106
inbtitUw ECuiiviniâ Universidade Federal de Uberlândia Programa de Pós-graduação em Economia Curso de Mestrado em Economia Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington Grasiela Cristina da Cuniia Baruco SISBI/UFU 1000224376 Uberlândia - MG 2005

-C · 2019. 11. 9. · sociedade, o neoliberalismo. Assim, os compromissos políticos que vigoraram durante o Consenso Keynesiano, que eram com o pleno emprego e a ampliação dos

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • inbtitUw uõ ECuiiviniâ

    Universidade Federal de Uberlândia

    Programa de Pós-graduação em Economia

    Curso de Mestrado em Economia

    Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington

    Grasiela Cristina da Cuniia Baruco

    SISBI/UFU

    1000224376

    Uberlândia - MG2005

  • Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington

    Grasiela Cristina da Cunha Baruco r I

    L. ' .... -

    Dissertação submetida ao Programa de Pós- graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Economia.

    Área de concentração: Economia

    Orientador: Dr. José Rubens Damas Garlipp

    Uberlândia - MG2005

  • Do Consenso Keynesiano ao Pós-Consenso de Washington

    Grasiela Cristina da Cunha Baruco

    Banca Examinadora Constituída pelos professores:

  • RESUMO

    O trabalho faz um “balanço” da trajetória Consenso Keynesiano - Pós-Consenso de Washington, mostrando que a intervenção estatal, sob a forma de política econômica, que havia prevalecido no pós-segunda guerra como forma de garantir a conciliação de interesses capitalistas e da classe trabalhadora, e de regular a atividade econômica, mantendo elevados os níveis de crescimento/desenvolvimento econômico, é profundamente questionada nos anos que se seguem graças à emergência de uma nova institucionalidade econômica-fínanceira e à hegemonia de um novo projeto político de sociedade, o neoliberalismo. Assim, os compromissos políticos que vigoraram durante o Consenso Keynesiano, que eram com o pleno emprego e a ampliação dos direitos sociais, são abandonados após a crise dos anos 1970, diante da implementação das reformas estruturais emanadas do Consenso de Washington e reafirmadas no Pós- Consenso de Washington. Sendo que, um dos principias compromissos assumidos pela política econômica desde então é com a manutenção da estabilidade monetária, nem que para isso outras variáveis macroeconômicas sejam sacrificadas.

  • La crítica como tal no necesita esclarecer ante si misma su objeto, pues sabe perfectamente a qué atenerse con respecto a él. Esta crítica no se comporta como un fin en sí, sino como medio para unfin. Su tônica esencial es la de la indignación, su tarea esencial la denuncia de la realidad.

    Karl Marx

  • AGRADECIMENTOS

    Ao povo brasileiro, que financiou meus estudos durante toda a minha

    vida e, nos últimos dois anos por intermédio da CAPES, meu curso de

    mestrado. Muito obrigada!!!

    Aos meus pais e ao Lê, vocês foram e continuam sendo essenciais!

    Aos meus avós, Dalvina, Maria, Nestor e José.

    A Tata, Maria Luísa, Tio Nei, Yuri, que são muito especiais na minha

    vida. A Queu, Piero, Maurício, Ana Laura, Tia Maria, Adriana, Souza,

    Raquel... e a todos da minha (imensa) família que, embora não estejam aqui

    citados, são muito importantes para mim.

    Ao professor José Rubens, pela sua generosidade intelectual e

    incentivo ao conhecimento.

    A todos aqueles que foram meus professores e colegas de estudo.

    Agradecimento especial merecem Niemeyer, Vanessa e Marisa, que

    considero grandes mestres e amigos.

    A todos os funcionários do Instituto de Economia, especialmente à

    Tereza, Carlinhos, Álvaro, Aninha e Vaine.

    A todos os amigos que conheci em Uberlândia, Silvana e Josué,

    Lucila, Paulo Beijinho, Tião, Rogério, Cinthia, Jaque, Monaliza, Tatiana,

    Chicão, Eliomar, Antonio Maria, Vitorino, Adir... Vocês são as melhores

    partes da minha história!

    A professora Leda Maria Paulani, pelas suas considerações acerca

    desse trabalho e, principalmente, pela pessoa encantadora que é.

    Agradecimento especialíssimo merece o Marcelo pelo seu imenso

    companheirismo, em todos os sentidos! Nada disso seria possível sem

    você! Obrigada por tudo!!!

  • ÍNDICE

    Introdução 01

    Capítulo 1-0 Consenso keynesiano 06

    1.1- Algumas considerações acerca da teoria keynesiana 06

    1.2 - Os Estados de bem-estar social (yvelfare síates) 18

    1.3- Bretton Woods: auge e declínio 22

    Capítulo 2 - Neoliberalismo, Consenso e Pós-Consenso de Washington e 37Estabilidade Monetária

    2.1 - A crise dos anos 1970 e o renascimento do liberalismo 37

    2.1.1 - A crise dos anos 1970 37

    2.1.2 - O renascimento do liberalismo 45

    2.2 - Consenso de Washington, Pós-Consenso de Washington e Estabilidade 52Monetária

    2.2.1- A seqüência ótima de abertura externa 57

    2.2.2 - O caráter ortodoxo do Pós-Consenso de Washington 59

    2.2.3- Estabilização e Reformas Estruturais 66

    2.2.4 - Novo Classicismo e Teoria da Política Econômica Ortodoxa Atual 78

    Considerações Finais 87

    Referências Bibliográficas 93

  • LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS E QUADROS

    Capítulo 1-0 Consenso Keynesiano

    Gráfico 1.1- Determinação clássica do emprego 08

    Gráfico 1.2 - Mercado clássico de trabalho 09

    Gráfico 1.3 - Mercado clássico de trabalho e demanda 10

    Gráfico 1.4 - Mercado de fundos emprestáveis 1 j

    Tabela 1.1 - Total dos Gastos Governamentais como porcentagem do PIB: Europa 19 Ocidental, Estados Unidos e Japão - 1938/1999

    Tabela 1.2 - Crescimento do PIB per capita: Regiões, Países e Mundo - 1870/1998 30

    Tabela 1.3 - Nível de desemprego nos países capitalistas avançados - 1950/1998 31

    Tabela 1.4- Inflação nos países capitalistas avançados - 1950/1998 3}

    Tabela 1.5 - Evolução dos eurodólares - 1964/1970 32

    Capítulo 2 - Neoliberalismo, Consenso e Pós-Consenso de Washington e Estabilidade Monetária

    Gráfico 2.1- Taxas de Crescimento (%) - 1968/1984 40

    Gráfico 2.2 - Taxas Médias de Crescimento por Período - 1950/1984 41

    Tabela 2.1 - Evolução do preço do petróleo (dólar/barril) - 1970/1979 39

    Tabela 2.2 - Formação bruta de capital fixo (%) - 1969/1977 41

    Tabela 2.3 - Desemprego (% da população ativa total) - 1970/1982 42

    Tabela 2.4 - Inflação (%) - 1970/1981 42

    Quadro 2.1 - Estabilização e Reformas Estruturais na América Latina - 1985/1990 67

    Quadro 2.2 - Estabilização e Reformas Estruturais na América Latina - 1991/1996 68

  • INTRODUÇÃO

    O período que se inicia com o fim da segunda guerra mundial e se estende até

    meados da década de 1970 é marcado pelo grande empenho das forças sociais e dos

    governos, principalmente dos países centrais do capitalismo mundial, em promover o

    crescimento/ desenvolvimento econômico com o intuito de evitar a repetição da grande

    depressão mundial ocorrida na década de 1930 e o avanço do socialismo. Nesse sentido,

    a intervenção estatal no pós-segunda guerra, sob a forma de política econômica,

    conciliava interesses capitalistas e da classe trabalhadora e regulava a atividade

    econômica, mantendo elevados os níveis de crescimento/desenvolvimento econômico.

    Assim, o princípio ‘intervencionismo estatal’, prevalecente no pós-segunda guerra,

    está relacionado ao papel dos Estados Nacionais na sustentação do crescimento

    econômico, por meio do qual pôde ser mantido o compromisso político dos governos

    com o pleno emprego e com a ampliação dos direitos sociais, compromisso esse tido

    como a "pedra de toque" dos chamados Estados de bem-estar social (yvelfcire States).

    A influência da teoria keynesiana na construção dos fundamentos da intervenção

    do Estado na economia é quase consensual entre os intérpretes desse período. O mesmo

    não acontece quando se trata da influência concreta dessas idéias na explicação do boom

    do pós-segunda guerra mundial. Em que pese esta afirmação, é inconteste que o

    Keynesianismo ofereceu os alicerces para uma gestão macroeconômica mais compatível

    com os objetivos almejados pelos Estados Nacionais e para a constituição das políticas

    de bem-estar social (welfare States) implementadas em diversos países, principalmente

    do continente europeu. Assim, tais políticas são identificadas como características do

    Keynesianismo social, de sorte que, ainda que welfare staíe não seja idêntico a

    Keynesianismo, o mesmo se mostra compatível com a sua essência.

    Para que o crescimento/desenvolvimento econômico fosse edifícado, fez-se

    indispensável a constituição de uma nova ordem econômica internacional. Esse

    rearranjo da ordem econômica e financeira foi pactuado dentro do acordo de Bretton

    Woods, resultante da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas de 1944, e

  • 2

    mostrou-se determinante para o crescimento/desenvolvimento econômico das principais

    economias capitalistas nos anos que se seguiram.

    A supressão da ordem econômica e financeira egressa de Bretton Woods é uma

    das principias manifestações da crise capitalista dos anos 1970. Com a crise, a validação

    das políticas econômicas que garantissem a retomada do processo de acumulação de

    capital no bloco de países capitalistas exigia uma concepção de desenvolvimento que

    disputasse a hegemonia com o Keynesianismo. A esta nova concepção de

    desenvolvimento, inspirada nas teses liberais - a este "novo liberalismo", portanto,

    convencionou-se denominar neoliberalismo. Apresentado tal contexto de reordenamento

    da ordem econômica mundial, todas as economias periféricas deveríam nela se engajar,

    e a garantia de inserção seria dada pela adoção do receituário de políticas neoliberais.

    Note-se que estas políticas são entendidas, supostamente, como a única forma dos

    países se enquadrarem neste novo mundo das finanças globalizadas (Carcanholo, 2002).

    O neoliberalismo não deve ser interpretado como simples reedição do liberalismo

    clássico, posto que existem diferenças fundamentais entre eles, em especial porque o

    neoliberalismo abandona o campo ideológico e fundamenta um projeto político de

    sociedade, a ‘sociedade de mercado’, e também porque existem diferenças com relação

    à estrutura e às funções que se apregoa ao Estado. Por ora, é importante destacar que o

    neoliberalismo toma-se hegemônico não somente em termos teóricos e ideológicos, mas

    também sob a forma de políticas econômicas a serem adotadas.

    Ao conjunto de receitas de políticas e estratégias de desenvolvimento defendidas

    pelas instituições egressas de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco

    Mundial) e pelo governo do Estados Unidos, denominou-se Consenso de Washington.

    Foi através deste consenso que a concepção ideológica neoliberal se consubstanciou, no

    sentido de ter se tomado um receituário de medidas a serem implementadas na periferia

    do capitalismo. De acordo com Fiori (1997: 12), estas medidas podem ser compiladas

    em: estabilização macroeconômica, tendo como prioridade absoluta um superávit fiscal

    primário envolvendo a revisão das relações fiscais intergovernamentais e a

    reestruturação dos sistemas de previdência pública; uma segunda medida dedicada ao

    que o Banco Mundial denominou de 'reformas estruturais', quais sejam, liberalização

  • 3

    financeira e comercial1, desregulação dos mercados e privatização das empresas

    estatais; e, por fim, como conseqüência necessária da adoção de tais medidas, haveria a

    retomada dos investimentos e o crescimento econômico. Este programa de estabilização

    e reforma econômica foi chancelado pelo FMI e pelo BIRD em mais de sessenta países

    de todo mundo.

    ’ Nesse sentido Cano (1999: 299) afirma que "o discurso ideológico utilizado foi que agora chegara a hora da periferia padronizar-sc, igualando ao Primeiro Mundo. Para isso, necessitava daquele conjunto de reformulações das quais a peça chave seria expor à concorrência internacional o aparelho produtivo nacional" para que ele ganhasse maior eficiência produtiva e competitividade. Explicavam também que isso era uma tarefa inevitável, necessária c inadiável, diante da globalização dos mercados internacionais. Ou seja o imperialismo volta a atuar de forma mais dura, travestido de nova 'modernidade'".

    Ainda que a concepção ideológica neoliberal tenha obtido grande repercussão nos

    países centrais, o que se observa é que houve a liberalização de seus fluxos financeiros

    como forma de financiar suas dívidas, mas a liberalização comercial e a redução da

    participação do Estado na economia não foram tão drásticas. Pelo contrário, o capital

    financeiro e industrial conseguiu se expandir nas últimas décadas graças ao apoio por

    parte dos principais Estados capitalistas. Já no caso dos países periféricos, mais

    especificamente os latino-americanos, a efetiva implementação do receituário de

    políticas neoliberais se inicia já na década de 1970, sendo o Chile o caso pioneiro. No

    entanto, após o fracasso retumbante da implementação de tais políticas na América

    Latina, o pensamento neoliberal passou por nova reformulação, e a esse novo conjunto

    de propostas convencionou-se denominar de Pós-Consenso de Washington.

    E de se destacar, à luz do exposto, que tomamos por objeto do estudo a análise

    crítica acerca da profunda transformação sofrida pelo sistema capitalista mundial na

    segunda metade do século XX. Mais especificamente, nos propomos a analisar,

    primeiro, a influência das idéias keynesianas na construção dos fundamentos da

    intervenção estatal no pós-segunda guerra e a consolidação dos estados de bem-estar

    social. Na seqüência, analisa-se a brutal guinada na condução da política econômica

    mundial com a crise dos anos 1970, a partir da qual se observa a emergência de uma

    nova institucionalidade econômica-financeira e a hegemonia de um novo projeto

    político de sociedade, o neoliberalismo.

    Assim esta dissertação procura mostrar que os compromissos políticos com o

    pleno emprego e ampliação dos direitos sociais que prevaleceram durante os "anos

  • 4

    gloriosos" do capitalismo são abandonados no pós 1970, dada sua incompatibilidade

    diante da adoção do receituário de políticas neoliberais, emanadas do Consenso de

    Washington e reafirmadas no Pós-Consenso de Washington. No entanto, mais que

    proceder a um mapeamento exaustivo das reformas neoliberalizantes, algo em boa

    medida já cumprido pela literatura crítica, buscamos mostrar que, diante desse novo

    contexto, um dos principais compromissos da política econômica passa a ser a

    manutenção da estabilidade monetária, o que prevalece na atualidade.

    Para tanto, é preciso, de início, reconhecer o manifesto fracasso das políticas

    neoliberais adotadas nas últimas décadas em alcançar os objetivos a que se propuseram,

    quais sejam a retomada dos investimentos e do crescimento/desenvolvimento

    econômico. Antes, elas aprofundaram os problemas das economias periféricas, como na

    América Latina, em que pesem as diferenças históricas entre os países dessa região. Em

    sendo assim, a relevância do estudo reside em procurar contribuir com as análises que

    vislumbram espaços para a atuação de uma política econômica e uma opção nacional de

    crescimento/desenvolvimento alternativas àquelas de corte conservador, dado que

    entendemos não se sustentar a tese liberal-conservadora da ‘única via’, como bem

    demonstram as experiências de alguns países asiáticos. Assim, procuramos mostrar que

    quanto mais distante se estiver da superação da implementação das reformas de cunho

    conservador, destacadamente do compromisso com a estabilidade monetária, mais

    distante estará a superação do fracasso neoliberal.

    A relevância do estudo se toma ainda mais justificável quando se consideram as

    propostas emanadas do Pós-Consenso de Washington, mais especificamente a proposta

    de Williamson e Kuczynski (2004), na qual os autores seguem defendendo como

    solução para os problemas suscitados pelas políticas neoliberais, uma vez mais, a

    disciplina macroeconômica, as privatizações, a desregulamentação do mercado de

    trabalho, as aberturas comercial e financeira, mas agora, no entanto, sublinhando a

    necessidade de se complementar as reformas, em particular na América Latina, com

    medidas que permitam maior ênfase no combate à pobreza e à distribuição de renda,

    assim como prevenir e combater as crises financeiras. Porém, a nosso juízo, estes

    autores não reconhecem a incompatibilidade entre as tradicionais políticas de ajuste

    estrutural e os "novos objetivos" de luta contra a pobreza e a desigualdade.

  • 5

    Com efeito, a referência teórica desta dissertação se desdobra do próprio objeto do

    estudo, com o que serâ analisada a literatura que versa sobre o Consenso Keynesiano,

    mais especifícamente sobre a constituição dos estados de bem-estar social, bem como a

    literatura que trata da crise dos anos 1970 e da emergência do neoliberalismo até os dias

    atuais, com as recomendações de políticas emanadas do Consenso e do Pós-Consenso

    de Washington.

    Para levarmos a cabo os nossos propósitos, além desta Introdução apresentamos

    dois capítulos, seguidos das Considerações Finais.

    O primeiro capítulo analisa o legado das políticas keynesianas à constituição dos

    estados de bem-estar do pós-segunda guerra e a ordem econômica mundial pactuada em

    Bretton Woods. Na seqüência é analisado o desmonte da institucionalidade econômica e

    financeira pactuada no acordo de Bretton Woods, com o que passa a imperar sobre o

    sistema econômico e as políticas nacionais a lógica do sistema financeiro, o que

    Belluzzo (1995:16-7) denominou de “generalização e supremacia dos mercados de

    capitais".

    Segundo afiança Fiori (1997: 118), "a partir daí, o mundo inteiro ingressou na

    chamada era das políticas deflacionárias, sob cuja égide nós estamos: moedas

    sobrevalorizadas, a inflação como inimigo principal, os equilíbrios macroeconômicos

    como um objetivo central de todos os governos e um desinteresse absoluto por

    crescimento/desenvolvimento e por emprego, que eram o grande objetivo da era

    keynesiana ou da era fordista. Isto é que foi invertido".

    O segundo capítulo trata mais especificamente da crise dos anos 1970 e da

    ressurgência do liberalismo econômico. Para tanto, lançamos mão de alguns casos mais

    emblemáticos, principalmente dos países pertencentes à região latino-americana, com o

    que buscamos comprovar a tese aqui desenvolvida, segundo a qual a estabilidade

    monetária tomou-se um dos principais objetivos da política econômica dentro do

    receituário neoliberal, o que prevalece ainda nos dias atuais.

  • CAPÍTULO 1

    O CONSENSO KEYNESIANO

    O receio de que o fim da segunda-guerra mundial trouxesse de volta a crise

    econômica dos anos 1930 levou os governos das principais economias do bloco

    capitalista a adotarem medidas que tentavam prevenir as recessões. Por motivos

    políticos, deveria ser evitado o retomo do desemprego em massa característico do

    período da crise. Igualmente, os desequilíbrios sociais, em grande parte decorrentes da

    crise, deveríam ser amenizados. A formulação teórica desenvolvida por Keynes colocou

    os alicerces para uma gestão macroeconômica mais compatível com esses objetivos (ou

    compromissos), e os sistemas de gestão estatal nos quais estes compromissos vigoraram

    são denominados de welfare States (Estados de bem-estar social). No entanto, para que

    os governos nacionais fossem capazes de sustentar o crescimento/desenvolvimento

    econômico, fez-se necessário um reordenamento da economia internacional, pactuado

    no acordo de Bretton Woods em 1944. Destarte, os anos de prosperidade vividos no

    pós-segunda guerra são denominados de período do Consenso Keynesiano. O declínio

    do acordo de Bretton Woods explica, em grande parte, o desmantelamento dos Estados

    de bem-estar social e dos compromissos que neles prevaleciam.

    1.1 - Algumas considerações acerca da teoria keynesiana

    O esforço intelectual de compreensão dos fundamentos da riqueza de uma

    economia capitalista, empreendido pelo célebre economista inglês John Maynard

    Keynes, está contido em sua mais importante obra, A Teoria Geral do emprego, do juro

    e da moeda, de 1936, considerada um marco teórico de ruptura com a escola clássica de

    pensamento econômico.

  • 7

    A argumentação de Keynes acerca da forma como o nível de emprego é

    determinado numa economia capitalista diverge completamente daquela formulada

    pelos economistas clássicos2.

    2 Keynes (1936:23, nota 1) estende a denominação de ‘economistas clássicos’ utilizada por Marx (1867), a qual designava Ricardo c James Mil 1 c seus predecessores, para incluir os seguidores de Ricardo, como J.S.Mill, Marshall, Edgcvvorth c Pigou.

    3 A este respeito ver Morgan (1980) c Vercclli (1991).

    4 Entende-se que neste ponto (de pleno emprego) todas as pessoas dispostas a trabalhar, aceitando o nível de salário real vigente, encontrarão emprego.

    No plano teórico mais abstrato, os clássicos procuram explicar a economia de

    mercado em seu estado de máxima perfeição, ou seja, trabalham num mercado em que

    prevalecem as condições de concorrência perfeita. Simplificadamente, tais condições

    são: 1) vendedores e compradores participantes nesse mercado estão sempre presentes

    em número tão elevado que nenhum deles consegue influenciar os preços; 2) todos os

    agentes conhecem todas as ofertas e demandas e 3) todos os agentes se guiam

    exclusivamente por condições econômicas procurando maximizar suas vantagens.

    Dadas essas condições restritivas, para os teóricos clássicos3, o nível de equilíbrio

    da produção, aquele que iguala oferta e demanda agregada (sempre a um nível

    condizente com o pleno emprego da força de trabalho)4, é determinado por duas

    funções: de produção e a curva de oferta de trabalho. A função de produção (Y)

    relaciona o nível de produto (y) com o nível de emprego (N), supondo que o capital é

    fixo no curto prazo (K). Com o capital fixo no curto prazo, a função de produção irá

    exibir retornos decrescentes para o trabalho, ou seja, o crescimento do produto

    resultante do emprego de uma unidade adicional de trabalho irá decrescendo à medida

    que mais trabalho for empregado.

    Tomando como dado que estamos trabalhando num mercado em que prevalecem

    as condições de concorrência perfeita e, portanto, que o objetivo das firmas é maximizar

    seus lucros, a curva de demanda por trabalho será derivada do nível de produção que

    iguala o custo marginal (Cmg) ao preço do produto (P). Entretanto, no caso em que o

    trabalho é o único fator variável de produção, o custo marginal é simplesmente a razão

    entre salário real (W/P) e o produto marginal do trabalho (PmgL). Desta forma, a

    condição de maximização de lucro descrita anteriormente (Cmg = P), pode ser reescrita

    da seguinte forma: WZP= PmgL. O nível de emprego, consistente com a maximização

  • 8

    de lucros, é determinado no ponto onde o salário real se iguala ao produto marginal do

    trabalho. Este é o primeiro postulado clássico.

    O Gráfico 1.1 mostra a determinação do nível de emprego segundo os clássicos:

    Gráfico 1.1- Determinação Clássica do Emprego

    Salário real

    (W/P)

    Como no modelo clássico os níveis de equilíbrio de emprego e salário real são

    determinados no mercado de trabalho competitivo, através da interação entre demanda e

    oferta de trabalho, devemos analisar como a curva de oferta de trabalho é determinada.

    Segundo advoga a teorização clássica, os trabalhadores buscam a combinação de

    renda real (derivada das horas trabalhadas) e horas de lazer que maximize seu nível de

    utilidade. Esta renda é dada pelo salário real multiplicado pelo número de horas

    trabalhadas e o lazer pelo número de horas disponíveis menos o número de horas

    trabalhadas. Assim, quanto maior o número de horas destinadas ao lazer, menor o

    salário real (ou seja, menor será a renda); de forma análoga, quanto menor o número de

    horas de lazer e maior o número de horas trabalhadas, maior o rendimento, portanto o

    salário real (W/P) é uma função direta do número de horas de trabalho. Quando são

    somadas todas as curvas de oferta de trabalho individuais, tem-se a curva de oferta de

    trabalho agregada da economia.

    O Gráfico 1.2 mostra a conformação do mercado de trabalho segundo os clássicos:

  • 9

    Gráfico 1.2 - Mercado Clássico de Trabalho

    O equilíbrio no mercado de trabalho é alcançado no ponto onde as curvas de oferta

    e demanda de emprego se cruzam. Os clássicos admitem a existência de desequilíbrio

    no mercado de trabalho, ou seja, situações em que a oferta e a demanda por emprego

    não são iguais. Portanto, não consideram que o nível de desemprego seja sempre zero,

    mas que o excesso persistente de oferta de trabalho acima da demanda seria impedido

    pela flexibilidade dos salários, de tal modo que o desequilíbrio no mercado de trabalho

    competitivo podería ser evitado se a força de trabalho aceitasse trabalhar por salários

    menores. Decorre daí o segundo postulado clássico, que advoga o declínio do nível de

    emprego como sendo causado pelas reivindicações dos trabalhadores por maiores

    salários reais, ou seja, havería uma relação inversa entre nivel de emprego e salário real.

    Depreende-se desta análise que, para os clássicos, o mercado de trabalho é o

    determinante da oferta agregada, e os níveis de produção e emprego, assim

    determinados, são consistentes com o pleno emprego da força de trabalho. As condições

    de demanda e sua influência chave sobre aquelas variáveis são negligenciadas na

    análise. Isso ocorre porque uma vez que o produtor conhece sua função de produção

    (portanto conhece sua oferta), a demanda se ajusta a esta produção, ou seja, é suposto o

    funcionamento do princípio da Lei de Say, segundo o qual toda oferta cria sua própria

    demanda (oferta agregada é igual a demanda agregada)5. Destarte, a determinação da

    renda nacional dependerá quase exclusivamente de fatores tecnológicos, e não do nível

    de demanda agregada da economia.

    5 Rigorosamente, a Lei de Say aplicar-sc-ia a uma economia baseada no escambo c não a uma economia monetária.

  • 10

    O Gráfico 1.3, na seqüência, ressalta o exposto, isto é, uma vez que o nível de

    produto tenha sido determinado no mercado de trabalho a um nível consistente com o

    pleno emprego das forças produtivas, este nível será mantido, deixados de lado os

    desvios temporários, posto que o nível de gastos em bens e serviços (demanda

    agregada) será levado a igualar-se à oferta agregada através da força equilibradora da

    taxa de juros.

    Gráfico 1.3 - Mercado Clássico de Trabalho e Demanda

    A influência da taxa de juros sobre os níveis de investimento e consumo assegura

    a igualdade entre oferta agregada (AO) e demanda agregada (DA). Isso acontece porque

    a renda será inexoravelmente utilizada para consumo ou será dirigida à poupança, e a

    poupança será imediatamente direcionada ao investimento, de modo que não seria

    gerada qualquer deficiência de demanda agregada, uma vez que ela apenas se ajusta à

    oferta agregada. Tal situação, na qual a poupança de alguns é destinada ao empréstimo

    para outros, é denominada de mercado de fundos emprestáveis, como mostra o Gráfico

    1.4 na seqüência.

  • Gráfico 1.4 - Mercado de Fundos Emprestáveis

    Keynes provoca uma ruptura cabal em relação aos postulados da teorização

    clássica. Trata-se de uma teoria assentada na pressuposição de que a economia

    monetária e empresarial funcione nos termos de uma economia de troca real, razão pela

    qual denomina a economia clássica de ‘economia de salário real’ ou ‘economia

    cooperativa’ (Keynes, 1933). De todo modo, na Teoria Geral, ao discutir os postulados

    clássicos, Keynes aponta que a inconsistência teórica não está diretamente relacionada

    ao primeiro postulado, posto que, para uma firma maximizadora de lucro em condições

    de concorrência perfeita, o crescimento do produto resultante do emprego de uma

    unidade adicional de trabalho (PmgL) irá decrescendo à medida que mais trabalho for

    empregado. No entanto, é preciso rejeitar o segundo postulado, posto que não havería

    uma correlação inversa entre nível de emprego e salário real. Keynes sublinha que o

    declínio do nível de emprego não se deve às reivindicações por maiores salários por

    parte dos trabalhadores, haja vista que os trabalhadores não têm poder algum de

    mudança sobre os níveis de salário real; eles podem, no máximo, reivindicar salários

    nominais. Dessa forma, chega-se a uma indeterminação da forma como o nível de oferta

    de trabalho se daria numa economia capitalista.

    Ao analisar quais seriam os determinantes desta oferta, Keynes advoga,

    contrariamente aos teóricos clássicos, que o objetivo primeiro da produção capitalista

    não é atender ao consumo, dado que não se trata de uma economia cooperativa (de troca

    real); seu objetivo é, sim, a valorização do capital, o aumento da riqueza, e atender ao

    consumo é apenas uma “possível” conseqüência. Deste modo, o volume de produção

    será decidido com base nos rendimentos que desta se espera obter. Este é o princípio da

  • 12

    demanda efetiva, que explica como a oferta agregada e, conseqüentemente, o nível de

    emprego do sistema capitalista, são criados.

    A peculiar noção de demanda efetiva, em Keynes, está associada a uma economia

    monetária (ou empresarial) da produção, que expressa a sua particular concepção do

    modo de operação e funcionamento do sistema capitalista.

    Davidson (apud Carvalho, 1995:42-8), propõe três princípios para caracterizar

    uma economia monetária da produção. O primeiro é o da não neutralidade da moeda, ou

    seja, a moeda não serve apenas para intermediar as trocas, mas também como reserva de

    valor, dado o seu atributo de liquidez máxima do sistema; portanto, tem a capacidade de

    transportar valor no tempo, acalmando as inquietações dos agentes frente a um futuro

    que se desconhece. O segundo princípio advoga que a irreversibilidade do tempo gera

    ambientes não ergódigos, nos quais não é possível aprender com o passado, dado que o

    mesmo não se repete. Por fim, o terceiro princípio diz que, em ambiente não ergódigo, é

    preciso desenvolver formas de proteção contra a incerteza, com o que é criado um

    sistema de contratos.

    Uma discussão interessante das características de uma economia monetária ou

    empresarial encontra-se em Carvalho (1989), para quem as mesmas podem ser

    apreendidas por meio de cinco axiomas: da produção; da decisão; da inexistência de

    mecanismos de pré-conciliação; da iiTeversibilidade do tempo e da incerteza; e das

    propriedades da moeda. Em trabalho posterior (Carvalho, 1995), tais características são

    tratadas como postulados ou princípios, ao tempo em que são desdobradas em seis, por

    conta da apresentação em separado dos princípios da temporalidade e da incerteza6

    Pelo primeiro princípio, da produção, as decisões de produção e investimento são

    tomadas e levadas a cabo por firmas, cuja meta exclusiva é terminar o período de

    produção com mais dinheiro do que se iniciou. O segundo princípio é o da estratégia

    dominante, no qual se discute a hierarquia de poder entre os agentes econômicos. Nesta

    economia composta por firmas e trabalhadores, os primeiros oferecem trabalho e

    almejam lucros, enquanto os trabalhadores ofertam somente sua força de trabalho, não

    Em Garlipp (1991), as pnncipais características distintivas de uma economia monetária c empresarial sao apresentadas como: o objetivo dos agentes; o caráter das decisões; a suscetibilidadc a flutuações’ a importância do tempo e da incerteza; e as propriedades do dinheiro. Tais características recebem úm tratamento mais apurado cm Garlipp (2001: cap.2).

  • 13

    tendo qualquer poder de influência sobre o nível de produção, de geração de emprego e

    de renda.

    O terceiro princípio refere-se à temporalidade da atividade econômica. Esse

    princípio esclarece que as firmas devem decidir sua escala de produção baseadas em

    suas expectativas de demanda. Como a produção consome algum tempo, separa-se o

    momento da decisão de produzir do momento em que o mercado efetivamente

    informará sobre a disposição dos compradores em validar ou não as decisões das firmas,

    portanto tais decisões deverão ser à base de expectativas e não de informações.

    O quarto princípio é o da não ergodicidade, ou seja, não se pode aprender

    perfeitamente com o passado. Este princípio está muito relacionado ao anteriormente

    analisado. Os produtores deverão tomar decisões denominadas “cruciais”, ou seja,

    aquelas que, uma vez iniciadas, só podem ser revogadas com grandes perdas e, além

    disso, as condições iniciais que estavam postas simplesmente não podem ser repostas,

    portanto, o aprendizado através da repetição é impossível. Experiências desta natureza

    podem, no máximo, apresentar uma vaga similitude. Em face de um futuro não passível

    de previsibilidade, totalmente incerto, os agentes buscam se defender da possibilidade

    de que decisões cruciais levem a perdas irreversíveis, preferindo ativos mais líquidos

    (ou a liquidez máxima consubstanciada na moeda), ou então aderindo a um

    comportamento convencional. E preciso notar que nem todo processo de decisão é

    afetado desta maneira pela incerteza quanto ao futuro. As decisões que envolvem um

    horizonte próximo, para o qual seja relativamente seguro supor uma continuidade das

    condições que estão postas no presente, serão pouco afetados pela incerteza. Este é o

    caso das decisões de produção por parte das firmas, orientadas pelas expectativas de

    curto prazo, mas não é o caso das expectativas de longo prazo que orientam as decisões

    de investir.

    0 quinto princípio é o da coordenação. Dado que inexiste um mecanismo pelo

    qual seja possível pré-conciliar os planos de produção dos agentes privados (a visão de

    Keynes é muito próxima, neste sentido, à da “anarquia da produção capitalista” de

    Marx), criam-se instituições que têm o papel de reduzir os riscos e socializar as perdas

    destes agentes. O estabelecimento de formas eficazes de coordenação entre os agentes

    torna-se fundamental, e isto, é feito através da criação de um sistema de contratos que

    garantem fluxos de produtos e serviços entre os produtores e entre produtores e

  • 14

    compradores. Desta forma, o conhecimento dos custos de produção (deliberados nos

    contratos), junto com as expectativas de retorno formadas pelas firmas, são a base do

    sistema de cálculo capitalista que define sua “racionalidade’'.

    Por fim, o sexto princípio diz respeito às propriedades da moeda. Em uma

    economia monetária da produção a moeda tem elasticidades negligíveis (ou nulas) de

    produção e de substituição, ou seja, a disponibilidade de moeda deve ser relativamente

    insensível à demanda e suas funções não podem ser exercidas por substitutos. A função

    essencial da moeda é a de servir como referência comum (ou unidade de conta) para a

    realização de contratos; conseqüentemente, o poder de compra da moeda deve ser

    inflexível, pois é o que faz com que ela tenha uma liquidez elevada.

    É porque os detentores de riqueza tendem a posições de maior liquidez como

    forma de mitigar suas inquietações acerca de um futuro incerto, que se desconhece que

    a economia monetária sofre flutuações de demanda efetiva e, conseqüentemente,

    desemprego, o qual Keynes denominou de desemprego involuntário. Portanto, “a

    preferência pela liquidez pode ser, também e em boa medida, responsabilizada pelas

    flutuações a que está sujeita a economia monetária e empresarial” (Garlipp, 2001:76).

    Entendida a forma particular de concepção de Keynes acerca do modo de

    funcionamento de uma economia capitalista, monetária por excelência, é possível

    apreender de forma mais rigorosa como é determinada a oferta de emprego nesta

    economia. Para tanto se faz necessário uma análise mais meticulosa acerca do princípio

    da demanda efetiva, visto que este explica como são gerados a oferta agregada e,

    conseqüentemente, o nível de emprego do sistema.

    A demanda efetiva envolve um equilíbrio nocional entre demanda agregada, que

    expressa o retomo que o produtor espera obter para um dado nível de renda, e a oferta

    agregada, que expressa o retomo mínimo correspondente a algum nível de emprego que

    justifica uma decisão de produção, ou seja, expressa que o mínimo que o capitalista

    deverá ofertar será aquele suficiente para cobrir os custos de produção e de uso mais um

    mark up. O nível de demanda efetiva é representado pelo ponto onde a curva de

    demanda agregada se encontra com a curva de oferta agregada. Como bem analisa

    Possas (1986:296), “oferta e demanda são ambas definidas ex ante, com o que sua

    interseção, que definiría nível de demanda efetiva, também é obviamente ex ante, isto é,

  • 15

    independe da realização da produção e, portanto, do valor das vendas a ser verificado ex

    post”.

    Este ponto de cruzamento das duas curvas é um ponto de equilíbrio nocional, de

    curto prazo, no sentido de que as expectativas dos produtores quanto à efetivação da

    demanda foram satisfeitas durante este período de produção. Insistimos tratar-se de um

    equilíbrio nocional, posto que é uma referência meramente expositiva feita por Keynes,

    no sentido de que os produtores, depois da experiência de vários períodos de produção,

    podem vir a sancionar suas expectativas de demanda, o que não significa que no

    próximo período de produção o mesmo irá ocorrer7.

    7 É importante ressaltar a divergência de tal abordagem com a aquela elaborada pelos clássicos, na qual o nível de demanda efetiva c indeterminado, pois, como toda oferta cria sua própria demanda (Princípio da Lei de Say), as curvas de demanda agregada e oferta agregada coincidiríam.

    Contanto que a demanda agregada seja maior que a oferta agregada, o retorno do

    produtor poderá ser aumentado com um aumento da produção num próximo período e,

    conseqüentemente, do emprego. Entretanto se a demanda agregada for menor que a

    oferta agregada, a redução do nível de produção e, portanto, de emprego deverá

    acontecer. Assim, “as expectativas são confrontadas com' os resultados realizados, que

    as confirmam ou não, induzindo eventual alteração corretiva nas decisões de produção

    subseqüentes e deste modo na própria demanda efetiva futura” (Possas, 1986:298).

    Com o exposto, fica claro que o nível de emprego numa economia capitalista é

    determinado no mercado de bens, a partir das expectativas dos produtores acerca dos

    rendimentos que da produção se espera obter. Estas expectativas podem ser confirmadas

    (o nível de demanda efetiva alcançado) a um nível de pleno emprego da força de

    trabalho; no entanto, este é um dos pontos possíveis, todas as outras situações (a maior

    parte delas; portanto, a regra) representam um “equilíbrio” abaixo do pleno emprego da

    força de trabalho. É neste sentido que Keynes destaca em seus escritos posteriores à

    Teoria Geral que, mesmo que as expectativas de curto prazo dos produtores fossem

    atingidas e, portanto, o ponto de demanda efetiva fosse alcançado, podería haver

    desemprego.

    Keynes coloca a questão do pleno emprego no centro de sua reflexão teórica,

    mostrando que, sob condições de livre mercado, podería haver uma insuficiência de

    demanda que levaria a uma subutilização da produção e do emprego. Nos termos

  • 16

    apresentados pelo próprio Keynes (1982:284-5): "os dois principais defeitos da

    sociedade econômica em que vivemos são a sua incapacidade para proporcionar o pleno

    emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas", e continua

    crendo que haja "justificativa social e psicológica para grandes desigualdades nas rendas

    e na riqueza, embora não para as grandes disparidades existentes na atualidade". Com

    efeito, ao identificar a fonte das crises econômiças na insuficiência de demanda, Keynes

    enxerga nos gastos públicos uma possível solução para as mesmas.

    De acordo com Carvalho (1999:260) é surpreendente a diversidade de

    interpretações atribuídas à teoria formulada por Keynes e, conseqüentemente, ao que se

    entende por políticas keynesianas. Alguns definem as políticas keynesianas como

    "políticas compensatórias (anticíclicas) de gastos deficitários. Outros consideram isto

    uma política pré-keynesiana, destacando Keynes como proponente de uma política fiscal

    expansionista permanente que impedisse a economia de se assentar numa posição de

    equilíbrio com desemprego, ao invés de desemprego cíclico. Outros, ainda, julgam as

    políticas keynesianas como sinônimo de gestão da demanda, através de mecanismos

    fiscais e monetários. Para alguns, é muito mais a ênfase na geração de déficits fiscais do

    que em orçamentos equilibrados que caracteriza o Keynesianismo".

    No entanto, ’’ (...) o caráter específico das propostas de política econômica de

    Keynes consiste na definição de um conjunto de medidas delineadas para reduzir ou

    socializar as incertezas que cercam as decisões econômicas e para impulsionar a

    demanda agregada via intervenção do Estado, quando a demanda privada fracassa. (...)

    Como a incerteza perpassa e flui através de muitos canais, todas as alavancas devem ser

    acionadas para assegurar a manutenção da economia em um estado de prosperidade"

    (Carvalho, 1999:270). Portanto, as políticas keynesianas devem consistir em ações

    concentradas em múltiplas áreas de forma a sustentar o investimento, a demanda e o

    emprego.

    Como assevera Szmrecsányi (1978:18), a principal motivação da postura crítica

    adotada por Keynes em relação à teoria clássica, dominante à sua época, não era

    simplesmente teórica, mas, acima de tudo, política. Keynes vislumbrava a necessidade

    de uma maior intervenção do Estado na geração e na canalização dos investimentos.

    Essa intervenção deveria fazer-se basicamente através do controle governamental dos

    meios de pagamento e da taxa de juros. No entanto, essa intervenção de natureza

  • 17

    monetarista podería revelar-se insuficiente nas épocas de crise, dado que o desemprego e

    a depressão teriam como principal causa a escassez de novos investimentos e, numa

    situação de crise, os investimentos não tendem a aumentar, devido à insuficiência de

    demanda agregada de bens e serviços e também graças à incerteza. Assim, não basta que

    o Estado aumente o volume dos recursos disponíveis para investimento. E preciso que

    ele intervenha também no lado da demanda, mediante o aumento dos gastos

    governamentais em programas públicos.

    Em torno das idéias de Keynes, Hicks e Samuelson desenvolveram um modelo

    teórico que busca estabelecer a compatibilidade da Teoria Geral com a economia

    clássica e a noção de equilíbrio geral que a fundamenta. Suas idéias foram expressas em

    dois diagramas - que conjugavam a necessidade de intervenção estatal com a noção de

    equilíbrio geral, no primeiro deles o equilíbrio entre o mercado de bens e de serviços e o

    mercado de capitais é representado pelo diagrama IS-LM8; já no segundo, o equilíbrio

    entre o crescimento do produto e a oferta de trabalho é dado pela curva de Phillips9

    (Santos, 2004: 37-8). Note-se que o chamado caso keynesiano passou a ser

    simplesmente mais um caso particular da teoria clássica, sem romper com a noção de

    equilíbrio geral, ou seja, a teorização keynesiana toma-se um caso particular no

    arcabouço da teoria clássica - precisamente o inverso do que pretendia Keynes.

    8 Mais precisamente, o modelo IS-LM foi proposto por Hicks cm 1937 e conciliava hipóteses keynesianas com hipóteses clássicas nas formulações de equilíbrio no mercado de bens (IS) e monetário (LM).

    9 A curva de Phillips reflete um paradoxo de política, qual seja a estabilização de preços e o pleno emprego seriam metas inconciliáveis dado que, se por um lado as autoridades monetárias resolverem expandir a demanda agregada, o que reduziría a taxa de desemprego, a curva garante que isto acarretaria um custo inflacionário; por outro lado, se a política for anti-inflacionária, o custo seria o aumento do desemprego. Portanto, a curva de Phillips define um trade-off entre inflação e desemprego. Para uma análise mais detida, ver Carcanholo (2003).

    10 O termo intervencionismo é aqui utilizado por comodidade, não correspondendo a uma interpretação que enxerga no Estado e na economia uma relação de exterioridade. Sobre este tema, ver BrunhoíT (1991).

    No plano das políticas econômicas, o modelo de Hicks e Samuelson se traduziu

    em três objetivos básicos: primeiro, manter níveis aceitáveis de

    crescimento/desenvolvimento econômico; segundo, alcançar altos níveis de emprego;

    e, por fim, sustentar a estabilidade de preços. Diante de tais objetivos, o princípio

    intervencionista10 estatal que prevaleceu no pós-segunda guerra está relacionado ao seu

    papel na sustentação do crescimento/desenvolvimento econômico, e o período de

  • 18

    prosperidade econômica que se estende do pós-guerra até meados da década de 1970

    ficou conhecido como período do Consenso Keynesiano, ou também como "anos

    gloriosos" do capitalismo mundial. O período de prosperidade capitalista do pós-

    segunda guerra é objeto de análise das seções 1.2 e 1.3.

    1.2 - Os Estados de bem-estar social (welfare States)

    No início dos anos 1940, generalizou-se o temor nos países capitalistas avançados

    de que quando a segunda grande guerra terminasse, os problemas da década anterior

    retomassem com a mesma virulência de antes, ou seja, se acreditava que a guerra havia

    interrompido a grande depressão dos anos 1930 graças à mobilização de recursos que

    impunha, mas os problemas que se supunha terem gerado a depressão não teriam sido

    resolvidos. Dessa forma, o fim da guerra podería trazer de volta o desemprego e os

    conflitos sociais (Carvalho, 2004b).

    Assim, no pós-segunda guerra, por motivos políticos, era necessário evitar a

    repetição do desastre econômico do período precedente, com o que os governos das

    principais economias capitalistas se comprometeram a tentar prevenir uma nova

    recessão, ou seja, era necessário evitar o retomo do desemprego em massa e amenizar

    os fortes desequilíbrios sociais que o próprio funcionamento da economia capitalista se

    encarregava de constituir, e as crises se encarregavam de aprofundar. Estas tarefas

    ficaram a cargo do Estado, sendo amplamente reconhecido que os novos esquemas de

    planejamento público e administração econômica constituídos nesse período são de

    inspiração (neo) keynesiana

    Esta ampliação da regulação estatal no pós-guerra também está associada ao

    desenvolvimento de um novo modelo de produção nas economias capitalistas

    avançadas, o fordismo. De acordo com Clarke (1991), o fordismo envolveu: 1) uma

    revolução tecnológica não restrita à introdução da linha de montagem, mas abrangendo

    a decomposição de tarefas e a padronização de componentes; 2) uma revolução no

    consumo; e, destacadamente, 3) uma revolução nas relações sociais de produção.

    Portanto, a viabilidade deste novo regime dependia das ações do Estado, pois, para além

    da importância das políticas keynesianás no sentido de assegurar a estabilidade da

  • 19

    demanda - fator essencial para o sucesso do fordismo; a ação estatal também foi

    essencial para a adequação da classe trabalhadora às novas condições de trabalho

    requeridas pelo fordismo.

    De tal modo, no contexto de retomada do crescimento/desenvolvimento

    econômico que caracteriza o pós-segunda guerra, era bastante adequado ao sistema

    capitalista o reconhecimento da importância dos direitos da classe trabalhadora e das

    aspirações social-democratas; com o que foi estabelecido o compromisso político dos

    governos, fundamentalmente dos países capitalistas centrais, com o pleno emprego e a

    ampliação dos direitos sociais. Este compromisso levou à constituição dos chamados

    Estados de bem-estar social, ou welfare States. Na medida em que, enquanto formulação

    teórica, o Keynesianismo colocou os alicerces para uma gestão macroeconômica mais

    compatível com os objetivos destes construtos sociais, e uma vez que o

    intervencionismo estatal encontrava base teórica na obra de Keynes, então os Estados de

    bem-estar são também denominados de Keynesianismo social11.

    11 Conquanto welfare State não seja idêntico a Keynesianismo é compatível com a sua essência.

    Os dados apresentados na Tabela 1.1 demonstram que a ampliação da regulação

    estatal se traduziu sob a forma de aumento dos gastos governamentais (como proporção

    do produto interno bruto - PIB) nas principais economias capitalistas. Os gastos

    governamentais aumentaram signifícativamente em todos os países listados, saltando de

    uma média de 29,8%, em 1950, para 42%, em 1973.

    Tabela 1.1 - Total dos Gastos Governamentais como porcentagem do PIB: Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão - 1938/1999

    (composição das taxas médias anuais - dados selecionados)

    Fonte: Maddison (2001; 135)

    1938 1950 1973 1999França 23,2 27,6 38,8 52,4

    Alemanha 42,4 30,4 42,0 47,6Países Baixos 21,7 26,8 45,5 43,8Reino Unido 28,8 34,2 41,5 39,7

    Média Aritmética

    29,0 29,8 42,0 45,9

    Estados Unidos 19,8 21,4 31,1 30,1Japão 30,3 19,8 22,9 38,1

  • 20

    Na avaliação de Przeworski (1989:244), diante das demandas sociais e da nova

    ordem econômica constituída no pós-segunda guerra, o Keynesianismo tornou-se um

    instrumental compatível de uma nova relação entre Estado e sociedade, pois forneceu os

    alicerces ideológicos e políticos para o compromisso da "democracia capitalista", e

    ofereceu a perspectiva de que o Estado seria capaz de conciliar a propriedade privada

    dos meios de produção com a gestão democrática da economia. Isto é, o Keynesianismo

    forneceu alternativas para atenuação das crises e amenização das mazelas sociais e,

    neste sentido, os controles democráticos sobre nível de desemprego e distribuição da

    renda tornaram-se os termos do compromisso que viabilizou a constituição destes

    construtos sociais.

    Alguns intérpretes atribuem a importância assumida pelo welfare state a uma

    progressiva ampliação dos direitos sociais (dos civis aos políticos e, destes, aos sociais),

    sendo a conquista de direitos sociais uma característica do século XX. Nessa linha,

    Rosanvallon (1997: 27-8) procura desvincular o welfare state do capitalismo e da luta

    de classes, afirmando que “a legitimidade do Estado está baseada no seu compromisso

    em libertar a sociedade da necessidade e do risco”. A idéia de liberdade reforçaria a de

    igualdade e, nesse sentido, o welfare state seria “o produto da moderna cultura

    democrática e igualitária”. Ainda nessa linha, Esping-Andersen (1991), procurando

    resgatar as diversidades dos regimes de welfare state, atribui grande peso à capacidade

    de mobilização da classe trabalhadora, relativizando a importância de determinantes

    mais estruturais.

    A relação entre o welfare state e o desenvolvimento capitalista é destacada por

    autores de filiação marxista, como O’Connor (1977), por exemplo, o qual sublinha que

    as políticas implementadas não escapam ao caráter necessariamente contraditório da

    intervenção estatal em seu duplo papel: de um lado, garantir a acumulação capitalista; e,

    de outro, a sua legitimação. O welfare cumpriría esta última função por meio das

    despesas com a área social. Entretanto, esta argumentação pode ser complementada,

    pois, mesmo que a necessidade de se legitimar tenha levado os Estados a expandir suas

    despesas sociais, o welfare state é comprovadamente uma experiência histórica

    localizada no tempo e no espaço, dado que se desenvolveu predominantemente no

    continente europeu. Assim, se advoga aqui que sua implementação decorre também da

  • 21

    capacidade de luta dos trabalhadores, considerando-se os elementos estruturais e as

    especificidades de cada país que culminaram na sua constituição.

    Outros autores, como Oliveira (1988), interpretam o welfare State como a

    demonstração de que é possível conciliar os interesses do capital e os do trabalho num

    patamar superior, ou seja, interpretam-no como um questionamento à ordem capitalista

    ao (supostamente) promover a "desmercadorização da força de trabalho"12 e a superação

    da lógica do valor pelo fundo público (o "antivalor"). Assim, os arranjos históricos são

    elevados à condição de componentes estruturais da ordem capitalista.

    12 A desmercadorização, conforme Esping-Andcrscn (1991) refere-se à possibilidade de assegurar a reprodução da força de trabalho à margem do mercado de trabalho.

    SISBI/UFU224376

    Embora se tenha uma variedade de vertentes explicativas acerca do surgimento e

    consolidação dos welfare States é possível perceber que o desenvolvimento destes

    sistemas está intimamente relacionado a dinâmica dos processos políticos inerentes a

    cada país, e que as soluções para os problemas suscitados variaram segundo fases e

    características do processo de desenvolvimento político (Draibe e Aureliano, 1987). Em

    sendo assim, embora não se possa falar de um único padrão de welfare State, graças a

    essas diferenças de emergência e variações institucionais, é possível dizer que o

    alargamento das funções estatais pretendia, independentemente das formas assumidas,

    “reduzir as desigualdades, a marginalidade social, suprimir a pobreza, e desenvolver as

    tecnologias e toda uma política social de redistribuição” (Buci- Clucksmann e Therborn,

    1983:103), mesmo que os objetivos não tenham sido cumpridos em sua totalidade e o

    Estado acabasse por satisfazer as necessidades do coletivo de forma desigual.

    O welfare State (ou Keynesianismo social) foi uma solução burguesa-democrática

    para a crise do capitalismo, ou seja, solução burguesa porque a intervenção do Estado,

    regulando o ciclo econômico e as relações de força entre as classes, não suprimiu as

    relações de classe próprias da sociedade burguesa; democrática, porque concede

    estatuto universalista aos interesses dos trabalhadores. No entanto, Buci- Clucksmann e

    Therborn (1983:103) apontam que não se trata de uma solução burguesa qualquer,

    “trata-se de uma solução expansiva, ligando alargamento do Estado e fordismo a uma

    política social avançada a largas alianças baseadas em compromissos institucionais e

    econômicos”.

  • 22

    Em síntese, o processo de alargamento do Estado no pós-guerra está associado ao

    desenvolvimento de um novo modelo de produção, o fordismo. Nesse contexto de

    retomada do crescimento/desenvolvimento econômico que caracteriza o pós-segunda

    guerra, consolidou-se uma ampla rede de políticas de bem-estar, cujos principias

    compromissos eram com o pleno emprego e a ampliação dos direitos sociais. A

    influência da teoria keynesiana na construção dos fundamentos da intervenção do

    Estado na economia nesse período é quase consensual entre os intérpretes do período,

    mas o mesmo não acontece quando se trata da influência concreta dessas idéias na

    explicação do boom do pós-segunda guerra.

    No pós-segunda guerra, a constituição de uma nova ordem econômica

    internacional, pactuada no acordo de Bretton Woods, foi essencial para que os governos

    nacionais pudessem sustentar seus compromissos políticos e econômicos. Transcorridos

    os “anos gloriosos”, o desmantelamento de tal acordo, igualmente, é de fundamental

    importância para se entender a crise capitalista dos anos subseqüentes. Esse o tema

    analisado na seção 1.3.

    1.3 - Bretton Woods: auge e declínio

    A premência de políticas que reduzissem o risco de retomo da recessão econômica

    explica grande parte das mudanças políticas, econômicas e financeiras do pós-segunda

    guerra. Nesse momento, mais do que medidas restritas às economias domésticas, fez-se

    necessário constituir uma nova ordem econômica internacional, ou seja, de regras de

    conduta e instituições internacionais capazes de edificar um ambiente econômico

    internacional mais harmônico e de estabilidade das moedas nacionais prejudicadas pela

    guerra, reforçando assim o poder dos governos em perseguir o

    crescimento/desenvolvimento econômico que o momento requeria. (Belluzzo, 1995).

    Ainda no ano de 1944, representantes de vários governos reuniram-se em Bretton

    Woods, no estado americano de New Hampshire, tendo chegado a um acordo sobre a

    necessidade de constituição de um novo sistema monetário e financeiro internacional. A

    conferência de Bretton Woods foi o culminar de um processo de negociações que teve

    como protagonistas principais Keynes, representando os interesses ingleses, e Harry

  • 23

    Dexter White, representando o governo americano13. Suas teses divergiam, primeiro,

    graças às diferentes formas de entendimento de como opera uma economia de mercado

    e, segundo, devido à nova correlação de forças que se firmava no plano das relações

    econômicas internacionais do pós-guerra: de um lado a Inglaterra, marcada pelo receio

    da hegemonia norte-americana que se consolida nesse período e, de outro, os Estados

    Unidos, desejosos de afirmar seu domínio, já então indiscutível.

    13 Sobre os acordos que levaram à constituição de Bretton Woods e do sistema cin si, ver Mendonça (1998); Carvalho (2004) c Cunha (2004).

    Nas negociações que antecedem o acordo de Bretton Woods, Keynes tinha como

    principal preocupação limitar ao máximo possível o papel do dólar nas transações

    internacionais. Para tanto, propõe, primeiro, a criação de uma moeda internacional

    fiduciária (a qual denominou bancor), que serviría apenas como unidade de conta

    abstrata, definida simplesmente em termos de suas relações com as diversas moedas

    nacionais. Em segundo lugar, propõe a criação de um organismo internacional, a União

    Internacional de Compensação (UIC), que exercería a função de banco central dos

    bancos centrais, emitindo o bancor no quadro de operações de intercompensação dos

    saldos das contas externas dos diferentes países, ou seja, a posição dos países

    relativamente à UIC podería ser credora ou devedora, a depender dos seus saldos

    externos acumulados. Em caso de superávit, o país teria um depósito em bancores na

    conta respectiva e, em caso de déficit, um débito.

    De acordo com este esquema, o depósito de um país criaria o poder de compra de

    outro, através do crédito, sendo que, a nível mundial, a soma dos déficits externos seria

    igual, por definição, à soma dos superávits externos, com o que o problema de ajuste

    dos balanços de pagamentos estaria resolvido. Ademais, cada banco central disporia do

    direito a crédito em bancores igual à sua quota parte na UIC, definida em função da

    importância da sua economia. Note-se que a intenção desse sistema era evitar a

    acumulação de déficits ou de superávits, procurando responsabilizar por igual os países

    deficitários e superavitários. Estes últimos seriam impulsionados a aumentar as suas

    compras e os seus investimentos no exterior privilegiando-se, assim, uma resposta

    expansionista aos desequilíbrios extemos em detrimento da resposta deflacionista

    tradicional.

  • 24

    Keynes propunha ainda que o ouro continuasse a desempenhar um papel, mas

    deveria ser desmonetizado progressivamente. O bancor não seria livremente

    conversível em ouro, o que implicaria, segundo Keynes, que as reservas de ouro fossem

    mantidas proporcionais a sua oferta, não restaurando a situação anterior do padrão-ouro

    que se queria evitar. Com relação às taxas de câmbio, Keynes propunha que se

    fixassem limites de variação, mas em casos de desequilíbrios fundamentais seria

    possível uma modificação para além destes limites. O plano previa ainda a liberdade

    absoluta de remessas de divisas nas transações correntes do comércio. Já no que diz

    respeito ao movimento de capitais, cada país deveria ser livre para decidir, embora

    Keynes defendesse o seu controle. Como assinala Garlipp (2001:196),

    “Keynes argumenta favoravelmente a um sistema de controle direto dos

    fluxos financeiros de curto prazo, por meio da criação de um banco

    central supranacional (Clearing Union} e de seu Plano Bancor, com taxas

    de câmbio fixas mas ajustáveis, e um mecanismo de gatilho para fazer

    com que uma parte maior do ônus decorrente da eliminação dos déficits

    de conta corrente recaísse sobre os países com excedentes. Propõe,

    assim, a execução de uma gestão das necessidades de liquidez do

    comércio internacional e dos problemas de ajustamento entre países

    credores e devedores. Nestes termos, e por ressaltar a incompatibilidade

    entre a livre movimentação de capitais e a estabilidade econômica,

    Keynes defende a limitação aos fluxos financeiros de curto prazo como

    forma de contemplar o crescimento estável do comércio internacional e

    uma maior liberdade das políticas nacionais com vistas ao pleno emprego

    e ao crescimento econômico”.

    Por sua vez, White tinha um caráter mais técnico e propunha fundamentalmente a

    criação de um fundo de estabilização internacional a que os países poderíam recorrer,

    na proporção dos respectivos depósitos, para fazer face aos desequilíbrios importantes

    dos balanços de pagamentos. A proposta americana para as taxas de câmbio não diferia

    substancialmente da inglesa: defendia as paridades fixas, mantidas no quadro de uma

    cooperação inter-países. No entanto, o objetivo fundamental da proposta de White era

    fazer com que os demais países reconhecessem o papel do dólar como moeda

    internacional, uma das únicas moedas conversíveis em ouro, sendo que, no pós-guerra,-

  • 25

    os EUA dispunham de praticamente 2/3 das reservas de ouro mundiais, estando em

    condições de fornecer as mercadorias e a liquidez internacional necessárias à

    reconstrução econômica do pós-guerra.

    Assim, o reordenamento do sistema monetário e financeiro internacional, através

    da elaboração de novas regras de funcionamento e da criação das instituições

    econômicas internacionais, é o tema fundamental da conferência de Bretton Woods. Os

    convênios firmados no acordo deixaram manifesta a supremacia norte-americana no

    bloco dos países centrais, sendo que os setores financeiros privados americanos

    influíram e pressionaram de forma constante na sua elaboração, chegando a ter uma

    participação direta na redação definitiva dos mesmos (Baer e Lichtensztejn, 1987).

    A vasta literatura a respeito do acordo de Bretton Woods14 elucida que este novo

    sistema monetário e financeiro teve como expressão: no plano político, a constituição da

    Organização das Nações Unidas (ONU); no plano comercial, a criação do Acordo Geral

    sobre Comércio e Tarifas (denominado GATT); e, no plano monetário, a criação de

    instituições, regras e princípios econômicos. Vale lembrar, nos termos de Almeida

    (2002), que o conceito "sistema de Bretton Woods" refere-se a duas problemáticas

    distintas, embora intimamente relacionadas. Em primeiro lugar, num sentido estrito,

    remete ao papel e ao funcionamento das duas principais organizações internacionais

    criadas (o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e

    Desenvolvimento), incumbidas de administrar as relações financeiras e monetárias

    internacionais. Em segundo lugar e em sentido mais amplo, o conceito se refere às

    políticas implementadas por essas instituições no plano multilateral e nas suas relações

    com os países membros.

    " Entre outros, Gowa, 1983; Moflitt, 1984; Block, 1989; Garlipp, 1992 e 2001a ; Bordo c Eiclicngrcen, 1993; Helleiner, 1994; Aglietta, 1995; Belluzzo, 1995; Mendonça, 1998; Eicliengrcen, 2000; Nakatani, 2002; Almeida, 2002.

    O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais tarde

    denominado de Banco Mundial, foi inicialmente constituído com a finalidade de

    financiar a reconstrução européia no pós-guerra mas, à medida que esse objetivo foi

    sendo concretizado, o BIRD passou a privilegiar os investimentos voltados à satisfação

    das chamadas "necessidades especiais" dos Estados-membros, particularmente dos

    países periféricos. Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi constituído sob

  • 26

    influência americana, e as quotas com que cada país contribuiría para o tesouro do FMI,

    e que definiríam o número de votos que cada país membro teria na administração da

    instituição, foram decididas através de complexas negociações. Originalmente, o Fundo

    foi incumbido de evitar as desvalorizações competitivas e funcionar como mecanismo

    de monitoração do sistema monetário e financeiro internacional. E importante destacar

    ainda que foi constituído um programa de conduta para as políticas econômicas dos

    países com problemas de balanço de pagamentos, tendo sido criadas diversas formas de

    mediação financeira e empréstimos entre os organismos internacionais instituídos no

    acordo, os governos nacionais e o sistema de bancos privados internacionais.

    Ainda segundo Almeida (2002), essa primeira problemática, referente às

    organizações internacionais, remete ao ordenamento monetário constituído em Bretton

    Woods, qual seja, o esquema de paridades cambiais fixas (mas ajustáveis), baseado no

    padrão ouro-dólar, isto é, um regime em que as taxas de câmbio são fixas mas há

    possibilidade de que sejam alteradas em presença de desequilíbrios externos

    considerados fundamentais. Além da instituição do regime de câmbios ajustáveis, esse

    novo ordenamento monetário possuía outras características, como mostra

    Mendonça(1998: 129-130):

    cada país deveria indicar uma paridade para sua moeda em termos de ouro ou do dólar

    americano;

    os Estados Unidos asseguravam a conversibilidade do dólar. Para que o dólar pudesse

    desempenhar o seu papel de equiparação ao ouro, o Governo americano declara que os

    Estados Unidos passariam a comprar e a vender este metal contra a sua moeda ao preço

    de 35 dólares a onça;

    com base no que foi definido no ponto anterior, são fixadas taxas de câmbio bilaterais

    cuja estabilidade cada país se compromete a assegurar. A oferta e a demanda de divisas

    não pode provocar distorções entre as taxas de câmbio de mercado e a paridade que se

    situem para além de mais ou menos 1%. Existe o comprometimento por parte dos

    bancos centrais de intervirem vendendo ou comprando divisas, para assegurar que a

    taxa de câmbio jamais ultrapasse os limites de variação fixados;

    as paridades definidas no ponto anterior são passíveis de revisão:

    - até o limite de 10% basta uma notificação do FMI;

  • 27

    para além dos 10% o FMI só autoriza em presença de desequilíbrios

    considerados fundamentais. O objetivo era evitar as desvalorizações

    competitivas que no passado tantos prejuízos haviam causado. Todavia, a

    distinção entre simples desequilíbrio e desequilíbrio fundamental nunca foi

    claramente formulada;

    a/ os países comprometiam-se a assegurar a conversibilidade das respectivas moedas. Na

    prática, essa conversibilidade só teve início em 1958 e dizia respeito apenas aos

    pagamentos que derivam de operações correntes. No que diz respeito aos movimentos

    de capitais, é permitida a existência de limitações que visam sobretudo manter a

    autonomia da política interna das taxas de juros.

    O outro conceito de "sistema de Bretton Woods" refere-se à problemática de

    ordem mais política do que monetária, ou seja, à atuação prática e operacional, e

    também "ideológica", das duas organizações econômicas internacionais criadas em

    1944 para cuidar das moedas e das finanças internacionais, mas que acabam

    necessariamente por envolver-se na administração prática da economia dos países que a

    elas recorrem, o que, por sua vez, desencadeia uma série de implicações políticas (e

    jurídicas) (Almeida, 2002).

    A eficácia do Fundo Monetário Internacional (FMI) em monitorar o sistema

    monetário e financeiro internacional e manter a estabilidade mundial encontrará um

    importante limite, qual seja, sua incapacidade de enquadrar em seus princípios a

    economia norte-americana, a principal fonte de perturbações do sistema monetário

    internacional, principalmente nos anos 1960. Esse enfraquecimento do FMI com

    relação às suas funções originais significou a entrega das funções de regulação de

    liquidez e de emprestador de última instância ao Federal Reserve (Banco Central

    americano), ou seja, o sistema monetário internacional e de pagamentos que surgiu do

    acordo de Bretton Woods foi menos 'intemacionalista' do que pretendiam seus

    formuladores, os quais almejavam constituir uma verdadeira 'ordem econômica

    mundial', isso porque o FMI fica submetido ao poder e interesse de uma única

    economia, a norte-americana (Belluzzo, 1995).

    Em sua análise, Carvalho (2004b) afirma que há duas correntes de interpretação

    acerca do acordo de Bretton Woods. Uma delas enxerga o acordo como sendo mais um

  • 28

    artifício norte-americano rumo à consolidação de sua hegemonia, ou seja, uma iniciativa

    voltada a dotar os Estados Unidos de instrumentos de dominação econômica mais

    adequados, dado o declínio da hegemonia européia. A outra corrente advoga que a

    conferência foi uma iniciativa movida apenas por propósitos superiores dos países

    partícipes, quais sejam os de organizar as relações econômicas internacionais,

    permitindo assim a busca mais eficaz do crescimento/desenvolvimento econômico.

    O autor acaba por avaliar que o acordo atendeu a ambos os estímulos. No entanto,

    é inconteste que a instituição de regras comuns de comportamento para todos os

    participantes desse acordo revela um duplo efeito: por um lado, cria um ambiente

    político e econômico propício para que se alcancem níveis sustentados de prosperidade

    econômica mas, por outro lado, exige que os países abram mão de parte da soberania na

    condução de suas políticas econômicas, na medida em que passam a cumprir as regras

    acordadas e, na maior parte dos casos, a submeter suas políticas ao veredicto das

    instituições criadas, de forma especial o FMI.

    Em que pese o exposto, do ponto de vista da busca da prosperidade mundial, no

    período que se seguiu à sua pactuação, Bretton Woods foi bastante bem-sucedido. Os

    principais aspectos que caracterizam a economia mundial, e de forma mais acentuada os

    países capitalistas centrais, foram: 1) um crescimento econômico rápido; 2) taxas de

    desemprego excepcionalmente baixas; e 3) uma estrutura econômica relativamente

    estável, acompanhada de uma taxa de inflação modesta. Alguns dados permitem

    evidenciar tais aspectos.

    No que tange ao crescimento, a Tabela 1.2 mostra que entre os anos de 1950 e

    1973, o PIB per capita mundial cresceu 2,93%, enquanto o PIB se expandiu a uma taxa

    de 4,91%; para ambos os casos, a taxa de crescimento é mais do que o dobro das taxas

    observadas nos períodos precedentes (1870-1913 e 1913-1950). Embora todas as

    regiões e os países apresentem crescimento em todos os aspectos apontados (PIB per

    capita, população e PIB) entre os períodos de 1913-1950 e 1950-1973, merecem

    destaque o Japão, que salta de um crescimento do PIB médio de 2,21% entre 1913-1950

    para um crescimento de 9,29% entre 1950-1973; a Ásia, que para os mesmos intervalos

    considerados tem um crescimento médio de 0,90% e 5,18%; e, por fim, a Europa

    Ocidental, cujo crescimento médio do PIB passa de 1,19, entre 1913-1950, para 4,81 no

    período de 1950-1973.

  • 29

    Já com relação às taxas de desemprego, como porcentagem da força de trabalho, a

    Tabela 1.3 mostra que seus níveis são baixos para todos os países selecionados, sendo

    que as taxas dificilmente ultrapassam, em média, os 3% no período que se estende de

    1950 e 1973, exceção feita aos Estados Unidos (4,6%), Canadá (4,7%) e Itália (5,5%).

    Nos períodos seguintes a 1973, o nível de desemprego nos países capitalistas avançados

    se eleva consideravelmente e, nesse caso, o exemplo mais emblemático é o espanhol,

    que salta de uma taxa de desemprego média de 2,9%, entre 1950 -1973, para 21,8%

    entre 1994-1998.

    Por fim, o último aspecto relevante que caracteriza as economias capitalistas

    centrais durante os anos que sucederam Bretton Woods é a modesta taxa de inflação,

    como mostra a Tabela 1.4 (intervalo de 1950-1973). Já a partir de 1970 a inflação volta

    a aumentar, mas recua novamente nas décadas de 1980 e 1990. Esse processo pode ser

    verificado observando-se a média inflacionária dos intervalos de tempo considerados,

    ou observando a maior parte dos casos isolados apontados na Tabela 1.4.

    Hoje, com o benefício do distanciamento histórico, é possível perceber que os

    "anos gloriosos" pertenceram, fundamentalmente, aos países capitalistas centrais, isto

    porque, em que pese tratar-se de um fenômeno mundial, os frutos desse progresso

    jamais foram apropriados pela maioria da população mundial, especialmente aquelas

    pertencentes aos países periféricos (Hobsbawm, 1995)15. Além do mais, foram as

    contradições engendradas pelo próprio acordo de Bretton Woods que tomaram inviável

    sua sustentação. Como bem assinala Eichengreen (2000: 132), em primeiro lugar, o

    sistema de taxas de câmbio revelou-se contraditório na medida em que mudanças na

    paridade foram muito raras, principalmente por parte dos países capitalistas centrais.

    Em segundo lugar, o controle de capitais foi o único elemento que funcionou de forma

    mais ou menos correta. Antes do sistema de Bretton Woods entrar em funcionamento,

    os países que tivessem déficits em seus balanços de pagamentos e sofriam com perda de

    suas reservas tomaram mais rigorosos os controles de capitais, as restrições cambiais e

    as exigências de obtenção de licenças de importação, cujo objetivo era fortalecer o

    balanço de pagamentos. Note-se que tais restrições não seriam eficazes se não houvesse

    15 Obviamcntc, quando se comparam os anos gloriosos e o período atual (1980/2004) nos países periféricos, como os da América Latina, por exemplo, as taxas médias de crescimento foram maiores durante aqueles anos graças à estratégia dc desenvolvimento por substituição de importações (a qual possui outros determinantes), assim como as taxas de desemprego também eram inferiores.

  • 30

    controles sobre os fluxos de capitais. Mesmo assim, os controles e restrições, que

    haviam se mostrado instrumentos eficazes nas décadas de 1940 e 1950, sofreram um

    relaxamento no período posterior. Por fim, um último aspecto a ser levantado diz

    respeito a monitoração do FMI, que se mostrou ineficaz, fazendo prevalecer os

    interesses norte-americanos.

    Tabela 1.2 - Crescimento do PIB per capita: Regiões, Países e Mundo - 1870-1998 (composição das taxas médias anuais - dados selecionados)

    Fonte: Maddison (2001: 126)*No original corresponde aos seguintes países: Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados

    Unidos

    1870-1913 1913-1950 1950-1973 1973-1998PIB per capita

    Europa Ocidental 1,32 0,76 4,08 1,78Western Offshoots * 1,81 1,55 2,44 1,94Japão 1,48 0,89 8,05 2,34Àsia (excluindo o Japão) ,038 -0,02 2,92 3,54América Latina 1,81 1,42 2,52 0,99Leste Europeu e antiga URSS 1,15 1,50 3,49 -1,10África 0,64 1,02 2,07 0,01Mundo 1,30 0,91 2,93 1,33

    PopulaçãoEuropa Ocidental 0,77 0,42 0,70 0,32Western Offshoots * 2,07 1,25 1,55 1,02Japão 0,95 1,31 1,15 0,61Ásia (excluindo o Japão) 0,55 0,92 2,19 1,86América Latina 1,64 1,97 2,73 2,01Leste Europeu e antiga URSS 1,21 0,34 1,31 0,54África 0,75 1,65 2,33 2,73Mundo 0,80 0,93 1,92 1,66

    PIBEuropa Ocidental 2,10 1,19 4,81 2,11Western Offshoots * 3,92 2,81 4,03 2,98Japão 2,44 2,21 9,29 2,97Ásia (excluindo o Japão) 0,94 0,90 5,18 5,46América Latina 3,48 3,43 5,33 3,02Leste Europeu e antiga URSS 2,37 1,84 4,84 -0,56África 1,40 2,69 4,45 2,74Mundo 2,11 1,85 4,91 3,01

  • 31

    Tabela 1.3 - Nível de desemprego nos países capitalistas avançados - 1950/1998 (como porcentagem da força de trabalho)

    Fonte: Maddison (2001: 134)

    1950-1973 1974-1983 1984-1993 1994-1998Bélgica 3,0 8,2 8,8 9,7

    Finlândia 1,7 4,7 6,9 14,2França 2,0 5,7 10,0 12,1

    Alemanha 2,5 4,1 6,2 9,0Itália 5,5 7,2 9,3 11,9

    Países Baixos 2,2 7,3 7,3 5,9Noruega 1,9 2,1 4,1 4,6Suécia 1,8 2,3 3,4 9,2

    Reino Unido 2,8 7,0 9,7 8,0Irlanda - 8,8 15,6 H,2

    Espanha 2,9 9,1 19,4 21,8Média 2,6 6,0 9,2 10,7

    Austrália 2,1 5,9 8,5 8,6Canadá 4,7 8,1 9,7 9,4

    Estados Unidos 4,6 7,4 6,7 5,3Média 3,8 7,1 8,3 7,8

    Japão 1,6 2,1 2,3 3,4

    Tabela 1.4 - Inflação nos países capitalistas avançados - 1950/1998 (mudanças no índice de preços ao consumidor - composição das taxas médias anuais)

    Fonte: Maddison (2001: 134)

    1950-1973 1973-1983 1983-1993 1994-1998Bélgica 2,9 8,1 3,1 1,8

    Finlândia 5,6 10,5 4,6 1,0França 5,0 11,2 3,7 1,5

    Alemanha 2,7 4,9 2,4 1,7Itália • 3,9 16,7 6,4 3,5

    Países Baixos 4,1 6,5 1,8 2,2Noruega 4,8 9,7 5,1 2,0Suécia 4,7 10,2 6,4 1,5

    Reino Unido 4,6 13,5 5,2 3,0Irlanda 4,3 15,7 3,8 2,1

    Espanha 4,6 16,4 6,9 3,4Média 4,3 11,2 4,5 2,2Austrália 4,6 H,3 5,6 2,0Canadá 2,8 9,4 4,0 1,3

    Estados Unidos 2,7 8,2 3,8 2,4Média 3,4 9,6 4,5 1,9

    Japão 5,2 7,6 1,7 0,6

  • 32

    O papel que a economia e a política norte-americana assumem nesse período e,

    por conseguinte, seus rebatimentos sobre a ordem financeira e monetária mundial nos

    anos seguintes, são de fundamental importância., Nos termos apresentados por

    Garlipp(2001: caps. 4 e 5), a economia norte-americana começa a ser questionada já na

    década de 1960, devido aos crescentes déficits em suas contas externas, ocasionados

    pelo envio de recursos para a reconstrução européia no pós-segunda guerra; pelo

    endividamento proveniente dos gastos com a Guerra Fria; pela maior competitividade

    que passam a empreender Alemanha e Japão após se reconstruírem da guerra e, por fim,

    pela perda de recursos devida à constituição de um mercado de dólares fora dos Estados

    Unidos, o euromercado ou mercado de eurodólares. A evolução da constituição desse

    mercado expressa a saída de dólares da economia norte-americana ao longo da década

    de 1960, como é mostrado na Tabela 1.5.

    Tabela 1.5 - Evolução dos eurodólares - 1964/1970 (em milhões de dólares)

    Fonte: Mendonça, 1990: 298

    Ano Perda de dólares1964 9,01965 11,51966 14,51967 17,51968 25,01969 37,51970 46,0

    A constituição de um mercado de dólares fora dos Estados Unidos, e fora do

    controle das autoridades norte-americanas, é o elemento mais importante dentre os

    apontados. Esse mercado é constituído por "dólares usados como funding de operações

    de crédito na Europa Ocidental, oriundos de contas das multinacionais norte-

    americanas, inicialmente, e depois dos bancos norte-americanos, em franco processo de

    internacionalização de suas atividades". Após se consolidar, este mercado ganha

    autonomia, e

    "com os fluxos financeiros especulativos e o comportamento oscilatório

    das autoridades monetárias norte-americanas e das demais economias, a

    instabilidade monetária assume a forma de crise aberta. Em meados de

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE U3ERLÂNDIABibllotaca

    33

    1971 o dólar começa a sofrer sério descompasso em relação às demais

    moedas e as taxas diferenciais de inflação entre os Estados Unidos e

    outras economias capitalistas produzem um desequilíbrio fundamental

    nas taxas de câmbio. A confiança no dólar é rapidamente erodida e causa

    problemas nos mercados de divisas, de modo que o governo americano

    fica pressionado pelas conversões do dólar em ouro feitas pelas demais

    economias". (Garlipp, 2001: 116-7).

    É graças a esse cenário que, já nos anos 1960, a crise americana é explicitada, pois

    o agravamento dos défícits americanos impede que o padrão dólar mantenha seu poder

    de ordenação dos movimentos comerciais e financeiros mundiais. A economia

    americana fica então diante de um dilema - consagrado pela literatura econômica como

    sendo o "Dilema de Triffin" - qual seja, ter que incorrer em crescentes défícits no

    balanço de pagamentos para fornecer a liquidez internacional e, no entanto, quanto

    maior o déficit americano, menor a confiança em relação ao dólar, o que levaria o

    sistema ao colapso pelo fato de os Estados Unidos não poderem honrar com a

    conversibilidade dólar-ouro.

    Como resposta às inevitáveis pressões contra sua moeda, os Estados Unidos

    adotam uma série de medidas, sendo a mais significativa a suspensão da

    conversibilidade dólar-ouro, conduzida pelo presidente Nixon em 1971. O resultado

    desse conjunto de medidas foi a substancial desvalorização do dólar, rompendo então o

    regime de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis, pactuado em Bretton Woods, ou seja,

    os Estados Unidos não foram capazes de sustentar a posição do dólar como moeda-

    padrão graças à excessiva oferta de dólares, decorrente do desequilíbrio crescente de

    suas contas internas (Belluzzo, 1995). Com isso, entre 1971 e 1973, todos os países

    desenvolvidos abandonaram o regime cambial de Bretton Woóds, e passaram a cuidar

    de seus problemas de balanço de pagamentos.

    Dessa forma, o sistema monetário e financeiro internacional fundado em uma

    política de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis, pelo menos nas principias moedas do

    mundo desenvolvido, foi substituído por um sistema de taxas de câmbio flexíveis,

    encaminhando o sistema para uma fase de profunda instabilidade nas taxas de câmbio e

    de juros (Nakatani, 2002). A emergência dos desequilíbrios cambial e monetário, bem

    como o excedente de dólares provenientes dos lucros dos países produtores de petróleo,

  • 34

    denominados petrodólares, acentuam a expansão do circuito interbancário que, por sua

    vez, estimula o surgimento de operações totalmente fora do controle dos bancos

    centrais. Assim, essas transformações abriram o caminho para a expansão da

    especulação financeira internacional das décadas seguintes.

    É nesse contexto de instabilidade e desregulação do sistema monetário e

    financeiro internacional que ocorre a tentativa de criação de um novo padrão monetário

    internacional, agora não mais ancorado unicamente na moeda americana. Os Estados

    Unidos, a fim de manter sua hegemonia, cuja expressão máxima é dada pela função de

    reserva universal que cumpre sua moeda, aumentam abruptamente suas taxas de juros.

    Esse ato desencadeou um enorme fluxo de capitais em direção à economia americana, o

    que impediu que o dólar se desvalorizasse em relação às outras moedas (principalmente

    o marco e o iene), fortalecendo assim sua posição e reafi