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Por que elas simplesmente não vão embora? Área: Serviço Social Categoria: PESQUISA Camila Mizuno [email protected] Jaqueline Aparecida Fraid [email protected] Latif Antonia Cassab [email protected] Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana RESUMO A violência à mulher está engendrada historicamente na realidade brasileira, e trás cruéis seqüelas sociais não só para as mulheres mas para toda a família que vivência tal situação. A violência contra a mulher não distingue classe social, gênero ou etnia e ocorre no âmbito doméstico, quase sempre de forma silenciada, distante dos olhares estranhos. Assim nossa proposta investigativa foi a de conhecer quais são os fatores e/ou aspectos que contribuem para a permanência da mulher em situação de violência doméstica, cometida pelo seu cônjuge e/ou parceiro. O objeto construído no processo investigativo revelou os motivos e/ou as causas que engendram a permanência da mulher no espaço doméstico, ou seja, a se manter em um contexto de violência praticada pelo seu companheiro. Em tal situação, o espaço doméstico enquanto um lugar seguro e de união, permeado por carinho e companheirismo, torna-se um espaço perverso, onde os direitos humanos da mulher são infringidos. A casa, o lar, que deveria ser de segurança passa a ser de insegurança, e o companheiro a quem se tem, ou teve, carinho e amor agora causa medo e pavor. Neste sentido, esta pesquisa buscou penetrar no universo de mulheres que vivenciam, ou já vivenciaram relacionamentos violentos. Quanto ao suporte metodológico, recorremos a História Oral e, desta, a técnica do relato de vida. O relato de vida propiciou apreender um “pedaço” da vida dos sujeitos da pesquisa, no qual ocorrem os fatos que temos interesse em conhecer. Quanto aos sujeitos e ambiência investigativa, esta foi realizada com três mulheres, indicadas pelo Instituto de Atenção a Mulher Apucaranense (IAMA) constando de um termo de consentimento e sigilo quanto as identidades. Mesmo perante toda dor e sofrimento vivenciados pelas mulheres, múltiplos e complexos são os motivos que as levam a permanecerem nessa relação. Palavras-chave: Violência à mulher. Espaço Doméstico. Relação Afetiva. INTRODUÇÃO Transigência “Sou mestra em me ressuscitar das mortes e suicídios, pago o preço de olhar atenta as cicatrizes, o sangue coagulado é sempre alerta em se desmanchar os suores secam e voltam a molhar os ossos fraturados se apóiam somente entre si, não me peço compaixão, nem mereço se renasço sempre é porque eu mesma, covardemente nunca morri.” Dora Vilela

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Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana.

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Por que elas simplesmente não vão embora?

Área: Serviço Social

Categoria: PESQUISA

Camila Mizuno – [email protected] Jaqueline Aparecida Fraid – [email protected]

Latif Antonia Cassab – [email protected] Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana

RESUMO

A violência à mulher está engendrada historicamente na realidade brasileira, e trás cruéis seqüelas sociais não só para as mulheres mas para toda a família que vivência tal situação. A violência contra a mulher não distingue classe social, gênero ou etnia e ocorre no âmbito doméstico, quase sempre de forma silenciada, distante dos olhares estranhos. Assim nossa proposta investigativa foi a de conhecer quais são os fatores e/ou aspectos que contribuem para a permanência da mulher em situação de violência doméstica, cometida pelo seu cônjuge e/ou parceiro. O objeto construído no processo investigativo revelou os motivos e/ou as causas que engendram a permanência da mulher no espaço doméstico, ou seja, a se manter em um contexto de violência praticada pelo seu companheiro. Em tal situação, o espaço doméstico enquanto um lugar seguro e de união, permeado por carinho e companheirismo, torna-se um espaço perverso, onde os direitos humanos da mulher são infringidos. A casa, o lar, que deveria ser de segurança passa a ser de insegurança, e o companheiro a quem se tem, ou teve, carinho e amor agora causa medo e pavor. Neste sentido, esta pesquisa buscou penetrar no universo de mulheres que vivenciam, ou já vivenciaram relacionamentos violentos. Quanto ao suporte metodológico, recorremos a História Oral e, desta, a técnica do relato de vida. O relato de vida propiciou apreender um “pedaço” da vida dos sujeitos da pesquisa, no qual ocorrem os fatos que temos interesse em conhecer. Quanto aos sujeitos e ambiência investigativa, esta foi realizada com três mulheres, indicadas pelo Instituto de Atenção a Mulher Apucaranense (IAMA) constando de um termo de consentimento e sigilo quanto as identidades. Mesmo perante toda dor e sofrimento vivenciados pelas mulheres, múltiplos e complexos são os motivos que as levam a permanecerem nessa relação.

Palavras-chave: Violência à mulher. Espaço Doméstico. Relação Afetiva.

INTRODUÇÃO Transigência

“Sou mestra em me ressuscitar das mortes e suicídios, pago o preço de olhar atenta as cicatrizes,

o sangue coagulado é sempre alerta em se desmanchar os suores secam e voltam a molhar

os ossos fraturados se apóiam somente entre si, não me peço compaixão, nem mereço

se renasço sempre é porque eu mesma, covardemente nunca morri.”

Dora Vilela

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A violência contra a mulher que permeia as relações familiares atinge de forma brutal a saúde física, psicológica e social das mulheres, impedindo muitas vezes o seu desenvolvimento e a construção da cidadania. O rompimento com o agressor se torna algo complexo e difícil devido ao vínculo afetivo existente entre eles.

A compreensão da violência - que está intrínseca nas relações vivenciadas pelas mulheres de forma tão dolorosa -, sua trajetória de retomada e reconstrução, não só de suas vidas, mas também de sua subjetividade, se faz de suma importância para a compreensão deste trabalho.

A violência contra a mulher, como uma grave expressão das relações sociais, causa danos muitas vezes irreparáveis, não só às mulheres que a vivenciam mas também, em seus filhos que estão inseridos nessa relação conflituosa. Mas é vista na sociedade, muitas vezes de forma naturalizada, presente em nosso cotidiano e reafirmada pelo conjunto de representações e papéis atribuídos para homens e mulheres.

Os papéis sociais desempenhados aos homens e às mulheres em nossa sociedade marcada pelo patriarcalismo são postos de forma diferenciada: ao homem é permitido o poder de decisão e, conseqüentemente, à mulher, quase sempre, o de ser subjulgada. Nesta relação, o homem faz uso de formas violentas para alcançar e satisfazer seus objetivos. Tal condição expressa as diferenças de gênero e justifica os motivos pelos quais as mulheres permanecem nesta trama de poder e horror.

Os motivos para a permanência nessa relação são inúmeros. Podemos citar a dependência emocional e econômica, a valorização da família, a preocupação com os filhos, a idealização do amor e do casamento, o desamparo diante da necessidade de enfrentar a vida sozinha, a ausência de apoio social, entre outros.

O interesse por estudar essa temática, surgiu a partir de nossa inserção no Projeto de Extensão Universitária “Identidade: Mulher. A intervenção comunitária para a violência contra a mulher no âmbito familiar”, do Programa Universidade sem Fronteiras – SETI/Pr1, no ano de 2008, na condição de bolsistas extensionistas.

No âmbito deste trabalho, procuramos desenvolver uma pesquisa de natureza compreensiva, em uma perspectiva materialista histórica, cuja proposta investigativa foi conhecer quais são os fatores e/ou aspectos que contribuem para a permanência da mulher em situação de violência doméstica, cometida pelo seu cônjuge e/ou parceiro. Desta forma, o objeto a ser construído no processo investigativo foi os motivos e/ou as causas que engendram a permanência da mulher, no espaço doméstico, ou seja, a se manter em um contexto de violência praticada pelo seu companheiro.

Neste sentido, esta pesquisa buscou penetrar no universo de mulheres que vivenciam, ou já vivenciaram relacionamentos violentos. Quanto ao suporte metodológico, recorremos a História Oral e, desta, a técnica do relato de vida.

O relato de vida propiciou apreender um “pedaço” da vida dos sujeitos da pesquisa, no qual ocorrem os fatos que temos interesse em conhecer.

Neste sentido, as entrevistas efetuadas foram temáticas, um assunto específico, ou seja, a permanência da mulher na condição de violência. Também, as entrevistas tiveram a

1 O Programa Universidade Sem Fronteiras, elaborado e desenvolvido pela Secretaria de Estado da Ciência,

Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, é hoje, em investimento financeiro e capital humano a maior ação de extensão universitária em curso no Brasil. Desde outubro de 2007, equipes multidisciplinares compostas por educadores, profissionais recém-formados e estudantes das universidades e faculdades públicas do Estado do Paraná, trabalham em centenas de projetos, presentes hoje, em mais de 200 municípios. O critério fundamental que orienta a proposição e seleção dos projetos, é o seu desenvolvimento nos municípios socialmente mais críticos, identificados a partir da mensuração do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Disponível em: http://www.seti.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=27. Acesso em: 27 maio 2009.

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formatação semi-estruturada, ou seja, houve a elaboração prévia de um roteiro de questões abertas e fechadas a serem realizadas.

A História Oral, enquanto método investigativo não prescinde de outros suportes, assim, também recorremos ao uso da documentação indireta, constituída pela pesquisa em arquivos públicos, no caso a Secretaria da Mulher e Assuntos da Família de Apucarana (SEMAF), e a pesquisa bibliográfica, com diversos tipos de materiais e a fontes estatísticas.

Desta forma, nosso fazer se constituiu: primeiramente em uma pesquisa com levantamento teórico, através de websites, como: Patrícia Galvão, da Fundação Perseu Abramo, entre outros. Também, foram utilizados diversos livros de autores como: Saffioti, Barlach, Velho, Bourdieu, entre outros.

Quanto a pesquisa empírica, esta foi realizada com três mulheres, indicadas pelo Instituto de Atenção à Mulher Apucaranense (IAMA) e ocorreram no início do mês de outubro, constando de um termo de consentimento. Às entrevistadas foram atribuídos pseudônimos para manter o sigilo de sua identidade, como sujeitos da pesquisa tivemos Flor (nome fictício), trinta e sete anos, separada, um filho, manteve durante doze anos uma relação de violência. Rosa (nome fictício), cinqüenta e seis anos, casada a trinta e cinco anos, três filhos e, atualmente, em processo de separação judicial, porém ainda convive com o agressor. A terceira e última entrevistada é Ana (nome fictício), quarenta anos, um filho e convive com seu agressor há mais de vinte anos.

Através dos relatos orais, conseguimos captar informações que, interpretados à luz do constructo teórico, preliminarmente estudado, nos possibilitou desvendar, mesmo que de forma reduzida, os fatores e/ou condições que motivam e/ou obrigam a permanência de mulheres, no caso, as mulheres partícipes da pesquisa, a permanecerem por um longo período, ou muitas vezes, sem dela sair, numa relação de violência.

A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1993, define a violência contra a mulher como:

Todo ato de violência baseado em gênero que tem como resultado possível ou real um ano físico, sexual ou psicológico, incluídas as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, seja a que aconteça na vida pública ou privada. Abrange sem caráter limitativo a violência física, sexual e psicológica na família incluídos os golpes, o abuso sexual às meninas a violação relacionada à herança, o estupro pelo marido a mutilação genital e outras práticas tradicionais que atendem contra a mulher a violência exercida por outras pessoas – que não o marido – e a violência relacionada com a exploração física, sexual e psicológica e ao trabalho em instituições educacionais e em outros âmbitos, o tráfico de mulheres e a prostituição forçada e a violência física sexual psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra. (OMS/OPS, 1998) 2.

A violência contra a mulher apresenta-se como uma grave expressão das relações sociais, com seqüelas, muitas vezes, irreparáveis, não atingindo somente as mulheres que a vivenciam, mas também, seus filhos, inscritos nessa relação conflituosa. Essa violência pode se expressar de diversas formas como podemos analisar no Art. 7º, da Lei nº11. 340 de 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha3 onde diz que a violência se constitui em: Violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

2 SILVA, Luciane Lemos da. CEVIC: a violência denunciada. 2005. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Florianópolis. 3 Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra

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I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A agressão tanto física como psicológica, sexual, patrimonial e moral contra a mulher é vista na sociedade, quase sempre, de forma naturalizada, presente no cotidiano e reafirmada pelo conjunto de representações e papéis atribuídos aos homens e mulheres. Tais papéis sociais, em nossa sociedade, são marcados pelo patriarcalismo, e postos de forma diferenciada: aos homens é permitido o poder de decisão e, conseqüentemente, à mulher, o de ser subjugada. Nesta relação, o homem faz uso de formas violentas para alcançar e satisfazer seus objetivos.

Tal condição expressa às diferenças de gênero e justifica, equivocadamente, os motivos pelos quais as mulheres permanecem nesta trama de poder e horror.

Quanto mais frágil, mais desprotegida e sem recursos é a mulher, mais dependente se apresenta do marido, principalmente enquanto seu protetor e, imprimindo à casa – um espaço compartilhado por ambos –, como um lugar seguro.

Quando essa ordem natural das coisas se rompe e o perigo passa a viver dentro de casa pelas mãos desse protetor, instala-se na mulher o pânico – como se o chão lhe fugisse debaixo dos pés e a vida perdesse seu rumo.

as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Secretaria especial de políticas para as mulheres. Presidência da República. Lei Maria da Penha. Lei nº. 11.340 de 7 de agosto de 2006. Coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, 2006.

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Por que elas não vão embora? A violência à mulher atinge, indistintamente, todas as classes sociais, etnias e

religiões e, a partir da década de 1970, no Brasil, ganha visibilidade com o trabalho do Movimento Feminista. Na década 1980, com engajamento e mobilização de um maior contingente de mulheres o Movimento demonstra à sociedade que a violência contra a mulher não é algo natural, mas sim, uma construção histórica que pode ser desconstruída.

A mulher que se encontra enlaçada numa relação de dominação vive em freqüente insegurança, sempre a espera que algo possa lhe acontecer, que a qualquer momento será agredida novamente, e mais uma vez.

Mesmo não conseguindo romper com essa relação, as mulheres não expressam prazer em vivenciar essa situação de violência, pelo contrário, os sentimentos que as acompanham são o medo e a impotência diante da situação.

No início de nossa pesquisa, o motivo pelos quais muitas mulheres vítimas de violência permaneciam nessa situação se mostrou um enigma para nós, pois seguindo um raciocínio lógico se as situações vivenciadas são de tal forma cruéis e desumanas causando tanto sofrimento, elas deveriam se separar e denunciar o agressor.

Mesmo desconhecendo tais motivos que levam a tal permanência, desde o início não aceitamos a idéia de que as mulheres gostam de apanhar, mas, são levadas a se manter na relação por motivos afetivos-emocionais, seus planos e projetos afetivos em relação ao casamento e ao companheiro.

Você se sente quando é agredida, a pior coisa do mundo sabe? Eles fazem de tudo pra derrubar mesmo, pra você se sentir um lixo mesmo. (Ana)

Só que você acha que é a ultima bolacha do pacote e que você muda a pessoa depois do casamento, ninguém muda, isso eu aprendi e falo pra quem quiser ouvir e isso é certeza, ninguém muda ninguém, as pessoas mudam por si só ou quando querem, né? por elas mesmas não por ninguém, então eu falava depois que ele casar ele muda....ilusão.(Flor) Enquanto que as pessoas casam e vivem “um mar de rosas”, eu casei e vivi um inferno, literalmente um inferno mesmo.(Ana) “[...] você tenta tenta tenta tenta dar certo um casamento, você faz de tudo, porque eu fiz, fiz de tudo pra dar certo recorri ao chirstimam eu né? Porque ele não ia, então eu fiz tudo que eu devia fazer pra manter o casamento, então quando eu vi que fiz de tudo pra salvar porque a gente casa pra ser feliz e não por bonito [...]” (Flor) Quando você gosta de uma pessoa você quer evitar de ver os defeitos dela.(Ana)

Na primeira fala podemos evidenciar que as mulheres não apanham porque

gostam, mas sim, sofrem por esta situação, sentem envergonhadas e humilhadas. Em suas

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falas, Flor relata primeiramente a esperança de mudanças das atitudes de seu companheiro após o casamento, pois é difícil para uma mulher admitir que as suas expectativas de um casamento feliz foram frustradas. Porém Flor relata que com o passar do tempo percebeu que,

[...] ninguém muda ninguém, as pessoas mudam por si só ou quando querem.

No entanto, as mulheres fazem de tudo para manter seu casamento sempre na perspectivas de mudança.

Também foram apontados como fatores pelas mulheres: ciúmes, a recusa em manterem relações sexuais com os maridos/companheiros, etc.

O ciúme é um dos motivos relatados por nossas entrevistadas como capaz de desencadear a violência. As cenas de ciúmes aparecem como o cenário preferido das violências, praticadas contra as mulheres, pois muitas vezes se apropriam disso como pretexto para que isso ocorra.

[...] já trabalhei muito é ele falava muita coisa, falava que eu fazia coisa que eu não fazia né? que eu andava atrás de outra pessoa sendo que eu nunca fiz isso, então eu acho que a coisa já esta assim na minha vida [...]” (Rosa)

E, consequentemente, expressa essa violência sofrida – entre outras formas –

através do isolamento, pois, não são raros os casos onde são proibidas de fazer amizades, de frequentar a casa dos familiares, ficando confinadas ao lar, sentindo-se sozinhas e tristes, e não raras vezes, sendo consideradas como objeto sexual, à mercê da satisfação do homem.

Sobre tal condição, nossos sujeitos da pesquisa relatam,

[...] ele fazia muita chantagem, e eu me afastei do meu irmão, dos meus pais. Você se afasta de tudo sabe? Por que toda vez que se encontrava em reunião de família, ele aprontava alguma. Arrumava encrenca com um, queria brigar com outro. Então o que você faz? Você se afasta daí eu me afastei tanto da minha família quanto da dele. [...] Eu fiquei quatro anos... Eu larguei a faculdade, ai eu fiquei quatro anos em casa só cuidando da casa e da minha filha, ai passaram quatro anos ai eu consegui arrumar um trabalho, depois de dez anos que eu consegui voltar para um banco de sala de aula, fazer uma faculdade, ai depois passaram mais tempo... Então foram coisas que foram acontecendo bem devagar.(Ana)

Quando eu casei com ele, ele me fechava dentro de casa, não deixava eu sair, ia sair para trabalhar e deixava eu fechada, não podia pedir socorro pra ninguém, eu cheguei até a passar fome por causa disso, porque ele saia pra trabalhar e não vinha almoçar porque era longe do serviço dele né? Ai já aconteceu de eu ficar em casa o dia inteiro, acabou o gás da minha casa e eu não podia sair porque eu estava trancada lá dentro né? daí quando ele chegou eu tava ruim com dor de cabeça, tive que ir até para o médico. (Rosa)

Nas narrativas supracitadas, se evidencia, através das palavras de Rosa, o quanto o seu companheiro a privava do espaço público mantendo-a em cárcere privado para que não tivesse nenhum contato com outras pessoas e estabelecesse uma rede social a qual poderia ajudá-la a superar a condição de violência. No caso de Ana, o agressor a obrigou a abandonar

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seus estudos, a faculdade, e vivesse em função da casa, dos filhos e do marido, impedindo-a até mesmo de se relacionar com sua família.

Mas, por que diante de tamanho desrespeito e sofrimento as mulheres simplesmente não vão embora? Em resposta a esta questão, a pesquisa constatou que muitos são os motivos que conduzem as mulheres a permanecerem na relação, na condição de violência, o medo de perder a guarda dos filhos, o constrangimento perante os amigos e família, a culpa por não conseguir manter sua relação, a falta de capacitação profissional para sobreviver sozinha, a dependência emocional/afetiva que tem de seu companheiro, as ameaças que sofrem quando dizem que vão embora, mas como principal argumento posto nas entrevistas realizadas, estava à falta de recursos financeiros para deixar o companheiro, porém a essa questão está atrelada a subsistência dos filhos e não de si mesmas.

As mulheres muitas vezes se submetem a uma relação de violência por não terem condições de manter um nível adequado de vida ou até mesmo de subsistência para os mesmos. Como podemos observar nos relatos de nossas entrevistadas.

É, para mim o que foi mais difícil é que para você sair também não é fácil, né? Ainda mais com filho, mas para mim, era setor financeiro, não sai porque não tinha como me manter, depois que eu consegui tudo o que eu achava necessário para sair de casa, ai eu...um abraço pro gaiteiro. [...] Então você fala assim: epa isso não da mais para mim, então você vai buscar meios de sobrevivência, eu até sai de casa, a primeira vez eu sai de casa, porque você não agüenta esse tipo de coisa né?Ai sai com uma mão na frente e outra atrás, tinha um emprego que ganhava um salário mínimo, ou dava para eu pagar o aluguel ou para comer, e eu e meu filho, ai o que eu fiz, tive que voltar porque você passar necessidade é uma coisa, seu filho é outra. Então, eu peguei e falei para ele que estava voltando porque não tinha onde cair morta, mas que eu não gostava mais dele, e eu precisava voltar, então foi isso que aconteceu, mas que eu não gostava mais dele, e eu precisava voltar, então foi isso que aconteceu. (Flor).

[...] o que impedia é que às vezes quando eu tinha meus filhos pequenos eu não tinha apoio de ninguém, então eu ficava com medo de me separar dele, porque eu não podia trabalhar né? Mais ele trabalhava e pelo menos a comida para eles ele dava né? Então eu tinha medo de separar e sair com eles pra qualquer lugar né? Por causa das crianças e não por causa de mim né? (Rosa).

No relato de Flor, ela expõe o motivo pelo qual acabou voltando com o seu companheiro mesmo sofrendo inúmeras e diversificadas situações de violência, ou seja, a questão de dependência financeira atinge não somente a ela, mas, a partir do momento que constata o sofrimento de seu filho, pelas necessidades sentidas, abnega se de sua independência em favor do filho. Para Rosa, os filhos também foram fatores fundamentais, desde o princípio, para que esta continuasse a se submeter a uma relação violenta.

Os sentimentos envolvidos neste processo, para os que se sentem agredidos, oscilam entre o medo em relação ao agressor e a vergonha, principalmente quando os episódios acontecem em público. Também, muitas vítimas explicitam um sofrimento imediato à agressão, relatando, inclusive, choro e angústia, principalmente quando os filhos estão envolvidos nas ocorrências violentas.

As vítimas de violência conjugal, em geral, convivem com o isolamento social e o silêncio, imposto por mecanismos psicológicos de defesa diante da violência, contra sentimentos de fragilidade e impotência diante do abuso de força física e psicológica pelo

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parceiro masculino. Na maioria das vezes, sem protestos, sendo agredida, só lhe resta resignar-se frente à própria situação. Para as mulheres, o pior da violência não é somente a violência em si, mas a tortura mental e a convivência com o medo e o terror, onde através de palavras e atos aniquilam-se a auto-estima da vítima, deixando cicatrizes na alma, difíceis de serem apagadas.

Percorrendo a literatura sobre a violência contra a mulher, encontra-se quase que unanimemente, o registro de que a mulher se silencia por um longo período até se sentir a vontade para falar sobre a violência – o que se pode supor pela responsabilidade de preservação da família, socialmente a ela atribuída; pela dependência social e financeira e, por tratar-se de uma relação afetiva com as implicações que lhe são peculiares.

Outra explicação para a sustentação de relações afetivo-conjugais violentas por parte da mulher é a Teoria do Ciclo da Violência o qual é representado visualmente pelo gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Ciclo de Violência. Fonte: BRASIL. Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher – Plano Nacional/ Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília, 2003. p.58.

Nesse ciclo de violência, são constatadas quatro fases4: a acumulação de tensão;

explosão violenta; lua-de-mel; e escalada e reinício do ciclo. • Fase de “acumulação de tensão”

A irritabilidade do homem vai aumentando sem razão compreensível e aparente para com a mulher. Intensificam-se as discussões por questões irrelevantes e as agressões verbais.

4 Disponível em: http://manualmediavd.blogspot.com/2005/03/fases-do-ciclo-de-violncia-domstica.html. Acesso

em: 20 de maio de 2009.

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• Fase de “explosão violenta” O homem descontrola-se e concretiza os actos violentos. Insulta e bate na companheira, atira e parte objectos, embebeda-se, permanece calado vários dias, agride emocionalmente. O homem trata de demonstrar a sua total superioridade em relação à mulher.

• Fase da “lua-de-mel” Na verdade não é correcto chamar a este período de “lua-de-mel”, já que este bom momento pode não ser tão idílico: “ele” decide quando começa e quando é que termina. Pode ser o tempo mais difícil para a mulher, que se sente confusa e desorientada. Seria mais adequado chamar-lhe período de “manipulação afectiva” porque o agressor se sente contrariado depois de cometer o abuso. Neste momento de “desdobramento emocional”, sente remorsos pelas suas atitudes. Pede perdão, chora, promete mudar, ser amável, bom marido e bom pai. Esta atitude costuma ser convincente porque o agressor se sente culpado. E a vítima tende a acreditar numa mudança.

• Fase de “escalada e reinício do ciclo” Uma vez perdoado pela companheira, começa de novo a fase da irritabilidade, a tensão aumenta e termina a fase relativamente agradável. Quando ela tenta exercer a autonomia recém-conquistada, ele sente de novo a perda de controlo sobre ela. Tem início uma nova discórdia e com ela o reiniciar do ciclo da violência.

As narrativas a seguir revelam não apenas a existência do ciclo da violência na

vida destas mulheres, mas o reconhecimento deste pelas mesmas. E ainda, que tais fases do ciclo de violência podem ocorrer da forma como foram descritas pelos autores, como podem sofrer alterações, ou, até mesmo, se manter em apenas uma das fases, e esta ser a própria violência em si, como ilustra os depoimentos a seguir.

Ah sim. Nossa os teóricos estão corretíssimos. É mais uma situação de lua de mel mesmo. Pode-se considerar como isso mesmo. Por que era assim, batia, agredia, e depois queria, por exemplo, comprar remédio, para passar nos hematomas, sabe? Ficava com aquele carinho depois: “eu vou te levar pra almoçar fora, para você não ter que fazer nada”, “não precisa se preocupar com coisas da casa” sabe? É bem isso mesmo. Só que isso daí não dura muito sabe? Ele dura lá, por exemplo, uma semana, cinco dias, no caso do meu marido. Quando ele voltava a beber, ai ele voltava... Porque quando ele ficava sem beber ele ficava digamos assim... nessa situação de arrependimento sabe? Juramentos: “olha, nunca mais vou por a mão em você”, “olha, eu te prometo”. Então essas promessas que “eu nunca mais vou por a mão em você” isso ai são coisas que você ouve sabe? (Ana).

É não...ele assim ameaçou...porque são fases, essa pessoa com esse nível de problema são fases, primeiro ele fica desesperado e chora, e fala que não vai fazer isso e mais aquilo e fica bonzinho, ai depois que ele vê que por esse lado não conseguiu ai ele começa com ameaça, se você não voltar você não vai ter nada, que eu não vou te dar nada, piriri pororó...ai...acho que é isso mesmo. (Flor).

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Desta forma, percebemos que a realização do ciclo é apenas um padrão geral que, em cada caso, vai se manifestar de modo diferenciado, onde os próximos incidentes poderão ser ainda mais violentos e se repetir com maior freqüência e intensidade, podendo terminar muitas vezes, em assassinato.

Assim, as mulheres sentem-se presas nessa relação de fases, pois, logo depois da agressão e das brigas o companheiro se mostra amoroso, arrependido, com juras de que nunca mais irá agredi-la, desculpando-se, com o intuito da mulher se sentir fortalecida para manutenção da relação. Nesta ciranda, a mulher, busca salvar a relação e se submete, acreditando no arrependimento do companheiro e desistindo de deixá-lo. Em pouco tempo, a relação volta a ficar tensa até o momento em que as agressões se reiniciam.

As ameaças se apresentam de formas variadas podendo ser contra si próprio – muitos homens colocam à companheira que se os deixar irão cometer suicídio ou agressões contra seus filhos. Neste período, em que sente que poderá perdê-la, o risco à integridade desta mulher assume proporções assustadoras. Ao sentir que a está perdendo, por deixá-lo, torna-se ainda mais agressivo, mais violento. Trata-se de um período muito critico de toda a caminhada para a separação e, nessa fase, muitas mulheres são assassinadas.

As formas de enfrentamento/reação à violência variam muito de acordo com a subjetividade e a história de vida de cada mulher.

Enquanto mulheres e acadêmicas, passamos a ser conhecedoras do difícil processo de sofrimento, angústia e questionamentos, pelos quais passam as mulheres vítimas de violência.

Muitas mulheres vítimas de violência quando questionadas sobre como são atingidas por cada tipo de violência enfocam que apesar da violência física ser predominante, a violência psicológica esta sempre presente, podendo ser em alguns casos um fator que acarrete uma atitude violenta, podendo machucar muito mais do que uma agressão física, pois, as atingem moralmente, ferindo a imagem que têm de si próprias.

A violência psicológica é extremamente destrutiva, embora não cause lesões nem escoriações físicas, destrói a auto-estima da mulher, e por ser invisível é de difícil combate, muitas vezes ela nem se dão conta que sofrem esse tipo de violência.

Uma mulher com sua auto-estima abalada terá muito mais dificuldades de se desvincular de uma relação violenta, ou até mesmo de criar limites em uma relação, quem não confia em si não tem coragem de reagir a uma agressão mesmo verbal, porque acredita que se ouviu algo de seu companheiro é por merecimento, se ele a trata mal, a chama de burra deve ser porque ela realmente é. Assim a mulher acaba fechando os olhos para as agressões e desrespeito de seu companheiro e se deixa humilhar, por medo de reagir ou por medo de perder o companheiro e ficar sozinha.

Além da física, a psicológica, porque a dor passa, o machucado passa, mas o que ele fez, o que a pessoa faz, as palavras que são ditas, o que você vê aquela coisa acontecendo, você não esquece nunca mais na vida. Então eu acho que ela é muito maior que a dor física. (Flor) “[...] igual quando ele passou a mão até na minha empregada de casa, ele falou assim:“foi só uma passadinha de mão”, como se uma passadinha não fosse nada, né? cara de pau, Deus me livre...(risos)”. (Flor) Psicológica não sei muito bem explicar não. É aquela que a gente fica magoado para a vida inteira? A então eu já to com isso já faz é tempo né, violência psicológica eu acho que já estou carregando ela há muitos anos. (Rosa)

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Em muitos casos, como podemos observar nas falas de Flor e Rosa a violência psicológica e moral ferem muito mais que a violência física, deixando profundas marcas e ressentimentos e, muitas vezes, inesquecíveis e irreparáveis. Muitas mulheres que sofrem violência acabam desenvolvendo depressão, essas mulheres passam a ter sentimentos inapropriados de desesperança, desprezando-se com pessoa, se inferiorizando e tendo sua auto-estima dilacerada por seus companheiros, muitas vezes essas mulheres se culpam por sua doença e até mesmo pelo problema dos outros, sentindo-se um peso para a família, que já se encontra adoecida pela violência vivenciada.

Conclusão Expor a violência sofrida, não é algo fácil de se fazer, principalmente pelos

conflitos que acompanham tal situação. Se de um lado existe uma exposição e a denúncia, e com isso pode ocorrer uma compaixão e solidariedade por parte de algumas pessoas, por outro lado, pode ocorrer um desmonte de uma imagem idealizada, construída sobre si mesma ou também sobre a própria relação, perante a família, a sociedade.

O processo de separação, para a mulher, é permeado por inúmeros questionamentos e dúvidas, como: será que devo deixá-lo agora? Para onde vou com as crianças? E se ele vier atrás de nós? Como vou sustentar meus filhos sem ele? E se ele conseguir a guarda das crianças? O que a família e amigos vão dizer? Como vou provar a violência?

As pessoas postadas fora de uma relação de violência doméstica, muitas vezes não conseguem conceber tais questões, acreditando serem estes subterfúgios para a mulher não se separar do companheiro, porém, para quem tem em seu cotidiano uma relação violenta essas perguntas se revestem de fundamental importância.

Na investigação realizada, constatamos que as mulheres vítimas de violências demoraram meses e até anos para romper com essa relação, demonstrando que o caminho para o desenlace é complexo e cheio de idas e vindas, dúvidas e medos e, muito dependente do grau de envolvimento emocional, dos riscos a serem enfrentados e, sobretudo, do apoio recebido dos familiares, amigos e profissionais, com quem mantém contato.

A superação da situação de violência requer, necessariamente, uma rede de apoio e proteção, traduzida em serviços, que a auxiliem nesse processo. Neste sentido, a Lei Maria da Penha traz medidas protetivas muito importantes para a segurança da mulher. Através de um requerimento jurídico, o Juiz poderá pedir medidas protetivas de urgência como: encaminhar a vitima e seus dependentes a Programas oficiais e comunitários de proteção e/ou de atendimento; determinar a recondução da mulher e de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor, determinar separação de corpos. Mas, outras medidas são necessárias, como as Casas Abrigos, cujos espaços oferecem proteção e moradia provisória, dentro de um clima residencial e com atendimento técnico para pequenos grupos de mulheres e seus filhos, sem apartá-los da comunidade e utilizando recursos sociais básicos, como escolas, centros médicos, áreas de lazer entre outros. Esses serviços à mulher, vítima de violência doméstica, deve ser feito de forma articulada entre os profissionais das mais diversas áreas, além de proteger é preciso auxiliá-la concedendo-lhe alternativas de enfrentamento a violência e de fortalecimento, não só no que tange ao financeiro com alternativas socioeconômicas, mas, também, sua condição emocional, para que se fortaleça e tenha uma melhor auto-estima, que a faça compreender como se estabelece em seu cotidiano a violência e possa, a partir daí, realizar a travessia para a superação dessa condição.

A discussão pública da violência contra a mulher não é uma ação de amparo a mulher apenas, mas, a oportunidade de homens e mulheres criarem um novo pacto

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absolutamente essencial para a sobrevivência da própria espécie. Bem como, a discussão sobre a crise de valores que vem sendo vivida e, que tem demonstrado cada vez mais que os valores considerados femininos são essenciais ã sobrevivência de todos, sendo alguns deles: o cuidado, a atenção, o abrir-se à compaixão, a intuição e a sensibilidade.

Conhecer, para enfrentar a violência cometida à mulher, pelo seu companheiro, no âmbito doméstico, pressupõe, ainda, um longo caminho a ser construído, com a necessidade de novos conhecimentos, com dados mais contundentes sobre este problema social que assola, indiscriminadamente a mulher, na perspectiva da construção de políticas públicas que não apenas coíbam ou punam o agressor, mas também o inclua em procedimentos que possibilite a superação das diferenças postas, historicamente, nas relações entre homens e mulheres, buscando, desta forma, a igualdade na diferença entre os gêneros.

A luta contra o fenômeno da violência contra a mulher não é apenas um trabalho combativo e de prevenção exclusivo do Estado, também existe a necessidade da sociedade tomar conhecimento e auxiliar a respeito do mesmo, pois a partir do momento que a sociedade silencia a sua dor, automaticamente ela se torna cúmplice dessas vivências e contribui para que sua incessante forma impunitiva seja dominante. Permitir a continuidade da situação de violência é compactuar com o agressor, permitindo que ele avance de forma cada vez mais grave.

Investigar e propiciar discussões acerca da violência doméstica, além de ser um exercício de estudos e conhecimentos que contribuem para nossa formação, gera uma condição – através dos conhecimentos obtidos – a imprescindível para superarmos a ordem estabelecida na relação de gênero, neste quadro histórico em que vivemos. Não há mais como permanecer somente na condição da indignação, quando nos é noticiado as agressões e mortes violentas a que milhares de mulheres são submetidas.

O investimento em pesquisa, com esta temática, se faz urgente, não apenas para desvelar um retrato borrado pelo sangue feminino, e com nefastas seqüelas para filhos e demais parentes, como também, para toda sociedade. O conhecimento adquirido, pela via da pesquisa, tem o grande compromisso de subsidiar políticas de enfrentamento a tal condição, seja na área social, da saúde, mas principalmente, na área da educação fundamental, média e do terceiro grau – urge iniciativas de natureza que elevem a sociedade a um outro patamar de civilidade, através da educação formal, onde a relação de gênero seja pautada na liberdade, igualdade e respeito.

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