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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CAMILA DOS SANTOS PINTO UM OLHAR SOBRE PAULO COELHO RIO DE JANEIRO 2007 / 2

CAMILA DOS SANTOS PINTO UM OLHAR SOBRE PAULO COELHO · Palavras - chave: Cânone, Margem, Paulo Coelho, pós- modernismo ABSTRACT Nowadays, with the new books produced in Brazilian

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Page 1: CAMILA DOS SANTOS PINTO UM OLHAR SOBRE PAULO COELHO · Palavras - chave: Cânone, Margem, Paulo Coelho, pós- modernismo ABSTRACT Nowadays, with the new books produced in Brazilian

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CAMILA DOS SANTOS PINTO

UM OLHAR SOBRE PAULO COELHO

RIO DE JANEIRO

2007 / 2

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CAMILA DOS SANTOS PINTO

UM OLHAR SOBRE PAULO COELHO

Monografia apresentada como

pré-requisito da conclusão do curso de Letras,

com habilitação em Língua Portuguesa e Língua

Inglesa, ao Instituto de

Ciências Humanas e Sociais,

Universidade Veiga de Almeida,

sob orientação da professora

Patrícia Lilenbaum

RIO DE JANEIRO

2007

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TERMO DE APROVAÇÃO

CAMILA DOS SANTOS PINTO

Um olhar sobre Paulo Coelho

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do grau em Licenciatura do

curso de Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Inglesa, ao Instituto de

Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Veiga de Almeida, orientada pela Profª

Patrícia Lilenbaum.

Prof. Ms. Patrícia Lilenbaum - orientadora

UVA

Prof. Ms. Raiff Magno

UVA

Prof. Ms. Fábio Coelho

UVA

Data de Aprovação: ______ de ____________________ 2007.

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Dedico essa Monografia ao meu Deus, à minha família

e ao meu noivo Fábio, que estiveram sempre ao meu

lado, me dando total suporte, apoio e compreensão. Aos

meus amigos e professores que tornaram possível a

concretização desse sonho.

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Agradeço a Deus que me inspirou para realizar esse

trabalho, meus pais que sempre me apoiaram, meu

noivo que sempre esteve comigo em todos os

momentos, à minha orientadora Patrícia, e aos amigos

que me ajudaram.

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A glória do mundo é transitória, e não é ela que nos

dá a dimensão de nossa vida – mas a escolha que

fazemos, de seguir nossa lenda pessoal, acreditar em

nossas utopias, e lutar por elas. Somos todos

protagonistas de nossas existências, e muitas vezes

são os heróis anônimos que deixam as marcas mais

duradouras.

Paulo Coelho

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RESUMO

Atualmente, com as novas obras produzidas na Literatura Brasileira, surge a

necessidade de discutir as questões de Cânone e margem. As obras de Paulo Coelho, o autor

mais lido de todos os tempos, que já teve seus livros publicados em mais de 150 países e

traduzidos para mais de 62 idiomas, devem ser analisadas seguindo outros critérios sem

comparações com autores do século XIX, por serem épocas diferentes e para uma sociedade

diferente. Devemos observá-las com um outro olhar, de acordo com a abertura possibilitada

pela pós-modernidade.

Palavras - chave: Cânone, Margem, Paulo Coelho, pós- modernismo

ABSTRACT

Nowadays, with the new books produced in Brazilian Literature comes the necessity

of discussing the questions among canon and margin. Paulo Coelho’s books, the most read

author of all the times, who already had his books published in more than 150 countries and

translated for more than 62 idioms, must be analyzed following other criteria without

comparing with authors from the 19th

century, as they are in different times to a different

society. We must observe them from a new look according to the possibilities related to the

post- modernism.

Key Words: Canon, Margin, Paulo Coelho, post- modernism.

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SUMÁRIO

1. Introdução...............................................................................................................10

2. Vida e Obra.............................................................................................................11

2.1 As Obras............................................................................................................13

2.2 Paulo Coelho e sua relação com a ABL..........................................................16

2.3 A Inspiração......................................................................................................17

3. Cânone e margem....................................................................................................19

3.1 Pós Modernidade..............................................................................................22

3.2 Relativismo........................................................................................................25

3.3 Estudos Culturais..............................................................................................26

3.4 Hibridismo.........................................................................................................27

3.5 Popular X Erudito.............................................................................................27

3.6 Formas de Poder e As Práticas Discursivas...................................................29

3.7 Academia...........................................................................................................30

3.8 Interdisciplinaridade nos Estudos Literários................................................30

3.9 Consumo X Arte...............................................................................................31

4. Análise das obras.....................................................................................................32

5. Considerações Finais................................................................................................42

6. Referências................................................................................................................43

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Lista de Abreviações, Siglas e palavras da Língua Inglesa

Siglas:

RAM – Regnum Agnus Mundi é uma ordem católica, fundada em 1492, que estuda a linguagem

simbólica através de um sistema de ensinamento oral e aparecem em muitas das obras de Paulo

Coelho ( p.33, 35, 38)

Abreviações:

ABL Academia Brasileira de Letras(p.15,16,41)

Palavras na Língua Inglesa:

happy end – final feliz (p.14)

best-sellers – livros com alta vendagem (p.31)

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1. Introdução

Paulo Coelho é o autor mais lido de todos os tempos, porém não é muito aceito pelos

críticos e principalmente no meio acadêmico. Isso acontece por suas obras existirem em um

contexto indefinido como o da pós-modernidade e terem algumas características bem

peculiares.

Para muitos, Paulo Coelho é apenas um autor esotérico que compõem obras de auto-

ajuda. Mas isso não explica o fato de seu sucesso, visto que seus livros são lidos

principalmente nos países de primeiro mundo. Além do fato de serem adotados por muitas

escolas em países como França, Inglaterra, Estados Unidos, entre outros.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão acerca de cânone e

margem e para então demonstrar que as obras de Paulo Coelho têm o seu valor por se

comunicarem com o público de maneira simples e sem a superficialidade extrema de que são

acusadas. Acreditamos que há uma confusão entre simplicidade e superficialidade por parte

dos críticos.

Será feita uma pequena viagem pela trajetória de Paulo Coelho, depois serão

apresentadas as reflexões sobre o conceito de cânone e margem e, finalmente uma análise das

obras de Paulo Coelho segundo a renovação de critérios que a pós-modernidade traz.

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2. Vida e Obra

Nascido em 24 de agosto de 1947, na cidade do Rio de Janeiro, Paulo Coelho é hoje

um dos autores mais lidos em todo o mundo. Seus livros já foram publicados em mais de 150

países e traduzidos para mais de 62 idiomas.

Antes de se tornar um importante escritor, Paulo Coelho teve uma consistente

trajetória pela música, que foi marcada pelos anos de parceria com Raul Seixas, a qual rendeu

muitos sucessos, entre eles Gita, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, entre outras sessenta

composições. Essa parceria foi importante, também, porque, ao lado de Raul, Paulo Coelho

aprendeu a escrever de maneira mais concisa, sem superficialidade. Além disso, também

escreveu letras para outros cantores famosos como Rita Lee, Fábio Jr., Sidney Magal e Elis

Regina.

Durante essa época, Paulo Coelho foi hippie e viajou por muitos países, sempre em

uma busca espiritual, se interessando por magia, sociedades secretas e religiões orientais.

Em 1982, escreveu e editou seu primeiro livro Arquivos do Inferno, que não teve uma

boa repercussão e, em 1985, lançou seu segundo livro Manual Prático do Vampirismo, que

logo mandou recolher por considerar um trabalho de má qualidade. Ele mesmo confessa: “O

mito é interessante, o livro é péssimo”.

No ano seguinte, fez uma peregrinação pelo Caminho de Santiago, em que percorreu

quase 700 quilômetros a pé do sul da França até a cidade de Santiago de Compostela na

Galícia. Em 1987, registrou a experiência com detalhes em O Diário de um Mago. Em 1988,

publicou O Alquimista, que inicialmente teve baixa vendagem, levando o seu editor à

desistência, mas que, mais tarde, se transformou no livro brasileiro mais vendido de todos os

tempos e é considerado um dos mais importantes fenômenos do século XX. Chegou ao

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primeiro lugar da lista dos mais vendidos em 18 países, e vendeu mais de 41 milhões de

exemplares. Atualmente, o livro é recomendado no currículo de leitura em muitos cursos de

MBA como The Graduate School of Business of the University of Chicago, e ainda é adotado

em escolas de mais de trinta países, como França, Argentina, México, Espanha com edições

especiais para alunos. O Alquimista possui também uma versão ilustrada feita pelo desenhista

Moebius1, já publicada em muitos países, e é elogiado por muitos como o prêmio Nobel

Kenzaburo Oe e a cantora Madonna, considerando-o como seu livro favorito. O livro já foi

até fonte de inspiração de projetos como um musical no Japão, peças de teatro na França,

Bélgica, EUA, Turquia, Itália e Suiça e é tema de duas sinfonias (EUA e Itália).

Logo depois, publicou Brida (1990), O Dom Supremo (1991), que é uma adaptação

ao livro de Henry Drummond, As Valkírias (1992) , Maktub (1994) , que é uma coletânea de

suas melhores colunas publicadas na Folha de São Paulo, Nas Margens do Rio Piedra Eu

Sentei e Chorei (1994), O Monte Cinco (1996), Cartas de Amor ao Profeta (1997), que é uma

adaptação ao livro de Khalil Gibran, Manual do Guerreiro da Luz (1997), Veronika Decide

Morrer (1998), Palavras Essenciais (1999), O Demônio e a Srta. Prym (2000), Histórias

para Pais, Filhos e Netos (2001), Onze Minutos (2003), O Gênio e as Rosas (2004), O Zahir

(2005), A Bruxa de Portobello (2006) e Ser Como Um Rio Que Flui (2007). Este último será

lançado no Brasil apenas em 2008.

Paulo Coelho vendeu, até o momento, um total de 100 milhões de exemplares. Em

2003, aparece na lista dos mais vendidos do mundo da revista americana Publishing Trends

em primeiro lugar com o livro Onze Minutos e em sexto com O Alquimista. Onze Minutos

1 O quadrinista francês Jean “Moebius” Giraud é autor dos cenários de O Quinto Elemento, Alien, entre outros.

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ficou em primeiro lugar em todos os países em que foi lançado, exceto na Inglaterra, em que

ficou em segundo lugar. O Zahir, publicado em 2005, ficou em terceiro lugar da mesma lista.

Em 1998, foi recebido no Vaticano pelo papa João Paulo II.

Em 2007, fez uma participação na novela Eterna Magia, representando o mago

Simon, figura humana do grande Dagda, deus supremo da mitologia celta.

Em 25 de julho de 2002, Paulo Coelho foi eleito para a Academia Brasileira de Letras

(ABL), onde ocupa a cadeira 21, o que causou surpresa, visto que sempre ficaram de fora da

ABL os autores ditos “populares”.

Em setembro de 2007, foi eleito pela ONU como Mensageiro da Paz.

Paulo Coelho entrou para o Guinness Book of Records como o autor que mais assinou

livros em edições diferentes2. Também recebeu o Crystal Award pelo Fórum Econômico

Mundial e foi convidado três vezes consecutivas para participar da reunião do Fórum em

Davos, na Suiça.

Paulo Coelho tem uma coluna semanal em O Globo e em outros jornais brasileiros e

estrangeiros.

Paulo Coelho e a sua esposa, Christina Oiticica, são os fundadores do Instituto Paulo

Coelho, que oferece apoio e oportunidades aos membros mais desfavorecidos da sociedade

brasileira, especialmente a crianças e a idosos.

2.1 - As obras

As obras de Paulo Coelho têm bastantes aspectos em comum. Há geralmente elementos

místicos, mestres e pessoas que partem para longas viagens. Mas isso não significa que devamos

rotular seu trabalho e dizer que não há qualidade, principalmente porque os personagens sempre

2 Feira do Livro em Frankfurt, 9 de outubro de 2003.

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têm uma experiência diferente e marcante, que é individual. Cada personagem é único e o modo

que vêem a vida é também diferente. Segundo Maestri “Os enredos são lineares e desdobram-se

como uma encenação teatral, quase como se desenrola o fio de um novelo, concluindo-se, sempre

, num happy end consolador”3. Os seus livros são feitos para serem lidos de forma isolada.

Uma característica interessante é que sempre há poucos personagens,os quais são

apresentados aos poucos para os leitores, de modo a não haver confusão sobre quem é quem na

história, e os seus nomes são memorizáveis. É muito fácil acompanhar a trajetória de cada um

deles e seu desenvolvimento no decorrer da história. Essa é uma receita seguida por Paulo

Coelho, conforme aparece em seu livro O Alquimista “ Se algum dia escrevesse um livro, pensou

ele, ia colocar um personagem aparecendo de cada vez, para que os leitores não tivessem que

ficar decorando nomes4.

Há sempre críticas ao seu trabalho devido à grande atração que os leitores têm pela sua

obra, porém seus livros são muito vendidos, principalmente em países de primeiro mundo. Há

também aqueles que dizem “não li e não gostei”, ou ainda “já ouvi falar que é ruim e concordo”,

sem ao menos conhecer para ter sua própria opinião.

Muitos de seus livros, por serem de linguagem simples e inspirados em antigos mitos e

provérbios, são classificados como literatura de auto-ajuda. As obras de Paulo Coelho são bem

interessantes por essa simplicidade e por conseguirem prender o leitor do início ao fim ao

possibilitarem uma leitura fácil e acessível através de um texto linear e enxuto.

Em 1999, o autor Mário Maestri decidiu escrever um ensaio sobre Paulo Coelho e intituou

Por que Paulo Coelho teve sucesso.Ele analisa a rápida aceitação de Paulo Coelho pelos leitores

3 MAESTRI,1999, p. 35

4 Trecho retirado de MAESTRI, 1999, p.36

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quando os livros ainda eram poucos (apenas sete: O diário de um mago, O Alquimista, Brida, As

Valkírias, Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei, O Monte Cinco e Verônica decide

morrer). Após a publicação desse artigo, o autor recebeu uma carta de Paulo Coelho

reconhecendo a seriedade em interpretar seu trabalho. Mário Maestri fala, ainda, do uso de frases

feitas, lugares comuns e de clichês e de alguns desvios gramaticais, como o uso incorreto do onde

e aonde cometidos por Paulo Coelho, mas revela que seus livros não podem ser desqualificados

por esse motivo, já que o autor Lima Barreto, em sua obra Recordações do escrivão Isaías

Caminha, incorria os mesmos erros e ainda assim foi consagrado pelo cânone como um excelente

romancista5.

Mário Maestri ainda diz que o autor é um “escritor travestido em mago e não um feiticeiro

disfarçado de ficcionista” e que “ele não penetrou no mundo das letras por um passe de mágica

após beber uma poção misteriosa”, mas que “é um profissional na arte de escrever”. Ele também

considera incorreto dizer que Paulo Coelho é aceito pelo público por causa do tom esotérico, pois

assim seria difícil explicar porque outros autores do mesmo tema não obtiveram o mesmo

sucesso6.

Maestri conclui, então, que é o “produto certo para o público certo” e que “ a literatura de

Paulo Coelho teve êxito porque apresentou um produto cultural, sob uma forma possível de ser

facilmente consumida, com um conteúdo para o qual o público consumidor já se encontrava

predisposto”7.

2.2 - Paulo Coelho e sua relação com a ABL

5 MAESTRI, 1999,p.31

6 MAESTRI,1999,p.32

7 MAESTRI, 1999,p. 43

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Conforme já foi mencionado, Paulo Coelho foi eleito para a Academia Brasileira de

Letras em 25 de julho de 2002, onde ocupa a cadeira 21.

A Academia Brasileira de Letras foi fundada no Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1847.

Ela é composta por 40 membros efetivos, os “imortais”, eleitos em uma votação secreta. Seu

objetivo é o de cultivar a literatura nacional.

Estatutos da Academia Brasileira de Letras

Art. 1º - A Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua

e da literatura nacional, e funcionará de acordo com as normas estabelecidas em seu Regimento

Interno.

§ 1º - A Academia compõe-se de 40 membros efetivos e perpétuos, dos quais 25, pelo menos,

residentes no Rio de Janeiro, e de 20 membros correspondentes estrangeiros, constituindo-se desde já

com os membros que assinarem os presentes Estatutos.

§ 2º - Constituída a Academia, será o número de seus membros completado mediante eleição por

escrutínio secreto; do mesmo modo serão preenchidas as vagas que de futuro ocorrerem no quadro dos

seus membros efetivos ou correspondentes.

Art. 2º - Só podem ser membros efetivos da Academia os brasileiros que tenham, em qualquer dos

gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor

literário.

As mesmas condições, menos a de nacionalidade, exigem-se para os membros correspondentes.

O Estatuto da ABL estabelece, então, que só fazem parte os autores que possuirem

reconhecido mérito por suas obras, ou seja, livros com caráter literário.

Assim, a ABL seria o espaço para as obras consagradas pelo cânone. Mas, atualmente, há

uma contradição em tudo o que foi estabelecido pelo seu estatuto, pois anteriormente não poderia

ser consagrado um autor considerado popular, o escritor de best-seller. Desse modo, como

explicar a eleição de Paulo Coelho? Será que agora a ABL está mais aberta a receber os autores

que o público lê? Esperamos que, com isso, possam ser revistas essas idéias de cânone e que

possa ser melhor verificada a definição de literariedade, para que possamos viver o nosso tempo e

ler as obras atuais.

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Isso não significa que as obras canônicas são ultrapassadas e devam ser esquecidas, mas

deveriam haver novos critérios para essa classificação. Já que, é claro, não podemos comparar

Paulo Coelho a Machado de Assis, por que não criar novos critérios? Por que dizer que sua

literatura é de má qualidade sem se fazer uma análise, só porque o povo gosta? A arte é então

apenas o que não é consumido?

2.3 - A inspiração

Em entrevista para a revista Época, em março de 2005, Paulo Coelho fala que busca

inspiração para escrever no contato com as pessoas em seu dia-a-dia. Em recente entrevista ao

Jornal de Brasília, afirma que escreve um livro a cada dois anos para que possa reunir energia

emocional suficiente para apresentar uma história. Ele próprio compara o seu processo criativo

com a gestação de um bebê e diz experimentar a “morte” e “nascimento”a cada produção. Como

traço marcante de sua personalidade, acredita que “o ato criativo é um mistério que deve ser

respeitado, sem tentar ser compreendido, como ele mesmo o faz”. Transfere sua própria essência

para muitos de seus personagens. "Todos os personagens que descrevo em meus livros têm

alguns de meus traços pessoais; não posso escrever sobre idéias e sentimentos que não vivi"8,

conta.

Para compor melhor seus livros e devido ao grande assédio, Paulo Coelho decidiu se

tornar um ermitão e, para isso, procurou refúgio em Saint-Martin, vilarejo francês de 234

habitantes no sopé dos Pireneus, a 15 quilômetros de Tarbes. Nesse cenário compôs: O Demônio

e a Senhorita Prym (2000), Onze Minutos (2003) e O Zahir (2005).

Nessa região onde vive, Paulo Coelho é bastante conhecido e às vezes é, até mesmo,

assediado por seus leitores quando está na rua. Por ter usado o nome de alguns locais nas obras

8 Jornal de Brasília (DF) 07/02/2007

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citadas, tornou-se uma grande atração e recebeu o título de Cidadão de Honra, com direito a uma

placa de mármore no átrio da prefeitura. Além disso, a cidade passou a atrair mais turistas e

emissoras de TV para reportagens.

Ainda assim, mesmo consagrado pelo grande público, continua esnobado pela crítica, seja

na mídia ou por acadêmicos que ainda não abrem portas para as obras não-canônicas. De modo

que é importante conhecê-las antes de julgá-las, para não cair no senso-comum.

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3. Cânone e Margem

Ao falarmos de Paulo Coelho precisamos discutir esse tópico, pois suas obras não são

consideradas canônicas e acabam se misturando com todas as outras que também não o são,

mesmo que diferente delas.

Cânone é um modelo ou padrão a ser aplicado como norma. Essa palavra foi usada pela

primeira vez no século IV tratando-se da lista de Livros Sagrados utilizados pelos católicos. Com

o passar do tempo, o conceito de cânone passou a ser utilizado para denominar obras-primas, ou

os clássicos literários, mantendo-se intacto o núcleo semântico-ideológico proposto pela Igreja

Medieval. Logo, o cânone literário é o conjunto de obras e seus autores social e

institucionalmente considerados "grandes", "geniais", perenes, comunicando valores humanos

essenciais, por isso dignos de serem estudados e transmitidos de geração em geração. Sendo

assim, mesmo atualmente, nas escolas e universidades continua-se a estudar as obras consagradas

por determinada cultura.

A partir dessa definição de cânone, todas as obras que ainda não foram consagradas ficam

à margem da literatura. O que acontece, porém, é que ficam misturados vários gêneros texuais

diferentes, como a literatura de auto-ajuda, a esotérica, os best-sellers, a literatura de cordel, a

telenovela, a música. O termo antes utilizado para caracterizar esse tipo de literatura era a

paraliteratura ou subliteratura, que eram as obras em oposição à literatura, mas esse termo já

está em desuso.

Esse termo havia sido criado na França nos anos de 1970 por Jean Tortel para caracterizar

uma grande variedade de escritas não reconhecidas como literárias. Assim, abrange uma grande

quantidade de composições, incluindo o jornal, a receita culinária, o romance policial, os

quadrinhos, as estórias de amor vendidas nas bancas de jornal, as telenovelas, entre outras.

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Essa literatura é caracterizada pela redundância, a ausência do novo, por ser repetitiva;

ausência de ambigüidade; falta de questionamento da existência; falta de discussão de

problemáticas; produto com características e finalidades próprias; falta de exploração da

linguagem; anonimato, não há grande interesse em quem é o autor; e está diretamente ligada ao

consumo de massa.

Tortel propôs, ainda, a divisão da paraliteratura em didática e de imaginação. A didática

seria a massa de natureza reconhecidamente não-literária, que se presta à comunicação

interpessoal e intersocial. O objetivo é definido e há uma finalidade social. Estaria inserido nessa

designação a carta comercial, o artigo de jornal, entre outros. A paraliteratura de imaginação é

aquela que não presta uma informação, comunicação, nem tem uma finalidade prática. Sua

estrutura assemelha-se à do texto literário. Nessa definição encontramos a telenovela, o romance

policial, o romance sentimental, etc.

Em O Cânone Ocidental, Harold Bloom afirma:

Possuímos o Cânone porque somos mortais e também meio retardatários. Só temos um

determinado tempo, e esse tempo deve ter um fim, enquanto há mais para ler do que

jamais houve antes. Do Javista e Homero a Freud, Kafka e Beckett, é uma jornada de

quase três milênios. Como essa viagem passa por portos tão infinitos como Dante,

Chaucer, Montaigne, Shakespeare e Tolstoi, que compensam, todos eles, as releituras de

toda uma vida, vemo-nos no dilema pragmático de excluir alguma outra coisa toda vez

que lemos ou relemos extensamente.Um antigo teste para o canônico continua

ferozmente válido: se não exige releitura, a obra não se qualifica. A analogia inevitável é

a erótica. Se somos Don Juan, e Leporello mantém a lista, um breve encontro bastará.

(1995, p. 37)

Assim, conclui-se que o cânone é algo que foi criado pelo homem em determinado tempo

passado, mas que ainda hoje é visto como verdade absoluta. Com isso, acaba-se excluindo tudo o

que for diferente, como muitas obras produzidas atualmente, por mais que sejam muito

consumidas.

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Ao refletir sobre a questão dessas obras ainda não consagradas, é preciso se pensar no

cânone literário, pois atualmente é difícil definir o que é ou não literário. Dessa forma,

precisamos considerar alguns pontos:

Pós- modernidade

Relativismo

Estudos culturais

Hibridismo

Discussão sobre os conceitos de popular e erudito

Relações entre as formas de poder e as práticas discursivas

Academia

Interdisciplinaridade nos estudos literários

Consumo versus arte9

Esses tópicos serão melhor abordados no decorrer do capítulo, e mais tarde serão também

relacionados às obras de Paulo Coelho.

3.1- Pós-Modernidade

Pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética do capitalismo contemporâneo,

também denominado pós-industrial ou financeiro. É o aspecto cultural da sociedade pós-

industrial e se traduz como o conjunto de valores que direcionam a produção cultural

subseqüente, iniciado nos anos 70.

A estética pós-moderna apresenta diferenças com relação às anteriores. Não há mais

necessidade de inovação, nem de originalidade e há até mesmo repetição de formas passadas.

9 Tópicos retirados da apostila de Cânone e Margem de Literatura Brasileira III, desenvolvida pela professora

Patrícia Lilenbaum no 2º semestre de 2007

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O pós-modernismo aconteceu primeiro na arquitetura e na computação, por volta dos anos

50. Depois nos anos 60, se encaminhou para a arte, até chegar à filosofia e à literatura, e hoje já

alcançou a moda, o cinema, a música e o cotidiano programado pela tecnociência (ciência +

tecnologia invadindo o cotidiano com alimentos processados e microcomputadores). O pós-

modernismo é um ecletismo, uma mistura de várias tendências e estilos sob o mesmo nome. Ele

não tem unidade; é aberto, plural e muda de aspecto se passamos da tecnociência para as artes

plásticas, da sociedade para a filosofia. Ainda está inacabado e sem definição precisa.

COMPARAÇÃO ENTRE MODERNISMO X PÓS-MODERNISMO

Cultura elevada .........................................Cotidiano banalizado

Arte ...........................................................Antiarte

Estetização ................................................Desestetização

Interpretação .............................................Apresentação

Obra/originalidade.....................................Processo/pastiche

Forma/abstração .......................................Conteúdo/figuração

Hermetismo ..............................................Fácil compreensão

Conhecimento superior ............................Jogo com a arte

Oposição ao público ................................Participação do público

Crítica cultural ........................................Comentário cômico, social

Afirmação da arte ...................................Desvalorização obra/autor10

O pós-moderno pode utilizar como recurso a volta ao passado. Ele pode ser um romance

histórico, uma narrativa policial ou ser um gênero de massa. Utiliza a intertextualidade, tanto pela

10

SANTOS, 1987, p.41

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referência a formas literárias, quanto pelo fato de ser um livro sobre outro livro; o ecletismo, ao

misturar o sério histórico com o documental, com o divertimento, o policial, a fantasia. E pode

até tratar-se de uma paródia, um pastiche do romance histórico, feito só por jogo, divertimento.

A pós-modernidade ainda é uma questão em aberto, pois a bibliografia encontrada sobre

esse assunto não chega a um consenso. Para alguns, ela representa um período de mudança de

uma época para a outra, uma interrupção da modernidade que envolve seus princípios

organizadores próprios e distintos. Para outros é a ficção de uma imaginação fértil, de uma

propagada popular enganosa ou de esperanças radicais frustadas.

Luzia de Maria resume a narrativa contemporânea produzida pela nova sociedade como: Descontinuidade; quebra da seqüência previsível; utilização de todas as linguagens[...];

incorporação num mesmo texto, de fragmentos diversos, de vários autores, estilos e

épocas, etc., realizando o que se chama intertextualidade; simultaneidade de cenas,

imitando procedimentos do cinema moderno; introdução, na prosa, de técnicas de

construção de poemas; inclusão, na composição do texto, de posicionamentos

autocríticos [...] (REIS, 1987, p. 86.)

Sendo assim, a partir dessa citação verifica-se que a narrativa pós-moderna teria a ver

com uma quebra aos antigos costumes, o texto não seria todo “certinho”, em determinado

momento tudo mudaria, levando o leitor a uma catarse diferente. A narrativa seria imprevisível e,

a qualquer momento, tudo poderia mudar. O texto seria uma espécie de colagem de outros textos,

que é uma das expressões da intertextualidade, e o autor poderia, até mesmo, colocar seus

próprios posicionamentos na composição de seus textos.

Em O pós- modernismo e a Literatura, Domício Proença Filho (1988, p. 40-47)

considera como traços marcantes nas literárias pós-modernistas:

a intensificação do lúdico, do experimantalismo, do pastiche;

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a utilização deliberada da intertextualidade;

a mistura de estilos;

o exercício da metalinguagem (a linguagem falando de si mesma);

o alegórico, o hiper-real, o metonímico;

o texto fragmentado;

o centramento na linguagem;

a exaltação do prazer;

a presença do humor.

Isto faz da pós-modernidade o lugar, por excelência, do efêmero, do fugaz, portanto, da

incerteza. Como nos diz Kumar:

Temos aqui o mundo pós-moderno: um mundo de presente eterno, sem origem ou

destino, passado ou futuro; um mundo no qual é impossível achar um centro ou

qualquer ponto ou perspectiva do qual seja possível olhá-lo firmemente e considerá-

lo como um todo; um mundo em que tudo que se apresenta é temporário, mutável ou

tem o caráter de formas locais de conhecimento e experiência. Aqui não há estruturas

profundas, nenhuma causa secreta ou final; tudo é (ou não é) o que parece na

superfície. É um fim à modernidade e a tudo que ela prometeu e propôs.” (KUMAR,

1997, p.152).

Ao falar de mundo pós-moderno, Kumar afirma que é o presente, sem começo ou fim,

sem passado, ou futuro. Então, o que nele for apresentado, é passageiro e mutável, gerando

uma quebra com a modernidade anteriormente apresentada.

É ainda a indiferenciação de modalidades narrativas, o gosto da reescrita e da paródia, a

sedução pela alteração e correção dos acontecimentos do passado, o gosto do fantástico, a recusa

das axiologias e a tendência para o aleatório.

3.2- Relativismo

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O relativismo caracteriza-se por afirmar que, em certas áreas, a verdade é relativa a certo

ponto de vista. É a negação que possamos vir a ter de um certo conhecimento objetivo. Sendo

relativistas de valor estético, podemos afirmar que certa obra de arte é boa dependendo do ponto

de vista.

O relativismo cultural afirma que “bem” é o que é socialmente aprovado pela maioria de

determinada cultura. Os princípios morais devem ser baseados nas normas de determinada

sociedade.

O relativismo cultural não estabelece normas comuns entre as sociedades. Nesse aspecto,

o relativismo abre espaço para a crítica literária no sentido que o crítico não diz se a obra é boa

ou ruim, mas explica o porquê de ele apreciá-la. É algo bastante pessoal, mas que não deve ser

desprovido de critérios.

3.3- Estudos culturais

Estudos culturais são deslocamentos de leituras sociológicas/históricas/estilísticas com a

tentativa de realizar leituras mais antropológicas/políticas. São o campo acadêmico de pesquisa

sobre cultura e comunicação, das quais atualmente fazem parte as teorizações pós-estruturalistas.

Os estudos culturais se consolidaram basicamente a partir do trabalho do anglo-jamaicano

Stuart Hall. Os estudos culturais analisam a ação da mídia atentando sobre as estruturas sociais e

o contexto histórico como fatores essenciais para a compreensão da ação desses meios.

Trata-se de uma disciplina acadêmica cuja origem não está determinada, mas está

diretamente ligada ao desenvolvimento do pós-modernismo. Estudos culturais comparativos são

um campo de pesquisa onde os pressupostos específicos da disciplina literatura comparada

juntam-se a pressupostos específicos do campo dos estudos culturais, com o intuito de estudar a

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cultura e os produtos culturais, inclusive, a literatura, a comunicação, a mídia, a arte, etc. , e

realiza-se dentro de uma construção relacional e contextual com uma pluralidade de métodos e

abordagens, interdisciplinaridade e, incluindo também pesquisadores. Os estudos culturais têm

uma dimensão multidisciplinar.

Os estudos culturais são um importante meio de investigação de como se formam as

relações de poder com o objetivo de estudar as culturas em um universo cheio de diversidades

culturais. Toda ação e forma de linguagem são representações culturais.

É importante considerar a Literatura como parte dos Estudos Culturais pois ela evidencia

as experiências de uma sociedade. Os estudos culturais enfocam o papel que as formas culturais

representam dentro de uma determinada sociedade em uma certa época.

3.4- Hibridismo

O conceito de hibridismo passou a ser usado para referi-se à dissolução das fronteiras

entre os suportes e as linguagens, assim como à reciclagem dos materiais que circulam nos meios

de comunicação.

Nestor Garcia Canclini, a respeito desse assunto, propõe a seguinte pergunta: “Memórias

heterogêneas e idéias de centro: a modernidade é um projeto polêmico ou suspeito?”.

Canclini afirma que hibridismo são conjuntos de idéias que se fundem, dando lugar à

multiculturalidade.

A Hibridação não seria sinônimo de fusão sem contradições mas uma forma particular de

conflitos gerados na intertextualidade, imiscuídos a decadentes processos migratórios,

turísticos e sócio-econômicos, e da inserção dos patrimônios imateriais e materiais da

produção e mercado. Ora, as estratégias de hibridação interessam os setores

hegemônicos e populares que desejam se apropriar dos benefícios da modernidade. Em

suma, deveríamos vencer as tradições para podermos nos modernizar.

(CANCLINI:,2003, 17-19)

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3.5 Popular X Erudito

Popular e erudito são dois conceitos que se opõem. São usados para classificar os

diferentes tipos de arte, trazendo um julgamento de valor. Ao serem empregados esse termos,

revela-se a hierarqização dos produtos culturais.

Enquanto o erudito seria tudo o que tem boa qualidade, sofisticação e complexidade, o

popular seria o simples, o que tem pouco valor e é muito consumido.

Assim, o erudito seria tudo o que está no centro, ou seja, as obras canônicas que são

estudadas há muito tempo e não se discute mais acerca delas, e o popular seria o que está às

margens, o que ainda não foi canonizado e, muitas vezes, deixado de lado com uma visão

preconceituosa.

O erudito também pode ser conhecido como Literatura Tradicional, por ser aquele que é

passado de geração-a-geração, através dos tempos. A literatura popular é aquela criada pelas

camadas mais humildes do povo.

É preciso abandonar esse senso-comum e ver as obras que estão sendo criadas como um

fruto da pós-modernidade e que podem trazer novas perspectivas para os leitores. É preciso que

se vejam as novas produções como importantes por serem fruto da atualidade, mesmo que muitos

digam que elas sejam menos literárias do que as anteriores. Sendo assim, é melhor evitar a

comparação entre autores e obras tão diferentes uns dos outros, levando-se em consideração,

também a época e o momento histórico e social.

A literatura é um fruto do meio em que ela está situada. Ela reflete as apirações de

determinada sociedade, bem como a realidade da época em que foi escrita.

Assim, a literatura de Paulo Coelho será realmente diferente das clássicas, pois a

sociedade de hoje é não possui as mesmas características que a do século XIX, por exemplo.

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3.6 Formas de poder e as Práticas discursivas

As práticas discursivas definem as possibilidades para o surgimento de um enunciado e

sua validade. Os indivíduos e a sociedade, ao serem atravessados pelas práticas discursivas,

tornam-se continuidade um do outro.

Foucault11

(2000, p. 237) define as práticas discursivas:

(...) falar é fazer alguma coisa — algo diferente de exprimir o que se pensa, de traduzir o

que se sabe e, também, de colocar em ação as estruturas de uma língua; mostrar que

somar um enunciado a uma série preexistente de enunciados é fazer um gesto

complicado e custoso que implica condições (...) e comporta regras (...).

Assim, as práticas discursivas permitem uma readequação do contexto, através de uma

atualização do discurso.

Foucault considera o homem enquanto resultado de uma produção de sentido, de uma

prática discursiva e de intervenções de poder. Discute o homem, enquanto sujeito e objeto do

conhecimento, através de três procedimentos em domínios diferentes: a arqueologia, a genealogia

e a ética.

O poder é visto através do discurso, já que muitos discursos têm como resultado a

dominação, por gerarem obediência, sendo aceitos como construções naturais, únicas e

inquestionáveis.

Michel Foucault chamou de sociedades do discurso aquelas que são espaços fechados

para a circulação dos discursos, distribuídos segundo regras muito particulares. A formação

dessas sociedades concentra poder e exclui as pessoas que não têm acesso à elas.

11

Paul- Michel Foucault filósofo francês ( 1926-1984)

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Exemplos dessas sociedades seriam os advogados, que ao discursar utilizam termos muito

rebuscados, que leigos não os entende. O mesmo acontece em discursos dos políticos, em que

esses se aproveitam para fazer várias falsas promessas e enganar certas classes da população.

Como diria Cecília Meirelles:

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

3.7 Academia

O meio acadêmico classifica como literatura apenas aquelas obras clássicas que fazem

parte do cânone, deixando de lado as contemporâneas, ao dizerem que são não-literatura, e por

isso, não são dignas de serem estudadas.

Assim, mais uma vez, é gerado um preconceito acerca das obras mais novas, visto que

quem estabelece essa classificação são professores e alunos obecendo aos mesmos critérios de

cânone, esquecendo dos muitos leitores que não fazem parte da academia.

3.8 Interdisciplinaridade nos estudos literários

É a integração de dois ou mais componentes curriculares na construção do conhecimento.

A interdisciplinaridade seria justificada devido a necessidade de professores e alunos de

compreender e utilizar estratégias metodológicas adequadas para aperfeiçoar o processo de

ensino e de aprendizagem.

Os objetivos seriam: privilegiar o trabalho em equipe; relacionar as disciplinas; promover

a circulação de idéias e mudanças.

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3.9 Consumo X Arte

É importante fazer essa relação, pois, até hoje, a arte é considerada um produto que só

pode ser adquirido por poucos. Assim, ainda a literatura e as demais artes que são consumidas

pelo povo são consideradas apenas produtos, sem muito valor.

Tudo o que é muito consumido pelo público é rotulado como fácil ou simples demais, não

sendo considerado arte, é apenas um produto. Mas por que a arte precisa ser complexa?

O que o povo consome precisa ser analisado com outros critérios, para que os críticos

vejam que, depende do ponto de vista falar a respeito de um livro ou de seu autor. Para uns pode

ser ótimo, para outros pode não ser.

Assim, a literatura de Paulo Coelho precisa ser analisada seguindo outros critérios. É

claro que é uma literatura simples, fácil e, até mesmo, rápida, mas isso é porque ele mesmo

escolheu ser assim. Ele prefere escrever de forma a ser acessível a todos e não apenas a certa

camada da população. Seus livros estão sempre nas listas dos mais vendidos do mundo e

geralmente, em seu lançamento, ficam em primeiro lugar nas listas. Seus livros são, em sua

maioria, best-sellers, porque foi essa a fórmula que ele resolveu utilizar em suas obras e

conseguiu o sucesso.

É importante que seja repensada essa questão de canônico ou não e que sejam criados

outros critérios para defini-lo, para que os críticos parem de comparar Paulo Coelho a autores

como José de Alencar, Machado de Assis, pois são autores com estilos diferentes e de épocas

diferentes.

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4. Análise das obras

As obras de Paulo Coelho são simples e de fácil leitura. Para a melhor compreensão do

leitor, sua linguagem é acessível a todos. Suas obras são independentes e podem ser lidas em

qualquer ordem, mas conforme veremos neste capítulo, possuem características pós-modernas

tendendo a se relacionar e a se encontar em algum aspecto.

A leitura é bem dinâmica, o que faz com que o leitor participe do início ao fim. Os livros

apresentam, em sua maioria, a intertextualidade, pois, às vezes, são citadas partes de outros

livros, ou autores famosos, que podem ter contribuido como inspiração para o autor.

Um aspecto interessante é que todos os livros têm, em uma de suas páginas iniciais,

algum versículo da Bíblia, geralmente extraídos do livro de Lucas, pois o autor se considera

católico. E também sempre tem uma saudação à Virgem Maria:“Oh, Maria, concebida sem

pecado, rogai por nós que recorremos a Vós. Amém.”

No prefácio de O Alquimista, o autor fala que esse é um livro simbólico e que O Diário de

um Mago foi um trabalho de não-ficção, além de dizer que vai homenagear autores universais:

Hemingway, Blake, Borges, Malba Tahan, entre outros.

No prólogo, o alquimista lê um livro de Oscar Wilde e é descrito um pedaço da história.

Assim, é possível ver a intertextualidade, já que o livro O Alquimista começa a sua história a

partir de um outro livro.

O nome do personagem principal é Santiago. Em muitos de seus livros, Paulo Coelho

utiliza esse nome ou cita diretamente o Caminho de Santiago, que é uma rota de peregrinação

percorrida por ele em 1986 e descrita em O Diário de um Mago.

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Santiago é uma pastor de ovelhas que lê histórias clássicas e parte em busca de uma

menina por quem se apaixonou em uma de suas últimas viagens. Ele sempre tem um sonho

repetido, o qual, inicialmente, não faz muito sentido para ele.

Em alguns momentos da história, Paulo Coelho utiliza flashbacks12

, em que há uma

interrupção da narrativa cronológica para mostrar algum evento ocorrido anteriormente.

O Diário de um Mago é a história de um narrador-personagem, que Paulo Coelho diz ser

ele mesmo, que parte em busca de sua espada e precisa passar por todas as práticas de RAM13

,

conhecê- las muito bem, para só então dar o próximo passo. Ele só pode chegar mais perto e

encontrá-la no momento em que estiver preparado para tal responsabilidade.

Durante todo o percurso pelo Caminho de Santiago, o narrador explica melhor que

caminho é esse, qual a rota a ser seguida, qual o objetivo que pretende alcançar. E, à medida que

passa pelas práticas de RAM, que são rituais realizados com finalidades específicas, seja de

purificação, de observar melhor o que acontece em sua volta, ou outras, ele descreve o que foi

realizado.

O nome de seu mestre é Petrus, mas, na nota de rodapé, ele indica que é um nome que foi

trocado para preservar a sua privacidade.

O narrador- personagem, em determinados momentos, sente que há um demônio perto

dele, que se manisfesta, primeiramente em um cigano, e depois, em um cão. E, esse demônio só

se afastará, quando ele o derrotar.

Outro assunto que Paulo Coelho retrata é a presença do bem e do mal, em que a pessoa

decide que caminho ela prefere. Então, o bem e o mal fazem parte da natureza humana.

12

Na Literatura, esse recurso pode também ser chamado de Analepse 13

R de Rigor, A de Amor e M de Misericórdia; R de Regnum, A de Agnus e M de Mundi. O Diário de um Mago,

p.14.

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Em O Alquimista Santiago pensa:

Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matar uma por uma, elas só iam perceber depois que

quase todo o rebanho tivesse sido exterminado”, pensou o rapaz. “porque confiam em mim, e se

esqueceram de confiar nos seus próprios instintos. Só porque as conduzo ao alimento e à comida. (p.

21)

Essa dualidade bem x mal também é retrada em O demônio e a srta. Prym, em que um

estrangeiro chega a uma cidade pacata do interior e faz um jogo com seus habitantes, mostrando à

jovem Prym que ele possui 11 barras de ouro que seriam dadas a ela e aos moradores de Viscos

se ela os convencesse a assassinar alguém. Seu objetivo era verificar até onde alguém podia ir

para conseguir dinheiro e também ver se ela era capaz de ser honesta, visto que ela sabia onde

estava escondida pelo menos uma das barras, pois ele mostrou-a todas, mas falou que as

esconderia novamente e deixaria apenas uma no mesmo lugar.

O tema da Lenda Pessoal também é bastante abordado, assim como o tema “guerreiros da

luz” conforme aparece em O Diário de um Mago, O Alquimista, Maktub e O Manual do

Guerreiro da Luz.

- Por que um rei conversa com um pastor? – perguntou o rapaz, envergonhado e admiradíssimo.

- Existem várias razões. Mas vamos dizer que a mais importante é que você tenha sido capaz de cumprir

a sua Lenda Pessoal[...]

- É aquilo que você sempre desejou fazer. Todas as pessoas, no começo da juventude, sabem qual é sua

Lenda Pessoal.[...]14

Os personagens, geralmente, acreditam em bom sinal, sorte de principiante e boa sorte. “[...] e aquilo

era bom sinal [...] Lembrou-se do seu avô [...] lhe dissera que as mariposas eram sinal de boa sorte.

Como os grilos, as esperanças, as lagartixas, e os trevos de quatro folhas[...]”

Às vezes são contadas histórias de sábios para exemplificar melhor a lenda pessoal.

Algumas delas foram retradas, mais tarde, em Maktub. Muitas vezes, a própria palavra Maktub é

usada nos textos para explicar a existência dessa Lenda Pessoal. Essa palavra é árabe significa

“está escrito”

14

Trechos retirados de O Alquimista, p. 36 e 43

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O lugar em que as histórias se passam é bem descrito, de modo que o leitor consegue

visualizá-lo, à medida que a história vai sendo construída. O leitor consegue se sentir parte da

história, pois mesmo que seja algum lugar que ele não conheça, pela riqueza de detalhes, ele

consegue entender e senti-lo.

“ No alto da pequena cidade de Tarifa existe um velho forte construído pelos mouros, e quem senta em

suas muralhas,consegue enxergar uma praça, um pipoqueiro, e um pedaço da África.” O Alquimista

p.47

Os personagens são viajantes e o tempo sempre passa de maneira cronológica, e o leitor

sempre está situado na passagem do tempo.

Paulo Coelho também fala da “ linguagem sem palavras”, que é a do entusiasmo, da

divisão.

“ As ovelhas, entretanto, tinham ensinado uma coisamuito mais importante: que havia uma linguagem no

mundo que todos compreendiam,[...]Era a linguagem do entusiasmo, das coisas feitas com amor e com

vontade, em busca de algo que desejava ou em que se acreditava[...]” (O Alquimista ,p.73)

“Enquanto eu esperava o desenho ficar pronto, me dei conta que algo muito estranho acontecera:

havíamos conversado quase cinco minutos, sem que um soubesse falar a língua do outro. Nos

entendemos apenas com gestos, risos, expressões faciais, e vontade de compartilhar alguma coisa.

A simples vontade de dividir algo fez com que conseguíssemos entrar no mundo da linguagem sem

palavras, onde tudo é sempre claro, e não existe o menor risco de ser mal interpretado.”15

Essa questão também é retratada em Onze Minutos quando Maria encontra o suíço para

irem a um restaurante e o intérprete a diz que ele não precisa estar presente no jantar, pois para se

entenderem é uma “questão de energia”

Os personagens principais, geralmente, têm alguém para os guiar em seus caminhos. Em

O Alquimista, Santiago encontra-se com um alquimista que vai conduzi-lo até o seu destino; em

O Diário de um Mago, o personagem está em busca de sua espada e tem seu mestre Petrus que

vai ensiná-lo todas as práticas de RAM.

15

Trecho retirado do site http://colunas.g1.com.br/paulocoelho/ onde Paulo Coelho posta suas colunas diariamente

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As histórias geralmente terminam com um epílogo, em que o autor faz uma conclusão que

resume toda a história, e os finais são sempre felizes.

O livro Onze Minutos tem uma dedicatória especial a um leitor, Maurice Gravelines, que

o abordou em uma catedral dizendo a ele “ você se parece com o Paulo Coelho” e ao responder-

lhe que se tratava mesmo dele, o leitor lhe contou que seus livros tiveram grande importância em

sua vida: “eles o fazem sonhar”.

Esse livro trata de um assunto polêmico, o sexo, e a personagem principal é uma

prostituta chamada Maria. Ele começa a história com a frase “ Era uma vez...”, mas depois diz

que isso é uma contradição, já que é um livro escrito para adultos, porém prefere mantê-la.

É a história de uma garota do interior que sonha em ter uma vida melhor, em sair de sua

cidade e mudar de vida, pois já está cansada de ter a mesma rotina sempre. Ela também diz que

não irá mais se apaixonar por achar que o amor machuca, já que, quando criança, se apaixonou

por um menino que fazia o mesmo trajeto que ela, mas não tinha coragem de falar com ele. Um

dia, ele arrumou uma desculpa para falar com ela, mas, com medo, ela fugiu, e nunca mais teve a

oportunidade de falar com ele novamente.

Na adolescência, descobre o prazer com a masturbação e acha que não precisa de um

homem para satisfazê-la. Sua vida começa a mudar depois que ela decide fazer uma viagem ao

Rio de Janeiro e conhece um empresário suíço que quer levá-la para a Suíça como dançarina de

samba.

Esse livro tem um tema muito diferente dos outros e não possui muito elementos místicos.

A única menção a algo já utilizado é o Caminho de Santiago, que é visto por Maria através da

janela do restaurante, ao encontrar pela primeira vez Ralf Hart. Nesse momento, ela pergunta a

ele o que quer dizer essa placa e ele a explica.

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O livro é todo construído a partir de suas experiências, sempre em tempo cronológico, e

trechos do diário escrito por ela, desde seu primeiro beijo.

No livro, a intertextualidade aparece ao se falar do próprio livro. A personagem Maria

queria escrever um livro em que usaria o título Onze Minutos.

Ela vai muito à biblioteca para procurar saber de assuntos que ainda não sabe e não tem

vergonha de perguntar a alguém quando lhe surge uma dúvida.

Maria é uma mulher independente e não tem problemas em falar o que pensar, pois ela

mesma acha que não deve dar satisfações a ninguém.

A intertextualidade também está presente quando Ralf responde à pergunta de Maria

citando Platão e fala um pouco sobre os deuses. E, por Ralf Hart ser uma pessoa muito inteligente

e estudado, toda vez que explica a Maria algo que ela tem dúvidas, se utiliza de autores famosos,

a fim de exemplificar melhor seu ponto de vista.

- Apenas como curiosidade, de que maneira você terminaria essa história com o diretor?

- Citaria Platão, já que estaria diante de um intelectual. Segundo ele, no ínicio da criação, os homens e

as mulheres não eram como são hoje; havia apenas um ser, que era baixo, com um corpo e um pescoço, mas sua

cabeça tinha duas faces, com dois sexos opostos, quatro pernas, quatro braços.

“Os deuses gregos, porém, eram ciumentos, e viram uma criatura que tinha quatro braços trabalhava

mais e suas duas faces opostas estavam sempre vigilantes e ela não podia ser atacada por traição[...]. ( Onze Minutos,

p.127)

Além desses, há outros exemplos no decorrer do texto.

Ao conhecer o pintor Ralf Hart, ele pede para que ela fique no restaurante para que ele

faça um esboço dela, pois está vendo sua “luz”, a “luz pessoal”.

Depois eles percorrem o Caminho de Sanrtiago, não como peregrinos, mas apenas simples

pedestres que resolveram tomar aquele caminho, é um caminho como qualquer outro.

Às vezes, em certos questionamentos, os personagens fazem listas nas quais incluem as

possíveis respostas. É o que acontece em Onze Minutos, p. 64-65.

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Não ouviu nenhuma novidade, e fez uma lista de respostas:

a)Diziam que precisavam ajudar o marido em casa[...]

b)comprar uma casa para a mãe[...]

As explicações do narrador para determinada frase aparece sempre entre parênteses:

“[...]comprara uma TV( que nunca usava, mas que gostava de ter por perto)[...]”16

O livro é intitulado Onze Minutos porque o autor acredita que esse é o tempo que, em

média, dura uma relação sexual. No livro há determinado momento que a personagem Maria

revela isso.

“Durante a noite? Ora, Maria, você está exagerando. Na verdade, são 45 minutos, e mesmo assim, se

descontarmos tirar a roupa, ensaiar algum falso carinho, conversar alguma coisa óbvia, vestir a roupa,

reduziremos este tempo para onze minutos de sexo propriamente dito.”

Onze minutos. O mundo girava em torno de algo que demorava apenas onze minutos.[...](p.71)

Assim, é possível perceber que Paulo Coelho pode, em suas obras, tratar de outros temas,

o sexo, por exemplo.

Geralmente, quando os personagens vão partir, eles esperam até o último momento para a

despedida, para que sofram menos, e não fiquem o tempo todo pensando que logo não estarão

mais ali. É o que acontece com Santiago, em O Alquimista, quando ele precisa ir embora e se

despedir do mercador de cristais. Também acontece com Maria, em Onze Minutos, quando ela

decide deixar Genebra e voltar ao Brasil, mas antes, precisa se despedir de Ralf.

Paulo Coelho fala do livro O Demônio e a Srta. Prym como uma conclusão de uma

trilogia “ E no sétimo dia...” da qual fazem parte Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei

(1994) e Veronika decide morrer (1998)

Os três livros falam de uma semana na vida de pessoas normais, que subitamente, se vêem

confrontadas com o amor, a morte e o poder. Sempre acreditei que as profundas transformações, tanto

no ser humano como na sociedade, ocorrem em períodos de tempo muito reduzidos.Quando menos

esperamos, a vida coloca diante de nós um desafio para testar nossa coragem e nossa vontade de

16

Onze Minutos p. 69

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mudança; neste momento, não adianta fingir que nada acontece, ou desculpar-se dizendo que ainda não

estamos prontos. O desafio não espera. A vida não olha para trás. Uma semana é tempo mais que

suficiente para sabermos decidir se aceitamos ou não nosso destino. (COELHO, 2000, p.11)

Assim, podemos entender, que ao escrever essa trilogia, o autor tinha o objetivo de

mostrar ao leitor que uma semana é tempo suficiente para se tomar uma decisão que mudará toda

a sua vida e, até mesmo, a de outras pessoas.

No livro Brida, o autor adverte os leitores que em seu livro, O Diário de um Mago ele

havia trocado duas das práticas de RAM e que sofreu reprimenda de seu mestre, e que nesse

livro colocará a descrição de todos os rituais, mas eles não devem ser aplicados sem orientação

para não prejudicar a Busca Espiritual. Com isso, vemos que autor deseja escrever um romance

em que a personagem principal é uma bruxa, mas ele não quer influenciar o leitor de maneira

negativa.

A personagem Brida é uma garota comum, como a maioria das personagens de Paulo

Coelho. Ela conhece um Mago e diz que quer aprender magia e o deixa guiá-la pela floresta. O

mago é seu mestre, que a permitirá ter sua própria experiência, sem influenciá-la.

Geralmente as personagens femininas são impulsivas e falam o que lhes vem a cabeça,

sem medo de reprimenda. Como podemos ver nas personagens Brida, Maria (Onze Minutos) e

Chantal (O Demônio e a Srta Prym).

Em As Valkírias, Paulo Coelho diz que irá contar sua experiência pessoal na sua Busca

Espiritual, e que será um livro diferente de O Diário de um Mago, O Alquimista e Brida. Esses

livros têm muito em comum porque, na época, Paulo estava muito interesado nesses assuntos e

como viu que a fórmula utilizada nos primeiros havia sido de sucesso, continuou a utilizá-la.

No livro de Mastri, Por Que Paulo Coelho Teve Sucesso, o autor fala justamente desses

aspectos. No ano em que foi escrito, 1999, Paulo Coelho tinha apenas 7 livros lançados, os quais

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tinham muitos pontos em comum, e Mastri analisa como Paulo escrevendo a um determinado

público.

Porém, ao analisarmos segundo aqueles tópicos propostos no capítulo 2, vemos que Paulo

Coelho se encaixa na literatura pós-moderna. A sua literatura é muito relativa, pois há muitos que

gostam enquanto outros não. Ela não é aceita pelo meio acadêmico, devido ao preconceito por

suas obras serem simples e de não terem uso de termos rebuscados, além de ainda serem

analisadas segundo antigos critérios de cânone. Seus livros também são muito consumidos no

Brasil e no mundo, mas apenas os que assumem ler suas obras são os que fazem parte das

camadas mais humildes da população, pois outros que fazem parte da academia, muitas vezes,

escondem o fato de apreciá-lo.

O Zahir é um livro sobre um autor famoso que parte à procura de sua mulher, Esther, uma

correspondente de guerra, que está desaparecida. Esther se torna um zahir, que segundo a tradição

islâmica é alguém que domina completamente o pensamento, e penetra no pensamento de seu

marido dia e noite e o faz partir em uma viagem em busca de sua amada e de si mesmo.

Os lugares mencionados no texto são por onde Paulo Coelho passou enquanto escrevia, no

ano de 2004, e até o nome de personagens são de pessoas reais, que ele conheceu nesse período.

O Manual do Guerreiro da Luz, assim como Maktub é uma junção de artigos publicados

em sua coluna Maktub no jornal Folha de São Paulo.

Ser como o rio que flui é composto de crônicas que também já foram publicadas em

muitos jornais, e forma reunidos a pedido de seus leitores.

O Monte Cinco é a história do profeta Elias, desenvolvido a partir de um pequeno trecho

da Bíblia Sagrada, que se encontra no livro de I Reis.

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A Bruxa de Portobello é sobre uma bruxa Athena e se constrói a partir de relatos de

pessoas que conviveram com ela reunidos por um autor que só mais tarde iremos descobrir quem

é. Esse é mais um traço em comum em seus livros, às vezes o narrador se confunde com o

próprio autor.

5. Considerações Finais:

Conforme vimos no presente texto, Paulo Coelho é um autor bem popular, mas que ainda

não é aceito no meio acadêmico por muitos considerarem seu trabalho sem qualidade.

Porém, em julho de 2002, foi eleito para a ABL, gerando uma contradição com o que

informa seus estatutos, nos quais constam que só fazem parte da Academia os autores que

tiverem seus livros considerados literários.

Os livros de Paulo Coelho ainda sofrem muito preconceito, pois há quem diz que nunca

leu e não gostou, enquanto outros dizem que já ouviram falar, mas não gostam, e há ainda

aqueles que têm vergonha de admitir que o lêem, pensando no que as pessoas vão comentar.

Muitos países de primeiro mundo adotam seus livros, principalmente O Alquimista, em

seus currículos de leitura.

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As obras de Paulo Coelho pertencem à época pós-moderna e, por isso, devem ser

observadas segundo outros critérios. É bom parar com a tentativa de comparar Paulo Coelho com

autores clássicos consagrados pelo cânone, para que se veja que suas obras são diferentes, de

acordo com a época e a sociedade às quais pertencem.

Sendo assim, vamos então ver as obras de Paulo Coelho com outros olhos e analisá-las

sem os preconceitos e senso comum que dizem que são ruins ou de má qualidade. Vamos olhá-las

com mais respeito e tentar interpretá-las segundo ocontexto do pós modernismo, pois Paulo

Coelho as criou seguindo uma fórmula que ele mesmo desenvolveu e que faz muito sucesso em

todo o mundo.

Isso não quer dizer que só devemos ler Paulo Coelho. Porém, por que não lê-lo?

6. Referências:

BLOOM, Harold. O Cânone Ocidental. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

COELHO, Paulo. O Diário de Um Mago, 26. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.

____________. O Alquimista. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

____________. Brida. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

_____________. As Valkírias. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

_____________. Maktub. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

_____________. Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei. Rio de Janiro: Rocco, 1994.

____________. O Monte Cinco. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora

____________. O Manual do Guerreiro da Luz. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold

Editora.

___________. Veronika Decide Morrer. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

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__________. O Demônio e a Srta Prym. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

__________. Onze Minutos. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

__________. O Zahir. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

___________. A Bruxa de Portobello. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006

__________. Ser como o rio que Flui. Coleção Paulo Coelho. São Paulo: Gold Editora.

FOUCAULT, Michel. (2000). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense

Universitária.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas. 4ª ed. São Paulo: EDUSP, 2003

KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: Novas teorias sobre o

mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

MAESTRI, Mário. Por Que Paulo Coelho Teve Sucesso. Porto Alegre: Editora AGE,1999.

MARMO, Hérica. A Canção Do Mago – A Trajetória musical de Paulo Coelho. São Paulo:

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