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VITÓRIA, SÁBADO, 15 DE DEZEMBRO DE 2012 www.agazeta.com.br Pensar O mito da guerrilha Mercado DESIGNER APONTA O OLHAR DOS COLETIVOS SOBRE A PRODUÇÃO CULTURAL. Página 4 Música COMPOSITOR DESTACA ORIGINALIDADE E TALENTO DE JONATHAN SILVA. Página 5 Teatro ESPECIALISTA ANALISA PEÇA DO GRUPO Z QUE VAI CORRER O PAÍS. Página 12 BIOGRAFIA REVELA LADO HUMANO DO ATIVISTA QUE DESAFIOU A DITADURA MILITAR Páginas 6, 7 e 8 Entrelinhas ARQUITETA COMENTA O RELATO EMOCIONADO DE DIOGO MAINARDI SOBRE O FILHO. Página 3 ...E O JAZZ FICOU MAIS TRISTE Pesquisadores lembram a importância de Dave Brubeck e a passagem do pianista por Vitória. Páginas 10 e 11 DIVULGAÇÃO O líder comunista Carlos Marighella na redação do “Jornal do Brasil”, em 31 de julho de 1964, dia em que deixou a prisão WILLIAM ELLIS/DIVULGAÇÃO

Caderno Pensar 2012 - DEZ

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Page 1: Caderno Pensar 2012 - DEZ

VITÓRIA, SÁBADO, 15 DE DEZEMBRO DE 2012

www.agazeta.com.brPensar

O mito da guerrilha

MercadoDESIGNERAPONTA OOLHAR DOSCOLETIVOSSOBRE APRODUÇÃOCULTURAL.Página 4

MúsicaCOMPOSITORDESTACAORIGINALIDADEE TALENTO DEJONATHANSILVA.Página 5

TeatroESPECIALISTAANALISAPEÇA DOGRUPO Z QUEVAI CORRERO PAÍS.Página 12

BIOGRAFIA REVELA LADO HUMANO DO ATIVISTAQUE DESAFIOU A DITADURA MILITAR Páginas 6, 7 e 8

EntrelinhasARQUITETACOMENTA ORELATOEMOCIONADO DEDIOGOMAINARDISOBRE O FILHO.Página 3

...E O JAZZFICOU MAISTRISTE

Pesquisadores lembram aimportância de DaveBrubeck e a passagem dopianista por Vitória. Páginas 10 e 11

DIVULGAÇÃO

O líder comunista Carlos Marighella na redação do “Jornal do Brasil”, em 31 de julho de 1964, dia em que deixou a prisão

WILLIAM ELLIS/DIVULGAÇÃO

Documento:AG15CP001;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 22:29:55

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,15 DE DEZEMBRODE 2012

marque na agenda prateleiraquempensa

Isabella Batalha Muniz BarbosaémestreedoutoraemArquiteturaeUrbanismopelaFAU/[email protected]

Raphael Gasparé designer, pesquisador e membro do ColetivoExpurgação. [email protected]

Tião Xaráécineclubista,ambientalista, fotógrafo,videoasta,poetaecompositor. [email protected]

Maninho Pachecoé jornalista, designer gráfico e publicitá[email protected]

Caê Guimarãeséjornalista,poetaeescritor.Publicouquatrolivroseescrevenositewww.caeguimaraes.com.br

Andra Valladareséadvogada,cantora,compositoraepoeta.www.poeticamentempv.blogspot.com

Fernando Achiaméé poeta e [email protected]

Camilo Ceoliné administrador, professor e pesquisador deblues, jazz e rock. [email protected]

Rogério Coimbraéprodutorcultural,pesquisadormusicaleautordoblog www.musicanasalturas.blogspot.com

Espada, Cobiça e Fé:As Origens do BrasilFrancisco WeffortO cientista político eex-ministro da Cultura nogoverno FHC traça umpainel detalhado doinício da história

brasileira, em que a violência e a fé semisturaram de maneira surpreendentepara produzir, com as bênçãos daIgreja, a conquista e a colonização.

96 páginas. Civilização Brasileira. R$ 39,90

Onde Está TudoAquilo Agora?Fernando GabeiraRevolucionário, ecologista,deputado e ativista, Gabeirapassa a limpo seus 50 anosde vida pública, incluindo osequestro do embaixador

Charles Elbrick, o exílio, o treinamentoguerrilheiro em Cuba, o rompimento com oPT e os 16 anos como deputado em Brasília.

200 páginas. Companhia das Letras. R$ 29,50

A Teoria dosIncorporais noEstoicismo AntigoÉmile BréhierA primeira tradução doestudo do filósofo francês,publicado originalmente em1908, revela uma linhagem

de pensamento que forneceu as bases doconceito de acontecimento, indispensável paraa leitura de mestres como Deleuze e Foucault.

112 páginas. Autêntica. R$ 35

O Que Resta - Arte eCrítica de ArteLorenzo MammiA coletânea de ensaios deum dos mais importantescríticos do país destaca oseu olhar sobre as artesvisuais e sobre questões

pontuais como a autonomia da obra de arte.

416 páginas. Companhia das Letras. R$ 59,50

MúsicaHomenagem a Luiz Gonzaga no rádioPara celebrar o centenário do Rei do Baião, a Gazeta AMapresenta hoje, às 14h, o especial “100 anos de Gonzagão”.Na programação, entrevistas e sucessos do Mestre Lua.

LiteraturaLivro de crônicas na Biblioteca EstadualA escritora Anna Célia Dias lança o livro “Crônicas Curtinhas” nopróximo dia 20 de dezembro, às 19h, na Biblioteca Pública doEspírito Santo (Av. João Batista Parra, 165, Praia do Suá, Vitória).

16de dezembroCircuito do Blues encerra temporadaO projeto idealizado pela produtora Júlia Sodré apresentaos shows das bandas Cheap Blues e Sunrise Blues Band(foto), neste domingo, às 19h30, no Teatro do Sesi (RuaDr. João Carlos de Souza, 742, Jardim da Penha, Vitória).Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

19de dezembroAmor e maternidade em romance juvenilO jornalista capixaba Maxwell dos Santos lança “As 24 horas deAnna Beatriz” na próxima quarta, das 19 às 22h, no Auditório 1(Hermógenes Lima Fonseca) da Assembleia Legislativa do EspíritoSanto. O livro aborda a maternidade e o amadurecimento atravésda experiência de um casal de adolescentes.

José Roberto Santos Nevesé editor do Caderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] UTOPIAS, ARMAS E JAZZ

Para a esquerda brasileira, ele foi um herói. Para osditadores, um terrorista. Declarado pelo regime militarcomo inimigo público número 1, Carlos Marighella cos-tumava dizer que não tinha tempo para ter medo. Amante dapoesia, o ativista baiano viveu intensamente a utopia de umBrasil justo e democrático em tempos de repressão. Fundou aAção Libertadora Nacional (ALN), conquistou o apoio deintelectuais, foi preso por Getúlio Vargas, elegeu-se deputadofederal, comandou assaltos a bancos e terminou morto emuma emboscada policial. Essa trajetória épica é revelada pelo

biógrafo Mário Magalhães em “Marighella – O Guerrilheiroque Incendiou o Mundo”. Na resenha de Maninho Pacheco, oleitor terá uma radiografia desse revolucionário que, paramuitos, foi uma espécie de Che Guevara caboclo. A capa destaedição é dividida com os artigos de Camilo Ceolin e RogérioCoimbra sobre Dave Brubeck, ícone do jazz que nos deixou noúltimo dia 5. Coimbra conta os bastidores da vinda do músicoa Vitória em 1978, e o mestre Luiz Paixão nos brinda com umararidade: a foto de um dos primeiros discos de Brubeck,autografado pelo próprio artista. Boa leitura, bom Pensar.

Pensar na webTrailer de documentário sobre CarlosMarighella, gravações de Jonathan Silva,vídeos de Dave Brubeck e trechos delivros comentados nesta edição, nowww.gazetaonline.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

Saulo Ribeiroé escritor e [email protected]

Documento:AG15CP002;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 22:22:09

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3PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

15 DE DEZEMBRODE 2012

entrelinhaspor ISABELLA BATALHA MUNIZ BARBOSA

O AMOR DE UM PAIDIANTE DA QUEDA

CAMILLA MAIA/AG. O GLOBO

Li “A Queda” recentemente porsugestão de uma amiga, queassim como o autor, DiogoMainardi, tem um filho comparalisia cerebral. A princípio,o livro não me despertara tanta

atenção e procedia a sua leitura de formavagarosa em meio a uma viagem de fériasque programara à Itália. O cenário re-corrente no livro é a cidade de Veneza, queo autor adotara para viver ainda muitojovem e que ele descreve com muitapropriedade, onde a narrativa da vivênciacotidianaéenriquecidapelabelapaisageme seus edifícios. Eu estava ali, em Veneza,de passagem: os canais, as pontes e seuspalácios produziam ecos de interlocuçãocom o autor. Por ser arquiteta, talvez aíestivesseonóqueaglutinaopensamentoàalma, e que não mais me fez parar até quechegasse ao seu último passo.

O autor constrói a estrutura do textodesde o nascimento de seu filho pri-mogênito, Tito, num hospital público deVeneza, até seu regresso ao mesmohospital, quando consegue concluir econtabilizar 424 passos sem cair. Ospassos de Tito passam a ser unidade demedida do deslocamento do autor, desuas idas e vindas, do seu percurso etrocas de moradia Veneza/Rio/Veneza.A queda, sempre recorrente, passa a sera força e o elo de união familiar. Oenfoque de sua trajetória pessoal a par-tir do nascimento de Tito traduz-se naprópria dialética do homem, onde vida emorte aparecem como uma constante:“Montaigne argumentou que filosofar éaprender a morrer. Eu aprendi a morrercom a paternidade.”

Revisão de valoresAssim, Diogo Mainardi circunscreve

sua própria vida e procede a uma ri-gorosa revisão de seus valores: “Suasquedas recordam-me permanentementeda precariedade e da transitoriedade detudo o que eu tentei construir”(passo410); ou quando afirma que o seu centropassa a ser os cuidados com seu filho eque perde gradualmente “o interessepelos asnos e pelos tratantes da minhaterra natal. Só sobrou o interesse porminha vida doméstica. A paternidadetornou-se minha ideologia”.

A paralisia causada por erro médicopassa a ser também o motor para queDiogo e sua esposa, Anna, iniciem umaampla varredura a neurologistas reno-mados em diversas cidades do mundo,para concluir ao final: “Anna e eu apren-demos a ignorar todos os prognósticosabestalhados dos médicos, para o bem oupara o mal. Anna e eu aprendemos a

comemorar cada passo de Tito por maiscambaleante que fosse” (passo 163).

Na busca de soluções para o or-çamento doméstico que onerara so-bremaneira, o autor embrenha-se noacirrado mercado jornalístico comoempreendedor: “Depois do nascimentode Tito, repudiei minha literatura e fuiganhar dinheiro[..] eu ganhava dinhei-ro na Veja e fazendo um comentário porsemana no Manhattan Connection”.

À época, já acompanhava e admirava ojornalista, pela irreverência e competênciacom que tratava os assuntos mais po-lêmicos; no livro, este vasto conhecimentoexplicita-se na forma como Mainardi in-terpreta a cultura ocidental em seus di-versos aspectos. Discorre e enfatiza suahistória, de forma circular, sempre e ana-logamente a um acontecimento ou fatohistórico, seja da arte, da música, daarquitetura ou da política. A paisagem deVeneza era o ponto de fuga nos embalos deTito. O autor estabelecia embates e com-parações entre Pallazo Dario e o PallazoCorner, ambos separados pelo GrandeCanal, atribuindo a um a arte divina, Deus,e ao outro, o homem e sua soberbaacademicista. Para o autor, só Veneza eracapaz de proporcionar o prazer de per-ceber e correlacionar arte, literatura earquitetura. Viver ali era como viver emuma aldeia amish, como afirma Mainardi:“Eu via Veneza como uma aldeia amishpara intelectuais. Ela tinha o poder decontrastar, com sua prepotente irracio-nalidade, o populismo iluminista de meutempo. Ela tinha o poder de ridicularizarcom esplendoroso anacronismo qualquerespécie de soberba progressista.”

TravessurasNo retorno ao Brasil por recomen-

dação médica, retrata as travessuras deTito na praia de Ipanema, mas suapercepção da cidade, por vezes, res-tringe-se a uma subjetividade doloridade um pai de paralisado cerebral, “quecom seu andador subia as rampas dasgaragens da Vieira Souto, com cheiro degasolina e escapamento, até chegar àbeira de um degrau e conseguir parar, ecair”. O desejado retorno à Veneza seconcretiza nove anos após sua chegada,quando Tito é ressarcido do erro médicocom uma cifra milionária. Nesta pas-sagem, o autor argumenta que já poderiamorrer, uma vez que Tito não prescindemais dele para sobreviver.

“A Queda” é um aprendizado, umaautocrítica, uma recusa à onipotência,é saber cair e levantar, posto que avaidade encerra-se e esgota-se emsi mesma.

A QUEDA – AS MEMÓRIASDE UM PAI EM 424 PASSOSDiogo Mainardi. Record. 152páginas. Quanto: R$ 19,80

Diogo Mainardi descreve em livro a sua vida ao lado do filho com paralisia cerebral

TRECHO1Tito tem uma paralisia cerebral.

2Eu imputo a paralisia cerebralde Tito a Pietro Lombardo.

Em 1489, Pietro Lombardoarquitetou a Scuola Grande diSan Marco. E foi a ScuolaGrande di San Marco,arquitetada por PietroLombardo, que acarretou aparalisia cerebral de Tito.

Documento:AG15CP003;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 19:00:33

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4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,15 DE DEZEMBRODE 2012

Membro do Coletivo Expurgação, que completa cinco anos este mês, destaca os conceitosdessas redes de relações sociais que trazem novos modelos para a criação e a difusão artística

produção culturalpor RAPHAEL GASPAR

A COLABORAÇÃOFAZ A FORÇA

LORENA LOUZADA

Anecessidade institucio-nal de compreensãodos modelos coletivos,que são consideradoscriativos ou artísticos,é um indicativo de que

a crise global arrasta mudanças quevão muito além das dimensões eco-nômica e política. Se por um lado aestabilidade social é impactada ne-gativamente por intervenções go-vernamentais e privadas, por outrolado o processo de decantação cul-tural influenciado por vícios demercado é agitado por movimentoscivis que buscam contribuir parauma sociedade mais justa.

Esses movimentos não são umanovidade. Um exemplo são as van-guardas modernistas europeias, quejá experimentaram modelos seme-lhantes com uma grande dose deidealismo. Inclusive, influenciaramo surgimento no Brasil do Movi-mento Modernista e do MovimentoConcretista, que por sua vez se apro-priaram dos símbolos da indústriapara servir à arte. No entanto, oatual contexto dispensa idealismos,movimentos isolados e promoção desumidades. Exige colaboração!

Sendo assim, os coletivos cria-tivos da hipermodernidade são re-des de relações sociais que são con-vertidas em experimentação, traba-

lho e crítica. Na maioria dos casos,essas redes adquirem um modo deprodução cooperativo e recíproco,com valores e regras próprios (cartade princípios e regimento) que pro-porcionam confiança e dinâmica àsações coletivas. Mas esses coletivostambém são uma reação em cadeiaprovocada pela ausência de espaçossimbólicos para a sociedade, peladificuldade de acesso ao mercado epela falta de instrumentos jurídicosque protejam a diversidade cultural(atributos materiais e espirituais),criando capital cultural (instrumen-tos de estruturação do conjunto sim-bólico) para a distribuição e exi-bição dos resultados.

Portanto, em diversas regiões doplaneta e, sobretudo, no Brasil estãosurgindo pessoas que investem emqualidade e interação para formar em-preendimentos coletivos que flutuamentre a economia solidária (autoges-tão horizontal) e a economia criativa(baseada na propriedade intelectual).A informalidade sustentada pela tec-nologia é um dos fatores que favo-recem a interação entre os agentescoletivos nos domínios da cultura livredigital propagada pela rede distribuí-da. Como podemos observar, o modelocoletivo é sugerido pelas redes derelacionamento (Facebook, Twitter),pelas plataformas digitais de enga-

jamento e cooperação (a exemplo dosite Catarse.me), pelas empresas doramo do crowdfunding (financia-mento coletivo) e pelas ferramentas deedição e compartilhamento de arqui-vos (Google Disco). Discutivelmente,podemos modelar um coletivo utili-zando os pacotes de serviços ofere-cidos pelas mesmas empresas que ten-tam se organizar para tomar a he-gemonia da internet (o controle dodownload).

ConvivênciaContudo, a existência de um espaço

físico que possa ser frequentado pelosintegrantes de um coletivo ou por di-versos coletivos (intercâmbios) é de su-ma importância para o aprimoramentodo conhecimento e para o desenvol-vimento de habilidades generalistas e,principalmente, especializadas. A con-vivência fortalece o senso de perten-cimento ao coletivo (coletivo humani-dade) e pode materializar ideias voláteisque surgem durante as trocas de sabertécnico e criativo, uma vez que o am-biente tende à interdisciplinaridade e àexperimentação poética. Ainda, essa for-ma de organização social incentiva acirculação e o compartilhamento de bense de serviços entre a própria rede, ensinaregras de convivência em grupo e, porfim, alimenta a filosofia e o conhecimento

enciclopédico através de pesquisas e dis-cussões plurais.

Felizmente, modelos de coletivoscriativos surgiram no Espírito Santode forma natural e informal, comoera de se esperar. Aos poucos estãoadquirindo contornos interessantespara a estruturação de empreendi-mentos diferenciados que fortalecema cidadania através de colaboraçõescoordenadas, capazes de cumpriremmetas a priori inatingíveis. Os maio-res obstáculos para esses coletivossão a criação de infraestrutura básicapara concentrarem a produção cul-tural, seguido do fomento à pesquisae do incentivo à formação de em-preendedores. Claro, isso faz maissentido se houver investimento embanda larga para excitar a produçãocultural.

Embora nos últimos anos a políticaassistencialista tenha gerado a opor-tunidade de fomentar a cultura nanova classe média, o marketing cul-tural ainda é uma realidade a sertrabalhada através de parcerias ili-mitadas, troca de serviços e estímuloà criação de novos coletivos, a fim deque seja produzido um fluxo potentede comunicação e informação, tãointenso que poderá reeducar a ati-vidade industrial e, simultaneamen-te, transformar os hábitos da so-ciedade do consumo.

Integrantes do Expurgação na sede do grupo, no Centro de Vitória: existência de espaço físico propicia o senso de pertencimento, fruição de ideias e experimentação poética

Documento:AG15CP004;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 19:34:24

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5PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

15 DE DEZEMBRODE 2012

BENEDITOCD de Jonathan Silva.Gravadora Tratore. 16 faixas.Quanto: R$ 21,90.Disponível no sitewww.tratore.com.br

falando de músicapor TIÃO XARÁ

JONATHAN SILVA, TALENTOREGIONAL E UNIVERSAL

Jonathan Silva, capixaba de Vi-tória, é desses artistas com-pletos que aliam talento mu-sical à veia criativa de com-positor, cantor, intérprete epoeta. Essas virtudes ele mos-

trou em seu primeiro disco, “Neces-sário”, lançado em 1996, e no CD“Benedito” (2008), vencedor do prê-mio Ney Mesquita 2007, concedidopor uma Cooperativa de Música deSão Paulo.

O primeiro disco contou com a di-reção musical e a genialidade do maes-tro Jaceguay Lins, em arranjos como oda música “Farra”, uma das mais belascanções de Jonathan, congo conhecidoe muito cantado (ele registra no dis-co: “Minha mãe não gosta da músicaFarra”). No criativo arranjo, a flauta dáum toque sofisticado ao tradicionalritmo capixaba, do qual o mestre tor-nou-se não apenas um estudioso, comotambém um entusiasta, e muito con-tribuiu para sua divulgação no EspíritoSanto e em outros Estados. No samba“Casquinha de siri”, a flauta faz uminstigante diálogo com a cuíca e dá umtoque especial à música.

Na canção “Farra” está presente umdos traços mais admiráveis da poesia deJonathan, uma mistura de argucio-sidade com pitadas de “subversão”,capaz de transformar o santificado em“profano” com invejável qualidade poé-tica. A letra diz: “Nossa Senhora quan-do ouviu tambor de congo/desceu aPenha/desceu a Penha e caiu na farra”.Talvez resida aí o motivo de sua mãenão gostar. Onde já se viu: a santa cairna “farra”? Licença poética de tamanhabeleza, decerto não será motivo paracastigo no céu, como também não seráa “subversão” que faz quando fala que“São Jorge montado em seu dragão/vo-ou, pousou no chão azul da Barra”.Afinal o Santo Guerreiro luta com odragão e o mata.

Dono de uma voz cativante, Jona-than não tem medo de ousar e essaousadia está presente em duas inter-pretações no disco “Necessário”: “Euquero botar meu bloco na rua”, ondefaz uma releitura do sucesso que pro-jetou o legendário cantor e compositorSérgio Sampaio para o Brasil, com umainterpretação que é tão pessoal quantosofisticada; e o tradicional congo “Iaiá”(cujos versos “Iaiá, você vai à Pe-nha/Me leva ôoo, me leva” são muitoconhecidos dos capixabas), que vira umblues com a maravilhosa gaita de Cezãopontuando o arranjo da canção.

Em seu recente CD, Jonathan segue

seu caminho de compositor e poetatalentoso. A música “Divino Baião”,dele e de Adriane Rivero, fala de um“sonho maluco, o céu era Pernam-buco/Deus dançou maracatu/eu viJesus tocando ‘Pisa na Fulô’/com umpandeiro que comprou na Feira deCaruaru/Eita que sonho manei-ro/Deus era brasileiro/e gostava deforró/Jesus tocava ‘Asa Branca’ nazabumba/e sua mãe cantava ‘Eu sóquero um xodó’...”. E, sem temor deser excomungado, fala que “o Va-ticano é careta/e o capeta é Tom Zé”.Letra e canção são muito belas. Nocomeço é uma balada, que passa serum baião, e quando termina é umcongo. E, para fechar com chave deouro, o final da música é pura poesia:“Eu vou sonhar baixinho pra não acor-dar meu bem/amanhã cedinho vamosviajar de trem”.

OriginalidadeEle também é dono de uma ori-

ginalidade peculiar para trabalhar rit-mos afropercussivos. Esse, aliás, émais um traço do trabalho de Jo-nathan, o de pesquisar ritmos da cul-tura popular brasileira, presente namúsica que abre o disco, “Desatadorados nós”, e em “Jongo de Manuela’. Osfrutos dessa pesquisa se concretizamna leveza da harmonia da viola e darabeca de Filpo Ribeiro – “o inventorde sonoridades” – com a percussão deDani Zulu, em canções como “Cirandapara Janaína” e “Encruzilhada”, e nocongo “São Pedro e São Miguel”, deZilzo Pereira, da tradicional Banda deCongo Amores da Lua, do festejadoMestre Reginaldo Sales. Já a canção“Papel Sulfite” fala das novas tecno-logias, onde o amor se mistura a ex-pressões como “digite”, “delete” e “im-

DIVULGAÇÃO

prima em negrito”.Quando estava ouvindo o CD pela

primeira vez, confesso que senti falta deguitarra. Afinal, cresci ouvindo muitorock, e qual não foi minha surpresa aochegar a “Janaína”, que encerra o disco.Trata-se de uma releitura de seu pri-meiro CD, gravada originalmente comritmo de terreiro e só com o refrão daversão atual, que ganhou uma letra maisextensa. E agora tem um lancinantearranjo de guitarra e uma letra que épura sagácia, ao descrever a astuciosapersonalidade da moça.

Na verdade, não foi uma surpresaouvir a guitarra em seu novo disco; elasó confirmou a diversidade do talentomusical de Jonathan, que, sem dúvida,foi merecedor do prêmio que conquis-tou com “Benedito”. E que o benditoSanto siga abençoando Jonathan esua música!

O cantor capixaba Jonathan Silva (no centro) ao lado da percussionista Dani Zulu e do violeiro Filpo Ribeiro: diversidade de ritmos

Documento:AG15CP005;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 19:06:40

Page 6: Caderno Pensar 2012 - DEZ

7PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

15 DE DEZEMBRODE 2012

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,15 DE DEZEMBRODE 2012

LIVRO RESGATA TRAJETÓRIA DO REVOLUCIONÁRIO QUEUSOU A POESIA E AS ARMAS PARA ENFRENTAR A DITADURA

biografiapor MANINHO PACHECO

MARIGHELLA:GUERRILHEIRODA UTOPIA

Fundador do maior grupo armado de oposição ao regime militar recebeu o apoio de Glauber Rocha e de intelectuais e artistas europeus como Sartre, Miró, Luchino Visconti e Jean-Luc Godard

DIVULGAÇÃO

Norma Bengell caminhanua no alto da Cordi-lheira dos Andes. Como auma hóstia, segura comas mãos a foto de CarlosMarighella. A sequência

jamais aconteceu. Em 1967, o cineastaGlauber Rocha tinha a intenção dedirigir “uma fita radical, violenta, di-vulgando abertamente (e justificando)a criação de diferentes Vietnãs”. Odelirante projeto de filmar a vida doguerrilheiro nunca foi adiante. Paradecepção da musa do Cinema Novo.Bengell apoiava a organização AçãoLibertadora Nacional (ALN), criada porMarighella em 1968, quando ele partepara a luta armada. Glauber chegava acomentar que Bengell e Marighellaeram namorados. Mas isso não existiu.Ainda que a atriz colaborasse regu-larmente com a ALN, escondendo guer-rilheiros e funcionando como contato.Para ela e Glauber, Marighella era umsemideus. Um mito da civilização atlân-tica. Um Che Guevara caboclo. E é esseMarighella que o jornalista Mário Ma-galhães nos detalha em minúcias. Nosdisseca em sua totalidade.

Foram nove anos de pesquisa in-tensa. Cinco dos quais em dedicação

exclusiva. Mais de duas centenas deentrevistas realizadas. Milhares de do-cumentos escarafunchados no Brasil,Uruguai, Cuba, Estados Unidos. Nãofoi tarefa fácil. Marighella não dei-xava pegadas. Driblava fotógrafos. Ahistória oficial, por outro lado, não lhefoi menos condescendente. Pelo con-

trário. Stalinistamente riscou-o dosanais históricos. Nascido quatro anosantes do seu biografado ser fuziladoem São Paulo, Magalhães passou pelosjornais “Tribuna da Imprensa”, “OGlobo”, “O Estado de S. Paulo” e a“Folha de S. Paulo”. Nesse último, em2003, abriu mão de sua confortável e

privilegiada condição de repórter es-pecial para uma notável viagem in-terior na vida do guerrilheiro baiano.Uma vida fascinante.

O mulato baiano era filho de umferreiro italiano e uma negra altanascida nove dias após a Lei Áurea(1888). Maria Rita dos Santos eradescendente direta dos negros da et-nia haussás, vindos do Sudão. Essesnegros escravos tinham intimidadeatávica com a arte de guerrear. Nas-cido em 1911, Marighella incorporoude forma integral esse atavismo. Mo-leque novo e adolescente, domina acapoeira para extravasar essa carac-terística guerreira ancestral. Anosmais tarde, em 1964, já na condiçãode “inimigo público número 1” dopaís, diante do cerco policial montadoem um cinema na Tijuca, Rio deJaneiro, dá vazão a todo seu instintoguerreiro haussás e, mesmo baleado,desfere golpes de exímio capoeiristacontra uma tropa de oito policiaisfortemente armados do temido de-legado Cecil Borer, baiano como ele eanticomunista como poucos.

Mas não eram apenas as pernaságeis daquele corpo de 1,78 metro queele utilizava como arma. Também>

lançava mão das letras. Marighella eraum poeta, sobretudo. E foram os

versos que o fariam conhecer a prisão pelaprimeira vez. Em 1932, escreve um poemacrítico contra o interventor do governo daBahia, Juracy Magalhães, que ordena, emrepresália, seu recolhimento. Solto, na-quele mesmo ano volta à militância po-lítica e transfere-se para o Rio. Quatro anosmais tarde, já organizado nas fileiras doPartido Comunista Brasileiro (PCB), cainas mãos bárbaras do cão de guarda daditaduraVargas,FilintoMüller, e conheceocovarde e pavoroso sabor da tortura. Nãoseria a única vez. Encarcerado por um ano,é solto, mas parte para a clandestinidadeaté voltar a cair nos porões da políciapolítica de Getúlio e, novamente, bar-barizado por Müller e sua matilha desádicos. Em 1945, é anistiado pelo pro-cesso de redemocratização do país e res-pira parcos meses de normalidade, che-gando a eleger-se deputado federal cons-tituinte. Mas normalidade no Brasil da-quela época era um conceito muito vago epor demais relativo. Em menos de doisanos o tempo no país volta a fechar e, comele, o PCB é proscrito. Marighella sóromperia com o Partidão em 1967. Naverdade, foi expulso da cada vez maisreformista (e conformista) agremiação pordefender a necessidade de se pegar emarmas para combater a ditadura.

Sem medoMarighella dizia que em sua tra-

jetória nunca tivera tempo de termedo. Nunca teve. Foi uma trajetóriarica e épica. Que despertava paixões,admiração e respeito. Aqui e no ex-terior. Em 1969, Sartre publicariaseus textos na revista “Les TempsModernes”. O pintor catalão Joan Mi-ró doou para a ALN esboços querenderam à organização mais de US$3 mil. No ano seguinte, o cineastaitaliano Luchino Visconti (então fil-mando “Morte em Veneza”) doou di-nheiro aos marighellistas. Por aqui, otambém ativista informal da ALN,Glauber Rocha, fazia a ponte entreMarighella e guerrilheiros com in-telectuais e artistas europeus.

O cinema, aliás, em boa medidaatravés de Glauber, ofereceu ao guer-rilheiro uma rede solidária efetiva. “OBrasil desperta com Marighella”, es-creveu Glauber ao também cineastacubano Alfredo Guevara, em 1969. Obaiano tinha recém-conquistado aPalma de Ouro de melhor diretor emCannes com “O dragão da maldadecontra o santo guerreiro” quando, porintermédio do colega italiano GianniAmico, conheceu em Roma o advo-gado Itoby Alves Corrêa, da ANL. ComAmico, transformou-se em colabora-dor da organização. Através de Glau-ber (que fez uma participação es-pecial em “O vento do leste”),Jean-Luc Godard destinou verbas da

produção para a ANL.Era preciso dinheiro para se fazer a

Revolução. Após temporada de inten-so treinamento de guerrilha em Cuba,Marighella volta, clandestino, e de-fende, em São Paulo, que a revoltatinha que germinar no campo. Elerompeu dogmas. Ao eleger o campocomo cenário decisivo da revolução,contrariou o status marxista de pro-tagonista da classe operária. Foi além:desprezou a formação de um partidocomo preconizava Lênin. “A ortodoxiaé coisa de religião, e da velha religião”,dizia, sem nunca abrir mão do co-munista que habitava seu ser.

BurguesiaSim, mas tanto no campo quanto na

cidade não se faz revolução sem di-nheiro. E recursos vindos dos inte-lectuais e artistas já não eram maissuficientes. Optou-se por assaltos abancos. A agência do Banco Francês eItaliano, no bairro paulistano da VilaNova Conceição, foi a primeira vítimada “ação expropriatória para levan-tamento de fundos”. Dinheiro “arre-cadado” da burguesia para combater aditadura. Algo como atacar o capi-talismo com o capital. Antes de anun-ciar o assalto, entoou o verso da can-ção “Divino e maravilhoso”, de Cae-tano e Gil, e que já repercutia na vozdoce e jovem de sua conterrânea GalCosta: “É preciso estar atento e forte,não temos tempo de temer a morte”. Ohomem era um poeta, lembre-se.

Caetano e Gil voltariam a se cruzarna biografia de Marighella. Em 1969,antes de partir para o exílio, Caetanogravou um disco com uma única fai-xa, “Alfômega”, composta por Gil.Com um minuto e 32 segundos deduração, a canção incorpora umaclara mensagem ao guerrilheiro. Giltinha uma simpatia pessoal por ele.Caetano nutria pelos combatentesarmados “uma identificação à dis-tância, de caráter romântico”. Anosmais tarde, em seu último trabalhoda trilogia iniciada com “Cê” (2006)e “Zii e Zie” (2009), Caetano lançariaem “Abraçaço” (2012) a belíssimacanção “Um comunista”, em que ho-menageia Carlos. “Vida sem utopia,não entendo que exista”, sintetiza ocompositor baiano a razão de serde seu conterrâneo de armas.

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Carlos Marighella mostra a jornalistas em que parte do corpo foi baleado no cinema

O líder baiano em Fernando de Noronha, ilha onde ficou preso de 1940 a 1942:anistiado três anos depois, chegou a eleger-se deputado federal constituinte

MARIGHELLA - OGUERRILHEIRO QUEINCENDIOU O MUNDOMário Magalhães.Companhia das Letras.784 páginas.Quanto: R$ 56,50.

Documento:Capa_AGazeta_15_12_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_6-7.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Dec de 2012 16:49:29

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,15 DE DEZEMBRODE 2012

+ artigo de capapor MANINHO PACHECO

OS ÚLTIMOS PASSOS DE UM LÍDERJornalista reconstitui noite em que Marighella foi fuzilado pela polícia, numa ação queenfraqueceu os grupos armados urbanos que se organizavam para desestabilizar o regime

DIVULGAÇÃO

No alto, Alameda Casa Branca (SP) apósa morte de Marighella em 1969; ao lado,o comunista em depoimento no DOPS;acima, Oscar Niemeyer e Jorge Amado,que fizeram homenagens ao guerrilheiro

Aorganização armada AçãoLibertadora Nacional(ALN), criada por CarlosMarighella, sangrava na-quele 4 de novembro de1969. Sobretudo em São

Paulo, onde o guerrilheiro se encon-trava. Ele amava as mulheres em geral e,em especial, sua companheira ClaraCharf, a quem devotava amor extremo.A última noite vivo do Che Guevaramulato foi envolto em seus braços. Ela ochamava de “menino”. O delegado car-niceiro do Dops, Sérgio Fernando Pa-ranhos Fleury, de “o bicho”. O “bicho” foiliquidado por Fleury e seus meganhasnuma tocaia meticulosamente arqui-tetada no centro de São Paulo. Presodias antes, seu amigo, o militante daALN e frei dominicano Tito de AlencarLima, foi obrigado a combinar um en-contro com Marighella. Era a “ratoeira”.Na noite daquele dia 4, os operadores daratoeira pegam o “rato” e o fuzilaram.Marighella estava desarmado, comosempre esteve. “Mataram meu menino”,desesperou-se Clara Charf, assim quetomou conhecimento da fuzilaria.

Os grupos armados urbanos, que aprincípio deram a impressão de de-sestabilizar o regime com suas açõesespetaculares, declinaram e praticamen-te desapareceram após a morte de Ma-righella. A utopia foi grande e a re-pressão, eficaz. Um a um, os jovens queapostaram em um sonho foram caindo.Destroçado pela tortura, o frei domi-nicano Tito saiu do Brasil em 1970,trocado pelo embaixador suíço seques-trado, e se matou quatro anos maistarde, enforcado. Deixou um bilhete emque dizia: “Quando secar o rio da minhainfância, secará toda a dor”. Líder doPCBR, Mário Alves caiu logo após amorte de Marighella. Em 1971, foi a vezde Lamarca, no sertão baiano. A re-pressão exterminaria, ainda, quase to-dos os membros do Comitê Central doPCB, entre 1974 e 1975. Restou um focode guerrilha rural que o PC do B co-meçou a instalar em uma região ba-nhada pelo Rio Araguaia, mas que em1975 foi brutalmente derrotada. A di-tadura saiu de cena em 1985, 21 anosdepois de instaurada. Além de cometeratrocidades contra a democracia e osdireitos humanos, deixou o saldo de aomenos 396 mortos e “desaparecidos”

por motivos políticos.O PCB de Marighella foi na esquerda

brasileira quem mais sofreu os impactos danova ordem internacional. Em 1979, omais importante dirigente comunista dahistória do Brasil, Luiz Carlos Prestes,

desembarca do longo exílio para aban-donar o Partido no ano seguinte. Dez anosmais tarde a esquerda assiste, incrédula, àqueda do Muro de Berlim. Dois anosdepois, a débâcle da União Soviética. Em1992, o 9° Congresso do Partido Co-

munista Brasileiro abriu mão de seus dog-mas e ícones históricos e aprovou a fun-dação do Partido Popular Socialista (PPS).Era o fim do PCB ao qual o guerrilheirobaiano dedicou sua vida e morte.

O país ainda estava sob as nuvens daditadura quando, em 1979, o corpo doguerrilheiro volta para sua Bahia natal.No cemitério Quinta dos Lázaros, emSalvador, o arquiteto Oscar Niemeyerdesenhou-o na lápide com um braçoerguido, cinco balas no peito e a inscrição:“Não tive tempo para ter medo”.

MensagemDe Jorge Amado veio a mensagem:“Chegas de longa caminhada a este

teu chão natal, território de tua infância eadolescência. Vens de um silêncio de dezanos, de um tempo vazio, quando houveespaço e eco apenas para a mentira e anegação. Quando te vestiram de lama esangue, quando pretenderam te mar-car com o estigma da infâmia, quandopretenderam enterrar na maldição tuamemória e teu nome. Para que jamais se

soubesse da verdade de tua gesta, dagrandeza de tua saga, do humanismoque comandou tua vida e tua morte.Trancaram as portas e as janelas para queninguém percebesse tua sombra erguida,nem ouvisse tua voz, teu grito de pro-testo. Para que não frutificasses, nãopudesses ser alento e esperança. De nadaadiantou tanta vileza, não passou detentativa vã e malograda, pois aqui estásinteiro e límpido. Atravessaste a inter-minável noite da mentira e do medo edesembarcas na aurora da Bahia. Aquiestás e todos te reconhecem como foste eserás para sempre: incorruptível bra-sileiro, um moço baiano de riso jovial ecoração ardente. Aqui estás entre teusamigos e entre os que são tua carne e teusangue. Vieram te receber e conversarcontigo, ouvir tua voz e sentir teu co-ração. Tua luta foi contra a fome e amiséria, sonhavas com a fartura e aalegria, amavas a vida, o ser humano, aliberdade. Aqui estás, plantado em teuchão e frutificarás. Não tiveste tempopara ter medo, venceste o tempo domedo e do desespero”.

Os restos mortais de Carlos Ma-righella foram sepultados no dia 10 dedezembro de 1979. Dia Universaldos Direitos do Homem.

FOLHAPRESS

Documento:AG15CP008;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 19:30:03

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9PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

15 DE DEZEMBRODE 2012

poesias

CULINÁRIAANTIGAFERNANDO ACHIAMÉTu que tens a ilusãode tudo dominar, humilha-te.Do trigo fazes pão e da uva, vinho.Conservas o leite por mais tempo,ao transformá-lo em queijo.Em um animal juntas carnee o chamas carneiro.No boi reúnes mais carne,por gostares muito dela.Da mandioca brava tiras a farinha:do mal arrancas algum bem.Mas por que cultivas o horror?Ele sempre integra tua história, ohorror.

Subjuga-te, tu que convertes em açoo ferro e o carvão.Eles sumirão, se os dissipares.Nada substitui o original,até no mundo dos minérios.E é bom mesmo conservaressementes em abrigos seguros:se morrerem os germens das batatas,todas elas acabarão.Também entre os vegetais,nada substitui o original.

Ajoelha-te, tu que pouco a poucoconheces as leis da naturezaapenas para obedecer a elas.Nenhuma tu crias ou revogas.E és desobediente por natureza.Para teu bel-prazer, queres tudoamestrar.Tens animais em cativeiro pararepasto teu,mas esqueces: eles não te pertencem.No reino onde existem,nada substitui o original.

Ó povo rude, curva-te.Domaste poucas aves dos céus.Submeteste alguns seres das águas.Selecionaste bichos e plantaspara te servirem assim ou assado.Erras se pensas que éso topo da cadeia alimentar.Acima tem outra besta-feraque de ti se nutre:tu mesmo, em teus desvarios.Nada substitui o original.Nem novos pecados.

Levanta o rosto para responder:Quem te sujeita?Quem te amansa, infeliz?( )E aí? Continuas mudo?Guardas a boca somente para comero feijão com arroz de todo dia?Isso até evitaria muita desavença...Até quando produzirás o horror?

Verga-te então sob tua própriapequenez.Nada domesticaste, nem sequer a ti.E entre borboletas feitascom pão de forma e manteiga,igual a Lagarta interrogando Alice,continuas a te perguntar:– Quem és tu?

crônicas

O PÉ DO LIXO E ASENGRENAGENS DO TEMPOpor CAÊ GUIMARÃES

As engrenagens do tempo se movem emcompassos de 60 bits que formam ominuto, a hora, o dia. Assim, bit após bit,os anos passam, a vida passa, o au-tomóvel corre e a lembrança morre. Masnem sempre. Na verdade a lembrançaestá no ar, se infiltra nos dentes daengrenagem e só morre se a deixarmosmorrer, por inanição intelectiva, de-sinteresse ou preguiça.

Gratas lembranças se avizinhavamnaquela noite de novembro. O ani-versário da querida Sandra Vasconcelosera promessa de reencontrar bons evelhos amigos e amigas. E também aoportunidade de ouvir, após anos deseparação, uma das melhores bandasque já surgiram nas terras de Arariboia.O Pé do Lixo.

Na faixa dos 40 anos, estavam quasetodos lá, exceção a Cidinho Travaglia, que

mora na África, e Marcelo Trifin. Algunscom cabelos brancos. Outros com poucoscabelos. Todos com a mesma energia dosanos 90 e 00 desse doido e doído séculoXXI. Mesma energia? Sim e não. É que asengrenagens do tempo amalgamam econdensam alguns elementos intangíveisenquanto matéria, mas mensuráveis, poisque voláteis.

A maturidade afinou a fornalha acesado Pé do Lixo. Havia alegria estampadaem cada músico e na plateia que dançouao som da guitarra noise de SandroBraga, os baixos sincopados e revezadosde Claudio Gracio e Rafael Nader, abateria pulsante de Claudio Manga, aspercussões em traquitanas recicladas deRafael Jabah e Marco Sting, e a per-formance, sozinhos e em dupla, de An-derson Bacana e Reginaldo Secundo.Creio que havia na cabeça desses jovens

quarentões a certeza de que um ciclo sefechou para que outro inicie. Como creemos Maias, arautos do fim do mundo. Comocrê a lua, quando muda e fica nua.

Duas semanas depois, meu amigoGustavo Grilo – que se tornou em-presário da banda em outra volta dotempo – avisa: “Eles vão tocar de novo,no Pub em Reforma”. Partimos para lá.A segunda apresentação foi ainda me-lhor. Performance, poesia, percussão,cultura de rua. Sangue e suingue noasfalto quente. Canções eternas. Pontescom o passado recente e o futuro. Paranossa alegria. E reflexão.

PS 1: uma amiga de 20 e poucos anosestava na plateia e se surpreendeu com aqualidade do Pé do Lixo. Doido pensar quefoi ontem que a banda deu um tempo.Como estamos construindo, se é que es-tamos, as tais engrenagens da memória?

PS2: em meio a tanta polêmica cer-cando o programa Rede de CulturaJovem, do Sincades, vamos cobrar paraque tudo se esclareça com transpa-rência. E que criem em breve a Rede deCultura Madura. Artistas como os mú-sicos do Pé do Lixo agradecerão. E opúblico também.

FIM DO MUNDO?por ANDRA VALLADARES

Eis que nos aproximamos perigosamentedo dia 21 de dezembro de 2012, último diado Calendário Maia, o que para algunssignifica o prenúncio do fim dos tempos.

As previsões de catástrofes são as maisvariadas, alguns dizem que um tal “Pla-neta X”, quatro vezes maior que a Terra,estaria em rota de colisão conosco. Noentanto, não existe nenhuma evidênciade que tal fato esteja ocorrendo.

Outros dizem que uma “tempestadesolar” causaria o estrago. Contudo, nãohá nenhuma previsão para tal ocor-rência neste mês, sendo certo que emmarço deste ano tivemos uma tem-pestade solar que em praticamente na-da nos importunou.

Outros dizem que haveria o tal “ali-nhamento dos planetas” que geraria umamudança catastrófica nas marés, masisso foi desmentido pelos cientistas.

A última teoria do fim do mundopode até acontecer; trata-se da “in-

versão nos polos magnéticos do pla-neta”, mas, caso ocorra, levará algumascentenas de milhões de anos...

Em suma, os alarmistas querem dequalquer maneira decretar nosso fim, ecatástrofes grandiosas, cinematográfi-cas, dão muito ibope. Então, andaramespalhando por aí que acontecerá “algo”neste mês de dezembro que causará aextinção em massa no nosso planeta.

Entretanto, ainda não será desta vez...Não creio que nosso fim será assim tãocerto e rápido. Estamos sim a caminho dofim do mundo, por atos pequenos que jánem percebemos e com os quais não nospreocupamos. Atos individuais que pra-ticamos diariamente, uma “torturazinha”aqui e outra ali contra a natureza, tãosubjugada à nossa exploração e uso.

A mãe-natureza, que nos primórdiosda humanidade já foi deusa, cultuada evalorizada, hoje é escrava, usada, abu-sada, comprada, vendida, violentada,

torturada, espancada...Sim, vítima de violência praticada por

todos nós, seres humanos “evoluídos”,sem excluir ninguém... Contra ela sãocometidas bilhões e bilhões de violênciasdiárias e não seremos nós que pagaremosessa “conta” incalculável, a cada dia tãoalta que nem podemos imaginar. Dei-xaremos essa “continha” como herançaàs gerações futuras: um mundo imundo,podre, pobre, findo.

Gostaria que todos vissem e ou-vissem, ainda este ano, época em que jápodemos começar a agir, “Um Índio”.Aquele índio da música de Caetano,que descerá das estrelas para nos mos-trar tudo que já sabemos, mas nosrecusamos a enxergar – o óbvio.

Que seja o ano de 2012 o fim de umciclo de destruição e morte lenta doplaneta e o início de uma Nova Era quefaça renascer das cinzas o Índio quemora em cada um de nós.

Documento:AG15CP009;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 18:53:59

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11PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

15 DE DEZEMBRODE 2012

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,15 DE DEZEMBRODE 2012

músicapor CAMILO CEOLIN

O HOMEM QUEFEZ O JAZZ SORRIR

Nos anos 1940, em plenaSegunda Guerra Mundial,uma nova bomba atômicaexplodia, agora em NovaYork. Liderado por CharlieParker e Dizzy Gillespie, o

bebop revolucionava o jazz com seuestilo de fraseados flamejantes, intensose velozes, estabelecendo um novo pa-drão dali em diante: jazz era a músicados músicos e não música para dançar,como o pessoal do swing insistia.

Do outro lado da América, na Ca-lifórnia, uma juventude branca e uni-versitária, mais afeita à brisa do mar e aoclima mais tropical da Costa Leste, estavamais interessada num estilo de jazz queestava ganhando corpo com o cool jazz deMiles Davis, que estava mais interessadono “clima”, melodia e lirismo da música. Equem era essa turma? Alguns dos maisconhecidos do estilo, então batizado dewest coast jazz, eram Gerry Mulligan, ChetBaker, Paul Desmond e o magnífico pia-nista Dave Brubeck, que infelizmente aca-bou de nos deixar.

Várias justas homenagens foram pres-tadas a Brubeck nos últimos dias por causado seu falecimento. Ele foi um grande erevolucionário inovador do jazz por ex-plorar ritmos e tonalidades diferentes quevariavam durante a execução de suasmúsicas. Foi o uso da polirritmia e dapolitonalidade em temas deliciosos que fezde Brubeck um gigante.

O maior exemplo disso está na suaobra-prima “Time Out”, de 1959. Comuma linda capa assinada por Neil Fujita (enão pelo espanhol Miró, como muito sedisse nesses últimos dias), “Time Out”possui clássicos como “Take Five” e “BlueRondo a la Turk”, dois dos maiores exem-plos do seu legado. Duvido que alguémque tenha o hábito de ir ouvir jazz naCurva da Jurema às segundas-feiras nãotenha ouvido esses temas.

Essas músicas fugiram da forma tra-dicional de execução no ritmo em 4/4 einovaram com sua polirritmia, que ia damétrica em 5/4 de “Take Five” ou em 9/8de “Blue Rondo a la Turk”, além devariações rítmicas e tonais dentro do pró-prio tema. Não foi Brubeck quem inventoua polirritmia no jazz, mas ele a levou aléme deu cores líricas que ninguém tinha dadoaté então. Isso sem se esquecer da tra-

dição: no meio de “Blue Rondo a la Turk”tudo volta para o tradicional 4/4. Brubeckdisse, já nos anos 1990, que nunca secansava de explorar a politonalidade e apolirritmia, pois estava nessa missão desdeos anos 1940. “Cinquenta anos depoisainda é um desafio o que pode ser feitoapenas com esses dois elementos”, disse.

Não dá pra deixar de lembrar queBrubeck tocou em Vitória em 1978, na

DIVULGAÇÃO

Dave Brubeck, que morreu neste mês, aos 91 anos, inovou o gênero musical americanoao explorar ritmos e tonalidades diferentes durante suas execuções, aponta pesquisador

Ufes. Há relatos de que a nata do jazzcapixaba estava lá representada por gentedo gabarito de Afonso Abreu, MarienCalixte e Luiz Paixão. Infelizmente o mú-sico não veio mais aqui nesta terra tropicalque lembra, ainda que só pelas praias, oberço do west coast jazz.

Brubeck deixou uma obra relevante efundamental na história do jazz. Foi oprimeiro músico de jazz a vender mais de

um milhão de cópias de um disco (“TimeOut”) e a estampar a capa da revista“Time” americana. Reza a lenda de quequem deveria estampar a capa daquelaedição era Duke Ellington, que por sua vezse hospedava no mesmo hotel onde estavaBrubeck quando saiu a publicação. Ele nãose conteve e foi até o quarto de Ellingtondizer: “Essa capa era pra ser sua”.Ellington, com a sua costumeira ele-

gância, retrucou com um singelo sor-riso: “Você merece”.

Ambos sabiam que a escolha da “Time”por Brubeck tinha uma conotação racista,daí a predileção por um artista branco.Porém, Ellington sabia também do respeitoque Brubeck tinha pelos negros, daí porquenão alimentar nenhuma rixa. Filho defazendeiro, Brubeck desistiu desse ofício aover negros serem açoitados nas fazendasvizinhas, ainda que seu pai não fosseadepto dessa prática. Num episódio mar-cante de sua juventude, ele chorou quandoviu um negro e seu pai pediu para queaquele trabalhador retirasse a sua camisa,mostrando as cicatrizes de chibata quetrazia no peito. “Essas coisas não podemacontecer”, disse Brubeck às lágrimas.

Ellington sabia que quando Brubeck

serviu ao Exército na Segunda Guerra, eleformou uma banda multirracial (fatoraro) de jazz para alegrar os soldados elevar um pouco de liberdade em temposde guerra contra o nazifascismo. Ao voltarda guerra, Brubeck declarava aberta-mente a sua decepção com o povo ame-ricano que insistia em segregar aquelessoldados negros que arriscaram as suasvidas pela liberdade do mundo. Essesepisódios fizeram de Brubeck mais do queum músico, um homem respeitado entreos seus pares.

Um músico sensacional, que revo-lucionou a mais bela forma de arteproduzida pelos seus irmãos negros: ojazz. Dave Brubeck merece todas ashomenagens do mundo. Ao invés deum minuto de silêncio, TAKE FIVE!

O pianista em piloto de programa de TV em 1965: primeiro músico de jazz a vender mais de um milhão de cópias de um disco

DIVULGAÇÃO

Brubeck obteve o respeito dos músicos negros ao montar bandas multirraciais

O dia em que Brubeckesteve em GuarapariPOR ROGÉRIO COIMBRA

Opoderoso Dave Brubeck es-teve em Guarapari na com-panhia de seus filhos Da-rius, Chris e Dan. Corria oano de 1978 e o motivo deestarem tão longe de casa

era a excursão que faziam pelo Brasilagenciada pela empresária Gabi Labi, cujoescritório ainda se encontra em plena ati-vidade no Rio de Janeiro. Vitória foi umadas capitais eleitas para receber um dosnomes mais conhecidos do jazz. A extintaFundação Cultural, presidida por MarienCalixte, assumiu a produção do evento euma de suas providências foi hospedar oilustre grupo no Hotel Porto do Sol deGuarapari.

Na Fundação Cultural, a equipe en-carregada desses grandes eventos à épocaéramos eu, Afonso Abreu, Maurício Silva ea dupla Xavier e Coutinho, dois técnicosegressos da Rádio Espírito Santo, entãolotados no Teatro Carlos Gomes. Aliás, oCarlos Gomes fornecia a maioria das fer-ramentas, humanas e materiais, para osshows externos. Decidimos realizar o showno Ginásio de Esportes da Ufes, preterindoo singelo palco italiano da praça CostaPereira. Por que não? Lá, meses antes,havíamos lotado o ginásio universitáriocom o show de Art Blakey & Jazz Mes-sengers, e o nome de Brubeck era muitomais conhecido, assim como o tema “TakeFive”. Chamamos o espetáculo de “JazzU.S.A.” e o cartaz fazia uma alusão àbandeira norte-americana.

Era uma tarefa hercúlea armar umaestrutura de espetáculo naquele tempo, 35anos atrás. O palco era de madeira, criadocom prego, martelo e tinta. A iluminaçãoconsistia dos velhos canhões do CarlosGomes e algumas gelatinas; o som, ah!, osom, era padrão PLM (Paulo, Luiz e MárioAlves), empresa até hoje atuante, surgidaem Vitória na década de 1950. No entanto,tudo se resolvia quando a dupla Xavier eCoutinho predispunha-se a colaborar. Eainda havia a preocupação de manter omajestoso Steinway & Sons afinadinho.

Depois de tudo, horas antes do espetáculo,era a vez da visita dos músicos para afinaro som e a luz.

Dave Brubeck, das mãos delicadas aopiano dos velhos LPs, chegou com acostumeira onda de calor da tarde docampus universitário após um almoçochinês. Sua presença não era exatamente ade um Dalai Lama, nem de um simpáticosenador da República do Jazz; aparentavana verdade ser um chefe do Estado-maiorinspecionando as frentes de batalha deregiões ocupadas culturalmente pelo jazz.Pobres de nós. Sua sisudez e mau humorrepreendia em todos ritmos as flagrantesdeficiências capixabas; parecíamos con-denados a ouvir para o resto de nossasvidas todos os discos de Waldir Calmon eClebanoff. Não fosse o deboche e bomhumor da dupla Xavier e Coutinho, parasuperar tamanha censura, ainda lá es-taríamos boquiabertos.

Mas o show tinha que acontecer. Oginásio não encheu e o médio públicopresente não se entusiasmou muito comaqueles garotos com enormes cabeleirasnem com os instrumentos elétricos. Ha-via um ressentimento em não se iden-tificar os conhecidos temas do antigoDave Brubeck Quartet. E bateu a sau-dade do som imaculado de Paul Des-mond, falecido naquele ano.

Resignados, ficamos a ouvir uma novamúsica, surpreendente, inovadora, com ocomandante orgulhoso em dividir o palcocom seus filhos e compartilhar aquele somcom a marca de sua genial criatividade.Mas era novidade demais. O antigo quar-teto de Brubeck não atuava mais, e noginásio não era aquele conjunto que con-quistou um público surpreendente e capazdevendermilharesdediscos,aqueleantigoquarteto de “Take Five”, um tema com-posto por Desmond. Mas olhos e ouvidosestavam atentos a toda movimentação nopalco. O tempo corria, a música passava. Euma inevitávelperguntacirculoudentrodenós naquele momento: o sucesso do DaveBrubeck Quartet seria o mesmo sem oangelical Paul Desmond?>

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ACERVO LUIZ PAIXÃO

Capa de disco raro autografado pelo músico para o colecionador Luiz Paixão; ao lado,matéria de A GAZETA sobre o show do pianista no Estado em 28 de março de 1978

Documento:Capa_AGazeta_15_12_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_10-11.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Dec de 2012 16:49:51

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,15 DE DEZEMBRODE 2012

artes cênicaspor SAULO RIBEIRO

O DESPERTAR DONOSSO TEATROEspecialista comenta o profissionalismo e a qualidade artística do espetáculo “Insone”,do Grupo Z, selecionado para circular pelo Brasil em 2013 dentro do Palco Giratório Sesc

DIVULGAÇÃO

Na estrada desde 1996, oGrupo Z de Teatro sem-pre buscou se expressarem espetáculos univer-sais, explorando diversaslinguagens e o trabalho

coletivo dos integrantes, dando ao cor-po e à dramaturgia própria um lugar dedestaque em suas pesquisas e peças.

Vi o grupo pela primeira vez quandofaziam uma peça de rua. O ano, 2000 ou2001. “Etc & Tal” era um espetáculovibrante e jovem. A forma como o Z usavaa rua era quase cinematográfica e en-cantava a todos. Depois dessa peça, vi o Zfazer de tudo nos mais diversos espaços eutilizando-sedasmaisvariadas linguagens.Um grupo de teatro buscando coerência,mas sem medo algum do novo. Coisa rara.É mais comum vermos um grupo ter umacoisa ou a outra. E, na maior parte dasvezes, nem uma coisa e nem a outra.

O caminho percorrido pelo Z desde suafundação receberá um grande e merecidoincentivo em 2013. Uma de suas peças foiselecionada para compor a programação

do Palco Giratório do Sesc, permitindo aogrupo circular nacionalmente, rompendoas barreiras do Espírito Santo.

O Palco Giratório é uma marcanteiniciativa cultural que o Sesc mantémdesde 1998, tornando-se uma referên-cia nacional no que tange ao mapea-mento e à difusão dos trabalhos deteatro, dança e circo do país. Os gruposselecionados têm seu trabalho ampla-mente divulgado por diversos Estados.

No caso do teatro, a seleção dos es-petáculos do Palco Giratório busca abran-ger um recorte da diversidade da produçãonacional, ou seja, do que vem sendorealizado nas várias regiões do Brasil.

A integração com os grupos de cadaEstadoporondeos selecionadoscirculaméprovocada através de debates, intercâm-bios e oficinas, que permitem conhecermelhor o que foi apresentado e fomentama reflexão sobre problemas comuns aosgrupos, soluções e novos projetos.

Além de permitir a integração comoutros criadores, o projeto também pro-move a interação com o público, in-

centivando seu acesso não apenas aosespetáculos, mas também a atividadesde formação e debate.

A seleção para integrar o Palco Gi-ratório é bastante rigorosa, passandopor várias instâncias até chegar ao re-sultado. Nenhum espetáculo do EspíritoSanto havia conseguido compor a pro-gramação antes, embora tenhamos che-gado perto algumas vezes.

Comissão nacionalA peça do Grupo Z escolhida foi “In-

sone”, belo trabalho de dança-teatro queestreou em 2011. Ela vai se juntar a outros16 espetáculos escolhidos pela comissãonacional do Sesc e por mais dois con-vidados. Estes 18 espetáculos cumprirãouma maratona de apresentações e ati-vidades em diversas cidades em 2013.

“Insone” tem como cenário um enormecolchão onde quatro intérpretes vivem odesespero da noite se esvaindo sem avinda do sono. O colchão e os figurinossão brancos. O espectador tem à sua

frente uma paisagem clara, insuporta-velmente branca. Corpos movimentam-sebuscando conforto ou visitando cada tor-mento, preocupação, barulho e dor, umlabirinto de insones. Muitas tormentasestão lá. A mãe que não dorme pelo chorodo filho, o homem preocupado com ofuturo incerto, as pequenas coisas do dia,frases e palavras que se repetem dentro denós. Há engarrafamentos, e as luzes e avelocidade das coisas fazem do sono algoum tanto escasso, às vezes banido.

A escolha de “Insone” para o PalcoGiratório é de grande importância para omovimento teatral do Espírito Santo. Éum espetáculo que tem seriedade e qua-lidade para nos representar, além devalorizar um efetivo que está na estradahá muito tempo, lutando para consolidaruma estética coerente. O nosso teatro émarcado por grande diversidade, mastemos poucos grupos produzindo real-mente trabalhos de pesquisa, situaçãoque precisa mudar. Esta conquista doGrupo Z de Teatro é um alento aosque nadam contra a corrente.

Na peça, que estreou em 2011, quatro intérpretes vivem o desespero da noite se esvaindo sem a vinda do sono, com figurinos brancos e um colchão como cenário

INSONEEspetáculo do Grupo Z deTeatro. Apresentação napróxima segunda-feira, nasede dos grupos Repertórioe Z. Rua Professor Baltazar,152, Centro, Vitória. Entradafranca. Informações:(27) 9936-1123.

Documento:AG15CP012;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:13 de Dec de 2012 19:44:39