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CADERNO DO MUSEU DA VIDA 2003 OBSERVAR A EXPERIÊNCIA MUSEAL:UMA PRÁTICA DIALÓGICA? Luciana Sepúlveda Köptcke CONTADORES DE HISTÓRIAS E A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: UM OLHAR DOS PESQUISADORES DA FIOCRUZ Carla Gruzman; Adriana M. Assumpção FAMÍLIAS, EXPOSIÇÕES INTERATIVAS, E AMBIENTES MOTIVADORES EM MUSEUS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS? Denise C. Studart CÂMARA ESCURA EXPRESSA EM DESENHOS: PARQUE DA CIÊNCIA, FIOCRUZ Maria Paula Bonatto; Carla Mahomed; Paulo Henrique Colonese AVALIAÇÃO DO MULTIMÍDIA BIOSSEGURANÇA EM LABORATÓRIO COMO RECURSO EDUCATIVO Sonia Mano; Fabio Castro Gouveia A EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DE AVALIAÇÃO DO ATENDIMENTO NO PARQUE DA CIÊNCIA Sonia Mano; Paula Bonatto; Sheila Mello CIÊNCIA EM CENA: DISCUTINDO CIÊNCIA POR MEIO DO TEATRO Thelma Lopes PRÁTICAS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NA RED-POP Marcelo Santo; Sérgio Damico; Ângela Vieira; Luciana Garcez; Luciana Gomes; Leonardo Torres, Paulo Marques, Waldir Silva. 5 22 33 43 59 67 76 90 AVALIAÇÃO E ESTUDOS DE PÚBLICOS DE MUSEUS E CENTROS DE CIÊNCIA

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Cadernos do museu da vida

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CADERNO DO MUSEU DA VIDA 2003

OBSERVAR A EXPERIÊNCIA MUSEAL:UMA PRÁTICA DIALÓGICA?

Luciana Sepúlveda Köptcke

CONTADORES DE HISTÓRIAS E A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: UM OLHAR DOS PESQUISADORES DA FIOCRUZ Carla Gruzman; Adriana M. Assumpção

FAMÍLIAS, EXPOSIÇÕES INTERATIVAS, E AMBIENTES MOTIVADORES EM MUSEUS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS?Denise C. Studart

CÂMARA ESCURA EXPRESSA EM DESENHOS: PARQUE DA CIÊNCIA, FIOCRUZMaria Paula Bonatto; Carla Mahomed; Paulo Henrique Colonese

AVALIAÇÃO DO MULTIMÍDIA BIOSSEGURANÇA EM LABORATÓRIO COMO RECURSO EDUCATIVOSonia Mano; Fabio Castro Gouveia

A EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DE AVALIAÇÃO DO ATENDIMENTO NO PARQUE DA CIÊNCIASonia Mano; Paula Bonatto; Sheila Mello

CIÊNCIA EM CENA: DISCUTINDO CIÊNCIA POR MEIO DO TEATROThelma Lopes

PRÁTICAS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NA RED-POPMarcelo Santo; Sérgio Damico; Ângela Vieira; Luciana Garcez; Luciana Gomes; Leonardo Torres, Paulo Marques, Waldir Silva.

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A V A l I A ç ã OE EStUDOS DE PúblICOS DE MUSEUS E CENtROS DE CIêNCIA

Coordenação Geral do Museu da VidaJosé Ribamar

Coordenação de Educação em Ciênciasdo Museu da Vida

luciana Sepúlveda (Coordenadora);Adriana Assumpção; bianca Reis; Carla Gruzman;Eduardo Koatz; Iloni Seibel; Isabel Mendes;laise Alves; leila Oliveira; leila Seixas;Marcelle Pereira; Maria beatriz Guimarães;Maria Ismênia;Suzy Aguiar; Vânia Rocha

Projeto Gráfico:Guy leal - www.guy.com.br

Imagem da Capa:Interferência sobre gravura

de M.C. Escher

Apresentação

A Coordenação de Educação do Museu da Vida apresenta o II Caderno do Museu. Com o objetivo de promover o diálogo entre a produção interna do Museu da Vida e fóruns diversos, sobre questões conceituais e operacionais do universo dos museus em sua relação com a educação, a cultura, a ciência, a saúde e a sociedade, este segundo número do Caderno aborda a Avaliação nos museus. Reúne textos apresentados pela equipe do Museu da Vida em seminários, congressos, ou ainda fruto de dissertações e teses.

A partir de 2000, com a organização do Grupo de Trabalho sobre a Avaliação no Museu, estas atividades vêm ganhando espaço institucional e fazem parte do cotidiano das suas diversas equipes. O “GT Avaliação” reúne participantes de diferentes áreas do Museu da Vida e visa organizar uma agenda geral para a avaliação no museu, promover a troca de informações, compartilhar perguntas e respostas conceituais e metodológicas, apoiar as atividades recíprocas e refle-tir sobre a pertinência destas práticas, tanto no campo da gestão cotidiana dos museus como na produção de dados para a compreensão do uso social destas instituições. Neste número do caderno particularmente voltado para o resultado de pesquisas e reflexões sobre a avaliação, descobrimos diferentes abordagens, objetos, metodologias, e resultados.

Esperamos com isto, incentivar o debate sobre a contribuição da avaliação para aproximar os profissionais dos museus de seus diversos públicos, considerando que tais práticas possam estabelecer um espaço de escuta que qualifica a opinião do visitante, entre outros critérios existentes, para sugerir modificações em nossas atividades.Todavia, gostaríamos de lembrar que a gestão cotidiana das questões relativas ao acolhimento, às exposições, à mediação, aos diversos serviços nos museus, resultam da decisão de seus profissionais. Cabe a eles incorporar, ou não, os elementos de informação produzidos pelos dispositivos de avaliação. Neste sentido, é desejável que o investimento neste campo resulte de um desejo, de uma verdadeira predisposição para mudar, para negociar e escutar os visitantes, sem abrir mão, no entanto, do projeto cultural da instituição e de sua proposta trans-formadora, fazendo da avaliação um espaço de diálogo possível.

Rio de janeiro, 08 de dezembro de 2003.Luciana Sepúlveda Köptcke.

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ObSERVAR A EXPERIêNCIA MUSEAl:UMA PRÁtICA DIAlÓGICA?1

Reflexões sobre a interferência das práticas avaliativas na percepção da experiência museal e na (re)composição do papel do visitante.

Luciana Sepúlveda Köptcke – [email protected]

IntroduçãoNosso objetivo, neste texto, é levantar como questão meritória de discussão no campo da avaliação em museus, a implicação dos procedimentos avaliativos na qualidade da experiência de visita (museum experience) para os visitantes. Proce-dimentos metodológicos de um estudo têm implicações não apenas na natureza dos resultados alcançados, mas resultam em práticas que muitas vezes interferem diretamente na experiência museal do visitante. Caracteriza-se, freqüentemente, o aparato avaliativo como um novo espaço de participação para o público que “tomaria o centro do palco”, “ganharia voz”, tornar-se-ia “público-expert” (Davallon, J., 1999).

Podemos considerar que a integração dos conhecimentos prévios, das expecta-tivas dos visitantes e de seu modo de apropriar-se as exposições no processo de formulação dos espaços expositivos, como informação decorrente de avaliações, estabeleça um canal de comunicação e escuta entre curadores das exposições, profissionais do campo museal e público visitante. Todavia, um aspecto foi poucas vezes abordado na literatura especializada referente à idéia do diálogo entre profissionais dos museus e público a partir das práticas avaliativas: diz res-peito à percepção do visitante sobre si próprio no museu ou exposição, sobre a qualidade de sua visita e sobre o papel que assume quando colabora enquanto entrevistado. Como o visitante percebe esta nova demanda? Tais solicitações intervêm na construção do papel do “bom visitante?”2 Estas práticas resul-tam na configuração de novos espaços de troca e no estabelecimento de uma instância legitimada de reconhecimento dos saberes e da opinião do visitante? Ou, paradoxalmente, vêm pontuar, junto aos públicos, certos papéis desejáveis, comportamentos esperados, sugerindo modelos de conduta através, inclusive,

1 - Este texto foi apresentado e publicado, originalmente, nos anais do Workshop Internacional de Educação promovido pela Vitae, em parceria com o British Council, com apoio do Museu da Vida, Fiocruz, RJ,2002.

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do que poderíamos designar como “agenda subliminar de questões relevantes?”3 Diálogo ou prática disciplinar, que efeito, junto aos visitantes, estariam atrelados à produção de conhecimento sobre os públicos nos museus e exposições? Su-jeitos ou objetos, como são percebidos e tratados os entrevistados, como estes se percebem neste contexto?

Com objetivo de levantar a discussão pontuaremos, primeiramente, o surgimento das práticas avaliativas nos museus e a construção do conceito de experiência museal. Em seguida, teceremos considerações sobre o caráter assimétrico da relação entre observador e observado e comentaremos o estudo realizado “A apropriação pedagógica do Parque da Ciência do Museu da Vida, pelos profes-sores visitantes”, sobre a experiência museal do professor no âmbito da visita escolar. Neste estudo, analisaremos o nível de solicitação e participação do visi-tante docente, então observado, e a natureza da relação estabelecida entre este e o observador. Para concluir, colocaremos algumas questões sobre as implicações das pesquisas e estudos na rotina tanto dos profissionais dos museus quanto dos visitantes e sobre a possibilidade de atuar de forma pró-ativa na construção de situações avaliativas menos assimétricas e mais integradas na rotina de visita para potencializar um diálogo efetivo entre curadores de exposições, profissionais do museu e públicos visitantes.

Afinal, o que se avalia nos museus?O primeiro trabalho de avaliação em museus publicado foi o texto de Gilman sobre a fadiga museal, em 1916, na América do Norte. Este trabalho pioneiro utilizou registro fotográfico dos comportamentos durante a visita para relacionar comportamentos como “direcionamento da atenção visual, olhar” e outros, à fadiga, argumentando que esta estaria relacionada à pobreza do design expositivo. Nos anos seguintes, precisamente nas décadas de 20 e 30, psicólogos da Universidade de Yale, financiados pela American Museum Association (AMA), desenvolveram estudos formais sobre comportamentos de visitantes em museus. Seus estudos apoiavam-se em observações do deslocamento

2 - A idéia de um visitante ideal povoa o imaginário dos profissionais dos museus de forma mais ou menos explicitada. Todo ato expositivo implica em expectativas referentes aos comportamentos do visitante. Quando são apresentadas grandes obras de arte costuma-se esperar um comportamento contemplativo e introspectivo. Quando são propostos jogos ou módulos interativos o bom comportamento esperado consiste em manipular, interagir, experimentar. Assim, corre-se o risco de limitar os critérios avaliativos exclusivamente às expectativas daqueles que concebem as exposições.

3 - Os temas privilegiados em entrevistas e o teor e forma das questões apontam pontos de interesse para o observador e podem explicitar expectativas com relação ao comportamento observado.

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de visitantes nas exposições cujo produto final eram “mapas de deslocamento durante a visita” e já em 1928 a AMA publica a monografia de Robinson sobre “O comporta-mento dos visitantes dos museus”. Nos anos 60 as pesquisas de tipo quantitativo sobre o perfil social dos visitantes de museus passam a ser consideradas enquanto indicador de medida e análise do impacto dos museus na sociedade. Esta reflexão ganha corpo com a contribuição do trabalho de Pierre Bourdieu sobre os públicos dos museus de arte Europeus e o gosto pelas artes plásticas, publicado em 1969. Observa-se, no decorrer dos anos 70, 80 e 90 a crescente institucionalização de práticas avaliativas nos museus, com a criação de fóruns específicos de discussão, sociedades científicas, a presença regular do tema em Congressos e Seminários, publicações4 e com a preocupação em sistematizar o campo com a oferta de formação inicial e continuada para a avaliação em museus, em alguns países, como Canadá, França, Estados Unidos, entre outros.

O uso corrente da idéia de avaliação, como prática estruturada, provém das pesquisas sobre o currículo escolar centradas na avaliação de competências e conhecimentos dos alunos. É a partir do modelo escolar que se forma um campo de estudo parti-cular centrado nas práticas de avaliação como componente do processo e da rotina pedagógica. Esta acepção será ampliada por Tyler, em 1949, quando pela primeira vez o termo foi empregado para referir-se à análise das qualidades de um programa educacional e não das competências de indivíduos. Considera-se, de certo modo, Tyler como o pai da avaliação tal como esta é compreendida no âmbito museal: seja, avaliar em museus seria, primeiramente, investigar o funcionamento das exposições enquanto estímulos mais ou menos adequados para modificar comportamentos e facilitar a aquisição de conhecimentos. Na escola como no museu, a avaliação da aquisição de competências e do funcionamento de um dispositivo esteve quase sempre referida a objetivos predeterminados.

Apenas no final dos anos 70 aparecem mudanças quanto à natureza do que se bus-ca avaliar nos museus. Não se trata apenas de medir a adequação da competência do visitante aos objetivos predeterminados ou desejados pelos idealizadores da

4 - Publicações como o International Laboratory for Visitor Studies (ILVS), A Journal of Visitor Behavior e a revista Publics et Musées, são bons exemplos. Também nos periódicos sobre museus e educação a questão da avaliação mereceu números específicos como, por exemplo, na revista da Associação Americana de Museus (AMA), a Museum education round table (MER), com varios números específicos sobre o tema da avaliação. Artigos dedicados ao assunto despontam em revistas de educação, psicologia e ciências sociais. Publicações especializadas em museus como Curator, Museum Neuws, Museum Journal, Museum Annual, Journal of Museum Education, Museologiacal Review e outras, trazem com regularidades artigos sobre estudos avaliativos.

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exposição ou a capacidade comunicativa dos módulos expositivos, mas busca-se conhecer como os públicos lêem, se deslocam, fazem perguntas (quais), o que lhes interessa a respeito do assunto tratado, o que já conhecem sobre o tema, como interpretam as idéias apresentadas. Espera-se, desta forma, conceber exposições que integrem, desde a sua primeira fase de desenvolvimento, conhecimentos so-bre representações prévias do visitante, desejos e expectativas sobre as temáticas tratadas, mas também sobre ambientes e formas expositivas5 .

Segundo Asensio, os estudos de público e as avaliações6 surgem e desenvolvem-se diante do aparecimento de um “outro conceito de museu que apontou novas perspectivas para abordar o discurso expositivo, o papel do público e a conside-ração de sua existência no desenho das exposições”. Este autor discrimina três fases dos estudos de público: a primeira seria a fase dos estudos anedóticos – interesses particulares isolados, ausência de plano de trabalho de metodologia e de sistematização. A Segunda fase, designada “a dos estudos ingênuos”, apresenta alguma sistematização e pessoal “interessado” dedicado parcialmente para esta atividade. Finalmente, a terceira fase, na ótica de Asensio, seria aquela dos estudos sistemáticos, caracterizados pelo acúmulo de experiências compondo um “corpo de conhecimento”, com técnicas e quadros de análise variados e pessoal com especialização dedicando-se especificamente a esta atividade. O autor classifica a atividade segundo o nível de especialização e de institucionalização alcançado, uma entre várias possibilidades de organizar o desenvolvimento destas práticas no campo museal.

5 - A partir dos anos 80 vários estudos na Europa (Miles, Eidelman, Bicknell, , e outros) no Canadá (Niquette, Lefèbre e outros) e nos USA (Screven, Shettel, e outros) passarão a considerar informações sobre os visitantes em diferentes momentos da vida de uma exposição com a finalidade proclamada de interagir com estas informações considerando-as no processo de concepção da exposição. No Brasil, sem pretender a exaustividade, dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos, relatórios e trabalhos apresentados em congressos no âmbito das mais variadas áreas (Silva, M.C., 1989, Falcão, D., 1990, Carvalho, 1994, Cazelli,S., 1998, Cury, M.X, 1999, Koptcke, L.S., 2001, Studart, D.C., 1997, Beltrão, K, 1990), sugerem, desde o final dos anos 80, um movimento de estruturação deste campo de estudo.

6 - Como Estudos de Público, designamos todo tipo de investigação sobre os visitantes, com independência dos objetivos perseguidos na exposição. São considerados aspectos como o perfil (aspectos sócio-demográficos), o impacto expositivo (emoções e atitudes do visitante diante da exposição), espaço expositivos (deslocamentos), suportes comunicativos (textos, módulos, imagens, painéis, ), narrativa (compreensão das obras, fenômenos, conceitos, e associações sugeridas), Aprendizagem (conteúdos). Podemos definir que a avaliação de exposições e programas relativos inclui estudos de público mas também estudos de opinião e avaliação de todos os envolvidos na concepção e na montagem, experts, cientistas, repercussão nas mídias, repercussão na crítica especializada, sucesso de público.

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Screven ( 1990) classificou os estudos avaliativos segundo sua finalidade, relacio-nando-a à fase de produção de uma exposição, identifica: avaliações preliminares (Front-end evaluation) na fase de planejamento, para orientar a tomada de decisões sobre o tema e a abordagem, a avaliação formativa (formative evaluation) durante a fase de design, para identificar disfuncionamentos e corrigi-los, a avaliação somativa, após a ocupação, visando reunir informações, obter conhecimentos, testar hipó-teses para futuros projetos, e a avaliação de remediação visando modificações na exposição após abertura ao público. Outros autores propuseram uma classificação segundo um paradigma de referência: paradigma científico ou construtivista, evo-cando questões de natureza ontológica (realidade x construtivismo), epistemológica (objetivista x subjetivista), metodológica (experimental/manipulativa x hermeneu-tica, dialética) (Yahya, I.) ou ainda, segundo o paradigma behaviorista, cognitivo ou sócio-cognitivo (Uzzel,D.). Outra classificação aponta ainda a diferenciação entre avaliar segundo objetivos predefinidos (goal refered) (Screven, 1969, 1984, Shettel, 1994, Fanzzini, 1971, etc) ou avaliar sem objetivo predefinido (goal free), avaliação naturalística, (Wolf, 1980, Macmanus, 1986, Samsom, 2000, entre outros). Outras classificações (Screven, Macmanus,) propuseram organizar o acúmulo de experiências na área da avaliação em museus segundo o foco de interesse: aspectos metodológicos, estudos de audiência, de comportamento, estudos experimentais, reformulação teórica. Guba e Lincoln falam de quatro gerações das avaliações em museus. A primeira geração enfatiza a medida (número de visitantes ou visitas), a segunda enfatiza a descrição (observação dos comportamentos), a terceira focaliza o julgamento (a percepção e a opinião do visitante) e a quarta concentra sua área de interesse nas respostas (aprendizagem). Asencio salienta que as práticas avaliativas estão relacionadas a transformações na museologia, nas disciplinas científicas que a sustentam e na atividade do público diante das exposições, num ciclo de deman-das, retroalimentação e transformação. Neste sentido, uma nova visão do público transformaria a forma de expor, o que provocaria reações no comportamento do público, a ser revisto por novos estudos. Este processo circular situa-se no bojo da utopia política da democratização da cultura - o projeto de facilitar o acesso a museus e exposições a públicos diversificados, tradicionalmente não visitantes.

Este rápido panorama da natureza dos estudos avaliativos indica que a iden-tificação dos públicos, a natureza e a eficácia da aprendizagem em museus e a otimização comunicacional dos módulos e espaços expositivos e demais produtos e atividades, têm sido o foco principal de interesse. Também se percebe que es-tes incorporam contribuições teóricas e metodológicas de diferentes disciplinas científicas seguindo variados paradigmas teóricos na sua construção ou muitas vezes misturando aspectos de diferentes paradigmas As implicações desta prática

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(e não de seus resultados) na experiência museal do visitante parece não ter sido ainda objeto de um estudo especifico.

Em busca da experiência musealGrande parte dos estudos e pesquisas desenvolvidos para avaliar as exposições nos museus basearam-se em conhecimentos acumulados na psicologia, que, por sua vez, irrigavam igualmente as ciências da educação. Contribuições da sociologia, da psicologia social, das teorias da recepção e da etnografia vieram, da mesma forma, participar da construção (em curso) de um arcabouço teórico capaz de estruturar e orientar a reflexão sobre como os visitantes se apropriam a exposição museal, ou ainda, como “funciona” a exposição.

O conceito de experiência museal apresentado por Falk e Dierking na obra The Museum Experience (1992) aponta um modelo holístico de análise da situação de visita a museus enquanto situação complexa, onde a compreensão dos processos de cons-trução de sentido e de aprendizagem neste ambiente pressupõe a articulação entre o que os autores designam como o contexro pessoal da visita (personnal agenda – motivações, interesses, memórias, representações, conhecimentos prévios), o contexto físico (a exposição e seus componentes) e o contexto social (o grupo presente e todas as interações sociais ocorridas durante a visita). Ulteriormente, o eixo temporal foi acrescido ao sistema sinalizando que o sentido e a construção de conhecimentos a partir da visita a uma instituição museal trazem consigo uma dimensão temporal manifesta na articulação de memórias e aquisições anterio-res à visita com possíveis situações de conflito cognitivo e novas construções de sentido durante a visita; manifesta, igualmente, no “estoque” de memórias e aquisições resultantes das interações sócio-cognitivas durante a visita, disponíveis para futuros (re)investimentos em situações diversas: na sala de aula, em casa assistindo TV, no cinema, em visita a outros museus, etc.

Este modelo tem inspirado grande número de estudos e pesquisas sobre a nature-za da educação nos museus, sobre aspectos relevantes para considerar o sucesso comunicativo das exposições, mas também sobre o caráter da situação de visita para o visitante, ou como apontam os autores, cada visita é uma experiência (significativa, como em J. Dewey) única para o visitante, pois é percebida a partir do seu capital de experiências e conhecimentos, no encontro com os módulos, textos, percursos propostos pela exposição num ambiente socialmente mediado pela presença de outros indivíduos, que cruzam o caminho do visitante ou que o acompanham e com quem ele negocia um percurso de visita, manifesta opiniões e troca informações.

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A sistematização do modelo apresentado por Falk e Dierking, no início dos anos 90, vem sedimentar uma linha de trabalhos de pesquisa interessados pela apren-dizagem em ambientes de educação não-formal privilegiando uma concepção teórica sócio-cognitiva do processo de aprendizagem, em discussão e aplicação desde meados dos anos 70.

Os trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, foram, em grande parte, orientados pela abordagem da psicologia behavio-rista. Nesta perspectiva teórica, a unidade de análise é o indivíduo, e o interesse focaliza o papel da exposição, ou de módulos expositivos no estímulo à apren-dizagem. Esta abordagem enfatiza o papel dos estímulos externos (do ambiente) na modificação dos comportamentos individuais e acaba por considerar o indi-víduo observado como parte passiva no processo de aprendizagem (Uzzel, D., 1994). No campo das avaliações nos museus, reforça estudos que centralizam sua atenção nos elementos da exposição (texto, painéis, disposição dos objetos, iluminação, funcionamento dos módulos interativos, cenografia, orientação do percurso) considerando que a construção de sentido e a aprendizagem decorrem da resposta individual aos “bons estímulos”. Alguns indicado-res como o “Poder de Atração” (attracting power) ou o “Poder de Retenção” (holding power) dos módulos expositivos, amplamente utilizados na avaliação da qualidade comunicativa de uma exposição, ilustram a natureza dos resultados propostos por esta abordagem.

A princípio, nos estudos que privilegiam a abordagem behaviorista, a observa-ção da experiência museal considera apenas o contexto físico da exposição para analisar o resultado da situação de comunicação observada. Porém, desde 1935, postulando que melhor se observa a atração de módulos e objetos expostos junto a visitantes desacompanhados, Arthur Melton apontava pela primeira vez a questão da sociabilidade nos museus. A abordagem behaviorista por objetivos, desenvolvida nos anos 70, demonstra que também o ambiente social funciona como estímulo à aprendizagem ou ao comportamento e Fanzzini (Fanzzini, 1971 apud Niquette, 2000) argumenta, baseado em pesquisas de observação direta, que o simples fato de observar um visitante durante a manipulação de um módulo interativo em uma exposição, afeta a performance deste.

As teorias cognitivas estariam apoiando estudos onde a observação da experiência museal considera a interação dos contextos físico e pessoal. Finalmente, estudos baseados na abordagem sócio-cognitiva, integrando a mediação social como fator de intervenção no processo da construção de sentido e conhecimento, permi-

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tiriam uma análise abrangente da experiência museal, articulando os contextos físico, pessoal e social.

A natureza da situação de observaçãoPesquisas oriundas da sociologia da educação evidenciaram os mecanismos de avaliação no universo escolar (Perrenoud, P., 1984/ Forquin, J-C., 1992, Demo, P., e outros). Neste contexto, Perrenoud analisou os processos de construção de critérios de excelência, compreendidos como norma que permite a compa-ração entre praticantes de um mesmo domínio de saber ou de saber fazer. O autor aponta que a excelência é realidade construída cotidianamente através de processos difusos (e nem sempre conscientes) de avaliação dos alunos pelo pro-fessor e dos alunos entre si. Embora o que esteja em jogo na avaliação escolar (a regulação do fluxo de entrada e de saída da instituição escolar e a justificativa da distribuição de capital social e cultural entre diferentes segmentos sociais) seja diferente da finalidade da avaliação nos museus (a legitimidade de sua missão institucional proclamada), pelas características intrínsecas destas instituições, e ainda considerando a curta duração e periodicidade geralmente irregular das visitas a museus (práticas pontuais, eletivas, diletantes) em contraponto à rotina escolar, podemos supor que as praticas avaliativas nos museus possam propor critérios de excelência para visitantes, profissionais e pesquisadores. Todavia, se na escola a avaliação é percebida pelo aluno (avaliado) como prática constitutiva do cotidiano escolar, nos museus a avaliação não é considerada como um com-ponente intrínseco da visita. De fato, pouco se sabe do impacto deste fazer e do saber dele derivado junto aquele diretamente envolvido.

A situação de observação, característica da avaliação em museus, instaura um tipo peculiar de interação entre observador e observado (pesquisador profissional e visitante, respectivamente). Tal relação pressupõe conivência e colaboração, mas, em geral, caracteriza-se por uma forte assimetria, havendo concentração de poder no pólo do observador. Mesmo considerando a dependência do observador na boa vontade do observado em responder suas perguntas, costumeiramente, o primeiro direciona a natureza das trocas verbais, conhece a finalidade da entrevista, estipula o uso do tempo e da palavra. No caso de observações das interações comportamentais, o observador torna-se um voyeur, o observado torna-se um objeto.

A avaliação, no âmbito do museu, permite considerar informações vindas di-retamente do visitante, diminuindo a margem de incerteza no planejamento de exposições que valorizam a comunicação. Porém, é preciso estar atento à ilusão do acesso direto à percepção do visitante, àquilo que este pensa, sente, apreende

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da visita. Os procedimentos de avaliação são construções. Entre o visitante, sua experiência museal e o avaliador do museu existem procedimentos de coleta e de interpretação da informação que trazem consigo as representações dos pes-quisadores sobre o objeto de estudo, seus quadros teóricos de referência, suas questões. Certamente, durante o processo de coleta das informações, modifica-ções vão ocorrendo no quadro de referência inicial, apontando novas questões, modificando premissas, mas estaremos sempre considerando o visitante através da “lente”, do olhar daquele que observa.

Com o desenvolvimento e discussão de abordagens centradas nos processos psicosociais de aprendizagem, nas discussões sobre a construção e o significado da visita aos museus como práticas culturalmente impregnadas de significado e socialmente determinadas, os estudos avaliativos buscam aproximar-se cada vez mais da experiência de visita. Entre inovação e bricolagem teórico-meto-dológica, pesquisadores, profissionais, professores interessados desenvolvem procedimentos que solicitam a participação do observado, inclusive durante o tempo da visita.

Muitas vezes, após serem observados durante a visita, os visitantes são convidados a preencher questionários ou conceder entrevistas semi dirigidas. Em alguns casos, encontros posteriores à visita são acordados, podendo acontecer por telefone ou presencialmente, no museu, na escola, em qualquer outro local. Algumas práticas avaliativas, visando capturar a impressão do visitante sobre sua visita, propõem a realização de atividades durante o tempo passado na exposição. Um bom exemplo desta solicitação é a metodologia designada como “entrevista itinerante” desenvol-vida na França, durante os estudos da exposição de prefiguração da Grande Galeria de Evolução do Muséum national d’histoire naturelle de Paris7 . Tal procedimento implica em propor ao visitante que carregue consigo, durante seu percurso de visita, um pequeno gravador onde deve registrar todos os comentários, obser-vações, interações verbais. Segundo os pesquisadores, esta entrevista apresentou algumas dificuldades referentes à qualidade do material registrado. Os visitantes eram bastante lacônicos e os comentários, conduzidos de forma descontinua-da e artificial, não chegaram a constituir um corpo consistente para análise. A avaliação feita pela equipe apontou a importância de incluir a presença de um acompanhante durante a visita visando estimular o registro dos comentários. Este entrevistador deveria intervir o menos possível assegurando, entretanto, maior naturalidade à situação (ao ato de emissão de comentários). Após esta modificação no procedimento os resultados foram satisfatórios.

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Práticas de avaliação desta natureza interferem de forma inconteste na experiência de visita e colocam a necessidade de considerar a percepção da visita, derivada destas, junto ao entrevistado. No sentido de avançarmos nesta argumentação, analisaremos, em seguida, algumas passagens da pesquisa realizada junto aos professores visitantes do Parque da Ciência do Museu da Vida durante os anos de 2000 e 2001. Nosso intuito é explicitar e refletir sobre o nível e o caráter de solicitação e de participação do professor a cada etapa da pesquisa e sobre as implicações decorrentes desta para a visita escolar e para a equipe responsável pelo atendimento deste público no Museu da Vida.

4 - Analisando o Estudo sobre a apropriação pedagógica do Parque da Ciência

a) Apresentação do EstudoIniciamos esta pesquisa no Centro de Educação do Museu da Vida, em abril de 2000, a partir da concessão de uma bolsa de recém doutor pelo CNPq. O projeto prosseguiu, em 2001, com apoio da Faperj. A analise da apropriação pedagógica do Parque da Ciência propunha identificar a relação entre o saber, o professor, os alunos e a exposição, por ocasião de uma visita escolar a este espaço do Museu da Vida8 . Embora muitos estudos tenham colocado em evidencia a especificidade pedagógica das exposições museais em relação às praticas escolares, sugerindo problemas no modo como estas são conduzidas pelos docentes, poucos focali-zaram o momento da visita e as interações ali realizadas.

O interesse por este tema se insere, de forma abrangente, no âmbito das questões rela-tivas à apropriação diferenciada da cultura (Bourdieu, P., 1972, Forquin J-C, 1984)9 . A cultura varia de uma sociedade a outra e de um grupo a outro dentro de uma mesma sociedade. Assim, a visita a museus é praticada diferentemente segundo os segmentos sociais10 . Museus de ciência são espaços mediadores entre a ciência e a sociedade, instituições de divulgação da produção e do fazer cientifico. Também vistos como complemento da escola, principalmente em países onde o sistema de educação formal aponta problemas estruturais, como é o caso na América Latina, museus são percebidos como laboratórios pedagógicos e ocasião para atualização do docente, principalmente no ensino da ciência. No sentido de democratizar o acesso a estas instituições e à cultura que elas expõem, a escola busca fomentar a formação de hábitos culturais nas jovens gerações, visando romper o círculo do determinismo sociocultural familiar.

7 - Peignoux, J., Lafon, F., Vareille, E., L experience de visite in Van Praet, M., Eidelman, J., (org) La museologie des Sciences et ses publics, Paris, Presses Universitaies de France, 2000, 160-179 p.

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Tanto a proposta de democratizar os museus quanto à perspectiva de melhorar a qualidade do ensino encontra na prática docente um ponto estratégico. A escolha de sair com os alunos e a maneira de conduzir uma saída, em seus três momen-tos – anterior, durante visita e retorno a escola – cabe ao professor. A saída ao museu constitui concomitantemente, para ele, pratica pedagógica inserida em um contexto institucional preciso (visando à aquisição de saberes, competências, valores) e pratica cultural impregnada de significados simbólicos.

O estudo sobre a apropriação pedagógica do Parque da Ciência feita pelos pro-fessores em visita escolar tem como objetivos analisar a apropriação pedagógica da visita ao Museu da Vida feita por professores do ensino médio e fundamental, identificar as demandas do publico docente e avaliar a correspondência entre suas expectativas e o acolhimento previsto no Museu e definir uma tipologia de situações de visita escolar segundo motivações, características pessoais e sociais do professor e a natureza das suas intervenções junto aos alunos durante a visita.

b) Considerações sobre interferências da observaçãona experiência do visitanteA realização deste estudo ocasionou uma série de interferências nas visitas es-colares observadas, segundo os procedimentos metodológicos estabelecidos11 . Estes, podem ser agrupados em três momentos. O primeiro, anterior à visita, refere-se às entrevistas realizadas na escola com o professor responsável pela saída ao Museu da Vida, com finalidade de identificar motivações para a visita e representações sobre o museu. O segundo momento concerne a observação dos comportamentos e interações entre o professor, os alunos, o mediador e os módulos expositivos no Parque da Ciência. Finalmente, o terceiro acontece na escola algumas semanas após a visita. Trata-se de registrar as impressões da experiência global de visita para o professor e também para alguns alunos, através de entrevista e do método de memória estimulada12 . Busca identificar as práticas

8 - O Parque da Ciência e um dos espaços temáticos que compõem o Museu da Vida. Espaço ao ar livre, onde módulos interativos exploram questões ligadas à comunicação, à organização da vida e à energia. As visitas escolares são geralmente guiadas por um mediador do museu.

9 - Cultura é aqui compreendida como processo perpétuo de seleção, decantação e transmissão de valores, conhecimentos, regras de conduta, competências, por diversas instituições, elas mesmas produtos da cultura que são destinadas a transmitir.

10 - Sua apropriação varia em natureza e modo segundo o efeito de inculcação da família e da escola e o efeito da trajetória social que modifica as opiniões e as disposições.

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pedagógicas relacionadas à vinda ao MV, comparar como alunos e professores percebem a situação da visita observada e conhecer mais sobre hábitos culturais de alunos e professores e sobre o processo decisório relativo à saída escolar dentro de cada escola.

c) O Momento anterior à visitaSituações anteriores de observação dos comportamentos pedagógicos de pro-fessores13 indicam que estes tendem a compreender e aceitar, sem maior resis-tência, os procedimentos avaliativos em museus. A prática avaliativa faz parte da rotina do magistério facilitando para o professor a compreensão e aceitação dos objetivos explicitados pelas avaliações em geral (melhorar a qualidade da experiência pedagógica dos alunos, adequar os serviços, compreender como a visita se desenvolve) e favorecendo a adesão de docentes às práticas avaliativas propostas nos museus.

Nosso primeiro contato com o professor, no âmbito deste estudo, era organizado após a identificação de grupos com visita prevista ao Parque da Ciência. Era então solicitada uma entrevista na escola com o responsável pela visita. Embora este tipo de entrevista não tenha sido mantido como procedimento14 sistemático da pesquisa, percebemos que estas acabaram por estabelecer uma relação diferenciada entre o professor e o observador/avaliador, manifesta no decorrer do processo.

d)Negociando expectativasA ida do pesquisador/observador à escola, antes da vinda do grupo ao museu, foi acordada por telefone com o professor responsável com a finalidade, explicitada, de melhor conhecer os futuros visitantes e suas expectativas para a visita. Durante uma das cinco entrevistas realizadas anteriormente à visita, na escola, a professora convidou os alunos a participarem da entrevista, esperando uma possível interven-ção pedagógica do observador (jamais prometida). Embora nada houvesse sido previsto neste sentido, o observador resolveu acatar a sugestão integrando-o a seu procedimento. Reuniu-se com os alunos em roda propondo ao grupo que registrasse no gravador K7 suas expectativas para com a visita. O jogo era completar a frase o que espero encontrar no Museu da Vida. Após uma primeira rodada os alunos começaram a discutir sobre suas praticas culturais, ocasião de visitas a museus, outras experiências relacionadas. Embora a escola fosse relativamente próxima a Fundação Oswaldo Cruz15 , poucos conheciam a Fundação realmente. Raros haviam saído

11 - Para maior detalhamento dos procedimentos metodológicos desenvolvidos indicamos a leitura dos capítulos 3 e 4 de Koptcke,S. L, L enseignant et l exposition scientifique... (2000).

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para visitar museus ou instituições afins, sendo a escola responsável pela maior parte das saídas culturais. Alguns alunos esperavam encontrar dinossauros no Museu da Vida, referindo-se a única imagem de museu que conheciam, aquela do museu de historia natural da Quinta da Boa Vista. Após esta conversa informal na cantina da escola, coroada com simpático lanche, a professora responsável pela visita, também diretora da escola e personagem conhecido e atuante em sua comunidade, concedeu a entrevista prometida aproveitando para falar muito sobre a escola, suas dificuldades e os projetos pioneiros que realiza.

A situação aqui descrita aponta exemplos da natureza das intervenções decorrentes de situações de observação16 . Os alunos passam a ter informações sobre a Fun-dação Oswaldo Cruz, sobre o Museu da Vida e sobre o tipo de atividades que encontrarão durante a visita. O pesquisador fica conhecendo as expectativas das crianças, suas experiências anteriores relativas à visita a museus, representações sobre estes, a forma como foram informados sobre o projeto de saída (ou não) pelo professor. O professor também aumenta seu capital de conhecimento sobre a instituição, estabelece um vínculo de confiança com o pesquisador, aproveita para explicitar seus objetivos e desejos com relação à visita, manifesta opinião sobre os alunos, a escola, o museu. Todos manifestaram contentamento com o encontro.

No dia da visita, o pesquisador acolhe o grupo que demonstra grande satisfação em reencontrá-lo. Nota-se que na maioria dos casos o grupo anteriormente entrevistado solicita a presença do pesquisador, perguntando por ele no Centro de recepção no momento da chegada no museu. O pesquisador acompanha o

12 - SMR – O Stimulated Memory Research, propõe procedimentos de entrevista que buscam recuperar as impressões de uma experiência a partir da memória estimulada. Após uma primeira abordagem favorecendo o relato baseado na memória espontânea, são apresentadas fotos, vídeos ou descrições verbais de atividades, de módulos e de situações vividas ao entrevistado suscitando um (re)investimento na sua experiência possibilitando a (re)elaboração da situação vivenciada. Alguns autores utilizaram este método para avaliar a experiência museal e a natureza do impacto de visitas a museus em crianças. Stevenson, A., Bryden, M., (1991); Stevenson, J., (1991), Falcão, D., 2002 (no prelo).

13 - Em nossa tese de doutorado no Museum national d‘histoire naturelle de Paris, observamos os comportamentos pedagógicos de cerca de 160 professores em diferentes instituições museais francesas. “Les enseignants et l’ exposition scientifique: une étude de l’ appropriation pédagogique des expositions et du role de médiateur de l’ enseignant pendant la visite scolaire” , 1998, Paris.

14 - Esta prática foi abandonada devido à grande incidência de escolas que eventualmente adiaram ou desmarcaram a visita, acarretando grande investimento (de tempo) sem retorno objetivo para construção de nosso grupo amostral.

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grupo podendo sugerir, eventualmente, ao mediador responsável alguns pontos de interesse particular para o grupo em questão. Durante a visita, os procedi-mentos de observação desenrolam-se sem maiores problemas. A presença do pesquisador foi assimilada pelo grupo que não o percebe como corpo estranho no contexto da visita. Seja, embora solicitado e questionado algumas vezes neste momento, a situação de observação não causa constrangimento e parece incidir menos sobre os comportamentos e interações observáveis. Algumas semanas após a visita, o grupo foi entrevistado novamente no recinto escolar. Considerando o momento anterior e o momento da visita, percebemos que o pesquisador e o observado alternam o papel de visitante e de anfitrião, de informante e de informado.

Ilustramos ainda algumas implicações das praticas de avaliação na visita de um outro grupo escolar no qual várias entrevistas, com os envolvidos no projeto, foram realizadas. Trata-se aqui de uma escola particular situada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Todos os professores envolvidos com a saída foram entrevistados antes, durante e após a visita, único momento quando alguns alunos também deram seus depoimentos. Muito foi discutido sobre as expectativas e formas de organizar as visitas escolares a museus ou a outros tipos de instituição. Café na sala dos professores e visita às dependências da escola marcaram os en-contros. Estes professores em 2002, no ano seguinte, agendaram nova visita ao Museu da Vida e no ato de agendamento perguntaram se a atividade desenvolvida pelo pesquisador observador (obviamente não se referiram a ele desta forma) seria repetida. O acompanhamento e as entrevistas (ou discussões) foram percebi-dos pelos observados como parte integrante da própria visita. Também neste caso, notamos que para o professor, observado e observador são, aqui, profissionais parceiros compartilhando o interesse pelo sucesso da visita.

Conclusão

Uma agenda de investigação buscando o dialogoOs casos relatados acima sugerem diferentes percepções da situação de obser-vação: o professor se vê como parceiro, na construção e discussão de proposta pedagógica para a visita, como anfitrião, ao acolher o pesquisador em seu território,

15 - A escola em questão localiza-se no complexo do Alemão, favela situada entre os bairros de Bonsucesso e da Penha.

16 - Consideramos a entrevista como modalidade da observação de comportamentos (Postic, Ketele, 1994)

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como informante privilegiado, ao sugerir modificações nos espaços e atividades oferecidas nos museus. Tais percepções decorrem, acreditamos, da forma de con-dução dos procedimentos metodológicos, suficientemente flexíveis para integrar, desde o primeiro momento da interação observador-observado, reações, desejos, opiniões dos observados, poder fazer concessões, favorecendo uma situação participativa, compartilhada, reflexiva onde a escuta do observador possa atentar para informações muitas vezes inusitadas, que ultrapassam as questões previamente estabelecidas. Uma análise do teor exato das entrevistas, a fazer, pode revelar com acuidade as relações estabelecidas entre observado e observador durante todo o procedimento, propiciando um exercício de meta avaliação.

Consideramos que durante as entrevistas, abertas ou em forma de questionário, e mesmo no momento de uma observação de comportamentos e interações, embora o observador procure manter uma postura discreta, não exprimir suas opiniões e não intervir no andamento da visita, diversas são as ocasiões que o colocam no tênue limite entre observar e intervir conscientemente, seja no an-damento da visita, seja manifestando opinião sobre o tema tratado17 . Quando o observador faz parte do quadro profissional do museu a situação parece ser ainda mais delicada. Responder às perguntas do observado e, eventualmente, intervir durante a visita junto aos mediadores do museu e ao professor não apresenta necessariamente um problema metodológico desde que tal intervenção seja sempre registrada como tal. A questão que nos desperta interesse é a análise da percepção do professor e dos alunos da situação e a avaliação de possíveis impactos na qualidade da visita. Que informações são trazidas pelo observador? Há confronto de opinião em algum momento? Pode haver interesse em deflagrar discussões com pontos de vista diferentes? A entrevista coletiva apresenta maior riqueza neste sentido? As perguntas dos questionários e entrevista podem suscitar modificações nos comportamentos ou concepções dos observados? A condição de informante privilegiado valoriza a percepção do observado de sua competên-cia como “visitante”? Finalmente, considerando que a presença do pesquisador seja sempre fator de intervenção na experiência observada, sugerimos que este assuma a intervenção de forma pró-ativa ao estabelecer procedimentos visando responder a questões e necessidades imediatas do observado, estabelecendo uma situação de intercâmbio.

Colocar a questão da interferência das práticas avaliativas na experiência de visita dos observados, este foi nosso objetivo. Não apresentamos aqui qualquer resultado formal de uma pesquisa estruturada, mas uma reflexão alimentada pela análise informal de situações de observação vivenciadas. Tão pouco nos preocupamos em discutir a

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fundamentação epistemológica de uma prática de pesquisa participativa nas ciências sociais. Nosso intuito foi levantar a questão e propor a construção de uma agenda de investigação que considere a avaliação como processo, pois não se trata de um produto pronto, e sim uma forma de buscar escutar e desarmar-se diante do Outro, pensar avaliação é pensar finalidade, missão, objetivos e não há nada de natural, parcial ou neutro neste processo. Finalmente, a avaliação, assim desenvolvida, potencializa, um espaço publico de discussão e construção de opinião, de representação legitima dos visitantes que pode ajudar profissionais de museus, professores e pesquisadores a estabelecerem efetivamente o exercício da pesquisa e observação em museus como prática dialógica.

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17 - Este dilema esteve igualmente presente em variados momentos da pesquisa de doutorado. Naquele caso, procurou- se sempre optar pelo distanciamento, evitando qualquer intervenção, considerando o papel do observador enquanto pesquisador, sem qualquer responsabilidade direta pelos serviços e produtos oferecidos pelo museu onde a pesquisa estava sendo realizada. Todavia, em alguns casos o observador era praticamente intimado pelo observado a participar, quando este perguntava diretamente sobre o teor da pesquisa, sobre o andamento da visita ou pedia informações sobre algum assunto tratado no museu.

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CONtADORES DE HIStÓRIAS E A DIVUlGAçãO CIENtÍFICA: UM OlHAR DOS PESQUISADORES DA FIOCRUZ

Carla Gruzman1 - [email protected] Adriana M. Assumpção2 - assumpçã[email protected] M. Seixas3

Que me dêem uma boa razão para que os jovens se apaixonem pela Ciência. Para isto seria necessário que os cientistas fossem também contadores de estórias, inventores de mitos, presenças mágicas em torno das quais se ajuntassem crianças e adolescentes, à semelhança do “Flautista de Hamelin”, feiticeiro que tocava sua flauta encantada e os meninos o seguiam...Rubem Alves, 1995

ApresentaçãoNeste trabalho, pretendemos tecer algumas considerações sobre as práticas de leitura e sua interface com os campos da educação, comunicação e a divulgação científica para, em seguida, apresentar um estudo exploratório sobre a participação de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz no evento mensal dos Contadores de Histórias no Museu da Vida. Buscamos compreender as percepções e atribuição de sentidos dos pesquisadores com relação à proposta de articulação entre literatura infanto-juvenil e ciência junto ao público de visitantes do museu.

A arte de contar histórias é um ofício dos mais antigos. Presente em diferentes culturas revela costumes e hábitos de um determinado grupo, numa determinada época, e acompanha as mudanças cotidianas ocorridas ao longo dos séculos. Esta prática pode ser encontrada tanto na esfera pública das praças, quanto no ambiente familiar. A comunicação que se estabelece através desta expressão oral é bastante ampla: fortalece tradições, abordando valores éticos e morais que vão sendo passados de geração em geração; enriquece a sociabilidade do grupo apon-tando para conflitos, dificuldades e impasses em busca de soluções; suscita uma gama de emoções em quem as ouve ou as lê; instiga a imaginação e a curiosidade. Escutar histórias é, em geral, o primeiro contato da criança com o texto em seu sentido mais amplo. Início de um caminho de fantasias, de questionamentos, de descobertas e de relações com o mundo que a cerca. Ler e escutar histórias desperta interesses, base para a formação de um leitor.

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Em tempos recentes, a atuação de contadores de história, vem sendo utilizada como importante recurso pedagógico no trabalho de incentivo à leitura. Este processo teve início na valorização do fato de que ao ler-ouvir promove-se o contato com diferentes realidades, possibilitando ao leitor tecer seus próprios significados sobre a história narrada. Nesta trajetória, caminha-se do real para o imaginário e vice-versa, isto é, o leitor tem a oportunidade de lançar-se na direção tanto da fantasia como do seu cotidiano e estabelecer um diálogo entre estes dois mundos. No Museu de Ciências, este processo busca fomentar o debate sobre ciência e cotidiano com os visitantes. Ancorado nas atividades voltadas à divulgação científica vividas na instituição, transforma-se numa estratégia educativa.

A proposta do Programa Leitura e Ciência surge da iniciativa do Centro de Educação em Ciências, em parceria com a Biblioteca do Museu da Vida, para a atuação conjunta voltada à promoção da leitura a partir da literatura. Este Programa integra um dos eixos de atuação do Centro de Educação em Ciências designado como Linguagens, Processos e Produtos e voltado, mais especificamente, para a elaboração, desenvolvimento e acompanhamento de atividades centradas na mediação cultural. Em outra linha de ação, concentra seus estudos nos pro-cessos educativos que interagem com o campo da comunicação.

Privilegiar a leitura literária implica em desfrutar com outros a convivência com textos variados, porque ler e contar histórias instiga a imaginação e a curiosidade, agrega pessoas e suscita uma gama de emoções em quem as ouve ou as lê. No decorrer do encontro, a socialização da leitura desperta interesses, favorece a troca de idéias, permite identificar questões relevantes e contribui para melhor compreender o mundo que nos cerca, base para a formação de um leitor. A intenção de entrelaçar as práticas de leitura e, mais especificamente, o texto literário com as temáticas da ciência e da saúde, visa ainda à aproximação entre o cientista e o público. Em última instância, pretende-se possibilitar aos visitantes a ampliação do conhecimento sobre as atividades exercidas pelos pesquisadores da Fiocruz em diversos campos científicos, tomando como ponto de partida as histórias selecionadas, seguida da narrativa sobre o seu trabalho cotidiano.

1 - Mestre em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde, Museu da Vida / Fiocruz.2 - Bolsista do Programa de Aperfeiçoamento Profissional – Museu da Vida / Fiocruz.3 - Bolsista de Iniciação Científica FAPERJ- Museu da Vida / Fiocruz.

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Práticas de leitura: Interfaces com os campos da educação, comunicação e divulgação científica O intenso processo de transformação que a sociedade vem atravessando atual-mente coloca a educação num papel de destaque para enfrentar os novos desafios impostos pela globalização e pela revolução tecnológica baseada em tecnologias da informação/comunicação (Lévy, 1996). Ante os múltiplos desafios do futuro, vislumbra-se na educação um importante trunfo para a construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Além disso, a sociedade tem sido convocada a enfrentar tanto a intensa produção de novos conhecimentos gerados num tempo cada vez mais curto e acelerado, quanto a lidar com uma grande parcela da população que não se encontra contemplada nesta nova configuração social, promovendo o acesso dos excluídos à uma sociedade mais justa e igualitária Gohn (1999).

Neste contexto, podemos observar que diversas formas de lidar com a informa-ção e o conhecimento vão se tornando parte de nossa experiência cotidiana, e como conseqüência a compreensão que temos sobre a aprendizagem também deve ser questionada. O conceito de educação tende a se alargar para além do ambiente escolar, em espaços sociais aonde diferentes saberes vindos da cultura oral, audiovisual e letrada estão disponíveis. Além disso, as diferentes linguagens que se propagam no modo de vida atual produzem e difundem conhecimentos que se encontram mediados por tecnologias em constante transformação, exi-gindo também uma adaptação nos modos de ver, de ler, de pensar e de aprender (Martín-Barbero, 2002, 2003).

Ao abordar as práticas de leitura no decorrer dos séculos focalizando grandes temas, compreendemos com Manguel (2001) que estas não ocorrem num espaço-tempo abstrato, mas se realizam por meio de ações concretas: tomam parte em lugares e contextos diversos, por meio de diferentes suportes e atuam através de gestual variado. Neste sentido, o autor do livro Uma História da Leitura afirma que o ato de ler implica tanto em características subjetivas quanto revela aspectos sociais, econômicos e culturais de uma determinada época.

No campo da educação a preocupação com a leitura e a formação do leitor tem sido expressa, ao longo dos últimos anos, por meio de estudos que abordam os saberes envolvidos no cotidiano do ensinar e aprender, as múltiplas linguagens que permeiam as práticas de leitura e as diferentes dimensões que atuam na difusão da literatura e formação do seu público, entre outros, (Lajolo, 2002; Paiva, 2003; Soa-res, 2003). Proposições concretas realizadas no âmbito escolar também procuram

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integrar professores, pais e alunos. Em outra esfera de ação, iniciativas preciosas de incentivo à leitura promovidas pela Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil/FNLIJ e PROLER buscam alcançar leitores de diferentes faixas etárias, grupos com interesses específicos e comunidades de um modo geral (Serra, 1999).

Por outro lado, agências e organizações internacionais como a ONU e a UNESCO também tem contribuído com estas reflexões. Novos delineamentos do campo da educação discutem ferramentas e conteúdos essenciais para a aprendizagem, assim como os valores e atitudes para viver e desenvolver a capacidade humana no mundo atual. As diretrizes e recomendações apontam não somente para a erradicação do analfabetismo como prioridade máxima, mas buscam garantir principalmente a educação continuada para todos e por toda a vida (Delors, 1998; Morin, 2000).

A relevância do ato de ler não está relacionada somente à capacidade de reconhecer palavras e decodificar determinados caracteres, muito além dessa possibilidade, a leitura se relaciona à capacidade de atribuir sentido aquilo que se lê. Para Freire (1988), o sentido das coisas vai sendo construído pelos sujeitos mesmo antes de um processo de alfabetização das letras, pois a maneira como compreendemos o mundo é anterior a leitura da palavra. A leitura do mundo é pessoal, mas também adquire uma conotação histórica e do grupo no qual se está inserido. Numa visão mais ampla ler é compreender e interpretar o ambiente que nos cerca, o mundo em que vivemos, a partir das informações obtidas ou diante dos acontecimentos do dia-a-dia e com isso participar de forma mais crítica e plena na sociedade. Estes atributos relacionam a formação do leitor ao exercício da cidadania.

O estreito vínculo entre a leitura e a participação social foi reafirmado por Frei-re no Terceiro Congresso de Leitura do Brasil, realizado em 1981. Revisitando sua trajetória pessoal o educador torna a afirmar que a leitura é um processo de conhecimento e um ato criador, onde o centro do processo de alfabetização é o próprio sujeito. Assim, promover a leitura é poder compartilhar com o outro não somente os aspectos estéticos e afetivos do gosto pela leitura e que deixam nossos olhos brilhando, mas é também agir de maneira pró-ativa no desenvolvimento dos aspectos cognitivos que se relacionam ao conhecimento, possibilitando o desenvolvimento da capacidade de análise e de crítica.

A partir do contexto apresentado surgem algumas questões: A quem cabe a ta-refa de promover a leitura? Será o museu um local próprio para estas reflexões? Que contribuições um museu de ciências pode trazer para este debate? Que

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ações podem favorecer o gosto pela leitura? Como potencializar o diálogo entre a literatura e a ciência?

O museu é atualmente reconhecido por sua missão cultural, e além das funções de preservar, conservar, pesquisar e expor, apresenta-se também como campo fértil para as práticas educativas. O compromisso de colocar-se à serviço de uma sociedade em constante transformação, orienta os trabalhos desenvolvidos a fim de sensibilizar os indivíduos sobre o seu patrimônio cultural, universal e local, e empreender um diálogo constante com os diferentes públicos que o freqüentam.

Segundo Gouvêa (2000), as ações voltadas à comunicação pública da ciência para uma audiência de não especialistas têm seus fundamentos a partir da ciência moderna, na medida em que ocorre uma especialização crescente dos diversos campos de conhecimento. Esta setorização do saber, assim como a sua intensa complexidade contribui para a construção de um discurso próprio a cada área do conhecimento, afastando o público não especialista. Por outro lado, a autora aponta para a universalização da leitura e a constituição de uma nova configuração social que se apóia em diferentes linguagens (falada e imagética) e não excluem os não alfabetizados, de modo que a difusão científica tende a alcançar outros setores da população.

A dinâmica da produção de conhecimentos tem na comunicação o seu eixo principal de atuação. É a partir do processo constante de diálogo e interação com a realidade que o cientista identifica os indícios com os quais trabalha, interpreta os textos e relaciona-os para construir novos sentidos. Simultanea-mente, o investigador instala um nível de comunicação exterior, quando entra em contato com outros públicos para expor e defender suas idéias em fóruns específicos junto a seus pares, assim como para públicos diferenciados (Delgado e Quevedo, 1997).

Salientamos ainda que a comunicação científica é um processo que envolve uma dimensão ética da divulgação da ciência que trata da circulação das idéias e dos resultados das pesquisas. Assim, Candotti (2002) afirma a importância de facilitar o acesso dos conhecimentos científicos produzidos às comunidade dos não es-pecialistas a fim de avaliar o seu impacto social e cultural por meio de debates.

Podemos dizer que a divulgação científica compreende as explicações e difusão dos conhecimentos, da cultura e do pensamento científico e técnico, e se exprime através de dois preceitos. O primeiro refere-se à idéia de difusão do pensamento

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científico fora do contexto da educação formal. O segundo ponto informa que estas explicações extra-escolares não devem ter como objetivo formar ou aper-feiçoar especialistas, mas voltar-se para um público bastante amplo (Massarani, 1998; Gouvea, 2000). Neste sentido, entendemos a divulgação científica como uma prática social pertinente aos museus de ciência e tecnologia, entre outros, e que tem como propósito a reelaboração do discurso científico a partir da sua comunicação junto à esfera pública.

A proposta de convidar um pesquisador para as apresentações temáticas dos Con-tadores de Histórias está em consonância com a idéia de divulgação científica, aliada à possibilidade de desmitificar a figura do pesquisador e aproximá-lo do público, favorecendo a circulação de idéias com relação ao trabalho cotidiano do cientista.

A participação dos pesquisadoresO Museu da Vida vem realizando atividades com contadores de histórias desde 1999, ano em que participou pela primeira vez do evento Paixão de Ler. Hoje, o Programa Leitura e Ciência conjuga as demandas identificadas pelo Circuito de Visitação à orientação pedagógica do Centro de Educação em Ciências, con-formando três grupos de atividades: histórias no fim de semana, participação em eventos e capacitação de pessoal para atuar no Circuito de Visitação. Por se tratar de um trabalho de incentivo à leitura está estreitamente relacionado à biblioteca.

As Histórias no Final de Semana integram o conjunto de atividades que abordam arte e ciência previstas para ocorrer aos sábados. O fio condutor da atividade está pautado na possibilidade de articular literatura, ciência e cotidiano a partir de temáticas que se relacionam mais proximamente com os conteúdos gerais de nossa instituição – ciência, saúde e tecnologia.

Sua estrutura é formada por um grupo de contadores de histórias que aborda o tema em destaque; a contribuição de um pesquisador que traz o depoimento sobre o seu trabalho cotidiano; seguido de um momento de debate com o pú-blico e a presença de todos os participantes. Esta organização procurou levar em conta nossos objetivos iniciais, as características do público e o tempo de duração da atividade.

No planejamento anual dos Contadores de Histórias no Museu da Vida realizado pelo Centro de Educação em Ciências, busca-se apontar as temáticas a serem desenvolvidas no período, assim como os possíveis pesquisadores-colaboradores.

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Contudo, a construção da agenda deve admitir uma certa flexibilidade em sua organização a fim de permitir a incorporação de novos temas identificados pelo Museu ou sinalizados pela própria Fiocruz no decorrer do ano.

A programação de cada evento se dá por meio de reuniões nas quais a equipe responsável planeja, produz, e avalia as atividades. Num primeiro momento bus-camos na literatura uma variada gama de textos (contos, poesias, lendas, cordel, crônicas etc.) que se relacionam com o tema do mês. Estes são lidos e analisados, de maneira a focalizar os principais aspectos abordados. Em uma ação coordenada voltamos nossos esforços para identificar e contactar os pesquisadores que venham a contribuir no evento. Somente após a definição do pesquisador e sua área de atuação é que delimitamos mais a temática, definimos o grupo de histórias a serem contadas, além de propor o título do programa que consta do folder. Desta forma, a escolha da temática é aliada à possibilidade de participação de um pesquisador da Fiocruz, que trabalhe numa área relacionada ao referido tema. Nas apresentações, são incorporados outros recursos de linguagem como música, objetos de referência, projeção de imagens e iluminação cênica.

O primeiro contato com o pesquisador é realizado com o objetivo de apresentar a proposta do Programa Leitura e Ciência, explicitar a estratégia metodológica desenvolvida na elaboração do evento – apresentação dos contadores de histórias, narrativa do pesquisador convidado e debate - e situar esta proposta na esfera das atividades de educação e divulgação científica realizadas pelo Museu da Vida, a fim de que ele perceba como será abordado o tema escolhido e de que forma ele poderá se inserir nesse contexto. Um segundo encontro pode vir a ocorrer para discutir melhor o assunto proposto, conversar sobre as características do público visitante aos finais de semana e identificar o material a ser utilizado durante a apresentação.

Neste estudo buscamos compreender como se dá a participação dos pesquisado-res na proposta dos Contadores de Histórias do Museu da Vida nos finais de semana. Em nossas investigações iniciais discutimos aspecto tais como: Qual o perfil do pesquisador que participa da atividade dos contadores de histórias? Quais as expectativas desse pesquisador com relação a esta proposta? Que recursos utiliza em sua narrativa? Como o pesquisador avalia sua participação na atividade?

Nosso estudo foi pautado na abordagem qualitativa, entendida como aquela capaz de incorporar os significados atribuídos pelos sujeitos e as intencionalidades inerentes aos seus atos. Como sujeitos da pesquisa, identificamos aqueles que atuam como

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pesquisadores na Fiocruz e, em particular, os que participaram no período de 2001 à 2002, dos eventos de final de semana dos contadores de histórias. Assim, dos dezessete profissionais convidados, foram realizadas entrevistas com treze pesquisadores de diferentes departamentos das seguintes Unidades: Instituto Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública e Diretoria de Recursos Humanos. Utilizamos como instrumento de pesquisa um roteiro de entrevista semi-estruturado, onde os pesquisadores eram solicitados a falar sobre suas experiências anteriores na área de divulgação científica, o papel do Museu de Ciências, a participação nessa atividade e como avaliam a proposta de relacionar literatura infanto-juvenil com ciência. As entrevistas foram realizadas num período posterior a cada apresentação, nos próprios departamentos onde os pesquisadores desenvolvem seus trabalhos. Utilizamos equipamento de áudio para gravação dos registros orais, que tiveram em média a duração de quarenta minutos.

Os temas abordados em cada evento e os subtemas propostos pelos pesqui-sadores foram os seguintes: 2001-Uma Odisséia no Museu / Ciência e Ficção Científica; Caramujos, Caracóis e Caraminholas / Giros na Vida dos Caramujos; Ambiente Urbano / Poluição Ambiental; Segredos da Floresta / Medicina da Floresta; Quem Tem Medo Vem Ouvir / O Medo e Seus Segredos; Castelos e Suas Histórias / O Castelo e a Cidade4 ; Meus Direitos: Sou Criança / Creche - um direito da criança; Índio em Cena / Vivendo com os índios; Cobras e Animais Peçonhentos / Vital Brasil 1865 -1950: Um cientista Diferente?; Águas de Março/ A luta pela Água e Saúde Ambiental na Região da Leopoldina; O Livro e suas Histórias / Paixão pelos Livros; Jogue Limpo / Lixo e Cidadania.

A caracterização dos pesquisadores possibilitou a identificação das seguintes áreas de formação: cinco possuem graduação em História, dois em Biologia, um em Antropologia, um em Ciências Sociais, um em Arquitetura, um em Engenharia Civil, uma em Pedagogia e outro em Artes Cênicas. Dentre os entrevistados, oito são doutores, dois são mestres e três possuem pós-graduação lato sensu.

Com base na análise das entrevistas, observamos que o momento de apresentação para o público cria grande expectativa no pesquisador. Inicialmente alguns pensam em se apresentar como palestrantes, mas após os encontros com a equipe, se es-truturam para uma apresentação mais informal. A maior parte dos pesquisadores utilizou outras linguagens na sua comunicação com o público. Desta maneira, à narrativa verbal foram incorporados recursos imagéticos - slides, transparências, fotos, trechos de vídeos; auditivos – sons e música; textuais - folders explicativos, livros, cartilhas; exemplares de espécimes – amostra de coleções de insetos, ca-

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ramujos e plantas medicinais; objetos de referência – objetos indígenas, infantis e recicláveis; e até dramatização de situações e figurinos especiais. Uma das pesquisadoras convidadas em 2002 trouxe objetos pessoais para montagem de um cenário e ainda se utilizou de um figurino especial relacionado com a temá-tica de evento; tudo isso, segundo a própria, foi um desejo de utilizar sua veia artística para falar de temas, que geralmente ela só falava para os seus pares e que na maioria das vezes são difíceis para o público leigo. Em alguns relatos os pesquisadores afirmam ser mais difícil preparar-se para uma apresentação com essas características do que apresentar-se para seus pares.

Em relação aos sujeitos, evidenciamos que mesmo aqueles que desenvolvem um trabalho no qual levam em conta a produção e circulação de conhecimentos, afirmam que a divulgação científica é ainda incipiente. Quanto ao papel do museu, destacaram os aspectos da educação e divulgação em ciência e saúde como parte de sua missão, além da importância de incluir as comunidades do entorno da Fiocruz nas discussões. A maioria dos entrevistados afirmou não conhecer outras atividades envolvendo contadores de histórias e divulgação científica, apontando para a relevância desse trabalho que associa a proposta lúdica da literatura com as temáticas relacionadas à ciência.

Observamos que apesar de vários entrevistados possuírem uma preocupação com relação à desmistificação da ciência, a comunicação com o público é muitas vezes permeada pela linguagem acadêmica, dificultando a compreensão da audiência. Falar para um público heterogêneo foi considerado pelos sujeitos como um desa-fio, mas também uma experiência rica por favorecer o diálogo com os visitantes do Museu, ampliando o acesso da população às informações científicas.

Considerações FinaisA experiência de contar com a participação de pesquisadores de diferentes Uni-dades da Fundação Oswaldo Cruz tem sido bastante enriquecedora para todos. Especialistas em sua área de atuação possuem vasta experiência profissional no tema indicado. Alguns trabalham ou já trabalharam com grande público, mas todos buscaram uma forma particular de aproximação no relato de sua experiência. Muitas vezes o próprio pesquisador traça algumas relações entre as histórias contadas e o seu campo de atuação, de maneira a estabelecer um diálogo inicial entre fantasia e realidade, sublinhar os impasses apresentados ou destacar aspectos de um personagem.

4 - Contou com a participação de dois pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz.

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Tendo em vista os resultados alcançados com esta pesquisa, percebemos a necessi-dade de avançar na compreensão das relações que se estabelecem entre os sujeitos que tomam parte no processo de divulgação científica. Nosso estudo mostrou que os pesquisadores que participaram desta atividade com os Contadores de Histórias, compreendem o papel do museu como um importante espaço social para as práticas de divulgação científica. Neste contexto, a atividade proposta favorece as discussões sobre temáticas do âmbito da ciência e possibilita aos vi-sitantes relacionar aspectos da ciência com o seu cotidiano, colaborando também com a democratização do saber científico. Esse trabalho também sinalizou que a ampliação das temáticas identificadas poderá ser muito positiva, na medida em que pudermos abarcar temas que sejam sugeridos pelos próprios visitantes. Acreditamos também que esta atividade possa ser desenvolvida no Circuito de Visitação do Museu da Vida com o público escolar que freqüenta a instituição a partir de visitas agendadas.

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FAMÍlIAS, EXPOSIçÕES INtERAtIVAS, E AMbIENtES MOtIVADORES EM MUSEUS : O QUE DIZEM AS PESQUISAS?

Denise C. Studart – [email protected]

A Pesquisa de Público em MuseusA necessidade de pesquisar o público de museus está ligada a um maior interes-se, por parte dos museus, em conhecer seus visitantes e seu público potencial, compreender a natureza da comunicação em espaços de educação não formal, e investigar como estratégias interpretativas/comunicacionais/educativas adotadas em exposições afetam o comportamento e as percepções do visitante.

A pesquisa de visitantes de museus pode ser definida como uma área de aplicação das ciências sociais que diz respeito ao comportamento humano e à comunicação humana em espaços museológicos (McManus, 1991b). Ela consiste de enquetes junto aos visitantes, estudos de avaliação e projetos de pesquisa sobre o público de museus. Os tópicos investigados podem incluir: dados demográficos e psi-cográficos referentes ao público de museus; os efeitos do design e dos elementos interpretativos de módulos expositivos sobre o comportamento e as percepções do visitante (interações sociais, atenção, motivação, atitudes, opiniões); avaliações sistemáticas dos resultados de cada exposição ou programa durante ou após a instalação; e investigações sobre o processo de aprendizagem nestes espaços (ASTC, 1990; McManus, 1991a; Bicknell & Farmelo, 1993).

Diferentes tipos de pesquisa e métodos de avaliação derivados da psicologia, antropologia, sociologia e educação são aplicados na pesquisa do público de museus. Os métodos aplicados nos estudos variam e incluem técnicas de coleta de dados como questionários, entrevistas, observação discreta, observação par-ticipativa e gravação em videotape (Hein, 1998:69).

Estudos sobre a Aprendizagem de Grupos Familiares em ExposiçõesOs grupos familiares desempenham um papel importante na construção de um público constante nos museus. Alguns autores consideram as visitas de famílias aos museus como “a maior influência para um comportamento de visita a museus em idade madura” (Jensen, 1994:302). Em pesquisa realizada na Inglaterra com 150 famílias que visitam exposições interativas, 61% das crianças entrevistadas

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afirmaram que preferem visitar museus com a sua família (Studart, 2000). Estudos de visitantes realizados em museus na Europa e nos Estados Unidos sugerem que os grupos familiares em visita a um museu têm características especiais: as famílias funcionam como uma unidade social. O grupo familiar age em conjunto para construir uma experiência familiar de comunicação baseada na experiência museal (McManus, 1994:81).

As pesquisas sugerem também que a família funciona como um sistema de aprendizagem flexível, e que o grupo familiar segue uma estratégia evidente para aprender enquanto está no museu (Hilke, 1989). A compreensão da família como uma unidade social, com estratégias e características de comportamen-to específicos, traz implicações para os museus, que devem ser capazes de fornecer instalações e condições adequadas para atender a esse público. Para poder planejar experiências para grupos familiares, os museus precisam com-preender como as famílias se comportam e quais são as suas necessidades e suas expectativas quando visitam um museu (Falk, Moussori e Coulson, 1998; Studart, 1997, 2002).

• O contexto social e os comportamentos que dizem respeito à aprendi-zagem de grupos familiaresO ambiente do museu não é apenas um espaço que contém exposições, mas é também um cenário social público. Muitos autores escreveram sobre o papel que o contexto social desempenha no aproveitamento de uma visita (McManus, 1987; Blud, 1990; Falk & Dierking, 1992). Em seu estudo desenvolvido no Natural History Museum, em Londres, McManus descobriu que o contexto social dos visitantes afeta seu comportamento e aprendizagem (McManus, 1987). Ob-servações etológicas realizadas em museus de ciência também indicam que os grupos familiares tendem a demonstrar comportamentos de ensino que incluem mostrar, apontar, descrever alguma coisa e levantar questões (Diamond, 1986). Nesse estudo, a autora conclui que ensinar ocorre como um aspecto fundamental da interação social espontânea dos grupos familiares (Diamond, 1986:152). Pes-quisas recentes realizadas em museus indicam que os grupos familiares estão à procura de experiências educativas e agradáveis e desejam um ambiente relaxante para suas atividades sociais (McManus, 1994).

• Famílias e exposições interativasUma pesquisa realizada no Science Museum, em Londres, mostrou que as exposições totalmente interativas estimulam muito mais discussões dentro do grupo familiar do que as exposições estáticas, e encorajam muito mais debates e argumentações (Blud 1990b:259). A autora observou, entretanto, que nem todas as exposições

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interativas provocam interações sociais. Por exemplo, um aparato interativo que só possa ser usado por uma única pessoa não encoraja interações sociais, ao passo que um aparato que possa ser plenamente manuseado por várias pessoas ao mesmo tempo proporciona oportunidades para o intercâmbio social. Os resultados da pesquisa sugerem que as exposições interativas podem chamar e manter a atenção do visitante, algo que é considerado um componente importante da aprendizagem (Dierking, 1987; Dierking & Falk, 1994).

Blud também investigou se a noção de conflito sócio-cognitivo, apresentada pelo psicólogo social Doise com base nos estudos de Piaget sobre conflito cognitivo, poderia ser usada para examinar a aprendizagem familiar em museus e, especialmen-te, os resultados cognitivos relativos à compreensão de um processo ilustrado em exposições (Blud, 1990a). Blud entrevistou 50 grupos familiares em três exposições diferentes – uma completamente interativa, uma do tipo “aperta-botão” (“push-button”) e uma estática – que demonstravam o processo tecnológico para operação de rodas de engrenagem. Ela elaborou um questionário para ser respondido por crianças e seus pais após terem visto as três exposições, e as respostas corretas foram computadas. Essa investigação não forneceu resultados estatisticamente signi-ficativos que poderiam mostrar que as exposições interativas são mais eficazes do que as estáticas no que diz respeito ao aprendizado de conteúdos específicos (Blud, 1990a:49). No entanto, as exposições interativas encorajam muito mais discussões dentro do grupo familiar (Blud, 1990b).

A pesquisa de Blud tinha como objetivo examinar o aprendizado com base na aquisição de conhecimento e nos resultados cognitivos e interações familiares em diferentes tipos de exposição. O referido estudo optou por aplicar uma avaliação educativa formal (as respostas corretas dos visitantes) a um espaço de educação não formal (o museu), que se caracteriza pela livre escolha, percep-ções múltiplas e interações sociais. Embora seja possível usar a avaliação de uma exposição de museu para verificar apenas os resultados cognitivos de uma visita, os pesquisadores e profissionais de museu devem, sempre que possível, considerar a ampla natureza da experiência museal, o papel que as experiências afetivas representam nesse contexto e como esses fatores podem influenciar os resultados cognitivos.

• Estratégias para a aprendizagem de grupos familiares em exposiçõesAs pesquisas de público em museus também têm procurado investigar as estratégias familiares para aquisição e troca de informações. Hilke procurou explorar a eficácia dos museus enquanto ambientes de aprendizagem e como as famílias se comportam

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e aprendem em dois tipos de espaços: uma sala participativa com oportunidades de manipulação de aparatos interativos e uma sala tradicional em que os artefatos estavam expostos em vitrines ou atrás de proteções (Hilke, 1988, 1989). A amostra de família investigada consistiu de 42 grupos formados por pessoas de diversas idades (contendo pelo menos uma criança e um adulto), totalizando 128 participantes.

Hilke registrou o padrão de ações espontâneas (eventos de ação) entre os membros da família nas exposições, usando sentenças de observação consideradas relativas à aprendizagem, tais como ‘pedir para descrever’, ‘perguntar o nome de’, ‘ver os grá-ficos’, ‘escutar’, ‘tocar’ (Hilke, 1989). Foi encontrado um total de 96 eventos de ação codificáveis, relativos a estratégias de aprendizagem pessoais e cooperativas.

De acordo com suas descobertas, embora os membros da família empregassem tanto estratégias pessoais como cooperativas para adquirir e disseminar infor-mações, aproximadamente 72% de todos os comportamentos que funcionavam na aquisição de informações relacionavam-se com estratégias pessoais. As des-cobertas indicam que o foco das estratégias de aprendizagem dos membros da família nos museus investigados são as exposições, confirmando que os objetos e os aparatos interativos são o foco principal desta aprendizagem.

Hilke também descobriu que as crianças são mais inclinadas a procurar infor-mações sobre as exposições, ao passo que os adultos tendem mais a transferir informações a respeito das exposições, facilitando, desse modo, o aprendizado de seus filhos. O autor concluiu que a família pode ser considerada um contex-to social viável para a aquisição e transferência de informações, ajustando seus comportamentos com flexibilidade para tirar proveito das oportunidades de aprendizagem específicas oferecidas pelos diferentes ambientes do museu.

Pesquisa sobre as Características de Experiências Moti-vadoras, Exposições Amigáveis para Famílias e Exposições Multi-ModaisOs pesquisadores de museus têm procurado elaborar diretrizes para a criação de exposições e módulos expositivos que possam gerar experiências mais significativas e agradáveis para o visitante, e fomentar a atenção e as interações sociais. Apresentamos abaixo alguns exemplos retirados de pesquisas realizadas nos últimos anos.

• Características de ‘Experiências Compensadoras’Pesquisadores interessados em design ambiental acreditam que é possível criar ambientes de museu em que os requisitos básicos de uma experiência agradável

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e compensadora podem ser proporcionados aos visitantes. Hedge (1995) propôs que os museus se baseassem no modelo de ‘experiências compensadoras e moti-vadoras’ de Csikzentmihalyl (PACIFICS), que apresenta oito requisitos: atividade dirigida para uma finalidade/meta; atenção; desafio; envolvimento; imersão; retor-no/reposta; controle sobre a atividade; e noção do tempo (Hedge, 1995:113-115; Csikzentmihalyl, 1990, 1995; Csikzentmihalyl & Hermanson, 1995). As implicações para os museus seriam no sentido de que as exposições / módulos expositivos procurassem engajar o indivíduo em uma atividade que tenha sentido para ele ou ela; oferecer a ele ou ela a possibilidade de concentrar-se na tarefa a ser realizada; o indivíduo precisa sentir o desafio de completar a tarefa e deve ficar suficiente-mente envolvido; o aparato deve fornecer a ele ou ela uma resposta adequada; o indivíduo deve sentir-se no controle e totalmente imerso na tarefa, de modo a ‘perder’ a noção do tempo.

• Características de Exposições MotivadorasEm um estudo sobre exposições de museu intrinsecamente motivadoras de-senvolvido por Deborah Perry no The Children’s Museum de Indianápolis, ela identificou, por meio de um processo de avaliação formativa, testes de protóti-pos, observações e entrevistas com visitantes, seis componentes de exposições motivadoras: curiosidade, segurança, desafio, controle, diversão e comunicação / interação social (Perry, 1994:26). O modelo de Perry apresenta semelhanças com o de Csikzentmihalyl, tal como sentir-se desafiado pela experiência, ou sentir que está no controle da atividade. De acordo com Perry, o visitante deve sentir-se curioso a respeito da exposição; ele ou ela devem sentir-se desafiados e ter uma sensação de competência sobre a atividade; a exposição deve promover sentimentos de autodeterminação e controle; proporcionar satisfação sensorial e diversão, promovendo a comunicação e interações sociais.

• Características de Exposições Amigáveis para a FamíliaMinda Borun e colegas (PISEC, 1998) desenvolveram um estudo sobre apren-dizagem em família em quatro instituições norte-americanas (Academy of Natural Sciences, The Franklin Institute, The New Jersey State Aquarium e Philadelphia Zoo) e identificaram, através de observação e testes, sete características de módulos expositivos “amigáveis” para famílias: multi-facetados; multi-usuários; acessíveis, multi-resultados; multi-modais; legíveis/compreensíveis, e relevantes (PISEC, 1998:23). A equipe do projeto enfatizou que raramente se encontram todas as características em um único módulo expositivo de museu. Por exemplo, os pes-quisadores descobriram que apenas 6% de 250 módulos expositivos no Franklin Institute incorporavam todas as sete características.

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De acordo com as características de exposições amigáveis para famílias, é im-portante que os membros da família possam agrupar-se ao redor do módulo / aparato (multi-facetado); que mais do que uma pessoa possa usá-lo ao mesmo tempo (multi-usuários); a exposição deve ser apropriada para diferentes faixas etárias (acessível) e promover a discussão em grupo (multi-resultados); deve valer-se de diferentes estilos de aprendizagem (multi-modal); as etiquetas e textos da exposição devem ser compreendidos com facilidade (legível) e o conteúdo deve fornecer pontos de contato com o conhecimento prévio dos visitantes (relevante) (PISEC, 1998:23; Borun & Dritsas, 1997).

Após realizar mudanças em alguns módulos expositivos dos museus investigados, como parte do projeto, para fins de teste, os pesquisadores descobriram que os grupos familiares que usaram os módulos ‘aperfeiçoados’ (que incluíam as sete características) mostraram números significativamente mais altos de indicadores de desempenho (‘responder uma pergunta’, ‘fazer uma pergunta’, ‘comentar/explicar’, ‘ler em silêncio’, ‘ler em voz alta’) do que as famílias que usaram os módulos originais (antes da introdução de mudanças/aperfeiçoamento) (PISEC, 1998:46; Borun, Chambers, Dritsas & Johnson, 1997). As sete características das exposições amigáveis identificadas no estudo proporcionam ótimas idéias para o planejamento de exposições para o público familiar.

• Exposições Multi-Modais: a Abordagem dos ‘Pontos de Entrada’O estudo sobre os ‘Pontos de Entrada’ de módulos expositivos foi um projeto de pesquisa desenvolvido em conjunto com o Please Touch Museum e a Universidade de Harvard, como parte do ‘Projeto Explore’, que procurou investigar quais modalidades de aprendizagem as crianças e seus acompanhantes adultos usam em exposições planejadas para o público infantil (Please Touch Museum, 1998). O estudo baseou-se na proposta de Howard Gardner de que qualquer conceito pode ser abordado de pelo menos cinco maneiras diferentes, ou cinco ‘pontos de entrada’: conceitual; narrativo; lógico/quantitativo; experiencial, e estético. Essa abordagem baseia-se na teoria de inteligências múltiplas de Gardner, que encoraja o ensino através de várias modalidades e perspectivas (Gardner, 1983, 1991, 1993).

Os pontos de entrada são definidos a seguir:

“Um ponto de entrada Conceitual aborda um conceito a partir de suas facetas filosóficas e terminológicas [...]. A adoção de uma abordagem de ponto de en-trada Narrativo pode envolver o estudo da seqüência de eventos num período da história, ou a estória ilustrada em uma pintura. Quando se usa um ponto de

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entrada Lógico/Quantitativo, o assunto é abordado invocando-se considerações numéricas e/ou processos de raciocínio dedutivo. Um ponto de entrada Expe-riencial oferece uma abordagem de manuseio, em que quem está aprendendo lida diretamente com os materiais que incorporam ou transmitem um conceito [...]. Finalmente, o ponto de entrada Estético enfatiza as características sensoriais e a abordagem de um assunto de um ponto de vista artístico.”(Please Touch Museum, 1998:33)

Os resultados de pesquisa indicaram que os adultos e as crianças da amostra inves-tigada usaram todos os cinco pontos de entrada, mas em proporções diferentes. O ponto de entrada ‘experiencial’ foi o mais comum nas exposições observadas, tanto no comportamento das crianças como no dos adultos, seguido pelo ponto de entrada ‘narrativo’. Os pontos de entrada ‘conceitual’ e ‘estético’ não foram observados com muita freqüência nos módulos expositivos. O estudo demonstrou que as exposições interativas planejadas para o público infantil podem proporcionar múl-tiplas janelas, ou pontos de entrada, de modo a acomodar diferentes abordagens de aprendizagem, mas que “é preciso fazer mais esforços para gerar atividades a partir de pontos de entrada mais variados” (Please Touch Museum, 1998:45,50).

Eileen Hooper-Greenhill, especialista inglesa na área de educação em museus, também afirmou a importância do uso de modalidades múltiplas de aprendiza-gem em exposições:

“[...] cada indivíduo tem um estilo de aprendizagem que lhe é próprio: as experiências com exposições multi-sensoriais que oferecem vários pontos de entrada podem facilitar uma variedade de experiências de aprendizagem, sem preconceitos” (Hooper-Greenhill, 1996:6)

Considerações FinaisProporcionar experiências qualitativamente significativas para os visitantes é, não só um importante objetivo a ser alcançado pelos museus, como também um desafio para as equipes responsáveis pela elaboração de exposições e programas educativos.

As pesquisas de público desenvolvidas em instituições museológicas têm trazi-do uma série de informações e questões para a reflexão e o aprimoramento do trabalho museológico em relação ao seu papel social e educativo.

Como visto nos exemplos acima, estudos de visitantes podem ser utilizados para diversos fins: conhecer o público que freqüenta museus, suas necessidades e ex-pectativas; avaliar exposições e atividades; estudar as percepções, o aprendizado e

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o comportamento dos visitantes; assim como uma ferramenta para o planejamento e desenho de exposições, aparatos interativos, programas educativos, etc.

Os estudos aqui apresentados demonstram a importância de tais pesquisas para os profissionais envolvidos com as áreas de comunicação, educação, exposições e atendimento em museus, a fim de que a instituição ofereça produtos mais alinhados com as necessidades e os interesses do público. Neste artigo, ênfase especial foi dada aos estudos sobre o público de famílias, pela especificidade da visita familiar e por considerar este segmento um importante público-alvo para os museus. É fundamental fortalecer no Brasil esses tipos de estudo, ainda pouco sistemáticos, visando transformar os museus em espaços cada vez mais atraentes, dinâmicos, reflexivos, comunicativos, educativos e sociáveis.

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CÂMARA ESCURA EXPRESSA EM DESENHOS:PARQUE DA CIêNCIA, FIOCRUZ.

Maria Paula Bonatto - [email protected] Mahomed - [email protected] Henrique Colonese - [email protected]

ResumoO Parque da Ciência do Museu da Vida, Fundação Oswaldo Cruz, desenvolve atividades de educação não formal para a promoção da saúde através de visitas guiadas atendendo a estudantes e grupos diversos. Entre as atividades, a visita à Câmara Escura (ambiente que reproduz as câmaras especialmente criadas no séc XVII, que permitem a observação da formação de imagens invertidas) apresenta, em cerca de vinte minutos, informações diversas que integram as áreas de história, arte, física e biologia, tendo como tema o processamento da visão. Este trabalho apresenta uma análise da expressão do público escolar da faixa etária entre 6 e 17 anos, e de um grupo de idosos, no que se refere à construção de conhecimentos complexos sobre o processamento da visão. Nosso objetivo é testar a metodologia de utilização de desenhos dos visitantes como referência para verificar mudanças quanto à percepção sobre o funcionamento da visão. Neste sentido, estamos investigando que conceitos estão em jogo no que concerne às interfaces entre a física, a biologia a história, a arte, segundo a diversidade de interesses das várias faixas etárias e graus de escolaridade. Nossas observações indicam critérios para a aplicação desta técnica para o aprofundamento e continuidade desta pesquisa. Caracteriza-se como um teste de metodologia.

palavras-chave: câmara escura, conhecimento e cognição, educa-ção não formal, divulgação científica, multidisciplinaridade.

IntroduçãoO Parque da Ciência do Museu da Vida (MV) pertence à Fundação Oswaldo Cruz, instituição do Ministério da Saúde, que se dedica à pesquisa, à produção de vacinas e fármacos, ao ensino e à divulgação científica. A Fiocruz está fisicamente inserida em uma área industrial habitada por comunidades de baixa renda, com acesso restrito às opções de cultura e lazer. Neste sentido, o MV assume diante desta população um papel de referência em popularização da ciência, buscando estabelecer diálogos com a população local para a educação não formal em saúde. O Parque da Ciência é um dos quatro espaços temáticos de visitação do MV.

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Trabalhamos com os temas: energia, comunicação e organização da vida, com o objetivo de promover a saúde, estimulando atitudes de prevenção às doenças, participação comunitária e conquista da cidadania. Buscamos “ampliar a compre-ensão sobre os sistemas vivos, enfatizando seus aspectos de comunicação e equi-líbrios sutis, o que pode ser propiciado pela compreensão integrada da química, física, história e biologia aplicadas ao contexto da saúde” (Bonatto, 2002).

O Parque da Ciência apresenta atividades em uma área externa, onde visitantes podem brincar percebendo ondas, vibrações e transformações de energia, tendo estes temas aplicados também ao corpo humano. Associamos o conceito de energia em movimento ao de códigos, apresentando sua criação nas diversas culturas e a versão bio-molecular deste, expressa através do DNA.

Em uma área interna apresentamos os mesmos conceitos aplicados ao mundo micros-cópico. Temos um salão de jogos e atividades, a sala da comunicação (computadores com multimídias e redes), e a câmara escura, foco deste trabalho de pesquisa. A visita guiada à câmara escura funciona em sistema de mediação humana, realizada por pro-fissionais de física ou biologia, em atividade de educação não formal.

A educação não formal museal caracteriza-se pela descontinuidade, e por encontros de curta duração, onde o visitante geralmente é sensibilizado através da surpresa, gerando o espanto e a atração estética diante dos fenômenos apresentados. Embora possa ser considerada limitada para a construção de conceitos, pesquisas indicam que este tipo de experiência contribui para provocar e motivar a construção de “um banco de conhecimen-tos” que o indivíduo adquire e utiliza, de forma e em momentos imprevisíveis, durante sua vida. Sobre a experiência museal Dierking afirma “é um movimento educativo de livre escolha, auto-motivado e orientado pelos interesses e necessidades dos aprendizes sendo que certos aspectos do aprendizado tornam-se críticos para a investigação, como por exemplo o papel da motivação, escolha e controle, interesse e expectativas etc.”.

A pesquisa

Definições preliminaresEsta pesquisa é um teste da metodologia do uso de desenhos como estratégia para acessar o universo cognitivo de certos grupos de visitantes na atividade Câmara Escura do Parque da Ciência. Através dela pretendemos levantar critérios para verificar a influência desta atividade em processos de assimilação de informações, e que con-tribuições pode vir a trazer como atividade de educação não formal. A partir destes critérios estaremos formulando as etapas posteriores da pesquisa.

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Considerando que trata-se de um teste metodológico, somente nas próximas etapas estaremos analisando referências quantitativas para serem aplicadas em um universo representativo de nosso público.

Em nosso primeiro ano de trabalho atendemos em média a aproximadamente 300 estudantes diariamente e à cerca de 200 pessoas em grupos familiares a cada fim de semana, o que constitui o universo sobre o qual será calculada nossa amostragem.

A educação no Museu da Vida se dá através de diretrizes pedagógicas discutidas entre mediadores (aqueles que apresentam ao público equipamentos ou ativi-dades) e uma equipe do Centro de Educação do Museu da Vida. Desenvolve ainda projetos específicos no que concerne a relação museu-escola ou outros grupos institucionais que busquem nossa parceria (terceira idade, portadores de necessidades especiais, organizações comunitárias, etc). Nossas diretrizes peda-gógicas orientam a mediação no sentido de promover abordagens diferenciadas e a construção do conhecimento, através de oportunidades de diálogo entre mediador e público. Estimulamos o visitante a expressar suas concepções prévias, levantar hipóteses, e promovemos discussões sobre possíveis explicações para fenômenos. Neste sentido, nossa mediação estimula a experimentação e controle de variáveis, a expressão oral de conclusões e a construção de novas perguntas. Atendemos a grupos diversificados de até dez pessoas por mediador, passando até vinte minutos em um equipamento, dependendo do interesse do grupo.

O que é uma Câmara EscuraTrata-se de um espaço fechado, onde um feixe de luz penetra por um orifício, geran-do uma imagem invertida do ambiente externo. Sua criação está na base de toda a tecnologia de produção de imagens: fotografia, microscopia, telescopia, cinema, etc, e propiciou a compreensão do funcionamento de nosso sistema visual.

A utilização da Câmara Escura é bastante antiga. Os gregos já a utilizavam para ob-servar imagens do Sol projetadas em uma parede, descobrindo com esta técnica que o Sol possui manchas. O conhecimento científico sobre a propagação retilínea da luz, observado pelo filósofo Aristóteles na Antiga Grécia se perdeu na Europa durante os séculos de ignorância e superstições e, principalmente, pela censura exercida pela Igreja Católica. No oriente, entretanto, este saber foi preservado. Bagdá, capital do império Árabe, já foi um dos maiores centros do saber cultural e científico, tradu-zindo e preservando inúmeras obras científicas e filosóficas produzidas pelo saber grego e de outras culturas antigas. Alhazem, um árabe que tornou-se notável por

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seus estudos no início do século XI, descreveu a câmara escura e os seus princípios científicos, provavelmente a partir do conhecimento produzido por Aristóteles.Na Europa, somente no século XIV este conhecimento ressurgiu, recomendada como um meio de auxílio na produção do desenho e da pintura. Este saber foi registrado por Leonardo da Vinci em seu livro de anotações, tendo sido só muito posteriormente publicado (século XVIII). Em 1550, o físico milanês Girolamo Cardano sugeriu o uso de uma lente biconvexa junto ao orifício, permitindo desse modo combinar uma maior área de captação de luz com uma distancia focal relativamente curta, para se obter uma imagem clara sem perder a nitidez. Giovanni Baptista Della Porta, cientista napolitano, publicou em 1558 uma descrição detalhada da câmara e de sua utilização para a observação de eclipses e para a produção de telas onde a projeção de imagens serviam como base para a realização de pinturas de paisagens. No século XVII, foi utilizada por artistas para a confecção de desenhos e por filósofos naturais para a observação do comportamento da luz e estudos sobre a formação de imagens, bem como instrumento de observação de eclipses e outros fenômenos solares, evitando danos ao aparelho visual.

A Câmara escura em praças e parquesAs utilizações públicas mais recentes da câmara escura remetem-se à atividades de entretenimento. Grandes “Câmaras” podendo ser ocupadas por 10 a 15 pes-soas foram construídas no final do século XIX, geralmente em pontos turísticos costeiros ou lugares públicos de entretenimento como parques de diversão, onde a luminosidade era farta propiciando imagens claras e brilhantes. A imagem era obtida de uma lente colocada no alto de uma torre e projetada sobre uma grande mesa circular (servindo de tela) ao redor da qual o público podia se reunir.

Sendo “viva”, a imagem tinha cor e movimento, proporcionando uma experiência pré-cinema Muitas destas Câmaras ainda existem atualmente.

Atualmente quase completamente perdida como técnica, é difícil acreditar que a Câmara Escura tenha sido tão popular durante os séculos XVIII-XIX a ponto de ser utilizada em shows públicos.

Casas de Câmaras Escuras foram construídas nos Estados Unidos e na Europa para atrair turistas.

Uma delas ainda existe (à esquerda) como uma atração turística na Praia Oceânica do nordeste de San Francisco.

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Ao final do século XIX, haviam três tipos de Câmara Escura:• uma sala escura com uma lente e um espelho no teto que produziam uma imagem sobre uma mesa no centro da sala;• uma tenda portátil com uma lente e um espelho no ápice da tenda que produzia uma imagem sobre uma mesa, e• uma caixa portátil com um furo em um lado e um papel translúcido na parede oposta. Este modelo de caixa portátil foi o precursor da câmara moderna.

Materiais e MétodosNo Parque da Ciência, a Câmara Escura é um espaço escuro, cilíndrico de cinco me-tros de diâmetro, onde o visitante entra através de um corredor, onde estão expostas informações históricas. Ao chegar ao cilindro o visitante e observa a existência de ori-fícios (com ou sem lentes) voltados para o ambiente externo. Isto permite, mediante o posicionamento de anteparos, a formação de imagens invertidas, dinâmicas e coloridas. Neste cenário interativo a pessoa tem a oportunidade de observar aspectos do compor-tamento da luz e formação de imagens, os quais são associados aos conceitos de óptica e visão. A incidência da luz é controlada pela presença das lentes e de um diafragma acoplados aos orifícios. Um dos anteparos está acoplado a um modelo ampliado do olho humano, de forma que se vê a imagem projetada no fundo do modelo como se estivesse se formando na retina. As variáveis com as quais os visitantes trabalham são: observar os diferentes tipos de lentes e sua influência na formação de imagens, con-trolar o tamanho do orifício e as distâncias do anteparo para a formação de imagens. sensibilizando para o conceito de nitidez associada aos conceitos de foco e distância focal. Além da experiência de controle destas variáveis, o visitante é apresentado à história da construção deste conhecimento, tendo como referência desenhos originais de seis estudiosos do processamento da visão do último milênio: Alhazen (séc. XI), Leonardo da Vinci (séc. XV), René Descartes (séc. XVII), Isaac Newton (séc. XVII), François du Petit (séc. XVIII) e Santiago Ramon-y-Cajal (séc. XIX). Estes desenhos encontram-se no corredor de acesso à câmara, sendo observados pelo público em momento anterior à experiência.

“A visitação à Câmara Escura tem por objetivo sensibilizar emocionalmente o visitante através de uma experiência inusitada - entrar em uma câmara que é escura - com o propósito de tornar a situação vivenciada um problema relevan-te, isto é, tudo ocorre promovendo uma comparação com a entrada no interior do seu próprio olho. Parte-se do pressuposto de que face às características da experiência (contato por um curto intervalo de tempo e não sistemático), uma forma efetiva de atrair a atenção do visitante é a de surpreendê-lo, contrariando suas expectativas, desequilibrando suas concepções prévias.” (Mahomed, 2002).

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Segundo Popper (1993): “... a observação torna-se algo como um ponto de partida somente se revelar um problema; ou em outras palavras, se nos surpreende, se nos mostra algo que não está propriamente em ordem com o nosso conheci-mento, com nossas expectativas, com nossas teorias. Uma observação cria um problema somente se ela conflita com certas expectativas nossas, conscientes ou inconscientes.”

As crianças interpretam as novas informações através de seus próprios “modelos de referências”, portanto é muito importante saber como as idéias infantis se originam.(Guichard).

A metodologia proposta para avaliar a relação do visitante com os conceitos apresentados na atividade, está embasada na observação de modelos mentais expressos através de desenhos feitos por eles. Este enfoque aborda as possíveis construções conceituais realizadas a partir da atividade. “Atualmente destaca-se a temática dos modelos mentais e da modelagem, que traz uma nova perspectiva à discussão sobre a cognição humana, definindo modelo como representação de uma idéia, objeto, evento, processo ou sistema e modelagem, considerados construções pessoais expressas por meio da fala, da escrita, do desenho, etc.” (Gilbert & Boulter, 1998).

A partir da visita à Câmara Escura, os desenhos feitos por estudantes de diversos níveis e faixas etárias são observados sob a ótica da cognição e das possíveis cons-truções que possam gerar aprendizado ou sensibilização para novos conceitos. Considerando que o equipamento Câmara Escura propicia em curto espaço de tempo, a sensibilização para a construção de conhecimentos complexos (múltiplas variáveis que interferem no todo, entre si e se modificam), pretendemos verificar estas construções através da aplicação da metodologia que agora testamos.

Com base nestas considerações nossa hipótese é:O desenho como método de interface entre a informação histórica, a experiência e a expressão imediata da informação apreendida pode ser um indicador das seleções cognitivas do visitante na diversidade de seu universo de valores.

Para testar esta hipótese a visitação à câmara escura foi organizada com os se-guintes passos:

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1°. Os visitantes reunidos recebem a proposta: desenhe seu olho.2°. Observam um modelo em três dimensões do olho humano e recebem a proposta de entrar no interior do globo através da câmara escura3°. Percorrem o corredor da Câmara observando desenhos anatômicos históricos.4°. Observam o espaço da câmara ainda iluminado verificando suas características5°. Observam o espaço no escuro com o fenômeno de formação de imagens, verificando os conceitos de nitidez e foco6°. Exploram as perguntas e conceitos abordados: Como vemos os objetos? Como se formam as imagens? O que existe dentro do olho? Qual a forma e tamanho do olho? Que fenômenos observados referem-se à miopia, hipermetropia, astigma-tismo, vista cansada? Observação da imagem invertida, relações entre músculos e movimentos, lentes e sua presença no olho, intensidade da luz, expressão das vivências sobre saúde da visão, neurônios como sistemas de condução da infor-mação, células especializadas da retina.7°. Ao sair observam imagens de neurônios ampliadas nas paredes do corredor8°. Visitantes reúnem-se em outro espaço e é repetida a proposta: desenhe seu olho.

Os desenhos colecionados foram separados por grupos de visitação sendo identificados por: faixa etária, série escolar, nome da escola e professor, visando futuros contatos. Alguns professores foram contactados através de conversa informal durante a atividade de desenhos, quando foram consultados sobre o interesse em participar da pesquisa. Observamos nosso erro em utilizar esta técnica que admitimos ser autoritária. Partimos para a conversa prévia com o professor propondo antecipadamente a participação na pesquisa.

Até o momento, os grupos participantes foram selecionados entre visitantes de escolas municipais variando de dez a quinze pessoas por grupo, tendo entre seis e dezessete anos de idade, com a presença de um grupo de idosos. Um total de dezenove grupos gerou 234 desenhos em uma página onde se via de um lado o desenho anterior à visita à câmara (Antes) e no verso o desenho posterior à visita à câmara (Depois). Ambos os desenhos estimulados pela proposta:”_Desenhe seu olho!”. Os desenhos feitos pelos visitantes dos grupos amostrais foram observados e distribuídos segundo grupos etários e níveis de escolaridade. Assim procuramos observar não apenas a pré-condição cognitiva (Piaget, J.) de faixas etárias, bem como as possíveis influências que o sistema de ensino formal, midia, etc, exercem sobre certos grupos. Escolas

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públicas no Brasil abrangem faixas etárias muito diversificadas em cada série, o que foi considerado na análise dos resultados. Resumimos a seguir nossas impressões.

Resultados

De um total de 234 desenhos observamos:

Dentre os visitantes que apresentaram mudanças em seus desenhos observamos:

Observações quanto à metodologiaO teste de metodologia aplicado indica a validade do método, considerando que 83,3 por cento dos visitantes apresentaram modificações em seus desenhos. A observação dos desenhos levou à identificação de critérios para a comparação e seleção de resultados, o que virá a orientar a nova coleta de dados. Os critérios identificados foram: visão frontal e visão em corte, apresentação de complexi-dade (vários elementos combinados interagindo), apresentação de conceitos de física (tragetória da luz, reflexão, etc.), apresentação de características anatômicas, inserção de legendas escritas ou palavras-chave.

Uma das observações realizadas está ligada à proposta que estimula a atividade: “Desenhe seu olho.” Verificamos que com esta proposta obtivemos resultados que se referem não apenas à características anatômicas do olho, como também ao processamento da visão, com a inclusão de detalhes que vão além do espera-do revelando processos cognitivos diversos relativos aos conteúdos abordados. Estamos verificando assim uma ampliação do horizonte perceptual.

Um aspecto metodológico que queremos esclarecer é se esta proposta pode ser enunciada de forma a inserir o processamento da visão sem inibir a iniciativa do visitante. Quando propomos “desenhe seu olho” fazemos um desafio relativa-mente simples que pessoas de faixas etárias diversas se animam a enfrentar, ao passo que se propomos: “desenhe como seu olho participa da visão”, o desafio parece demasiado complexo e muitos podem desistir antes de começar.

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Ficamos surpreendidos em observar que a simplicidade do método permite a verificação de possíveis mudanças conceituais espelhadas na variedade de detalhes priorizados pelo visitante em sua experiência na Câmara Escura. Estamos atentos para o fato de que os desenhos observados logo após a visita refletem apenas parte do processo de construção ou reelaboração de conhecimentos. Segundo de Vecchi e Giordan (1994) a produção efetuada logo após a visita é ilusória; ela pode fazer crer que o sujeito assimilou uma nova informação pois os desenhos levam a crer que a informação está memorizada. A realização de um desenho um mês e meio após a visita mostra um retorno à concepção prévia, inserindo apenas aspectos dos conhecimentos apresentados durante a visita.

Para verificar mudanças a longo prazo, estamos propondo uma visita posterior ao local de origem do grupo onde seria feita mais uma etapa de desenhos mediante o mesmo estímulo.

Observamos através dos desenhos que alguns participantes são influenciados pela atividade em grupo, copiando ou adaptando idéias do colega no contexto de seu próprio desenho. Achamos que o tipo de espaço físico utilizado - no caso, uma mesa redonda, ou um ambiente amplo com organização informal - propicia as construções cognitivas coletivas. Assim, passamos a ter como referência não apenas os indivíduos mas também os grupos cujos desenhos indicam algum consenso em relação às formas e temas1 .

Estamos experimentando inserir este aspecto como parte da metodologia, estimulando os participantes que desejarem, a realizarem desenhos em grupo, onde o produto é fruto de uma discussão e de um consenso expresso através do desenho. Assim, a metodologia indica que podemos conduzir a observação através dos seguintes caminhos: observar cada desenho como parte do processo de exploração do conhecimento do grupo. Observação dos elementos comuns aos desenhos: os elementos que se repetem ou os que assumem uma linha temática central e que apresentam diferenciações entre si. A observação de desenhos em grupo deve ser seguida de entrevista que estimule ao grupo a expressão oral de seu processo de construção daquele registro, tais como: “-Olhem! O desenho de vocês está parecido! Porque escolheram estas formas?”

Outro aspecto que foi observado é que algumas faixas etárias se expressam melhor através do desenho, gerando registros superiores em riqueza de detalhes, em nossa pes-quisa, estes correspondem a criações de crianças da faixa etária entre 8 e 12 anos.

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As observações que se referem aos desenhos produzidos por grupos de visitantes selecionados por faixas etárias estão sistematizadas a seguir.

Observações sobre aspectos qualitativos dos desenhos por grupos:

Grupos do Ensino Fundamental3 grupos entre 6 e 11 anos- alfabetização à segunda série: predominam os desenhos frontais e indicações de partes dos olhos. Entre os menores predominam os desenhos do corpo inteiro. Deve ser destacado um grupo de alunos de 9 anos que expressou a complexidade do sistema visual (diversas variáveis interagindo) com destaque para o cérebro e rede neural. Demonstram ser uma faixa etária que pode expressar muito através de desenhos, o que pode estar relacionado à estímulos da educação formal. O estímulo à expressão oral, através da pergunta: -“O que você desenhou?” foi de grande importância para a decodificação de informações sofisticadas ali representadas.

8 grupos entre 9 e 14- terceira e quarta séries:neste grupo observamos desenhos que mostram o olho em visão frontal e em corte, como nos desenho históricos observados no interior da câmara. O aparecimento da perspectiva em corte entre os desenhos deste grupo e não no grupo anterior pode estar ligado à presença de participantes de idade mais avançada em meio a visitantes mais jovens. Desenhos semelhantes entre si mostram uma possível construção coletiva da percepção do fenômeno de inversão da imagem. Estas observações ilustram a possibilidade de construção do aprendizado de forma coletiva, segundo a teoria da cognição facilitada por zonas de desenvolvi-mento proximal (Vygotsky)2 . Houveram alusões explícitas aos desenhos históricos observados, o que indica o interesse do grupo por documentos que contenham imagens. Grupos da faixa etária de 10 a 14 anos, reproduziram modelos de olhos apresentados na midia de cartoons e publicidade (antes) e tentaram timidamente criar uma expressão da própria vivencia (depois). Neste grupo aparecem ainda elementos da mídia relacionados à ficção científica (ex. cérebro em uma redoma de vidro) e foi comum o uso da escrita para identificar partes do olho.

3 grupos entre 11 e 15 anos-quinta e sexta séries: o desenho frontal (antes) é apresentado (depois) mostrando o globo ocular, inversão da imagem, cone-xão cérebro-olho, e representações dos desenhos de Da Vinci. Alguns grupos de expressão pobre parecem receber pouco estímulo à atividades de desenho como forma de expressão. Observa-se ainda a presença de modelos de olhos que aparecem nas diversas mídias comerciais. O uso da escrita e indicação de partes do olho é frequente.

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2 grupos de 13 a 16 anos- sétima e oitava séries: o desenho do olho em corte transversal é comum, como na forma utilizada há cerca de mil anos por Al Hazen. Há uma tímida manifestação da presença do cérebro. Nestes grupos verificamos uma perda significativa da capacidade de expressão por desenhos, possível consequência da diminuição de estímulos oferecidos a estes jovens na escola, o que supomos observando os resultados dos grupos a partir da quinta série. Observamos entre os desenhos desta faixa etária a leveza e falta de tônus muscular ao lado da indefinição dos traços, sem variedade de cores, sem deta-lhamento, embora expresse timidamente abstrações como a imagem do olho em corte transversal, e rede neural (rabiscos sem conexões detalhadas).

Grupos do Ensino médio2 grupos de 15 a 17 anos- primeiro e segundo ano: os desenhos obtidos mostram detalhamento superficial (exceto por 2 alunos que têm formação em desenho). Alguns participantes reclamaram da proposta de expressarem-se através de desenhos, embora tenham participado. Os desenhos destes grupos caracterizam-se pela pobreza de detalhes e desistências de expressão (parece que param a atividade antes de completá-la). Evidenciaram o sistema visual isolado da face, aspectos do sistema nervoso isolado do cérebro. Consideramos que, para estes grupos, o desenho é pouco apropriado para ser utilizado como indicador de seus processos cognitivos, pois esta não parece ser uma ferramenta de fácil utilização ou de escolha do grupo. Estamos estudando outras ferramentas para a avaliação destes grupos.

Grupo de Terceira idade1 grupo de 67-78 anos. Alguns participantes deste grupo demonstraram difi-culdade em desenhar os olhos na segunda etapa (depois). Uma mulher desenhou uma ave e confessou sua dificuldade em desenhar olhos porque tem problemas com os seus. Apenas uma mulher de 78 anos desenhou o “depois” indicando o sistema nervoso ligando os olhos ao cérebro.

ConclusõesAté o momento nossas observações têm gerado discussões sobre como são e o que pensam nossos visitantes, o que identificam e escolhem como símbolos e o que lhes é relevante, digno de representação e de associações em seu imaginário. Observamos entre os modelos mentais apresentados, a representação de conceitos clássicos associados ao processamento da visão, como: trajetória da luz, inversão da imagem, conexões neurais e relação entre decodificação da imagem e cérebro. Ficamos surpresos com desenhos de crianças que, a partir dos nove anos, expressam

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estes elementos em sua interação e complexidade estimulados por uma atividade de duração relativamente curta (20 a 40 min). Estas características parecem se perder com o avanço da escolaridade e maior ênfase em conteúdos expressos na forma escrita que substituem por completo a expressão pelo desenho. Isto se traduz em nossos dados como uma possível razão para a pobreza em detalhes dos desenhos de visitantes de grupos de 15 a 17 anos.

Uma aplicação prática para estas observações parece indicar a necessidade de se estimular a continuidade da expressão gráfica por desenhos até as faixas etárias mais avançadas, principalmente no que se refere à compreensão de fenômenos científicos e complexos. O trabalho indica que deve ser estimulada a apresentação de riqueza de documentação ilustrada acompanhada de estímulos à expressão oral em todas as idades. Esta prática possibilita comparações e interpretações múltiplas, o que pode otimizar a percepção destes grupos no que se refere à construção de conceitos científicos.

Quanto ao grupo de terceira idade (a partir dos 65 anos), o respeito aos limites impostos pelo corpo estão claramente associados à emoção e devem ser obser-vados pois têm relação direta com o processo cognitivo. Nossas observações parecem indicar que junto a estes grupos pode ser fundamental a inserção de elementos sensoriais, que venham a gerar sentimentos agradáveis associados a observação de fenômenos científicos. Estes seriam facilitadores do aprendizado, processo que parece estar estreitamente ligado às limitações físicas vivenciadas por pessoas de faixas etárias avançadas. Pretendemos dar um tratamento específico às analises dos resultados de grupos da chamada terceira idade.

Nas próximas etapas estaremos entrando em contacto com professores que mani-festaram interesse em participar da pesquisa e planejando a coleta de dados inse-rindo os cuidados e as sugestões apontados através deste teste metodológico.

Estaremos ainda orientando nossa investigação para observar possíveis ganhos cognitivos, conceituais, e talvez outros, relativos ao ambiente específico dos museus. Estes aspectos podem estar diretamente relacionados com a forma de desenvolver a atividade, o que pode interferir diretamente nos dados obtidos, como por exemplo, a forma e o momento de perguntar, visitas individuais ou em grupos, e as relações museu-escola.

Espera-se que a aplicação sistemática desta pesquisa gere resultados reveladores no que concerne o conhecimento dos grupos que escolhem visitar um museu como prio-

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ridade para suas atividades de lazer, cultura ou aprendizado. Os aspectos de escolha, relevância destas escolhas, representações do que foi assimilado e as associações e compartilhamento desta experiência são de grande potencial construtivo no universo da educação não formal. Estas construções se dão tanto para o visitante quanto para os profissonais que concebem a exposição, que ao estudar a interação estabelecem um diálogo, um processo de comunicação que permite saltos cognitivos para todos os envolvidos. Neste sentido, o impacto da experiência museal merece ser considerado mais profundamente enquanto veículo multimídia de potencial pouco explorado no contexto da cultura brasileira, para atividades educativas na parceria com escolas ou mesmo de lazer, recebendo famílias e outros grupos, em uma realidade social como a nossa, marcada pelas diferenças, contradições, segregações.

Consideramos ainda, que as exposições temáticas são lugares privilegiados no que se refere ao apoio às necessidades sociais de se estabelecer ligações entre o conhe-cimento científico e a realidade imediata e fatos que marcam nossos momentos históricos. A compartimentalização das informações, que caracteriza a escola, em contraste com a inflação de informações de aspectos fragmentados e múltiplos que caracterizam nossos meios de comunicação, acabam por dispersar a atenção do cidadão comum que tem dificuldade de selecionar e coordenar a diversidade de dados e notícias que chegam até ele, para que façam algum sentido embasando suas tomadas de decisões e mudanças de comportamento. Desta forma, ouvindo e permanecendo atentos às buscas de seus visitantes, os Museus de Ciências podem vir a contribuir para a construção de sistemas de cognição social explorados de forma compartilhada promovendo interfaces entre as necessidades da população e a popularização da ciência disseminada pela experiência museal.

Propostas de continuidade no âmbito da saúde da visãoOutro aspecto que merece ser investigado é como o equipamento Câmara Escura e as discussões suscitadas pela experiência contribuem para uma maior consciência sobre a saúde da visão e a saúde geral do indivíduo.

Foucault alerta para o sentido oculto do controle do corpo, mascarado através das campanhas de saúde pública. A saúde como norma de comportamento está inserida em um contexto que mais se referencia em atitudes de policiamento da população‘, o que contrasta com o desenvolvimento da consciência sobre o próprio corpo e seu funcionamento, o que levaria à mudanças de comporta-mento que reforçam atitudes preventivas. Esta última é a conduta educativa que estamos buscando: a libertação do binômio saúde-doença e o aprofundamento na complementaridade entre os conceitos de saúde e organização da vida.

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No Parque da Ciência, que tem como temas de sua exposição permanente a energia, comunicação e a organização da vida, enfatizamos a apresentação de co-nhecimentos multidisciplinares e complexos como um caminho para se repensar nosso corpo, como um organismo em desenvolvimento, em comunicação com seu meio, em construção evolutiva e autopoiética3 .

Neste sentido, a câmara escura serve de inspiração para se falar da complexidade do processamento da visão num corpo que se comunica, e é resultado de pro-cessos evolutivos refinados, o que nos torna sensíveis, e nos permitem respostas de alta precisão. Estas respostas estão associads a estímulos físicos, químicos, psicológicos e sociais combinados, o que nos caracteriza como seres complexos e interativos.

Segundo as teorias de Wilhelm Reich, a tensão repetida e constante de grupos musculares, geradas por descargas emotivas na primeira infância, geram “couraças físicas” que se caracterizam por anéis musculares rígidos. A presença destes pode inviabilizar o funcionamento saudável de nossos sistemas biológicos. Um dos gru-pos musculares que ele destaca em seus estudos é formado pelos músculos ligados á visão, gerando o que chama de anel ocular. O trabalho terapêutico de Reich está centrado em exercícios físicos através dos quais se toma consciência da existência destes anéis associados á identificação de emoções envolvidas nos fatos que nos tornaram tão tensos a ponto de criar estes grupos musculares rígidos.

Nossa hipótese é que o acesso a conhecimentos sobre o processamento da visão associado à fatos que o próprio visitante tem trazido para esclarecer situações vividas no seu dia a dia ou em sua história de vida, podem contribuir para despertar uma maior consciência sobre as dificuldades que podem estar associadas à problemas de sua saúde. A vivência na Câmara Escura parece contribuir para mobilizar o interesse

1 Segundo pesquisas de Vygotsky e Luria na Ásia Central, os sujeitos mais escolarizados e envolvidos em situações de trabalho coletivo exibiram um comportamento mais sofisticado do que analfabetos camponeses que trabalharam individualmente.(Oliveira,1993).

2 Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (Vygotsky, 1989).

3 Segundo Maturana e Varella (1984) estar vivo é ser capaz de reproduzir-se a si mesmo graças a uma contínua rede de interações, que se caracterizam por transformações químicas concretas.

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Desenhos realizados por visitantes para a proposta: “Desenhe seu olho! Antes e depois da visita à Câmara

Escura”.

do indivíduo por aspectos que habitualmente não consegue acessar devido a possíveis “couraças” que o protegem e o alienam de seus processos biológicos, ligados á emoções profundas, dentre os quais a visão. Uma pesquisa para verificar hipóteses neste sentido estaria direcionada para o âmbito da saúde sob uma perspectiva holística, e envolveria a participação de profissionais multidisciplinares da área da saúde.

Referência bibliográficas

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Para saber mais: Sites: http://geocities.yahoo.com.br/saladefisica6/optica/camaraescura.htmhttp://www.kodak.com/BR/pt/fotografia/historia/tehistoria02.shtmlThe Magic Mirror of Life: by Jack and Beverly Wilgus The Camera Obscura and Its Subject: by Jonathan Crary

The Sky in a Room: how to build your own ‘true’ Camera Obscura

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AVAlIAçãO DO MUltIMÍDIA bIOSSEGURANçA EM lAbORAtÓRIO COMO RECURSO EDUCAtIVO

Sonia Mano – [email protected] Castro Gouveia – [email protected]

IntroduçãoO uso de computadores na sociedade vem generalizando-se desde o final da década de 70, com o surgimento dos computadores pessoais e das interfaces amigáveis, e intensificou-se no final dos anos 80 pela explosão das redes de comunicação – BBS e Internet.

A informatização da sociedade neste fim de século é parte integrante do coti-diano da população. Encontrados do banco ao supermercado, o computador transformou-se em equipamento de uso doméstico, cada vez mais acessível economicamente, mais fácil de ser utilizado e mais necessário para atender as demandas que a rapidez e o espantoso crescimento das informações trazem à vida moderna. Esta revolução tecnológica tornou a computação um dos setores de maior faturamento nos EUA e nos permite prever uma expansão ilimitada de consumidores e da demanda de novos produtos neste século.

A popularização de recursos tecnológicos na sociedade já responde por percep-tíveis mudanças nas relações de produção do conhecimento, e as pressões sociais e de mercado – tanto o de trabalho como o de consumo - estão, inevitavelmente, fazendo os computadores chegarem à escola brasileira, assim como já tornaram- se uma realidade em diversos países industrializados. A produção de recursos multimídia no Museu da Vida, o museu de ciência e tecnologia da Fundação Oswaldo Cruz, vem demandando reflexões e pesquisas a partir das óticas da educação, da comunicação e a das estruturas de navegação e modelagem de softwares.

O uso de multimídias como recurso informacional no Museu está gerando a demanda de produtos que apresentem temas científicos de modo educativo e lúdico. Um produto multimídia tem a vocação natural para ser uma ferramenta cognitiva ágil e facilitadora, utilizando desde simulações, demonstrações, testes, e mecanismos de aprendizado auto-didático. A agilidade e o potencial destes produtos como meio educativo é grande, não só pela possibilidade de reprodução

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e uso em larga escala, mas também por ser parte essencial do novo sentido de educação que configura-se na atualidade: a educação como um processo contínuo e permanente na vida humana.

A construção destes produtos deve seguir alguns parâmetros como o respeito a aspectos sócio-culturais existentes na sociedade brasileira para adaptá-los à nossa realidade, além de nossas demandas. A abordagem do trabalho de produção de multimídias é fruto da reflexão da equipe, que conta com profissionais das áreas de comunicação, design, informática, educação e ciências.

A prática de avaliação dos nossos multimídias junto a públicos diferenciados tem a finalidade de testar a aceitação e as possibilidades educativas do produto, além de obter subsídio para o aperfeiçoamento dos conceitos de trabalho propostos pela equipe.

A Avaliação do Multimídia biossegurança em laboratórioO multimídia Biossegurança em Laboratório, um dos primeiros produtos realizados no Museu da Vida, foi estruturado na forma de um jogo onde um personagem representa um monitor de um laboratório de pesquisa que convida o espectador a passar por situações exemplares onde os cuidados com a biossegurança devem ser levados em conta. Desta forma, o jogo apresenta seis desafios que representam conceitos chave do tema e oferece como suporte um hipertexto, um arquivo com bibliografia e sites da Internet sobre o assunto, além de um manual de primeiros socorros. O conteúdo do produto permite ao visitante a percepção dos riscos envolvidos na pesquisa científica e as possíveis conseqüências que podem trazer ao homem, aos animais e ao meio ambiente.

A investigação foi realizada a partir da exposição do produto para teste com gru-pos selecionados. A avaliação foi realizada a partir de um formulário construído para cada grupo amostral.

A coleta de opiniões foi feita em dois eventos distintos. O primeira buscou a opinião de professores e profissionais da área de ciência sobre as possibilidades do produto em termos educativos e possíveis formas de utilização em salas de aula. O segundo grupo foi formado por alunos de segundo grau e procurou avaliar o multimídia em termos de sua linguagem, ludicidade e sua condição de promover o conhecimento dos conceitos científicos propostos e de favorecer a sua conscientização para a importância dos cuidados básicos de proteção durante experiências em laboratório.

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A opinião de professores e profissionais de ciência sobre o multimídia foi levan-tada durante o Seminário Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento, realizado na FIOCRUZ nos dias 2 A 5 de junho de 1998. A amostra constou da opinião de 28 profissionais, correspondendo a aproximadamente 23% do total de participantes do evento.

A segunda amostra da pesquisa foi desenvolvida junto a 131 alunos da 1ª série do ensino médio do curso de Patologia da Escola Técnica Estadual Juscelino Kubistchek, situada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. A avaliação efetuada procurou sentir a receptividade dos alunos para com o produto e sua opinião sobre o seu potencial educativo.

Os dados foram coletados durante a Feira de Ciências, num trabalho realizado em parceria com os alunos responsáveis pelo tema Segurança do Trabalho. O CD do Biossegurança em Laboratório foi apresentado aos alunos na Sala de Informática do colégio e, a seguir, foram oferecidos os questionários de avaliação. No total, os alunos preencheram 95 questionários de opinião, identificados no quadro abaixo conforme o nível de escolaridade.

Análise das informaçõesAs características mais assinaladas entre os profissionais de ciências foram: edu-cativo (25 respostas, correspondendo a 89% da opinião do grupo pesquisado), didático (20 - 75%); interessante (21 – 75%), motivador (11 – 39%) e interativo (11 – 39%).

O grau de aprofundamento do conteúdo foi aprovado por 89% dos entrevistados. Este levantamento apontou o potencial educacional do produto e a atrativida-de como as características mais relevantes do multimídia, conforme mostra o gráfico a seguir.

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É importante registrar que foi necessária a intervenção do profissional do Museu que acompanhou a avaliação para chamar a atenção para o hiper-texto apresen-tado no Manual de Biossegurança. Alguns participantes não haviam explorado o Manual antes de avaliar o grau de aprofundamento, mudando sua opinião após a consulta.

Na opinião dos profissionais pesquisados, o público mais indicado para utilizar o multimídia seria de estudantes do ensino fundamental e médio, com ênfase no seu aproveitamento em disciplinas que tenham a prática de laboratório. Foram apontados os profissionais ou pessoas que utilizam laboratórios como a segunda categoria mais beneficiada. Em terceiro, foi apontado que crianças, adolescentes e a população em geral.

No campo para respostas livres do questionário, os profissionais da área de ci-ência que responderam a avaliação reforçam o caráter educativo do multimídia e a linguagem acessível a diferentes parcelas da população como as características mais interessantes do produto. Esta condição representa uma característica fun-damental para o seu uso no Museu da Vida, que atende a uma grande variedade de público.

Dezessete profissionais fizeram sugestões sobre o produto, sendo que a maioria apresentou idéias para serem acrescentadas, ampliando o leque de informações fornecidas no produto. Estas informações foram analisadas e algumas inseridas no multimídia.

Avaliação do público escolarPara facilitar a análise da amostra do público estudantil agrupamos os dados em três aspectos: educacional, lúdico e de comunicação, apresentados a seguir.

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Comunicação - total respostas: 89Motivador – 34 respostas (43%) Diferente – 30 respostas (38%)Interativo – 24 respostas (30%) Repetitivo – 1 resposta (1%)

Educacional - total: 158 respostas assinaladas.

Educativo – 66 respostas = 83% Didático – 33 respostas = 41% Instrutivo – 50 respostas = 63% Superficial – 9 respostas = 11%

lúdico - total: 160 respostas assinaladas.Interessante – 65 resposta = 81% Chato – 3 respostas = 3%Divertido – 52 respostas = 65% Legal - 40 respostas = 50%

As características: lúdico (160) e o educacional (158) tiveram um número próximo de respostas assinaladas.

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No aspecto lúdico, as categorias interessante (65 respostas – 81%), divertido (52 respostas - 65%) legal (40 respostas - 50%) e o baixo número de respostas negativas, relacionadas ao item chato (3 respostas – 3%) apontam para uma boa recepção do multimídia. O lado lúdico das atividades é fundamental em um Museu de Ciência, que tem como um dos seus objetivos o lazer que proporciona ao visitante.

No aspecto educacional, a categoria mais assinalada pelos alunos de todas as séries foi educativo (66 respostas - 83%). As características: instrutivo (50 res-postas - 63%) e didático (33 respostas - 41%), reforçam o fator educacional do multimídia como uma característica igualmente relevante do produto na opinião dos alunos pesquisados.

A característica superficial (11%) pode estar relacionada a própria clientela escolhida para esta amostra: alunos de curso técnico, inclusive da área de Patologia Clínica, que mantém em seu currículo escolar cadeiras relacionadas a segurança do trabalho.

Um segundo motivo pode ter gerado esta opinião: o fato do multimídia estar sendo apresentado sem a participação de um monitor e, por isso, alguns alunos podem não ter acessado o Manual de Biossegurança. Esta questão já foi ob-servada em ocasiões em que o multimídia foi apresentado e foi um dos pontos assinalados para estudo na reformulação do produto. A partir desta análise foi acrescentar um link mais expressivo para o Manual de Biossegurança, assegurando um maior acesso ao visitante.

O terceiro aspecto, a Comunicação, relaciona as características interativo (24 respostas, 30%), diferente (30 respostas, 38%), repetitivo (1 resposta, 1%) e motivador (34 respostas, 34%) manteve um padrão semelhante entre si, e foi apontado de modo secundário em relação aos dois outros aspectos anteriores.

O questionário permitia que fossem assinalados quantos itens o usuário consi-derasse necessários para expressar sua opinião sobre o trabalho, além de manter um espaço livre direcionado para receber outros comentários. Apenas um aluno expressou opinião: “Gostaria que as aulas de OST fossem assim, utilizando programas de computador desse tipo”. Conclusões da avaliaçãoA avaliação do multimídia Biossegurança em Laboratório pretendeu levantar a opi-nião de profissionais de ciências e alunos de segundo grau visando assegurar a qualidade do produto antes de sua prensagem final e distribuição. Esta avaliação

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prévia aumentou as possibilidades de sucesso e, em conseqüência, sua eficácia como instrumento de informação.

A pesquisa averiguou que o produto teve uma boa aceitação junto ao público profissional e aos estudantes que o avaliaram com relação ao seu conteúdo, lin-guagem e modo de exposição do tema. Esta avaliação validou o produto como um meio de informação e educação em ciência.

A preocupação em avaliar o grau de adequação do multimídia à linguagem dos adolescentes visou facilitar que eles sintam-se identificados com o seu conteúdo, que o produto desperte seu interesse facilitando a compreensão do conteúdo apre-sentado e auxiliando no entendimento das informações fornecidas. A qualificação do produto verificada através da tabulação e a afirmação de um jovem quanto ao seu interesse por aulas com este tipo de material multimídia deram a equipe uma melhor perspectiva quanto a diretriz do trabalho. O desenvolvimento de produtos que mantenham um componente lúdico e um visual atraente tem revelando-se um meio eficiente de despertar a atenção e o interesse do nosso jovem visitante.

O levantamento destes dados indicou pequenas alterações antes de seu lançamento. Além disso, registramos como ponto positivo a percepção de que o multimídia aborda um tema científico com rigor (na opinião de 89% dos profissionais avalia-dores) ao mesmo tempo em que pode ser apresentado a população em geral. Esta flexibilidade de utilização por públicos diferenciados é um dos fatores importantes em um trabalho de divulgação em um museu científico.

É nossa meta a criação de produtos que tenham como característica a tradução do conteúdo correto e com níveis diferenciados de aprofundamento, de modo a permitir desde uma leitura mais superficial do tema até um aprofundamento da informação. Os assuntos tratados devem manter uma abordagem interessante que desperte a curiosidade e facilite a compreensão da população em geral.

A avaliação do multimídia Biossegurança em Laboratório tornou clara a necessidade de aumentar os modos de acesso ao Manual de Biossegurança, facilitando sua consulta. Para atender esta demanda acrescentamos na apresentação inicial uma chamada específica para o Manual e, também, para os arquivos de biossegurança contidos no multimídia. Garantir diversos modos de acesso aos ambientes tornou-se uma concepção importante na montagem de produtos criados posteriormente.

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A realização da avaliação do produto antes de seu lançamento permitiu a correção de alguns dados, a inclusão de sugestões interessantes e a garantia da qualidade do produto. Esta prática mostrou-se importante também para a realimentação da produção de multimídias educativos. As percepções do usuário sobre os aspectos de educação, comunicação e estrutura de modelagem e navegação dos multimídias são indicações fundamentais para o desenvolvimento da tecnologia e para a criação de ferramentas de uso de informática na educação.

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A EXPERIêNCIA DE IMPlANtAçãO DO PROJEtO DE AVAlIAçãO DO AtENDIMENtO NO PARQUE DA CIêNCIA

Sonia Mano – [email protected] Bonatto – [email protected] Sheila Mello – [email protected]

IntroduçãoA Fundação Oswaldo Cruz implantou o departamento Museu da Vida pela con-vicção de que o acesso às informações sobre ciência e tecnologia é um direito de cidadania. Desde seu projeto inicial, esta diretriz norteou uma de suas principais missões: a promoção de atividades que estimulem a leitura e a compreensão da população visando despertar o cidadão para um maior conhecimento do mundo atual, principalmente sobre os aspectos científicos e tecnológicos e sua influência em seu cotidiano.

Avaliar a atuação do Museu da Vida é uma tarefa necessária para certificar-se não só da sua eficiência no cumprimento de sua missão, mas também para po-der corrigir rumos e possibilitar atualizações para atender a novas demandas da sociedade.

Diversos trabalhos de avaliação vem sendo desenvolvidos no Museu da Vida na busca de analisar sua eficiência quanto a aspectos como a qualidade, segurança, lazer e conforto oferecido. Outras ações avaliadoras procuram registrar também a relevância do Museu da Vida em termos da informação fornecida ao visitante, como o caso da pesquisa sobre o perfil / opinião do professor.

O processo de construção da primeira parte do projeto de avaliação do Parque da Ciência, uma das áreas temáticas do Museu da Vida, apresentado neste texto, é o registro da percepção dos profissionais do Parque sobre o atendimento ao visitante.

Esta proposta previu a construção de um banco de dados para o arquivo de infor-mações sobre o atendimento no Parque visando registrar de modo permanente e sistemático a opinião do profissional que atende diretamente ao público sobre a experiência de cada grupo de visitação. Ela pretende registrar, portanto, a “voz interna”, a opinião do profissional do Parque e visa apontar para dimensões como

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o grau de satisfação no trabalho desenvolvido, os problemas mais freqüentes, e a percepção do profissional sobre o modo como se dá à relação com os visitan-tes frente a grande variedade de necessidades e expectativas naturais a públicos diferenciados. Espera, assim, avaliar rotinas e procedimentos de atendimento ao público e a forma de mediação exercida.

O trabalho não está encerrado. Esta primeira etapa do projeto será consolidada após a elaboração do seu primeiro relatório semestral, que será realizado em dezembro de 2003 e as informações fornecidas neste texto objetivam apenas o registro do processo de formação desta etapa da proposta de avaliação.

O projeto final prevê a criação de um modelo de avaliação permanente e siste-mático que deverá se tornar uma ferramenta importante para o planejamento institucional. Além da percepção do monitor-mediador sobre o atendimento a grupos guiados, completaremos, até o final de 2003 a primeira versão para registro da visitação livre e, em 2004, o formulário digital de avaliação do visitante sobre as atividades desenvolvidas no Parque da Ciência e um programa de entrevistas com o público.

A experiência de avaliação no Parque da CiênciaO Parque da Ciência é uma das áreas de exposição do Museu da Vida, da COC/Fiocruz. Apresenta, em seus 4.500 m2 de área externa e 337m2 de espaço interno, uma exposição interativa sobre os conceitos energia, comunicação e organização da vida. A abordagem integrada destes temas visa apresentar a saúde como um conceito centrado na percepção da complexidade e delicadeza da organização da vida, intro-duzindo visões preventivas que ultrapassassem o binômio saúde e doença.

Como estratégia, utilizamos o enfoque histórico e multidisciplinar e interativo através de brinquedos, jogos, computadores, modelos tridimensionais, painéis e equipamentos relacionados à tecnologia científica, como microscópios e lupas.

O projeto do Parque foi realizado por uma equipe multidisciplinar, onde biólogos, físicos, químicos e educadores criaram uma exposição com atividades centradas no interesse público.

O atendimento ao visitante é realizado através de estagiários e monitores trei-nados pela equipe de profissionais que os acompanha e supervisiona durante o atendimento diário.

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A proposta de avaliação do Parque da CiênciaEsta etapa do projeto de avaliação foi iniciada há dois anos, após o estudo do Livro de problemas e ocorrências, que registrou dados ocorridos no período de 1999 a 2000.

Esta análise mostrou um caráter não sistemático e um cunho muito pessoal nas suas observações, como queixas, reclamações e elogios. A falta de uma unifor-midade no tipo de anotações tornou infrutífera a tentativa de uma sistematização para o aproveitamento destes dados. Ela, porém, permitiu o levantamento do tipo de informações mais freqüentes e as consideradas pela equipe como mais necessárias entre o amplo número de assuntos abordados, possibilitando a iden-tificação de informações relevantes para registro.

A partir da coleta destas informações, elaboramos em Access um banco de dados alimentado através de um formulário eletrônico, de modo a facilitar o seu abaste-cimento diário e a construção de um arquivo geral que permitisse estudos siste-máticos. O formulário foi disponibilizado em rede para os micro-computadores dos profissionais do Parque e os dados gerados são salvos automaticamente em um banco central.

Este instrumento teve seu primeiro teste no mês de julho de 2001 e seus resul-tados preliminares e alterações foram apresentados na SBPC-2002.

Em agosto de 2003, foi consolidado um segundo teste do projeto de avaliação com a tabulação das informações referentes ao período de três meses de atendimento.

A partir desta experiência, a proposta foi reavaliada e aperfeiçoada e suas conside-rações apresentadas em um segundo relatório de teste do projeto. Esta avaliação teve como objetivo analisar o instrumento - formulário e banco de dados - quan-to a sua (i) capacidade de registro das atividades de atendimento ao visitante, segundo a visão do monitor e do mediador; (ii) possibilidade de execução diária e (iii) as possíveis correlações e a validade dos dados registrados para facilitar a elaboração de avaliações, estudos e relatórios específicos que auxiliarão a análise do atendimento efetuado.

As avaliações do projeto, do formulário e banco de dados apresentados no relatório acima citado foram realizadas em três encontros da equipe técnica, monitores e mediadores do Parque da Ciência. A proposta de avaliação representou, em um primeiro momento, uma reflexão individual a partir do questionário elaborado para servir de guia para a discussão coletiva, que se realizou em reuniões posteriores.

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O instrumento de registro e avaliação da visitaO debate iniciou com o questionamento sobre o nome do projeto e a atividade passou a chamar-se Registro e avaliação da visita segundo o monitor. Esta mudança torna clara a finalidade do trabalho e, principalmente, o fato de tratar-se da percepção do autor do relato sobre a experiência e não uma tentativa de rotular o visitante.

No início do projeto, foi previsto o preenchimento do registro por todos os profis-sionais que participaram do atendimento. Esta prática, entretanto foi considerada pela equipe como desnecessária devido ao acúmulo de trabalho e, também, para evitar problemas de duplicidade de dados. Na revisão da proposta ficou deci-dido que apenas o mediador responsável ou o monitor indicado por ele deverá preencher a avaliação, a partir do consenso da equipe sobre o atendimento.

Embora esta decisão impeça a avaliação individual, ela prevaleceu. Além do ganho em termos de tempo, foi considerado que as possibilidades de orientação direta do mediador a partir do levantamento dos dados para preencher o formulário geraria um momento privilegiado para a supervisão diária.

O formulário é dividido em quatro grupos distintos de dados. O primeiro registra a identificação dos grupos atendidos em visitas guiadas. Os campos definidos foram:

• A classificação do tipo de grupo escolar (escola municipal, estadual, federal e particular) e de outras categorias mais eventuais de visitantes.

• No caso de escolares, as séries foram consideradas como uma variável impor-tante. O campo mantém opções que contemplam desde o pré-escolar e classes de Educação Especial até 4ª. Série do 2º. Grau e cursos universitários.

• Dois campos foram criados para anotações sobre a temperatura (muito calor, calor, agradável, frio e muito frio) e o clima (ensolarado, nublado, chuvoso e tempestade) do dia do registro, uma vez que a visitação na área externa do Parque pode ser in-fluenciada tanto pelo excesso de calor como, também, pelos dias chuvosos.

• O campo de registro do responsável pelo grupo escolar permite a identificação do acompanhante da excursão, seja ele guia ou professor.

Um cuidado especial foi dado para com a relação do profissional responsável com o Museu da Vida, a partir do registro de informações sobre o propósito da visitação. O formulário solicita dados como: se ele já conhecia ou não o museu,

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se fez o plantão pedagógico (uma atividade realizada pelo Centro de Educação em Ciências do MV com os professores), qual a meta pretendida (tema de aula, pedagógico, passeio, cultural), se foi a primeira visita da turma, se a visita é parte de uma atividade pedagógica previamente elaborada ou se o professor pretende usar as informações posteriormente em sala de aula.

Este primeiro grupo de dados será registrado no Relatório de Identificação, ela-borado mensalmente, de modo a consolidar o número de alunos por tipo de escola e série; o número de professores por tipo de escola, série e registro das informações sobre sua participação nos cursos do Museu e uso pedagógico da visita. Semestralmente e anualmente estes dados serão apresentados nos Relatórios gerais de atendimento.

A segunda área de registro diz respeito à definição do circuito (Área externa ou Pirâmide do Parque) feito pelo visitante e registra o roteiro das atividades e experimentos monitorados pela equipe.

Este campo pretende auxiliar a percepção do enfoque da exposição apresentada ao visitante pela equipe, facilitando uma visão das preferências entre os brinque-dos, experimentos e atividades.

Uma vez que o registro dos brinquedos mais apresentados ao público pode estar revelando tanto as preferências do público como as da equipe, um segundo campo aborda esta questão. Ele deverá ser preenchido com o nome dos equipamentos preferidos pelo público visitante, informação que será obtida através do somatório de observações obtidas pela equipe ao final da visita.

A terceira área tem caráter mais subjetivo, fornecendo a opinião da equipe sobre o comportamento e a participação do grupo visitante e do professor a partir de opções pré-definidas, apresentadas a seguir, e de área para a emissão de outras anotações julgadas necessárias. As categorias de registro do comportamento do grupo foram sintetizadas do seguinte modo:

Calmo: indica o grupo que participa da visitação com educação, é receptivo as explicações, fácil de conduzir, tranqüilo, sereno, bom ouvinte que acompanha a mediação, compreende e acata as regras do Museu e permite que a experiência ocorra sem problemas.

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Agitado: o grupo mantém um comportamento alvoroçado, com falas excessivas, solicitações constantes, interrompendo freqüentemente a seqüência programada de mediação. Embora mais difícil de trabalhar em princípio, o grupo pode estar movido pelo excesso de interesse e animação durante a visitação e a experiência pode ser rica e muito positiva. Este grupo costuma exigir maior habilidade da equipe durante o manejo da atividade para que ela possa ser proveitosa.

Indisciplinado: excessivamente barulhento e agitado; interfere na mediação, po-dendo chegar a um confronto com o monitor que inviabilize a continuação da visita. Não respeita as regras do espaço, de sua escola, de civilidade.

Muito indisciplinado: mantém um comportamento incompatível com uma pro-posta de mediação impedindo qualquer contato sem a intervenção de professores ou profissionais que acompanham a visita e ou da gerência do Parque.

O modo de participação do grupo visitante foi definido a partir da seguinte classificação: interessado, desinteressado, questionador e não participou. Estes comportamentos foram definidos como:

Interessado: grupo que demonstra o desejo de entender a informação, faz perguntas, responde as questões apresentadas, presta atenção e participa ativamente das atividades e brincadeiras. O grupo interessado estimula o trabalho do mediador e permite um bom aproveitamento da atividade. Ele interage, participa, contribui, comenta.

Desinteressado: Não demonstra interesse na mediação ou na atividade; não presta atenção no que está sendo apresentado; não responde a perguntas, dá sugestões ou tem participação durante a visitação.

Não Participou: O grupo não deseja a experiência de mediação.

A percepção do monitor sobre o modo de participação do professor foi consi-derada importante para uma correlação com a experiência do grupo visitante. Quaisquer relatos necessários sobre os guias ou os acompanhantes deverão ser registrados no espaço Outros. As categorias de registro foram descritas pela equipe do seguinte modo:

Interessado: demonstra querer entender as questões apresentadas, faz perguntas, participa ativamente das atividades e brincadeiras. O professor interessado faz a visita junto com o seu grupo de alunos, se torna mais um do grupo. Ele estimula

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o trabalho do mediador e permite um bom aproveitamento da atividade porque interage, contribui, comenta.

Facilitador: professor que participa auxiliando a mediação através do inter-câmbio entre o saber da turma e as questões apresentadas ou traduzindo o conhecimento de modo a ser compreendido mais facilmente; acompanha ativamente as atividades e brincadeiras. O professor facilitador estimula o trabalho do mediador e a participação de seus alunos, permitindo um bom aproveitamento da atividade.

Desinteressado: Não demonstra interesse na atividade; não acompanha seus alu-nos na apresentação; não dá sugestões ou tem participação durante a visitação.

Centralizador: busca para si a apresentação daatividade, apropriando-se da exposição para dar uma aula. Em alguns casos, o professor pode não assumir diretamente o controle da mediação mas manter uma interferência constante, prejudicando a dinâmica de mediação proposta.

Disciplinador: cuida do comportamento disciplinar dos seus alunos, não inter-vindo diretamente no conteúdo apresentado.

Além destas características, existe um espaço reservado para anotações que a equipe considerar pertinente.

Completa este terceiro bloco o registro da auto-avaliação da equipe quanto ao atendimento realizado e um espaço destinado para anotações sobre como poderia ter sido melhor o atendimento prestado.

O último bloco de questões prevê espaço próprio para a anotação de perguntas elaboradas pelo visitante (e que suscitaram dúvidas quanto à resposta ou foram consideradas especialmente interessantes) e, também, para anotações de ocorrências e observações julgadas necessárias. Estas questões devem ser apresentadas em rela-tórios semanais, de modo a poderem ser analisadas durante a reunião da equipe.

Observações sobre a experiênciaNão foi a proposta deste texto apresentar uma análise dos dados já consolidadas nas duas atividades de teste desta primeira etapa de avaliação. Por tratar-se de um trabalho em construção, diversas alterações nos formulários foram feitas, a medida em que foram consideradas necessárias pela equipe e isto prejudicou a

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elaboração de possíveis comparações. Acreditamos que a partir de dezembro próximo, ocasião onde será elaborado o relatório do segundo semestre de 2003, estará implantada esta etapa de avaliação do atendimento no Parque a partir da ótica de seus profissionais.

Avaliamos que embora a experiência tenha demorado mais tempo do que o esperado, o seu progressivo aperfeiçoamento resultou em um instrumento ela-borado de modo socializado. A análise e o debate durante o processo reforçou na equipe a importância da criação de um sistema de avaliação e a uma maior percepção das contribuições que ele pode trazer para a melhoria das rotinas e procedimentos e a forma de mediação exercida no Parque.

Consideramos o caráter coletivo com que o instrumento foi elaborado como um ponto fundamental do trabalho. Ele representou um momento importante de integração da equipe que deve repercutir em um compromisso de cada agente do Parque para com o processo avaliativo, tornando-a uma tarefa de sua respon-sabilidade e co-autoria.

Durante a implantação do instrumento de avaliação observamos que existiu um aprendizado sobre a experiência do dia a dia de atendimento que o monitor sente necessidade de expressar e registrar. Estes dados fornecem material que pode ser utilizado nos processos de formação da equipe e, também, trazer melhoria tanto para o atendimento quanto para a concepção de novos equipamentos e exposições. A existência de um instrumento para estes registros valoriza a opinião, a experiência vivida e o conhecimento destes monitores e garante um canal de expressão para o grupo responsável pelo atendimento.

Podemos concluir assim que os resultados observados até o momento indicam que a proposta de avaliação que está sendo implantada representará um meca-nismo importante para a gestão das atividades do Parque da Ciência.

Como próximas metas deste trabalho, realizaremos no início de 2004 um segundo formulário e banco de dados que terá como objetivo registrar a percepção do mediador sobre o atendimento das visitas livres ocorridas em finais de semana, feriados e férias escolares e festividades.

Um terceiro enfoque de avaliação deverá ser desenvolvido a partir do próximo ano. Ele objetivará a criação de instrumentos para o registro do ponto de vista do visitante através de formulário digital e pretende possibilitar um acompanha-

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mento sistemático e permanente da opinião do público. De modo pontual, serão realizadas entrevistas para complementar e aprofundar as informações colhidas junto aos visitantes. Esta avaliação pretende verificar - se e como - os recursos criados no Parque da Ciência representam para os visitantes momentos de lazer ao mesmo tempo em que despertam a sua atenção para os conceitos científicos propostos.

A análise da possibilidade de aquisição de conhecimentos pelo visitante deverá ser realizada posteriormente, através da criação de instrumentos e de uma me-todologia para a sua aplicação que afiram o ganho de conhecimento do visitante respeitando conceitos característicos da experiência museal como o caráter lúdico e não formal do aprendizado.

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CIêNCIA EM CENA:DISCUtINDO CIêNCIA POR MEIO DO tEAtRO

Thelma Lopes - [email protected]

IntroduçãoÉ antiga a convicção de que a arte oferece grandes possibilidades educativas. A educação grega, por exemplo, fez largo uso das artes em geral, e do Teatro em particular, como relatou Aristóteles em sua Arte Poética, que constitui um dos mais antigos registros sobre o teatro. Desde então, a associação entre Teatro e Educação esteve presente de diferentes formas e intensidades e tem se transfor-mado ao longo do tempo, como revela a história do teatro.

Na Idade Média, por exemplo, a Igreja se serviu da linguagem teatral para cate-quizar os fiéis; ensinar a liturgia e contar episódios da bíblia e da vida dos santos. A partir dos mystère franceses, das myster plays ou Corphus Christi plays inglesas, das mysterienspiel alemãs, das sacri rappresentazioni italianas ou dos auto sacramentais espanhóis e portugueses, a Igreja ensinava os sacramentos ao mundo, encenando espetáculos que se multiplicaram pela Europa e alcançaram grande populari-dade. Segundo Reverbel, na Renascença surgiram numerosas academias, onde os estudiosos das obras clássicas encenavam peças latinas. Os membros dessas academias tornaram-se professores, e o Teatro na escola começou a florescer. No século vinte, principalmente nos anos trinta, nos Estados Unidos, um tipo de encenação que empregava fontes documentais como material dramático, o chamado living newspaper, tinha como meta a educação política. Essa forma de teatro alcançou prestígio, tendo sido, inclusive, parcialmente subvencionada pelo governo norte-americano, por ocasião do Federal Theatre Project. O diretor brasi-leiro Agusto Boal realizou inúmeras experiências teatrais no Brasil, e em outros países da América Latina como Argentina e Peru, principalmente nas décadas de 60 e 70, que tinham por objetivo a educação política por meio de um teatro interativo. Boal propõe: “todos devem representar, todos devem protagonizar as necessárias transformações da sociedade”, chegando a criar uma nova poética teatral - o Teatro do Oprimido. O Teatro de Arena de São Paulo e os Centros Populares de Cultura (CPC) também são importantes iniciativas que utilizaram o Teatro como um poderoso recurso de educação política, e não coincidentemente tais iniciativas foram duramente reprimidas pelos governos militares da época.

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A relação entre Educação e Teatro tem sido objeto de importantes estudos no pas-sado (Michalski, 1973; Courtney, 1981) e de estudos mais recentes como o de Ingrid Koudela, que reafirmam a importância da arte no processo educativo. Para Koudela o valor educacional da arte reside na sua natureza intrínseca, sem necessitar de outras justificativas. Em sua tese defendida na Universidade de São Paulo, intitulada Jogos teatrais, um Processo de Criação (1982), Ingrid, fundamentada em Piaget e Cassirer, atenta para a “potencialidade do teatro no desenvolvimento intelectual, social e afetivo da criança” e para o fato de que “a Arte é um meio para a liberdade, o processo de liberação da mente humana, que é objetivo real e último de toda educação”. Mais recentemente podemos verificar publicações cujo tema central é a discussão entre Arte e Ciência, como o livro A sensibilidade do Intelecto (1998), de Fayga Ostrover. Podemos identificar também outras iniciativas em curso, que relacionam a utilização de recursos teatrais na educação científica. Periódicos como o Insights (1988), se dedicam a “promover o Teatro como um recurso efe-tivo de Educação”. Um dos mais importantes estudos sobre a relação existente, ou que deveria existir entre Teatro e Ciência, foi desenvolvida pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht. Brecht chegou mesmo a propor o termo teatro científico para descrever algumas de suas concepções sobre a importância de o Teatro adotar não apenas os temas da Ciência como material de representação, mas também o que ele chamou de posturas científicas (Brecht, 1967). Para o dramaturgo alguns aspectos da metodologia científica, como a observação e a experimentação, deve-riam ser incorporados ao processo teatral. Em sua obra teórica ele refletiu sobre a influência das descobertas científicas no Teatro. Em sua última peça – Vida de Galileu (1954), Brecht foi extremamente influenciado por seus estudos sobre temas da Ciência e por eventos associados às descobertas científicas como, por exemplo, a explosão da primeira bomba atômica (Dort, 1992).

Ciência em Cena – O projeto e a peçaA Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) é uma instituição pública, sem fins lucrativos, localizada na zona norte do Rio de janeiro, Brasil. A FIOCRUZ dedica-se à pesquisa na área da Saúde Pública, e recentemente criou o Museu da Vida. O Museu é composto de diferentes espaços e desenvolve atividades interativas que visam a educação científica. O projeto Ciência em Cena, CC, originalmente concebido pela Dr.ª Virgínia Schall, é um dos espaços componentes do Museu. A proposta do CC é a divulgação de temas da Ciência por meio da pesquisa e implementação de atividades interativas a partir da utilização de diferentes lin-guagens artísticas, e principalmente da linguagem teatral. Isto porque o Teatro é uma atividade criativa que envolve o uso de disposições afetivas, que inclui

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diferentes estímulos e recursos como a música e efeitos visuais, e principalmente porque o Teatro pressupõe a existência de uma platéia que estabelece um jogo com os atores recriando fatos do mundo real.

A equipe do CC é formada por atores profissionais, pesquisadores em Artes Cênicas e Ciência, físicos, e consultores da área de Psicologia, Biologia, Educação e Vídeo. Atualmente, as atividades do setor, estão divididas em três principais projetos: o Complexo Laboratórios de Percepção onde os processos perceptivos serão explorados a partir da perspectiva de variados campos do conhecimento como o da Física, Biologia, Psicologia, Neurociência e do Teatro; o Vídeo Clube do Futuro que con-siste na discussão de conceitos científicos a partir da produção de vídeos, e o espetáculo teatral O Mensageiro das Estrelas. O espetáculo conta a vida e a obra do astrônomo e cientista italiano Galileu Galilei, abordando estudos desenvolvidos por ele, como a Teoria Heliocêntrica e a Queda dos Corpos. Em O Mensageiro ... a vida de Galileu é enfocada de modo a apresentar não só os feitos do cientista, como também o impacto e as implicações que estes repercutiram na sociedade da época e de que maneira contribuíram para transformar os rumos da Ciência. A peça enfatiza o espírito criativo e crítico de Galileu, que é apresentado no espetáculo como um ser humano dotado da qualidade de questionar as verdades tidas como absolutas. A peça é apresentada em quatro sessões semanais, e na maior parte das sessões, após o espetáculo é realizado um debate, de cerca de 40 minutos, envolvendo o público, os atores e dois físicos da equipe. Este momento é dedicado ao esclarecimento das dúvidas levantadas pelo público, assim como às críticas e sugestões do mesmo. Em seguida ao debate é distribuído, aos professores, um roteiro de sugestões de atividades a serem desenvolvidas nas escolas, com o objetivo de multiplicar e aprofundar o impacto da peça no universo cultural e social dos estudantes.

O principal objetivo do presente artigo é refletir sobre as possibilidades oferecidas pelo uso da linguagem teatral na apresentação e discussão de temas da Ciência, baseado em nossa experiência preliminar com O Mensageiro das Estrelas. Para tanto a nossa proposta é discutir as características da peça e do público participante, a partir das questões formuladas pelos estudantes imediatamente após assistirem ao espetáculo e das atividades desenvolvidas pelos mesmos e seus professores, inspiradas nos roteiro de sugestões distribuídos.

Resultados – Análise do público atendido na peçaA peça foi apresentada de Março a Novembro de 1998, totalizando 76 sessões e 5667 espectadores. Cerca de 83% dos espectadores eram estudantes, 2% eram

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professores, 5% funcionários da FIOCRUZ e os 10% restantes compunham um público heterogêneo (tabela 1). A grande proporção de estudantes e professores atendidos na peça pode ser explicada pelo fato de a maioria das sessões terem sido realizadas na FIOCRUZ, como parte das atividades do CC. As sessões eram previamente agendadas e destinadas prioritariamente a escolas da rede pública e particular. Outra explicação pode ser o fato de que no Rio de Janeiro, há poucas peças relacionadas a temas da Ciência em cartaz, sobretudo no horário de aulas e com entrada gratuita. As sessões que reuníram um público heterogêneo foram encenadas por ocasião de eventos internos da FIOCRUZ e da 50a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – a SBPC.

Tabela 1: Características do Público Atendido na Peça

Apoiados no fato de que escolas públicas freqüentemente apresentam proble-mas significativos de infra-estrutura, e que seus alunos são oriundos de famílias economicamente desfavorecidas, poderíamos supor que a maioria do público participante fosse composto de alunos de escolas particulares. Entretanto, esta suposição mostrou-se falsa, como verificamos na tabela 2. De 88 escolas que trouxeram seus estudantes para participarem da atividade, 53 eram públicas e 35 eram particulares. Em relação ao número de escolas que retornaram pelo menos uma vez, novamente as escolas públicas são maioria. Das 20 escolas que retornaram para assistirem duas ou mais sessões encenadas em dias diferentes, 15 (75%) eram públicas, e somente 05 (25%) eram particulares. Devemos men-cionar, ainda, que muitos professores da rede pública mostraram-se interessados em trazer mais alunos para assistirem a peça, chegando, algumas vezes, a agendar uma próxima visita, mas em função da dificuldade na obtenção de transporte, cancelavam o agendamento.

Escolas públicas também trouxeram o maior número de estudantes (3180) se comparado com o das escolas particulares (1509). Estes números contradizem a crença geral de que a infra-estrutura precária das escolas públicas impede a participação de seus estudantes em atividades que consumam tempo e ocorram em locais distantes de suas escolas. Embora estas dificuldades existam de fato, nossos dados confirmam que há uma demanda por atividades educacionais externas entre estudantes e professores da rede pública, e que ambos empre-

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endem grandes esforços para participarem de tais atividades. Acreditamos que estes resultados e outros similares possam encorajar iniciativas como a de O Mensageiro das Estrelas.

Tabela 2: Origem das Escolas e Estudantes Atendidos na peça:

Na maior parte das sessões a platéia era composta de alunos de diferentes séries escolares e idades (entre 10 e 16 anos). Isto porque duas ou mais escolas partici-pavam da mesma sessão, proporcionando um público relativamente heterogêneo em termos de idade e origem social.

Tabela 3: Idade dos Estudantes atendidos na peça

• Em alguns casos a escola não informou a série dos estudantes

As questões Elaboradas pelos EstudantesForam registradas após 76 sessões um total de 427 questões resultando uma mé-dia de 6 questões por sessão. Entretanto este valor certamente subestima o real número de questões elaboradas. Se considerarmos as 25 sessões em que todas as perguntas por sessão foram registradas, obteremos um total de 277 questões, resultando uma média de 11 questões por sessão, valor muito mais próximo do número real de questões apresentadas em cada sessão. No presente artigo nós discutiremos 395 questões formuladas nas 65 sessões em que somente estudantes e seus professores estavam presentes. Após as sessões, as questões foram, então, classificadas em diferentes categorias. Nossa experiência tem demonstrado que durante os debates as questões surgidas se relacionam basicamente aos conteúdos científicos abordados na peça; aos aspectos éticos e religiosos da prática cientí-fica de Galileu; aos detalhes sobre a vida particular do cientista, assim como à curiosidade sobre o processo teatral. Desse modo, as questões foram classificadas em quatro categorias principais (tabela 4): “Ciência”, “Teatro”, “Ética”(incluindo religião) e “Vida Particular de Galileu”.

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Tabela 4: Distribuição das Questões em Categorias (%)

As perguntas mais freqüentes do debate, se referem ao conteúdo científico dos temas explorados na peça, principalmente ao tema da queda dos corpos; das in-venções e das manchas solares, constituindo 33% das perguntas, sendo que deste total, 6% se referem especificamente as invenções de Galileu. A freqüência das perguntas em torno da queda dos corpos pode ser explicada, em parte, pela solução cênica elaborada para explicar o fenômeno. Para explicá-lo o personagem Galileu sobe ao alto de uma Torre de Pisa cenográfica, enquanto todos os outros perso-nagens assistem, ao redor da base da torre, a queda de bolas coloridas, compostas de diferentes materiais e pesos. A cada queda das duplas de bolas os personagens comemoram a vitória de Galileu, enquanto o opositor do cientista insiste em negar o que seus olhos estão vendo. A interpretação dos atores, associada aos recursos de iluminação e cenografia, contribuem para gerar um atmosfera de descontração e riqueza visual, onde Galileu compartilha sua dúvida com a platéia e materializa uma novo procedimento científico – a experimentação – aos olhos do público. Por outro lado a curiosidade em torno da queda dos corpos, pode ser atribuída ao fato de que a idéia de que corpos mais pesados caiam primeiro que os mais leves, é muito presente no imaginário leigo. O interesse pelo tema das manchas solares, pode ser atribuído ao fato de que este tema é anunciado por Galileu em determinado momento da peça, mas não é plenamente explicado. Nesta cena o tema é explorado de modo a privilegiar as conseqüências políticas e sociais da nova descoberta, em detrimento ao seu teor científico. O debate neste caso cumpre uma função bastante específica, proporcionando a complementação do conteúdo científico através de explicações oferecidas pelos físicos da equipe. A linguagem teatral funciona, aqui, como um recurso destinado a suscitar questões sobre Ciência, que embora tenham se originado no âmbito do Teatro, serão complementarmente respondidas em linguagem mais formal, multiplicando, assim, os modos de ex-pressar uma mesma questão.

A curiosidade sobre as invenções, pode ser explicada pelo fato das mesmas serem apresentadas não como meros produtos, e sim como resultado de um comportamento inventivo de Galileu, que o acompanhou durante toda a vida, e que se apresenta muitas vezes acompanhado de uma utilidade clara e concreta. A primeira cena da peça mostra Galileu, ainda criança, inventando um instrumento

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para brincar com seus amigos. Outra cena anuncia a juventude de Galileu e as invenções deste período a partir de uma cena musical, que diz: “Na faculdade fui reprovado, mas estudei e inventei o termômetro, a balança hidráulica, como os corpos caem, como se marca o tempo, o pêndulo!.. voltei pra faculdade como professor!”. Na oitava cena da peça, Galileu inventa o compasso militar que cal-cula a distância dos projéteis. A cena seguinte simula, através de mímica e efeitos especiais de iluminação, uma divertida batalha, em que os personagens fazem uso do compasso. Podemos dizer, então que em alguns momentos as invenções são apenas mencionadas na peça, enquanto em outros as invenções são representadas no espetáculo de maneira a exibir seus mecanismos de funcionamento. Acredita-mos que estas diferentes formas de abordagem instiguem a curiosidade da platéia acerca das invenções. Outras perguntas bastante freqüentes são as relativas ao Teatro, que representam 31% das perguntas realizadas pelos estudantes. O pú-blico mostra uma especial curiosidade sobre o processo teatral necessário para a feitura do espetáculo; sobre os signos teatrais – como as máscaras e o figurino, e sobre a arte de representar. A curiosidade em torno do processo teatral pode ser explicada a partir de basicamente dois aspectos. O primeiro aspecto seria a própria impositividade da linguagem teatral, que por explorar variadas outras linguagens como as artes plásticas, a música e a iluminação, gera diferentes apelos e cria uma ambiência envolvente. O segundo aspecto estaria relacionado ao fato de que a maioria dos espectadores do O Mensageiro... (estimado informalmente) nunca tenham ido ao Teatro. A indagação mais freqüente deste grupo de perguntas é “Quem teve idéia de fazer essa peça ?”. Há também perguntas relativas ao proces-so de composição dos personagens à formação dos atores do elenco, bem como à possibilidade de utilizar o Teatro para expressar outros temas e suas próprias idéias. A vida particular de Galileu é tema de 19% das perguntas. Estas perguntas revelam um envolvimento afetivo com o personagem histórica, proporcionado a partir do Teatro, que concretiza e humaniza Galileu frente a platéia. Na peça O Mensageiro... Galileu é apresentado como um homem comum, que chora; ri, por vezes é doce, por outras não, tem desejos, sente fome, é mesquinho, as vezes é nobre, ou seja, Galileu é apresentado como um homem de carne e osso, e na medida que é apresentado como tal, a figura do cientista se torna mais próxima do público, que passa a se sentir mais livre para questionar sobre sua vida e seus atos. Ora, se pensarmos que de um modo geral os cientistas são vistos como seres especiais, que se dedicam única e exclusivamente à Ciência (Assis, 1994), e que esta imagem contribui para que a sociedade não questione os procedimentos científicos e as ambigüidades dos profissionais da ciência, o Teatro assume, aqui, um papel fundamental na tentativa de desmitificar a figura do cientista e incitar questionamentos. O espetáculo O Mensageiro... também suscitou perguntas acerca

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dos desdobramentos políticos e sociais acarretados pelas descobertas do cientista, constituindo 17% das perguntas realizadas. As perguntas revelam curiosidade em relação aos aspectos éticos envolvidos na história de Galileu Galilei, e em especial à interferência da Igreja no caso das descobertas sobre o sistema solar e ao episódio da abjuração forçada do cientista. As perguntas em relação à Igreja se devem a importante participação da mesma no referido episódio, e pelo fato da Igreja ser o antagonista mais claro de Galileu. Diferentes segmentos da Igreja estão representados na peça. O personagem Frei Sarpi, representa o intelectual religioso, que compartilha e discute as idéias de Galileu. O personagem Jesuíta representa os religiosos que, sequer, se dispunham a ouvir Galileu. Na cena do Padre Jesuíta, Galileu oferece o telescópio para que o padre ateste as descobertas do cientista com os próprios olhos, e ele se recusa a fazê-lo. A Igreja também está representada na figura dos Inquisidores, os padres componentes do Tribunal do Santo Ofício, responsável pela condenação de Galileu. Há ainda o personagem Simplício, que inspirado em um personagem criado pelo próprio Galileu em seu livro “Discurso e Demonstração a cerca de duas novas ciências”, está presente na peça e representa a condensação de vários inimigos, invejosos e desafetos de Galileu, e por conseguinte, também a Igreja está contida no personagem de Simplício. A multiplicidade de representações da Igreja na peça, associada as diferentes formas de encená-las, estimula questões sobre a relação entre a instituição e Galileu. Os inquisidores, por exemplo, são representados por três atores mascarados, que com vozes estridentes e gags cômicas condenam Galileu, representando a violência da condenação do cientista através da comédia. O resultado é uma cena divertida e intrigante, que gera muitas perguntas relativas ao Santo Ofício. Desse modo, a peça fomenta a discussão sobre as descobertas científicas e os vínculos desta descoberta na sociedade em que está inserida. Ao contar o episódio de Galileu oferecendo a representação de diferentes segmentos religiosos, a peça mostra vários ângulos da relação entre Galileu e a Igreja bem como demonstra a influência religiosa na sua atividade científica, e principalmente, enriquece a discussão sobre Galileu e as instituições religiosas, no lugar de reduzir esta discussão a um equivocado embate maniqueísta entre o Bem e o Mal.

Cabe observar que as questões elaboradas não são conseqüência de um interesse individual de cada estudante. Ao contrário, o envolvimento e a atitude com o gru-po, determina muitas vezes a elaboração das questões surgidas nos debates. Isto se torna mais claro quando a seqüência de questões é analisada independentemente da idade. Em geral questões sobre o mesmo tema, ou melhor, classificadas na mesma categoria, surgem em seqüência. Por exemplo, em determinada sessão a primeira pergunta foi: “Como surgiu a idéia do espetáculo?”. As três perguntas

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subseqüentes se referiam à primeira. São elas: “Os atores são profissionais?”; “A peça só é representada aqui?”; “Através do espetáculo foi levada uma mensagem bonita, que estudar é preciso”. A quinta questão interrompe o fluxo de pergun-tas sobre o Teatro: “Podem falar um pouco sobre a Inquisição?”; “Já fizeram peça sobre Joana Dárc?”. A sétima pergunta retoma o interesse específico pelo teatro: “Como é a divulgação da peça?”; “Como se faz para fazer teatro?”, que se estendeu até as últimas perguntas. Outro exemplo, agora relacionado ao tema da Ciência: a primeira pergunta foi: “Como é que Galileu chegou a conclusão de que a Terra gira em torno do sol?”. A pergunta seguinte também se referia à temas científicos: “Se um objeto cai na lua, como um objeto flutua?”. Nesta apresentação observou-se uma grande quantidade de perguntas referentes aos conceitos científicos abordados na peça. Alguns exemplos destas perguntas são: “Galileu conseguiu descobrir o que eram as manchas solares?”; “Galileu reco-nhecia a resistência do ar, já que fez a experiência das bolas?”, entre outras. Cabe registrar que a interação entre estudantes de diferentes idades e origens sociais, enriqueceu o debate, confrontando diferentes pontos de vista e concepções, em um ambiente amistoso.

DiscussãoA análise das questões elaboradas pelos estudantes de diferentes idades, revela pequenas diferenças qualitativas, embora as categorias “Ciência” e “Teatro” cons-tituam o principal interesse em praticamente todas as idades. No presente artigo podemos listar algumas destas diferenças qualitativas. Para a temporada de 1999 nosso objetivo é propor estratégias para investigar mais profundamente algumas das hipóteses levantadas no presente estudo. Seria interessante pesquisar, os con-ceitos prévios dos estudantes sobre temas específicos, como a queda dos corpos, por exemplo, e analisar o eventual impacto da peça em suas concepções.

Relacionando as perguntas a faixa etária dos estudantes, identificamos as seguintes características. Nas quartas séries podemos perceber um interesse predominan-te pelas questões sobre os temas do campo científico. Observamos que estas perguntas revelam uma curiosidade sobre aspectos elementares da Ciência. Por exemplo: “Como surgiu o sol? Galileu inventou a Ciência? Dentro do sol é frio? Porque a lua não emite luz? Qual a diferença entre planeta, estrela e satélite?” O mesmo ocorre com questões relacionadas às experiências e as descobertas científicas, encenadas ou narradas na peça. Como exemplo temos as seguintes questões: “Porque Galileu jogou as bolas? Quem inventou o telescópio? Exis-tiam mesmo as quatro luas de Júpiter? Podemos dizer que entre estes alunos a peça suscita questionamentos que se relacionam diretamente com os episódios

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explorados na peça, excluindo, de certa maneira, questionamentos caracteriza-dos por uma elaboração mais complexa. Isto pode ser explicado pela idade dos alunos. Entre estes mesmos alunos a curiosidade no campo do Teatro é signi-ficativa, especialmente em relação aos atores. Perguntas como: “Quantos anos de carreira?” “Há quanto tempo fazem teatro?” são bastante freqüentes, talvez pela identificação das crianças com os personagens. As questões concernentes à vida particular de Galileu se concentram na curiosidade pela morte do cientista e parentes. Esta curiosidade pode ser explicada pelo modo metafórico que a peça aborda este tema. A morte do pai de Galileu, por exemplo, é representada apenas por uma cena em que um mensageiro traz o instrumento musical – um alaúde – pertencente ao pai do cientista, e a de Galileu é anunciada por um ator ao final da representação, com as palavras: “...Galileu Galilei deixou a nossa companhia bem velhinho, e quem sabe não estará numa estrela distante nos observando com um telescópio...”. Quanto aos aspectos éticos envolvidos na trajetória do cientista Galileu, estes alunos os identificam de um modo bastante pontual. As perguntas revelam a necessidade de esclarecimento sobre elementos básicos da relação entre a Igreja e Galileu. Por exemplo: “O que é Inquisição?” “Porque a Igreja queria queimar Galileu?”

Os estudantes de 5a a 8a séries também demonstram um grande interesse pelo tema do Teatro, mas diferentemente das questões dos estudantes mais jovens, elas não se restringem à vida particular dos atores, mas revelam um interesse pelo processo necessário para se encenar um espetáculo teatral e pelos métodos de criação de personagens. Perguntas como “Quanto tempo levaram para terminar esta peça?” ou “quem criou este tipo de figurino?” revelam, muitas vezes, não somente um interesse pelo Teatro como também o interesse em realizar atividades similares. Perguntas como estas indicam que os estudantes reconhecem no Teatro uma possibilidade de expressarem temas de seus interesses, o que constitui um importante efeito da peça. A Ciência é o segundo tema de interesse entre estes alunos, mas as questões não estão necessariamente relacionadas aos conteúdos científicos apresentados durante a peça. Os estudantes freqüentemente estabe-lecem conexões entre aqueles conteúdos e outros correlatos. Perguntas como “É verdade que existe um lago congelado na lua?” e “ Uma chuva de meteoros pode ser vista a olho nu?”, ilustram o que acabamos de afirmar. Presumimos que muitos estudantes reconhecem na presença dos atores e do físico, uma real oportunidade de aprofundar seus conhecimentos prévios sobre temas da Ciência, e este é também um resultado muito positivo da peça. Podemos observar ainda a elaboração de relações mais complexas com outros temas da Ciência, a partir de perguntas como: “Newton formulou suas teorias seguindo os ensinamentos

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de Galileu?”. Esta última pergunta foi elaborada até mesmo por estudantes que supostamente não haviam aprendido as leis de Newton em suas escolas. Certa-mente a relação entre Galileu e Newton se estabelece em uma das cenas finais da peça, em que, simbolicamente, após sua morte, Galileu (ou seu espírito) joga uma maçã na cabeça de um ator que representa o jovem Newton, em alusão ao folclórico episódio que teria inspirado o cientista inglês. As questões concernentes à vida de Galileu não se referem à família e seus descendentes, e sim ao impacto que as descobertas do cientista causaram no cotidiano da época, e que tipo de conseqüências poderiam gerar aos contemporâneos a Galileu. Perguntas como “Quantos amigos e discípulos suportaram a publicidade de Galileu?” e outras similares revelam que os estudantes estabeleceram conexões entre o saber cien-tífico e a vida cotidiana. Acreditamos que estas conexões sejam de fundamental importância para o entendimento da Ciência como uma atividade humana que influencia diretamente na vida diária. Perguntas sobre a Igreja não foram muito freqüentes entre estes alunos, e quase sempre refletiram um questionamento sobre a ordem estabelecida e a relutância do Poder Religioso em aceitar novas idéias. Um exemplo deste tipo de pergunta é: “Por que a Igreja preferiu acreditar nas idéias de Aristóteles, que viveu antes de Cristo do que acreditar nas idéias de Galileu.” Perguntas como esta revelam também que os estudantes utilizam o debate para expressar suas próprias concepções e insatisfações em relação as regras da sociedade.

Entre os alunos do Ensino Médio, o número de questões sobre o Teatro é maior que as perguntas relacionadas aos temas científicos. Isto pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, ao fato de que estes alunos provavelmente estudaram tais temas em suas escolas. De certo modo os conceitos apresentados na peça já são conhecidos por eles, reduzindo, assim, o impacto da história. Logo, o que mais desperta o interesse entre estes alunos é a forma como o conteúdo é apresen-tado, e não o conteúdo propriamente dito. Estes estudantes não faziam apenas perguntas sobre a peça e o Teatro, e sim teciam comentários como “O Teatro ajuda a materializar idéias e teorias” ou “A magia do teatro é capaz de transmitir muitas informações em 50 minutos”, que demonstram uma postura investigativa e crítica em relação aos recursos da linguagem teatral. Dentre estes comentários destacamos o mais intrigante: “Este (a peça) é um trabalho bonito que rompe com uma nova Inquisição que supõe que o aprendizado é dolorido e que só é válido quando realizado em parâmetros tradicionais”. As questões sobre a vida particular de Galileu revelam mais um interesse histórico sobre a época de atuação do cientista, do que curiosidade sobre sua família ou detalhes pessoais, como mostra as seguintes perguntas: “Havia outros locais em que a burguesia era mais

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forte e pudesse ajudar Galileu a defender suas idéias? ” ou “Os nobre da época realmente apoiaram Galileu?”. Na verdade, questões como estas revelam que os estudantes estão conscientes de que a Ciência não está dissociada da Política e que ambas se influenciam mutuamente.

Baseado na experiência do semestre anterior, a partir do segundo semestre de 98, elaboramos um roteiro de sugestões de atividades que passou a ser distribuído aos professores. Este roteiro visa verificar e aprofundar os conceitos abordados na peça, bem como oferecer aos professores um instrumental alternativo de verifi-cação, que proporcione registros menos formais e explorem uma linguagem mais abstrata. Do roteiro constam propostas de jogos dramáticos, e representações de cenas e opiniões sobre a peça a partir de desenhos, músicas e poemas, a serem desenvolvidos na escola, em conjunto com a turma e o professor. Dessa forma, acreditamos estar estimulando respostas que permitam a identificação de possíveis relações afetivas e cognitivas, estabelecidas a partir da exposição de conceitos científicos através da linguagem teatral, bem como multiplicando os efeitos do espetáculo no cotidiano escolar. As atividades desenvolvidas com os alunos na escola, a partir do roteiro de sugestões, deveriam ser enviadas (quando possível) ao CC, para que a equipe pudesse analisar como a atividade O Mensageiro ... estava se multiplicando nas escolas. Um mês após o fim da temporada (dezembro de 98) o CC realizou o evento Arte e Ciência em O Mensageiro das Estrelas, que reuniu, profissionais do campo artístico e científico; professores da rede pública; alunos e profissionais da área de Educação para debater o tema A linguagem teatral como um instrumento de divulgação científica a partir da experiência concreta da atividade O Mensageiro ... O evento foi realizado no cine-teatro do CC, e além do debate, contou com a exposição dos trabalhos realizados pelos alunos nas suas escolas. Foram apresentados desenhos de cenas e personagens; pequenos textos sobre a peça; redações sobre Galileu Galilei; jogos dramáticos realizados com objetos escolares e performances teatrais sobre temas variados, como drogas, ecologia, trânsito e sexo seguro. Embora os temas de tais performances, não estivessem diretamente relacionadas ao tema do espetáculo O Mensageiro... elas devem ser consideradas como um efeito multiplicativo do mesmo, pois como já dissemos neste artigo, a maioria dos alunos jamais tinha ido ao teatro, o que, neste caso, significa dizer que a experiência de assistir O Mensageiro... proporcionou a ampliação de suas formas de comunicação, fazendo do Teatro uma nova forma de expressão de temas de seus interesses (científicos ou não) e de seus questionamentos.

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ConclusõesA experiência proporcionada pela atividade O Mensageiro das Estrelas confirma o lugar do teatro na educação científica, caracterizando-o como um recurso indis-pensável para a melhor compreensão de temas da Ciência. O uso simultâneo de diferentes recursos e linguagens, característico da linguagem teatral, possibilita concretizar episódios mundo real, reproduzindo com riqueza de informações, diferentes ambientes e circunstâncias. Portanto, ao contar, por exemplo, o episódio da abjuração do cientista Galileu por meio do Teatro é possível recriar não só o episódio em si, como também seus antecedentes, suas conseqüências, influências, peculiaridades e contradições. A partir do Teatro os estudantes podem, ainda, presenciar a confrontação entre conceitos erroneamente formulados, muitas vezes derivados do “senso comum”, e conceitos adequados do ponto de vista da Ciência, em um ambiente interativo e lúdico, e portanto, propício a construção e reformulação de novas concepções. Some-se a isto o fato de que em sendo o Teatro uma arte feita por atores que representam ao vivo diferentes situações, é possível concretizar personagens e cenas históricas que normalmente estão dis-tantes e dissociados da realidade atual. Finalmente, acreditamos que a associação entre a linguagem teatral e os temas científicos contribuem para gerar uma atitude crítica no público visitante do Museu da Vida, atitude esta fundamental para a construção ativa do conhecimento e o exercício pleno da cidadania.

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AgradecimentosA Dr.ª Virgínia Shall e ao Dr. Maurício Luz pelas discussões durante a preparação deste manuscrito e a toda equipe do projeto Ciência em Cena, sem a qual este estudo não seria possível. Agradeço especialmente ao elenco de O Mensageiro das Estrelas, com o qual tive o privilégio de contracenar nestas quase oitenta apresentações.

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PRÁtICAS DE PROPRIEDADEINtElECtUAl NA RED-POP

Marcelo Santo - [email protected]érgio Damico, Ângela Vieira, Luciana Garcez, Luciana Gomes,Leonardo Torres, Paulo Marques, Waldir Silva (co-autores)

ResumoNeste trabalho são apresentados e discutidos diferentes aspectos relativos ao tema propriedade intelectual a partir da perspectiva de sua relevância versus a vulnerabilidade legal dos museus e centros de ciências.

Inicialmente, faz-se uma breve revisão bibliográfica seguida de uma análise das ações desenvolvidas no âmbito das organizações que normatizam práticas de gestão da propriedade intelectual. Posteriormente, apresenta-se os resultados relativos a uma pesquisa realizada junto aos museus e centros membros da Rede de Popularização da Ciência para a América Latina e Caribe - Red-POP/UNESCO.

Objetivamente buscou-se confrontar o desenvolvimento conceitual da proprie-dade intelectual e as práticas de gestão com a realidade empírica dos museus e centros de ciência.

Propriedade Intelectual: breve revisão bibliográfica As leis civis vigentes no mundo observando diversos tratados internacionais, de-finem como propriedade a soma de todos os direitos constituídos das faculdades de usar a coisa, de tirar dela seus frutos, de dispor dela, por venda ou cessão de direitos, e de reavê-la do poder de quem injustamente a detenha.

Apesar desse consenso Barbosa (2000) chama nossa atenção para o fato de que “há pouco tempo atrás a prática dos advogados, a doutrina e a jurisprudência, mantinham-se à parte dos dois elementos centrais que entendemos hoje por Propriedade Intelectual: a criatividade privada e a atividade criativa”. Como decorrência da falta de um arcabouço doutrinário definido, os direitos relativos à criatividade privada interpretavam-se no campo do Direito Comercial, e os direitos relativos à atividade criativa, ditos Autorais, possuíam dinâmica própria.

Discorrendo acerca da evolução da propriedade intelectual Macedo (2000) nos assevera que “a idéia de se incentivar a produção intelectual, mediante a concessão

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do monopólio de uso surgiu, inicialmente, na República de Veneza em 1477”. Em função das exigências do Comércio Internacional essa prática foi se difundindo pela Europa, chegando ao Continente Americano no fim do século XVIII. Segundo Hammes (1991), no transcorrer do século XIX inúmeros paises já dispunham de suas próprias leis e sistemas de proteção, ou Sistemas Nacionais.

Sherwood (1992) credita a três fatores o desenvolvimento conceitual que imprimiu um novo tratamento à matéria. Em ordem cronológica: 1) a preocupação sentida pelas indústrias culturais em resguardar seus direitos; 2) a constituição da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) como órgão autônomo dentro da ONU em 1967 e mais recentemente; 3) a emergência de novos objetos de proteção.

Coadunando Sherwood, Cardoso (1996) destaca como início da transformação da propriedade intelectual em algo universal o período que compreende a revolução francesa e o advento da burguesia mercantil, sugerindo a criação da OMPI como fator preponderante para a consolidação do tema junto ao Direito Internacional.

Por uma extensão relativamente moderna admite-se chamar de propriedade intelectual certos bens intangíveis, levando-se em conta, não só os aspectos dos direitos reais e sua utilidade industrial, mas também os princípios gerais do direito do autor e os resultados patrimoniais que advenham da sua criação. Tem-se assim, correntemente, a noção de Propriedade intelectual como um capítulo do direito altissimamente internacionalizado, compreendendo o campo da Propriedade In-dustrial, o Direito Autoral e outros direitos sobre bens imateriais de vários gêneros que podem e devem ser gerenciados (acumulados, valorizados, negociados etc).

A Gestão da Propriedade IntelectualDadas as possibilidades de se acumular e negociar os ativos intangíveis de uma organização, sua gestão passou a ser objeto de inúmeras reflexões.

Para o setor privado, a quantidade de conhecimento representa, em termos financei-ros, a diferença entre o seu valor de mercado e o seu valor patrimonial. Filho (2000) assinala que “O interesse pelo conhecimento nas empresas (ou capital intelectual) começou com a constatação de que o valor de mercado de diversas empresas (Lotus, Microsoft, Apple, Amazon.com, Yahoo!, Nokia, Skandia, Nike, Benneton, América On Line, entre diversas outras) é muito maior do que o valor do seu patrimônio físico (instalações, equipamentos, etc.).” O valor total das ações dessas empresas in-corpora “intangíveis” tais como, o valor das marcas, as patentes, a capacidade de inovação, o talento dos funcionários, as suas relações com seus clientes, entre

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outros fatores. No intuito de entender, organizar, controlar e lucrar com esse valor intangível, essas organizações passaram a considerar os mecanismos de controle em verdadeiros instrumentos de valorização do capital investido.

Já no setor público, os movimentos no sentido de sistematizar procedimentos de gestão da propriedade intelectual apresentam-se distintos quando contrastadas as práticas dos paises desenvolvidos com as práticas dos paises em desenvolvimento.

No primeiro caso, os institutos de pesquisas e universidades refletem e determi-nam a atitude de uma gestão objetiva, voltada para o tratamento da produção intelectual cuja dinâmica contempla práticas formais e não-formais (Chamas, 1998). Na primeira, têm-se como carro-chefe o sigilo e o incentivo aos pesqui-sadores, e na segunda, os procedimentos rotineiros, que visam à manutenção de dados das pesquisas através de relatório descritivo, consultoria na celebração de acordos de cessão de direitos e transferência de tecnologia.

Scholze (2000) ao analisar os instrumentos de gestão da propriedade intelectual das principais instituições de países desenvolvidos, teceu os seguintes comen-tários: “as cláusulas e os termos dos instrumentos que normatizam a gestão da propriedade intelectual buscam, basicamente, o equilíbrio dos interesses entre os inventores, aqueles que vão desenvolver a invenção, a instituição, os patroci-nadores da pesquisa e do público em geral”.

Nos países em desenvolvimento, uma grande parcela das comunidades cientifica e acadêmica, vê nos processos de proteção impedimentos que dificultam a disse-minação do conhecimento. Nesses países a divulgação dos resultados constitui-se interesse da própria ciência. Em outras palavras, a divulgação constitui-se em um instrumento indutor de reconhecimento da capacitação de seus pesquisadores.

Emerick prefaciando Macedo (2000), nos assevera “que em países de industriali-zação recente o conhecimento e as funções da propriedade intelectual são limita-dos”. Para a autora “de modo geral, tendem a entender a questão da propriedade intelectual como simples monopólio que limita o crescimento e concentra riquezas nas mãos de uns poucos”. Subsidiando tais impressões o “projeto Inventiva” retratava em 1997 o contexto sintomático das instituições brasileiras, onde 64% das instituições pesquisadas não utilizavam cláusulas relativas à propriedade intelectual nos acordos, convênios ou contratos de cooperação em pesquisa ou assistência técnica e apenas quatro, entre as instituições de pesquisa, dispunham de uma política formal de propriedade intelectual (Brisiguello, 1998).

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Segundo Fusino, Stal e Plonsky (1999), a temática da proteção do conhecimento e transferência de tecnologias é complexa e suscita conflitos de caráter conceitual, tendo como raízes, de um lado, “a dúvida sobre a conveniência e a pertinência da participação da universidade no desenvolvimento econômico do País e, de outro, a dúvida sobre como regulamentar as relações entre o público e o privado, sem perda da autonomia científica por parte da universidade”. Para afiançar essa assertiva os autores realizaram uma pesquisa junto a áreas de forte impacto social, tendo como foco o dilema entre divulgar e proteger o conhecimento e a sua apropriação por em-presas ou instituições sem fins lucrativos. Destarte, pode-se verificar que os conflitos resultavam do desconhecimento e da falta de informações sobre a questão.

Apesar do estágio embrionário de práticas formais e não formais e das dificuldades dos gestores para lidar com a resistência da própria ciência, verifica-se um movimen-to de adequação a esse imperativo acontecendo nas universidades e nos institutos de pesquisas, em função do entendimento corrente de que a transferência dos resultados oriundos das pesquisas para o setor produtivo significa, condição “sine qua non” para o desenvolvimento de um país. Em suma, estas instituições, com vistas a acomodar em seus instrumentos de gestão, cláusulas que contemplem modalidades pertinentes ao Direito Autoral e o processo de negociação e comer-cialização de tecnologia, encontram-se em processo de revisão conceitual. Práticas Museais e a Propriedade IntelectualVisando a identificação de políticas voltadas à gestão da Propriedade intelectual em prática nos museus e centros de ciências, a Coordenação de Administração e Plane-jamento do Museu da Vida promoveu em 2002 uma pesquisa exploratória junto aos membros (titulares e associados) da Rede de Popularização da Ciência para a América Latina e Caribe/ Red-POP/UNESCO listados no sitio www.redpop.org, cuja po-pulação geral é composta por 41 museus e centros. A esta população, foram acrescidos 05 museus e centros brasileiros que, apesar de não figurem na lista da Rede, são participantes efetivos de suas reuniões bienais, totalizando assim 46 instituições.

A abordagem foi feita através de questionário específico elaborado com vistas a proporcionar possíveis perspectivas de indicadores de práticas formais e não-formais de propriedade intelectual aos respondentes. Nesse sentido, três questões foram contempladas num modelo quantitativo estruturado em três blocos de macro-variáveis (quadro 1). São elas: 1) Natureza Administrativa (NA), composta pelos indicadores dependentes “lei 8.666/93” (para os museus e centros brasilei-ros) e “outros mecanismos” (para os museus e centros estrangeiros); 2) Gestão

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da Propriedade Intelectual (GP), composta pelos indicadores independentes “setor de registro” e “registros efetivados”; 3) Proteção da Propriedade Inte-lectual (PP), composta pelos indicadores independentes “contratos de serviço” e “contratos de estágios”. Na verdade, usamos indicadores aproximados dos conceitos teóricos para descobrir associações parciais.

Quadro 1 – Bloco de Macro-Variáveis

1) Dada a Natureza Administrativa (NA) da instituição que Mecanismo de Proteção (MP) é utilizado na Celebração de Contratos, Lei 8.666 ou outro mecanismo legal?

2) Na Gestão da Propriedade Intelectual (GP) a instituição conta em sua estrutura com Setor de Registros (SR)? Caso a resposta seja positiva, quantos Registros (RG) foram efetivados nos últimos três anos?

3) Proteção da Propriedade Intelectual da Instituição (PP), os termos dos contratos com estudantes (CE) e de Serviços (CS) contemplam a cessão de direitos patrimoniais? Não se tratando da Lei 8.666/93, especifique o mecanismo utilizado para este fim (OM).

Após formatação e o devido pré-teste, os questionários foram enviados via cor-reio eletrônico. Obteve-se uma amostra composta por 21 museus e centros ou 45.6% da população geral (quadro 2). Destes, 12 (57%) brasileiros e 09 (43%) estrangeiros, classificados respectivamente, como Tipo 1 e Tipo 2.

Quadro 2 – Classificação dos Museus e Centros de Ciências

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Com base na fundamentação bibliográfica e no conhecimento empírico-especulativo, optou-se na sistematização dos dados pela análise bivariada descritiva. A opção por essa técnica resultou da observância “da sua relativa simplicidade”, na medida em que as variáveis (indicadores) já estão enunciadas nas supostas hipóteses embutidas no questionário da pesquisa. Através desta técnica, que consiste basicamente na associação de varáveis, pode-se captar o sentido (se positivo ou negativo) e a intensidade de correlação (Rodriguez, 1996). Para o suporte da análise foi utilizado o programa estatístico Epi Info.

Tabela I – Natureza Administrativa

Em face da condição da categoria NA (dependente), buscou-se definir anterior a análise dos dados, os percentuais de cada Tipo. Deste modo, pode-se evidenciar que 24% de museus e centros são administrados pelo setor privado e 76% pelo setor público. Deste percentual 42% são estrangeiras e 57% são brasileiras.

Tabela II – Natureza Administrativa X Leis

Quando submetidos os indicadores da categoria NA e MP, extraiu-se o seguinte quadro: 31% das instituições do setor público observam a Lei 8.666; 69% não informaram. Seguindo a tendência do setor público, 40% das instituições do setor privado observam outras leis e 60% não informaram. Os museus e centros do Tipo II não relataram a observância de outras leis correlatas à lei brasileira.

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Tabela III – Gestão PI X Mecanismo de Normatização

No que concerne a estruturação de um setor de registro e a efetivação dos mesmos, a tabela III revelou que 29.5% dos museus e centros encontram-se estruturados. Desse percentual, somente 9.5% efetivaram registros. 70.5% não estão estruturados e 90,5% não efetivaram registros nos últimos 03 anos.

Tabela IV – Gestão PI X Natureza Administrativa

Reportando os indicativos da categoria GP junto a categoria NA (tabela IV), o quadro anterior se apresentou mais nítido, ou seja, 25% das instituições do setor público pos-suem estruturas voltadas à gestão da propriedade intelectual; 31% não possuem e 44% não informaram; do total daqueles estruturados, somente 12.5% relataram a efetividade de registros. Com relação ao setor privado 40% (um de cada Tipo) relataram possuir setor e a efetividade de registros; 60% não se encontram estruturados e não efetivaram registros.

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Tabela V - Proteção da PI X Mecanismos de Proteção

Quando solicitados a detalhar ações típicas de proteção, 29% declararam utilizar termos de cessão de direitos autorais patrimoniais em seus contratos de estágios; 47% não utilizam; 24% não informaram. Nos contratos de serviços envolvendo terceiros 19% utilizam termos de cessão de direitos; 48% não utilizam. Esse último percentu-al, quando acrescido do percentual daqueles que não informaram, salta para 81% que, por sua vez, é refletido no indicativo OM. Ou seja, 81% não especificaram o uso de mecanismos alternativos.

Tabela VI – Proteção PI X Natureza Administrativa

No cotejamento dos resultados da Tabela V junto à categoria NA verificou-se, ainda (Tabela VI) que 31% dos museus e centros administrados pelo setor público aplicam em seus contratos termos de cessão, 19% não aplicam e 50% não informaram. Quanto ao indicativo OM, apenas 01 museu do Tipo II declarou a aplicação, 19% não aplicam e 75% não informaram. Nos museus e centros administrados pelo setor privado, 20%

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aplicam termos de cessão, 80% não aplicam. Quanto ao indicativo OM os museus desse setor não informaram a aplicabilidade. Ainda sobre os museus e centros admi-nistrados pelo setor público, convém ressaltar que o único mecanismo relatado foi a Lei 8.666/93. E esta, por sua vez, figurava como sugestão no questionário da pesquisa. Outros mecanismos legais, não foram citados.

Resultados e Discussão

“Dentro do museu, cada objeto é uma armadilha para o olhar”. (Donald Preziosi)

À primeira vista, o design e o conteúdo pedagógico de um determinado bem conce-bido por um museu ou centro de ciências, pode até se revelar insuscetível quanto à possibilidade de vir a ser objeto de litígio judicial. Todavia, quando em contraste com as leis e a doutrina que regulam as relações entre a criação e a utilização de obras artísticas, literárias ou científicas, o pano de fundo, que envolve esse bem, expõe o seguinte quadro emblemático: 1) os museus e centros encontram-se vulneráveis quanto aos aspectos da proteção legal de sua produção intelectual; 2) desconhecem as normas e mecanismos que disciplinam a matéria; 3) não fazem uso (regular) de termos de cessão de direitos nos contratos de pessoal e serviço; 4) encontram-se desestruturados tanto na área física (adequada) como de pessoal (qualificado) para proceder registros; 5) os museus e centros que relataram possuir setor de registro encontram-se, na verdade, vinculados e dependentes da estrutura das universidades e institutos de pesquisas, onde a gestão da propriedade intelectual é incipiente.

Diversos motivos podem ser elencados à compreensão dessa realidade. Uma hipótese provável seria a equação trajetória dos museus rumo às dimensões edu-cativas versus a desorganização dos institutos do direito quanto ao tema. Nesse sentido, poder-se-ia questionar até que ponto as concepções metodológica da educação não-formal e os aspectos atrativos, embutidos no design das ofertas dos museus e centros, poderiam estar, de alguma forma, influenciando os pro-fissionais desses espaços a adotarem um comportamento desviante com relação à proteção desses bens. Contudo, para os efeitos dessa análise não nos importa uma imersão extremamente precisa na gênesis dessa problemática. Não cabe, nos limites desse trabalho aprofundar essas questões. Essa pesquisa, como es-tudo exploratório não pretendeu chegar a conclusões, apenas revelar a situação da propriedade intelectual no contexto da Red-POP.

Não obstante a fragmentação e a falta de sistematização da disciplina foi possível extrair do quadro amostral, quando da análise do indicador Natureza Administrativa,

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um substrato revelador. A pesquisa identificou, apesar da prevalência dos museus e centros administrados pelo setor público, uma inclinação do setor privado por uma fatia no segmento da popularização e divulgação da ciência, atividades tidas, anteriormente, como exclusivas do setor público. Tendência essa que, ao nosso ver, é extremamente positiva. Porque, se por um lado, o percentual das instituições públicas reafirma a responsabilidade e o interesse do estado na divulgação e popula-rização da ciência, por outro, a abertura desse segmento ao setor privado desloca o paradigma segundo o qual, tais atividades constituem-se investimentos cujo retorno só se visualiza no plano social, portanto inerentes ao estado.

Consideraçoes FinaisTendo em vista os impactos positivos que poderão representar um processo de gestão voltado à propriedade intelectual com enfoque na negociação e transfe-rência de tecnologia, não só do ponto de vista econômico, mas também no que tange a prestação de contas com a sociedade, a pesquisa finalmente sugere, a exemplo do que vem ocorrendo nos países desenvolvidos, “o estabelecimento de uma política de apoio efetivo aos pesquisadores dos museus e centros da Red-POP, em especial no tocante aos aspectos administrativos da questão, me-diante um amplo processo de informação e discussão sobre os vários aspectos da propriedade intelectual”.

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