cadernos Mcidades 06

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    Poltica nacional de mobilidade

    urbana sustentvel

    Ministrio

    das Cidades

    Novembro de 2004

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    REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

    LUIZ INCIO LULA DA SILVA

    Presidente

    MINISTRIO DAS CIDADES

    OLVIO DUTRA

    Ministro de Estado

    ERMNIA MARICATO

    Secretria-Executiva

    JORGE HEREDA

    Secretrio Nacional de Habitao

    RAQUEL ROLNIK

    Secretria Nacional de Programas Urbanos

    ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO

    Secretrio Nacional de Saneamento Ambiental

    JOS CARLOS XAVIER

    Secretrio Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana

    JOO LUIZ DA SILVA DIAS

    Presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos CBTU

    AILTON BRASILIENSE PIRES

    Diretor do Departamento Nacional de Trnsito Denatran

    MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA

    Presidente da Empresa de Trens Urbanos de Por to Alegre Trensurb

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    APRESENTAO

    A criao do Ministrio das Cidades representa o reconhecimento do Governo

    do presidente Luiz Incio Lula da Silva de que os imensos desafios urbanos do

    pas precisam ser encarados como poltica de Estado.

    Atualmente cerca de 80% da populao do pas mora em rea urbana e, em

    escala varivel, as cidades brasileiras apresentam problemas comuns que foram

    agravados, ao longo dos anos, pela falta de planejamento, reforma fundiria,

    controle sobre o uso e a ocupao do solo.

    Com o objetivo de assegurar o acesso moradia digna, terra urbanizada,

    gua potvel, ao ambiente saudvel e mobilidade com segurana, iniciamos

    nossa gesto frente ao Ministrio das Cidades ampliando, de imediato, os

    investimentos nos setores da habitao e saneamento ambiental e adequando

    programas existentes s caractersticas do dficit habitacional e infra-estrutura

    urbana que maior junto a populao de baixa renda. Nos primeiros vinte

    meses aplicamos em habitao 30% a mais de recursos que nos anos de 1995

    a 2002; e no saneamento os recursos aplicados foram 14 vezes mais do que o

    perodo de 1999 a 2002. Ainda pouco. Precisamos investir muito mais.

    Tambm incorporamos s competncias do Ministrio das Cidades as reas

    de transporte e mobilidade urbana, trnsito, questo fundiria e planejamento

    territorial.

    Paralelamente a todas essas aes, iniciamos um grande pacto de

    construo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano PNDU, pautado

    na ao democrtica, descentralizada e com participao popular, visando

    a coordenao e a integrao dos investimentos e aes. Neste sentido, foi

    desencadeado o processo de conferncias municipais, realizadas em 3.457 dos

    5.561 municpios do pas, culminando com a Conferncia Nacional, em outubro

    de 2003, e que elegeu o Conselho das Cidades e estabeleceu os princpios ediretrizes da PNDU.

    Em consonncia com o Conselho das Cidades, formado por 71 titulares que

    espelham a diversidade de segmentos da sociedade civil, foram elaboradas

    as propostas de polticas setoriais de habitao, saneamento, transporte e

    mobilidade urbana, trnsito, planejamento territorial e a PNDU.

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    CADERNO

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    Como mais uma etapa da construo da poltica de desenvolvimento,

    apresentamos uma srie de publicaes, denominada Cadernos MCidades,

    para promover o debate das polticas e propostas formuladas. Em uma primeira

    etapa esto sendo editados os ttulos: PNDU; Participao e Controle Social;

    Programas Urbanos; Habitao; Saneamento; Transporte e Mobilidade Urbana;

    Trnsito; Capacitao e Informao.

    Com essas publicaes, convidamos todos a fazer uma reflexo, dentro

    do nosso objetivo, de forma democrtica e participativa, sobre os rumos das

    polticas pblicas por meio de critrios da justia social, transformando para

    melhor a vida dos brasileiros e propiciando as condies para o exerccio da

    cidadania.

    Estas propostas devero alimentar a Conferncia Nacional das Cidades, cujo

    processo ter lugar entre fevereiro e novembro de 2005. Durante este perodo,

    municpios, estados e a sociedade civil esto convidados a participar dessa grande

    construo democrtica que a Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano.

    Olvio Dutra

    Ministro de Estado das Cidades

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    CIDADE: ESPAO DE PROMOO E EXPANSO DA CIDADANIA 7

    A POLTICA DE MOBILIDADE URBANA 9

    DIAGNSTICO 17

    OBJETIVOS, DIRETRIZES E ESTRATGIA DA POLTICA 47

    CONSIDERAES FINAIS 67

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    Este caderno mais um passo no processo de construo da Poltica Nacional de Mo-

    bilidade Urbana Sustentvel. Dadas a profunda desigualdade e excluso scio-espacial

    que caracterizam a urbanizao brasileira, o processo participativo de concepo de

    polticas pblicas, marca do atual governo federal, visto como uma necessidade para a

    elaborao de uma Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano que tenha como fi-

    nalidade a produo de cidades mais justas e humanas, lugar da promoo e expanso

    da cidadania, do fortalecimento da democracia atravs do acesso universal ao espao

    urbano e do desenvolvimento econmico.

    A ampla participao da sociedade na proposio, discusso e elaborao da Poltica

    Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel necessria para que se forme uma melhor

    compreenso daquilo que significa e representa a Mobilidade para o desenvolvimento

    urbano. A urbanizao e as polticas urbanas no Brasil foram marcadas por uma viso

    setorial. No sentido de transformar esse paradigma que foi criado o Ministrio das

    Cidades, para exercer um trabalho de integrao das polticas urbanas atravs da reali-

    dade territorial.

    Na reunio do Conselho das Cidades de junho de 2004 foram apresentados ao

    Comit Tcnico de Trnsito, Transportes e Mobilidade Urbana os documentos com os

    princpios e diretrizes para a Poltica Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel e a

    Poltica Nacional de Trnsito. A partir de ento, a Secretaria Nacional de Transporte e da

    Mobilidade Urbana SeMOB e o Departamento Nacional de Trnsito Denatran pro-

    moveram reunies em todas as capitais brasileiras para apresentar esses documentos,

    num processo que se revelou importante pelas contribuies agregadas e, sobretudo,

    por demonstrar claramente a complementaridade dos temas. De posse dessas contri-

    buies foram elaboradas novas verses dos documentos que, em seguida, tiveram

    suas diretrizes e princpios aprovados pelo Conselho das Cidades, em setembro de 2004,

    e que fazem parte deste caderno.

    A presente publicao, em forma de documento para discusso, tem como objetivos

    apresentar o atual estgio de evoluo de construo da poltica, as propostas e consen-

    sos acerca da mobilidade urbana sustentvel e, apresentar os principais eixos, objetivos e

    estratgia da implementao de uma poltica nacional de mobilidade urbana, subsidian-

    do, assim, um documento final a ser submetido apreciao do Conselho das Cidades.

    O contedo do caderno est dividido em trs partes que sintetizam diferentes con-

    tribuies para a formulao da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano da qual a

    Poltica de Mobilidade subsidiria.

    Primeiro so apresentados subsdios para a compreenso do conceito de mobilidade

    em sua relao com a realidade urbana e a definio de Mobilidade Urbana Sustentvel,

    CIDADE: ESPAO DE PROMOOE EXPANSO DA CIDADANIA

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    conforme vem sendo utilizada pelo Ministrio das Cidades. O objetivo disseminar es-

    sas idias, permitindo a sua ampla apropriao pela sociedade e a esperada transforma-

    o de alguns paradigmas do urbanismo brasileiro.

    Segue um amplo diagnstico da questo, apresentando a realidade da mobilidade

    urbana nas cidades brasileiras e justificando a importncia da temtica. A partir da, so

    apresentados mais insumos para contribuir na construo coletiva da poltica de mobi-

    lidade. O processo de formulao da poltica de mobilidade tambm revisto, com o

    objetivo de diagnosticar e subsidiar os avanos, as novas proposies e etapas que se

    fazem necessrios.

    O registro dos principais objetivos da Poltica Nacional de Mobilidade permite a com-

    preenso dos princpios que a norteiam, e que esto traduzidos nas Diretrizes da Polti-

    ca Nacional de Mobilidade, aprovadas no Conselho Nacional das Cidades.

    Finalmente, so apresentadas as estratgias traadas pelo Ministrio das Cidades

    como um todo, e pela SeMOB em particular, para a implantao desta Poltica, assim

    como os Programas e Aes atualmente em execuo.

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    A poltica deMobilidade Urbana

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    OTO CUSTDIO COIMBRA

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    Uma exata compreenso das propostas de ur-

    banizao e mobilidade deve ser antecedida

    por uma breve viso daquilo que, institucio-

    nalmente, ao menos nas ltimas dcadas, foi

    feito das polticas pblicas urbanas na rea de

    transporte, trnsito e mobilidade.

    No perodo que vai dos anos 1970 at 1989,o Governo Federal firmou, por algum tempo,

    uma relativa integrao da questo urbana a

    partir da existncia do Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Urbano CNDU. Esse Con-

    selho surgiu da Comisso Nacional de Regies

    Metropolitanas e Poltica Urbana CNPU

    (1974 a 1979) criada, por sua vez, a partir do

    primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento

    PND que previu a criao de nove Regies

    Metropolitanas no pas.

    Em 1986 foi criado o Ministrio do Desen-

    volvimento Urbano, que reunia as polticas

    de saneamento, habitao, poltica urbana e

    transportes urbanos, somando inclusive o BNH,

    a EBTU e a CNDU. Por razes polticas essa con-

    formao foi alterada vrias vezes ao longo dos

    cinco anos de governo que se sucederam, ge-

    rando ineficincia na capacidade formuladora

    de uma poltica pblica para a questo urbana.

    No incio dos anos 1990, as polticas de ha-

    bitao e saneamento foram transferidas para

    o Ministrio da Ao Social, no qual permane-

    ceram at o incio de 1995 quando passaram

    para a Secretaria de Polticas Urbanas SE-

    PURB/MP, vinculada ao Ministrio do Planeja-

    mento. J os transportes urbanos, incluindo a

    CBTU e a Trensurb, continuaram no Ministrio

    dos Transportes.

    Em 1999 foi criada a Secretaria Especial de

    Desenvolvimento Urbano da Presidncia da

    Repblica SEDU/PR com a atribuio de

    formular, implementar e coordenar as pol-

    ticas nacionais de desenvolvimento urbano,

    as aes e programas de urbanizao, de

    habitao, de saneamento bsico, incluindo o

    transporte urbano.

    Ao final deste longo perodo em que

    houve vrias mudanas institucionais na con-

    duo da poltica urbana e, principalmente

    durante o final dos anos 80 e incio dos anos

    90, quando o processo de urbanizao atingiu

    propores ainda mais extraordinrias, perce-

    be-se que o tratamento inadequado da ques-

    to urbana pelo poder pblico foi um dos

    fatores que contriburam para a consolidao

    de padres de desenvolvimento urbano que,

    atualmente, se configuram como grandes pro-

    blemas que precisam ser enfrentados.

    Ressalta-se que no fim dos anos 80, devido

    crise fiscal e promulgao da Constituio

    Brasileira, que determinou a competncia

    do tratamento dos transportes urbanos aos

    executivos locais, o governo federal extinguiu

    a EBTU e, desde ento, os transportes vm

    sendo tratados de maneira pontual e dissocia-

    da das polticas de habitao e saneamento,

    assim como sem dialogar com as polticas

    energtica, tecnolgica, ambiental, regional,

    econmica e social.1

    O Ministrio das Cidades congrega, atual-

    mente, todas as polticas pblicas de trnsito

    e transporte urbano. rgos que se encontra-

    vam dispersos em outros Ministrios, como o

    1MCidades/SeMOB/Diretoria de Regulao e

    Gesto Poltica Nacional de Mobilidade Urbana

    Sustentvel: oportunidades, princpios e diretrizes.

    Texto para discusso, abril de 2004.

    A ATUAO DO MINISTRIO DAS CIDADES E DA SEMOB

    NA IMPLEMENTAO DA MOBILIDADE URBANA

    SUSTENTVEL TEM COMO EIXOS ESTRATGICOS QUE

    ORIENTAM SUAS AES: O DESENVOLVIMENTO

    URBANO E A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL,

    A PARTICIPAO SOCIAL E A UNIVERSALIZAO

    DO ACESSO AO TR ANSPORTE PBLICO; E

    O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E A

    MODERNIZAO REGULATRIA DO SISTEMA DE

    MOBILIDADE URBANA

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    Denatran no Ministrio da Justia, ou empre-

    sas, como a CBTU e a Trensurb, no Ministrio

    dos Transportes, passaram a compor a estru-

    tura do Ministrio das Cidades, articulados

    com a Secretaria Nacional de Transporte e

    da Mobilidade Urbana SeMOB, criada junto

    com o Ministrio. Essa nova estruturao tem

    como um dos seus maiores desafios integrar-

    se com as demais polticas pblicas urbanas.

    Desta maneira, mais que agregar todo o

    setor de transporte urbano, o Ministrio das

    Cidades e a SeMOB, em particular, tm como

    objetivo consolidar a Poltica de Mobilidade

    Urbana Sustentvel e, nesta perspectiva, criar

    polticas pblicas transversais, que dem

    conta das profundas necessidades das cida-

    des brasileiras, contribuindo para o acesso

    terra urbanizada, habitao com condies

    dignas de saneamento e mobilidade e que

    respeitem os princpios de sustentabilidade

    ambiental e econmica.

    A atuao do Ministrio das Cidades e da

    SeMOB na implementao da mobilidade ur-

    bana sustentvel tem como eixos estratgicos

    que orientam suas aes o desenvolvimento

    urbano e a sustentabilidade ambiental, a par-

    ticipao social e a universalizao do acesso

    ao transporte pblico, e o desenvolvimento

    institucional e a modernizao regulatria do

    sistema de mobilidade urbana. Para tanto so

    definidos alguns instrumentos: poltica fiscal

    e investimentos pblicos, desenvolvimento

    institucional e capacitao de agentes, lei

    de diretrizes e normas complementares de

    transporte urbano, informao para melhoria

    e aprimoramento da gesto e do controle

    A mobilidade corresponde s diferentes

    respostas dadas por indivduos e agentes

    econmicos s suas necessidades de

    deslocamento

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    social, instrumentos urbansticos como Planos

    Diretores e fomento pesquisa e inovao

    tecnolgica.

    O Governo Federal pode ainda estimular

    os municpios na implantao da mobilidade

    urbana sustentvel apoiando projetos que

    atendam suas diretrizes; fomentando a im-plantao de programas de mobilidade para

    pessoas com deficincia; a utilizao dos

    meios no-motorizados de transporte e o

    barateamento no custo dos deslocamentos,

    principalmente para a populao de mais

    baixa renda; implantando programas de ca-

    pacitao de tcnicos na rea; realizando o

    necessrio Desenvolvimento Institucional do

    setor e sua clara e adequada regulao.

    O QUE MOBILIDADE URBANA?

    Existem vrias definies e acepes acerca

    do termo mobilidade. Antes de definir o

    escopo do termo em uso nas polticas pbli-

    cas do Ministrio das Cidades, e que se quer

    aqui difundir como forma de valorizar princ-

    pios universais e sustentveis para as cidades

    brasileiras, necessrio esclarecer o que vem

    a ser mobilidade e as derivaes do termo,

    relacionadas, de uma forma ou outra, dura-

    o do deslocamento, ao lugar de permann-

    cia que o deslocamento implica (origens e

    destinos) e s tcnicas colocadas em uso para

    sua efetivao.

    A mobilidade um atributo associado s

    pessoas e aos bens; corresponde s diferen-

    tes respostas dadas por indivduos e agentes

    econmicos s suas necessidades de desloca-

    mento, consideradas as dimenses do espao

    urbano e a complexidade das atividades nele

    desenvolvidas. Face mobilidade, os indivdu-

    os podem ser pedestres, ciclistas, usurios de

    transportes coletivos ou motoristas; podem

    utilizar-se do seu esforo direto (deslocamen-

    to a p) ou recorrer a meios de transporte

    no-motorizados (bicicletas, carroas, cavalos)

    e motorizados (coletivos e individuais).2

    Se a diviso modal se insere como a forma

    mais objetiva de se instituir grupos ou classesentre aqueles que se deslocam no espao

    cotidiano, para alguns autores essas divises

    no devem ter tanto crdito, pois o motorista,

    o pedestre e o passageiro so todos papis

    passveis de serem representados por um

    mesmo indivduo. De toda maneira, neces-

    srio considerar tanto a mobilidade quanto o

    trnsito em si como processos histricos que

    participam das caractersticas culturais de

    uma sociedade e que traduzem relaes dos

    indivduos com o espao, seu local de vida,

    dos indivduos com os objetos e meios em-

    pregados para que o deslocamento acontea

    e, dos indivduos entre si.

    A mobilidade tambm pode ser afetada

    por outros fatores como a renda do indivduo,

    a idade, o sexo, a capacidade para compreen-

    der as mensagens, a capacidade para utilizar

    veculos e equipamentos do transporte, todas

    essas variveis podendo implicar em reduo

    de movimentao permanente ou temporria.

    Por todas as razes aqui expostas, ne-

    cessrio tratar os deslocamentos no apenas

    2Vasconcelos, Eduardo A. Transporte urbano,

    espao e eqidade. FAPESP, So Paulo, 1996.

    A MOBILIDADE URBANA SUSTENTVEL PODE SER

    DEFINIDA COMO O RESULTADO DE UM CONJUNTO DE

    POLTICAS DE TRANSPORTE E CIRCULAO QUE VISA

    PROPORCIONAR O ACESSO AMPLO E DEMOCRTICO

    AO ESPAO URBANO, ATRAVS DA PRIORIZAO

    DOS MODOS NO-MOTORIZADOS E COLETIVOS DE

    TRANSPORTE, DE FORMA EFETIVA, QUE NO GERE

    SEGREGAES ESPACIAIS, SOCIALMENTE INCLUSIVA

    E ECOLOGICAMENTE SUSTENTVEL. OU SEJA:

    BASEADO NAS PESSOAS E NO NOS VECULOS

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    como a ao de ir e vir, mas a partir do concei-

    to de mobilidade, acrescido da preocupao

    com a sua sustentabilidade.

    A Mobilidade Urbana Sustentvel pode ser

    definida como o resultado de um conjunto de

    polticas de transporte e circulao que visa

    proporcionar o acesso amplo e democrticoao espao urbano, atravs da priorizao

    dos modos no-motorizados e coletivos de

    transporte, de forma efetiva, que no gere

    segregaes espaciais, socialmente inclusiva e

    ecologicamente sustentvel. Ou seja: baseado

    nas pessoas e no nos veculos.3

    Como se vem demonstrando, a Mobilidade

    Urbana Sustentvel deve ser entendida de

    uma forma ampla, como o resultado de um

    conjunto de polticas de transporte, circula-

    o, acessibilidade e trnsito, alm das demais

    polticas urbanas, cujo objetivo maior est

    em priorizar o cidado na efetivao de seus

    anseios e necessidades, melhorando as condi-

    es gerais de deslocamento na cidade.

    A MOBILIDADE URBANA SUSTENTVEL

    COMO UM EIXO DA POLTICA DE

    DESENVOLVIMENTO URBANO

    O conceito de mobilidade que vem sendo

    construdo nas ltimas dcadas encontra subs-

    tncia na articulao e unio de polticas de

    transporte, circulao, acessibilidade e trnsito

    com a poltica de desenvolvimento urbano.

    Este conceito base para as diretrizes de uma

    poltica-sntese, que tem como finalidade pri-

    meira proporcionar o acesso amplo e democr-

    tico ao espao urbano, de forma segura, social-

    mente inclusiva e ambientalmente sustentvel.

    A mobilidade urbana, ao congregar em sua

    efetivao todas as principais caractersticas da

    configurao da cidade, seus equipamentos,

    infra-estruturas de transporte, comunicao,

    circulao e distribuio, tanto de objetos quan-

    to de pessoas, participa efetivamente das possi-

    bilidades de desenvolvimento de uma cidade.

    Quer devido aos vultosos investimentos

    que a circulao despende para sua efeti-vao, quer seja enfocada a determinao e

    interdependncia dos sistemas de circulao

    com o espao social em sua totalidade, chega

    a ser evidente que aes de valorizao da

    mobilidade urbana tm reflexo direto no de-

    senvolvimento urbano.

    Afinal, uma poltica de mobilidade, que

    respeite princpios universais e de benefcio

    maioria da populao, tem seus resultados

    traduzidos em um maior dinamismo urbano,

    numa maior e melhor circulao de pessoas,

    bens e mercadorias, valorizando a caracters-

    tica principal do urbano que ser um espao

    de congregao e cruzamento de diferenas,

    da criao do novo num ambiente dinmico

    e pblico.

    A idia de mobilidade, centrada nas pessoas

    que transitam ponto principal a ser conside-

    rado numa poltica de desenvolvimento urba-

    no que busque a produo de cidades justas,

    de cidades para todos, que respeitem a liber-

    dade fundamental de ir e vir, que possibilitem

    a satisfao individual e coletiva em atingir os

    destinos desejados, as necessidades e prazeres

    cotidianos.

    As noes de mobilidade e de desenvol-

    vimento urbano, assim definidos, permitem

    superar vises arraigadas no urbanismo brasi-

    leiro que, historicamente, privilegiou a fluidez

    do trnsito para os automveis e, de maneira

    quase que exclusiva, foi dirigido apenas para

    os grandes centros urbanos. Passa-se, pois, a

    considerar no desenvolvimento urbano as de-

    mandas de mobilidade peculiares aos usurios

    mais frgeis do sistema, como as crianas, as

    pessoas com deficincia e os idosos. Alm dis-

    3MCidades/SeMOB/Diretoria de Mobilidade Urba-

    na A mobilidade urbana sustentvel, texto para

    discusso, maro de 2003.

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    15P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    so, considera-se o fato de que longe dos gran-

    des centros urbanos tambm existem cidades,

    nas quais vivem pessoas que se locomovem,

    muitas vezes em condies precrias, sobre

    lombos de animais, em carrocerias de peque-

    nos veculos, a p, em vias inadequadas, muitas

    vezes sem condies mnimas de segurana.Partindo de uma mudana de foco no trato

    da questo inclusive de uma viso setorial do

    transporte para uma viso integrada de mobi-

    lidade no espao urbano -, os seguintes aspec-

    tos so considerados essenciais na construo

    de uma poltica de mobilidade, assim como

    para uma poltica de desenvolvimento urbano:

    a promoo de formas de racionalizao,

    integrao e complementaridade de aes

    entre os entes federados na organizao do

    espao urbano e dos sistemas integrados

    de transporte

    o fortalecimento institucional, do plane-

    jamento e da gesto local da mobil idade

    urbana

    o reconhecimento da importncia de uma

    gesto democrtica e participativa das

    cidades no sentido de propiciar formas de

    incluso social e espacial

    a garantia de maior nvel de integrao e

    compromisso entre as polticas de trans-

    porte, circulao, habitao e uso do solo a promoo de condies para as dese-

    jveis parcerias entre os setores pblico e

    privado, que possam responder pelos in-

    vestimentos necessrios para suprir as ca-

    rncias existentes nos sistemas de transpor-

    tes e pactuar mecanismos que assegurem

    a prpria melhoria da qualidade urbana

    a priorizao de aes que contribuam

    para o aumento da incluso social, da qua-

    lidade de vida e da solidariedade nas cida-

    des brasileiras

    A mobilidade centrada nas pessoas que transitam

    ponto principal a ser considerado numa po ltica

    de desenvolvimento urbano

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    Diagnstico

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    OTO CUSTDIO COIMBRA

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    Diversos estudos e pesquisas vm sendo pro-

    duzidos em todo o mundo, e tambm no Bra-

    sil, acerca da mobilidade urbana, dos modos

    de deslocamento adotados em cada lugar e

    dos efeitos desta escolha sobre a economia, o

    meio-ambiente, a segurana, o bem-estar so-

    cial e a prpria qualidade de vida nas cidades.O seguinte diagnstico acerca da mobilida-

    de urbana no Brasil no pretende ser exaustivo,

    que abarque a totalidade das variveis que fa-

    zem parte da questo e, tampouco, tem a pre-

    tenso de realizar uma radiografia minuciosa

    da mobilidade urbana no contexto de diferen-

    as to profundas quanto as representadas por

    cada um dos 5.561 municpios brasileiros.

    O objetivo deste diagnstico trazer ao

    debate os elementos que fundamentam as

    C A D E R N O

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    19P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    opes estratgicas adotadas para enfrentar a

    questo e permitir uma melhor compreenso

    tanto da importncia do tema, quanto das

    diretrizes para a formulao da poltica de

    mobilidade sustentvel, aprovada na reunio

    do Conselho das Cidades realizada em setem-

    bro de 2004.Desta forma, pretende-se identificar no

    processo de urbanizao os problemas e

    desafio que vm sendo enfrentados pelo Mi-

    nistrio das Cidades na formulao da Poltica

    Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel,

    subsidiria e integrante da Poltica Nacional de

    Desenvolvimento Urbano.

    O processo de urbanizao acelerada p or qual

    passou o pas, alm de prom over a transferncia

    populacional da rea rural para a urbana,

    concentrou boa parte deste s fluxos migratrios

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    CADERNO

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    20

    EXPANSO URBANA E O MODELO

    DE TRANSPORTE E CIRCULAO

    O Brasil um pas marcado por profundas

    desigualdades e por uma enorme diversida-

    de scio-espacial. Essas marcas podem ser

    evidenciadas em todas as escalas, entre asdiversas regies do pas, entre os 27 Estados

    da federao, entre cada um dos 5.561 muni-

    cpios e, inclusive de forma intensa, interna-

    mente a cada um desses entes federados que

    representam o poder local.

    A populao brasileira atualmente em

    grande medida (82%) urbana, sendo que 70%

    desses brasileiros se concentram em apenas

    10% do territrio. A concentrao urbana fica

    mais bem explicitada quando se constata queapenas 455 municpios pouco mais de 8%

    dos 5.561 somam mais de 55% do total de

    habitantes do pas. As nove principais Regies

    Metropolitanas concentram 30% da popula-

    o urbana e, particularmente, a grande par-

    cela dos mais pobres. Dessa forma, as grandes

    aglomeraes urbanas revelam com maior

    profundidade a caracterstica desigual do pas,

    concentrando a pobreza e a riqueza, muitas

    vezes no mesmo territrio.O processo de urbanizao acelerada

    por qual passou o pas, alm de promover a

    transferncia populacional da rea rural para

    a urbana, concentrou boa parte destes fluxos

    migratrios. Nas Regies Metropolitanas, so-

    bretudo, desencadeou-se um padro de urba-

    nizao de expanso horizontal. Este modelo

    de desenvolvimento urbano crescimento

    atravs de expanso permanente, de baixa

    densidade, da fronteira urbana foi impulsio-nado pelo planejamento, pelas polticas de

    financiamento e produo habitacional e das

    infra-estruturas dos sistemas de circulao e

    de saneamento.

    A disponibilidade de crdito a juros subsi-

    diados, voltada sempre para a produo de

    imveis novos, permitiu classe mdia das

    grandes cidades constituir novos bairros e

    centralidades nas cidades gerando, alm da

    expanso horizontal, o paulatino esvaziamen-

    to dos centros tradicionais. Do ponto de vista

    da estratgia de produo e financiamento

    das infra-estruturas, os centros tradicionais

    foram abordados apenas como centros eco-

    nmicos saturados, devendo ser objeto dedescentralizao das atividades, inclusive

    administrativas.4

    Para os setores de menor renda, a alterna-

    tiva do loteamento ou conjunto habitacional

    perifrico (lotes, apartamentos ou casas pr-

    prias) consagrou-se como sendo a opo, jus-

    tificada pelo impacto do preo mais baixo dos

    terrenos na franja externa das cidades.

    A poltica habitacional como um todo,

    praticada por agentes pblicos, privados e,inclusive, de forma irregular e/ou ilegal, seguiu

    a mesma lgica, gerando um desenho de pro-

    duo das infra-estruturas na mesma direo.

    No entanto, para os mais pobres, ao contrrio

    das novas centralidades de classe mdia, a

    proviso da infra-estrutura tem se dado sem-

    pre posteriormente.5

    4ROLNIK, Raquel e BOTLER, Milton Por uma pol-

    tica de reabilitao de centros urbanos. Revista

    culum, So Paulo, 2004.5CARDOSO, Adauto A produo e a reproduo

    de assentamentos precrios. Paper encaminha-

    do ao Ministrio das Cidades, 2003. MARICATO,

    Ermnia Brasil Cidades, alternativas para a crise

    urbana. Vozes, Petrpolis, 2001.

    PARA OS SETORES DE MENOR RENDA, A ALTERNATIVA

    DO LOTEAMENTO OU CONJUNTO HABITACIONAL

    PERIFRICO (LOTES, APARTAMENTOS OU CASAS

    PRPRIAS) CONSAGROU-SE COMO SENDO A OPO,

    JU ST IF IC AD A PE LO IM PAC TO DO PR E O MA IS BA IX O

    DOS TERRENOS NA FRANJA EXTERNA DAS CIDADES

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    21P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    Este modelo de urbanizao, tpico das

    metrpoles brasileiras, atualmente reprodu-

    zido nas mais diversas cidades, de todos os

    tamanhos. Combinado com outras formas de

    expanso do urbano e de criao de novas

    cidades, o modelo resulta num territrio pro-

    fundamente desigual, com uma diversidadeenorme de caractersticas e dinmicas que

    torna a formulao e a execuo de polticas

    um enorme desafio, sobretudo a partir da es-

    fera federal. Alm disso, tal modelo de expan-

    so tem fortes impactos negativos na mobili-

    dade, uma vez que sobrecarrega os sistemas

    de transportes devido ao aumento constante

    das distncias a serem percorridas.

    nesse sentido que se entende a importn-

    cia do debate acerca de polticas que possibi-

    litem sociedade questionar e refletir sobre o

    futuro desejado para a mobilidade cotidiana.

    At mesmo pequenas e mdias cidades vivem,

    hoje, problemas ligados circulao motoriza-

    da, reproduzindo modelos insustentveis do

    ponto de vista ambiental e scio-econmico

    adotados nas grandes cidades.

    CRESCIMENTO PERIFRICO,FRAGMENTAO URBANA E IMPACTO

    NAS REDES DE CIRCULAO

    Em diversas cidades brasileiras, nas ltimas

    dcadas, constata-se uma piora na qualidade

    do transporte coletivo urbano. Entre outros

    motivos pode-se apontar a falta de uma rede

    de transporte integrada, que atenda aos dese-

    jos de deslocamento da populao e permita

    a racionalizao dos deslocamentos segundo

    modos diversos de transporte adaptados a

    cada um dos motivos das viagens.

    No entanto, a principal razo para tal fato

    est vinculada ao processo contnuo de cres-

    cimento perifrico das cidades, que se des-

    centralizaram e se conurbaram, tornando-se

    multinucleadas, com atividades dispersas e pul-

    verizadas em uma grande mancha urbana. Na

    maior parte das grandes cidades esse processo

    no foi devidamente acompanhado pela rede

    de transporte que, aos poucos, foi deixando de

    atender aos desejos e necessidades de desloca-

    mento de grande parcela da populao.

    A ocupao irracional do solo urbano, que

    deixa reas vazias ou pouco adensadas nas

    reas mais centrais e ocupa periferias mais

    distantes, resultado da dissociao entre o

    planejamento do transporte, a ocupao do

    solo e a especulao fundiria no controlada.

    Para alm do planejamento da rede, pode-

    se apontar tambm uma forma de relao

    patrimonialista das empresas operadoras em

    relao s linhas de nibus, na qual o opera-

    dor se sente o proprietrio da linha que opera

    e dos itinerrios percorridos, defendendo de

    forma muitas vezes intransigente o seu ter-

    ritrio e dificultando a implementao de

    A ocupao irracional do solo urbano resultado

    da dissociao entre o planejamento do

    transporte, a ocupao do solo e a especulao

    fundiria no controlada

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    22

    reestruturaes das redes de transporte, so-

    bretudo formas de intermodalidade que somuitas vezes vistas como possveis formas de

    competio.

    Essa competio entre os diversos modos

    de transporte historicamente constatada no

    Brasil e, muitas vezes, traduz-se numa compe-

    tio por recursos pblicos para a implantao

    das necessrias redes de transporte. Dessa

    forma, o urbanismo brasileiro sente at hoje as

    dificuldades de implantao de polticas de in-

    tegrao entre redes de transporte, impedindo

    a necessria intermodalidade como forma de

    propiciar mobilidade e romper com o modelo

    automobilstico de deslocamento, que drena a

    maior parte dos investimentos pblicos.

    Alm disso, o transporte coletivo urbano, da

    forma como hoje planejado e produzido, fun-

    ciona como indutor, nem sempre involuntrio,

    da ocupao irracional das cidades. Ou seja,

    mesmo com baixo controle pblico, o transpor-

    te permanece como determinante da possibi-

    lidade de ocupao e consolidao de novos

    espaos, s que nesse caso, sem haver o contro-

    le pblico, servindo a interesses particulares em

    detrimento do interesse pblico e coletivo.

    Portanto, de fcil constatao que o

    transporte urbano, sendo inserido no plane-

    jamento integrado das cidades, incorporando

    os princpios da sustentabilidade plena e ten-

    do o seu planejamento e controle submetido

    aos interesses da maioria da populao, pode

    se tornar um relevante e eficaz instrumento

    de reestruturao urbana e vetor da expanso

    controlada ou direcionada das cidades.Alm disso, o modelo de mobilidade ado-

    tado nos grandes centros urbanos brasileiros

    que vem, de forma quase natural, sendo

    reproduzido pelas cidades de porte mdio,

    favorece o uso do veculo particular, reforan-

    do o espraiamento das cidades e a fragmen-

    tao do espao devido flexibilidade dos

    deslocamentos automobilsticos. Dessa forma,

    cidades se estruturam e se desenvolvem para

    acolher, receber, abrigar o veculo particular e

    assegurar-lhe a melhor condio possvel de

    deslocamento nas reas urbanas.

    A INTEGRAO SETORIAL,

    INSTITUCIONAL E TERRITORIAL

    DAS POLTICAS

    As cidades brasileiras, como j citado, vm

    adaptando h vrias dcadas o uso do solo

    urbano para a prtica da circulao automo-

    bilstica. A transformao dessa realidade

    implica na vinculao da poltica de trnsito

    a uma nova forma de prtica urbana, ou seja,

    a uma nova forma de se viver a cidade. A

    transformao pretendida das cidades bra-

    sileiras ser iniciada quando as polticas de

    circulao passarem a se ocupar efetivamente

    do uso do solo, compreendendo que diversos

    equipamentos urbanos como se apresentam

    na atualidade, apenas existem em funo do

    automvel, reforando seu uso.

    necessrio ter-se em mente a relao biu-

    nvoca do uso do solo com o trnsito e o trans-

    porte, pois cada edificao gera uma necessi-

    dade diferente de deslocamento, que deve ser

    atendida e, por outro lado, a movimentao de

    O MODELO DE MOBILIDADE ADOTADO NOS GRANDES

    CENTROS URBANOS BRASILEIROS QUE VEM, DE

    FORMA QUASE NATURAL, SENDO REPRODUZIDO

    PELAS CIDADES DE PORTE MDIO, FAVORECE O

    USO DO VECULO PARTICULAR, REFORANDO O

    ESPRAIAMENTO DAS CIDADES E A FRAGMENTAO

    DO ESPAO DEVIDO FLEXIBILIDADE DOS

    DESLOCAMENTOS AUTOMOBILSTICOS. DESSA FORMA,

    CIDADES SE ESTRUTURAM E SE DESENVOLVEM PARA

    ACOLHER, RECEBER, ABRIGAR O VECULO PARTICULAR

    E ASSEGURAR-LHE A MELHOR CONDIO POSSVEL DE

    DESLOCAMENTO NAS REAS URBANAS

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    23P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    veculos, pessoas e cargas interfere na implan-

    tao e utilizao das edificaes.

    O desenvolvimento urbano mal planejado

    ou planejado de forma a atender os interesses

    de uma pequena parcela da populao (inves-

    tidores e especuladores do solo urbano) tem

    contribudo para estabelecer um quadro dedeteriorao da mobilidade e qualidade de

    vida nas cidades. Se por um lado necessrio

    que se exera o controle do espraiamento

    urbano, como forma de reduzir distncias de

    deslocamento e custos do transporte cole-

    tivo, incorporando ao planejamento urbano

    princpios que atuem como inibidores do

    crescimento desordenado, como os previstos

    no Estatuto das Cidades, por outro lado

    necessrio que exista um planejamento dos

    transportes integrado aos demais setores

    responsveis pela produo das cidades,

    planejando seu crescimento a partir do uso

    e da ocupao do territrio. Isso quer dizer

    que as polticas pblicas devem se pautar por

    princpios equnimes de urbanizao, levada

    a cabo em cada novo loteamento e parcela-

    mento do solo.

    Nesse sentido, a associao, atravs do

    planejamento integrado, entre o controle

    e a gesto pblica dos transportes, a com-

    preenso das lgicas que racionalizam o

    uso do solo e a incorporao dos princpios

    de Mobilidade Urbana Sustentvel, podem

    formar as bases de um novo planejamento,

    com maior sinergia e efetividade, das cidades

    brasileiras.

    Os principais desafios de tal poltica de

    mobilidade e de uso e ocupao do solo so

    os seguintes:

    Consolidar e regularizar os centros, reas j

    ocupadas e as parcelas informais da cidade,

    promovendo maior aproveitamento da

    infra-estrutura j instalada, maior densifica-

    o e aliviando a presso por novas ocupa-

    es perifrica

    Ter planejamento e gesto sobre o cres-

    cimento das cidades, de modo que se

    oriente a ampliao da mancha urbana do

    ponto de vista do interesse pblico

    Controlar a implantao de novos empre-

    endimentos pblicos e privados, condicio-

    nando-os a internalizar e minimizar os im-pactos sobre o ambiente urbano, trnsito

    e transporte.

    Garantir o uso pblico do espao urbano,

    priorizando o pedestre, solucionando ou

    minimizando conflitos existentes entre a

    circulao a p e o trnsito de veculos,

    oferecendo qualidade na orientao, sinali-

    zao e no tratamento urbanstico de reas

    preferenciais para o seu deslocamento

    Implantar obras e adequaes virias parapriorizao dos modos de transporte no-

    motorizados e coletivos

    Por outro lado, o investimento em forta-

    lecimento e desenvolvimento institucional

    requerido para que tais medidas possam ser

    implantadas no isolado e tampouco se res-

    tringe gesto do trnsito ou do transporte

    pblico, mas abrange outras reas da gesto

    municipal. Os municpios, de forma geral,

    necessitam estruturar-se e capacitar-se para

    planejar e controlar o desenvolvimento dos

    espaos urbanos.

    O crescimento, em muitos casos, ocorre

    sem nenhuma forma de controle ou de re-

    gulamentao sobre o uso e ocupao do

    solo, sobre a expanso das infra-estruturas ou

    mesmo sobre a implantao de novos equipa-

    mentos, sendo guiado de acordo com as leis

    de mercado referentes ao valor da terra e aos

    nveis relativos de acessibilidade.

    A histrica dificuldade de incorporar a idia

    de mobilidade urbana ao planejamento ur-

    bano e regional tambm est entre as causas

    da crise de qualidade das cidades brasileiras,

    contribuindo fortemente para a gerao dos

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    24

    cenrios atuais onde se constatam cidades

    insustentveis do ponto de vista ambiental

    e econmico.

    MOBILIDADE URBANA E A QUESTO

    METROPOLITANA

    Os problemas de mobilidade urbana no espa-

    o metropolitano se explicam atravs do pro-

    cesso de metropolizao que caracterizou o

    desenvolvimento urbano do pas nas ltimas

    trs ou quatro dcadas. Alm da progressiva

    expanso demogrfica e espacial destas me-

    gacidades, dois fatores se destacam: as op-

    es e prioridades dos investimentos pblicos

    em relao a cada um dos diferentes modos

    de transporte e a incapacidade de equaciona-

    mento institucional da gesto metropolitana,

    em especial nos aspectos relativos mobilida-

    de das pessoas e das mercadorias.

    Verificam-se trs fases distintas na for-

    mao das metrpoles no Brasil. A pr imeira

    vai de 1973, quando foram institudas pelo

    governo federal as nove regies metropoli-

    tanas, at 1988, com a promulgao da nova

    Constituio. Nesse perodo, houve forte

    centralizao da regulao e do financia-

    mento pelo governo federal, cabendo aos

    estados a responsabilidade de implementar

    polticas metropolitanas. Esse modelo foi si-

    mtrico para todas as regies metropolitanas,

    havendo em cada uma delas a necessidade

    de realizar planos associados ao reconhe-

    cimento tcnico das prprias realidades, o

    que aconteceu com a criao das empresas

    metropolitanas de planejamento. No entanto,

    esses planos foram produzidos sob a gide

    dos estados, no refletindo as particulari-

    dades dos municpios e, tampouco, criando

    um ambiente para a ao coordenada das

    A falta de um organismo metropolitano

    que coordene e integre os transportes

    nessas regies interfere na crise da

    mobilidade, gerando muitos problemas

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    25P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    aes. No que diz respeito organizao do

    transporte pblico urbano nessas regies,

    ainda na dcada de 1970, so previstas as Em-

    presas Metropolitanas de Transporte Pblico

    (EMTU), com a proposta de integrar a rede

    de transportes metropolitanos nos aspectos

    fsicos, operacionais, tarifrios e institucionais.A segunda fase marcada pela Constituio

    de 1988 e caracterizada pela retrao dos in-

    vestimentos federais e pela descentralizao

    e fortalecimento dos governos locais. Na es-

    cala da Unio, a coordenao dos transportes

    ficou a cargo do Ministrio dos Transportes e,

    nas escalas estaduais e municipais, verifica-se

    uma quase completa ausncia da questo

    metropolitana na agenda dos governos. Em

    meados dos anos 1990, h uma terceira fase

    de trato da questo metropolitana, quando

    os estados passam a tomar certas medidas de

    institucionalizao.

    Alguns dos principais obstculos organi-

    zao metropolitana do transporte verificados

    desde a criao das EMTUs persistem at os

    dias de hoje:

    conflitos de competncia no exerccio da

    coordenao sobre os modos de transpor-

    te metropolitanos

    os modos ferrovirios urbanos ainda perma-

    necem sob a tutela federal (trens metropoli-

    tanos de Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte

    e demais trens de subrbio das capitais) ou

    estadual (metrs de So Paulo e Rio) sendo

    que, de acordo com a Constituio de 1988,

    competncia municipal a estruturao e

    coordenao dos servios locais de trans-

    porte urbano, faltando mecanismos para

    que a organizao possa ocorrer quando os

    deslocamentos se do entre municpios

    fragilidade da organizao metropolitana,

    que passou a se constituir em uma es-

    pcie de quarta instncia de poder, sem,

    entretanto, dispor de recursos financeiros

    prprios nem de autonomia administrativa,

    porm com forte polarizao ou concen-

    trao de poder poltico das e nas capitais

    acirramento de conflitos de interesse pela

    gesto de recursos financeiros

    A falta de um organismo metropolitano

    que coordene e integre os transportes nessas

    regies interfere na crise da mobilidade,

    gerando entre outros problemas:

    distribuio heterognea da rede, com rela-

    tivo excesso de oferta nas reas mais aden-

    sadas ou mais prximas da regio central e

    falta de atendimento adequado nas regies

    perifricas, no correspondendo s necessi-

    dades e desejos de deslocamento da maior

    parcela da populao

    falta de integrao fsica e tarifria entre os

    modos

    superposio de redes, de interesses e

    disputas, inclusive polticas

    Segundo o Art. 25 da Constituio Brasi-

    leira, a atual competncia de instituir e regu-

    lamentar as Regies Metropolitanas est a

    cargo dos Estados. Porm, aps a aprovao

    da Constituio, o devido Artigo no foi regu-

    lamentado, no havendo uma definio clara

    das caractersticas bsicas de uma Regio Me-

    tropolitana. Assim, ficou a cargo dos Estados

    PREVALECE NO PAS, A AUSNCIA DE UMA

    GESTO INTEGRADA E COMPARTILHADA (GESTO

    METROPOLITANA). OS ESTADOS QUE INVESTIRAM

    NESSA FORMA DE GESTO, VIA DE REGRA, SUAS

    AES SE RESTRINGIRAM A SERVIOS ESPECFICOS,

    NO HAVENDO O PLANEJAMENTO URBANO

    METROPOLITANO. CONSTITUI-SE UM DESAFIO DIRIO

    PARA AS REGIES METROPOLITANAS BRASILEIRAS,

    PROVER TRANSPORTE DE QUALIDADE AOS SEUS

    HABITANTES E FAZER COM QUE UM CONTINGENTE DE

    MILHES DE PESSOAS TENHA ACESSO DIARIAMENTE

    S ATIVIDADES URBANAS

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    regulament-las, conforme suas especificida-

    des e interesses.

    Dessa forma, na medida que o poder de

    ao institucional e de gesto restringe-se ao

    Estado, os Municpios ficaram, na maioria dos

    casos, alijados das decises metropolitanas,

    enfraquecendo a participao do poder local,o que tem dificultado o enfrentamento das

    questes. Prevalece, assim, no Pas, a ausncia

    de uma gesto integrada e compartilhada

    (gesto metropolitana) e, nos casos em que

    os Estados investiram nessa forma de gesto,

    via de regra, suas aes se restringiram a servi-

    os especficos, no havendo o planejamento

    urbano metropolitano.

    Constitui-se um desafio dirio para as

    Regies Metropolitanas brasileiras, prover

    transporte de qualidade aos seus habitantes e

    fazer com que um contingente de milhes de

    pessoas tenha acesso diariamente s ativida-

    des urbanas.

    O recente seminrio realizado pela SeMOB

    em parceria com o BNDES sobre Mobilida-

    de Urbana em Regies Metropolitanas, em

    dezembro de 2003, bem como as recentes

    audincias pblicas sobre Transporte e sobre

    Regies Metropolitanas promovidas pela Co-

    misso de Desenvolvimento Urbano e Interior

    da Cmara dos Deputados CDUI, convergi-

    ram em apontar a r iqueza e complexidade da

    gesto metropolitana, e, tambm, a urgente

    necessidade de seu enfrentamento com apoio

    federal. Tal afirmao reforada com os re-

    sultados do Seminrio Internacional O Desa-

    fio da Gesto das Regies Metropolitanas em

    Pases Federados promovido em 2004 pela

    Casa Civil, com a participao de diversos mi-

    nistrios, inclusive do Ministrio das Cidades.

    H, portanto, um enfrentamento para alm

    do plano local e que precisa de urgente abor-

    dagem, que o planejamento e gesto em

    escala metropolitana. exatamente aqui que

    o tema mobilidade urbana pode dar as suas

    mais ricas contribuies. Integrar as gestes

    estadual/metropolitana e municipal, raciona-

    lizar o uso de vias e a circulao de veculos,

    evitar superposio de linhas, integrar modos,

    viabilizar tarifas mdicas, induzir o cidado

    a usar alternativas ao transporte individual,

    efetuar o planejamento, o controle e a gestoda rede metropolitana de transporte pblico

    so alguns dos itens da agenda metropolitana

    que certamente contribuiriam muito para ra-

    cionalizar o uso de recursos pblicos, diminuir

    a poluio ambiental, aumentar a produtivida-

    de urbana, dar amplo acesso a servios como

    sade, educao, lazer e, conseqentemente,

    melhorar a qualidade de vida e contribuir para

    a promoo da incluso social.6

    O DESAFIO DA INTERMODALIDADE

    NOS TRANSPORTES URBANOS

    A qualidade do transporte coletivo urbano tem

    se deteriorado nos ltimos anos tambm por

    falta de uma rede de transporte bem estrutura-

    da e integrada de tal forma que atenda aos de-

    sejos de deslocamento da populao segundo

    modos adaptados aos motivos de viagens.

    Sabe-se que, por um lado, o processo ace-

    lerado de urbanizao no foi devidamente

    acompanhado pela rede de transporte e, por

    outro, que a ocupao desordenada do solo

    urbano, com a existncia de reas vazias nos

    centros, combinadas ocupao de reas

    cada vez mais distantes, revela a dissociao

    entre transporte e ocupao do solo, oneran-

    do e dificultando o atendimento.

    Essas caractersticas da urbanizao brasi-

    leira, somadas a aspectos especficos relacio-

    nados com cada um dos modos de transporte

    urbano, tm influenciado tambm a fraca

    6MCidades/SeMOB/DENATRAN Plano de Ao

    de Mobilidade Urbana em Regies Metropolitanas,

    maio de 2004.

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    27P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    existncia de intermodalidade nos desloca-

    mentos urbanos.

    Dessa forma, nas cidades brasileiras, de ma-

    neira geral, o privilgio ao uso do automvel

    particular esteve associado maneira mais

    simples e barata de viabilizar uma forma cole-

    tiva de transporte, no caso os nibus, que seutilizam, via de regra, da mesma infra-estrutu-

    ra dos automveis.

    Mas a questo da baixa intermodalidade

    dos sistemas de transportes nas cidades brasi-

    leiras est vinculada a diversos outros fatores,

    entre eles institucionais, como j revelados

    para as Regies Metropolitanas, e mesmo

    aspectos culturais, que definem o pedestre

    como cidado de segunda categoria, no

    viabilizando suas viagens, que representam a

    forma mais simples de se propiciar a ligao

    entre modos distintos de transporte.

    As maiores dificuldades encontradas para a

    implantao de sistemas intermodais encon-

    tram-se na anlise fragmentada acerca dos sis-

    temas de mobilidade, que resulta em solues

    fragmentadas ou pontuais.

    Os sistemas sobre trilhos vinculados ao Mi-

    nistrio das Cidades tiveram sua implantao

    At mesmo pequenas e mdias cidades vivem,

    hoje, problemas ligados circulao motorizada,

    reproduzindo modelos insustentveis do ponto

    de vista ambiental e scio-econmico

    iniciada na dcada de 1980. No incio da dca-

    da de 1990, como parte da poltica de descen-

    tralizao, o governo federal decidiu realizar

    investimentos ampliando os sistemas existen-

    tes com o objetivo de transferi-los aos esta-

    dos. Os recursos para os novos investimentos

    foram obtidos atravs de financiamento juntoao Banco Mundial, com contrapartida da

    Unio. Entre os sistemas nominados o nico

    que no integrou o programa de financiamen-

    to foi o de Porto Alegre, que ora desenvolve

    seu projeto de expanso no contexto de uma

    rede estrutural para a regio metropolitana.

    Embora no processo de descentralizao

    houvesse compromissos dos governos locais

    com a implantao de rgos de coordena-

    o regional de transporte, e a necessidade

    de estratgias integradas de desenvolvimen-

    to urbano e planos regionais de transporte

    pblico, excetuando a regio de Recife (que

    elaborou uma rede estrutural integrada e est

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    em fase de implantao de uma estrutura

    institucional metropolitana de planejamento e

    gesto do transporte), os demais estados no

    cumpriram esses objetivos.

    Os principais sistemas sobre trilhos vincula-

    dos ao Ministrio das Cidades atravs da CBTU

    e Trensurb (Recife, Belo Horizonte, Fortaleza,

    Salvador e Porto Alegre) so, atualmente,

    subsidiados, sendo a cobertura de parcela de

    seus custos supridos com recursos do tesouro

    federal. Contribui para o nvel atual dos sub-

    sdios a inadequada integrao dos sistemas

    sobre trilhos em redes multimodais, conforme

    apontado.

    Porto Alegre est executando estudo

    estratgico de integrao do transporte da

    RMPA, que tem como objetivo a obteno

    de uma rede estrutural integrada de mdia

    e alta capacidade e um modelo institucional

    permanente para a coordenao e integrao

    do transporte. Tais estudos esto sendo con-

    duzidos pelo Grupo Executivo de Integrao

    GEI que conta com representantes dos trs

    nveis de governo.

    A implementao das diretrizes e metas

    definidas no Estudo de Planejamento Estra-

    tgico de Integrao do Transporte Pblico

    Coletivo da RMPA ser detalhada no Plano

    Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana

    PITMUrb,da Regio Metropolitana de Porto

    Alegre.

    Atualmente, a Companhia Brasileira de

    Trens Urbanos (CBTU), vinculada ao Ministrio

    das Cidades, administra linhas de trens em 6

    capitais do pas, todas elas apresentando difi-

    culdades.

    Pesquisa recente conduzida pela ANTP nas

    principais capitais brasileiras que possuem

    sistemas metro-ferrovirios, diagnostica a situa-

    o atual da insero dos sistemas sobre trilhos

    no contexto do transporte metropolitano:

    redes de nibus municipais, intermunici-

    pais e os sistemas sobre trilhos no estoplanejados como sistemas funcionais com-

    plementares

    h sobreposio de linhas de nibus e tri-

    lhos urbanos

    a infra-estrutura fsica para a integrao

    modal, em muitas situaes, inadequada

    ou inexiste

    as redes existentes, quando tomadas no

    seu conjunto, geram desequilbrios espa-

    ciais e temporais, onerando os usurios do

    sistema de transporte

    os sistemas de bilhetagem eletrnica que

    vm sendo implantados, no so projeta-

    dos com foco na integrao tarifria dos

    modos

    As redes e os modos aqui apresentados e

    a integrao necessria entre cada um deles

    apenas pode se efetivar quando forem consi-

    derados todos os demais modos de transpor-

    te que compem o cotidiano de determinada

    cidade. Dessa forma, a integrao deve consi-

    derar com nfase o papel da marcha a p e o

    uso de bicicletas como modos de integrao

    entre os demais modos, o que implica em

    possibilitar sua prtica segura e agradvel.

    Alm disso, deve-se considerar a existncia de

    mecanismos de informao das possibilidade

    de intermodalidade existentes, indicando

    caminhos e acessos, assim como custos e

    benefcios. Os demais modos de transporte,

    incluindo os automveis, devem ser conside-

    rados no exerccio da intermodalidade, lem-

    brando sempre que para cada tipo ou motivo

    de viagem pode-se propor uma forma melhor

    adaptada de realizar o deslocamento.

    ATUALMENTE, A COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS

    URBANOS (CBTU), VINCULADA AO MINISTRIO

    DAS CIDADES, ADMINISTRA LINHAS DE TRENS EM

    6 CAPITAIS DO PAS, TODAS ELAS APRESENTANDO

    DIFICULDADES

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    29P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    PRINCIPAIS DESECONOMIAS E CUSTOS

    SOCIAIS DO MODELO DE CIRCULAO

    O modelo de circulao automobilstica e o

    urbanismo a ele combinado tem se mostra-

    do ineficiente e ineficaz em todos os lugares

    onde foi implantado. Vrias grandes cidadesbrasileiras que j investiram milhes em infra-

    estrutura de vias, tneis e viadutos tm visto

    os seus esforos e recursos serem transforma-

    dos em outros vrios milhes gastos em horas

    de congestionamentos e poluio ambiental.

    Apesar dos investimentos serem sempre com

    o objetivo de melhorar o fluxo de veculos,

    somente em curtssimo prazo essa inteno

    se concretiza, pois, a melhoria se traduz ime-

    diatamente em estmulo maior utilizao dotransporte individual.

    Segundo estudo do IPEA7, realizado em 10

    cidades brasileiras, as condies desfavorveis

    de trnsito levam a trs principais tipos de

    deseconomias:

    Tempo: a cada ano corresponde um custo

    de 250 milhes de horas para os usurios

    de automveis e 120 milhes para os usu-

    rios de nibus

    Consumo excessivo de energia: os conges-tionamentos causam um consumo excessi-

    vo de 190 mil litros de gasolina e de cinco

    mil litros de diesel na hora de pico, o que

    corresponde, por ano, a um gasto excessivo

    de 200 milhes de litros de gasolina e 4

    milhes de litros de diesel

    Poluio: os automveis so responsveis

    pela emisso excessiva de 90 toneladas de

    CO (122 mil ton/ano)

    O conhecimento dos custos externos asso-

    ciados ao setor de transportes que afetam o

    meio ambiente, como poluio atmosfrica,

    aumento do efeito estufa e aumento do n-

    mero de acidentes de trnsito importante

    para que essas externalidades sejam previstas

    nos processos de planejamento e avaliao

    de sistemas de transporte. O conhecimento

    desses custos pode tambm orientar a formu-

    lao de polticas pblicas que visem atenuarimpactos e reduzir os custos gerados pelos

    sistemas de transporte e, dessa forma, otimi-

    zar a aplicao dos recursos pblicos.

    No caso do sistema de transporte rodovi-

    rio, o uso de combustveis fsseis o principal

    responsvel pela m qualidade do ar nas

    cidades, alm de ser o principal contribuinte

    dos gases de efeito estufa. Na Regio Metro-

    politana de So Paulo, em 1995, os veculos

    automotores contriburam com 98% das emis-

    ses de monxido de carbono, 97% de hidro-

    carbonetos (HC), 97% de xidos de nitrognio

    (NO), e 85% de xidos de enxofre (S) e 40% de

    particulados.

    A gravidade do problema se expressa por

    meio dos prejuzos sade da populao em

    geral e, em particular, das pessoas idosas e das

    crianas. O monxido de carbono (CO), por

    exemplo, provoca tonturas, dores de cabea,

    sono, reduo dos reflexos e perda da noo

    de tempo. Alm disso, um dos principais

    responsveis por acidentes de trfego em

    reas de grande concentrao, aumentando o

    estado de morbidez das pessoas idosas. Outras

    emisses como os hidrocarbonetos e o xido

    de nitrognio provocam irritao nos olhos, no

    sistema respiratrio, produzindo alergia, asma,

    bronquite crnica e reduo de visibilidade.

    O processo decisrio e as polticas pblicas

    devem considerar as deseconomias e externali-

    dades prprias a cada um dos modos de trans-

    porte. Segundo estudo da ANTP, o automvel

    tem um gasto 12,7 vezes maior de energia do

    que o nibus, gera 17 vezes mais poluio,

    consome 6,4 vezes mais espao na via e gera

    um custo de transporte oito vezes maior que o

    7IPEA/ANTP Reduo das deseconomias ur-

    banas com a melhoria do transpor te pblico no

    Brasil. 1998

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    nibus, todos os dados relativos ao nmero de

    passageiros por quilmetro transportado.

    Dessa forma, a adaptao das cidades para

    o uso intensivo do automvel tem levado violao no apenas dos princpios econmi-

    cos, mas tambm, das condies ambientais,

    da qualidade das reas residenciais e de uso

    coletivo, bem como degradao do pa-

    trimnio histrico e arquitetnico, devido

    abertura de novas vias, ao remanejamento do

    trfego para melhorar as condies de fluidez

    e ao uso indiscriminado das vias para o trnsi-

    to de passagem.

    Por outro lado, a incompatibilidade entre o

    ambiente construdo das cidades, o comporta-

    mento dos motoristas, o grande movimento de

    pedestres sob condies inseguras, faz o Brasil

    deter um dos mais altos ndices de acidentes

    de trnsito em todo o mundo. A gravidade do

    problema se revela tanto no nmero absoluto

    de acidentes quanto nas taxas proporcionais

    frota veicular e s populaes consideradas.

    Sem dvida a face mais perversa do trn-

    sito se apresenta nos acidentes, que assom-

    bram, sobretudo, pela dimenso humana.

    Os dados oficiais mostram que a cada ano so

    produzidos mais de um milho de acidentes

    no Brasil, mais de 33 mil pessoas so mortas

    e cerca de 400 mil so feridas, sendo que 120

    mil tornam-se invlidas em ocorrncias de

    trnsito. Dos mortos, 50% so pedestres, ciclis-

    tas ou motociclistas, a parcela mais vulnervel

    nas vias urbanas. De 1961 a 2000, o nmero de

    feridos no trnsito multiplicou-se por quinze e

    o de mortos por seis. A falta de punio ime-

    diata refora o desrespeito pela vida.

    As primeiras medidas de impacto na segu-rana veicular adotadas no Brasil datam ape-

    nas do incio da dcada de 1990, com a obri-

    gatoriedade do uso do cinto de segurana em

    todo o territrio nacional, seguida da aprova-

    o do Cdigo de Trnsito Brasileiro, adaptado

    para as transformaes que ocorreram nos

    ltimos anos no trnsito e nos veculos.

    Ainda que essas e outras medidas tenham

    produzido impacto e gerado redues na gra-

    vidade dos acidentes, muito h que se fazer

    na questo da segurana do trnsito no Brasil.

    Quantitativamente, os acidentes de trnsito

    representam o segundo maior problema de

    sade pblica no Brasil, s perdendo para a

    desnutrio, sendo que a Organizao Mun-

    dial da Sade (OMS) alerta e prev que, daqui

    a 20 anos, os acidentes de trnsito representa-

    ro a terceira maior causa mundial de mortes.

    Comparaes e estudos indicam que, atu-

    almente, a participao do Brasil no nmero

    de veculos da frota mundial de 3,3%, sendo,

    porm, responsvel por 5,5% do total de aci-

    dentes fatais registrados no mundo. O ndice

    de trs mortos por dez mil veculos/ano, tido

    como aceitvel pela ONU, est bem abaixo

    dos nove mortos por dez mil veculos/ano

    registrado no Brasil.

    Estes acidentes tm um custo enorme para

    o pas, muitas vezes no considerado na defi-

    nio das mais diversas polticas pblicas.

    O estudo realizado pelo IPEA, em parceria

    com a ANTP e o Denatran, citado anterior-

    mente, pesquisou os impactos econmicos e

    sociais dos acidentes de trnsito nas 49 princi-

    pais aglomeraes urbanas brasileiras, totali-

    zando 378 municpios e o Distrito Federal.

    A ADAPTAO DAS CIDADES PARA O USO INTENSIVO

    DO AUTOMVEL TEM LEVADO VIOLAO NO

    APENAS DOS PRINCPIOS ECONMICOS, MAS

    TAMBM, DAS CONDIES AMBIENTAIS, DA

    QUALIDADE DAS REAS RESIDENCIAIS E DE

    USO COLETIVO, BEM COMO DEGRADAO DO

    PATRIMNIO HISTRICO E ARQUITETNICO, DEVIDO

    ABERTURA DE NOVAS VIAS, AO REMANEJAMENTO

    DO TRFEGO PARA MELHORAR AS CONDIES DE

    FLUIDEZ E AO USO INDISCRIMINADO DAS VIAS PARA

    O TRNSITO DE PASSAGEM

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    31P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    Os custos considerados associados aos aci-

    dentes de trnsito incluem: danos materiais,

    congestionamentos, atendimento mdico-

    hospitalar e reabilitao, custos previden-

    cirios e judiciais, perda de produo pela

    interrupo da atividade produtiva e custo do

    impacto familiar, referindo-se ao impacto doacidente no crculo familiar, entre outros. Os

    custos humanos, referentes expectativa de

    vida produtiva das pessoas mortas em aciden-

    tes de trnsito, o sofrimento e a dor de amigos

    e familiares pela perda de um ente querido,

    no foram considerados no estudo.

    O estudo concluiu que um acidente de trn-

    sito nas aglomeraes urbanas brasileiras custa

    em mdia R$ 8.783,00. O acidente sem vtima

    custaria R$ 3.262,00. O acidente com feridos R$

    17.460,00, ou seja, cinco vezes o valor do aciden-

    te sem vtima. O acidente com mortos custaria

    R$ 144.748,00, ou seja, 44 vezes o custo do aci-

    dente sem vtima (valores para abril de 2003).

    O custo total estimado dos acidentes de

    trnsito no Brasil, valores esses referentes a

    abril/2003, foi de cerca de R$ 5,3 bilhes, que

    representa 0,4% do PIB do pas. Deste total,

    R$ 3,6 bilhes concentram-se nas 49 aglome-

    raes urbanas e R$ 1,7 bilhes nas demais

    reas urbanas. Segundo o documento, este

    valor subiria consideravelmente caso fossem

    includos os custos dos acidentes rodovirios

    e os custos humanos. Projetando esse valor

    para incluir os acidentes ocorridos nas vias

    rurais, estima-se um custo social total anual da

    ordem de 10 bilhes de reais. As ocorrncias

    trgicas no trnsito, grande parte delas previ-

    sveis e, portanto, evitveis, causam enormes

    perdas que inibem o desenvolvimento econ-

    mico e social do pas.

    O conhecimento minucioso dessas exter-

    nalidades negativas permite a implantao

    de medidas que possam evitar ou, ao menos,

    amenizar as conseqncias negativas do trans-

    porte rodovirio. Conhecendo os motivos e os

    vitimados do trnsito, a poltica pblica pode

    atingir com maior eficincia suas causas.

    POBREZA E IMOBILIDADE

    O transporte pblico urbano, de acordo com

    a Constituio Brasileira, um servio pblicode carter essencial. Dele depende o acesso

    das populaes que no dispem de meios

    de transporte prprios os mais pobres s

    oportunidades de trabalho, aos equipamentos

    e servios sociais (e.g. sade e educao), e s

    atividades que garantem a dignidade humana

    e a integrao social (como o lazer, visitas aos

    amigos e parentes, compras etc.). Ou seja, o

    transporte pblico tambm, alm de um

    componente do sistema de mobilidade urba-

    na, um importante elemento de combate

    pobreza urbana. No entanto, se o servio no

    for adequado s necessidades da populao,

    especialmente a mais pobre, ele pode, ao con-

    trrio, transformar-se num empecilho ao aces-

    so s oportunidades e atividades essenciais,

    isto , numa barreira incluso social.8

    Nas cidades brasileiras convivem, de um

    lado, milhares de indivduos que encontram

    dificuldades de buscar trabalho por no terem

    condies de deslocamento at os locais onde

    se concentram as oportunidades de emprego,

    com indivduos que tm todas as condies de

    realizar, com a mxima fluidez e conforto, uma

    gama enorme de deslocamentos por motivos

    variados, efetivando as mais diversas necessida-

    des de reproduo de suas vidas.

    Pesquisa realizada pelo ITRANS9revela que

    a mobilidade da populao pobre nas gran-

    des cidades brasileiras, medida pelo nmero

    mdio de deslocamentos dirios por pessoa,

    8Ver Gomide, A. A. Transporte Urbano e Incluso

    Social. Texto para Discusso 960, Ipea, julho de

    2003.9ITRANS. Mobilidade e Pobreza. Relatrio Final.

    Abril, 2004

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    muito baixa, indicando srios problemas

    de acesso ao trabalho e s oportunidades de

    emprego, s atividades de lazer e aos equipa-

    mentos sociais bsicos. As precrias condies

    de mobilidade se colocam como obstculos

    superao da pobreza e da excluso social

    para cerca de 45% da populao urbana bra-sileira que tem renda mensal familiar inferior a

    trs salrios mnimos.

    Imaginar uma melhoria nas condies de

    mobilidade, que atinja a maioria dos cidados

    viabilizar a vida de milhares de pessoas,

    desenvolvendo uma infinidade de novas re-

    laes cotidianas, com influncias diretas na

    economia, na cultura e na cidadania.

    A relao de dependncia dos mais pobres

    em relao aos transportes coletivos pode ser

    classificada, inclusive, de perversa na medida

    em que o percentual da renda mdia familiar

    gasto com o transporte urbano aumenta con-

    forme diminui a renda da famlia. Ou seja, alm

    dos mais pobres serem mais dependentes dos

    transportes coletivos, modo de deslocamento

    no priorizado nas polticas urbanas da maioria

    das cidades brasileiras, eles ainda devem pagar

    relativamente mais caro para utiliz-los.

    Na dcada de 1970, as famlias com rendi-

    mento entre 1 e 3 salrios mnimos compro-

    metiam 5,8% do oramento com transporte.

    No incio dos anos 80 esse gasto j era de

    12,4% e na dcada de 1990 ultrapassa os 15%.

    Atualmente, para se deslocar duas vezes ao

    dia durante 25 dias do ms, uma nica pessoa

    gasta 30% do salrio mnimo vigente.10

    Por sua vez, diferenas em relao aces-

    sibilidade so reveladas atravs da anlise do

    tempo mdio gasto em cada viagem segun-

    do o modo de transporte e a faixa de renda

    da populao. Verifica-se que, nas cidades

    brasileiras, o tempo de deslocamento no

    transporte coletivo e nas viagens a p diminui

    na proporo inversa da renda, sendo que

    o tempo mdio despendido no transporte

    menor entre os mais ricos e entre os mais

    pobres, esses ltimos provavelmente devido

    ao menor ndice de mobilidade e s menores

    distncias percorridas.Os atuais ndices de mobilidade nas cida-

    des brasileiras permitem afirmar que a repro-

    duo da vida de uma parcela substancial

    da populao foi excluda do roteiro urbano,

    afastada das redes de solidariedade, coope-

    rao, mutualidade, resumindo-se, quando

    muito, s ligaes cotidianas entre local de

    trabalho e moradia.

    ASPECTOS DO TRANSPORTE PBLICO

    E COLETIVO. OFERTA INADEQUADA

    E ALTAS TARIFAS

    O transporte coletivo urbano brasileiro re-

    presentado pelos seguintes nmeros: 1.600

    empresas operadoras, sendo 12 metro-ferrovi-

    rias, que somam um faturamento anual de 20

    bilhes de reais. Nas 223 cidades com mais de

    100 mil habitantes, onde existem sistemas de

    transporte coletivo expressivos, estima-se que

    existam em circulao cerca de 115.000 ni-

    bus, transportando 59 milhes de passageiros

    por dia. Os sistemas metrovirios e ferrovirios

    em operao nas regies metropolitanas e

    grandes cidades contam com 2.700 veculos

    que transportam um volume dirio de cinco

    milhes de passageiros. Estima-se que 80% de

    todas essas viagens concentrem-se nas Regi-

    es Metropolitanas e Aglomeraes Urbanas.

    Cerca de 95% da operao produzida por

    operadores privados.

    A atual crise por que passa o transporte

    coletivo urbano se manifesta em pelo menos

    quatro aspectos: crise institucional, na rede,

    no modelo remuneratrio e na infra-estrutura.

    Durante as ltimas dcadas todas as cidades

    10IBGE Pesquisa de Oramento Familiar POF.

    1995-1996.

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    33P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l

    brasileiras que contam com sistema de trans-

    porte coletivo vm sofrendo um processo simi-

    lar que pode ser classificado como um crculo

    vicioso. Devido s caractersticas da urbaniza-

    o e da rede de transporte j enfocadas, alm

    de diversas outras razes, inclusive tcnicas e

    normativas, o custo da tarifa tem-se tornadocada vez mais alto. Como reflexo, existe uma

    perda de passageiros transportados no sistema,

    o que encarece novamente as tarifas, levando

    novos passageiros a abandonarem o transpor-

    te coletivo. Vrias so as explicaes para esse

    processo, algumas aqui enfocadas.

    O valor da tarifa do servio de transporte

    pblico obtido atravs da diviso do custo

    total do servio, mo-de-obra, veculos, com-

    bustveis, impostos, etc, entre os passageiros

    pagantes que utilizam o sistema, a somados

    os custos das diversas gratuidades. No sistema

    de nibus a remunerao acontece quase que

    exclusivamente atravs da tarifa. Ao contrrio,

    no sistema de trens urbanos existem subsdios

    governamentais.

    Devido ao modelo de remunerao dos

    servios, o aumento constante dos custos e

    insumos, a baixa produtividade dos servios, a

    concesso de gratuidades, verifica-se um forte

    aumento na tarifa que tem como principais

    efeitos a expulso das classes mais baixas do

    transporte coletivo.

    Segundo a Associao Nacional das Empre-

    sas de Transportes Urbanos (ANTU), no perodo

    de janeiro de 1995 a dezembro de 2002, a tarifa

    mdia dos servios de nibus urbano nas ca-

    pitais brasileiras subiu 25% acima da inflao

    medida pelo IGP-DI. Por sua vez, a renda da

    populao vem caindo durante os ltimosanos, acentuando ainda mais a dificuldade de

    utilizao do transporte coletivo.

    Conforme o estudo Evoluo das Tarifas

    de nibus Urbanos 1994 a 2003, da SeMOB,

    as tarifas de nibus urbano das capitais cres-

    ceram, em mdia, nos ltimos nove anos em

    torno de 240% (R$ 0,35 para R$ 1,20) contra

    180% do IGP-DI.

    A metodologia de clculo tarifrio ainda

    utilizada na maioria das cidades brasileiras

    segue orientao da Planilha de Clculo

    Tarifrio produzida pelo GEIPOT em 1982 e

    que vem sendo considerada obsoleta por

    tcnicos e gestores dos sistemas, uma vez

    que depende de conhecimentos minuciosos

    sobre os diversos custos das empresas para

    o clculo de um valor que ser rateado entre

    os usurios pagantes, como forma de chegar

    ao valor mdio da tarifa. Uma vez que todos

    os custos so repassados aos usurios, essa

    metodologia tem sido considerada impr-

    A perda de passageiros encarece as tarifas,

    levando novos passageiros a abandonarem o

    transporte coletivo

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    pria, pois premia as empresas mal geridas

    que repassam suas necessidades em aumen-

    tos das tarifas e penaliza o usurio que no

    tem a oportunidade de se beneficiar dos

    ganhos de produtividade de empresas bem

    administradas.

    O aumento constante dos custos dos insu-mos, a baixa produtividade dos sistemas de

    transporte, a carga tributria incidente sobre

    a produo dos servios e a concesso de

    gratuidades sem fonte de recursos extratarif-

    rias, dentre outros fatores, vem se traduzindo

    em tarifas que transcendem a capacidade de

    pagamento da populao com a conseqente

    expulso dos usurios de baixa renda.

    Dependendo da estrutura de contratao,

    remunerao e tarifao adotada, a susten-

    tabilidade econmico-financeira do servio

    pode ficar seriamente comprometida, resul-

    tando na queda da qualidade dos servios, na

    degradao dos equipamentos e na incapaci-

    dade financeira de gesto das empresas ope-

    radoras. Ameaa-se, deste modo, a prpria

    continuidade dos servios.

    O FINANCIAMENTO DO TRANSPORTEURBANO

    Um elemento determinante na crise do trans-

    porte coletivo urbano a falta de fontes de

    financiamento estveis para a proviso de

    infra-estrutura adequada. A ausncia de uma

    poltica de financiamento para o setor nos

    ltimos 15 anos conduziu estagnao quase

    total dos investimentos. Muito pouco se pro-

    duziu de corredores exclusivos, terminais de

    integrao, abrigos adequados em paradas,

    apropriao de novas tecnologias. Quase

    nada em acessibilidade para pessoas com de-

    ficincia e restrio de mobilidade.

    Para o desenvolvimento do transporte co-

    letivo urbano necessrio que haja fontes de

    financiamento estveis, permanentes e conce-

    bidas para dar suporte amplo e duradouro a

    programas e projetos de curto, mdio e longo

    prazo. As dificuldades apontadas neste docu-

    mento revelam a necessidade da conjugao

    de recursos, sejam eles pblicos ou privados.

    Entende-se que os recursos privados devem

    ser potencializados e baseados em relaes e

    contratos claros e seguros. Neste caso, a parti-

    cipao do Poder Pblico continua sendo fun-damental no sentido de garantir a estrutura-

    o dos sistemas de transporte. Nesse sentido,

    de responsabilidade da Poltica Nacional de

    Mobilidade Urbana Sustentvel a criao de

    possibilidades para que o setor seja regulado,

    com regras claras e estveis que incentivem

    os necessrios investimentos na transforma-

    o do modelo de transporte vigente nas

    cidades brasileiras.

    No entanto, ainda que um marco regulat-rio adequado possa atrair investimentos, ne-

    cessrio ter clareza dos aspectos econmicos e

    conjunturais que dificultam a atrao de recur-

    sos e sua captao pelos entes federados.

    Desde o estabelecimento da Lei de Res-

    ponsabilidade Fiscal, a observao aos limites

    de endividamento dos entes da Federao

    tem sido critrio essencial para concesso de

    novos financiamentos. As dvidas e o exces-

    sivo comprometimento com custeio dos go-

    vernos estaduais e municipais reduzem dras-

    ticamente e, muitas vezes tm eliminado, as

    possibilidades de tomar recursos para investi-

    mento devido ao comprometimento mximo

    da sua capacidade de endividamento.

    Tambm as regras e limites para o con-

    PARA O DESENVOLVIMENTO DO TRANSPORTE

    COLETIVO URBANO NECESSRIO QUE HAJA FONTES

    DE FINANCIAMENTO ESTVEIS, PERMANENTES

    E CONCEBIDAS PARA DAR SUPORTE AMPLO E

    DURADOURO A PROGRAMAS E PROJETOS DE CURTO,

    MDIO E LONGO PRAZO

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    tingenciamento de crdito do setor pblico

    tornaram-se mais rgidas, contribuindo para a

    queda na liberao de recursos e explicitando o

    impasse entre polticas de estabilizao macro-

    econmica e de ajuste fiscal, por um lado, e po-

    lticas sociais, com foco na reduo da pobreza

    e reduo de desigualdades sociais, por outro.H, assim, uma carncia crnica de recursos

    para investimento em infra-estrutura e servi-

    os pblicos e uma acirrada disputa pelos re-

    cursos disponveis entre os possveis tomado-

    res. Alm disso, os governos devem, dentro da

    pequena margem de manobra, decidir onde

    aplicar tais recursos frente aos variados temas

    e carncias urbanas.

    Investimentos a fundo perdidos so extre-

    mamente escassos e, mesmo com a recente

    criao do Pr-Transporte, com recursos do

    FGTS, para financiar a infra-estrutura de trans-

    portes, h dificuldades conjunturais para sua

    aplicao, devidas especialmente ao limite de

    crdito estabelecido para o setor pblico. Per-

    manece, assim, a necessidade de buscar novas

    fontes e arranjos alternativos de investimento

    para a mobilidade urbana. As Parcerias Pbli-

    co-Privadas e os instrumentos do Estatuto da

    Cidade vm sendo estudados como oportuni-

    dades para atrao de investimentos em infra-

    estrutura de transporte pblico.

    Por outro lado, com a diminuio dos

    clientes do setor pblico, grandes agentes de

    fomento do governo federal e de agncias

    internacionais de financiamento, que necessi-

    tam ser reembolsados pelo tomador, reduzi-

    ram suas operaes a rgos pblicos dando,

    por conseqncia, maior peso relativo s suas

    atividades com a iniciativa privada. O setor

    pblico teve assim restringida essa importante

    alternativa para o financiamento de infra-es-

    trutura para transporte urbano.

    preciso considerar que essas restries de

    crdito ocorrem num cenrio de redefinio

    do papel do Estado na economia, constatao

    que no se faz apenas na economia brasileira.

    Nada leva a crer que, num prazo razovel, o

    Estado volte a cumprir o papel de provedor

    de recursos para infra-estrutura na escala

    em que isso ocorreu at o passado recente.

    Por conseqncia, a mudana do padro de

    financiamento da infra-estrutura um fatorelevante que vem sendo considerado, ainda

    que existam muitas contestaes, e que tem

    obrigado os diversos agentes a buscar novos

    arranjos e induzido novas parcerias e a experi-

    mentao de formas de cooperao e integra-

    o entre diferentes instncias governamentais

    para racionalizar a ao e viabilizar recursos de

    financiamento para a infra-estrutura.

    Cabe ainda ressaltar a necessidade de uma

    ampla discusso sobre a questo das delega-

    es dos servios de transporte pblico coleti-

    vo urbano, principalmente diante da necess-

    ria adequao da maior parte dos contratos de

    servios nos municpios legislao vigente.

    Uma relao estvel advinda da existncia de

    um contrato entre o poder concedente e o

    concessionrio fundamental para permitir os

    investimentos necessrios para a operao dos

    sistemas de transportes coletivos. H, tambm,

    a necessidade de aperfeioamento dos instru-

    mentos legais que disciplinam as delegaes

    dos servios tendo em vista a possibilidade de

    adoo de novas formas de gesto dos siste-

    mas de transportes e de financiamento para o

    setor, como as Parcerias Pblico-Privadas.

    A GESTO LOCAL E O DESAFIO

    DA INFORMALIDADE

    Pesquisa realizada acerca da gesto dos trans-

    portes e do trnsito em 40 cidades brasileiras11

    aponta condies de gesto bastante diversi-

    11Pesquisa sobre o tema realizada pela Secretaria

    Especial de Desenvolvimento Urbano SEDU, 2002.

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    ficadas para cada uma delas. Existem cidades

    que desenvolvem prticas de gesto que so

    referncia para outros municpios e outras

    que ainda no assumiram minimamente o seu

    papel de responsveis pela prestao desses

    servios pblicos. Em alguns ncleos urbanos,

    o transporte e o trnsito so tratados profis-sionalmente, com prioridade e ateno polti-

    ca. Em outros, a gesto praticada como um

    nus, onde os dirigentes responsveis sequer

    conseguem identificar com clareza os seus

    papis e as suas responsabilidades.

    Dentre os problemas mais graves de ges-

    to do transporte pblico encontrados nesta

    pesquisa, sobressaem a carncia de estudos e

    planos, a pouca interao com o uso do solo

    e o desenvolvimento urbano; a carncia de

    equipes tcnicas especializadas; a f ragilidade

    e/ou inadequao da base legal de suporte

    gesto, emprestando ao setor uma significati-

    va instabilidade institucional e a falta de prio-

    ridade poltica para o transporte pblico.

    Quanto gesto do trnsito, os principais

    problemas encontrados foram a carncia das

    equipes tcnicas especializadas; os conflitos

    entre os distintos rgos atuantes no setor,

    inclusive de diferentes nveis de governo; a

    carncia de planos de circulao, exigindo

    intervenes localizadas e emergenciais; o

    modelo de gesto financeira apoiado basica-

    mente nos recursos provenientes das multas

    de trnsito e a inexistncia de estudos e aes

    voltados para os modos de circulao no-

    motorizados.

    Nota-se que a gesto do transporte pbli-

    co, com raras excees, sofre de um processo

    de desmantelamento dos modelos desenvol-

    vidos nos anos 80. Enquanto isso, a gesto do

    trnsito evolui positivamente em quase todas

    as cidades, sob reforo do Cdigo de Trnsito

    Brasileiro.

    Apesar do contexto desfavorvel, identi-

    ficam-se aspectos promissores na gesto do

    transporte pblico li