Modelo Keynesiano

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4. O MODELO KEYNESIANO

4.1. Determinao da renda de equilbrio e o efeito multiplicador

Nos manuais de macroeconomia, geralmente o que se chama de modelo keynesiano , na verdade, uma construo de tericos neoclssicos convertidos ao keynesianismo, como Paul Samuelson e Alvin Hansen1. Com formalismos grficos e matemticos to simples quanto engenhosos esses autores enfatizaram certos insights da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), relativos ao princpio da demanda efetiva e as relaes entre as funes agregadas de consumo, investimento e poupana. nisso que consiste o chamado modelo keynesiano, o qual, dependendo do propsito, pode ser apresentado numa verso mais simples de economia fechada, ou de forma um pouco mais estendida, para abranger o caso das economias abertas. Suas proposies centrais podem ser deduzidas a partir de duas abordagens alternativas, que sero aqui referidas como rendadispndio e poupana investimento. Na abordagem renda-dispndio, a verso para economia fechada composta pelo seguinte sistema de trs equaes:D=C+I

(4.1)

C = C( Y )Y =D

(4.2)

(4.3)

A equao (4.1) simplesmente define a demanda agregada (D), numa economia fechada, como a soma dos dispndios voluntrios de consumo (C) e investimento (I). A equao (4.2) uma equao de comportamento, relacionando a despesa de consumo (C) como funo da renda nacional (Y), ou seja, uma relao de causa e efeito na qual se admite que as variaes da renda (Y) constituem a causa fundamental das variaes da despesa de consumo (C), conforme Keynes op. cit., captulo 6. A equao (4.3) pode ser interpretada de duas maneiras: primeiro, como uma racionalizao do princpio keynesiano da demanda

efetiva, segundo o qual o nvel de renda que tende a ser gerado num dado sistema econmico depende do volume agregado dos dispndios monetrios planejados. (Keynes, op. cit., captulo 3). Uma vez que, por definio contbil, a renda gerada num sistema econmico, num determinado perodo, exatamente igual ao produto realizado, no mesmo perodo, esta mesma equao pode ser interpretada como uma condio de equilbrio macroeconmico entre produto ofertado (Y) e o produto demandado (D), ficando assim determinada a renda de equilbrio do sistema, ou seja, a renda que tende a ser gerada, tudo o mais constante. O modelo requer tambm, como condio de estabilidade do equilbrio, que a propenso marginal a consumir nome que Keynes deu primeira derivada da funo consumo com relao renda seja positiva, porm menor que um, isto :C Yt-1, e vice-versa. 14

A verso dinmica incorpora outros dois parmetros: um deles o chamado coeficiente de acelerao (g), que indica a velocidade de ajuste da demanda de investimento no tempo t em resposta variao da renda ocorrida entre t-1 e t-2; o outro o parmetro que indica a velocidade de ajuste da renda na sua trajetria para o equilbrio, em funo das discrepncias observadas entre a demanda e a oferta agregada. Introduzindo (27) e (28) em (26), defasando esta ltima um perodo e substituindo o resultado na equao (29), obtm-se a seguinte equao de diferena de segunda ordem: Yt = 0 + 1Yt 1 + 2Yt 2

(30),

em que:

0 = (a + I ) 1 = 1 (1 b g ) 2 = g

Para determinar o nvel de equilbrio da renda (Y*), basta impor em (30), a condio: Y* = Yt = Yt-1 Fazendo isso, se chega mesma equao de equilbrio do modelo esttico: a+I 1 b

Y =

(12),

Verifica-se, portanto, que o efeito acelerador no altera o efeito multiplicador, o qual continua dependendo apenas da propenso a consumir. Ele tem a ver apenas com a velocidade com que cada varivel se ajusta e o padro da convergncia para o novo nvel de equilbrio, aps qualquer dada perturbao exgena. Quanto maior o coeficiente de acelerao mais rpido a renda atinge seu novo nvel de equilbrio, podendo oscilar de forma convergente ou no em torno dele, conforme indicado pelas trajetrias representadas na figura 4.6.

15

) Y ( a d n e R

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Tempo (t)

Figura 4.6 - Trajetrias dinmicas da renda sob o efeito acelerador

Para um mesmo valor do coeficiente e dos demais parmetros do modelo, a trajetria assinttica, sem oscilao, indica um coeficiente de acelerao mais baixo do que a trajetria assinttica com overshooting. A trajetria com oscilao convergente indica um coeficiente de acelerao mais alto que as anteriores, mas mais baixo que a trajetria com oscilao noconvergente, a qual, na verdade, indica a no existncia de equilbrio. A partir da, um coeficiente de acelerao ainda maior implicaria numa trajetria oscilante explosiva, caracterizando uma situao de equilbrio instvel.

4. 4. Pleno emprego e polticas fiscais compensatrias

O modelo keynesiano simples uma formalizao muito eficiente para ilustrar as recomendaes intervencionistas de Keynes e enfatizar o papel da poltica fiscal como instrumento de estabilizao anticclica. Para isso, alm de explicitar o setor governamental, necessrio distinguir entre variveis macroeconmicas reais e variveis nominais, bem como introduzir uma varivel exgena adicional para representar o nvel de capacidade produtiva instalada, a qual costuma ser chamada como produto de pleno emprego ou produto potencial 16

(Yk). Se as variveis estiverem definidas em termos nominais, ento o modelo no informa se o equilbrio se d no pleno emprego ou fora dele. Admitindo que as variveis esto definidas em termos reais, ento o equilbrio fora do pleno emprego poder ocorrer de duas formas distintas conforme representado nas figuras (4.7) e (4.8). Na figura 4.7, descreve-se o caso em que o equilbrio da renda se d a um nvel abaixo do produto potencial (Yk), caracterizando o problema do desemprego por insuficincia da demanda efetiva. Em termos da figura 4.7, esse problema pode ser interpretado tambm como decorrncia de uma insuficincia de investimento planejado em relao ao volume da poupana que seria gerada no pleno emprego, conforme indicado pelo segmento AB5.

S

SA

I0

B

Y* -a

Y Yk

Figura 4.7 - Equilbrio abaixo do pleno emprego

Uma vez que sempre estar associado a uma economia em recesso ou com alto desemprego, a diferena positiva entre o nvel da poupana global a pleno emprego e o dispndio planejado de investimento, do tipo representado pelo segmento AB, costuma ser chamada de hiato recessivo ou hiato de desemprego.

5

17

Na figura (4.8) descreve-se uma situao oposta a essa, ou seja, uma situao em que o produto real demandado maior do que o produto de pleno emprego. Uma vez que, efetivamente, a economia no pode gerar um produto real maior do que o produto de pleno emprego, o produto real de equilbrio ali representado (Y*) deve ser visto apenas como um valor virtual para o qual a economia tende, sem, no entanto, poder alcan-lo. Uma vez que a demanda , de fato, maior do que a oferta mxima possvel, tal situao deve implicar em algum tipo de racionamento. Na ausncia de quaisquer intervenes arbitrrias, isso feito pela elevao dos preos. Portanto, numa economia de livre mercado, a tendncia ao equilbrio da renda alm do pleno emprego necessariamente implica em instabilidade inflacionria. Por isso que qualquer distncia como BA, na figura 4.8, que representa o excesso do investimento planejado em relao poupana de pleno emprego, costuma ser chamado de hiato inflacionrio.

S

S I0B A

Yk -a

Y*

Y

Figura 4.8 - Equilbrio acima do pleno emprego

18

Ambos os problemas macroeconmicos retratados nas figuras 4.7 e 4.8, o desemprego num caso, e a inflao, no outro, tm origem em insuficincia ou excesso da demanda efetiva em relao oferta de pleno emprego, ou o que d no mesmo, excesso ou insuficincia da poupana de pleno emprego em relao ao dispndio planejado de investimento. Uma vez que o dispndio governamental pode ser to eficaz para gerar demanda efetiva quanto o dispndio privado e que a tributao reduz a renda disponvel, o modelo indica claramente que ambos os problemas poderiam ser solucionados por criteriosas intervenes governamentais, visando aumentar (reduzir) a demanda mediante aumento (reduo) dos gastos pblicos, ceteris paribus, ou reduo (aumento) de impostos, ceteris paribus. Nesse sentido, uma adequada administrao do dficit governamental seria, em tese, suficiente para neutralizar ou compensar as flutuaes espontneas que do origem ao ciclo econmico, da porque essa prtica ficou conhecida como poltica fiscal compensatria ou anticclica. Assim, as figuras 4.7 e 4.8, formalizam a idia que, para cada situao, haveria sempre um nvel de dficit positivo (despoupana governamental) ou negativo (poupana governamental) que poderia fazer com que as retas S e I se cruzassem sobre a restrio do pleno emprego, eliminando os hiatos AB e BA, respectivamente. Para examinar essas questes mais precisamente, a verso bsica do modelo deve ser ampliada de forma a considerar explicitamente o setor pblico no sistema de equaes do modelo, conforme especificao abaixo: D = C + I +G C = a + b(Y T )

(31)

(32)

T = u + tY Y =D

(33)

(34)

Essa verso difere da anterior por: 1) considerar explicitamente as variveis gasto (G) e receita governamental (T); 2) admitir G como uma varivel poltica exogenamente determinada; 3) especificar T como funo linear da renda e 4) admitir que a demanda de consumo mais propriamente uma funo da renda disponvel (Y T). De resto, cabem as mesmas interpretaes e colocaes j feitas anteriormente. Alm dos parmetros da funo consumo, o modelo agora inclui os parmetros fiscais u e t, relacionados funo receita 19

tributria. O primeiro pode ser entendido como um termo de tributao autnoma que capta o resultado lquido de receitas de impostos e transferncias independentes da renda, enquanto que o segundo indica o comportamento da receita em funo da renda. O parmetro t pode ser interpretado como uma espcie de alquota ou taxa marginal de tributao nacional. O sinal de u indefinido a priori, enquanto que t necessariamente tem de ser um nmero positivo menor que um. Substituindo as equaes (33) em (32) obtm-se uma nova especificao para a funo consumo, tal que: C = a bu + b(1 t )Y

(35)

Introduzindo (35) na definio (31), obtm-se a equao da demanda agregada como funo linear da renda: D = (a + I + G bu ) + b(1 t )Y

(36)

A funo (36) no difere essencialmente da retratada na figura 4.1, a no ser pelo fato de incorporar tambm o gasto pblico, tornando-se C + I+ G, e tambm levar em conta o efeito da tributao sobre a demanda de consumo (C). Isso implica somente em modificaes nos elementos componentes do intercepto vertical (coeficiente linear) e da inclinao (coeficiente angular), que passam a incorporar os termos fiscais G, u e t, respectivamente. A anlise da expresso (36) indica que aumentos dos gastos do governo deslocam paralelamente a funo demanda agregada, no sentido ascendente, e vice-versa, enquanto aumentos da tributao autnoma deslocam-na no sentido descendente, e vice-versa. Por outro lado, elevaes da alquota tributria (t) mudam a inclinao da curva, fazendo-a girar no sentido anti-horrio, e vice-versa. Substituindo (36) na condio de equilbrio (34), obtm-se a expresso que define o nvel de equilbrio da renda: a + I + G bu 1 b(1 t )

Y* =

(37)

Alm dos efeitos multiplicadores relacionados ao dispndio privado, j discutidos anteriormente, a expresso (37) permite identificar os efeitos multiplicadores decorrentes de 20

alteraes de variveis e parmetros fiscais. Com efeito, tomando as derivadas com respeito a G, I e o parmetro de consumo autnomo (a), verifica-se que:

dY dY dY 1 = = = da dI dG 1 b(1 t )

(38)

Uma vez que, conforme indica a expresso (38), o efeito multiplicador do gasto governamental exatamente igual ao dos aos gastos privados, demonstra-se assim que o impacto de um eventual reduo de I, por exemplo, poderia ser completamente neutralizado por uma expanso de G de igual valor absoluto, e vice-versa. Vale dizer, o gasto fiscal do governo to poderoso quanto o gasto privado para gerar renda e emprego. A expresso matemtica do multiplicador (38) difere algebricamente da expresso (13) deduzida anteriormente, mas no h nenhuma diferena conceitual entre ambas as expresses. Tanto em (12) quanto em (36), sua magnitude depende das propenses marginais a consumir e a poupar, sendo, em ambos os casos exatamente igual ao inverso da propenso marginal a no gastar em consumo. A diferena que, nesta verso, as propenses marginais a consumir (PMC) e a poupar (PMP) sero afetadas pela taxa marginal de tributao (t)6. De fato, como indicado na equao (35): PMC = b(1 t )

(39)

Sob tributao, a poupana a renda que sobra depois do pagamento dos impostos e dos gastos de consumo, de modo que:

S=YTC

(40)

Substituindo (32) e (33) em (40), obtm-se uma nova expresso para a funo poupana, tal que: S = a (1 b)u + (1 b)(1 t )Y

(41)

Ressalve-se que as propenses marginais a consumir (PMC) e poupar (PMP), referem-se renda nacional (Y) que, nesta verso do modelo, diferentemente da verso anterior, diferem das propenses a consumir e a poupar a

6

21

Assim, chega-se nova expresso da propenso marginal a poupar (PMP): PMP = (1 b)(1 t )

(42)

Estas expresses mostram que a tributao sobre a renda, semelhana da poupana, constitui um vazamento do fluxo circular da renda retratado na figura (3), reduzindo, portanto, a magnitude da expanso da despesa de consumo induzida pela renda. A expresso da propenso marginal a consumir (38), indica que quando a renda apropriada pelo setor pessoal aumenta, em decorrncia de uma expanso da demanda de investimento I, por exemplo, parte desse acrscimo ser automaticamente desviada para o setor pblico numa ordem de grandeza que depender da alquota t, de modo que: T = tI

Portanto, a renda disponvel do setor pessoal crescer apenas: I tI = (1 t )I

A partir da, o consumo induzido pelo acrscimo da renda disponvel ser dado por: b(1 t )I

Esse acrscimo do consumo dar origem a uma ulterior expanso da renda no setor de bens de consumo, da qual, uma parte igual a:

tb(1 t)I

ser desviada para o governo e outra parte igual a: b[b(1 t) I tb(1 t) I ] = b[b(1 t) I (1 t)] = b2(1 t)2 I

ser gasta em bens de consumo. Deduz-se assim a srie:renda disponvel (Y T), as quais continuam como antes sendo definidas somente pelos coeficientes b e (1 b)

22

C = b(1 t )I + b 2 (1 t ) 2 + ...... + b n (1 t ) n

cuja soma tende para: b(1 t )I 1 b(1 t )

C =

(43)

quando n , j que, necessariamente, 0 < b(1 t ) < 1.

Similarmente, as sries da poupana e da receita tributria sero dadas por: (1 b)(1 t )I 1 b(1 t )

S = (1 b)(1 t) I + b(1 b) (1 t)2 I + ...=

(44)

T = t I + tb(1 t) I + tb2(1 b)2 I + .... =

t I 1 b(1 t )

(45)

A partir de (43) conclui-se que:I 1 b(1 t )

I + C = Y =

Somando (43), (44) e (45), constata-se novamente que:I 1 b(1 t )

Y =

Finalmente, somando (44) e (45), verifica-se que:S + T = I

das funes consumo e poupana, respectivamente.

23

Isso mostra novamente que, no final das contas, a soma dos vazamentos do fluxo circular da renda ser exatamente igual injeo inicial de investimento. Ratificam-se assim as mesmas concluses obtidas anteriormente. Para trabalhar o modelo na abordagem poupana-investimento, tem-se de levar em conta agora que o fluxo total da poupana inclui tanto a poupana privada (S) quanto a poupana governamental (Sg), a qual dada por:

Sg = (T G)

(46)

Portanto, o equilbrio poupana-investimento implica agora a condio ex-ante:

S + (T G) = I

(47)

Substituindo (33) e (41) em (47), e isolando Y, chega-se equao (37) por outro caminho, o que demonstra novamente a equivalncia das duas abordagens. Diferenciando a condio de equilbrio (37) com respeito a, u e t, obtm-se, respectivamente: dY b = du 1 b(1 t )

(48)

dY bY = dt 1 b(1 t )

(49)

A expresso (48) d o efeito multiplicador decorrente de uma alterao autnoma da tributao, enquanto que a expresso (49) d o efeito multiplicador da alquota tributria. Os sinais negativos de ambas expresses indicam que aumentos de impostos, quaisquer que sejam, reduzem a renda de equilbrio, e vice-versa. A diferena que no caso do multiplicador da alquota (t) o efeito absoluto depender do nvel da prpria renda7. Com certo esforo algbrico pode ser demonstrado que:

Isso reflete o fato bvio de que quanto maior a renda maior tende a ser o aumento da arrecadao para uma dada elevao da alquota t, e vice-versa.

7

24

dY dY + =1 dG dT

(50)

A interpretao desse resultado, que ficou conhecido como teorema do multiplicador do oramento equilibrado, que um aumento do gasto governamental plenamente financiado por tributao tende a aumentar a renda de equilbrio por um valor absoluto igual ao da variao oramentria. Esse teorema pode ser comprovado mais facilmente por meio de simulaes numricas, conforme mostrado a seguir. As colunas a, b, u e t da tabela 4.1, contm valores simulados dos parmetros das funes consumo e receita tributria. A coluna (1/s) refere-se ao multiplicador, definido pelo inverso da propenso marginal a no gastar (s)8. As demais colunas, na seqncia, se referem s duas variveis exgenas (I e G) e s trs variveis endgenas (Y, T e C). Substituindo os valores simulados das variveis exgenas e parmetros nas equaes (37), (33) e (32), recursivamente, obtm-se os valores de equilbrio das variveis endgenas dispostos nas ltimas trs colunas. A primeira linha da tabela apresenta valores condizentes com uma situao de equilbrio inicial.9 A partir da, simulam-se trs perturbaes desse equilbrio, cujos efeitos esto representados nas linhas 2, 4 e 6. Para efeito de anlise esttico-comparativa, as diferenas entre os valores de equilbrio inicial e final esto apresentados nas linhas 3, 5 e 7. O exerccio da linha 2 consistiu em zerar os valores da alquota tributria e do gasto governamental, ceteris paribus. Como o parmetro de tributao autnoma (u) assume valor zero, isso implica efetivamente em reduzir a receita de impostos num valor igual reduo do gasto governamental, ou seja simular uma situao na qual G = T . A anlise da terceira linha indica que a renda de equilbrio diminui por um valor absoluto exatamente igual ao da variao absoluta do gasto e da receita, de forma consistente com a expresso (50). O exerccio mostra tambm que o dispndio de consumo no se altera. A explicao para isso que efeitos sobre o consumo induzidos pela reduo dos gastos governamentais so compensados pela reduo de impostos, de modo que a renda nacional cai, mas no a renda disponvel, justamente a varivel da qual depende a demanda de consumo.

Ou seja, s = 1 b(1 t). Para comprovar basta observar que o nvel de renda Y = 100 exatamente igual ao nvel da demanda agregada, ou seja, D = C + I + G = 65 + 15 + 20 = 100. A condio de equilbrio S + T = I + G tambm pode ser constatada observando-se que S + T = Y C = 35 = I + G = 20 + 35.9

8

25

Tabela 4.1. Resultados de exerccios simulados Variveis e parmetros a b u t (1/s) I G Y T C

1. Valores Iniciais

5

0,75

0

0,20 2,50

15

20

100

20

65

2. Simulao I

5

0,75

0

0

4

15

0

80

0

65

3. Variao (2 1)

0

0

0

-0,20 1,50

0

-20

-20

-20

0

4. Simulao II

5

0,75

0

0,20 2,50

15

24

110

22

71

5. Variao (4 1)

0

0

0

0

0

0

4

10

2

6

6. Simulao III

5

0,75

0

0,15 2,76

15

20

110 16,55

75

7. Variao (6 - 1)

0

0

0

-0,05 0,26

0

0

10

-3,45

10

At agora no se falou nada sobre a restrio de pleno emprego. Portanto, o equilbrio inicial pode estar associado a um hiato recessivo tanto quanto um hiato inflacionrio. Suponha que o nvel de renda de pleno emprego fosse tal que Yk = 110, representando-se assim uma situao de desemprego por insuficincia de demanda efetiva. O modelo indica que esse problema pode ser remediado por uma poltica fiscal expansiva, a qual, por sua vez, pode ser levada a efeito por uma elevao do gasto governamental ou por uma reduo de impostos. As linhas 4 e 5 mostram os resultados da simulao de uma poltica fiscal de aumento do gasto pblico no montante exatamente necessrio para eliminar o hiato recessivo e conduzir a renda para o equilbrio a pleno emprego. Observa-se que, para isso, basta que o gasto governamental aumente de G = 20 na simulao inicial para G = 24 na simulao II. Portanto, nessa hipottica economia, uma elevao de 20% do gasto governamental seria suficiente para eliminar o desemprego. Uma vez que na situao inicial o oramento pblico est equilibrado e o nvel de equilbrio da renda igual a 100, isso implica na criao de um dficit de pleno emprego, da ordem de 4% do PIB10. Para chegar a esse nmero, observe-se simplesmente que o efeito multiplicador sobre a renda nesta economia da ordem de 2,5, ou

26

seja, que cada acrscimo exgeno de uma unidade monetria de dispndio tende a gerar endogenamente mais 1,5 unidades por meio da demanda de consumo. Segue-se, portanto, que para aumentar a renda em 10 unidades basta que o dispndio governamental aumente apenas 4 unidades, tudo o mais constante. Entretanto, analisando o equilbrio final, verifica-se que o dficit pblico ex-post acabou sendo bem menor que o inicialmente projetado, ou seja, cerca de 1,8% do PIB, j que G T = 2, e Y = 110. O dficit ex-post acaba sendo menor que o dficit ex-ante porque o crescimento da renda eleva automaticamente a receita tributria, j que:T = t Y

(51)

dividindo ambos os lados de (51) por G e substituindo a expresso do multiplicadordos gastos, chega-se a:

T t = G 1 b(1 t )

(52)

De acordo com os dados simulados nesse exerccio, t = 0,2 e b = 0,75. Substituindo esses valores na equao (51) conclui-se que quando a renda nacional cresce 10 unidades, a receita tributria cresce 2 unidades, automaticamente. Portanto 4 unidades adicionais de gastos governamentais, que geram 10 unidades de renda, pelo efeito multiplicador geram tambm 2 unidades de tributao. As linhas 6 e 7 mostram o resultado de uma poltica fiscal alternativa consistindo de uma reduo de impostos. Verifica-se que, nesse caso, o dficit de pleno emprego maior do que no caso anterior, ou seja, um dficit de G T = 3,55, o que equivale a cerca de 3,1% do PIB de pleno emprego. Esse resultado um corolrio do teorema do multiplicador do oramento equilibrado, mostrando que uma poltica de expanso de gastos tem um impacto direto e, portanto, mais forte que a poltica de reduo de imposto, a qual somente atua indiretamente, por intermdio das elevaes de consumo induzidas pelo aumento da renda disponvel.

Dficit de pleno emprego a denominao pela qual se costuma definir o nvel do dficit pblico que mantm a economia no pleno emprego.

10

27

4.5. Extenso para economia aberta

O modelo keynesiano simplificado pode ser facilmente estendido para representar o caso da economia aberta. Para isso, deve-se a demanda externa pelos produtos nacionais (exportao) na definio da demanda agregada, tomando-se o cuidado de subtrair do dispndio agregado os gastos que se referem s aquisies domsticas de produtos estrangeiros (importaes)11. Assim, a equao (31) se converte em:

D =C +I +G+ X M

(53),

em que X denota as exportaes e M as importaes de bens e servios. As exportaes de um pas para o resto do mundo dependem fundamentalmente da renda dos seus principais clientes comerciais externos, da taxa de cmbio e outras variveis de poltica comercial. Pressupondo que a economia em questo seja suficientemente pequena em relao ao resto do mundo, de forma a fazer com que mudanas na renda domstica provoquem efeitos de repercusso desprezveis sobre a renda de outros pases, bem como admitindo que a taxa de cmbio seja administrada, pode-se tomar as exportaes como mais uma varivel exgena ao modelo. No caso das importaes, entretanto, plausvel admitir que elas devem depender da renda nacional; primeiro, porque quando o nvel de atividade cresce a demanda de bens de consumo cresce tanto para os bens nacionais quanto para os importados. Segundo, porque o crescimento do produto interno deve estar associado tambm a uma maior absoro de insumos importados. A forma mais simples de especificar a relao entre renda nacional e as importaes, sem nenhuma perda de substncia analtica, consiste em admitir uma relao de estrita proporcionalidade entre ambas as variveis, tal que:

M = mY

(54)

O coeficiente m na equao (54) costuma ser chamado de propenso marginal a importar ou coeficiente de importaes.

11

As importaes devem ser entendidas como adies oferta global de bens e servios. Tudo o mais constante, uma elevao das importaes implica necessariamente numa reduo da demanda de bens de produo domstica, da o sinal negativo de M na equao (50).

28

Operando o modelo de acordo com os procedimentos utilizados nas verses anteriores percebe-se facilmente que, nessa extenso, a expresso da demanda agregada torna-se:

D = a + I + G + X bu + [b(1 t ) m]Y

(55),

ou seja, inclui as exportaes X como mais uma componente autnoma e a propenso a importar (m) como mais um vazamento, na dinmica do multiplicador. Enquanto os impostos constituem desvios de renda do setor pessoal para o governo, as importaes constituem desvios de renda do pas para o exterior. Impondo a condio de equilbrio Y = D , obtm-se, a partir de (55), a seguinte expresso do nvel de equilbrio da renda:

Y =

a + I + G + X bu s+m

(56),

em que s = 1 b(1 t), conforme j denotado anteriormente. Da expresso (56) pode-se derivar os seguintes efeitos multiplicadores:

dY dY dY dY 1 = = = = da dI dG dX s + m

(57)

Uma vez que s a propenso marginal a no gastar e m a propenso marginal a importar, ento a soma s + m pode ser interpretada como propenso marginal domstica a no gastar em bens e servios nacionais. Assim, a expresso (57) indica tambm que os efeitos multiplicadores da demanda autnoma tendem a ser to menores quanto maior o grau de abertura da economia ao comrcio exterior. Quanto maior o multiplicador, maiores tendem a ser as flutuaes da renda e do emprego provocadas pelas flutuaes da demanda de investimento. Isso pode dar margem a pensar que uma economia aberta tende a ser mais estvel que uma economia fechada. Entretanto, uma economia aberta tambm est sujeita s flutuaes da demanda de exportaes decorrentes das mais diversas influncias externas, que podem torn-la uma categoria da demanda de natureza semelhante demanda de investimento, quanto ao potencial de instabilidade. O modelo de economia aberta pode ser trabalhado numa srie mais ampla de exerccios semelhantes aos realizados com as simulaes da tabela 1. Entretanto, para enfatizar as principais questes envolvidas na escolha de polticas econmicas adequadas, 29

quando se perseguem simultaneamente objetivos de estabilidade interna (equilbrio da renda no pleno emprego) e estabilidade externa (equilbrio do balano de pagamentos em transaes correntes), conveniente utilizar uma anlise grfica muito simples e objetiva. Para isso, considere-se que a condio de equilbrio da renda nacional numa economia aberta (equilbrio interno), pode ser representada como:

Y E =F

(58)

em que

E=C+I+G

(59)

define o dispndio planejado dos residentes nacionais, o qual doravante ser chamado de dispndio domstico, e

F=XM

(60)

define o saldo do balano de pagamentos em transaes correntes. O lado esquerdo de (58) define a poupana nacional (SN) como a diferena entre renda da nao e o gasto nacional agregado dos setores pessoal (C), empresarial (I) e pblico (G).

SN =Y E

(61)

Substituindo a especificao (35) da funo consumo em (59) e introduzindo o resultado (61), obtm-se a seguinte relao funcional linear entre a poupana nacional e a renda:

S N = (a + I + G bu ) + sY

(62)

Substituindo (54) em (60), obtm-se outra funo linear relacionando o saldo do balano de pagamentos em transaes correntes ao nvel da renda, tal que:

F = X mY30

(63)

A anlise dos sinais dos coeficientes indica que a inclinao da funo (62) positiva e a de (63) negativa. Portanto, ambas se cruzam nalgum ponto, conforme representado na figura 9. Para mostrar que esse ponto consistente com o nvel de equilbrio da renda basta estabelecer a condio SN = F e substituir ambas as variveis pelas respectivas expresses funcionais (62) e (63). A partir da, isolando Y chega-se novamente equao (56).

F, SN

SN X

inclinao = - m

F*

Y*F

Y

inclinao = s(a+I+G-bu)

Figura 4.9 Representao do equilbrio da renda no modelo aberto

A figura 4.9, entretanto, indica que o nvel de equilbrio da renda (Y*) coincide com a existncia de um supervit no balano de pagamentos em transaes correntes (F > 0). Esse supervit, tudo o mais constante, tambm pode ser entendido como um supervit de equilbrio, j que tambm uma situao que tende a permanecer enquanto tudo o mais estiver constante12. Tal equilbrio pode coincidir com o pleno emprego, mas esta apenas12

H que se ressalvar, entretanto, que strictu sensu, a renda e o supervit estaro em equilbrio desde que a conta de capital do balano de pagamentos apresente um dficit igual ao supervit das contas correntes. Caso contrrio,

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uma possibilidade entre infinitas outras. Fora isso, a condio externa (supervit/dficit) e a condio interna (hiato recessivo/inflacionrio) podem se combinar em quatro cenrios possveis, caracterizados pela ocorrncia simultnea de supervit com desemprego, supervit com inflao, dficit com desemprego e dficit com inflao, respectivamente. A figura 4.10 ilustra graficamente a primeira dessas quatro combinaes possveis. Como se pode observar, o nvel de equilbrio da renda ocorre abaixo do pleno emprego, indicando a existncia de um hiato recessivo, ou seja, uma demanda efetiva insuficiente para absorver o produto de pleno emprego.

F, SN

SN X

F*

Y*

YkF

Y

(a+I+G-bu)

Figura 4.10 - Equilbrio com desemprego e supervit externo

Como se pode concluir pela anlise dos interceptos e inclinaes das duas curvas, as polticas fiscais de expanso do gasto ou reduo de impostos, que deslocam a curva SN para a direita ou diminuem sua inclinao, fazendo-a girar no sentido horrio, e vice-versa, enquanto

esse supervit implicar numa progressiva acumulao de ativos externos na carteira do Banco Central. Uma vez que essa acumulao necessariamente implicar em expanso da base monetria ou da dvida pblica, ento, de

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que polticas cambiais ou de comrcio exterior deslocam a curva F para a direita e/ou aumentam sua inclinao, fazendo-a girar no sentido anti-horrio, e vice-versa13. A partir da pode-se deduzir facilmente quais as polticas mais apropriadas a cada situao. No caso retratado na figura 4.10, o problema principal o desemprego decorrente do hiato recessivo. Em princpio, tanto uma poltica cambial, como qualquer outra favorecesse as exportaes e penalizasse as importaes, poderia ser dirigida ao objetivo de reduzir o desemprego. Entretanto, uma vez que isso levaria a um novo ponto de cruzamento situado acima e esquerda do ponto inicial, constata-se que, nesse caso, a reduo do desemprego interno seria acompanhada de um aumento do supervit externo. Por outro lado, uma poltica fiscal expansiva tenderia a eliminar o desemprego e, ao mesmo tempo, reduzir esse supervit. Embora o modelo no contemple nenhuma varivel indicativa do comportamento do nvel geral de preos, de se esperar que a reduo do desemprego por meio da primeira poltica tenha uma repercusso inflacionria sensivelmente maior do que a segunda, devido a provveis repercusses desfavorveis sobre a oferta interna. Assim, diferentemente da segunda, a primeira poltica pode ser vista como uma que favorece um objetivo (reduzir o desemprego) prejudicando outro (conter a inflao). A figura 4.11 ilustra um caso em que o desemprego est associado a um dficit externo. Nessas condies, as polticas de expanso da demanda podem ser utilizadas para reduzir o desemprego, entretanto, uma vez que, elas implicam num novo ponto de cruzamento entre as curvas SN e F direita do ponto inicial, segue-se o custo macroeconmico dessa alternativa seria uma piora do dficit externo. Por outro lado, as polticas de cmbio e comrcio exterior atuam no sentido de reduzir o dficit externo e ao mesmo tempo reduzir o desemprego interno. Observa-se assim que, numa economia deficitria com o resto do mundo e com elevado desemprego, qualquer poltica que leve a um supervit externo sempre bem vinda, no s por causa do efeito ativo das exportaes na gerao efeitos multiplicadores, sobre a renda e o emprego interno, mas tambm porque o prprio efeito multiplicador tende a tornar-se mais poderoso devido concomitante reduo do coeficiente de importaes.

um modo ou de outro, a demanda agregada dever estar se deslocando no tempo enquanto permanecer o supervit e, portanto, a renda no estar em equilbrio.

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F, SN

X SN Y* F* Yk Y

F(a+I+G-bu)

Figura 4.11 Equilbrio com desemprego e dficit externo

A essa altura j deve estar bem demonstrado quo interessante esta abordagem grfica, como forma de indicar de maneira simples e bastante objetiva no apenas os problemas macroeconmicos envolvidos, mas tambm as polticas de estabilizao mais adequadas para combat-los. Assim, deixa-se ao leitor, guisa de exerccio, a anlise os casos restantes.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

GALBRAITH, J. K. Economia, Paz e Humor. Rio de Janeiro: Editora Artenova S.A., 1972.13

O modelo enfatiza as variveis de poltica fiscal, entretanto, em princpio, uma poltica monetria ou creditcia que conseguisse incentivar o investimento privado tambm poderia levar a efeitos semelhantes.

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HANSEN, A. H. A Guide to Keynes. New York: McGraw Hill, 1953.

KEYNES, J. M. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. So Paulo: Atlas, 1982.

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