Caderno ARPA Tecnicas Participativas _ Dodora

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Srie Cadernos ARPA

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Tcnicas e Ferramentas Participativas para a Gesto de Unidades de Conservao

Repblica Federativa do Brasil Presidente Luiz Incio Lula da Silva Vice-Presidente Jos Alencar Gomes da Silva Ministrio do Meio Ambiente Ministro Carlos Minc Baumfeld Secretaria Executiva Izabella Mnica Vieira Teixeira Secretaria de Biodiversidade e Florestas Maria Ceclia Wey de Brito Diretoria do Programa Nacional de reas Protegidas Fbio Frana Arajo Programa reas Protegidas da Amaznia Anael Aymor Jacob Ministrio do Meio Ambiente - MMA Centro de Informao e Documentao Ambiental Lus Eduardo Magalhes CID Ambiental - Esplanada dos Ministrios - Bloco B - Trreo - CEP 70068-900 Tel.: 55 61 3317 1235 - e-mail: [email protected] Coordenao Editorial MMA - Tatiany Barata GTZ - Lda Luz WWF-Brasil - Marisete Catapan Projeto Grfico - Agncia Grow Up - Ana Amorim Reviso - Marco Antonio Gonalves

Ministrio do Meio Ambiente Secretaria de Biodiversidade e Florestas Departamento de reas Protegidas Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil Programa reas Protegidas da Amaznia - ARPA

Srie Cadernos ARPA 4 - Tcnicas e Ferramentas Participativas para a Gesto de Unidades de Conservao

Braslia, setembro de 2009

Autores Maria Auxiliadora Drumond Lvia Giovanetti Artur Guimares Colaboradores Jacqueline Rutkowski Lda Luz Lucas Roque Maria Alice Salles Moura

CATALOGAO NA FONTE INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVVEIS

C376a Drumond, Maria Auxiliadora Tcnicas e Ferramentas Participativas para a Gesto de Unidades de Conservao/ Maria Auxiliadora Drumond, Lvia Giovanetti e Artur Guimares; realizao Programa reas Protegidas da Amaznia-ARPA e Cooperao Tcnica Alem-GTZ. Braslia: MMA, 2009. 120 p. Il. Color. - (Cadernos ARPA, 4) ISBN 978-85-7738-129-3 1. rea Protegida - Gesto. 2. Planejamento estratgico. I. Giovanetti, Lvia. II.Guimares, Artur. III.Programa reas Protegidas da Amaznia-ARPA. IV. Cooperao Tcnica Alem-GTZ. V. Ttulo. CDU (2.ed.) 502.4

Impresso no Brasil Printed in Brasil

APRESENTAOA primeira edio deste trabalho, intitulada Participao Comunitria no Manejo de Unidades de Conservao Manual de Tcnicas e Ferramentas, foi publicada em CD Rom, em 2002, pelo Instituto Terra Brasilis, com financiamento do Servio de Pesca e Vida Silvestre dos Estados Unidos (US Fish and Wildlife Service) e apoio do Centro Cape. A primeira edio foi escrita por Maria Auxiliadora Drumond (primeira autora da segunda edio) e contou com a colaborao de ngela Christina Lara, Armin Deitenbach, Cludio Maretti, Christiane Encarnao, Lucas Roque, Lus Beethoven Pil e Snia Rigueira. Esta segunda edio, publicada pela Cooperao Tcnica Alem (GTZ), apresenta um contedo revisado e acrescido de novos exemplos, ferramentas e anlises. A reedio fruto da demanda proveniente de cursos oferecidos pela GTZ, durante os ltimos quatro anos, a gerentes de unidades de conservao da Amaznia que integram o Programa reas Protegidas de Amaznia (Arpa). Para citar a publicao: Drumond, Maria Auxiliadora; Giovanetti, Lvia; Queiroz, Artur; e colaboradores. Tcnicas e Ferramentas Participativas para a Gesto de Unidades de Conservao (2 Ed.). GTZ. 2009. Sobre os autores: Maria Auxiliadora Drumond biloga, mestre e doutora em Ecologia, Conservao e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), consultora autnoma, pesquisadora e Diretora Presidente do Instituto Sustentar de Estudos e Pesquisas em Sustentabilidade. Lvia Giovanetti e Artur Queiroz so bilogos pela UFMG, consultores autnomos e educadores. Sobre os colaboradores: Lucas Roque socilogo pela UFMG e mestre em Cincias Sociais pela PUC-Minas e consultor autnomo nas reas de cultura e meio ambiente. Jacqueline Rutkowski engenheira mecnica, doutora (PEPCOPPE/UFRJ) e mestre (PEP-EE/UFMG) em Engenharia de Produo, consultora autnoma e pesquisadora, e diretora do Instituto Sustentar de Estudos e Pesquisas em Sustentabilidade. Maria Alice Salles Moura arquiteta urbanista pela UFMG, consultora, instrutora e facilitadora em planejamento e gesto de processos participativos. Lda Luz engenheira florestal, com especializaes em Planejamento e Gesto Socioambiental e Gesto de Projetos; assessora tcnica da Cooperao Tcnica Alem (GTZ).

Essa publicao pode ser reproduzida integralmente para fins educativos ou outros propsitos no comerciais.

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SUMRIO1. Introduo......................................................................................................................................................................... 9 2. Participao em iniciativas de conservao ........................................................................................11 2.1. Nveis de participao .................................................................................................................................12 2.2. Planejamento e monitoramento da participao ....................................................................15 2.3. Participao de mulheres e crianas ..................................................................................................17 3. Fases da iniciativa - o desenvolvimento do trabalho....................................................................19 3.1. Fase preparatria.............................................................................................................................................19 Estabelecimento de parcerias e identificao de recursos disponveis .........................19 Formao de uma equipe bsica de trabalho ...............................................................................19 Planejamento de atividades ......................................................................................................................21 Mobilizao e informao dos setores envolvidos .....................................................................24 3.2. Diagnstico e planejamento participativos ...................................................................................25 Diagnstico ..........................................................................................................................................................25 Sistematizao, anlise e devoluo de dados comunidade ...........................................25 Planejamento......................................................................................................................................................26 Difuso do plano de aes .........................................................................................................................26 3.3. Desenvolvimento da gesto participativa ......................................................................................27 Implementao e monitoramento .......................................................................................................27 Avaliao e reviso do plano de aes ...............................................................................................29 Novo ciclo de etapas (implementao, monitoramento e reviso do plano) ...........30 Compartilhamento e documentao .................................................................................................30 4. Tcnicas participativas ..........................................................................................................................................31 4.1. Conceitos e abordagens fundamentais ...........................................................................................32 Alguns desafios para a utilizao de mtodos participativos ..............................................34 Procedimentos gerais para a aplicao das ferramentas e facilitao dos trabalhos em grupos.............................................................................................................................................................38

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SUMRIO4.2. Ferramentas participativas para a investigao, o planejamento, o monitoramento e a avaliao ................................................................................................................................................................40 Tempestade de idias (brainstorming ou chuva de idias) ...................................................40 Entrevista semi-estruturada .......................................................................................................................43 Mapeamento participativo ........................................................................................................................47 Diagrama de Venn ...........................................................................................................................................59 Travessia (caminhadas transversais, cortes transversais, caminhadas semi-estruturadas, transectos) .................................................................................................................65 Calendrio sazonal...........................................................................................................................................68 Rotina diria ou relgio de atividades .................................................................................................72 Diagrama histrico (perfil histrico ou linha do tempo) .........................................................74 Matriz .......................................................................................................................................................................78 Diagramas de fluxo (diagramas de enlace, rvore de problema causa-efeito) .........82 Agrupamento de dados por temas ou categorias ......................................................................87 Anlise de fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaas (fofa) ....................................88 Sesses plenrias ..............................................................................................................................................90 Construo de um plano de aes .......................................................................................................93 Outras ferramentas..........................................................................................................................................94 5. Experincias...................................................................................................................................................................97 6. Referncias bibliogrficas ...............................................................................................................................108

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1. INTRODUOA participao da sociedade tanto na criao quanto na gesto de unidades de conservao (UC) tem aumentado substancialmente nos ltimos anos, sendo tomada como premissa para a gesto de unidades de proteo integral e de uso sustentvel. A Lei 9.985/2.000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), e seu decreto regulamentador, o Decreto 4.340/2002, consagraram a participao social na criao e implementao de UCs, por meio de audincias pblicas, conselhos gestores, gesto compartilhada com Organizaes da Sociedade Civil com Interesse Pblico (OSCIP), entre outros aspectos. Alm disso, a integrao de diferentes atores sociais no manejo e na gesto de recursos tem sido adotada em vrias partes do mundo, no mbito de UCs ou em outras circunstncias em que so necessrias negociaes para a conservao e uso de recursos naturais1. A gesto integrada , portanto, o suporte terico e prtico para aqueles que acreditam ser a participao uma soluo vivel para a gesto de conflitos e a alternativa mais justa e democrtica nos processos de conservao de aspectos naturais ou socioculturais. Os mtodos de diagnsticos participativos, principalmente de sistemas rurais - dos quais foram extrados vrios conceitos, tcnicas e ferramentas aqui apresentados -, comearam a tomar corpo como alternativa de pesquisas e interveno social nos anos 1970. Na dcada seguinte, ganharam maior popularidade e reconhecimento, e, atualmente, so utilizados em uma ampla gama de situaes, como em programas de manejo de bacias hidrogrficas, iniciativas de etnodesenvolvimento, implantao de sistemas agroflorestais, extenso agrcola, sade, desenvolvimento institucional, organizao e desenvolvimento comunitrio, gesto urbana, entre outras situaes. A utilizao de ferramentas de diagnstico participativo nessa diversidade de contextos resultou no surgimento de diferentes nomenclaturas para esse tipo de processo, dos quais podem ser citadas2: Avaliao e Manejo Ambiental Adaptativo/ Manejo Adaptativo, Rapid Appraisal (RA), Rapid Rural Appraisal (RRA), Diagnstico Rpido Rural (DRR), Diagnstico Rpido Participativo de Agroecossistemas (DRPA), Diagnstico Rural Participativo (DRP), Participatory Rural Appraisal (PRA), Diagnstico Participativo Rpido Rural (DPRR), Diagnstico Rpido Participativo Sondeio, Diagnstico Participativo com Enfoque de Gnero (DPEG)3, Participatory Learning and Action (PLA) e Pesquisa-Ao/Investigao-Ao Participativa. No contexto especfico de unidades de conservao, destaca-se o Diagnstico Participativo de Unidades de Conservao (DiPUC). O DiPUC fundamenta-se no Diagnstico Rural Participativo, adequando-o ao contexto de UCs (Projeto Doces Matas, 2002).1 Ver Saxena et al. (2001), Holling et al. (2000). 2 Ver em Holling (1978), Walters (1986), Weid (1991), Chambers (1994), Pretty et al. (1995), Salafsky et al. (2001), Maxwell (2005), Muniz & Costa (2006), Verdejo (2006), Koontz & Bodine (2008), Thiollent (2008). 3 O DPEG indicado pela UICN como forma de associar as discusses de gnero com as de meio ambiente e, assim, contribuir para uma maior sustentabilidade das iniciativas de conservao. Ver em http://www. genderandenvironment.org/biblioteca/documentos.php?cat=.

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Nos ltimos anos, houve um sensvel aumento no uso desses mtodos, nos meios rural e urbano, o que tem promovido reflexes e debates sobre as conseqncias positivas e negativas ligadas difuso e facilidade e rapidez do uso de tcnicas de diagnsticos. De acordo do Lynam et al. (2007), os vrios mtodos participativos podem ser divididos em trs classes: mtodos de diagnstico, que extraem informaes de um grupo alvo e os incluem em processos de tomada de deciso; mtodos de coaprendizagem, nos quais as perspectivas de todos os grupos mudam, como resultado de um processo, sendo a informao gerada incorporada a um processo de tomada de deciso; e mtodos de gesto (compartilhada ou co-gesto), nos quais todos os atores envolvidos passam a conhecer melhor e mais o seu contexto e so includos em processos de tomada de deciso. Neste documento so apresentadas tcnicas e ferramentas que podem ser utilizadas em processos de gesto adaptativa e compartilhada. No entanto, algumas ferramentas so mais aplicveis do que outras, dependendo do nvel de participao desejada e da fase na qual se encontra o processo de gesto da UC. Como etapas do processo so consideradas a preparao do trabalho e o diagnstico, o planejamento, a implementao das aes planejadas, a anlise e a adaptao. Todas incluem momentos de aprendizagem, replanejamento e compartilhamento das lies aprendidas, conforme ilustrado no ciclo de gesto adaptativa (figura 1). Considera-se a participao como uma condio na qual os conhecimentos e as experincias de diferentes atores envolvidos com as unidades de conservao so levantados e discutidos, com o objetivo de se planejar e desenvolver estratgias conjuntas. Durante esse processo, as pessoas refletem sobre seus conhecimentos e sobre as causas e conseqncias das prticas de gesto e manejo desenvolvidas, o que facilita a anlise de problemas e a busca de solues, estimulando o interesse e o esforo para a mudana de um possvel cenrio insatisfatrio. O desenvolvimento desses processos requer, alm da vontade pblica e de uma boa conduo tcnica, um compromisso que se sustente em longo prazo, pois os resultados positivos surgem, geralmente, como fruto de uma seqncia gradual de amadurecimento.

1. Definio

5. Compartilhamento

2. Desenho

4. Anlise/Adaptao

3. Implementao

Figura 1 Ciclo de Projeto ou Programa baseado na Gesto Adaptativa. Fonte: WWF, 2007 (adaptado)

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2. PARTICIPAO EM INICIATIVAS DE CONSERVAOO termo participao tem sido cada vez mais utilizado para qualificar projetos de conservao. A literatura atual tem apontado diversos benefcios em se promover iniciativas participativas, sobretudo no que diz respeito sua eficincia e sustentabilidade. Por outro lado, existem vrias dificuldades que devem ser consideradas, o que enfatiza a importncia de um planejamento cuidadoso no tocante iniciativa de gesto participativa. Alguns benefcios da participao: os conhecimentos dos diferentes atores so valorizados e melhor aproveitados; as aes de conservao tornam-se mais eficientes e sustentveis em longo prazo; processos participativos propiciam maior respeito s regras mutuamente estabelecidas e as aes propostas ganham suporte para sua continuidade; todos os envolvidos aumentam seu conhecimento sobre os problemas e as oportunidades; as habilidades e conhecimentos dos diferentes participantes podem ser compartilhados e complementados; muitas vezes, favorece a criao e o fortalecimento de instituies locais; a iniciativa prpria e autoconfiana so cultivadas e h valorizao dos processos democrticos. Algumas dificuldades: a participao ocorre mais facilmente em comunidades/sociedades democrticas; em muitos locais, no entanto, comum a existncia de relaes desiguais de gnero e, nesses casos, a participao de grupos femininos pode ficar comprometida; o fortalecimento de certos setores durante o processo - por exemplo, das comunidades locais - pode no ser bem aceito por outros, que podem sentir sua autoridade ameaada; o processo requer compromisso em longo prazo, uma vez que os resultados podem demorar a aparecer, especialmente onde os conflitos sejam intensos e sua minimizao dependa do estabelecimento de novas polticas pblicas; alm do compromisso em desenvolver a iniciativa em longo prazo, so necessrias uma boa facilitao das reunies e outros eventos, alm de clareza de objetivos para evitar que os encontros se tumultuem demasiadamente e o projeto perca a direo; as abordagens tcnico-cientficas da iniciativa de conservao, que tambm so essenciais em se tratando de gesto ou manejo de recursos naturais, pode perder nfase em processos participativos, comprometendo sua qualidade e sustentabilidade.

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2.1. Nveis de participaoA participao um tema extremamente complexo e tratado longamente pelas cincias sociais. No entanto, no nossa inteno discorrer sobre suas vrias interpretaes e as diferentes faces que debatem o tema; porm, aqui parte-se do princpio de que a participao no pode ser uma possibilidade aberta a apenas alguns segmentos, e, sim, deve ser uma oportunidade efetiva e acessvel a todas as pessoas, como aponta Herbert de Souza4. De acordo com os interesses dos atores envolvidos na gesto de reas protegidas, a participao pode contemplar desde um menor envolvimento dos atores locais at um nvel em que esse segmento aja com autonomia e tenha poder de deciso nos processos (Borrini-Feyerabend, 1997b; Pimbert e Pretty, 1997; Drumond, 2002; Mannigel, 2006). Entre esses dois extremos h vrios graus de compartilhamento por parte dos setores envolvidos. Esses diferentes graus de participao podem ser mais bem compreendidos quando visualizados conforme a tabela 1. AInstituio Mnimo

BInformando

CProcurando informaes Informando

DConsulta ativa

ENegociando

FDividindo responsabilidades Interativo

GTransferindo responsabilidades Assumindo responsabilidades

Atores locais

Nominal

Passivo

Opinando

Ativo

Participao como fim para o fortalecimento de grupos marginaisAdaptado de Borrini-Feyerabend (1997b), Pimbert e Pretty (1997), Drumond (2002) e Mannigel (2006)

Tabela 1 - Representao esquematizada dos diferentes tipos de participao na gesto de unidades de conservao

Ao se planejar e executar um projeto de conservao participativo, uma questo delicada a negociao, entre os diferentes atores sociais envolvidos, do grau de participao de cada um deles, visando equilibrar seus interesses, desejos, expectativas e as limitaes. interessante observar os vrios fatores condicionantes do grau de participao, como o interesse das pessoas, o tamanho dos grupos, o nvel de conflito associado ao assunto tratado, as relaes de confiana estabelecidas, a presena de pessoas ou instituies externas e as motivaes anteriores. O sucesso de um processo participativo pode depender da integrao desses vrios aspectos5.4 Disponvel em http://www.tecsi.fea.usp.br/eventos/Contecsi2004/BrasilEmFoco/port/polsoc/partic/apresent/ apresent.htm; acessado em 08 de outubro de 2009. 5 Para uma discusso mais detalhada, ver Faria (2000).

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A tabela 2 mostra a sistematizao de diversos fatores, agrupados em categorias, que influenciaram a participao em trs estudos de caso desenvolvidos no Parque Nacional do Capara, no Parque Estadual do Rio Doce e na Reserva Particular do Patrimnio Natural Mata do Sossego, situados em Minas Gerais6.CategoriaFator

IndividualInteresse e dedicao pessoal Habilidades sociais Auto-estima Conhecimento das realidades locais e institucionais

SocioculturalEsteretipos Limitaes culturais Contatos pessoais Aprendizagem conjunta Confiana Reconhecimento dos diferentes pontos de vista Organizao social

InstitucionalPrioridades institucionais Hierarquia institucional Apoio da sede Envolvimento dos tomadores de deciso Mudanas de tcnicos Processos burocrticos

LogsticoDificuldades de comunicao e transporte Disponibilidade de tempo e pessoal Planejamento e execuo conjuntos Adaptao s realidades locais Continuidade do apoio Disponibilidade de recursos financeiros

Tabela 2 - Categorias e fatores influenciando a participao no Parque Nacional do Capara, no Parque Estadual do Rio Doce e na Reserva Particular do Patrimnio Natural Mata do Sossego. Fonte: Mannigel (2006)

No incio, o processo participativo mais lento e pode ser marcado por um maior nmero de entraves, dependendo das relaes e dos nveis de conflitos existentes. Boa parte desses conflitos resulta de conceitos pr-concebidos: as instituies gestoras, que muitas vezes acreditam ser as comunidades grupos preocupados apenas com o desenvolvimento, configurando-se, assim, como uma ameaa conservao, e as comunidades, por seu lado, vendo a preservao como a nica preocupao das instituies gestoras das unidades de conservao. Esses conceitos so, em muitos casos, resultados do histrico pouco participativo de criao de unidades de conservao no Brasil, sobretudo daquelas criadas antes da publicao do SNUC (Lei 9.995/2000). No entanto, atualmente novos paradigmas, que incluem a participao de diferentes setores na gesto de UCs, regem a gesto de reas protegidas em todo o mundo7.6 Ver em Mannigel (2006). 7 Para maior discusso sobre novos e antigos paradigmas ligados gesto de reas protegidas, ver Phillips (2003) e Maretti (2003).

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O que pode ser considerada como participao efetiva em uma iniciativa de conservao? A resposta para essa questo depende de vrios fatores. Um deles, j comentado nessa seo, a possibilidade de negociao entre os diversos atores locais - que incluem comunidades, prefeituras, sindicados e outras organizaes - sobre o grau de participao desejado por cada um. Deve-se ressaltar que, em muitos casos, os atores locais so chamados participao pela instituio gestora da UC, ou seja, o agente protagonista da iniciativa o gestor da UC. Em outros, como em reservas extrativistas, so os atores locais, particularmente as comunidades usurias dos recursos naturais, que iniciam o processo. A seguir so apresentados vrios exemplos de formas de participao em projetos de conservao. A combinao de algumas delas, e no necessariamente de todas, ajuda a responder a questo apresentada nesse tpico: atores locais conseguem ter suas necessidades atendidas e reconhecem as oportunidades oferecidas pelo projeto de conservao; atores locais contribuem para o planejamento e tomada de decises em diferentes nveis; atores locais tomam iniciativas e agem; atores locais envolvem-se na coleta e anlise de informaes ambientais e socioeconmicas; atores locais so consultados sobre questes ambientais e socioeconmicas; atores locais oferecem trabalho e recursos que podem ser aproveitados pelo projeto de conservao; atores locais assumem funes especficas e responsabilidades na iniciativa de conservao; atores locais estabelecem parcerias entre si; atores locais participam do monitoramento e avaliao da iniciativa.

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2.2. Planejamento e monitoramento da participaoUma vez definido o grau de participao pretendido, tanto pela instituio gestora de uma unidade de conservao como pelos outros segmentos envolvidos, algumas questes-chave podem auxiliar no planejamento da iniciativa de conservao, como por exemplo: Quais so os envolvidos no projeto? Quais tm interesse em participar do projeto? Como se relacionam? Como cada um deles se organiza? Todos os participantes em potencial foram informados a respeito da iniciativa? Quais so os possveis apoios polticos e aspectos legais favorveis conservao? Quais so os recursos (materiais, financeiros e humanos) que podero auxiliar o processo? O monitoramento do grau de participao alcanado no projeto possvel atravs da definio de indicadores. Alguns exemplos so mostrados na tabela 3, (pgina 16) adaptada de Borrini-Feyerabend (1997a). Alcanar nveis satisfatrios de participao para todos os segmentos envolvidos representa ainda um grande desafio nas iniciativas de conservao. Os exemplos tm mostrado os vrios benefcios advindos de processos participativos, mas tambm as dificuldades enfrentadas, que muitas vezes resultam no agravamento dos conflitos. A efetividade do projeto depende, entre outros fatores, de um planejamento minucioso de suas vrias etapas, de habilidades pessoais, de uma boa mobilizao social, do comprometimento dos atores locais com a execuo, a busca dos recursos necessrios e a representatividade de seu segmento.

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Indicadores Porcentagem de atores locais que esto informados a respeito da iniciativa de conservao Porcentagem de pessoas que se sentem confiantes em participar e influenciar o projeto Sentimento de pertencer iniciativa (atores locais falam a respeito do projeto com interesse e orgulho)

Situaes de alerta Vrios atores locais e at mesmo informantes-chaves no esto cientes da iniciativa Os parceiros esto relutantes em falar sobre o projeto As pessoas referem-se ao projeto como seu projeto ou com aparente ressentimento. Podem ainda criar apelidos ou msicas que desqualifiquem a iniciativa Os encontros so dominados por apenas uma pessoa ou grupo que defendem seus prprios interesses Participantes do projeto no encontram oportunidades para expressar suas prprias opinies Oposio expressa por meio de atos de rebelio ou violncia, possivelmente annimos A maioria dos participantes necessita de organizao e representao formal A comunidade protege aqueles que prejudicam a iniciativa O projeto envolve apenas pessoas no pertencentes comunidade Existem poucos relacionamentos de grupos locais com o projeto

Variedade de propostas e pontos de vista apresentados durante os encontros Nvel de desavenas expresso nos encontros onde a iniciativa discutida ( um indicador positivo!) Habilidade dos atores locais de se expressar, articular seus interesses e preocupaes, e estabelecer acordos com os outros

Capacidade dos lderes locais de envolver a comunidade com a iniciativa Nmero e relevncia das atividades dentro da iniciativa de conservao em que os atores locais exercem importante papel Nmero de grupos locais e associaes que possuem um relacionamento freqente com o projeto

Mdia de investimentos realizados por atores No h investimento local locais Porcentagem de atores locais que iniciaram uma parceria com outros grupos locais devido ao projeto de conservao Emergncia de novos conflitos entre participantes ou atores locais

Tabela 3 - Indicadores de participao em projetos de conservao e situaes que requerem ateno especial por parte dos coordenadores do projeto (alerta). Fonte: Borrini-Feyerabend (1997a), adaptado

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2.3. Participao de mulheres e crianasO envolvimento das mulheres no co-manejo (ou manejo compartilhado) de unidades de conservao tem se revelado de grande importncia para o sucesso e permanncia a longo prazo desse tipo de iniciativa8. Entretanto, a maior participao das mulheres em iniciativas de conservao depende de novos olhares para as relaes sociais de uma determinada comunidade. preciso reconhecer que mulheres e homens possuem diferentes necessidades, percepes e realidades, e que esses fatores interferem nas relaes de poder constitudas. Um dos desafios atuais em processos participativos tem sido dar valor e visibilidade ao papel e valor da mulher, bem como colocar na pauta das discusses as desigualdades existentes entre os gneros. Lidar com essas questes requer sensibilidade e habilidades, j que implica muitas vezes em trazer tona alguns conflitos. Vrias ferramentas participativas contribuem para fomentar reflexes de gnero e, conseqentemente, para ampliar a participao feminina nos projetos. Entre elas, destaca-se a Rotina Diria e a Matrizes, utilizadas para discusso das questes de gnero (ver na Seo Ferramentas Participativas). Com relao s crianas, estudos tm afirmado sua capacidade de tomarem parte das atividades e decises que as afetam, bem como seu direito liberdade de expresso. Antes da Conveno da Organizao das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana (1989), elas eram tradicionalmente consideradas sob proteo e controle dos pais. A partir da dcada de 90, as crianas passaram a ser reconhecidas como capazes de falar em seu prprio direito e a relatar vises e experincias. Uma das maneiras mais comuns de se garantir esse espao de atuao por meio de projetos desenvolvidos nas escolas, mas que transcendem os muros escolares e envolvem a comunidade do seu entorno. Um relato de uma experincia em Uganda exemplifica bem essa questo. As crianas da escola primria de uma aldeia demonstraram preocupao com o fato dos animais usarem o reservatrio principal de gua. Elas conversaram com o lder da aldeia, que por sua vez convocou uma reunio geral e permitiu que as crianas apresentassem poesias e dramas sobre o valor da gua limpa. A interveno resultou em um mutiro envolvendo adultos e crianas a fim de limpar o lago e construir uma cerca visando impedir a aproximao dos animais9.

8 Uma discusso mais detalhada a esse respeito pode ser encontrada em Di Ciommo (2007). 9 Alderson (2005) apresenta e discute vrios exemplos sobre participao de crianas em processos de desenvolvimento comunitrio.

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A figura 2 mostra crianas participando do reflorestamento de reas degradadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau, no estado do Amazonas. Sua participao, alm de auto-educativa, possui forte potencial de sensibilizao e transformao de atitudes dos adultos residentes nessa UC.

Figura 2 Crianas envolvidas em atividades de reflorestamento de reas degradadas da Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau (AM). Foto: IDSM - extrado de Stone-Jovicich et al. (2007)

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3. FASES DA INICIATIVA - O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

3.1. Fase preparatriaEstabelecimento de parcerias e identificao de recursos disponveis Vrias instituies formais ou informais e indivduos podem ser parceiros desde as etapas iniciais do trabalho. A participao de organizaes locais nessa fase pode ser vivel e importante, pois solidifica um trabalho em longo prazo, seja na forma de associaes comunitrias, organizaes de base ou outra estrutura institucional seja por meio de grupos no organizados que representem os interesses reais da comunidade. importante que seja feito um levantamento da disponibilidade de recursos financeiros, de tempo e de pessoal, contemplando-se todas as etapas do processo (o diagnstico, o planejamento, a implementao de aes, o monitoramento, a avaliao, a reviso do planejamento e a implementao das novas aes). Nesse momento, interessante verificar quais as possibilidades de contribuio dos participantes (tempo, esforo, produtos, dinheiro ou outras formas). Qualquer aliana para a gesto e o manejo participativos consome recursos materiais e financeiros, tempo e disposio pessoal para a compreenso das idias do grupo. Por isso, disponibilizar tempo suficiente para o desenvolvimento de todas as fases fundamental. importante respeitar os prazos e acordos fixados em conjunto. Isso no quer dizer que os compromissos assumidos sejam imutveis, mas que devem ser respeitados e, portanto, modificados tambm de forma participativa e respeitosa, da mesma forma como foram definidos. A flexibilidade para a adaptao frente s possveis dificuldades enfrentadas pelas diferentes partes, durante o amadurecimento do processo, de fundamental importncia. Formao de uma equipe bsica de trabalho A equipe bsica de trabalho aquela que assumir responsabilidades e compromissos desde o incio do processo. Outros componentes podero ser integrados durante as fases seguintes do trabalho, mas muito importante que a equipe se mantenha. Ela responder pelas atividades de planejamento (levantamento de hipteses, seleo de ferramentas, composio de cronograma etc.), pela aplicao das tcnicas participativas, pelo monitoramento do processo e pela adequao do planejamento, caso necessrio. Os componentes da equipe tambm devem responsabilizar-se pela divulgao de resultados e pela manuteno do compromisso institucional. Alm de tornar o processo mais participativo desde o incio, o envolvimento de organizaes ou pessoas da comunidade na equipe de trabalho facilita a aproximao dos parceiros no-locais e locais, tornando a comunicao mais eficiente.

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Alm das instituies parceiras, agentes externos tambm podem compor a equipe de trabalho, assumindo o papel de facilitadores. Um facilitador deve ser isento diante dos interesses envolvidos na questo a ser por ele conduzida, e, alm de atuar na conduo de reunies, deve auxiliar para que todos os envolvidos expressem suas opinies em igualdade de condies. Dessa forma, esse profissional ajuda no planejamento e desenvolvimento adequado das reunies, visando o alcance dos objetivos traados. Quem desempenha esse papel deve tambm moderar conflitos, transformando situaes aparentemente negativas em possibilidades positivas, auxiliando, assim, a produo de acordos. Para o bom andamento dos trabalhos importante que todos os componentes da equipe tenham um nvel similar de informao sobre conceitos, tcnicas e ferramentas a serem utilizados. Visando alcanar a melhor participao de todos e melhores resultados, deve-se, na medida do possvel, compor uma equipe: mista, com homens e mulheres, facilitando a participao, nas discusses, de pessoas da comunidade de ambos os sexos, principalmente quando estiver em pauta questes de gnero; interdisciplinar, ou seja, composta por pessoas de diferentes reas do conhecimento; com tcnicos locais, que tenham vivncia da realidade a ser discutida e possam promover e facilitar o acompanhamento das aes na ausncia de agentes externos; com pessoas da comunidade, que auxiliem na busca de interpretaes das informaes obtidas ajustadas realidade, facilitem a aproximao e o estabelecimento de relaes de confiana e, como grandes interessadas no processo, favoream o xito e o compromisso em longo prazo; com representantes que tenham legitimidade e capacidade decisria, a fim de evitar desgastes desnecessrios, como, por exemplo, em casos em que as decises tomadas pelos membros da equipe no correspondam s necessidades locais ou, por outro lado, sejam de difcil resoluo e dependam de freqentes consultas aos representados10 ; com pessoas influentes para impulsionar as decises. A equipe deve ser composta por pessoas que possuam objetivos e/ou ideais em comum e se reconheam interligadas por esses objetivos e/ou ideias. Quando isso acontece, a equipe torna-se mais eficiente e os resultados so alcanados com maior facilidade. Diversas teorias reconhecem elementos comuns presentes em um grupo, como os destacados a seguir: a) definio dos objetivos, das motivaes e dos desejos que os membros buscam realizar por meio do sentimento de pertencimento ao grupo; b) construo da identidade grupal, ou sentimento de ns, que indica o10 Isso no implica que esse processo de consulta s bases ou s autoridades no deva ocorrer. Ao contrrio, por ele ser absolutamente indispensvel que se deve prev-lo, assegurando que ocorra da melhor forma possvel.

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grau de coeso ou, ao contrrio, de disperso no grupo; c) organizao diante dos objetivos, principalmente em relao distribuio de poder e ao estabelecimento de relaes de liderana; d) criao de padres de interao, comunicao e participao, importantes para capacitar o grupo a enfrentar dificuldades e trabalhar em prol dos objetivos; e) relao entre o grupo e os seus membros; os membros buscam, por um lado, serem reconhecidos pelos companheiros como parceiros de um ideal, mas por outro lado, querem ser reconhecidos como pessoas nicas que possuem suas particularidades, dinmica que, quando bem gerida, pode servir para o crescimento do grupo e de seus participantes; f ) preciso pensar o grupo como um processo, ou seja, algo que est em constante movimento e construo. Alm dos elementos mencionados acima, outros aspectos tambm exercem influncia na dinmica do grupo, como o nmero de participantes, a rotatividade da participao, a homogeneidade ou heterogeneidade dos participantes e a durao do grupo. A seleo dessas caractersticas, no momento da formao de um grupo, depende, entre outros fatores, dos objetivos propostos11. Planejamento de atividades O planejamento um processo que, a partir da determinao de onde estamos, traduz onde queremos chegar e como e quando alcanaremos nossos objetivos. A partir do momento em que a equipe tenha equilibrado os conceitos e se preparado para a aplicao das ferramentas participativas, seus componentes estaro aptos a elaborar um plano de trabalho, contemplando aspectos (ou hipteses) que se deseja abordar durante o processo e selecionando as melhores ferramentas a serem utilizadas, descritas na seo seguinte. Tambm so definidos os papis a serem assumidos por cada pessoa da equipe durante o desenvolvimento do trabalho: quem ser(o) o(s) facilitador(es), caso isso ainda no tenha sido estabelecido; como ser feita a relatoria e por quem; e qual(is) pessoa(s) ser(o) responsvel(is) pelo manejo de situaes paralelas ou imprevistas. O plano de trabalho estruturado a partir de: um levantamento do que se quer investigar (hipteses e tpicos); suponhamos que a questo levantada seja: a forma de uso (ou o manejo atual) de palmitos afeta sua disponibilidade em uma reserva? Para a investigao dessa hiptese, os seguintes tpicos podem ser investigados: sistemas tradicionais de manejo do palmito, cadeia produtiva, importncia econmica do palmito e outras fontes de renda para a comunidade, entre outros; como ser investigado cada tpico da hiptese traada: quais pessoas que se deseja contatar12 (extrativistas, comerciantes etc.) e quais as melhores ferramentas participativas a serem utilizadas; quando sero aplicadas as ferramentas, o que deve ser discutido com as pessoas e instituies locais em uma primeira reunio informativa; o local de desenvolvimento dos trabalhos tambm deve ser acertado entre as partes envolvidas, ou, pelo menos, com uma parte representativa.11 Para aprofundar as discusses sobre grupo, ver Afonso (2006). 12 Ver grupos de interesse e informantes-chaves, na seo tcnicas participativas.

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Aspectos importantes no levantados durante a elaborao do plano podem ser detectados durante o desenvolvimento das tcnicas e devem ser devidamente explorados, de acordo com o objetivo do trabalho. A elaborao de um roteiro, ou seja, de um conjunto de tpicos que se deseja abordar, importante para orientar as discusses.Quadro 1 - Estrutura conceitual para o estudo sobre propriedade da terra e de rvores na Floresta Churia, regio leste do Nepal hipteses e tpicos aprofundados no trabalho de campo, elaborados pela equipe de trabalho

Hiptese: As condies socioeconmicas afetam a condio da floresta. Tpicos: tamanho da famlia e educao; condies tnicas, de gnero, de idade; renda per capita (incluindo a gerao potencial de renda); tamanho da propriedade e outras questes relacionadas com a posse de terra; restries e oportunidades econmicas; migrao; e conflito. Hiptese: A propriedade de terras, florestas e rvores afeta a condio da floresta. Tpicos: tendncias histricas no uso da floresta, proteo, degradao; histria da ocupao; parcelamento; ocupao da floresta; propriedade de recursos; padres de uso da floresta (identificao do grupo de usurios); sistemas rurais; e manejo do estoque de animais domsticos. Hiptese: Os padres de utilizao e extrao afetam a condio da floresta. Tpicos: padres de uso da floresta (grupos de usurios); padres de trabalho na coleta, processamento e mercado; tipos e modos de extrao; espcies preferidas; e disponibilidade de recursos (distncia, estao, estoque). Hiptese: As percepes e atitudes na conservao de recursos afetam a condio da floresta. Tpicos: conhecimento tradicional; populao nativa; sistemas tradicionais de manejo de recursos; ocupantes recentes; grupos econmicos; aes de grupos especficos, atitudes e percepes da populao local e staff governamental; e aes locais afetando a conservao ou degradao.Fonte: Messerschmidt (1995)

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A tabela 4 apresenta um roteiro desenvolvido pela equipe de Belo Horizonte do Programa Cidade Cultivando o Futuro (CCF)13, com variveis de investigao de acordo com as dimenses levantadas. Dimenso Sociopoltica Variveis Fortalecimento das capacidades de participao das/ os agricultores urbanos Fortalecimento das capacidades tcnico-produtivas das/os agricultores urbanos Gnero Revalorizao do papel produtivo das agricultoras Revalorizaovisibilidade do papel comunitrio das agricultoras Maior incidncia de mulheres na tomada de decises Econmica Reduo do gasto (economia) familiar na compra de alimentos por uso dos produzidos nas unidades de agricultura urbana Custo dos servios pblicos para a implantao da unidade produtiva (jardim produtivo) Nutrio e sade Incremento de consumo de alimentos produzidos nas unidades produtivas Melhoria na diversidade da dieta Produtiva / Ambiental Incremento no volume de produo Maior aproveitamento de resduos slidos orgnicos para adubo Maior aproveitamento de resduos slidos inorgnicos para utilidades diversas Tecnologias e materiais no convencionais incorporados nas estruturas e equipamentos do projeto piloto Incremento de reas cultivadas-enverdecidasTabela 4 Dimenses e variveis para o monitoramento do Projeto Piloto Jardim Produtivo do Programa Cidade Cultivando o Futuro (CCF), Belo Horizonte (MG). Adaptada e atualizada com base na proposta de Sara Pait (2008), in Lovo (2008)

13 O programa foi implementado em nvel mundial pela Fundao Ruaf (Rede Internacional de Centros e Recursos em Agricultura Urbana e Segurana Alimentar) e teve incio em 2005. Na Amrica Latina e Caribe, o CCF esteve sob coordenao da Organizao IPES - Promoo do Desenvolvimento Sustentvel, e foi desenvolvido em trs cidades-piloto: Vila Maria del Triunfo (Peru), Bogot (Colmbia) e Belo Horizonte (Brasil).

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Mobilizao e informao dos setores envolvidos Definidos os objetivos, montada a equipe bsica de trabalho e traado um planejamento inicial, os diferentes setores a serem envolvidos devem ser mobilizados, o que pode ser iniciado por meio de uma campanha de informao sobre a iniciativa. Dependendo do nmero de pessoas envolvidas, do grau de disperso espacial da comunidade, do nvel de escolaridade, entre outros fatores especficos a cada realidade, as campanhas de informao podem variar desde contatos pessoais e visitas s residncias at uma divulgao utilizando meios de comunicao locais. O sucesso da mobilizao depende da construo de relaes de confiana entre as partes, o que pode ser dificultado em situaes onde existam conflitos. Essas situaes exigem investimentos ainda maiores por parte da equipe do projeto, sobretudo no que diz respeito ao tempo requerido, aos cuidados na abordagem e s expectativas criadas. Esses detalhes so tratados com maior profundidade na seo 6 (Experincias).

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3.2. Diagnstico e planejamento participativosDiagnstico Nessa etapa, so realizados vrios encontros com indivduos ou grupos (agricultores, extrativistas, famlias, informantes-chaves, entre outros), aplicando-se ferramentas participativas selecionadas de acordo com o tpico a ser abordado (ver seo seguinte). Esta fase gera dois tipos de produtos: aquele produzido pelos participantes nas reunies, como mapas, perfis, diagramas, e aqueles compilados pelos relatores. Ambos sero importantes para a etapa de sistematizao (ver a seguir). O tempo de durao desta etapa depende da quantidade e complexidade dos assuntos tratados, do nmero de ferramentas utilizadas, do nmero de pessoas ou grupos envolvidos e da experincia da equipe de trabalho. Uma anlise contnua do desenvolvimento auxilia o levantamento de tpicos de investigao no previstos no planejamento inicial, a partir da experincia corrente; a identificao de outras ferramentas adequadas ao contexto; a identificao de falhas na conduo do processo pela equipe, visando corrigi-las; e a localizao conjunta de grupos e pessoas a serem includos nas discusses subseqentes. A boa conduo desta fase depende de uma srie de fatores, como a prtica de procedimentos que estimulam a participao e a construo de relaes de confiana entre as diferentes partes envolvidas. Esses aspectos so tratados em maior detalhe na seo seguinte - Tcnicas Participativas. Sistematizao, anlise e devoluo de dados comunidade A sistematizao consiste no ordenamento das informaes obtidas durante o perodo de investigao, o que possibilita encontrar padres e perceber pontos de convergncia ou de conflito, detectar causas e efeitos e levantar problemas a serem discutidos durante o planejamento de aes. Em processos participativos, o envolvimento de atores locais na sistematizao e anlise dos resultados muito importante, mas pode ser difcil, especialmente devido disponibilidade de tempo para um trabalho conjunto. fundamental realizar ao menos uma anlise final dos dados em plenria, na qual se faz a devoluo de resultados comunidade para a validao das informaes e o esclarecimento de todos os pontos levantados, identificando-se as principais questes a serem tratadas na elaborao do plano de aes. A prxima seo apresenta algumas ferramentas que podem ser utilizadas na sistematizao de informaes.

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Planejamento Vrias ferramentas podem ser utilizadas para o planejamento e sua escolha depender da complexidade dos temas a serem tratados, do nmero de participantes e do grau de escolaridade. Durante a investigao, vrios problemas e solues foram levantados. No planejamento, responsabilidades so divididas entre as diferentes instituies e pessoas envolvidas, aps uma anlise de problemas e interesses. Dessa forma, esta etapa consiste em resgatar as discusses anteriores, j sistematizadas e validadas pela comunidade, e definir as responsabilidades, ou seja, quem deve fazer o qu, quando e com quais meios. Para que no seja comprometido o sucesso do processo, importante que as diferentes partes envolvidas assumam compromissos e prazos realmente viveis. Difuso do plano de aes O acordo firmado entre as diferentes instituies e pessoas envolvidas e a comunidade deve ser divulgado, destacando-se, dessa forma, sua seriedade e importncia. Os meios utilizados para a divulgao do plano de aes dependero de cada caso, podendo variar desde a elaborao de documentos informais ou cartilhas at sua publicao de forma oficial.

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3.3. Desenvolvimento da gesto participativaImplementao e monitoramento A busca da melhoria da qualidade socioambiental na regio da UC passa pela implementao das aes planejadas na fase anterior, de acordo com as responsabilidades e cronograma assumidos. De forma geral, o monitoramento d suporte reviso ou ao ajuste do plano de aes, pois fornece informaes sobre o que est funcionando bem ou mal. Consiste no acompanhamento sistemtico: a) das atividades planejadas e b) das mudanas socioambientais decorrentes de sua implementao14. O monitoramento de atividades a verificao do andamento da execuo do plano de aes. Atravs dele, so analisados custos e investimentos e o cumprimento de responsabilidades por pessoas e instituies. Muitas das atividades previstas podem ter resultados positivos, outras podem se apresentar inviveis e, ainda, outras medidas no previstas podem ser tomadas. A partir dessas anlises, devem ser conduzidas mudanas no planejamento anteriormente proposto objetivando aumentar o xito da iniciativa. O monitoramento das mudanas socioambientais decorrentes da implementao do plano de aes baseia-se na coleta e anlise da evoluo de aspectos biofsicos e socioeconmicos, visando examinar a eficcia das intervenes, descobrir tendncias e orientar novas aes. Muitas vezes, requer um longo perodo de desenvolvimento, pois os efeitos da implementao das atividades so percebidos somente no longo prazo - por exemplo, a melhoria da qualidade e do fluxo de gua atravs do plantio de rvores nas margens e cabeceiras de um crrego. A abordagem participativa do monitoramento objetiva aprimorar a habilidade local para entender e registrar as mudanas, aumentando o entusiasmo e o envolvimento da comunidade para sustentar a implementao das aes. Experincias na Austrlia15 e em alguns pases da Amrica Latina16 tm demonstrado vrios aspectos positivos do monitoramento participativo. Entre esses aspectos esto a capacitao comunitria para a coleta e anlise de dados, a formao de agentes multiplicadores e o estabelecimento de laos entre a comunidade, pesquisadores e tomadores de deciso no mbito regional e nacional. O monitoramento ambiental pode ser feito atravs da anlise de padres, muitos deles indicados por pessoas da comunidade. Por exemplo, alteraes na cor de cursos dgua podem indicar o aporte de nutrientes provenientes do fluxo de14 O trabalho de Abbot & Guijt (1998) fornece uma ampla discusso sobre abordagens participativas de monitoramento. 15 Alexandra et al. (1996) analisou mais de 200 experincias de monitoramento ambiental participativo na Austrlia, publicadas in Abbot & Guijt, 1998. 16 Ver em Rozo et al. (1996) vrias iniciativas sobre manejo de fauna com comunidades rurais.

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rejeitos das casas. O acmulo de terra nas baixadas aps as chuvas pode indicar a eroso ou lixiviao pela gua, devido ao uso inadequado do solo. A tabela 5 ilustra a construo de indicadores ambientais durante um monitoramento participativo realizado junto a agricultores na comunidade Crrego do Sossego, localizada no entorno da Reserva Particular do Patrimnio Natural (RPPN) Mata do Sossego. As instituies envolvidas no projeto17 tinham o objetivo de preservar as reas de Mata Atlntica presentes na reserva e no seu entorno e, para isso, estavam desenvolvendo um experimento com prticas agroecolgicas sustentveis na comunidade. Indicador: Fertilidade do solo Objetivo Jeito de fazer Comparar as anlises da terra de um ano para o outro e acompanhar as mudanas que vo acontecendo Coletar duas amostras para anlise, sendo uma onde haja experincia no meio da rua do Caf e outra amostra em uma parte onde no haja experincia Uma vez por ano, antes da colheita do caf Todos que plantarem feijes de adubo verde, mesmo que tenha sido apenas uma vez. Tambm quem tenha rvores. Os jovens ajudam Os agricultores, sindicato dos trabalhadores rurais, Emater, Fundao Biodiversitas, Ampromatas, Projeto Doces Matas, IEF e outras comunidades Experincia em propriedade Nas lavouras dos experimentadores Wanderlei, Lelei, Gregrio, Chico Salviano, Valdir, Marcos, Tonico, Prata, Pilito, Seu Lula, Z do Lula, Geraldo Lula, Robson e Geraldo David.

Quantas vezes por ano e qual poca? Quem faz?

Quem utiliza a informao? Nvel de coleta Local

Tabela 5 Exemplo de monitoramento ambiental participativo construdo junto comunidade Crrego do Sossego, localizada no entorno da RPPN Mata do Sossego (MG). Fonte: Projeto Doces Matas (2004a)

17 Projeto Doces Matas (2002).

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O monitoramento tambm pode ser feito por meio de algumas ferramentas participativas (ver na prxima seo), como, por exemplo, o mapeamento ou a travessia, que, quando aplicadas em diferentes pocas, sinalizam mudanas ocorridas aps as intervenes implementadas atravs da iniciativa de conservao. Com a utilizao de perfis histricos, tambm podem ser detalhadas as situaes passadas e as mudanas ocorridas aps a iniciativa. Os relatos decorrentes do uso dessas ferramentas podem fornecer informaes qualitativas valiosas e permitir a anlise do xito do processo. Por outro lado, quando um aprofundamento tcnico para o monitoramento ambiental necessrio por exemplo, para os tomadores de deciso, que, muitas vezes, necessitam de dados quantitativos para intervirem em casos como os de polticas locais de desenvolvimento e conservao , a comunidade pode participar da equipe de pesquisa, trazendo conhecimentos e participando da coleta e anlise de dados. Garantir tanto a participao comunitria como a legitimidade dos dados para os agentes externos (cientistas, tomadores de deciso etc.) uma tarefa que depende de negociaes abertas e da finalidade do trabalho. A lacuna existente entre o rigor cientfico e as informaes advindas da comunidade pode ser evitada, atravs da utilizao de estratgias menos sofisticadas de amostragem e anlise de dados. A partir do momento em que se deseja um envolvimento real da comunidade, as tcnicas de monitoramento ambiental devem atrair o interesse e ter execuo compatvel com a cultura local. Isso geralmente requer tempo e muitas discusses entre as partes envolvidas, uma vez que no se deve assumir que todos os atores considerem vantajoso participar de atividades que, primeira vista, interessam somente a um determinado segmento. importante salientar que o monitoramento participativo ser mais efetivo quando os dados gerados forem importantes para o maior nmero de segmentos envolvidos e, dessa forma, a seleo de indicadores relevantes que integrem as diferentes perspectivas depender de um amplo processo de negociao. Avaliao e reviso do plano de aes A equipe examina criticamente um somatrio de passos ou todas as fases do trabalho, desde a construo da hiptese (ou do problema) implantao das atividades em diferentes etapas. Essas anlises tendem a focar aspectos mais gerais e os impactos de longo prazo, identificando falhas no desenho e na implementao de aes. Essa anlise servir de base para a elaborao de iniciativas similares a serem desenvolvidas no futuro. Na fase de anlise de questes internas s diferentes instituies e pessoas da equipe de trabalho, a participao de atores locais pode fragilizar e inibir alguns componentes da equipe. Por outro lado, pode ser extremamente positiva e aumentar a performance da iniciativa, uma vez que o envolvimento de diferentes setores na avaliao fornece diferentes perspectivas, a qual pode ser rica em aspectos que visam melhoria do xito de iniciativas futuras.

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O monitoramento oferece o respaldo aprendizagem e, conseqentemente, reviso do plano de aes. Pontos crticos para o seu xito so evidenciados, levando busca de novas medidas para a efetividade do trabalho. Aps analisadas as falhas e os sucessos, novas decises so tomadas em relao ao que fazer, como fazer, quando e por quem. A aprendizagem constante conduz a alteraes freqentes nas atividades planejadas, buscando sua adaptao realidade encontrada em diferentes momentos. Novo ciclo de etapas (implementao, monitoramento e reviso do plano) A flexibilidade para planejar e replanejar, sem prejuzo ao objetivo da iniciativa, faz com que o processo seja cclico e que avance de acordo com anlises peridicas sobre seu andamento. A reviso do plano de aes feita em reunies de planejamento, utilizando-se as ferramentas participativas citadas na seo seguinte. Compartilhamento e documentao O registro de cada etapa do trabalho muito importante, pois, alm de facilitar a construo de documentos parciais e final, estimulam a reflexo sobre lies aprendidas, as quais podero orientar o andamento do trabalho e outras iniciativas futuras. A elaborao de documentos para divulgao do processo de fundamental importncia, pois o mtodo e os resultados do trabalho podem ser de interesse de vrias pessoas e instituies. O tipo de documento elaborado depende do tipo de pblico a ser atingido, e, a fim de disponibilizar as informaes para todos os interessados, esses produtos devem variar em sua forma. Os agentes financiadores so outro pblico que necessita de retorno sobre os resultados alcanados, e, geralmente, os relatrios elaborados para tal fim descrevem todas as fases do trabalho, alm de apontarem as perspectivas futuras e os impactos do processo. muito importante que os resultados da iniciativa sejam disponibilizados s instituies parceiras, aos tomadores de deciso, assim como quelas instituies potencialmente parceiras, como rgos de extenso, de ensino e pesquisa, entre outras, as quais podem contribuir para a implantao do plano de aes ou se envolver em novas etapas de trabalho.

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4. TCNICAS PARTICIPATIVASEntende-se por tcnicas participativas uma srie de abordagens e ferramentas utilizadas para a obteno de informaes, reflexo sobre as condies ambientais e sociais locais, aprendizado e fortalecimento local. A utilizao adequada dessas tcnicas, dentro de um processo de investigao, planejamento e ao, desencadeia uma srie de mudanas de atitudes individuais e de grupo. Existe uma extensa literatura que considera um grande leque de ferramentas participativas aplicveis em distintas situaes, tanto no meio rural como no urbano. Estas ferramentas podem ser aplicadas em diferentes fases do processo de envolvimento comunitrio no manejo de unidades de conservao, tanto para a investigao das condies locais, de acordo com as hipteses e tpicos traados, como para o planejamento e o monitoramento das mudanas ocorridas durante o processo. Nesta seo, so apresentadas algumas dessas abordagens e ferramentas, buscando enfocar sua aplicao no contexto das unidades de conservao. Durante a aplicao, alm das questes ambientais, normalmente so levantadas necessidades bsicas das comunidades, relacionadas sade, renda familiar, educao, entre outros temas. Esses aspectos, alm de interferirem diretamente na forma de uso e conservao de recursos naturais, so, na grande maioria das vezes, os mais relevantes para a comunidade, e o investimento na busca da resoluo para essas questes de cunho socioeconmico pode resultar em benefcios imediatos ao meio ambiente. Assim, as tcnicas participativas servem para fundamentar o planejamento integrado entre vrios setores da sociedade. Todos os instrumentos descritos tm muitos elementos visuais e orais, o que permite que sejam utilizados independentemente do nvel de escolaridade das pessoas envolvidas. Eles podem ser adaptados de acordo com as necessidades encontradas em diferentes situaes e utilizados com finalidades distintas.

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4.1. Conceitos e abordagens fundamentaisA construo de relaes de confiana entre pessoas externas comunidade e a populao local extremamente importante e permeia todo o processo. O no-estabelecimento de bases slidas e positivas para o relacionamento com a comunidade pode interferir negativamente em todas as suas etapas. Alm disso, a m conduo dessa construo pode alterar relaes j estabelecidas ou estimular a desconfiana, originando conflitos ou fortalecendo os j existentes. Existem algumas situaes em que a construo de relaes de confiana demanda mais tempo e perseverana do que em outras, como, por exemplo, quando atividades ilegais so realizadas por algum setor envolvido. Esse o caso da coleta de espcimes da fauna silvestre ou extrao de produtos da flora sem licena do rgo ambiental competente, do uso do fogo sem autorizao, de danos a reas de preservao permanente, entre inmeras outras situaes freqentemente encontradas. Os primeiros contatos so essenciais para o estabelecimento de relaes harmoniosas. importante que os objetivos do trabalho sejam esclarecidos desde o incio, que haja coerncia entre o discurso e a postura das pessoas envolvidas e que os diferentes setores sintam as intenes de benefcio mtuo do processo, sem alimentar falsas expectativas. Em todos os casos, principalmente nos acima mencionados, o carter no punitivo da iniciativa deve ser realmente assumido e esclarecido desde o incio. A adoo de medidas punitivas paralelas ao processo, mesmo com amparo legal, pode desencadear ou acirrar os conflitos e, em decorrncia, instigar a adoo de medidas ambientalmente ainda mais impactantes do que as j praticadas. No existem regras para a construo de relaes de confiana, a qual demanda muita sensibilidade por parte da equipe de trabalho. No entanto, alguns comportamentos podem auxiliar nessa construo, como, por exemplo, respeitar o ritmo da comunidade, que normalmente diferente do ritmo dos tcnicos residentes em ncleos urbanos, apresentar o mesmo tratamento a pessoas de diferentes grupos sociais e respeitar a cultura local so alguns dos vrios aspectos que devem necessariamente ser considerados. Alguns especialistas com grande experincia no desenvolvimento de processos participativos com comunidades rurais apontam benefcios e incentivam a equipe de trabalho a passar algumas noites nas comunidades. As interaes no perodo noturno e em outros, como em festas locais, quando as pessoas da comunidade esto menos atarefadas, podem levar a grandes mudanas no tipo de relao estabelecida e aumentar o conhecimento sobre o sistema da vida local. No entanto, essas interaes devem se desenvolver de forma natural e no serem intrusivas.

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Uma boa facilitao durante a aplicao das ferramentas participativas extremamente importante nas vrias fases do trabalho: diagnstico, planejamento, avaliao etc., pois permite a reflexo, a interao entre todos os atores envolvidos e o alcance dos objetivos. Cada indivduo possui suas prprias experincias que, expostas em grupo, contribuem para o crescimento do conhecimento coletivo. O facilitador motiva a expresso oral ou grfica, permitindo a troca de experincias entre os participantes, o dilogo intercultural e horizontal. Essa eqidade propicia um melhor entendimento das divergncias e evita que alguns poucos participantes liderem totalmente as discusses. Um bom facilitador no impe seus pontos de vista, mas ajuda os componentes do grupo a alcanarem os resultados que eles desejam, atravs do estabelecimento de acordos. Para isso, o facilitador - assim como todos os outros componentes da equipe necessita compreender a realidade social e cultural dos participantes, para que possa se adaptar a ela. O respeito s tradies locais um aspecto que deve ser levado em conta por todos os parceiros externos. A triangulao o exame de um aspecto sob trs ou mais diferentes perspectivas. A leitura e a anlise das informaes sob a tica dos diferentes componentes da equipe de trabalho - os quais tm diferentes pontos de vista e representam diferentes disciplinas - podem combinar as perspectivas socioeconmicas, ambientais e culturais sob um determinado aspecto ou tema abordado. Por outro lado, a utilizao de diferentes fontes de informao e de uma combinao de ferramentas permite cruzar os dados obtidos, o que conduz construo de uma imagem mais acurada da situao, aumentando o grau de confiabilidade das informaes e, portanto, aumentando a possibilidade de se elaborarem planos de ao que, de fato, correspondam aos anseios do grupo. A ignorncia tima18 traduz a necessidade de se coletarem somente as informaes necessrias ao alcance dos objetivos propostos - ou seja, de no se coletarem dados irrelevantes -, evitando, assim, gastos de tempo, recursos financeiros e energia. Embora na maioria das vezes estejamos acostumados preciso cientfica, em muitos momentos dados quantitativos e detalhamentos so desnecessrios, sendo as informaes qualitativas, discusses e anlises sobre tendncias muito mais teis ao alcance dos objetivos do trabalho. Os grupos de interesse so um conjunto de pessoas que compartilham interesses comuns, como, por exemplo, garimpeiros, extrativistas, pescadores, catadores de lenha, agricultores etc. Muitas vezes, os grupos de interesse j se encontram organizados em cooperativas, associaes ou outras formas de organizao. O trabalho com vrios grupos de interesse essencial para a anlise das distintas percepes sobre um tema. Grupos de pessoas de diferentes idades, profisso, gnero, posio social e poltica podem apresentar posturas semelhantes ou contrrias sobre18 Tambm denominada na literatura como ignorncia criativa, impreciso apropriada ou suficincia de conhecimento.

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determinada questo. Muitas vezes, as mulheres podem dar informaes valiosas sobre determinado aspecto como, por exemplo, a disponibilidade de lenha , mas sentem-se constrangidas a faz-lo na presena masculina. No entanto, nem sempre pessoas de um mesmo gnero ou faixa etria pertencem a um mesmo grupo de interesse. O poder aquisitivo e o grau de escolaridade podem, por exemplo, segmentar o grupo de mulheres em dois ou mais. Os informantes-chaves so pessoas que tm conhecimentos especiais sobre um tema de interesse, como um agricultor cuja propriedade faz limite com a unidade de conservao (ou mesmo est situada dentro dela), voluntrios do corpo de bombeiros, polticos locais, dentre outros. Essas pessoas so uma fonte de informao primordial para a averiguao minuciosa de um assunto. Quando entrevistadas, podem atuar, ora como informantes-chaves, oferecendo uma viso global do assunto - por exemplo, relatando o uso do solo em determinada localidade -, ora como um informante individual - por exemplo, descrevendo prticas individuais de uso de sua propriedade. Os componentes da equipe de trabalho devem distinguir essas duas situaes para que no se incorram em erros, pela generalizao, durante a anlise das informaes. Alguns desafios para a utilizao de mtodos participativos Processos que visam propiciar o dilogo, a anlise e aprendizagem conjunta so lentos e difceis. Algumas instituies financiadoras requerem resultados visveis a curto prazo em projetos de desenvolvimento socioambiental, que, na maioria das vezes, se desenvolvem paulatinamente, se executados de forma participativa e levando em considerao a realidade local. A busca de solues rpidas pode comprometer todo o processo. Embora sejam atualmente muito utilizados em uma ampla gama de situaes, mtodos participativos que pretendem ocasionar mudanas, como do uso e gesto de recursos naturais, fazem parte de um contexto mais amplo, ambiental, socioeconmico e poltico. Isso requer a integrao entre vrios setores, que podem ter interesses e formas de conduo diferenciados ou mesmo conflitantes. O xito do processo depende de um contexto aberto de aprendizagem. Instituies e pessoas envolvidas devem estar preparadas para um processo contnuo de avaliao e autocrtica. Isso requer, alm de sensibilidade, disposio e abertura a inovaes. Existe a possibilidade de surgimento de conflitos entre as partes envolvidas. O fortalecimento das comunidades pode alterar condies hierrquicas de poder local, causando disputas e tenses de convvio. Essas situaes tm que ser muito bem monitoradas, para que sejam detectados e enfrentados possveis problemas. Dada a complexidade e variedade de situaes conflituosas que podem ocorrer, cada uma delas ir requerer um ajuste especfico19.19 Lewis (1996) compreende uma srie de consideraes e estudos de caso envolvendo o manejo de conflitos em reas protegidas.

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O quadro 2, extrado de Chambers & Guijt (1995), apresenta dez mitos relacionados ao uso de Diagnsticos Rurais Participativos (DRP) que nos trazem o grau de complexidade do assunto.Quadro 2 Dez mitos sobre o Diagnstico Rural Participativo

1. rpido. Muitos dos mtodos associados ao DRP podem ser relativamente efetivos em relao ao custo e ao esforo, mas, quando se trata de propiciar o dilogo, a anlise e a aprendizagem conjuntas, o processo de desenvolvimento participativo lento e difcil. 2. fcil. Os mtodos de DRP so simples, o que explica em parte sua popularidade. So teis para muitas pessoas, desde a comunidade, tcnicos e acadmicos, mas inclusive os profissionais experientes em DRP sabem que o xito e o enfoque dependem de muitas habilidades adicionais, especialmente no campo da comunicao, facilitao e negociao de conflitos. 3. Qualquer um pode faz-lo. Qualquer pessoa pode ajudar a desenhar um mapa ou uma matriz de pontuao com certo xito, mas isso no leva a um processo de aprendizagem nem provoca nenhuma mudana. A utilizao da linguagem da participao (como fazem alguns grupos de consultoria e grandes organizaes burocrticas) no propicia um bom trabalho de campo. Deve-se colocar nfase em reas mais amplas, como as mudanas ao nvel de organizao, sistemas de direo e incentivos, comportamentos de pessoal, tica e responsabilidades. 4. S se trata de mtodos em voga. A imagem popular e visvel do DRP a gama de mtodos que se desenvolveram na ltima dcada, os quais tm demonstrado serem efetivos e de ampla aplicao. Contudo, os mtodos no so, seno, parte de uma mudana mais importante que est ocorrendo tanto em organizaes governamentais como nas no- governamentais. Isso traz implicaes profundas: alm do uso de mtodos participativos, as condies para o xito incluem a existncia de um contexto aberto de aprendizagem e o envolvimento de organizaes em estratgias, procedimentos e culturas que propiciem a inovao. 5. Est baseado nas perspectivas de certas disciplinas. O DRP no foi gerado em departamentos universitrios; ao contrrio, gerou-se atravs de experincias prticas de campo. O DRP tem extrado e combinado elementos de uma grande variedade de disciplinas. A carncia de um foco disciplinar convencional tem feito que o DRP seja considerado pouco rigoroso e no apto para a publicao. A natureza experimental e interativa do DRP tem sido considerada como uma ameaa por alguns acadmicos.

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Ao passo que os estudantes procuram utilizar mtodos de DRP cada vez mais, os profissionais de ensino freqentemente resistem. As universidades figuram entre as ltimas instituies que adotam enfoques participativos em seus cursos. 6. No tem base terica. O DRP se associa normalmente a situaes prticas e com as pessoas envolvidas em atividades prticas de desenvolvimento, mas isso no quer dizer que no exista uma base terica slida. O DRP se baseia em um enfoque de investigao-ao, no qual a teoria e a prtica esto experimentando um processo de reviso contnua, fundamentado em experincias, reflexo e aprendizagem. A nfase que se coloca sobre a teoria, em detrimento da prtica, na maioria das disciplinas acadmicas, significa que os enfoques do DRP baseados na prtica freqentemente no so levados a srio. Contudo, trabalhos tericos recentes mostram que os enfoques participativos do lugar a questes filosficas profundas e a importantes debates no campo das cincias sociais. 7. No mais do que uma renovao de imagem. Mesmo que o DRP tenha sido influenciado por muitas fontes ao longo de sua evoluo, no se pode afirmar que seja um mero anacronismo. Tal como ocorre em todas as grandes mudanas no pensamento e na prtica, o DRP est conseguindo unir uma grande variedade de controvrsias e prticas de uma maneira original. Sua nfase na visualizao livre e na contnua improvisao contrasta com outros enfoques baseados no uso mecnico de diagramas predeterminados. A importncia que se d a atitudes e comportamentos dos agentes externos contrasta com os enfoques que rechaam esse aspecto de interao local. O amplo leque de aplicaes na investigao e planejamento em, por exemplo: posse da terra, problemas relacionados com a AIDS, planejamento urbano, manejo de recursos naturais e violncia domstica, e a subseqente divulgao e debate em grupo dessas experincias, enriquece o desenvolvimento metodolgico. O DRP se adapta a diversos contextos e acessvel e aceitvel para uma ampla gama de profissionais do desenvolvimento. 8. A capacitao a soluo. Uma reao bastante comum frente a idias novas capacitar todos para seu uso. A demanda de capacitao em DRP fenomenal. Isso traz vrios riscos. Inicialmente, capacitadores sem experincia ameaam a qualidade da capacitao e a prtica subseqente. Em segundo lugar, um s curso de capacitao no garante a continuidade necessria. Muito freqentemente, as organizaes no exploram as implicaes da continuidade aps a capacitao. Uma capacitao adequada requer a promoo de novas formas de aprendizagem dentro das instituies. Os cursos de capacitao constituem somente parte da resposta.

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9. As pessoas envolvidas so imparciais. O mito sobre o investigador ou profissional imparcial, distanciado e observador, um exagero. Ningum imparcial, sejam participantes da comunidade ou agentes externos. Todos esto, inevitavelmente, envolvidos de uma maneira ou outra, de forma que os papis e implicaes decorrentes desse fato devem ser entendidos. Isso afeta a informao coletada e sua anlise. No desenvolvimento participativo, cada um responsvel pelas prprias aes. Consequentemente, as implicaes polticas e ticas da investigao-ao participativa devem ser debatidas abertamente com o fim de se chegar a respostas adequadas. 10. No poltico. As aes dos que esto trabalhando na investigao ou desenvolvimento participativos tm conseqncias que podem ser consideradas, grosso modo, polticas. O poder, o controle e a autoridade so todos parte de processos participativos. Quando algum est envolvido em tais processos, existe a possibilidade de surgirem conflitos, disputas e tenses. Ignorar essas dinmicas poderia ser perigoso. Todos deveriam ser conscientes dos problemas de controle de poder, conflito e disputa, que so parte de qualquer enfoque de investigao-ao no desenvolvimento. Todos os participantes devem aprender esses temas e estar preparados para enfrent-los. Isso poderia implicar a tomada de posies de maneira parcial, ou a adoo do papel de mediador ou negociador, que constituem atos polticos.Fonte: Chambers & Guijt (1995).

Procedimentos gerais para a aplicao das ferramentas e facilitao dos trabalhos em grupos Antes de se avanar nas questes referentes ao uso das diferentes ferramentas, sero relatados alguns protocolos ou condutas bsicas para o desenvolvimento dos trabalhos. Alguns deles so aspectos de comportamento interpessoal, importantes na conduo da investigao, na promoo da participao, na criao e manuteno de relaes de confiana, ou seja, no alcance dos objetivos do trabalho. Alguns pontos abaixo relacionados podem ser elementares, mas devem ser continuamente recordados durante o processo. As pessoas a serem envolvidas devem saber quem o grupo inicial de trabalho e quais os objetivos do projeto. Uma introduo pormenorizada deve ser feita para que no haja dvidas a respeito da inteno da iniciativa. Nunca se deve prometer quaisquer benefcios e levantar falsas expectativas. O propsito de cada ferramenta a ser aplicada deve estar muito claro para os participantes antes de iniciar sua aplicao, o que traz segurana e aumenta a possibilidade de xito na obteno de informaes e no desenvolvimento das discusses.

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As perguntas durante a aplicao das ferramentas devem ser muito bem elaboradas e isso requer tanto um bom preparo como criatividade para aproveitar os momentos e oportunidades para especular sobre o assunto tratado, criar novas questes, reconsiderar conceitos e elaborar novas hipteses. Deve-se evitar induzir as respostas e fazer perguntas que possam ser respondidas simplesmente com sim ou no. As questes orientadas por o qu, onde, quando, por que, quem e como auxiliam no desenvolvimento da investigao. A qualidade da informao depende da qualidade e relevncia das questes. Um princpio elementar para o bom xito do trabalho saber ouvir, escutando cuidadosamente as respostas e observando as reaes, muitas vezes no verbais. As discusses estabelecidas durante a aplicao das ferramentas podem ser relatadas pelo menos por uma pessoa. Porm, o relator deve fazer anotaes somente aps concedida autorizao pelos participantes. Uma vez que muitos pontos abordados durante as discusses so conflitantes e as pessoas expem suas opinies publicamente, a relatoria tem sido ponto de controvrsia entre diferentes experincias. Alguns grupos ou pessoas preferem memorizar as discusses e tomar notas somente em momentos que consideram convenientes ou ao final do dia, aps a aplicao das ferramentas. Uma vez estabelecidas adequadamente as relaes de confiana entre a equipe de trabalho e os outros setores envolvidos, a relatoria uma tima forma para que no se percam informaes importantes. Porm, a convenincia para tal varia de acordo com cada contexto. Durante a aplicao das ferramentas, as perguntas devem ser feitas pausadamente. Duas ou mais perguntas ao mesmo tempo podem confundir as pessoas e evidenciar ansiedade por parte da equipe de trabalho. Deve ser evitada a interrupo entre os membros da equipe durante a formulao de cada pergunta. Deve-se permitir que cada participante complete suas idias, evitando concluir as frases de um informante quando ele hesita. Deve-se, tambm, estimular que os participantes utilizem os recursos que desejar durante a representao do aspecto tratado. No se deve demonstrar impacincia ou querer dominar os trabalhos, pois a reao dos participantes deve vir naturalmente. As discusses constituem a parte mais importante do processo. fundamental que se respeite o tempo, a qualidade de vida, a cultura e as tradies locais. Durante a aplicao das tcnicas, o uso da terminologia local, como unidades de medida e denominaes populares, facilita a participao. De preferncia, a comunidade deve decidir pelo local e horrios mais adequados para o trabalho. Alguns lugares que podem ser considerados adequados pela equipe para o desenvolvimento

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dos trabalhos, como igrejas e escolas, so considerados imprprios ao desenvolvimento de reunies em certas regies. Reconhecer as pessoas pelo nome auxilia a manuteno das relaes de confiana. Deve-se ficar atento a comportamentos no-verbais, que podem representar insatisfao, insegurana, desconfiana, ou, ao contrrio, satisfao com o andamento do processo. A anlise e reconduo de atitudes e atividades pela equipe de trabalho pode ser definitiva para o sucesso da iniciativa. Aps cada sesso diria, importante que a equipe de trabalho se rena, analise os pontos positivos e negativos do dia, discuta o alcance do trabalho e se prepare para o trabalho do dia seguinte. O bom desempenho do processo no est somente ligado aplicao correta das tcnicas. Ao contrrio, os setores envolvidos so sensveis e observadores quanto a atitudes e comportamentos da equipe. Autocontrole, disciplina, empatia, sensibilidade, modstia e humildade so essenciais e se opem ao comportamento centralizador, autoritrio e s atitudes de superioridade e desrespeito ao conhecimento local.

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4.2 Ferramentas participativas para a investigao, o planejamento, o monitoramento e a avaliaoDiferentes ferramentas so utilizadas para buscar informaes, provocar reflexes, levantar problemas, planejar conjuntamente, avaliar o processo e mobilizar a comunidade, dentro das mais diversas realidades encontradas, tanto no mbito rural como no urbano. Vrias experincias de sua aplicao, em diferentes contextos, tm demonstrado suas vantagens devido natureza flexvel, visual e baseada em anlises realizadas em grupo. Os resultados obtidos so mais qualitativos do que quantitativos, gerados atravs da interao e do equilbrio de diferentes tendncias de gnero, posio social, dentre outras. As ferramentas utilizadas em processos participativos no substituem o dilogo a longo prazo entre a unidade de conservao e os demais setores. O seu uso, da forma aqui considerada, somente o comeo de um longo processo de anlise e busca de solues conjuntas durante o a gesto das unidades de conservao. Tempestade de Idias (brainstorming ou chuva de idias) Usos: todas as fases A tempestade de idias uma ferramenta por meio da qual todos os membros de um grupo so estimulados a expressar seu ponto de vista sobre um determinado tema. Pode ser utilizada em uma ampla gama de situaes, desde o levantamento de opinies sobre a exequibilidade de processos participativos no manejo de UC, dentro de suas instituies gestoras, at a investigao, o planejamento, o monitoramento e a avaliao do processo. Passos para aplicao Verificar os procedimentos gerais para aplicao de ferramentas. Introduzir o tpico a ser discutido atravs da formulao de uma perguntachave, que no seja sugestiva, mas provocativa, feita pelo facilitador. Solicitar aos participantes que manifestem sua opinio escrevendo em cartes (fichas ou tarjetas) ou oralmente; o uso de fichas incentiva a manifestao de opinies que, normalmente, no seriam expostas por inibio, particularmente quando as idias podem gerar ou alimentar conflitos; tambm facilita a participao de todos os membros, impedindo que a discusso seja dirigida somente por poucas pessoas; quando as manifestaes so orais, a boa conduo do facilitador essencial para maximizar a participao de todos e, nessa etapa, todos os participantes se expressam em relao pergunta-chave, mas as diferentes opinies no so colocadas em discusso. Quando fichas esto sendo utilizadas, afix-las em local visvel a todos; fichas com idias duplicadas devem ser removidas, com a concordncia dos participantes.

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Iniciar uma discusso, principalmente acerca de opinies diferentes, at que um grau de consenso seja alcanado. Caso a ferramenta esteja sendo utilizada com o objetivo de planejar, iniciar, aps o consenso, um exerccio mais estruturado de planejamento (ver em Construo de um plano de aes, nesta seo). Para entender melhor A seguir so apresentados dois exemplos de aplicao da tempestade de idias: Exemplo 1: Oficina para a elaborao de indicadores e marco zero. Comunidade de Santo Antnio, distrito de Itatup, municpio de Gurup (PA)20 Em junho de 2004, funcionrios do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Vrzea (ProVrzea), do Ibama, realizaram, na comunidade de Santo Antnio (PA), uma oficina para a elaborao de indicadores e marco zero do subprojeto Manejo florestal comunitrio madeireiro e no madeireiro em reas de vrzea do distrito de Itatup, municpio de Gurup-PA. A iniciativa visou a reestruturao dos objetivos especficos do projeto de forma que esses, assim como os indicadores de impacto e desempenho, fossem adequados realidade local. Pequenas alteraes foram feitas e ento definidos quatro objetivos especficos (ver quadro abaixo). Posteriormente foi desenvolvida uma dinmica participativa buscando respostas de desempenho para cada um dos objetivos especficos anteriormente revisados. A fim de levantar os pontos de vista dos participantes, a seguinte pergunta orientadora foi feita: Para qu se prope esse objetivo? As respostas foram colocadas em torno do objetivo escrito em um papel suspenso na parede. O quadro 3 representa as respostas levantadas para cada um dos quatro objetivos especficos:

20 Ibama (2004).

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Quadro 3 - Quadro Para qu? sistematizao da Tempestade de Idias realizada na comunidade de Santo Antnio (PA). Fonte: Ibama (2004)

1. Sensibilizar para o Manejo Florestal Preservar a floresta e ter sempre aa, madeira, peixe e caa Aprender a trabalhar com a natureza; Valorizar a produo Respeitar a floresta e o plano de uso Para realizar as atividades de forma legalizada

2. Fortalecer a gesto territorial e ambiental da Associao dos Produtores do Jaburu (Aproja) Regularizar a terra Cumprir as prprias regras definidas pela comunidade Reduzir os conflitos Para que todas as comunidades tenham seu plano de uso para que as famlias trabalhem de forma organizada nos seus limites

3. Capacitar para o manejo florestal e gesto territorial Preservar a floresta Controlar a produo de cada espcie Planejar o que vai ser usado Reduzir o tempo que a comunidade gasta para realizar o inventrio florestal Para cada famlia fazer seu inventrio Para ter melhor aproveitamento Ensinar outras comunidades a fazer o plano de uso

4. Realizar o manejo de espcies florestais e tecnologias para produtos no madeireiros Valorizar os produtos melhorar a renda familiar Melhorar qualidade dos produtos Ter aa o ano todo Aumentar a produo do aa, paumulato, virola Ter novas fontes de renda Planejar a produo poder fazer contratos com empresas

A partir das respostas levantadas nessa tempestade de idias, foi proposta a elaborao de perguntas a serem respondidas no futuro, de forma a permitir a avaliao do desempenho do projeto.

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Exemplo 2: Oficina com o Conselho Consultivo do Parque Nacional de Jericoacoara21. Em abril de 2005, funcionrios do Ibama realizaram uma oficina com o Conselho Consultivo do Parque Nacional de Jericoacoara para construir objetivos e traar planos de aes. Para aproximar os participantes da misso do Conselho, optou-se por conhecer as diferentes vises de futuro dentro do grupo e traar um sonho comum. Para isso, foi realizada uma tempestade de idias a partir de uma pergunta: Qual o nosso sonho para o Parque Nacional de Jericoacoara? Diversos sonhos foram ento expostos, nas seguintes palavras: educao, planejamento, preservao, funo social, gesto participativa, equilbrio, ecoturismo, limpeza, esporte, regaste histrico, compromisso, pesquisa, conscientizao, cultura, qualidade de vida, coletividade, combate s drogas, desenvolvimento sustentado, plo, unio, paz, silncio, apoio s populaes tradicionais, capacitao, fauna/flora. O sonho do grupo foi, assim, definido, a partir das idias individuais: Gesto participativa com compromisso e resgate dos aspectos positivos da comunidade, buscando a preservao e a sustentabilidade socioambiental. Este sonho comum foi utilizado na construo de objetivos e no planejamento de aes do Conselho. Entrevista semi-estruturada Usos: Investigao, monitoramento e avaliao Realizadas de forma aberta e informal, as entrevistas semi-estruturadas so conversas, com indivduos ou pequenos grupos, que permitem discutir questes especficas sobre o uso de recursos naturais e outros fatos que se considerem importantes para o projeto. O ponto focal de cada entrevista um conjunto de questes e tpicos que abordam certas hipteses que a equipe de trabalho levantou. As entrevistas so realizadas em sesses informais nas quais somente algumas questes so predeterminadas. A maior parte surge durante a entrevista, de acordo com as respostas dos informantes. uma das principais ferramentas utilizadas em diagnsticos. Inmeras informaes podem ser obtidas durante as conversas com todos os setores envolvidos. Aliados ao levantamento de dados secundrios, os resultados das entrevistas podem fornecer a base para as demais etapas do diagnstico. O seu desenvolvimento nas primeiras etapas do trabalho tambm pode auxiliar na construo de relaes de confiana. Intercaladas com outras ferramentas, as entrevistas semi-estruturadas podem ser teis para o aprofundamento em questes levantadas durante as discusses estabelecidas.21 Ibama (2005).

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Passos para aplicao Verificar os procedimentos gerais para a aplicao das ferramentas. Preparar uma lista de tpicos importantes, conforme o objetivo da investigao, o que definir o perfil das pessoas ou grupos a serem entrevistados; esses tpicos podem ser alterados no decorrer do projeto, ajustando-os s novas necessidades de cada etapa. Em seguida, fazer um levantamento de grupos de interesse, informanteschaves e outras pessoas que se deseja abordar; entrevistas com agricultores, por exemplo, podem fornecer dados interessantes sobre o uso de pesticidas, poca e intensidade do uso do fogo, principais problemas encontrados na produo etc.; extrativistas ou pescadores podem informar sobre as formas de manejo e disponibilidade dos recursos utilizados, poca de utilizao de fauna e flora, dentre vrios outros aspectos. Identificar os locais e o melhor perodo do dia para o desenvolvimento das entrevistas. Desenvolver as entrevistas evitando tomar notas at que sejam estabelecidas relaes de confiana. Caso necessrio, importante solicitar permisso aos informantes para que os dados sejam anotados; tambm devem ser evitadas questes indutivas, que podem direcionar as respostas dadas e a emisso de opinies sobre o assunto discutido, pois as pessoas podem aceit-las passivamente ou inclu-las em seu discurso, mesmo que no acreditem nelas (ver quadro 4).Quadro 4 Exemplos de perguntas indutivas e no indutivas

Perguntas indutivas Vocs coletam lenha na mata? As mulheres coletam mais que os homens? A gua do rio boa para beber? Respeitar a floresta e o plano de uso Para realizar as atividades de forma legalizada

Perguntas no-indutivas Como a mata usada por vocs? Quem apanha a lenha? Qual a qualidade da gua do rio? De onde se tira a gua para beber?

A forma como as perguntas so feitas tambm podem contribuir para o processo e podem causar diferentes reaes no entrevistado: Perguntas abertas: qual a sua opinio sobre...? Perguntas estimulantes: como conseguiu ter um jardim to bonito? Perguntas dignificantes: voc, que tem tanta experincia no cultivo de..., o que pode me dizer em relao a...?44

Perguntas sobre eventos-chave: como conseguiram recuperar a fora depois da seca? Quais foram as inovaes na produo de... nos ltimos anos? Para entender melhor Para facilitar o aprofundamento das informaes, devem ser utilizadas perguntas auxiliares como O qu? Quando? Onde? Por qu? Como? Quem? Durante a pre