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Cadernos de ética em pesquisa - Número 13

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Índice

EditorialComposição e sistemática ............................................. 3Por William Saad Hossne

DúvidasA CONEP responde ...................................................... 6Por William Saad Hossne

DepoimentoA trajetória do CEP do Instituto Fernandes Figueira .......... 11Por Márcia Cassimiro e Juan Llerena Jr.

EntrevistaJosé Eduardo de Siqueira ............................................. 15Por Andrea Doré

Giovanni Berlinguer .................................................... 18Por Andrea Doré

Em debateO caminho da aproximação .......................................... 20Por Paulo Henrique de Castro e Faria

A linguagem como veículo da Ética ..................................... 23Por Alejandra Rotania

Autonomia para todos ................................................ 24Por Marco Segre

“Carta a uma jovem cientista” ...................................... 25Por Maria Leda de Resende Dantas

LivrosPublicações em destaque ............................................ 26

OpiniãoPesquisa médica e tecnológia ....................................... 28Por Jacob Kligerman

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D e acordo com o item VIII daResolução n.º 196/96, do

Composição e sistemática

CNS, a Comissão Nacional de Éti-ca em Pesquisa (CONEP) é uma“instância colegiada, de naturezaconsultiva, deliberativa, normativa,educativa, independente, vinculadaao Conselho Nacional de Saúde”.A Comissão tem composição multie transdisciplinar, é composta por 13(treze) membros titulares e seus res-pectivos suplentes (item VIII.1), sen-do 5 (cinco) deles personalidadesdestacadas no campo da ética na pes-quisa e na saúde e 8 (oito) persona-lidades nos campos teológico, jurí-dico e outros, assegurando-se quepelo menos 1 (um) seja da área dagestão da saúde – no caso, indicadopelo Departamento de Ciência eTecnologia em Saúde do Ministérioda Saúde (DECIT).

Os mandatos dos membros daCONEP são de 4 anos, e a cada 2anos expiram os mandatos de 6 ou7 membros. Em setembro de 2003expirou o mandato de 7 membrostitulares e 8 membros suplentes (uma mais, por falecimento). A seleçãodos membros titulares e suplentes éatribuição exclusiva do Conselho Na-cional de Saúde. Para a seleção, deacordo com o disposto no itemVIII.2 da Resolução n.º 196/96,cada Comitê de Ética em Pesquisa(CEP), devidamente registrado,pode indicar duas personalidadesque preencham as características re-feridas (item VIII.1).

Assinale-se que os CEPs sãocolegiados cuja organização e cria-

Editorial

Por William Saad Hossne

William Saad Hossneé professor, médico,

pesquisador, membrodo Conselho Nacional

de Saúde (CNS) ecoordenador da

Comissão Nacional deÉtica em Pesquisa

(CONEP).

ção são de competência da institui-ção; contudo, deve incluir a partici-pação de profissionais das áreas dasaúde, das ciências exatas, sociais ehumanas, incluindo, por exemplo,juristas, teólogos, sociólogos, filóso-fos, bioeticistas e, pelo menos, ummembro da sociedade, este repre-sentando os usuários da instituição.Muito embora a composição de cadaCEP seja definida a critério da insti-tuição, pelo menos a metade dosmembros deve ser de pessoas comexperiências em pesquisa, eleitospelos seus países. Considera-se, por-tanto, que os CEPs têm legitimida-de e credenciais suficientes para aadequada e criteriosa indicação denomes para compor a CONEP.

Em 10 de julho de 2003, aCONEP solicitou a todos os CEPsas devidas indicações, acompanha-das de currículo do indicado, comprazo de recebimento até 22 deagosto desse mesmo ano. Foramrecebidas indicações de 192 nomes,dentre as seguintes áreas: adminis-tração de empresas, advocacia, as-sistência social, biologia, biome-dicina, bioquímica, ciências contá-beis, ciências sociais, comunicaçãosocial, educação física, enfermagem,engenharia civil, engenharia elétri-ca, farmácia, filosofia, teologia, físi-ca, fisioterapia, fonoaudiologia, his-tória natural, lingüística, magistério,matemática, medicina, nutrição,odontologia, psicologia, proces-samento de dados, sociologia ezootecnia, incluindo representaçãodos usuários.

Cadernosde Ética em 3Pesquisa

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Em seguida, o Conselho Nacio-nal de Saúde designou uma comis-são especial para proceder à análisepreliminar das indicações. Com baseem tais subsídios, o CNS, de acor-do com as normas da Resolução n.º196/96, indicou 4 membros titula-res (um médico, um farmacêutico/farmacólogo, um teólogo/filósofo eum sociólogo, este representante dosusuários) e 5 membros suplentes(um médico, um filósofo, um teólo-go/filósofo, um assistente social eum matemático, este representantedos usuários). Os outros membrosforam escolhidos por sorteio, obe-decendo estritamente à relação denomes encaminhados pelos CEPs.

Para assegurar a multi e a trans-disciplinaridade da composição, osorteio se processou dentro de áreasespecíficas ou de acordo com a for-mação profissional e acadêmica dosindicados, respeitando-se a represen-tação dos usuários. O processo dosorteio é orientado conforme duasdiretrizes básicas:

a) só podem ser incluídos no-mes indicados por CEPs que se en-

quadrem no perfil já referido; eb) deve ser assegurada a multi-

disciplinaridade na composição.Assim, foram escolhidos por sor-

teio apenas nomes de personalida-des indicadas pelos CEPs dentro dasáreas específicas. Ao final, a com-posição da CONEP ficou a seguin-te: membros titulares – cinco médi-cos (38%), um jurista, um sociólogo(representante dos usuários), um fi-lósofo/teólogo, um farmacêutico/farmacólogo, um odontólogo, umenfermeiro, um psicólogo e um bió-logo. Membros suplentes – cincomédicos (dentre estes, um médico/advogado e um médico veterinário),um matemático (representante dosusuários), um assistente social, umgeógrafo, um auxiliar de enferma-gem (representante dos usuários),um estaticista, um teólogo/filósofo,um lingüista/filósofo e um teólogo.

Vale enfatizar que os novos mem-bros, sejam os de indicação direta,sejam os escolhidos por sorteio, fi-guravam nas listas de personalida-des consideradas como destacadasno campo da ética na pesquisa e na

saúde ou com destacada atuação nocampo das ciências humanas e so-ciais. É interessante assinalar aindaque o sistema CONEP/CEP con-ta com aproximadamente 400 co-mitês institucionais. São cerca de5.000 pessoas de diferentes áreas par-ticipando diretamente do processode avaliação dos projetos de pesqui-sa envolvendo seres humanos.

Quando se analisa a composiçãodos CEPs segundo a profissão ou aárea de formação dos membros,verifica-se que o maior número é demédicos, constituindo, porém, me-nos da metade (31% dos membros);os demais são personalidades dasáreas de ciências humanas e sociaise outros profissionais da saúde, o queassegura a multidisciplinaridade,como ocorre também na CONEP.

De acordo com a Resolução n.º196/96, tanto a CONEP comoos CEPs podem contar com as-sessoria ad hoc sempre que neces-sário. Nesse sentido, estão regis-trados na CONEP os nomes de330 especialistas que atuam comoassessores ad hoc.

Cadernos4 de Ética em

Pesquisa

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Composição atual da CONEP

Sueli Gandolfi Dallari – Jurista, Co-ordenadora do Curso de Especializa-ção em Direito Sanitário da Faculda-de de Saúde Pública da USP.Marco Segre – Médico – Prof. deMedicina Legal e Ética Médica da Fa-culdade de Medicina da USP, Mem-bro da Comissão de Bioética doHCFMUSP.César Pinheiro Jacoby – Médico eGeneticista. Membro do Dep. de Ci-ência e Tecnologia (Decit), da Secre-taria de Ciência, Tecnologia e Insumos

Estratégicos (SCTIE). Representantedos Gestores Federais em Saúde.Alejandra Rotania – Socióloga, Repre-sentante dos Usuários e integrantedo Centro Ser Mulher.*William Saad Hossne – Médico, Pro-fessor Emérito de Cirurgia e de Bioéticada Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP – Professor “honoris causa” pelaUnB, Fundador da Sociedade Brasileirade Bioética, Conselheiro do ConselhoNacional de Saúde.*Anacleto Luiz Gapski – Sacerdote

Franciscano – Universidade Federalde São Paulo/UNIFESP, Membro doCEP da UNIFESP.*Pedro Luiz Rosalen – Farmacêuti-co, Doutor em Farmacologia/UNICAMP, pós-doutorado emCariologia – Universidade deRochester (EUA), Professor Livre-Do-cente e Titular de Farmacologia da Fa-culdade de Odontologia de Piracicaba– UNICAMP, Membro da Comissãode Odontologia da CAPES, Membrodo CEP/UNIMEP.

*Fermin Roland Schram – Lingüis-ta – mestrado em Semiologia pelaEHESS/Paris, doutorado em SaúdePública pela ENSP, pós-doutorado emBioética pela Universidade do Chile,Professor da ENSP/FundaçãoOswaldo Cruz – RJ, Ex-Coordenadordo CEP da instituição.Sônia Vieira – Estaticista, Professo-ra da Unicastelo – São Paulo.Edvaldo Dias Carvalho – Médico eAdvogado – Representante dosGestores, indicado pelo Departamen-to de Ciência e Tecnologia em Saúde

da SCTI/MS, Presidente da Socieda-de de Bioética de Brasília.Jorge Beloqui – Matemático, Profes-sor da USP, Rep. dos Usuários, Mem-bro do Grupo de Incentivo à Vida – GIV.Eliane Eliza de Souza Azevedo – Mé-dica Geneticista, Professora Titular deBioética da Universidade Estadual deFeira de Santana – BA, Coordenadorado CEP da UEFS/BA.*Christian de Paul Barchifontaine –Sacerdote Camiliano, Enfermeiro, Mes-tre em Administração Hospitalar e daSaúde, Reitor do Centro Universitário

Legenda: * Escolhidos em 04/09/03 e 02/10/03 Fonte: Secretaria–Executiva/CONEPMembros indicadosMembros sorteados

Titulares

Coordenador:William Saad Hossne

Teresinha Röhrig Zanchi – Odontó-loga, Professora aposentada da Uni-versidade Federal de Santa Maria/RS – Coordenadora das Ações deSaúde e Diretora de Saúde Básicado Município de Canoas/RS, Mem-bro do CEP da UFSM.Wladimir Queiroz – Médico Infec. –Inst. de Infectologia Emílio Ribas/SP,Professor da Faculdade de CiênciasMédicas de Santos, Coordenador doCEP do IIER.*Sonia Maria de Oliveira Barros –

Professora Livre Docente, Enfermeira,Membro do CEP do Hospital IsraelitaAlbert Einstein.*Nilza Maria Diniz – Bióloga, mes-trado em Genética pela FMRP/USP edoutorado pela FMRP/WashingtonState University – USA. Professora Ad-junta da Univ. Estadual de Londrina nasdisciplinas de Genética e Bioética emcursos de graduação e no curso deespecialização em Bioética. Coordena-dora do CEP da UEL – Londrina, Coor-denadora do CEP da UEL – Paraná.

*João Luciano de Quevedo – Psiquia-tra; doutorado em Ciências Biológi-cas – Bioquímica. Professor Titularde Psiquiatria da Universidade do Ex-tremo Sul Catarinense. Coordenadordo CEP da Universidade do ExtremoSul Catarinense.*Iara Coelho Zito Guerriero – Psi-cóloga – mestrado em Psicologia Clí-nica pela PUC/SP, Doutoranda da Fa-culdade de Saúde Pública – USP, Co-ordenadora do CEP da Secretaria Mu-nicipal de Saúde – São Paulo.

São Camilo, Pesquisador do Núcleode Bioética da Instituição e Coorde-nador do CEP do Centro UniversitárioSão Camilo – São Paulo.*Yolanda Avena Pires – Diplomadaem Literatura, Fundadora da Casado Candango/Brasília e da Comis-são dos Direitos Humanos no Movi-mento Feminino pela Anistia da LigaBrasileira de Defesa dos Direitos Hu-manos e do Grupo Ação Social(GAS), dentre outros. Membro doCEP do Centro de Pesquisas Gonça-lo Moniz/FIOCRUZ – BA.

Helmut Tropmair – Geógrafo, Mem-bro do CEP do Instituto de Urologia eNefrologia de Rio Claro/SP.Rubens Augusto Brazil Silvado –Médico Cirurgião, Professor da Fa-culdade de Medicina de Marília/SP,Coordenador do CEP da Faculdade deMedicina de Marília.*Francisco Pereira da Silva – Re-presentante dos Usuários – Auxiliarde Enfermagem, Conselheiro Muni-cipal de Saúde, Membro da Comis-são de Farmácia do Município deGoiânia, Membro da Associação dos

Moradores do Conjunto Itatiaia, Mem-bro do CEP do Hospital de Urgênciasde Goiânia – GO.*Marcos Fábio Gadelha Rocha –Médico Veterinário, Professor de Far-macologia da Universidade Estadual doCeará, mestrado e doutorado em Far-macologia (UFC) e pós-doutorado naUniversidade de Virginia – EUA, Pes-quisador do Programa Produtividadeem Pesquisa, do CNPq, Membro doCEP da UEC.*Odilon Victor Porto Denardin –Médico Especialista em Endocrinologia,

Doutor em Endocrinologia pelaUNIFESP, Professor do curso de pós-graduação em Ciências da Saúde doHospital Heliópolis, Membro do CEPdo Hospital Heliópolis.Leonard Martin – Padre Redento-rista, Doutor em Teologia Moral,Professor Titular de Ética e Profes-sor de Bioética na Universidade Es-tadual do Ceará, Professor de Teo-logia Moral e de Bioética no Institu-to Teológico – Pastoral do Ceará,Membro do CEP da UFCE e Coor-denador do CEP da UEC. Cadernos

de Ética em 5Pesquisa

Suplentes

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A consultaConsiderando a exigência da

ANVISA de que estudos debioequivalência são necessáriospara a aprovação de novas mar-cas (ou genéricos) de um mesmomedicamento, qual seria o posi-cionamento ético que os CEPsdeveriam adotar diante da reali-zação de estudos de bioequi-valência em sujeitos normais dafaixa etária pediátrica, uma vezque muitos medicamentos(antiinflamatórios, antitérmicos,antieméticos, antibióticos, etc.)são indicados, às vezes, exclusi-vamente ou predominantemen-te para essa faixa etária?

ConsideraçõesOs estudos de biodisponibi-

lidade e de bioequivalência exigi-dos pela ANVISA estão disciplina-dos na Resolução n.º 391/99, daqual se destacam os seguintes itens:

1- Critérios para provas debiodisponibilidade de medicamen-tos em geral.

4.3.1- j- O projeto de Pes-quisa, o Protocolo Experimentale o Termo de Consentimento Li-vre e Esclarecido devem ser sub-metidos a um Comitê de Ética emPesquisa (CEP) credenciado naComissão Nacional de Ética emPesquisa (CONEP), do Conse-lho Nacional de Saúde.

2- Critérios para provas debioequivalência de medicamentosgenéricos.

5.1- Repete-se o teor doitem 4.3.1 - j.

No anexo II da Resolução n.º391/99 (guia para protocolo erelatório técnico de estudo debiodisponibilidade ou de bioequi-valência) consta:

9.1- Princípios básicos – devemseguir as resoluções vigentes doConselho Nacional de Saúde –MS, que regulamentam as normasde pesquisa em seres humanos.

9.2- Parecer do Comitê de Éti-ca em Pesquisa (CEP) creden-ciado na Comissão Nacional deÉtica em Pesquisa (CONEP), doCNS/MS.

Conclui-se, pois, que não hánenhuma dúvida quanto à exigên-cia de se cumprir o disposto nasResoluções da CONEP, em par-ticular, no caso, o disposto naResolução n.º 196/96, que deve,pois, nortear a análise, pelo CEP,dos estudos de biodisponibilidadee de bioequivalência.

Em outras palavras, o “posicio-namento ético que os CEPS de-vem adotar” é o mesmo que deveser seguido na análise de qualquerprojeto de pesquisa envolvendoseres humanos, destacando-se,em particular, o estipulado noitem III. 3-j:

III.3 - A pesquisa em qualquerárea do conhecimento, envolven-do seres humanos, deverá obser-var as seguintes exigências:

j) ser desenvolvida preferencial-mente em indivíduos com autono-mia plena. Indivíduos ou gruposvulneráveis não devem ser sujei-tos de pesquisa quando a infor-

Dúvidas

A CONEP responde

E spaço reservadoàs dúvidas de

pesquisadores emembros dos CEPs,esta seção apresenta,a cada edição,observações eencaminhamentosindicados segundo aResolução n.º 196.

Cadernos6 de Ética em

Pesquisa

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mação desejada possa ser obti-da através de sujeitos com plenaautonomia, a menos que a in-vestigação possa trazer benefí-cios diretos aos vulneráveis. Nes-tes casos, o direito dos indivídu-os ou grupos que queiram par-ticipar da pesquisa deve ser as-segurado, desde que seja garan-tida a proteção à sua vulnerabi-lidade e incapacidade legalmen-te definida.

IV. 3- a, b, c da Resolução n.º196/96:

IV.3 - Nos casos em que hajaqualquer restrição à liberdade ouao esclarecimento necessáriospara o adequado consentimento,deve-se ainda observar:

a) em pesquisas envolvendocrianças e adolescentes, portado-res de perturbação ou doençamental e sujeitos em situação desubstancial diminuição em suascapacidades de consentimento,deverá haver justificação clara daescolha dos sujeitos da pesquisa,especificada no protocolo, apro-vada pelo Comitê de Ética emPesquisa, e cumprir as exigênci-as do consentimento livre e es-clarecido, através dos represen-tantes legais dos referidos sujei-tos, sem suspensão do direito deinformação do indivíduo, no li-mite de sua capacidade;

b) a liberdade do consenti-mento deverá ser particularmen-te garantida para aqueles sujei-tos que, embora adultos e capa-zes, estejam expostos a condicio-

namentos específicos ou à influ-ência de autoridade, especial-mente estudantes, militares,empregados, presidiários, inter-nos em centros de readaptação,casas-abrigo, asilos, associaçõesreligiosas e semelhantes, assegu-rando-lhes a inteira liberdade departicipar ou não da pesquisa,sem quaisquer represálias;

c) nos casos em que seja im-possível registrar o consentimen-to livre e esclarecido, tal fato deveser devidamente documentado,com explicação das causas da im-possibilidade e parecer do Comi-tê de Ética em Pesquisa.

Vale lembrar, ainda, os itensIV.2 - a, b, c da Resolução n.º251/97:

IV.2 - Inclusão na pesquisa desujeitos sadios:

a) Justificar a necessidade de suainclusão no projeto de pesquisa.Analisar criticamente os riscosenvolvidos.

b) Descrever as formas de re-crutamento, não devendo haver si-tuação de dependência.

c) No caso de drogas com açãopsicofarmacológica, analisar criti-camente os riscos de se criar de-pendência.

ParecerO CEP deve, pois, analisar os

projetos à luz da Resolução n.º196/96 (itens destacados, emparticular).

Dr. William Saad HossneCoordenador da CONEP

A consultaComo devemos considerar os

“relatos de casos”, ou seja, quan-do o profissional, depois do tra-tamento de um paciente (especial-mente em psicoterapia), tendo en-contrado aspectos relevantes paraa comunicação científica, por aca-so resolve relatá-los em congressoou revista? Supondo o sigilo e asprecauções contra os malefícios,tal relato pode ser feito sem passarpelo CEP? Como passá-lo peloCEP se não é projeto de pesquisa?Deve ser colhida a autorização dopaciente? E, no caso de paciente jáfalecido, colhe-se a autorização dafamília ou do responsável legal?Bastaria a revisão e a aceitação doCEP? O Comitê de Ética em Pes-quisa revisaria um comunicadocom a justificativa para a necessi-dade de relato de caso ou o pró-prio relato?

Alcino Eduardo Bonella(Coordenador do CEP da UFU)ConsideraçõesNo tocante aos relatos de casos

clínicos, há várias condicionantesque devem ser levadas em conta,tendo em vista que, muitas vezes,é tênue a linha divisória entre omero registro médico e a “pes-quisa”. A Resolução n.º 196/96(no item II.1) define pesquisacomo “classe de atividades cujoobjetivo é desenvolver ou contribuirpara o conhecimento generalizável.O conhecimento generalizável con-siste em teorias, relações ou princí-pios ou no acúmulo de informações▲▲

Cadernosde Ética em 7Pesquisa

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sobre as quais estão baseados, quepossam ser corroborados por métodoscientíficos aceitos de observação einferência”.

A Resolução n.º 196/96 (noitem III.2) estipula também que“todo procedimento (grifo nosso)de qualquer natureza envolvendoo ser humano, cuja aceitação nãoesteja ainda consagrada na lite-ratura científica, será considera-do como pesquisa e, portanto, deve-rá obedecer às diretrizes da presen-te Resolução”. E prossegue: “osprocedimentos referidos incluem,entre outros, os de natureza instru-mental, ambiental, nutricional,educacional, sociológica, econômi-ca, física, psíquica ou biológica, se-jam eles farmacológicos, clínicos oucirúrgicos e de finalidade preven-tiva, diagnóstica ou terapêutica”.

Com essa disposição objetivou-se não inibir qualquer ação ou ati-tude criativa nova, mas, ao mes-mo tempo, buscou-se configurá-la como projeto de pesquisa. As-sim, por exemplo, o cirurgião quepretenda propor novo procedimen-to cirúrgico, ainda não consagra-do na literatura, deve tratar a ques-tão sob a forma de projeto de pes-quisa, isto é, deverá apresentar ossubsídios científicos, médicos e ex-perimentais que fundamentem suaproposta. A apresentação de ca-sos (os primeiros) poderá ser fei-ta; contudo, como parte do proje-to e após a aprovação do mesmo.

Em outra ponta, o médico pre-tende com o relato de caso apenas

registrar a ocorrência de raridadenosológica ou de um evento ad-verso não descrito com o uso deterapêutica consagrada e/ou con-vencional. Entre essas duas pontaspode haver extensa gama de varia-bilidade; o fator determinante é aimplicação em procedimento (dequalquer natureza).

Por isso não se pode, a priori,afirmar a dispensa de apresen-tação ao CEP, mesmo porque aapresentação ao CEP não obje-tiva dificultar as atividades cien-tíficas, pelo contrário, buscaestimulá-las sob a égide da éticae da proteção do ser humano.Por outro lado, a resolução de-fine os Comitês de Ética emPesquisa como “colegiados inter-disciplinares e independentes, commúnus público”, de caráter con-sultivo, deliberativo e educativo,criados para defender os interes-ses dos sujeitos da pesquisa emsua integridade e dignidade (gri-fo nosso) e para contribuir nodesenvolvimento da pesquisadentro de padrões éticos. O do-cumento dedica todo um capí-tulo aos Comitês de Ética emPesquisa, enfatizando sua auto-nomia e independência de qual-quer injunção, e confere plenospoderes aos CEPs para atuaremtanto no sentido consultivo quan-to deliberativo e/ou educativo.De igual forma, dá aos CEPs aco-responsabilidade pelos aspec-tos éticos dos projetos por elesaprovados.

Cadernos8 de Ética em

Pesquisa

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Dentre as atribuições do CEPestá a de “revisar todos os protocolosde pesquisa envolvendo seres huma-nos, cabendo-lhe a responsabilida-de primária pelas decisões sobre aética da pesquisa a ser desenvolvi-da na instituição (grifo nosso), demodo a garantir e resguardar aintegridade e os direitos dos volun-tários participantes nas referidaspesquisas”. Essas consideraçõessão feitas no sentido mais genéri-co do que específico, no caso emtela, para apontar que o CEP temautonomia e responsabilidade paraequacionar cada situação.

O CEP tem poderes e liberda-de de atuação, com a correspon-dente responsabilidade. A autono-mia e a liberdade devem ser exer-citadas pelo CEP sobretudo emsituações de dúvida dos própriospesquisadores.

Evidentemente, cabe à CONEPparticipar do processo decisório,assessorando, orientando, dirimin-do dúvidas ou analisando situaçõesomissas. Contudo, é bom ressaltarque a Resolução n.º 196/96 não éum código, nem peça cartorial – éum documento elaborado para oexercício da bioética, sem amarrase sem camisa-de-força.

Levando a questão suscitadapela consulta para o campo daética médica (como ato médico),há que se analisar as disposiçõesdo Código de Ética Médica, noque se refere ao tópico “Pesqui-sa Médica”. O artigo 123 esta-belece (assim como a Resolução

n.º 196/96, em particular no ca-pítulo IV) a necessidade de ob-tenção do consentimento do su-jeito da pesquisa.

No capítulo XIII, de publici-dade e trabalhos científicos, oCódigo de Ética Médica se atémmais à questão da publicidade,assunto que mereceu atenção es-pecial consubstanciado na Reso-lução do CFM n.º 1.701, de 25de setembro de 2003. Há que sedestacar o artigo 10, que dispõe:“nos trabalhos e eventos científicosem que a exposição de figura de pa-ciente for imprescindível, o médicodeverá obter prévia autorização ex-pressa do mesmo ou de seu repre-sentante legal”.

Vinculam-se à questão da apre-sentação de caso clínico a proble-mática do segredo médico e a uti-lização do prontuário médico. Empareceres jurídicos do CREMESP,por exemplo, fica claro que o mé-dico é responsável e guardião deprontuário médico, sobre o qual opaciente tem direitos e que devemser respeitados.

Assim, ainda que não se tratede pesquisa, a utilização de da-dos do prontuário deve obede-cer a tais diretrizes, resguardan-do-se os direitos do paciente, suaconfidencialidade e privacidade.Vale acrescentar, ainda, que deacordo com parecer (consulta1575-15/85): “os arquivos ou fi-chários clínicos de pacientes inter-nados em hospitais ou dos pacien-tes relacionados de alguma forma

a instituições clínicas, a serviços ouentidades de assistência, particu-lares ou públicas, pertencem à ins-tituição em questão e não aos pro-fissionais que nela trabalham sobvínculo empregatício ou por con-trato”. Os pacientes, neste caso,não estão vinculados ao profis-sional, mas à instituição.

Parecer1. A resposta à consulta só

pode ser dada em caráter decisórioapós análise de cada situação, parapoder melhor caracterizá-la fren-te às disposições da Resolução n.º196/96;

2. Em primeira instância, ameu ver, esta análise (bem comoa decisão) cabe ao CEP;

3. Considerando a linha tê-nue de separação entre “registromédico” e “pesquisa” e conside-rando que cada situação deve seranalisada de per si, em face dasdúvidas, meu parecer vai no sen-tido de que a apresentação (ou orelatório de caso), por segurançaética, deveria ser encaminhadasempre ao CEP;

4. Assim o CEP, diante docaso de consulta e com suas carac-terísticas próprias, poderá decidir;

5. Dessa forma, a instituiçãotoma conhecimento do que serápublicado ou apresentado, o pes-quisador terá a devida coberturae o CEP poderá avaliar adequa-damente o resguardo dos direitosdo paciente ou sujeito.

Não há prejuízo, pelo contrá-rio, só vantagens decorrentes do▲▲

Cadernosde Ética em 9Pesquisa

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envio ao CEP, partindo aprio-risticamente que se trata de pro-cedimento vinculado direta ouindiretamente à pesquisa.

Além do mais, a análise de taissituações cria mecanismos paramelhor conhecimento dos aspec-tos éticos envolvidos, bem comoassegura a observância de precei-tos éticos na instituição.

Até em casos de mera propa-ganda, a Resolução do CFM n.º1.701/2003, em seu artigo 4.º,dispõe: “Art. 4.º – Sempre que emdúvida, o médico deve consultar a

Comissão de Divulgação de Assun-tos Médicos (CODAME) dos Con-selhos Regionais de Medicina, vi-sando enquadrar o anúncio den-tro dos dispositivos legais é éticos”.

Da mesma forma, em vista detodas as considerações, emsuma, meu parecer é no sentidode que o pesquisador ou o mé-dico deve sempre encaminhar asua proposta ao CEP, ao qual,dentro de sua competência ecom a devida responsabilidade,caberá a avaliação e a orienta-ção (se for o caso).

ConclusãoRecomenda-se sempre o enca-

minhamento do caso ao CEP, paraa devida avaliação, em face de suacompetência e responsabilidade.Cada situação deve ser analisadafrente às disposições bioéticas daResolução n.º 196/96 e comple-mentares.

Dessa forma, haverá a de-vida cobertura, do ponto de vistaético, ao paciente, ao pesquisadore à própria instituição.

Dr. William Saad HossneCoordenador da CONEP

Cadernos10 de Ética em

Pesquisa

COMUNICADO

Com muito pesar, comunicamos o falecimento do Padre Leonard Martin, ocorridona noite de 16 de março de 2004, em Fortaleza (CE). Nosso sentimento é de grandetristeza pela perda da companhia de um ser humano maravilhoso e de um colaboradorcompetente, tendo sempre demonstrado interesse e disponibilidade na promoção dosDireitos Humanos e na defesa da Ética na pesquisa científica. Participou da ComissãoNacional de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde, num primeiro perío-do de agosto de 1997 a agosto de 2003, tendo sido novamente escolhido em setem-bro de 2003. Dentre outras atividades, atuou como membro do Conselho Editorialdos Cadernos de Ética em Pesquisa. Sua falta será, sem dúvida, sentida por todos aquelesque conviveram com ele na CONEP. Seu corpo foi velado na Igreja de São Raimundo/Centro Comunitário São Tiago, emFortaleza, e posteriormente transferido para a Ir-landa, sua terra natal.

Correspondência: Padre AlanoComunidade Redentorista – Rua Ubajara 2222 – Parque Albano/Caucaia

61645-250 – Fortaleza/CEE-mail: [email protected]

Prof. William Saad Hossne,Coordenador da CONEP, e equipe

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Comitê de Ética em Pesqui-sa (CEP) do Instituto

Depoimento

A trajetória do CEP do InstitutoFernandes Figueira

Márcia Cassimiro éprofessora e

secretária-executivado CEP do IFF.

Juan Llerena Jr. émédico geneticista ecoordenador do CEP

do IFF.

sociedade civil, uma vez que é pos-sível divulgar, consultar e acom-panhar se determinado projeto foiaprovado ou não pelo CEP.

Essa parceria traduz maior trans-parência aos trabalhos desenvolvi-dos pelo CEP-IFF, além de agilizaro trâmite entre as partes envolvi-das no envio e no recebimento deinformações de cada pesquisador.Para o CEP-IFF tem sido muitointeressante estimular a participa-ção dos pesquisadores da unidadeno acesso ao SISNEP. O CEP-IFF engendra esforços para atuarnuma instância de diálogo perma-nente, pois o diálogo é um dosprincípios fundamentais para abusca de um consenso mínimo.

O papel didático do CEP-IFFsobre as pesquisas, de uma ma-neira geral – realizadas na insti-tuição e envolvendo pesquisas clí-nicas em seres humanos –, foi in-discutível e se aperfeiçoou com aimplantação do SISNEP. Não nosfoi suficiente atenuar os conflitos,

SISNEP – Instituto Fernandes Figueira (IFF)

Tabela 1

Total de projetos por grupo

Grupos Número total de projetos Percentual

Grupo I 25 14,46%

Grupo II 1 0,57%

Grupo III 147 84,97%

Total 173 100%

OFernandes Figueira (IFF), deno-minado CEP-IFF, foi instituídopelo Ato da Direção n.o 013/97-GD, em 22 de julho de 1997, foiaprovado e registrado pela Comis-são Nacional de Ética em Pesqui-sa (CONEP), em 25 de agostode 1997, e em 30 de abril de 2003obteve renovação e aprovação deseu registro pela CONEP. OCEP-IFF está credenciado paraanálise de projetos de pesquisaenvolvendo seres humanos noOffice for Human ResearchProtections (NIH/USA).

Desde fevereiro de 2002, oCEP-IFF vem incorporandosuas contribuições ao SistemaNacional de Informação sobreÉtica em Pesquisa EnvolvendoSeres Humanos (SISNEP): http://dtr2002.saude.gov.br/sisnep/. Atabela 1 exemplifica a utilizaçãodessa ferramenta tanto pelos CEPsquanto pelos pesquisadores e pela

Fonte: Fundação Oswaldo Cruz

Por Márcia Cassimiro e Juan Llerena Jr.

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muitas vezes mais voltados a ques-tões administrativas, de fluxogra-ma, do que propriamente a infra-ções éticas. Entretanto, a tolerân-cia e o diálogo foram suficientespara minimizar tais dificuldades.Apesar da escassez de recursos fi-nanceiros, promovemos reuniõese discussões internas que trataramde temas relacionados à Bioética.O colegiado participa de coorde-nações e organizações de cursos,seminários, congressos, especial-mente os realizados na cidade doRio de Janeiro.

Além desses eventos, promo-vemos atividades internas juntoaos residentes das áreas de Me-dicina e Enfermagem e junto aosalunos dos cursos de especializa-ção, mestrado e doutorado.Aproveitamos, inclusive, as datassimbólicas (Dia do Assistente So-cial, Dia do Psicólogo, Dia doEnfermeiro e Dia do Médico)para divulgar o trabalho do comi-tê, apresentar a Bioética e discu-tir a importância da Resolução n.º196/96, do CNS, atribuindo des-taque às diversas diretrizes éticasinternacionais. De igual forma,evidenciamos a importância desubmeter à apreciação ética osestudos de aplicações de questio-nários e a relevância da utilizaçãode banco de dados e das revisõesde prontuários e entrevistas.

Outra ferramenta que mere-ce destaque em nossas apresen-tações é o guia eletrônico(www.saude.gov.br/decit),

uma boa contribuição para osque desejam desenvolver pesqui-sas envolvendo seres humanos.Trata-se de uma publicação ele-trônica que permite identificaros procedimentos necessários àaprovação e ao desenvolvimen-to dessas pesquisas. Além des-sas, o guia apresenta recomen-dações para se obter a aprova-ção de projetos, materiais e equi-pamentos de pesquisa, para serealizar a remessa de material bio-lógico humano ao exterior e parase conseguir o monitoramento deeventos adversos, bem como ad-quirir legislação atualizada sobreo assunto.

A experiência positiva do CEP-IFF na instituição tem sido bas-tante gratificante em diversos as-pectos. Dentre eles destacamos amelhoria dos projetos apresenta-dos, a participação ativa da pós-graduação (origem do maior nú-mero de projetos registrados eanalisados) e a conscientização daimportância do CEP/IFF como“abalizador ético” da prática clí-nica em pesquisa, especialmentecom respeito a novos procedimen-tos propedêuticos.

O coordenador e a secretária-executiva ficam diariamente à dis-posição de pesquisadores e sujei-tos de pesquisa. Os atendimen-tos são previamente agendados(por e-mail, pessoalmente oupor telefone) e objetivam, espe-cialmente, a orientação da cor-reta apresentação dos protoco-

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los de pesquisa, com entrega demateriais instrucionais e educa-tivos. Em especial, esse suporteprocura elucidar possíveis dúvi-das relacionadas à adequação dosprotocolos para análise peloCEP, também recebendo recla-mações e tentando encontrar so-luções para os diferentes dilemasmenos complexos.

Garantir o funcionamento doCEP em local específico requer in-vestimento contínuo. É de funda-mental importância contemplar deantemão o orçamento para mantero CEP bem equipado. A justificati-va para tal empenho baseia-se naagilidade necessária. Uma vez ca-dastrado um projeto para análise –contemplando as datas-limite im-postas pela Resolução n.º 196/96,para entrega dos resultados das aná-lises e fim das pendências – é feitoo encaminhamento para um pare-cer ad-hoc e assim por diante. É umaagilidade adquirida.

A complexidade do trinômio en-sino-pesquisa-assistência requer umesforço de trabalho conjunto parao encontro, o intercâmbio e a trocaentre os CEPs, a CONEP, a Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária(ANVISA), os gestores, os alunosde iniciação científica, osmestrandos, os doutorandos, osespecializandos, os pesquisadores eos usuários. Há que se empreen-der um processo de reconhecimentoda legitimidade dos valores presen-tes nas diretrizes e nas normas parapesquisas com seres humanos.

Com relação à agenda contínuado CEP-IFF, são realizadas reu-niões ordinárias (mensalmente),das quais participam todos os mem-bros do comitê, e mini-reuniõesregulares (semanalmente), que nãoexigem a presença de todos docolegiado. As reuniões extraordi-nárias apresentam freqüência detitulares com mais de 75% de seusmembros. O colegiado é compos-to por profissionais das áreas dasaúde, das ciências exatas, sociaise humanas, representantes da so-ciedade civil organizada e por umrepresentante dos usuários da ins-tituição. O regimento interno foielaborado e vigora desde 1999.

Em 1998, elaboramos – combase na experiência cotidiana doCEP-IFF – um formulário mo-delo de acompanhamento dosprojetos aprovados, o qual deno-minamos Formulário de Acompa-nhamento Ético (FAE). (OsCEPs que tiverem interesse emadquiri-lo podem solicitar o enviopor e-mail). No FAE procuramosagregar todas as exigências daResolução n.º 196/96.

A relação institucional com aCONEP é o reconhecimento demuita confiança para o bom an-damento do CEP-IFF. Entretan-to, são necessários programas deeducação continuada para osmembros do comitê e reforços naformação em bioética e ética apli-cada à pesquisa envolvendo sereshumanos, adequada para futurosmembros de comitês, gestores,

alunos, usuários, representantesda sociedade civil organizada e osdiversos segmentos sociais.

Um saldo positivo para o CEPfoi a aprovação do Edital n.º 200/2003, do Ministério da Saúde/UNESCO, referente ao Projeto deFortalecimento Institucional dosComitês de Ética em Pesquisa,uma parceria com a Secretaria-Executiva da Comissão Nacionalde Ética em Pesquisa, no âmbitodo Projeto de Cooperação Técni-ca 914/BRA/2000 (UNESCO).O tema central desse projeto serádesenvolver discussões voltadaspara os conflitos éticos envolvendoa prática médica contemporânea emum hospital público de referênciaterciária para doenças de alta com-plexidade de assistência clínica e tra-tamento, como, por exemplo, omanejo das malformações congê-nitas detectadas no pré-natal. Aotérmino do seminário será realiza-do um curso de capacitação paraCEPs e deverá ser redigido umdocumento, que poderá servircomo um agente facilitador paradiscussões envolvendo patologiascomplexas dependentes de altatecnologia.

É fundamental que avancemosno contexto internacional, a par-tir da América Latina, com a pro-posta de discussão de umabioética de intervenção comenfoque periférico às questõestradicionais, assegurando às ca-madas mais vulneráveis da popu-lação global os benefícios do▲▲

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desenvolvimento científico etecnológico, sem que tenhamosque nos omitir ou flexibilizar asnormas de pesquisa brasileiras. Asfronteiras entre as populações doterceiro mundo e as do primeiroestão a milhas de distância. A ques-tão não é saber apenas a quem aspesquisas e suas aplicações irão be-neficiar. É imprescindível assegu-rar aos povos do terceiro mundoos benefícios de um saber que oslibertaria do flagelo de doençasparasitárias debilitantes. As consi-

derações morais e as opções mé-dicas devem ser exaustiva e fran-camente discutidas. Deve-se evi-tar confundir o que é tecnicamen-te possível com o que é moralmen-te admissível.

Por fim, depois de transcorridosseis anos de implantação da Reso-lução n.º 196/96, de inúmeras erecentes revisões da Declaração deHelsinque e da complementaçãode diversas normas para pesquisasem seres humanos, fica evidenteque é fundamental mensurar com

cautela os métodos científicos uti-lizados nas pesquisas, especialmen-te porque a relação entre opesquisado e o pesquisador perma-nece assimétrica. Por isso, são fun-damentais a consolidação e aintegração dos Comitês de Éticaem Pesquisa em todo o País.

Comitê de Ética em Pesquisacom Seres Humanos – CEP/IFF/FIOCRUZ

[email protected]://www.iff.fiocruz.br

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Entrevista

José Eduardo de SiqueiraPor Andrea Doré

No seu discurso durante o 6.ºCongresso Mundial de Bioética,o senhor falou da necessidadedo comportamento ético nacondução de uma pesquisa. Nasua opinião, qual a importânciada reflexão ética durante a reali-zação de experimentos envolven-do seres humanos? Por que ospesquisadores devem estar aten-tos a tal questão?

A ciência do século XIX e doinício do século XX tinha a carac-terística de não produzir grandestransformações ou transforma-ções definitivas na natureza huma-na e na natureza extra-humana.Existe um marco, que aconteceuna metade do século XX, com odesenvolvimento da bomba atô-mica, a partir do qual o homemganhou condições de produzir umartefato com um poder de des-truição extraordinário. Nós esta-mos vivenciando agora um outromomento histórico. Trata-se deuma segunda bomba, eu diria,uma bomba genética, que trouxeconsigo a possibilidade de trans-formar de maneira definitiva a es-pécie humana. Por que fiz esseraciocínio? Porque se houve ummomento no qual a reflexão éticae a atenção ética sobre a pesquisapoderiam ser alguma coisa, aindaque pequena, não significativa,esse momento já não existe mais.Agora, estamos vivendo um mo-mento em que a ciência e os pro-jetos de produção científica, osprotocolos de pesquisa, devem ser

permeados, embebidos, necessa-riamente, de uma profunda refle-xão ética. O braço da ciência avan-çou muito, de tal maneira que,hoje, pode transformar a nature-za extra-humana e a natureza hu-mana. Por exemplo, estamos pro-duzindo a cada trinta anos umdeserto do tamanho da ArábiaSaudita. Estamos derrubandomatas num período de três déca-das e criando um espaço que ocu-paria um território quase do ta-manho da Índia. Por este e ou-tros exemplos, ressalto que é pre-ciso haver uma reflexão, como dizEdgar Morin, sobre a terra pá-tria. Isto aqui, o planeta Terra, éa nossa casa, é a nossa habitaçãocomum. Morin diz uma coisamuito forte. Ele alerta que preci-samos ser irmãos, não porquevamos ter uma salvação eterna,mas porque estamos perdidos. Jáexiste tecnicamente a possibilida-de de se fazer a clonagem huma-na reprodutiva, ou seja, de fazer-mos um outro ser humano a par-tir da herança genética de outro.A situação nos exige um estadode alerta. Um grande filósofo cha-mado Hans Jonas, que reconstruiua ética da responsabilidade, diziaque fazer ciência sem uma refle-xão ética, fazer ciência sem sabero passo, a conseqüência, aonde sevai chegar, pode redundar numprejuízo sério. Acredito que sua voznos chama a atenção para algo es-sencial que terá impacto na vidadas gerações que virão.

Como vice-presidente da

Sociedade Brasileira deBioética, ele foi umdos responsáveis pelaorganização do 6.ºCongresso Mundial.Nesta entrevista, elenos fala um poucosobre suasimpressões acercados avanços que aBioética obteve noBrasil e dos grandesdesafios quedespontarão no futuro.Preocupado com osabusos cometidos, elefaz um alerta sobre ocompromisso dospesquisadores com aciência e com o futuroda humanidade. Deigual forma, ele chamaa atenção para oespaço importante queo nosso País passa aocupar nas discussõessobre Bioética em nívelinternacional.

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Andrea Doré éjornalista, doutora emHistória e professora

da UniversidadeFederal do Paraná

(UFPR).

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Vamos falar um pouco sobre aforma como o controle ético seorganiza no Brasil, por meio dosCEPs inseridos nas instituiçõesde pesquisa. O senhor acha queo trabalho realizado atualmente,em nosso País, tem tido êxito?

É preciso, neste ponto, resga-tarmos um pouco a história. Nósaprovamos uma resolução em1988, que foi a primeira surgidano sentido de estabelecer normasde pesquisa em seres humanos.Foi uma resolução bastantesatisfatória, só que não foi cum-prida. Por quê? Porque foi umadecisão elaborada num nível su-perior e simplesmente apresenta-da às bases, ou seja, para as uni-versidades, onde são feitas as pes-quisas. Talvez por conta do con-texto, ela acabou não sendo aca-tada. Já a Resolução n.º 196/96teve uma trajetória diversa. Inú-meros centros foram convocadose se manifestaram. Houve reu-niões em todos os lugares, e issofez com que a comunidade aca-dêmica ajudasse a construir umaproposta. Claro que com a sábiacoordenação de pessoas que fize-ram a resolução, que é, sem dú-vida, um marco na história. Sem-pre que falo dessa resolução, eucito o nome do professor WilliamSaad Hossne, que presidiu o pro-cesso todo. E como isso está sepassando hoje? Na minha opinião,tudo está indo muito bem. Nóstemos mais de 300 CEPs espa-lhados pelo País, envolvendo um

número enorme de pessoas, des-de representantes de instituiçõesaté entidades de representação dosusuários, todas trabalhando paragarantir a idoneidade das pesqui-sas envolvendo seres humanos,particularmente na área médica.Eu vivo no ensino médico desde1970 e percebo uma mudançadramática. Eu me lembro que,quando era estudante de Medici-na, meu professor dizia: o proto-colo é este, o projeto é este, queele fazia na sua sala, sozinho. Nós,estudantes, apenas cumpríamosaquilo e achávamos que estávamosfazendo uma coisa correta. Inicial-mente, os médicos tiveram certadificuldade em assimilar que umprojeto de pesquisa elaborado poreles poderia sofrer algum tipo deanálise, de reflexão, algum tipo dereparo. Mas eu já percebo que, in-discutivelmente, hoje há uma per-cepção diferente.

E qual é o desafio que seapresenta para os defensoresda Bioética no Brasil? Hágrandes interesses e pressõesenvolvidos neste processo, naopinião do senhor?

Os Comitês de Ética em Pes-quisa das instituições e a Comis-são Nacional de Ética em Pesqui-sa (CONEP) exercem um traba-lho extraordinariamente eficaz, fa-vorável, inclusive, ao crescimentoda pesquisa. Isso representa umacoisa curiosa. A educação médicaé de um modelo cartesiano. Existeuma relação assimétrica entre o

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médico e o paciente, uma coisavertical, de cima para baixo, e osmédicos estão passando a aceitaruma nova maneira de agir. O pro-cesso tende a se horizontalizar,tendo como centro o ser huma-no. Acho, portanto, que estamosno caminho certo. Mas, é claro,ainda existem áreas que impõemalguma resistência, porque nãocompreendem as transformações.Por exemplo, alguns sociólogosentendem que não podem se sub-meter, primeiro porque conside-ram que a Resolução n.º 196/96foi feita por médicos para funcio-nar na área biológica. Não, abso-lutamente. Ela alcança e protegeo ser humano, não o ser humanobiológico, apenas. Então, é claroque há problemas, mas nós avan-çamos e, se olharmos para a reali-dade latino-americana, mesmopara países que começaram a re-flexão em bioética antes do Brasil,como a Argentina e a Colômbia,podemos ver que não há uma es-trutura organizacional em pesqui-sa como a nossa. O nosso desafioatual é enfrentar a pressão dosEstados Unidos, um país hege-mônico que pretende estabelecer

outras normas de pesquisa que nãoaquelas, digamos assim, do “cal-do ético” ao qual estamos acos-tumados. Eles estão querendo es-tabelecer pesquisas com “duplostandard”, ou seja, é como se dis-séssemos que há seres humanosde diferentes categorias. Em sín-tese, a proposta lançada pelosamericanos é que algumas pesqui-sas possam ser realizadas em de-terminadas áreas e em outras não.Esse talvez seja um embate muitodifícil, pois uma força política eeconômica significativa está envol-vida. Mas eu penso que, entre nós,no Brasil, já existe uma reaçãoserena de conversar e demonstrarque estamos maduros, que existeum amadurecimento ético sobrea questão, que não aceitamos quevenha alguém dizer “pesquisa sefaz assim” ou “vocês estão equi-vocados”. Não, nós temos ama-durecimento e condições de con-versar em plano de igualdade comqualquer entidade internacionalque faça pesquisa.

Qual a sua avaliação sobre o6.º Congresso, no qual se fa-lou sobre temas que podem serconsiderados utópicos ou, ao

menos, de aplicação a lon-guíssimo prazo?

Eu já acho que o tema centraldo Congresso [Bioética, Poder eInjustiça] foi uma vitória. Isso éuma coisa que fala da nossa reali-dade. Eu percebo também quehouve uma tônica muito forte re-lacionada às questões de fronteira,genômicas, dentre outras. Achoque isso talvez não seja nosso pro-blema. Por outro lado, consegui-mos – e isto é mérito do Brasil –estabelecer uma linha de reflexão,que é a bioética voltada para a in-justiça, um grande avanço. Pensoque a marca desse congresso é in-delével: o número de inscritos su-perou todas as perspectivas, o graude interação entre as pessoas foimaravilhoso e a presença de latino-americanos aqui foi muito grande.Para o nosso País, foi um cenárioimportante para colocarmos temaspolêmicos em debate. Ganhandovisibilidade da forma que ganha-mos, vamos poder colocar agora,na mesa de negociação dos próxi-mos congressos, uma temática queinteresse mais aos países em desen-volvimento do que para os chama-dos países centrais.

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Entrevista

Giovanni BerlinguerPor Andrea Doré

Quais os benefícios e os ris-cos da fármaco-genética, quehoje podemos identificar deforma mais clara?

Se for possível personalizar osremédios com base na constitui-ção genética de uma pessoa, issopode ser um progresso notável.Ao mesmo tempo, estão em jogoaspectos ligados aos hábitos, àconstituição fisiopatológica e, emúltimo caso, inclusive ao compor-tamento. Assim, as variáveis sãomuitíssimas, e duvido que em pou-co tempo se chegará a conhecertodas elas, a fazer algum remédiomais adaptado. Acrescento aindaque a idéia de se trabalhar apenas apartir dos genes, esquecendo as ou-tras características dos indivíduos,esquecendo a complexidade dasrelações entre os genes, pode pro-vocar ilusões. Dou um outro exem-plo. Nos anos 90, houve umagrande esperança envolvendo aterapia gênica, que prometia cu-rar as doenças substituindo umgene doente por um gene são. Du-rante 10 anos, registraram-se ape-nas um ou dois casos de sucessoe centenas de efeitos adversos, in-clusive a morte de pessoas queparticiparam de experiências des-se gênero. Isso deve nos induzir àprudência. Finalmente, penso queserá difícil que essas terapias se-jam acessíveis a todos, pois serãode altíssimo custo. Inclusive, es-pero que as indústrias e sobretudoos países, seus Ministérios da Saú-de e a Organização Mundial da

Saúde (OMS), dentre suas priori-dades, se preocupem com odesequilíbrio que pode ser deter-minado pela fármaco-genética.

Em sua conferência no 6.ºCongresso Mundial, o senhorfalou da bioética cotidiana.Como ela se manifesta?

Isso significa não se ocupar ape-nas com a bioética de fronteira,que é aquela que diz respeito aosúltimos progressos da ciência, daBiomedicina, mas preocupar-setambém com o que ocorre todosos dias a todos os cidadãos domundo. Preocupar-se com o nas-cimento, o adoecimento, a mor-te, o sofrimento, as relações comoutros seres humanos, com ou-tras espécies de seres vivos. Istoé, dar igual atenção às escolhasmorais que são feitas pelos gover-nos, pelas pessoas, pelas organi-zações internacionais, a fim decombater as muitíssimas injustiçasque existem no mundo e que es-tão crescendo.

Dentre os especialistas existea opinião majoritária de quenão podemos falar de uma éti-ca para os países desenvolvidose de outra para os menos de-senvolvidos. No entanto, seriacorreto dizer que há determi-nados temas éticos que sãoprioritários para certos países epara outros não?

A idéia de fazer duas éticas, umapara os países ricos e outra para ospaíses que são pobres ou estão emdesenvolvimento, na verdade já foi

S eus interesses sãoamplos e incluem

desde os problemasclínicos ligados aos locaisde trabalho até aBioética. Em meio aosextremos, Berlinguerpasseia pela Epidemio-logia, pelos estudosdemográficos e pelashistórias da Medicina edas patologias. Ele foideputado na Itália de1972 até 1983, quandofoi eleito senador.Berlinguer é autor dequase 40 livros e deoutras 200 publicações.Alguns dos seus traba-lhos já foram traduzidosno nosso País, como “AÉtica da Saúde” e “Lamercê finale Saggio sullacompravendita di partidel corpo umano”, emcolaboração com VolneiGarrafa. Reconhecidointernacionalmente, eleesteve presente no 6.ºCongresso Mundial deBioética.

Andrea Doré éjornalista, doutora emHistória e professorada UniversidadeFederal do Paraná(UFPR).

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aplicada. Já houve, inclusive, fa-tos precisos, sobretudo a tentati-va (na experimentação humana)de usar um “standard” de segu-rança, um “standard” de garan-tias diferentes para países ricos epaíses pobres. Isso é absoluta-mente inaceitável, porque a vidade uma pessoa, seja ela qual for,vale tanto quanto a de outra. Poroutro lado, pode haver uma con-centração de idéias bioéticas so-bre determinados temas como,por exemplo, sobre a pobreza, afome e a violência, que têm umpeso maior em algumas nações emenor em outras.

No 6.º Congresso de Bioéticaassistiu-se a vários debates, coma participação de especialistas etambém de estudantes, envol-vendo diversos temas gerais ealguns de fronteira. Quais foramos grandes avanços percebidos?

Penso que no congresso houveuma mudança substancial. Logo noprimeiro dia, nas conferências deSalomon Benastsar, de Volnei Gar-rafa e na minha, os temas dabioética cotidiana foram colocadoscom energia. E também nas me-sas redondas, nos comitês, essestemas estiveram muito presentes.Isso pode representar um grande

passo à frente na bioética, umatentativa de deixar o especialismoe envolver os grandes temas do gê-nero humano. Não devemos te-mer a polêmica. Volnei Garrafa fa-lava da bioética dura, de interven-ção, eu falei de uma bioética ativa.A sociedade é cheia de temas quesuscitam polêmicas. É preciso evi-tar que a bioética seja subordinadaà política. Esse é um risco grave.Mas hoje há uma forte tendênciaem se despolitizar a moral, e issotambém deve ser combatido, nãose evitando enfrentar problemaspolíticos quando possuem grandesimplicações morais.

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Em debate

O caminho da aproximaçãoPor Paulo Henrique de Castro e Faria

Paulo Henrique deCastro e Faria éjornalista e ex-professor alfabetizadorde adultos no DistritoFederal.

dificuldade de se adequar alinguagem científica à rea-

nhecimento da realidade cotidia-na dos indivíduos participantese de suas comunidades, obser-vando sempre as característicassocioculturais de inserção. Aexpectativa é de que, ao fim,essa aproximação resulte emmaior confiança e entendimen-to mútuos.

A dificuldade em se estabelecereste nível de sinergia é corrente emvárias situações. Há pesquisadoresque enfrentam problemas em sefazer entender, mas há casos decomunicação adequada entre es-tes profissionais e os voluntárioscom os quais se irá trabalhar. Paraos membros da Comissão, o mé-todo é simples: estabelecer uma re-lação horizontal por meio da qualse busque a compreensão dos li-mites de um e do outro. No en-tanto, apesar dos esforços, aindahá muito que se avançar. “Essa co-municação tem melhorado muitodesde a Resolução n.º 196/96,mas ainda se percebe uma dificul-dade grande de comunicação,principalmente quando na pesqui-sa se trabalha com um grupo maisvulnerável”, argumenta ArturCustodio de Souza, coordenadornacional do Movimento de Rein-tegração das Pessoas Atingidas pelaHanseníase (MORHAN) e conse-lheiro do CNS, como representan-te dos usuários do Sistema Únicode Saúde (SUS).

De acordo com ele, o esclare-cimento envolve uma situaçãoespecífica que deve ser avaliada

Alidade das pessoas que atuamcomo voluntárias em pesquisasé preocupação e tema recorren-te de debates, reuniões e encon-tros de especialistas em bioéticano Brasil. Pesquisadores e mem-bros de Comitês de Ética emPesquisa (CEPs) e da ComissãoNacional de Ética em Pesquisa(CONEP) se debruçam sobreprotocolos, rotinas e experiên-cias bem-sucedidas em diversoscampos do conhecimento, comoa Educação, a Antropologia e atéa Lingüística, buscando subsí-dios e soluções para a necessi-dade de preparar textos e repas-sar informações de maneira maistransparente e simplificada aossujeitos de pesquisa.

Grande parte da dificuldadede comunicação do pesquisadorcom o sujeito de pesquisa é atri-buída, pelos próprios especia-listas, ao abismo cultural esta-belecido entre um “detentor doconhecimento” (confundidocom o próprio saber) e as pes-soas envolvidas nos experimen-tos, indivíduos da populaçãoque, na maioria dos casos, es-tão em situação de vulnera-bilidade econômica e social. Paraa CONEP e os CEPs, cabe aoscientistas e pesquisadores diri-mir tal diferença traduzindo asinformações segundo o nível deentendimento da população.Esse processo se daria pelo co-

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CEPs estabelecer um caráter deeducação do pesquisador comrelação à ética em pesquisa e, emespecial, ao contato e ao respei-to com o indivíduo.

Por outro lado, “a assinaturade um TCLE não garante a nin-guém que a linguagem do pes-quisador foi entendida e que oindivíduo está ciente da respon-sabilidade e dos riscos que assu-me ao participar da pesquisa”,argumenta Volnei Garrafa, co-ordenador do Núcleo de Estu-dos e Pesquisas em Bioética daUniversidade de Brasília (UnB)e presidente da Sociedade Bra-sileira de Bioética (SBB). Paraele, “os TCLE são indispensá-veis, mas para os aptos e res-ponsáveis. Porém, tais atributossão privilégios de uma parcelareduzida da nossa população,que geralmente goza de umacondição econômica e sociocul-tural favorável e não participacomo voluntária em pesquisas”,desmistifica.

A possibilidade de que a faltade comunicação seja usadacomo mecanismo de pressão ede manipulação dos interessesdos usuários é tema de alerta porparte de Garrafa. “Principalmen-te porque, em média, 90% dossujeitos de pesquisa são usuáriosdo SUS e são pobres. Diante daproposta de assinar um termo decompromisso em troca de umavaga em um hospital concorri-do, você acha que uma pessoa

como um ato de comunicaçãoque aproxima o pesquisador domeio cultural do sujeito, à luz daafetividade e da receptividade dousuário no serviço, dentre outrosfatores. Peculiaridades como adoença, a história pessoal, os so-nhos de vida frustrados e as per-das “ambientam” o sujeito a umasituação de vulnerabilidade, mui-tas vezes não compreendida pelopesquisador, criando situações dedesrespeito ao voluntário.

Com isso, buscar compreen-der o “mundo” do sujeito e usarexemplos do seu cotidiano tor-nam-se um imperativo. “Sei depessoas que abandonaram a pes-quisa por detalhes que, emborapequenos, são fundamentaisquando envolvem principalmenteindivíduos carentes”, argumen-ta Custodio de Souza. “Em umcaso, o pesquisador orientou apessoa a tomar o medicamentocom leite, e ela não tinha leiteem casa. Já em outra situação,uma adolescente engravidou poiso medicamento da pesquisa di-minuía o efeito do contraceptivooral que ela tomava. A informa-ção não foi dada à adolescenteporque o pesquisador não con-siderou que a moça tivesse umavida sexual ativa”, explica.

Segundo ele, a Resolução n.º196/96 prevê os itens de infor-mação que devem constar noTermo de Consentimento Livree Esclarecido (TCLE). Todavia,segundo sua opinião, cabe aos

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doente e desassistida pensariaduas vezes? Uma pessoa comoessa não é autônoma, é vulnerá-vel! Ela é coagida por uma situ-ação social”, assevera o presi-dente da SBB.

Erros na tentativa de fazer a co-municação fluir entre pesquisa-dores e voluntários são correntese, infelizmente, alguns são irre-versíveis, principalmente devidoa interpretações equivocadas.Um exemplo disso é citado peloconselheiro Artur Custodio, quecita o caso de uma usuária detalidomida que guardou a sobrade um medicamento, após umapesquisa, pois entendeu que adroga era abortiva. Ao engra-vidar, a jovem fez uso da drogapara perder o feto. O resultadofoi o nascimento de uma criançasem braços e pernas.

Em meio aos desafios, pode-mos encontrar boas experiênciasem curso, que são estímulos àcriatividade e à adoção de práti-cas éticas nas pesquisas e valori-

zam os sujeitos como seres hu-manos. Uma delas é conduzidapor José Roberto Goldim, biólo-go, membro fundador do Pro-grama de Atenção aos Problemasde Bioética do Hospital de Clíni-cas de Porto Alegre (HCPA) eex-presidente do CEP da Univer-sidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS).

O método é simples. Ele con-siste em reunir num auditório osinteressados em participar dosexperimentos. Depois que todosestão reunidos, os pesquisado-res ministram uma aula coletivacom a melhor didática possível,sem deixar de abordar todos osaspectos envolvidos. Cada pes-soa interessada em contribuir re-cebe orientações sobre seu pa-pel, as responsabilidades dos es-tudiosos, os riscos a que podemestar expostos, bem como os be-nefícios esperados. Logo depoiscomeça uma sessão de pergun-tas e respostas, com tempo deli-mitado, para que não haja dúvi-

das e questionamentos. No fim,os pesquisadores saem do audi-tório. As pessoas que não quise-rem participar da pesquisa po-dem ir embora. Os que se mos-trarem interessados permanecemno local.

Para Goldim, esse é um meiode demonstrar respeito aos se-res humanos. Ele afirma queessa é uma condição primária,anterior mesmo às preocupaçõescom a linguagem no trato comos sujeitos de pesquisas, sobre-tudo com relação aos povos in-dígenas e aos indivíduos em si-tuação de vulnerabilidade. “Mui-tos exemplos de experimentosabusivos envolvendo índios de-monstram que os pesquisadoresnão os trataram como pessoas.Em alguns casos, os cientistas nãopermitiam que os indivíduos opi-nassem sobre a sua participação;em outros, os profissionais faziamintervenções que não seriam acei-tas em outros grupos popula-cionais”, finaliza.

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A regulação ética das pesqui-sas envolvendo seres hu-

madas ciências da vida ou afins.A análise sistemática e continua-da de protocolos de pesquisas en-volvendo seres humanos, sobre-tudo do Termo de Consentimen-to Livre e Esclarecido (TCLE), éveículo fundamental da ação éticaem pesquisa e ponto de encontroentre a ciência e a sociedade. Elarevela que a linguagem utilizadapelos pesquisadores peca, geral-mente, por excessivo tecnicismo,tornando-se praticamente ininte-ligível para a maioria das pessoase, mais ainda, para os indivíduosque pertencem à chamada popu-lação vulnerável.

O TCLE, que consiste prati-camente numa transcrição resu-mida da linguagem relativa aosaspectos fundamentais do proje-to, é evidentemente inadequadoe inadvertidamente uma expres-são da falta de ética nas relaçõesentre os agentes da produção doconhecimento. O sentido do es-tudo a ser empreendido, seus ob-jetivos, sua metodologia, o pro-cesso e os procedimentos, seusriscos e benefícios – além de to-dos os outros requisitos que de-vem ser respeitados no TCLE –devem ser explicados de formaclara, didática e compreensível.

A linguagem como veículo da Ética

Isso, sem dúvida, representaum desafio de aprendizagempara os pesquisadores (que é,na realidade, o desafio da divul-gação e da popularização cien-tífica) e um esforço de se des-locarem, simbolicamente, dolugar que ocupam, como espe-cialistas, para se colocar no lu-gar do outro, que ele mesmopode ser, em qualquer momen-to, quando se tratar de outrocampo do saber.

A linguagem do TCLE deveter por objetivo a verdadeira co-municação entre os agentes pro-dutores do conhecimento (pes-quisadores e voluntários), pro-piciando a fluidez do texto, asimplicidade, a clareza e a abor-dagem didática das informaçõesnecessárias ao pleno consenti-mento do sujeito de pesquisa,assim como o exercício dos seusdireitos humanos fundamentais.Do contrário, a comunicaçãonão será possível, e os riscos e avulnerabilidade aumentarão emdetrimento dos resultados dopróprio estudo, da legitimidademoral dos pesquisadores e dosprocessos democráticos queembasam a ética em pesquisaenvolvendo seres humanos.

Por Alejandra Rotania

Alejandra Rotania érepresentante dos

usuários da CONEP eintegrante do Centrode Estudos e Ação da

Mulher Urbana eRural Ser Mulher (RJ).

manos configurou-se, nacional einternacionalmente, sobre a com-preensão da vulnerabilidade so-cial e cultural dos sujeitos de pes-quisas e da necessidade de suaproteção. Vulnerabilidades so-ciais e culturais são conceitos queremetem, grosso modo, à neces-sidade de compreender social epoliticamente as diferenças queexistem entre a população em ter-mos de nível de escolaridade, gê-nero, raça/etnia, classe social,dentre muitas outras. De igualforma, remetem a uma exposi-ção maior e à fragilidade destaspessoas perante situações possí-veis que significam relações depoder. Como, por exemplo, en-tre aquele que “sabe” e aqueleque “não sabe”.

Evidentemente que a linguagemcientífica, na sua universalidade eem seu rigor, não é compreendi-da por leigos nem por aqueles quenão têm familiaridade com deter-minados e variados universoslingüísticos próprios de cada áreado saber. Muito menos será com-preendida por setores da popula-ção desigualmente colocados pe-rante o saber científico das cha-

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A linguagem científica é, às ve-zes, difícil de ser entendida.

Autonomia para todos

Até mesmo para os cientistas,quando eles não estão afeitos ao“jargão” de cada especialidade.Lembro-me de, há meses, ter opi-nado sobre um projeto de pesquisana CONEP (da qual tenho a hon-ra de fazer parte) em cujo “ple-no” Termo de Consentimento Li-vre e Esclarecido (TCLE) se soli-citava autorização das mães ges-tantes para a retirada de célulasde seus embriões com a finalida-de de diagnóstico de aneuploidia,que se trata de uma aberração ge-nética que pode ser auferida nosoócitos fecundados.

Ora, tratando-se de pesquisaem seres humanos, é indesculpá-vel a utilização desse “biologuês”(ou “genetiquês”) para obtermosa autorização de uma pessoa paraum determinado procedimento.Como se pretende pensar em au-tonomia do sujeito de pesquisa senão lhe damos condições de en-tender a nossa proposta?!

Há anos escrevi, juntamentecom Cláudio Cohen, um artigosobre o “bilingüismo” médico-legal. É necessário que o médi-co legista saiba exprimir situa-ções técnicas (por exemplo, adescrição de uma necropsia) emlinguagem compreensível para osjuristas. Caso contrário, de queadiantará o laudo de uma perí-cia que não possa subsidiar um

juiz na decisão de um tribunal?Consideramos como direito

humano fundamental o direito dea pessoa poder decidir sobrequestões relacionadas com suavida e sua saúde. Essa reflexãotem mais peso se tivermos emconta a falta de informação degrande parte da populaçãoquanto às questões de saúde. Énecessário, ainda, levarmos emconta a pobreza da extraordiná-ria maioria dos brasileiros que sedispõe a correr riscos como su-jeitos de pesquisa em troca deum pouco de atenção e, mesmo,de atendimento médico que lheseria inacessível financeiramen-te. Outro fator preocupante é anecessidade de que recebam adevida atenção com a finalidadede não sujeitá-los à voracidadede indústrias farmacêuticas, de-sejosas de lançar drogas no mer-cado, e de “pesquisadores” re-giamente remunerados que “nãoquerem” olhar para o dano quepodem produzir.

É por isso que os Comitês deÉtica em Pesquisa (CEPs) pre-cisam estar extremamente aten-tos e ser rigorosos em sua atua-ção. Graças a eles que temos alia-dos para impedir que os cidadãos,individualmente, e a sociedade,como um todo, sejam prejudi-cados em nome de um supostoprogresso da ciência.

Por Marco Segre

Marco Segre émédico, professor deMedicina Legal eBioética da Faculdadede Medicina da USP emembro da CONEP.

Cadernos24 de Ética em

Pesquisa

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“Carta a uma jovem cientista”Por Maria Leda de Resende Dantas

Maria Leda deResende Dantas écoordenadora da

Comissão Intersetorialde Recursos Humanos

pelo ConselhoNacional de Saúde econselheira do CNS.

primeira coisa, antes mesmoda comunicação sobre o tra-

comunicado. É claro que as lingua-gens oral e escrita são fundamen-tais! Entretanto, a linguagem cor-poral chega antes, o olhar diz mais,o saber ouvir e o ouvir fraternal sãoa base em que se funda o diálogo.Quantos pesquisadores estão dispos-tos a aprender a ouvir? Só lhes inte-ressa pensar no texto, na fala.

Acho necessário que o pesqui-sador compreenda que ele tem deser bilíngüe se quiser fazer pesqui-sa com seres humanos. Uma lín-gua é o código hermético, conci-so, conceitual, da comunidade cien-tífica. Melhor dizendo, daquelaparóquia científica restrita, pois umexpoente de outro ramo das ciên-cias se veria idiotizado numa outraparóquia que não a sua, ouvindoconceitos e jargões restritos.

O cientista teria que ser capazde traduzir para a linguagem co-loquial aqueles conceitos de seugrupo para alguém de outro gru-po. Atento ao perigo do “tradu-tor-traidor”, o pesquisador pre-cisa ter consciência da diferençaentre a sua fala e o real a que elase refere. Sem esse distancia-mento, sem essa capacidade deencarar sua fala como um fatoconcreto do mundo objetivo – queprecisa ser encarado como algo aser avaliado, a ser aperfeiçoado,mesmo que o pesquisador nãoesteja naquele nível elementar deegocentrismo que eu batizei de“infanto-narcísico” –, ele não terácapacidade de se comunicar. Operigo reside na situação – muito

cômica, se não fosse trágica – dopesquisador capaz de acreditarque o paciente é que não conse-gue compreender o que ele diz,quando, na realidade, é o pesqui-sador que não é capaz de se co-municar e de se fazer entender.

Minha paixão por palavras eu re-conheço desde o segundo ano pri-mário, antes de saber que havia umtesouro que se chama dicionário. Euficava junto de minha mãe, pedindoque ela me falasse palavras. Puxa vida!Eu levitava de contentamento ou-vindo aqueles sons e sabendo que,se eu os emitisse, os outros me en-tenderiam e que, se qualquer umemitisse aquele som, eu saberia o quepensar. Mas nem todo mundo temdependência físico-química de pala-vras. Há os que se contentam compoucas e aquelas de uso exclusivo,seja de sua gang, seja de sua equipeou comunidade de fé. Para esses,aprender a língua de seus coope-radores-pesquisandos nem chega aser um tesão. Mas eu imagino que,se começassem a ouvir o que o povodiz, eles ficariam maravilhados.

Vocabulário não garante comu-nicação. Se fosse assim, bastariadecorar uns dicionários e pronto!O encontro fantástico de um sercom o outro, a empatia, se dá pelaentonação da voz e por sua mo-dulação (ai! Os que gritam emnossos ouvidos e os que falamcomo ventríloquos). Dá-se a co-municação pelo gesto, pelo chei-ro, pelo jeito de se vestir, pelo to-que da mão e do olhar.

balho a ser realizado com o parceiro-cliente, é a condição sine qua non deque o pesquisador tenha atingido umgrau de maturidade que ele se reco-nheça parte da espécie humana, semnenhuma virtude ou direito particu-lar. Este óbvio, entretanto, está lon-ge de vigorar entre todos os mor-tais. Há os casos hilários de pessoasque, mesmo ocupando lugar de pro-eminência na política, nas artes, nareligião e na ciência permanecemem estágio de crônico “infanto-narcisismo”: acreditam, mesmosem nenhum indício de comprova-ção, que são superiores aos seus se-melhantes, os humanos.

Ora, um pesquisador, por maisesperto que seja, tendo essa mio-pia ontológica, não conseguirá umgrau de comunicação adequadocom aqueles com quem irá traba-lhar. Há profissionais de saúde ca-pazes de se dirigir a um “usuário”,um “paciente”, um “cliente”, semdeclinar seu nome, sem encontrar-se com ele dentro de um olharselante de reciprocidade. Como talprofissional conhecerá, nesse pa-ciente desconhecido, os sinaisnovidadeiros, advindos da expe-riência sob observação e controle?

Reduzindo essa questão imensa darelação “eu e tu”, tão buberiana, aocampo restrito do fazer-se entenderpor um sujeito da pesquisa, eu diriaque quanto mais igualitária for a re-lação mais facilmente os signos se-rão decodificados pelo que recebe o

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Livros

Bioética: Poder e InjustiçaOrganizado por Volnei Garrafa e

Leo Pessini, respectivamente, pre-sidente e vice-presidente da Socie-dade Brasileira de Bioética, o livroremete ao tema do VI CongressoMundial de Bioética, realizado emBrasília, entre 30 de outubro e 3 denovembro de 2002. Esta publica-ção reúne, ao todo, quarenta e cin-co textos de autoridades brasileirase internacionais da área de bioética,cujo conteúdo suscitou importan-tes e esclarecedores debates duran-te o evento. Encontro este que –por sua temática, sua qualidade esua assistência – marcou a históriada bioética brasileira e mundial,com a presença de 1.352 congres-sistas, procedentes de 62 países, omaior de todos até hoje realizado.Publicado pela Edições Loyola (SãoPaulo, 2003, 522 páginas), o textodo livro foi dividido, de forma di-dática, em sete grandes eixostemáticos. São eles: 1) bioética,poder e injustiça; 2) genética,clonagem, células-tronco, embriõese ética; 3) bioética e pesquisa comseres humanos; 4) bioética feministae maternidade/paternidade; 5)bioética e final de vida; 6) pluralismomoral e fundamentação religiosa; e7) ética profissional, dignidade hu-mana, consentimento e biodireito.

Ética, Ciência e Saúde – Desa-fios da Bioética

Discutir a Bioética de formaplural e dinâmica, sempre apre-sentando temas polêmicos. De-

Publicações em destaque

bater os vários aspectos dessanova abordagem do modo depensar e fazer ciência utilizandouma mescla de conceitos de fi-losofia, trabalhos científicos, prá-ticas profissionais e experiênciasdos sujeitos de pesquisa. Essessão alguns objetivos do livro“Ética, Ciência e Saúde – De-safios da Bioética” (183 páginas,Editora Vozes, 2001). Organi-zado por Marisa Palácios, AndréMartins e Olinto A. Pegoraro, otexto apresenta diversos pontosde discussão sobre a aplicaçãodo exercício da ética no campoda Saúde, além de abrir espaçopara reflexões sobre a práticamédica, as pesquisas que envol-vem seres humanos e o investi-mento de recursos no campo daciência.

Os 13 artigos que formam olivro – prefaciado por LeonardoBoff e organizado por profissio-nais vinculados ao Núcleo de Es-tudos de Saúde Coletiva (NESC)da Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ) – são o resul-tado de uma coletânea prepara-da a partir de material produzidopelo Simpósio Ética em Saúde,que aconteceu no Conselho Re-gional de Medicina do Estado doRio de Janeiro em maio de 1998.O encontro contou com o apoiodo NESC da UFRJ e também doComitê de Ética em Pesquisa edo Departamento de MedicinaPreventiva da Faculdade de Me-dicina da mesma escola.

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Pesquisa

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Bioética e Biorrisco – Aborda-gem Transdisciplinar

Os doutores Silvio Valle e JoséLuiz Teles são os organizadores des-ta obra, distribuída pela EditoraInterciência (418 páginas). O livroaborda diferentes temas de interes-se para o campo da ciência e dapesquisa, como o desenvolvimentode plantas transgênicas, a clonagemhumana, a bioinsegurança e a éticaem Saúde Coletiva.

Bioética: O Que É, Como se FazA trajetória da Medicina Cien-

tífica pelos séculos é apenas umdos aspectos abordados neste tex-to escrito por Fernando Lolas edistribuído pela Editora Loyola(104 páginas). O autor ainda ofe-rece ao leitor, de forma didáticae embasada, amplo material deleitura sobre os avanços tec-nológicos e as relações com omundo da ciência atualmente.Dentre as propostas apresentadas,destaca-se a necessidade de valo-rizar o diálogo como forma e con-dição fundamental em busca deum consenso mínimo em torno de

temas que suscitam permanentesdebates, como a saúde reprodutiva,a genética e a clonagem.

A Vida dos Direitos Humanos– Bioética MédicaAo longo de 503 páginas, o autorRicardo Henry Marques promoveum debate sobre conceitos e práti-cas que o levam a defender a máxi-ma de que a ciência protege a vidae a vida protege a ciência. O traba-lho, produzido pela Editora SergioA. Fabris, lança ainda luz sobrequestões como a manutenção e avalorização dos Direitos Humanosnum contexto como o nosso.

Bioética e Saúde PúblicaOs pesquisadores Paulo Antônio

de Carvalho Fortes e Elma LourdesCampos Pavone Zoboli reúnem,neste trabalho, 13 reflexões debioeticistas e profissionais da saúdebrasileiros. A coletânea, publicadapela Editora Loyola (167 páginas),aborda a importância de se proporuma agenda temática e programá-tica para a Bioética neste início doséculo XXI. Esta publicação

enfatiza o papel e o espaço daBioética no contexto das desigual-dades sociais latino-americanas,sendo que o foco central foi a vi-são atribuída aos fatores deter-minantes e condicionantes do pro-cesso saúde-doença.

Bioética. Uma AproximaçãoO livro de Joaquim Clotet

(Edipucrs, Porto Alegre, 2003, 246páginas) reúne alguns de seus tra-balhos (capítulos, artigos e editori-ais) já publicados em livros, revistase jornais do País e do exterior. Estaé uma amostra da trajetória do au-tor como docente, pesquisador e co-laborador em Bioética. Alguns dosconteúdos aqui compilados fazemparte de programas em cursos, au-las e palestras proferidas em diver-sas instituições de ensino, tais como:Pontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul, Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul, Uni-versidade Federal da Bahia, Univer-sidade Católica de Salvador, Univer-sidade de Brasília, Universidade deBuenos Aires e Universidade Na-cional de La Plata, dentre outras.

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Opinião

Pesquisa médica e tecnológia

Jacob Kligerman éex-diretor do Instituto

Nacional de Câncer(INCA)

uando se considera a pes-quisa clínica, afora aqueles

E um conflito de ordem jurídica podese instalar com a indústria quandoessa autonomia é requerida de estu-dos elaborados no próprio Instituto.

A questão da divulgação dos da-dos torna-se relevante por conta dedois fatores. Primeiro, quando essadivulgação, por intempestiva, resultena comercialização prematura deum produto que, no caso de medi-camentos, terá 20% de chances –durante até 25 anos – de ser retira-do do mercado ou de provocar efei-tos adversos ainda não relatados.Isso quando eles não contribuemefetivamente para um aumento sig-nificativo dos resultados já conhe-cidos de tratamentos estabelecidos.Aumento este observado em ape-nas 15% dos novos medicamentosaprovados pela Food and DrugAdministration (FDA), de 1989 a2000. Segundo, pela necessidade deque todos os estudos sejam regis-trados e de que seus resultados,quando adequadamente divulgados,possam ser orientadores de uma in-corporação responsável.

Dado que novos produtos cus-tam muitas vezes mais do que osexistentes, já se propôs que, quan-do o número de indivíduos que lu-cram com o lançamento de umnovo insumo médico-hospitalar formaior do que o número de doentesque dele se beneficiam, há de severificar se as fronteiras da ética fo-ram quebradas.

A aprovação de novos medica-mentos sem resultados superioresaos daqueles em uso pressiona os

Por Jacob Kligerman

Qrelativos aos sujeitos da pesquisa, aométodo científico e aos resultados,pelo menos três aspectos devem serobservados: o financiamento doprojeto, o conflito de interesses e asautonomias do pesquisador e da ins-tituição. No Brasil, esses aspectos,embora ainda incipientes, vêm pro-gressivamente ganhando terreno,dada a preocupação dos pesquisa-dores e dos administradores em dis-por de informações sobre a autofi-nanciabilidade da pesquisa e sobreo impacto que os projetos causamno orçamento institucional.

É inexistente ou minimamente se-guida no Brasil a praxe de bem es-tabelecer e explicitar a relação doinvestigador como consultor (oumesmo pesquisador) responsávelpor um projeto de pesquisa finan-ciado pela indústria farmacêutica oude equipamentos. Internamente emuma instituição também pode semanifestar um conflito entre o in-teresse do pesquisador e a disponi-bilidade financeira institucional, si-tuação emblemática da bioética daaplicação de recursos, que em saú-de são e serão sempre finitos.

O que também pode ocorrer pelaautonomia que se busca para garantira posse e o uso dos dados resultan-tes da pesquisa. No Instituto Nacio-nal de Câncer, por exemplo, issovem sendo totalmente obtido nosestudos de fase II, ficando pendenteda autorização do agente financiadornos estudos internacionais de fase III.

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Pesquisa

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serviços públicos, as operadoras desaúde e os próprios doentes. E ospreços são muitas vezes maiores doque os dos medicamentos existen-tes. Preços estes que não se justifi-cam, uma vez que os novos medi-camentos são geralmente equivalen-tes em eficácia e segurança àquelesde utilização já padronizada.

A semelhança na atividade tera-pêutica faz com que qualquer ava-liação farmacoeconômica torne-sepraticamente irrelevante. Exemplosque vêm se tornando clássicos seimpõem dentre outros apontadospor Garattini e Bertele: faz-se difí-cil explicar por que o preço do Tore-mifeno é mais do dobro do preçodo Tamoxifeno. Isso ocorre porqueum ciclo de Temozolamida custa350 vezes mais do que um ciclo deProcarbazina, a despeito de haversérias dúvidas sobre a eficácia deambos como terapêutica de glio-blastoma e de astrocitoma. Outromotivo para o fato é apontado por-que a menor toxicidade cardíaca dadoxorrubicina lipossomal não é lem-brada em favor da epirrubicina,igualmente menos cardiotóxica doque a doxorrubicina – isso sem le-var em consideração que a cardio-toxicidade deste último antracícliconão representa um fator limitantedo seu uso.

Segundo esses mesmos autores,nos últimos anos a oncologia pas-sou a dispor de uma série de subs-tâncias terapêuticas realmentenovas, os anticorpos monoclonais.Todavia, sua eficácia ainda não está

confirmada por estudos adequados,bem como sua segurança, que –ao contrário do esperado – parecedesfavorável. Porém, pode ser queo seu uso combinado possa melho-rar os resultados de esquemasterapêuticos existentes.

Há também de se ressaltar quea incorporação é mais rápida quan-do se trata de medicamentos e nemsempre se dá uniformemente, va-riando de velocidade entre proce-dimentos cirúrgicos. Como exem-plo, em menos de dois anos acolecistectomia laparoscópica foiamplamente disseminada, substitu-indo a colecistectomia. Contudo,isso se fez com muitas complica-ções e riscos desnecessários. Apro-ximadamente 14 anos depois de di-vulgados os resultados do primeiroestudo que concluiu que o tratamen-to cirúrgico conservador de mulhe-res com carcinoma mamário é su-ficiente, entre 40% e 60% dos casoselegíveis ainda estavam sendo tra-tados com mastectomia radical.

Porém, na prática também se ve-rifica que o inverso se dá: resulta-dos de pesquisas que não se confir-maram, mas que foram precoce-mente divulgados e acriticamente in-corporados, persistem em aplicaçãopor alguns profissionais. Isso cer-tamente se observa pela diferentevelocidade com que a dissemina-ção dos resultados finais se faz en-tre os diversos centros médico-hos-pitalares, tanto por pouca ênfase –ou mesmo falta da divulgação deresultados negativos – como pelo

exercício profissional em serviçosisolados do ambiente hospitalar.

Tal fato é resultado da dinâmicade um mercado que, com relaçãoà indústria farmacêutica, em 1997,só nos Estados Unidos, empregou270.000 pessoas e vendeu US$87,1 bilhões. Com a ênfase de que,naquele mesmo ano, 1.300 firmasde biotecnologia empregaram110.000 indivíduos e geraram US$9,3 bilhões em vendas.

Obviamente, resultados por lá sãocomputados como a poupança demais de US$ 9 bilhões anuais porconta do desenvolvimento do lítiocomo terapêutica da depressão. Deigual forma, US$ 333 milhões, tam-bém anuais, são calculados graçasà prevenção de fraturas costais demulheres em pós-menopausa. Po-demos ressaltar, ainda, os US$ 166milhões ao ano que os US$ 56 mi-lhões investidos em pesquisa trou-xeram com o alcance de 91% dataxa de cura do câncer de testículo.

Os números citados mostram anecessidade de altos investimentosem pesquisa, de magnitude muitasvezes maior do que os resultadosmedidos em termos financeiros, oque também aponta para a razãodo envolvimento bioético de que serevestem a pesquisa e a incorpora-ção tecnológica.

A adoção e a disseminação do usode novos procedimentos, sejam elesligados a novos medicamentos eequipamentos ou a novas maneirasde se indicar produtos já existentes,requerem o balizamento dos resul-

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tados práticos, rotineiros, dessa apli-cação. Essa é a razão pela qual, apartir dos anos 90, tem-se buscadoestabelecer parâmetros que refor-çam que cada decisão médica devese basear no conhecimento e no re-conhecimento da literatura especia-lizada. Isso significa também queregras foram formalmente estabe-lecidas para que os médicos pos-sam interpretar adequadamente osresultados da pesquisa clínica.

No Brasil, a busca da evidênciadesses resultados e a divulgação

Artigo publicado na Revista Brasileirade Cancerologia – volume 49, n.° 1, jan/fev/mar de 2003. Copyright © 1996-2003INCA – Ministério da Saúde.

dessa análise poderiam ser pilaresde sustentação técnico-científicados conselhos profissionais, das so-ciedades de especialidades e, prin-cipalmente, dos hospitais de ensi-no e pesquisa.

Uma coisa é certa: a pesquisae a incorporação tecnológica têmde ser éticas, e a sua condiçãocientífica, embora imprescindível,não é suficiente para atestar a suaeticidade. E é para garantir queos avanços trazidos pela ciênciabeneficiem efetivamente a huma-

nidade que se impõe a necessi-dade de a incorporação tecno-lógica fazer-se tanto sob os prin-cípios da beneficência e da não-maleficência do código hipo-crático como sob a égide da eqüi-dade, que garante a justiça doacesso a esses avanços.

Cadernos30 de Ética em

Pesquisa

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CONEP na internet:http://conselho.saude.gov.br

TitularesAlejandra Rotania, Anacleto LuizGapski, César Pinheiro Jacoby, IaraCoelho Zito Guerriero, João Lucianode Quevedo, Marco Segre, NilzaMaria Diniz, Pedro Luiz Rosalen,Sônia Maria Oliveira de Barros, SueliGandolfi Dallari, Teresinha RöhrigZanchi, William Saad Hossne eWladimir Queiroz.

Cadernos de Ética em Pesquisa –Nº 13 – Março de 2004 – Publica-ção da Comissão Nacional de Éticaem Pesquisa – Conselho Nacional deSaúde – CNS/MS

Conselho EditorialWilliam Saad HossneCorina Bontempo de FreitasAlejandra RotaniaLeonard Michael MartinFrancisco das Chagas Lima e Silva

Participação Abrasco – Associação Brasileira dePós Graduação em Saúde Coletiva. Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.

UNDCP – Programa das NaçõesUnidas Para o Controle Internacio-nal de Drogas.

OPAS/OMS – Organização Pan-Americana da Saúde/OrganizaçãoMundial da Saúde.

EdiçãoPaulo Henrique de SouzaConsultoria TécnicaCorina Bontempo de FreitasRedaçãoAndrea DoréPaulo Henrique de Castro e FariaCopidesque e revisãoPaulo Henrique de Castro e Faria

IlustraçõesLui RodriguesDiagramaçãoDual Design GráficoFotolito e ImpressãoGráfica Relevo LtdaTiragem7.000 exemplares

SuplentesJorge Beloqui, Christian de PaulBarchifontaine, Edvaldo Dias CarvalhoJunior, Leonard Michael Martin,Odilon Victor Porto Denardin, SôniaVieira, Marcos Fábio Gadelha Rocha,Yolanda Avena Pires de Souza,Francisco Pereira da Silva, FerminRoland Schramm, Helmut Tropmair,Eliane Elisa de Souza Azevedo eRubens Augusto Brasil Silvado.

INTEGRANTES DA COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISAConforme Resolução n.0 246, do CNS, de 03/07/97

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional deSaúde/Ministério da Saúde –Esplanada dos Ministérios – Bloco G – sala 421SCEP 70058-900 – Brasília - DFFone (61) 315-2951 / Fax: (61) 226-6453e-mail: [email protected]

Todos os artigos podem ser reproduzidos integralmente, desdeque a fonte seja citada. Os textos publicados são de responsabi-lidade de seus autores.

ExpedienteISSN 1677-4272

CNSSecretária-executiva: Eliane Aparecida Cruz

CONEPCoordenador: William Saad Hossne

Secretária-executiva: Corina Bontempo de Freitas

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