendo elevados os níveis de crescimento/desenvolvimento econômico, é profundamente questionada nos anos que se seguem graças à emergência de uma nova institucionalidade econômica-fínanceira e à hegemonia de um novo projeto político de sociedade, o neoliberalismo. Assim, os compromissos políticos que vigoraram durante o Consenso Keynesiano, que eram com o pleno emprego e a ampliação dos direitos sociais, são abandonados após a crise dos anos 1970, diante da implementação das reformas estruturais emanadas do Consenso de Washington e reafirmadas no Pós- Consenso de Washington. Sendo que, um dos principias compromissos assumidos pela política econômica desde então é com a manutenção da estabilidade monetária, nem que para isso outras variáveis macroeconômicas sejam sacrificadas.
La crítica como tal no necesita esclarecer ante si misma su objeto, pues sabe perfectamente a qué atenerse con respecto a él. Esta crítica no se comporta como un fin en sí, sino como medio para unfin. Su tônica esencial es la de la indignación, su tarea esencial la denuncia de la realidad.
Karl Marx
AGRADECIMENTOS
Ao povo brasileiro, que financiou meus estudos durante toda a minha
vida e, nos últimos dois anos por intermédio da CAPES, meu curso de
mestrado. Muito obrigada!!!
Aos meus pais e ao Lê, vocês foram e continuam sendo essenciais!
Aos meus avós, Dalvina, Maria, Nestor e José.
A Tata, Maria Luísa, Tio Nei, Yuri, que são muito especiais na minha
vida. A Queu, Piero, Maurício, Ana Laura, Tia Maria, Adriana, Souza,
Raquel... e a todos da minha (imensa) família que, embora não estejam aqui
citados, são muito importantes para mim.
Ao professor José Rubens, pela sua generosidade intelectual e
incentivo ao conhecimento.
A todos aqueles que foram meus professores e colegas de estudo.
Agradecimento especial merecem Niemeyer, Vanessa e Marisa, que
considero grandes mestres e amigos.
A todos os funcionários do Instituto de Economia, especialmente à
Tereza, Carlinhos, Álvaro, Aninha e Vaine.
A todos os amigos que conheci em Uberlândia, Silvana e Josué,
Lucila, Paulo Beijinho, Tião, Rogério, Cinthia, Jaque, Monaliza, Tatiana,
Chicão, Eliomar, Antonio Maria, Vitorino, Adir... Vocês são as melhores
partes da minha história!
A professora Leda Maria Paulani, pelas suas considerações acerca
desse trabalho e, principalmente, pela pessoa encantadora que é.
Agradecimento especialíssimo merece o Marcelo pelo seu imenso
companheirismo, em todos os sentidos! Nada disso seria possível sem
você! Obrigada por tudo!!!
ÍNDICE
Introdução 01
Capítulo 1-0 Consenso keynesiano 06
1.1- Algumas considerações acerca da teoria keynesiana 06
1.2 - Os Estados de bem-estar social (yvelfare síates) 18
1.3- Bretton Woods: auge e declínio 22
Capítulo 2 - Neoliberalismo, Consenso e Pós-Consenso de Washington e 37Estabilidade Monetária
2.1 - A crise dos anos 1970 e o renascimento do liberalismo 37
2.1.1 - A crise dos anos 1970 37
2.1.2 - O renascimento do liberalismo 45
2.2 - Consenso de Washington, Pós-Consenso de Washington e Estabilidade 52Monetária
2.2.1- A seqüência ótima de abertura externa 57
2.2.2 - O caráter ortodoxo do Pós-Consenso de Washington 59
2.2.3- Estabilização e Reformas Estruturais 66
2.2.4 - Novo Classicismo e Teoria da Política Econômica Ortodoxa Atual 78
Considerações Finais 87
Referências Bibliográficas 93
LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS E QUADROS
Capítulo 1-0 Consenso Keynesiano
Gráfico 1.1- Determinação clássica do emprego 08
Gráfico 1.2 - Mercado clássico de trabalho 09
Gráfico 1.3 - Mercado clássico de trabalho e demanda 10
Gráfico 1.4 - Mercado de fundos emprestáveis 1 j
Tabela 1.1 - Total dos Gastos Governamentais como porcentagem do PIB: Europa 19 Ocidental, Estados Unidos e Japão - 1938/1999
Tabela 1.2 - Crescimento do PIB per capita: Regiões, Países e Mundo - 1870/1998 30
Tabela 1.3 - Nível de desemprego nos países capitalistas avançados - 1950/1998 31
Tabela 1.4- Inflação nos países capitalistas avançados - 1950/1998 3}
Tabela 1.5 - Evolução dos eurodólares - 1964/1970 32
Capítulo 2 - Neoliberalismo, Consenso e Pós-Consenso de Washington e Estabilidade Monetária
Gráfico 2.1- Taxas de Crescimento (%) - 1968/1984 40
Gráfico 2.2 - Taxas Médias de Crescimento por Período - 1950/1984 41
Tabela 2.1 - Evolução do preço do petróleo (dólar/barril) - 1970/1979 39
Tabela 2.2 - Formação bruta de capital fixo (%) - 1969/1977 41
Tabela 2.3 - Desemprego (% da população ativa total) - 1970/1982 42
Tabela 2.4 - Inflação (%) - 1970/1981 42
Quadro 2.1 - Estabilização e Reformas Estruturais na América Latina - 1985/1990 67
Quadro 2.2 - Estabilização e Reformas Estruturais na América Latina - 1991/1996 68
INTRODUÇÃO
O período que se inicia com o fim da segunda guerra mundial e se estende até
meados da década de 1970 é marcado pelo grande empenho das forças sociais e dos
governos, principalmente dos países centrais do capitalismo mundial, em promover o
crescimento/ desenvolvimento econômico com o intuito de evitar a repetição da grande
depressão mundial ocorrida na década de 1930 e o avanço do socialismo. Nesse sentido,
a intervenção estatal no pós-segunda guerra, sob a forma de política econômica,
conciliava interesses capitalistas e da classe trabalhadora e regulava a atividade
econômica, mantendo elevados os níveis de crescimento/desenvolvimento econômico.
Assim, o princípio ‘intervencionismo estatal’, prevalecente no pós-segunda guerra,
está relacionado ao papel dos Estados Nacionais na sustentação do crescimento
econômico, por meio do qual pôde ser mantido o compromisso político dos governos
com o pleno emprego e com a ampliação dos direitos sociais, compromisso esse tido
como a "pedra de toque" dos chamados Estados de bem-estar social (yvelfcire States).
A influência da teoria keynesiana na construção dos fundamentos da intervenção
do Estado na economia é quase consensual entre os intérpretes desse período. O mesmo
não acontece quando se trata da influência concreta dessas idéias na explicação do boom
do pós-segunda guerra mundial. Em que pese esta afirmação, é inconteste que o
Keynesianismo ofereceu os alicerces para uma gestão macroeconômica mais compatível
com os objetivos almejados pelos Estados Nacionais e para a constituição das políticas
de bem-estar social (welfare States) implementadas em diversos países, principalmente
do continente europeu. Assim, tais políticas são identificadas como características do
Keynesianismo social, de sorte que, ainda que welfare staíe não seja idêntico a
Keynesianismo, o mesmo se mostra compatível com a sua essência.
Para que o crescimento/desenvolvimento econômico fosse edifícado, fez-se
indispensável a constituição de uma nova ordem econômica internacional. Esse
rearranjo da ordem econômica e financeira foi pactuado dentro do acordo de Bretton
Woods, resultante da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas de 1944, e
2
mostrou-se determinante para o crescimento/desenvolvimento econômico das principais
economias capitalistas nos anos que se seguiram.
A supressão da ordem econômica e financeira egressa de Bretton Woods é uma
das principias manifestações da crise capitalista dos anos 1970. Com a crise, a validação
das políticas econômicas que garantissem a retomada do processo de acumulação de
capital no bloco de países capitalistas exigia uma concepção de desenvolvimento que
disputasse a hegemonia com o Keynesianismo. A esta nova concepção de
desenvolvimento, inspirada nas teses liberais - a este "novo liberalismo", portanto,
convencionou-se denominar neoliberalismo. Apresentado tal contexto de reordenamento
da ordem econômica mundial, todas as economias periféricas deveríam nela se engajar,
e a garantia de inserção seria dada pela adoção do receituário de políticas neoliberais.
Note-se que estas políticas são entendidas, supostamente, como a única forma dos
países se enquadrarem neste novo mundo das finanças globalizadas (Carcanholo, 2002).
O neoliberalismo não deve ser interpretado como simples reedição do liberalismo
clássico, posto que existem diferenças fundamentais entre eles, em especial porque o
neoliberalismo abandona o campo ideológico e fundamenta um projeto político de
sociedade, a ‘sociedade de mercado’, e também porque existem diferenças com relação
à estrutura e às funções que se apregoa ao Estado. Por ora, é importante destacar que o
neoliberalismo toma-se hegemônico não somente em termos teóricos e ideológicos, mas
também sob a forma de políticas econômicas a serem adotadas.
Ao conjunto de receitas de políticas e estratégias de desenvolvimento defendidas
pelas instituições egressas de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco
Mundial) e pelo governo do Estados Unidos, denominou-se Consenso de Washington.
Foi através deste consenso que a concepção ideológica neoliberal se consubstanciou, no
sentido de ter se tomado um receituário de medidas a serem implementadas na periferia
do capitalismo. De acordo com Fiori (1997: 12), estas medidas podem ser compiladas
em: estabilização macroeconômica, tendo como prioridade absoluta um superávit fiscal
primário envolvendo a revisão das relações fiscais intergovernamentais e a
reestruturação dos sistemas de previdência pública; uma segunda medida dedicada ao
que o Banco Mundial denominou de 'reformas estruturais', quais sejam, liberalização
3
financeira e comercial1, desregulação dos mercados e privatização das empresas
estatais; e, por fim, como conseqüência necessária da adoção de tais medidas, haveria a
retomada dos investimentos e o crescimento econômico. Este programa de estabilização
e reforma econômica foi chancelado pelo FMI e pelo BIRD em mais de sessenta países
de todo mundo.
’ Nesse sentido Cano (1999: 299) afirma que "o discurso ideológico utilizado foi que agora chegara a hora da periferia padronizar-sc, igualando ao Primeiro Mundo. Para isso, necessitava daquele conjunto de reformulações das quais a peça chave seria expor à concorrência internacional o aparelho produtivo nacional" para que ele ganhasse maior eficiência produtiva e competitividade. Explicavam também que isso era uma tarefa inevitável, necessária c inadiável, diante da globalização dos mercados internacionais. Ou seja o imperialismo volta a atuar de forma mais dura, travestido de nova 'modernidade'".
Ainda que a concepção ideológica neoliberal tenha obtido grande repercussão nos
países centrais, o que se observa é que houve a liberalização de seus fluxos financeiros
como forma de financiar suas dívidas, mas a liberalização comercial e a redução da
participação do Estado na economia não foram tão drásticas. Pelo contrário, o capital
financeiro e industrial conseguiu se expandir nas últimas décadas graças ao apoio por
parte dos principais Estados capitalistas. Já no caso dos países periféricos, mais
especificamente os latino-americanos, a efetiva implementação do receituário de
políticas neoliberais se inicia já na década de 1970, sendo o Chile o caso pioneiro. No
entanto, após o fracasso retumbante da implementação de tais políticas na América
Latina, o pensamento neoliberal passou por nova reformulação, e a esse novo conjunto
de propostas convencionou-se denominar de Pós-Consenso de Washington.
E de se destacar, à luz do exposto, que tomamos por objeto do estudo a análise
crítica acerca da profunda transformação sofrida pelo sistema capitalista mundial na
segunda metade do século XX. Mais especificamente, nos propomos a analisar,
primeiro, a influência das idéias keynesianas na construção dos fundamentos da
intervenção estatal no pós-segunda guerra e a consolidação dos estados de bem-estar
social. Na seqüência, analisa-se a brutal guinada na condução da política econômica
mundial com a crise dos anos 1970, a partir da qual se observa a emergência de uma
nova institucionalidade econômica-financeira e a hegemonia de um novo projeto
político de sociedade, o neoliberalismo.
Assim esta dissertação procura mostrar que os compromissos políticos com o
pleno emprego e ampliação dos direitos sociais que prevaleceram durante os "anos
4
gloriosos" do capitalismo são abandonados no pós 1970, dada sua incompatibilidade
diante da adoção do receituário de políticas neoliberais, emanadas do Consenso de
Washington e reafirmadas no Pós-Consenso de Washington. No entanto, mais que
proceder a um mapeamento exaustivo das reformas neoliberalizantes, algo em boa
medida já cumprido pela literatura crítica, buscamos mostrar que, diante desse novo
contexto, um dos principais compromissos da política econômica passa a ser a
manutenção da estabilidade monetária, o que prevalece na atualidade.
Para tanto, é preciso, de início, reconhecer o manifesto fracasso das políticas
neoliberais adotadas nas últimas décadas em alcançar os objetivos a que se propuseram,
quais sejam a retomada dos investimentos e do crescimento/desenvolvimento
econômico. Antes, elas aprofundaram os problemas das economias periféricas, como na
América Latina, em que pesem as diferenças históricas entre os países dessa região. Em
sendo assim, a relevância do estudo reside em procurar contribuir com as análises que
vislumbram espaços para a atuação de uma política econômica e uma opção nacional de
crescimento/desenvolvimento alternativas àquelas de corte conservador, dado que
entendemos não se sustentar a tese liberal-conservadora da ‘única via’, como bem
demonstram as experiências de alguns países asiáticos. Assim, procuramos mostrar que
quanto mais distante se estiver da superação da implementação das reformas de cunho
conservador, destacadamente do compromisso com a estabilidade monetária, mais
distante estará a superação do fracasso neoliberal.
A relevância do estudo se toma ainda mais justificável quando se consideram as
propostas emanadas do Pós-Consenso de Washington, mais especificamente a proposta
de Williamson e Kuczynski (2004), na qual os autores seguem defendendo como
solução para os problemas suscitados pelas políticas neoliberais, uma vez mais, a
disciplina macroeconômica, as privatizações, a desregulamentação do mercado de
trabalho, as aberturas comercial e financeira, mas agora, no entanto, sublinhando a
necessidade de se complementar as reformas, em particular na América Latina, com
medidas que permitam maior ênfase no combate à pobreza e à distribuição de renda,
assim como prevenir e combater as crises financeiras. Porém, a nosso juízo, estes
autores não reconhecem a incompatibilidade entre as tradicionais políticas de ajuste
estrutural e os "novos objetivos" de luta contra a pobreza e a desigualdade.
5
Com efeito, a referência teórica desta dissertação se desdobra do próprio objeto do
estudo, com o que serâ analisada a literatura que versa sobre o Consenso Keynesiano,
mais especifícamente sobre a constituição dos estados de bem-estar social, bem como a
literatura que trata da crise dos anos 1970 e da emergência do neoliberalismo até os dias
atuais, com as recomendações de políticas emanadas do Consenso e do Pós-Consenso
de Washington.
Para levarmos a cabo os nossos propósitos, além desta Introdução apresentamos
dois capítulos, seguidos das Considerações Finais.
O primeiro capítulo analisa o legado das políticas keynesianas à constituição dos
estados de bem-estar do pós-segunda guerra e a ordem econômica mundial pactuada em
Bretton Woods. Na seqüência é analisado o desmonte da institucionalidade econômica e
financeira pactuada no acordo de Bretton Woods, com o que passa a imperar sobre o
sistema econômico e as políticas nacionais a lógica do sistema financeiro, o que
Belluzzo (1995:16-7) denominou de “generalização e supremacia dos mercados de
capitais".
Segundo afiança Fiori (1997: 118), "a partir daí, o mundo inteiro ingressou na
chamada era das políticas deflacionárias, sob cuja égide nós estamos: moedas
sobrevalorizadas, a inflação como inimigo principal, os equilíbrios macroeconômicos
como um objetivo central de todos os governos e um desinteresse absoluto por
crescimento/desenvolvimento e por emprego, que eram o grande objetivo da era
keynesiana ou da era fordista. Isto é que foi invertido".
O segundo capítulo trata mais especificamente da crise dos anos 1970 e da
ressurgência do liberalismo econômico. Para tanto, lançamos mão de alguns casos mais
emblemáticos, principalmente dos países pertencentes à região latino-americana, com o
que buscamos comprovar a tese aqui desenvolvida, segundo a qual a estabilidade
monetária tomou-se um dos principais objetivos da política econômica dentro do
receituário neoliberal, o que prevalece ainda nos dias atuais.
CAPÍTULO 1
O CONSENSO KEYNESIANO
O receio de que o fim da segunda-guerra mundial trouxesse de volta a crise
econômica dos anos 1930 levou os governos das principais economias do bloco
capitalista a adotarem medidas que tentavam prevenir as recessões. Por motivos
políticos, deveria ser evitado o retomo do desemprego em massa característico do
período da crise. Igualmente, os desequilíbrios sociais, em grande parte decorrentes da
crise, deveríam ser amenizados. A formulação teórica desenvolvida por Keynes colocou
os alicerces para uma gestão macroeconômica mais compatível com esses objetivos (ou
compromissos), e os sistemas de gestão estatal nos quais estes compromissos vigoraram
são denominados de welfare States (Estados de bem-estar social). No entanto, para que
os governos nacionais fossem capazes de sustentar o crescimento/desenvolvimento
econômico, fez-se necessário um reordenamento da economia internacional, pactuado
no acordo de Bretton Woods em 1944. Destarte, os anos de prosperidade vividos no
pós-segunda guerra são denominados de período do Consenso Keynesiano. O declínio
do acordo de Bretton Woods explica, em grande parte, o desmantelamento dos Estados
de bem-estar social e dos compromissos que neles prevaleciam.
1.1 - Algumas considerações acerca da teoria keynesiana
O esforço intelectual de compreensão dos fundamentos da riqueza de uma
economia capitalista, empreendido pelo célebre economista inglês John Maynard
Keynes, está contido em sua mais importante obra, A Teoria Geral do emprego, do juro
e da moeda, de 1936, considerada um marco teórico de ruptura com a escola clássica de
pensamento econômico.
7
A argumentação de Keynes acerca da forma como o nível de emprego é
determinado numa economia capitalista diverge completamente daquela formulada
pelos economistas clássicos2.
2 Keynes (1936:23, nota 1) estende a denominação de ‘economistas clássicos’ utilizada por Marx (1867), a qual designava Ricardo c James Mil 1 c seus predecessores, para incluir os seguidores de Ricardo, como J.S.Mill, Marshall, Edgcvvorth c Pigou.
3 A este respeito ver Morgan (1980) c Vercclli (1991).
4 Entende-se que neste ponto (de pleno emprego) todas as pessoas dispostas a trabalhar, aceitando o nível de salário real vigente, encontrarão emprego.
No plano teórico mais abstrato, os clássicos procuram explicar a economia de
mercado em seu estado de máxima perfeição, ou seja, trabalham num mercado em que
prevalecem as condições de concorrência perfeita. Simplificadamente, tais condições
são: 1) vendedores e compradores participantes nesse mercado estão sempre presentes
em número tão elevado que nenhum deles consegue influenciar os preços; 2) todos os
agentes conhecem todas as ofertas e demandas e 3) todos os agentes se guiam
exclusivamente por condições econômicas procurando maximizar suas vantagens.
Dadas essas condições restritivas, para os teóricos clássicos3, o nível de equilíbrio
da produção, aquele que iguala oferta e demanda agregada (sempre a um nível
condizente com o pleno emprego da força de trabalho)4, é determinado por duas
funções: de produção e a curva de oferta de trabalho. A função de produção (Y)
relaciona o nível de produto (y) com o nível de emprego (N), supondo que o capital é
fixo no curto prazo (K). Com o capital fixo no curto prazo, a função de produção irá
exibir retornos decrescentes para o trabalho, ou seja, o crescimento do produto
resultante do emprego de uma unidade adicional de trabalho irá decrescendo à medida
que mais trabalho for empregado.
Tomando como dado que estamos trabalhando num mercado em que prevalecem
as condições de concorrência perfeita e, portanto, que o objetivo das firmas é maximizar
seus lucros, a curva de demanda por trabalho será derivada do nível de produção que
iguala o custo marginal (Cmg) ao preço do produto (P). Entretanto, no caso em que o
trabalho é o único fator variável de produção, o custo marginal é simplesmente a razão
entre salário real (W/P) e o produto marginal do trabalho (PmgL). Desta forma, a
condição de maximização de lucro descrita anteriormente (Cmg = P), pode ser reescrita
da seguinte forma: WZP= PmgL. O nível de emprego, consistente com a maximização
8
de lucros, é determinado no ponto onde o salário real se iguala ao produto marginal do
trabalho. Este é o primeiro postulado clássico.
O Gráfico 1.1 mostra a determinação do nível de emprego segundo os clássicos:
Gráfico 1.1- Determinação Clássica do Emprego
Salário real
(W/P)
Como no modelo clássico os níveis de equilíbrio de emprego e salário real são
determinados no mercado de trabalho competitivo, através da interação entre demanda e
oferta de trabalho, devemos analisar como a curva de oferta de trabalho é determinada.
Segundo advoga a teorização clássica, os trabalhadores buscam a combinação de
renda real (derivada das horas trabalhadas) e horas de lazer que maximize seu nível de
utilidade. Esta renda é dada pelo salário real multiplicado pelo número de horas
trabalhadas e o lazer pelo número de horas disponíveis menos o número de horas
trabalhadas. Assim, quanto maior o número de horas destinadas ao lazer, menor o
salário real (ou seja, menor será a renda); de forma análoga, quanto menor o número de
horas de lazer e maior o número de horas trabalhadas, maior o rendimento, portanto o
salário real (W/P) é uma função direta do número de horas de trabalho. Quando são
somadas todas as curvas de oferta de trabalho individuais, tem-se a curva de oferta de
trabalho agregada da economia.
O Gráfico 1.2 mostra a conformação do mercado de trabalho segundo os clássicos:
9
Gráfico 1.2 - Mercado Clássico de Trabalho
O equilíbrio no mercado de trabalho é alcançado no ponto onde as curvas de oferta
e demanda de emprego se cruzam. Os clássicos admitem a existência de desequilíbrio
no mercado de trabalho, ou seja, situações em que a oferta e a demanda por emprego
não são iguais. Portanto, não consideram que o nível de desemprego seja sempre zero,
mas que o excesso persistente de oferta de trabalho acima da demanda seria impedido
pela flexibilidade dos salários, de tal modo que o desequilíbrio no mercado de trabalho
competitivo podería ser evitado se a força de trabalho aceitasse trabalhar por salários
menores. Decorre daí o segundo postulado clássico, que advoga o declínio do nível de
emprego como sendo causado pelas reivindicações dos trabalhadores por maiores
salários reais, ou seja, havería uma relação inversa entre nivel de emprego e salário real.
Depreende-se desta análise que, para os clássicos, o mercado de trabalho é o
determinante da oferta agregada, e os níveis de produção e emprego, assim
determinados, são consistentes com o pleno emprego da força de trabalho. As condições
de demanda e sua influência chave sobre aquelas variáveis são negligenciadas na
análise. Isso ocorre porque uma vez que o produtor conhece sua função de produção
(portanto conhece sua oferta), a demanda se ajusta a esta produção, ou seja, é suposto o
funcionamento do princípio da Lei de Say, segundo o qual toda oferta cria sua própria
demanda (oferta agregada é igual a demanda agregada)5. Destarte, a determinação da
renda nacional dependerá quase exclusivamente de fatores tecnológicos, e não do nível
de demanda agregada da economia.
5 Rigorosamente, a Lei de Say aplicar-sc-ia a uma economia baseada no escambo c não a uma economia monetária.
10
O Gráfico 1.3, na seqüência, ressalta o exposto, isto é, uma vez que o nível de
produto tenha sido determinado no mercado de trabalho a um nível consistente com o
pleno emprego das forças produtivas, este nível será mantido, deixados de lado os
desvios temporários, posto que o nível de gastos em bens e serviços (demanda
agregada) será levado a igualar-se à oferta agregada através da força equilibradora da
taxa de juros.
Gráfico 1.3 - Mercado Clássico de Trabalho e Demanda
A influência da taxa de juros sobre os níveis de investimento e consumo assegura
a igualdade entre oferta agregada (AO) e demanda agregada (DA). Isso acontece porque
a renda será inexoravelmente utilizada para consumo ou será dirigida à poupança, e a
poupança será imediatamente direcionada ao investimento, de modo que não seria
gerada qualquer deficiência de demanda agregada, uma vez que ela apenas se ajusta à
oferta agregada. Tal situação, na qual a poupança de alguns é destinada ao empréstimo
para outros, é denominada de mercado de fundos emprestáveis, como mostra o Gráfico
1.4 na seqüência.
Gráfico 1.4 - Mercado de Fundos Emprestáveis
Keynes provoca uma ruptura cabal em relação aos postulados da teorização
clássica. Trata-se de uma teoria assentada na pressuposição de que a economia
monetária e empresarial funcione nos termos de uma economia de troca real, razão pela
qual denomina a economia clássica de ‘economia de salário real’ ou ‘economia
cooperativa’ (Keynes, 1933). De todo modo, na Teoria Geral, ao discutir os postulados
clássicos, Keynes aponta que a inconsistência teórica não está diretamente relacionada
ao primeiro postulado, posto que, para uma firma maximizadora de lucro em condições
de concorrência perfeita, o crescimento do produto resultante do emprego de uma
unidade adicional de trabalho (PmgL) irá decrescendo à medida que mais trabalho for
empregado. No entanto, é preciso rejeitar o segundo postulado, posto que não havería
uma correlação inversa entre nível de emprego e salário real. Keynes sublinha que o
declínio do nível de emprego não se deve às reivindicações por maiores salários por
parte dos trabalhadores, haja vista que os trabalhadores não têm poder algum de
mudança sobre os níveis de salário real; eles podem, no máximo, reivindicar salários
nominais. Dessa forma, chega-se a uma indeterminação da forma como o nível de oferta
de trabalho se daria numa economia capitalista.
Ao analisar quais seriam os determinantes desta oferta, Keynes advoga,
contrariamente aos teóricos clássicos, que o objetivo primeiro da produção capitalista
não é atender ao consumo, dado que não se trata de uma economia cooperativa (de troca
real); seu objetivo é, sim, a valorização do capital, o aumento da riqueza, e atender ao
consumo é apenas uma “possível” conseqüência. Deste modo, o volume de produção
será decidido com base nos rendimentos que desta se espera obter. Este é o princípio da
12
demanda efetiva, que explica como a oferta agregada e, conseqüentemente, o nível de
emprego do sistema capitalista, são criados.
A peculiar noção de demanda efetiva, em Keynes, está associada a uma economia
monetária (ou empresarial) da produção, que expressa a sua particular concepção do
modo de operação e funcionamento do sistema capitalista.
Davidson (apud Carvalho, 1995:42-8), propõe três princípios para caracterizar
uma economia monetária da produção. O primeiro é o da não neutralidade da moeda, ou
seja, a moeda não serve apenas para intermediar as trocas, mas também como reserva de
valor, dado o seu atributo de liquidez máxima do sistema; portanto, tem a capacidade de
transportar valor no tempo, acalmando as inquietações dos agentes frente a um futuro
que se desconhece. O segundo princípio advoga que a irreversibilidade do tempo gera
ambientes não ergódigos, nos quais não é possível aprender com o passado, dado que o
mesmo não se repete. Por fim, o terceiro princípio diz que, em ambiente não ergódigo, é
preciso desenvolver formas de proteção contra a incerteza, com o que é criado um
sistema de contratos.
Uma discussão interessante das características de uma economia monetária ou
empresarial encontra-se em Carvalho (1989), para quem as mesmas podem ser
apreendidas por meio de cinco axiomas: da produção; da decisão; da inexistência de
mecanismos de pré-conciliação; da iiTeversibilidade do tempo e da incerteza; e das
propriedades da moeda. Em trabalho posterior (Carvalho, 1995), tais características são
tratadas como postulados ou princípios, ao tempo em que são desdobradas em seis, por
conta da apresentação em separado dos princípios da temporalidade e da incerteza6
Pelo primeiro princípio, da produção, as decisões de produção e investimento são
tomadas e levadas a cabo por firmas, cuja meta exclusiva é terminar o período de
produção com mais dinheiro do que se iniciou. O segundo princípio é o da estratégia
dominante, no qual se discute a hierarquia de poder entre os agentes econômicos. Nesta
economia composta por firmas e trabalhadores, os primeiros oferecem trabalho e
almejam lucros, enquanto os trabalhadores ofertam somente sua força de trabalho, não
Em Garlipp (1991), as pnncipais características distintivas de uma economia monetária c empresarial sao apresentadas como: o objetivo dos agentes; o caráter das decisões; a suscetibilidadc a flutuações’ a importância do tempo e da incerteza; e as propriedades do dinheiro. Tais características recebem úm tratamento mais apurado cm Garlipp (2001: cap.2).
13
tendo qualquer poder de influência sobre o nível de produção, de geração de emprego e
de renda.
O terceiro princípio refere-se à temporalidade da atividade econômica. Esse
princípio esclarece que as firmas devem decidir sua escala de produção baseadas em
suas expectativas de demanda. Como a produção consome algum tempo, separa-se o
momento da decisão de produzir do momento em que o mercado efetivamente
informará sobre a disposição dos compradores em validar ou não as decisões das firmas,
portanto tais decisões deverão ser à base de expectativas e não de informações.
O quarto princípio é o da não ergodicidade, ou seja, não se pode aprender
perfeitamente com o passado. Este princípio está muito relacionado ao anteriormente
analisado. Os produtores deverão tomar decisões denominadas “cruciais”, ou seja,
aquelas que, uma vez iniciadas, só podem ser revogadas com grandes perdas e, além
disso, as condições iniciais que estavam postas simplesmente não podem ser repostas,
portanto, o aprendizado através da repetição é impossível. Experiências desta natureza
podem, no máximo, apresentar uma vaga similitude. Em face de um futuro não passível
de previsibilidade, totalmente incerto, os agentes buscam se defender da possibilidade
de que decisões cruciais levem a perdas irreversíveis, preferindo ativos mais líquidos
(ou a liquidez máxima consubstanciada na moeda), ou então aderindo a um
comportamento convencional. E preciso notar que nem todo processo de decisão é
afetado desta maneira pela incerteza quanto ao futuro. As decisões que envolvem um
horizonte próximo, para o qual seja relativamente seguro supor uma continuidade das
condições que estão postas no presente, serão pouco afetados pela incerteza. Este é o
caso das decisões de produção por parte das firmas, orientadas pelas expectativas de
curto prazo, mas não é o caso das expectativas de longo prazo que orientam as decisões
de investir.
0 quinto princípio é o da coordenação. Dado que inexiste um mecanismo pelo
qual seja possível pré-conciliar os planos de produção dos agentes privados (a visão de
Keynes é muito próxima, neste sentido, à da “anarquia da produção capitalista” de
Marx), criam-se instituições que têm o papel de reduzir os riscos e socializar as perdas
destes agentes. O estabelecimento de formas eficazes de coordenação entre os agentes
torna-se fundamental, e isto, é feito através da criação de um sistema de contratos que
garantem fluxos de produtos e serviços entre os produtores e entre produtores e
14
compradores. Desta forma, o conhecimento dos custos de produção (deliberados nos
contratos), junto com as expectativas de retorno formadas pelas firmas, são a base do
sistema de cálculo capitalista que define sua “racionalidade’'.
Por fim, o sexto princípio diz respeito às propriedades da moeda. Em uma
economia monetária da produção a moeda tem elasticidades negligíveis (ou nulas) de
produção e de substituição, ou seja, a disponibilidade de moeda deve ser relativamente
insensível à demanda e suas funções não podem ser exercidas por substitutos. A função
essencial da moeda é a de servir como referência comum (ou unidade de conta) para a
realização de contratos; conseqüentemente, o poder de compra da moeda deve ser
inflexível, pois é o que faz com que ela tenha uma liquidez elevada.
É porque os detentores de riqueza tendem a posições de maior liquidez como
forma de mitigar suas inquietações acerca de um futuro incerto, que se desconhece que
a economia monetária sofre flutuações de demanda efetiva e, conseqüentemente,
desemprego, o qual Keynes denominou de desemprego involuntário. Portanto, “a
preferência pela liquidez pode ser, também e em boa medida, responsabilizada pelas
flutuações a que está sujeita a economia monetária e empresarial” (Garlipp, 2001:76).
Entendida a forma particular de concepção de Keynes acerca do modo de
funcionamento de uma economia capitalista, monetária por excelência, é possível
apreender de forma mais rigorosa como é determinada a oferta de emprego nesta
economia. Para tanto se faz necessário uma análise mais meticulosa acerca do princípio
da demanda efetiva, visto que este explica como são gerados a oferta agregada e,
conseqüentemente, o nível de emprego do sistema.
A demanda efetiva envolve um equilíbrio nocional entre demanda agregada, que
expressa o retomo que o produtor espera obter para um dado nível de renda, e a oferta
agregada, que expressa o retomo mínimo correspondente a algum nível de emprego que
justifica uma decisão de produção, ou seja, expressa que o mínimo que o capitalista
deverá ofertar será aquele suficiente para cobrir os custos de produção e de uso mais um
mark up. O nível de demanda efetiva é representado pelo ponto onde a curva de
demanda agregada se encontra com a curva de oferta agregada. Como bem analisa
Possas (1986:296), “oferta e demanda são ambas definidas ex ante, com o que sua
interseção, que definiría nível de demanda efetiva, também é obviamente ex ante, isto é,
15
independe da realização da produção e, portanto, do valor das vendas a ser verificado ex
post”.
Este ponto de cruzamento das duas curvas é um ponto de equilíbrio nocional, de
curto prazo, no sentido de que as expectativas dos produtores quanto à efetivação da
demanda foram satisfeitas durante este período de produção. Insistimos tratar-se de um
equilíbrio nocional, posto que é uma referência meramente expositiva feita por Keynes,
no sentido de que os produtores, depois da experiência de vários períodos de produção,
podem vir a sancionar suas expectativas de demanda, o que não significa que no
próximo período de produção o mesmo irá ocorrer7.
7 É importante ressaltar a divergência de tal abordagem com a aquela elaborada pelos clássicos, na qual o nível de demanda efetiva c indeterminado, pois, como toda oferta cria sua própria demanda (Princípio da Lei de Say), as curvas de demanda agregada e oferta agregada coincidiríam.
Contanto que a demanda agregada seja maior que a oferta agregada, o retorno do
produtor poderá ser aumentado com um aumento da produção num próximo período e,
conseqüentemente, do emprego. Entretanto se a demanda agregada for menor que a
oferta agregada, a redução do nível de produção e, portanto, de emprego deverá
acontecer. Assim, “as expectativas são confrontadas com' os resultados realizados, que
as confirmam ou não, induzindo eventual alteração corretiva nas decisões de produção
subseqüentes e deste modo na própria demanda efetiva futura” (Possas, 1986:298).
Com o exposto, fica claro que o nível de emprego numa economia capitalista é
determinado no mercado de bens, a partir das expectativas dos produtores acerca dos
rendimentos que da produção se espera obter. Estas expectativas podem ser confirmadas
(o nível de demanda efetiva alcançado) a um nível de pleno emprego da força de
trabalho; no entanto, este é um dos pontos possíveis, todas as outras situações (a maior
parte delas; portanto, a regra) representam um “equilíbrio” abaixo do pleno emprego da
força de trabalho. É neste sentido que Keynes destaca em seus escritos posteriores à
Teoria Geral que, mesmo que as expectativas de curto prazo dos produtores fossem
atingidas e, portanto, o ponto de demanda efetiva fosse alcançado, podería haver
desemprego.
Keynes coloca a questão do pleno emprego no centro de sua reflexão teórica,
mostrando que, sob condições de livre mercado, podería haver uma insuficiência de
demanda que levaria a uma subutilização da produção e do emprego. Nos termos
16
apresentados pelo próprio Keynes (1982:284-5): "os dois principais defeitos da
sociedade econômica em que vivemos são a sua incapacidade para proporcionar o pleno
emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas", e continua
crendo que haja "justificativa social e psicológica para grandes desigualdades nas rendas
e na riqueza, embora não para as grandes disparidades existentes na atualidade". Com
efeito, ao identificar a fonte das crises econômiças na insuficiência de demanda, Keynes
enxerga nos gastos públicos uma possível solução para as mesmas.
De acordo com Carvalho (1999:260) é surpreendente a diversidade de
interpretações atribuídas à teoria formulada por Keynes e, conseqüentemente, ao que se
entende por políticas keynesianas. Alguns definem as políticas keynesianas como
"políticas compensatórias (anticíclicas) de gastos deficitários. Outros consideram isto
uma política pré-keynesiana, destacando Keynes como proponente de uma política fiscal
expansionista permanente que impedisse a economia de se assentar numa posição de
equilíbrio com desemprego, ao invés de desemprego cíclico. Outros, ainda, julgam as
políticas keynesianas como sinônimo de gestão da demanda, através de mecanismos
fiscais e monetários. Para alguns, é muito mais a ênfase na geração de déficits fiscais do
que em orçamentos equilibrados que caracteriza o Keynesianismo".
No entanto, ’’ (...) o caráter específico das propostas de política econômica de
Keynes consiste na definição de um conjunto de medidas delineadas para reduzir ou
socializar as incertezas que cercam as decisões econômicas e para impulsionar a
demanda agregada via intervenção do Estado, quando a demanda privada fracassa. (...)
Como a incerteza perpassa e flui através de muitos canais, todas as alavancas devem ser
acionadas para assegurar a manutenção da economia em um estado de prosperidade"
(Carvalho, 1999:270). Portanto, as políticas keynesianas devem consistir em ações
concentradas em múltiplas áreas de forma a sustentar o investimento, a demanda e o
emprego.
Como assevera Szmrecsányi (1978:18), a principal motivação da postura crítica
adotada por Keynes em relação à teoria clássica, dominante à sua época, não era
simplesmente teórica, mas, acima de tudo, política. Keynes vislumbrava a necessidade
de uma maior intervenção do Estado na geração e na canalização dos investimentos.
Essa intervenção deveria fazer-se basicamente através do controle governamental dos
meios de pagamento e da taxa de juros. No entanto, essa intervenção de natureza
17
monetarista podería revelar-se insuficiente nas épocas de crise, dado que o desemprego e
a depressão teriam como principal causa a escassez de novos investimentos e, numa
situação de crise, os investimentos não tendem a aumentar, devido à insuficiência de
demanda agregada de bens e serviços e também graças à incerteza. Assim, não basta que
o Estado aumente o volume dos recursos disponíveis para investimento. E preciso que
ele intervenha também no lado da demanda, mediante o aumento dos gastos
governamentais em programas públicos.
Em torno das idéias de Keynes, Hicks e Samuelson desenvolveram um modelo
teórico que busca estabelecer a compatibilidade da Teoria Geral com a economia
clássica e a noção de equilíbrio geral que a fundamenta. Suas idéias foram expressas em
dois diagramas - que conjugavam a necessidade de intervenção estatal com a noção de
equilíbrio geral, no primeiro deles o equilíbrio entre o mercado de bens e de serviços e o
mercado de capitais é representado pelo diagrama IS-LM8; já no segundo, o equilíbrio
entre o crescimento do produto e a oferta de trabalho é dado pela curva de Phillips9
(Santos, 2004: 37-8). Note-se que o chamado caso keynesiano passou a ser
simplesmente mais um caso particular da teoria clássica, sem romper com a noção de
equilíbrio geral, ou seja, a teorização keynesiana toma-se um caso particular no
arcabouço da teoria clássica - precisamente o inverso do que pretendia Keynes.
8 Mais precisamente, o modelo IS-LM foi proposto por Hicks cm 1937 e conciliava hipóteses keynesianas com hipóteses clássicas nas formulações de equilíbrio no mercado de bens (IS) e monetário (LM).
9 A curva de Phillips reflete um paradoxo de política, qual seja a estabilização de preços e o pleno emprego seriam metas inconciliáveis dado que, se por um lado as autoridades monetárias resolverem expandir a demanda agregada, o que reduziría a taxa de desemprego, a curva garante que isto acarretaria um custo inflacionário; por outro lado, se a política for anti-inflacionária, o custo seria o aumento do desemprego. Portanto, a curva de Phillips define um trade-off entre inflação e desemprego. Para uma análise mais detida, ver Carcanholo (2003).
10 O termo intervencionismo é aqui utilizado por comodidade, não correspondendo a uma interpretação que enxerga no Estado e na economia uma relação de exterioridade. Sobre este tema, ver BrunhoíT (1991).
No plano das políticas econômicas, o modelo de Hicks e Samuelson se traduziu
em três objetivos básicos: primeiro, manter níveis aceitáveis de
crescimento/desenvolvimento econômico; segundo, alcançar altos níveis de emprego;
e, por fim, sustentar a estabilidade de preços. Diante de tais objetivos, o princípio
intervencionista10 estatal que prevaleceu no pós-segunda guerra está relacionado ao seu
papel na sustentação do crescimento/desenvolvimento econômico, e o período de
18
prosperidade econômica que se estende do pós-guerra até meados da década de 1970
ficou conhecido como período do Consenso Keynesiano, ou também como "anos
gloriosos" do capitalismo mundial. O período de prosperidade capitalista do pós-
segunda guerra é objeto de análise das seções 1.2 e 1.3.
1.2 - Os Estados de bem-estar social (welfare States)
No início dos anos 1940, generalizou-se o temor nos países capitalistas avançados
de que quando a segunda grande guerra terminasse, os problemas da década anterior
retomassem com a mesma virulência de antes, ou seja, se acreditava que a guerra havia
interrompido a grande depressão dos anos 1930 graças à mobilização de recursos que
impunha, mas os problemas que se supunha terem gerado a depressão não teriam sido
resolvidos. Dessa forma, o fim da guerra podería trazer de volta o desemprego e os
conflitos sociais (Carvalho, 2004b).
Assim, no pós-segunda guerra, por motivos políticos, era necessário evitar a
repetição do desastre econômico do período precedente, com o que os governos das
principais economias capitalistas se comprometeram a tentar prevenir uma nova
recessão, ou seja, era necessário evitar o retomo do desemprego em massa e amenizar
os fortes desequilíbrios sociais que o próprio funcionamento da economia capitalista se
encarregava de constituir, e as crises se encarregavam de aprofundar. Estas tarefas
ficaram a cargo do Estado, sendo amplamente reconhecido que os novos esquemas de
planejamento público e administração econômica constituídos nesse período são de
inspiração (neo) keynesiana
Esta ampliação da regulação estatal no pós-guerra também está associada ao
desenvolvimento de um novo modelo de produção nas economias capitalistas
avançadas, o fordismo. De acordo com Clarke (1991), o fordismo envolveu: 1) uma
revolução tecnológica não restrita à introdução da linha de montagem, mas abrangendo
a decomposição de tarefas e a padronização de componentes; 2) uma revolução no
consumo; e, destacadamente, 3) uma revolução nas relações sociais de produção.
Portanto, a viabilidade deste novo regime dependia das ações do Estado, pois, para além
da importância das políticas keynesianás no sentido de assegurar a estabilidade da
19
demanda - fator essencial para o sucesso do fordismo; a ação estatal também foi
essencial para a adequação da classe trabalhadora às novas condições de trabalho
requeridas pelo fordismo.
De tal modo, no contexto de retomada do crescimento/desenvolvimento
econômico que caracteriza o pós-segunda guerra, era bastante adequado ao sistema
capitalista o reconhecimento da importância dos direitos da classe trabalhadora e das
aspirações social-democratas; com o que foi estabelecido o compromisso político dos
governos, fundamentalmente dos países capitalistas centrais, com o pleno emprego e a
ampliação dos direitos sociais. Este compromisso levou à constituição dos chamados
Estados de bem-estar social, ou welfare States. Na medida em que, enquanto formulação
teórica, o Keynesianismo colocou os alicerces para uma gestão macroeconômica mais
compatível com os objetivos destes construtos sociais, e uma vez que o
intervencionismo estatal encontrava base teórica na obra de Keynes, então os Estados de
bem-estar são também denominados de Keynesianismo social11.
11 Conquanto welfare State não seja idêntico a Keynesianismo é compatível com a sua essência.
Os dados apresentados na Tabela 1.1 demonstram que a ampliação da regulação
estatal se traduziu sob a forma de aumento dos gastos governamentais (como proporção
do produto interno bruto - PIB) nas principais economias capitalistas. Os gastos
governamentais aumentaram signifícativamente em todos os países listados, saltando de
uma média de 29,8%, em 1950, para 42%, em 1973.
Tabela 1.1 - Total dos Gastos Governamentais como porcentagem do PIB: Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão - 1938/1999
(composição das taxas médias anuais - dados selecionados)
Fonte: Maddison (2001; 135)
1938 1950 1973 1999França 23,2 27,6 38,8 52,4
Alemanha 42,4 30,4 42,0 47,6Países Baixos 21,7 26,8 45,5 43,8Reino Unido 28,8 34,2 41,5 39,7
Média Aritmética
29,0 29,8 42,0 45,9
Estados Unidos 19,8 21,4 31,1 30,1Japão 30,3 19,8 22,9 38,1
20
Na avaliação de Przeworski (1989:244), diante das demandas sociais e da nova
ordem econômica constituída no pós-segunda guerra, o Keynesianismo tornou-se um
instrumental compatível de uma nova relação entre Estado e sociedade, pois forneceu os
alicerces ideológicos e políticos para o compromisso da "democracia capitalista", e
ofereceu a perspectiva de que o Estado seria capaz de conciliar a propriedade privada
dos meios de produção com a gestão democrática da economia. Isto é, o Keynesianismo
forneceu alternativas para atenuação das crises e amenização das mazelas sociais e,
neste sentido, os controles democráticos sobre nível de desemprego e distribuição da
renda tornaram-se os termos do compromisso que viabilizou a constituição destes
construtos sociais.
Alguns intérpretes atribuem a importância assumida pelo welfare state a uma
progressiva ampliação dos direitos sociais (dos civis aos políticos e, destes, aos sociais),
sendo a conquista de direitos sociais uma característica do século XX. Nessa linha,
Rosanvallon (1997: 27-8) procura desvincular o welfare state do capitalismo e da luta
de classes, afirmando que “a legitimidade do Estado está baseada no seu compromisso
em libertar a sociedade da necessidade e do risco”. A idéia de liberdade reforçaria a de
igualdade e, nesse sentido, o welfare state seria “o produto da moderna cultura
democrática e igualitária”. Ainda nessa linha, Esping-Andersen (1991), procurando
resgatar as diversidades dos regimes de welfare state, atribui grande peso à capacidade
de mobilização da classe trabalhadora, relativizando a importância de determinantes
mais estruturais.
A relação entre o welfare state e o desenvolvimento capitalista é destacada por
autores de filiação marxista, como O’Connor (1977), por exemplo, o qual sublinha que
as políticas implementadas não escapam ao caráter necessariamente contraditório da
intervenção estatal em seu duplo papel: de um lado, garantir a acumulação capitalista; e,
de outro, a sua legitimação. O welfare cumpriría esta última função por meio das
despesas com a área social. Entretanto, esta argumentação pode ser complementada,
pois, mesmo que a necessidade de se legitimar tenha levado os Estados a expandir suas
despesas sociais, o welfare state é comprovadamente uma experiência histórica
localizada no tempo e no espaço, dado que se desenvolveu predominantemente no
continente europeu. Assim, se advoga aqui que sua implementação decorre também da
21
capacidade de luta dos trabalhadores, considerando-se os elementos estruturais e as
especificidades de cada país que culminaram na sua constituição.
Outros autores, como Oliveira (1988), interpretam o welfare State como a
demonstração de que é possível conciliar os interesses do capital e os do trabalho num
patamar superior, ou seja, interpretam-no como um questionamento à ordem capitalista
ao (supostamente) promover a "desmercadorização da força de trabalho"12 e a superação
da lógica do valor pelo fundo público (o "antivalor"). Assim, os arranjos históricos são
elevados à condição de componentes estruturais da ordem capitalista.
12 A desmercadorização, conforme Esping-Andcrscn (1991) refere-se à possibilidade de assegurar a reprodução da força de trabalho à margem do mercado de trabalho.
SISBI/UFU224376
Embora se tenha uma variedade de vertentes explicativas acerca do surgimento e
consolidação dos welfare States é possível perceber que o desenvolvimento destes
sistemas está intimamente relacionado a dinâmica dos processos políticos inerentes a
cada país, e que as soluções para os problemas suscitados variaram segundo fases e
características do processo de desenvolvimento político (Draibe e Aureliano, 1987). Em
sendo assim, embora não se possa falar de um único padrão de welfare State, graças a
essas diferenças de emergência e variações institucionais, é possível dizer que o
alargamento das funções estatais pretendia, independentemente das formas assumidas,
“reduzir as desigualdades, a marginalidade social, suprimir a pobreza, e desenvolver as
tecnologias e toda uma política social de redistribuição” (Buci- Clucksmann e Therborn,
1983:103), mesmo que os objetivos não tenham sido cumpridos em sua totalidade e o
Estado acabasse por satisfazer as necessidades do coletivo de forma desigual.
O welfare State (ou Keynesianismo social) foi uma solução burguesa-democrática
para a crise do capitalismo, ou seja, solução burguesa porque a intervenção do Estado,
regulando o ciclo econômico e as relações de força entre as classes, não suprimiu as
relações de classe próprias da sociedade burguesa; democrática, porque concede
estatuto universalista aos interesses dos trabalhadores. No entanto, Buci- Clucksmann e
Therborn (1983:103) apontam que não se trata de uma solução burguesa qualquer,
“trata-se de uma solução expansiva, ligando alargamento do Estado e fordismo a uma
política social avançada a largas alianças baseadas em compromissos institucionais e
econômicos”.
22
Em síntese, o processo de alargamento do Estado no pós-guerra está associado ao
desenvolvimento de um novo modelo de produção, o fordismo. Nesse contexto de
retomada do crescimento/desenvolvimento econômico que caracteriza o pós-segunda
guerra, consolidou-se uma ampla rede de políticas de bem-estar, cujos principias
compromissos eram com o pleno emprego e a ampliação dos direitos sociais. A
influência da teoria keynesiana na construção dos fundamentos da intervenção do
Estado na economia nesse período é quase consensual entre os intérpretes do período,
mas o mesmo não acontece quando se trata da influência concreta dessas idéias na
explicação do boom do pós-segunda guerra.
No pós-segunda guerra, a constituição de uma nova ordem econômica
internacional, pactuada no acordo de Bretton Woods, foi essencial para que os governos
nacionais pudessem sustentar seus compromissos políticos e econômicos. Transcorridos
os “anos gloriosos”, o desmantelamento de tal acordo, igualmente, é de fundamental
importância para se entender a crise capitalista dos anos subseqüentes. Esse o tema
analisado na seção 1.3.
1.3 - Bretton Woods: auge e declínio
A premência de políticas que reduzissem o risco de retomo da recessão econômica
explica grande parte das mudanças políticas, econômicas e financeiras do pós-segunda
guerra. Nesse momento, mais do que medidas restritas às economias domésticas, fez-se
necessário constituir uma nova ordem econômica internacional, ou seja, de regras de
conduta e instituições internacionais capazes de edificar um ambiente econômico
internacional mais harmônico e de estabilidade das moedas nacionais prejudicadas pela
guerra, reforçando assim o poder dos governos em perseguir o
crescimento/desenvolvimento econômico que o momento requeria. (Belluzzo, 1995).
Ainda no ano de 1944, representantes de vários governos reuniram-se em Bretton
Woods, no estado americano de New Hampshire, tendo chegado a um acordo sobre a
necessidade de constituição de um novo sistema monetário e financeiro internacional. A
conferência de Bretton Woods foi o culminar de um processo de negociações que teve
como protagonistas principais Keynes, representando os interesses ingleses, e Harry
23
Dexter White, representando o governo americano13. Suas teses divergiam, primeiro,
graças às diferentes formas de entendimento de como opera uma economia de mercado
e, segundo, devido à nova correlação de forças que se firmava no plano das relações
econômicas internacionais do pós-guerra: de um lado a Inglaterra, marcada pelo receio
da hegemonia norte-americana que se consolida nesse período e, de outro, os Estados
Unidos, desejosos de afirmar seu domínio, já então indiscutível.
13 Sobre os acordos que levaram à constituição de Bretton Woods e do sistema cin si, ver Mendonça (1998); Carvalho (2004) c Cunha (2004).
Nas negociações que antecedem o acordo de Bretton Woods, Keynes tinha como
principal preocupação limitar ao máximo possível o papel do dólar nas transações
internacionais. Para tanto, propõe, primeiro, a criação de uma moeda internacional
fiduciária (a qual denominou bancor), que serviría apenas como unidade de conta
abstrata, definida simplesmente em termos de suas relações com as diversas moedas
nacionais. Em segundo lugar, propõe a criação de um organismo internacional, a União
Internacional de Compensação (UIC), que exercería a função de banco central dos
bancos centrais, emitindo o bancor no quadro de operações de intercompensação dos
saldos das contas externas dos diferentes países, ou seja, a posição dos países
relativamente à UIC podería ser credora ou devedora, a depender dos seus saldos
externos acumulados. Em caso de superávit, o país teria um depósito em bancores na
conta respectiva e, em caso de déficit, um débito.
De acordo com este esquema, o depósito de um país criaria o poder de compra de
outro, através do crédito, sendo que, a nível mundial, a soma dos déficits externos seria
igual, por definição, à soma dos superávits externos, com o que o problema de ajuste
dos balanços de pagamentos estaria resolvido. Ademais, cada banco central disporia do
direito a crédito em bancores igual à sua quota parte na UIC, definida em função da
importância da sua economia. Note-se que a intenção desse sistema era evitar a
acumulação de déficits ou de superávits, procurando responsabilizar por igual os países
deficitários e superavitários. Estes últimos seriam impulsionados a aumentar as suas
compras e os seus investimentos no exterior privilegiando-se, assim, uma resposta
expansionista aos desequilíbrios extemos em detrimento da resposta deflacionista
tradicional.
24
Keynes propunha ainda que o ouro continuasse a desempenhar um papel, mas
deveria ser desmonetizado progressivamente. O bancor não seria livremente
conversível em ouro, o que implicaria, segundo Keynes, que as reservas de ouro fossem
mantidas proporcionais a sua oferta, não restaurando a situação anterior do padrão-ouro
que se queria evitar. Com relação às taxas de câmbio, Keynes propunha que se
fixassem limites de variação, mas em casos de desequilíbrios fundamentais seria
possível uma modificação para além destes limites. O plano previa ainda a liberdade
absoluta de remessas de divisas nas transações correntes do comércio. Já no que diz
respeito ao movimento de capitais, cada país deveria ser livre para decidir, embora
Keynes defendesse o seu controle. Como assinala Garlipp (2001:196),
“Keynes argumenta favoravelmente a um sistema de controle direto dos
fluxos financeiros de curto prazo, por meio da criação de um banco
central supranacional (Clearing Union} e de seu Plano Bancor, com taxas
de câmbio fixas mas ajustáveis, e um mecanismo de gatilho para fazer
com que uma parte maior do ônus decorrente da eliminação dos déficits
de conta corrente recaísse sobre os países com excedentes. Propõe,
assim, a execução de uma gestão das necessidades de liquidez do
comércio internacional e dos problemas de ajustamento entre países
credores e devedores. Nestes termos, e por ressaltar a incompatibilidade
entre a livre movimentação de capitais e a estabilidade econômica,
Keynes defende a limitação aos fluxos financeiros de curto prazo como
forma de contemplar o crescimento estável do comércio internacional e
uma maior liberdade das políticas nacionais com vistas ao pleno emprego
e ao crescimento econômico”.
Por sua vez, White tinha um caráter mais técnico e propunha fundamentalmente a
criação de um fundo de estabilização internacional a que os países poderíam recorrer,
na proporção dos respectivos depósitos, para fazer face aos desequilíbrios importantes
dos balanços de pagamentos. A proposta americana para as taxas de câmbio não diferia
substancialmente da inglesa: defendia as paridades fixas, mantidas no quadro de uma
cooperação inter-países. No entanto, o objetivo fundamental da proposta de White era
fazer com que os demais países reconhecessem o papel do dólar como moeda
internacional, uma das únicas moedas conversíveis em ouro, sendo que, no pós-guerra,-
25
os EUA dispunham de praticamente 2/3 das reservas de ouro mundiais, estando em
condições de fornecer as mercadorias e a liquidez internacional necessárias à
reconstrução econômica do pós-guerra.
Assim, o reordenamento do sistema monetário e financeiro internacional, através
da elaboração de novas regras de funcionamento e da criação das instituições
econômicas internacionais, é o tema fundamental da conferência de Bretton Woods. Os
convênios firmados no acordo deixaram manifesta a supremacia norte-americana no
bloco dos países centrais, sendo que os setores financeiros privados americanos
influíram e pressionaram de forma constante na sua elaboração, chegando a ter uma
participação direta na redação definitiva dos mesmos (Baer e Lichtensztejn, 1987).
A vasta literatura a respeito do acordo de Bretton Woods14 elucida que este novo
sistema monetário e financeiro teve como expressão: no plano político, a constituição da
Organização das Nações Unidas (ONU); no plano comercial, a criação do Acordo Geral
sobre Comércio e Tarifas (denominado GATT); e, no plano monetário, a criação de
instituições, regras e princípios econômicos. Vale lembrar, nos termos de Almeida
(2002), que o conceito "sistema de Bretton Woods" refere-se a duas problemáticas
distintas, embora intimamente relacionadas. Em primeiro lugar, num sentido estrito,
remete ao papel e ao funcionamento das duas principais organizações internacionais
criadas (o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento), incumbidas de administrar as relações financeiras e monetárias
internacionais. Em segundo lugar e em sentido mais amplo, o conceito se refere às
políticas implementadas por essas instituições no plano multilateral e nas suas relações
com os países membros.
" Entre outros, Gowa, 1983; Moflitt, 1984; Block, 1989; Garlipp, 1992 e 2001a ; Bordo c Eiclicngrcen, 1993; Helleiner, 1994; Aglietta, 1995; Belluzzo, 1995; Mendonça, 1998; Eicliengrcen, 2000; Nakatani, 2002; Almeida, 2002.
O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais tarde
denominado de Banco Mundial, foi inicialmente constituído com a finalidade de
financiar a reconstrução européia no pós-guerra mas, à medida que esse objetivo foi
sendo concretizado, o BIRD passou a privilegiar os investimentos voltados à satisfação
das chamadas "necessidades especiais" dos Estados-membros, particularmente dos
países periféricos. Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi constituído sob
26
influência americana, e as quotas com que cada país contribuiría para o tesouro do FMI,
e que definiríam o número de votos que cada país membro teria na administração da
instituição, foram decididas através de complexas negociações. Originalmente, o Fundo
foi incumbido de evitar as desvalorizações competitivas e funcionar como mecanismo
de monitoração do sistema monetário e financeiro internacional. E importante destacar
ainda que foi constituído um programa de conduta para as políticas econômicas dos
países com problemas de balanço de pagamentos, tendo sido criadas diversas formas de
mediação financeira e empréstimos entre os organismos internacionais instituídos no
acordo, os governos nacionais e o sistema de bancos privados internacionais.
Ainda segundo Almeida (2002), essa primeira problemática, referente às
organizações internacionais, remete ao ordenamento monetário constituído em Bretton
Woods, qual seja, o esquema de paridades cambiais fixas (mas ajustáveis), baseado no
padrão ouro-dólar, isto é, um regime em que as taxas de câmbio são fixas mas há
possibilidade de que sejam alteradas em presença de desequilíbrios externos
considerados fundamentais. Além da instituição do regime de câmbios ajustáveis, esse
novo ordenamento monetário possuía outras características, como mostra
Mendonça(1998: 129-130):
cada país deveria indicar uma paridade para sua moeda em termos de ouro ou do dólar
americano;
os Estados Unidos asseguravam a conversibilidade do dólar. Para que o dólar pudesse
desempenhar o seu papel de equiparação ao ouro, o Governo americano declara que os
Estados Unidos passariam a comprar e a vender este metal contra a sua moeda ao preço
de 35 dólares a onça;
com base no que foi definido no ponto anterior, são fixadas taxas de câmbio bilaterais
cuja estabilidade cada país se compromete a assegurar. A oferta e a demanda de divisas
não pode provocar distorções entre as taxas de câmbio de mercado e a paridade que se
situem para além de mais ou menos 1%. Existe o comprometimento por parte dos
bancos centrais de intervirem vendendo ou comprando divisas, para assegurar que a
taxa de câmbio jamais ultrapasse os limites de variação fixados;
as paridades definidas no ponto anterior são passíveis de revisão:
- até o limite de 10% basta uma notificação do FMI;
27
para além dos 10% o FMI só autoriza em presença de desequilíbrios
considerados fundamentais. O objetivo era evitar as desvalorizações
competitivas que no passado tantos prejuízos haviam causado. Todavia, a
distinção entre simples desequilíbrio e desequilíbrio fundamental nunca foi
claramente formulada;
a/ os países comprometiam-se a assegurar a conversibilidade das respectivas moedas. Na
prática, essa conversibilidade só teve início em 1958 e dizia respeito apenas aos
pagamentos que derivam de operações correntes. No que diz respeito aos movimentos
de capitais, é permitida a existência de limitações que visam sobretudo manter a
autonomia da política interna das taxas de juros.
O outro conceito de "sistema de Bretton Woods" refere-se à problemática de
ordem mais política do que monetária, ou seja, à atuação prática e operacional, e
também "ideológica", das duas organizações econômicas internacionais criadas em
1944 para cuidar das moedas e das finanças internacionais, mas que acabam
necessariamente por envolver-se na administração prática da economia dos países que a
elas recorrem, o que, por sua vez, desencadeia uma série de implicações políticas (e
jurídicas) (Almeida, 2002).
A eficácia do Fundo Monetário Internacional (FMI) em monitorar o sistema
monetário e financeiro internacional e manter a estabilidade mundial encontrará um
importante limite, qual seja, sua incapacidade de enquadrar em seus princípios a
economia norte-americana, a principal fonte de perturbações do sistema monetário
internacional, principalmente nos anos 1960. Esse enfraquecimento do FMI com
relação às suas funções originais significou a entrega das funções de regulação de
liquidez e de emprestador de última instância ao Federal Reserve (Banco Central
americano), ou seja, o sistema monetário internacional e de pagamentos que surgiu do
acordo de Bretton Woods foi menos 'intemacionalista' do que pretendiam seus
formuladores, os quais almejavam constituir uma verdadeira 'ordem econômica
mundial', isso porque o FMI fica submetido ao poder e interesse de uma única
economia, a norte-americana (Belluzzo, 1995).
Em sua análise, Carvalho (2004b) afirma que há duas correntes de interpretação
acerca do acordo de Bretton Woods. Uma delas enxerga o acordo como sendo mais um
28
artifício norte-americano rumo à consolidação de sua hegemonia, ou seja, uma iniciativa
voltada a dotar os Estados Unidos de instrumentos de dominação econômica mais
adequados, dado o declínio da hegemonia européia. A outra corrente advoga que a
conferência foi uma iniciativa movida apenas por propósitos superiores dos países
partícipes, quais sejam os de organizar as relações econômicas internacionais,
permitindo assim a busca mais eficaz do crescimento/desenvolvimento econômico.
O autor acaba por avaliar que o acordo atendeu a ambos os estímulos. No entanto,
é inconteste que a instituição de regras comuns de comportamento para todos os
participantes desse acordo revela um duplo efeito: por um lado, cria um ambiente
político e econômico propício para que se alcancem níveis sustentados de prosperidade
econômica mas, por outro lado, exige que os países abram mão de parte da soberania na
condução de suas políticas econômicas, na medida em que passam a cumprir as regras
acordadas e, na maior parte dos casos, a submeter suas políticas ao veredicto das
instituições criadas, de forma especial o FMI.
Em que pese o exposto, do ponto de vista da busca da prosperidade mundial, no
período que se seguiu à sua pactuação, Bretton Woods foi bastante bem-sucedido. Os
principais aspectos que caracterizam a economia mundial, e de forma mais acentuada os
países capitalistas centrais, foram: 1) um crescimento econômico rápido; 2) taxas de
desemprego excepcionalmente baixas; e 3) uma estrutura econômica relativamente
estável, acompanhada de uma taxa de inflação modesta. Alguns dados permitem
evidenciar tais aspectos.
No que tange ao crescimento, a Tabela 1.2 mostra que entre os anos de 1950 e
1973, o PIB per capita mundial cresceu 2,93%, enquanto o PIB se expandiu a uma taxa
de 4,91%; para ambos os casos, a taxa de crescimento é mais do que o dobro das taxas
observadas nos períodos precedentes (1870-1913 e 1913-1950). Embora todas as
regiões e os países apresentem crescimento em todos os aspectos apontados (PIB per
capita, população e PIB) entre os períodos de 1913-1950 e 1950-1973, merecem
destaque o Japão, que salta de um crescimento do PIB médio de 2,21% entre 1913-1950
para um crescimento de 9,29% entre 1950-1973; a Ásia, que para os mesmos intervalos
considerados tem um crescimento médio de 0,90% e 5,18%; e, por fim, a Europa
Ocidental, cujo crescimento médio do PIB passa de 1,19, entre 1913-1950, para 4,81 no
período de 1950-1973.
29
Já com relação às taxas de desemprego, como porcentagem da força de trabalho, a
Tabela 1.3 mostra que seus níveis são baixos para todos os países selecionados, sendo
que as taxas dificilmente ultrapassam, em média, os 3% no período que se estende de
1950 e 1973, exceção feita aos Estados Unidos (4,6%), Canadá (4,7%) e Itália (5,5%).
Nos períodos seguintes a 1973, o nível de desemprego nos países capitalistas avançados
se eleva consideravelmente e, nesse caso, o exemplo mais emblemático é o espanhol,
que salta de uma taxa de desemprego média de 2,9%, entre 1950 -1973, para 21,8%
entre 1994-1998.
Por fim, o último aspecto relevante que caracteriza as economias capitalistas
centrais durante os anos que sucederam Bretton Woods é a modesta taxa de inflação,
como mostra a Tabela 1.4 (intervalo de 1950-1973). Já a partir de 1970 a inflação volta
a aumentar, mas recua novamente nas décadas de 1980 e 1990. Esse processo pode ser
verificado observando-se a média inflacionária dos intervalos de tempo considerados,
ou observando a maior parte dos casos isolados apontados na Tabela 1.4.
Hoje, com o benefício do distanciamento histórico, é possível perceber que os
"anos gloriosos" pertenceram, fundamentalmente, aos países capitalistas centrais, isto
porque, em que pese tratar-se de um fenômeno mundial, os frutos desse progresso
jamais foram apropriados pela maioria da população mundial, especialmente aquelas
pertencentes aos países periféricos (Hobsbawm, 1995)15. Além do mais, foram as
contradições engendradas pelo próprio acordo de Bretton Woods que tomaram inviável
sua sustentação. Como bem assinala Eichengreen (2000: 132), em primeiro lugar, o
sistema de taxas de câmbio revelou-se contraditório na medida em que mudanças na
paridade foram muito raras, principalmente por parte dos países capitalistas centrais.
Em segundo lugar, o controle de capitais foi o único elemento que funcionou de forma
mais ou menos correta. Antes do sistema de Bretton Woods entrar em funcionamento,
os países que tivessem déficits em seus balanços de pagamentos e sofriam com perda de
suas reservas tomaram mais rigorosos os controles de capitais, as restrições cambiais e
as exigências de obtenção de licenças de importação, cujo objetivo era fortalecer o
balanço de pagamentos. Note-se que tais restrições não seriam eficazes se não houvesse
15 Obviamcntc, quando se comparam os anos gloriosos e o período atual (1980/2004) nos países periféricos, como os da América Latina, por exemplo, as taxas médias de crescimento foram maiores durante aqueles anos graças à estratégia dc desenvolvimento por substituição de importações (a qual possui outros determinantes), assim como as taxas de desemprego também eram inferiores.
30
controles sobre os fluxos de capitais. Mesmo assim, os controles e restrições, que
haviam se mostrado instrumentos eficazes nas décadas de 1940 e 1950, sofreram um
relaxamento no período posterior. Por fim, um último aspecto a ser levantado diz
respeito a monitoração do FMI, que se mostrou ineficaz, fazendo prevalecer os
interesses norte-americanos.
Tabela 1.2 - Crescimento do PIB per capita: Regiões, Países e Mundo - 1870-1998 (composição das taxas médias anuais - dados selecionados)
Fonte: Maddison (2001: 126)*No original corresponde aos seguintes países: Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados
Unidos
1870-1913 1913-1950 1950-1973 1973-1998PIB per capita
Europa Ocidental 1,32 0,76 4,08 1,78Western Offshoots * 1,81 1,55 2,44 1,94Japão 1,48 0,89 8,05 2,34Àsia (excluindo o Japão) ,038 -0,02 2,92 3,54América Latina 1,81 1,42 2,52 0,99Leste Europeu e antiga URSS 1,15 1,50 3,49 -1,10África 0,64 1,02 2,07 0,01Mundo 1,30 0,91 2,93 1,33
PopulaçãoEuropa Ocidental 0,77 0,42 0,70 0,32Western Offshoots * 2,07 1,25 1,55 1,02Japão 0,95 1,31 1,15 0,61Ásia (excluindo o Japão) 0,55 0,92 2,19 1,86América Latina 1,64 1,97 2,73 2,01Leste Europeu e antiga URSS 1,21 0,34 1,31 0,54África 0,75 1,65 2,33 2,73Mundo 0,80 0,93 1,92 1,66
PIBEuropa Ocidental 2,10 1,19 4,81 2,11Western Offshoots * 3,92 2,81 4,03 2,98Japão 2,44 2,21 9,29 2,97Ásia (excluindo o Japão) 0,94 0,90 5,18 5,46América Latina 3,48 3,43 5,33 3,02Leste Europeu e antiga URSS 2,37 1,84 4,84 -0,56África 1,40 2,69 4,45 2,74Mundo 2,11 1,85 4,91 3,01
31
Tabela 1.3 - Nível de desemprego nos países capitalistas avançados - 1950/1998 (como porcentagem da força de trabalho)
Fonte: Maddison (2001: 134)
1950-1973 1974-1983 1984-1993 1994-1998Bélgica 3,0 8,2 8,8 9,7
Finlândia 1,7 4,7 6,9 14,2França 2,0 5,7 10,0 12,1
Alemanha 2,5 4,1 6,2 9,0Itália 5,5 7,2 9,3 11,9
Países Baixos 2,2 7,3 7,3 5,9Noruega 1,9 2,1 4,1 4,6Suécia 1,8 2,3 3,4 9,2
Reino Unido 2,8 7,0 9,7 8,0Irlanda - 8,8 15,6 H,2
Espanha 2,9 9,1 19,4 21,8Média 2,6 6,0 9,2 10,7
Austrália 2,1 5,9 8,5 8,6Canadá 4,7 8,1 9,7 9,4
Estados Unidos 4,6 7,4 6,7 5,3Média 3,8 7,1 8,3 7,8
Japão 1,6 2,1 2,3 3,4
Tabela 1.4 - Inflação nos países capitalistas avançados - 1950/1998 (mudanças no índice de preços ao consumidor - composição das taxas médias anuais)
Fonte: Maddison (2001: 134)
1950-1973 1973-1983 1983-1993 1994-1998Bélgica 2,9 8,1 3,1 1,8
Finlândia 5,6 10,5 4,6 1,0França 5,0 11,2 3,7 1,5
Alemanha 2,7 4,9 2,4 1,7Itália • 3,9 16,7 6,4 3,5
Países Baixos 4,1 6,5 1,8 2,2Noruega 4,8 9,7 5,1 2,0Suécia 4,7 10,2 6,4 1,5
Reino Unido 4,6 13,5 5,2 3,0Irlanda 4,3 15,7 3,8 2,1
Espanha 4,6 16,4 6,9 3,4Média 4,3 11,2 4,5 2,2Austrália 4,6 H,3 5,6 2,0Canadá 2,8 9,4 4,0 1,3
Estados Unidos 2,7 8,2 3,8 2,4Média 3,4 9,6 4,5 1,9
Japão 5,2 7,6 1,7 0,6
32
O papel que a economia e a política norte-americana assumem nesse período e,
por conseguinte, seus rebatimentos sobre a ordem financeira e monetária mundial nos
anos seguintes, são de fundamental importância., Nos termos apresentados por
Garlipp(2001: caps. 4 e 5), a economia norte-americana começa a ser questionada já na
década de 1960, devido aos crescentes déficits em suas contas externas, ocasionados
pelo envio de recursos para a reconstrução européia no pós-segunda guerra; pelo
endividamento proveniente dos gastos com a Guerra Fria; pela maior competitividade
que passam a empreender Alemanha e Japão após se reconstruírem da guerra e, por fim,
pela perda de recursos devida à constituição de um mercado de dólares fora dos Estados
Unidos, o euromercado ou mercado de eurodólares. A evolução da constituição desse
mercado expressa a saída de dólares da economia norte-americana ao longo da década
de 1960, como é mostrado na Tabela 1.5.
Tabela 1.5 - Evolução dos eurodólares - 1964/1970 (em milhões de dólares)
Fonte: Mendonça, 1990: 298
Ano Perda de dólares1964 9,01965 11,51966 14,51967 17,51968 25,01969 37,51970 46,0
A constituição de um mercado de dólares fora dos Estados Unidos, e fora do
controle das autoridades norte-americanas, é o elemento mais importante dentre os
apontados. Esse mercado é constituído por "dólares usados como funding de operações
de crédito na Europa Ocidental, oriundos de contas das multinacionais norte-
americanas, inicialmente, e depois dos bancos norte-americanos, em franco processo de
internacionalização de suas atividades". Após se consolidar, este mercado ganha
autonomia, e
"com os fluxos financeiros especulativos e o comportamento oscilatório
das autoridades monetárias norte-americanas e das demais economias, a
instabilidade monetária assume a forma de crise aberta. Em meados de
UNIVERSIDADE FEDERAL DE U3ERLÂNDIABibllotaca
33
1971 o dólar começa a sofrer sério descompasso em relação às demais
moedas e as taxas diferenciais de inflação entre os Estados Unidos e
outras economias capitalistas produzem um desequilíbrio fundamental
nas taxas de câmbio. A confiança no dólar é rapidamente erodida e causa
problemas nos mercados de divisas, de modo que o governo americano
fica pressionado pelas conversões do dólar em ouro feitas pelas demais
economias". (Garlipp, 2001: 116-7).
É graças a esse cenário que, já nos anos 1960, a crise americana é explicitada, pois
o agravamento dos défícits americanos impede que o padrão dólar mantenha seu poder
de ordenação dos movimentos comerciais e financeiros mundiais. A economia
americana fica então diante de um dilema - consagrado pela literatura econômica como
sendo o "Dilema de Triffin" - qual seja, ter que incorrer em crescentes défícits no
balanço de pagamentos para fornecer a liquidez internacional e, no entanto, quanto
maior o déficit americano, menor a confiança em relação ao dólar, o que levaria o
sistema ao colapso pelo fato de os Estados Unidos não poderem honrar com a
conversibilidade dólar-ouro.
Como resposta às inevitáveis pressões contra sua moeda, os Estados Unidos
adotam uma série de medidas, sendo a mais significativa a suspensão da
conversibilidade dólar-ouro, conduzida pelo presidente Nixon em 1971. O resultado
desse conjunto de medidas foi a substancial desvalorização do dólar, rompendo então o
regime de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis, pactuado em Bretton Woods, ou seja,
os Estados Unidos não foram capazes de sustentar a posição do dólar como moeda-
padrão graças à excessiva oferta de dólares, decorrente do desequilíbrio crescente de
suas contas internas (Belluzzo, 1995). Com isso, entre 1971 e 1973, todos os países
desenvolvidos abandonaram o regime cambial de Bretton Woóds, e passaram a cuidar
de seus problemas de balanço de pagamentos.
Dessa forma, o sistema monetário e financeiro internacional fundado em uma
política de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis, pelo menos nas principias moedas do
mundo desenvolvido, foi substituído por um sistema de taxas de câmbio flexíveis,
encaminhando o sistema para uma fase de profunda instabilidade nas taxas de câmbio e
de juros (Nakatani, 2002). A emergência dos desequilíbrios cambial e monetário, bem
como o excedente de dólares provenientes dos lucros dos países produtores de petróleo,
34
denominados petrodólares, acentuam a expansão do circuito interbancário que, por sua
vez, estimula o surgimento de operações totalmente fora do controle dos bancos
centrais. Assim, essas transformações abriram o caminho para a expansão da
especulação financeira internacional das décadas seguintes.
É nesse contexto de instabilidade e desregulação do sistema monetário e
financeiro internacional que ocorre a tentativa de criação de um novo padrão monetário
internacional, agora não mais ancorado unicamente na moeda americana. Os Estados
Unidos, a fim de manter sua hegemonia, cuja expressão máxima é dada pela função de
reserva universal que cumpre sua moeda, aumentam abruptamente suas taxas de juros.
Esse ato desencadeou um enorme fluxo de capitais em direção à economia americana, o
que impediu que o dólar se desvalorizasse em relação às outras moedas (principalmente
o marco e o iene), fortalecendo assim sua posição e reafi