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Caminhamos na estrada de Jesus O Evangelho de Marcos

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  • Caminhamosna

    estrada de Jesus

    O Evangelho de Marcos

  • ApresentaoO Secretariado Geral da CNBB, cumprindo o mandato recebido da As-

    sembleia Geral do Episcopado, continua a publicar subsdios para a realiza-o do Projeto de Evangelizao Rumo ao Novo Milnio.

    Conforme a indicao da carta do Santo Padre Joo Paulo II, O Advento do Terceiro Milnio, o tema central da preparao do Grande Jubileu em 1997 ser Jesus Cristo e a f.

    Os Bispos brasileiros determinaram que este tema seja assumido, refleti-do e vivenciado principalmente a partir do evangelho de Marcos. Pois este evangelho ser lido aos domingos durante o prximo ano litrgico, que vai de dezembro de 1996 a novembro de 1997.

    Como est previsto no Projeto (n 191/6), este subsdio, Caminhamos na Estrada de Jesus, uma introduo leitura do evangelho de Marcos, que destaca a figura de Jesus e os passos que todo discpulo de ontem ou de hoje deve dar para seguir o caminho de Jesus, ou seja, para viver sua f.

    Para qu?O objetivo deste subsdio no apenas informar sobre Marcos ou ajudar a

    compreender melhor a sua mensagem. O objetivo levar os leitores e suas comunidades a aprofundar a f em Jesus, a renovar a adeso pessoal a Ele, a firmar o compromisso de segui-lo nos caminhos da vida. Marcos nos convi-da a refazer hoje os passos que Jesus fez na busca da vontade do Pai, des-de a Galileia at Jerusalm, lugar da cruz e ressurreio. Assim nos conduz ao seu Reino de amor e fraternidade, de justia e paz, onde todos os seres humanos so acolhidos como filhos de Deus e podem encontrar sua felicida-de.

    O subsdio ajudar assim a rezar, a fortalecer a f, a renovar a confiana em Deus nosso Pai, a ver com o olhar de Jesus os fatos da vida de hoje, a celebrar e louvar a presena do Senhor em nossa existncia.

    Para quem?O subsdio se destina particularmente aos animadores dos crculos bbli-

    cos e dos grupos de reflexo. Tambm ser de grande utilidade para os pa-dres e agentes de pastoral, que devero comentar nos cultos dominicais este evangelho, aqui apresentado numa viso de conjunto. Mais ainda: o subsdio deseja suscitar, atravs dos agentes de pastoral, muitas iniciativas nas comu-nidades, nos grupos e movimentos, para fazer conhecer e acolher o evange-lho na vida das pessoas.

    2 Caminhamos na estrada de Jesus

  • Como us-lo?O subsdio Caminhamos na Estrada de Jesus pode ser lido e estudado

    individualmente. Melhor ainda, porm, ser estud-lo em pequenos grupos. Todos leem um captulo antecipadamente e depois se encontram para refletir juntos sobre as perguntas colocadas no final de cada captulo. O grupo pode seguir tambm outro roteiro de estudo, conforme achar melhor.

    Se surgir alguma dificuldade, o grupo pode pedir ajuda a um sacerdote, ao responsvel pela formao bblica da parquia ou da rea ou, se possvel, da diocese. Ou pode pedir a assessoria de algum centro especializado (Centro Bblico, Servio de Animao Bblica, Centro Catequtico...).

    Quando us-lo?O subsdio foi pensado para acompanhar as atividades bblicas, litrgicas

    e catequticas ao longo do ano de 1997. H, porm, um primeiro momento propcio para o estudo do subsdio. So os meses de janeiro e fevereiro. o tempo em que a liturgia, terminadas as festas do Natal, faz ler aos domingos trechos de Marcos (exatamente entre 12 de janeiro e 9 de fevereiro). Assim, desde o incio do ano, o leitor ter uma viso de conjunto do evangelho de Marcos.

    Outra oportunidade oferecida pelos meses de junho e julho. quando, terminadas as festas pascais, a liturgia retorna aos Domingos do Tempo Co-mum e volta a ler Marcos at final de novembro.

    Outros subsdiosOportunamente, ser publicado um subsdio popular, mais breve, apre-

    sentando alguns aspectos deste livro Caminhamos na Estrada de Jesus em forma de encontros ou crculos bblicos. Alm disso, como previsto no Proje-to, haver roteiros de homilias dominicais no Advento, Natal, Quaresma e Tempo pascal. Haver roteiros para grupos de reflexo sobre os evangelhos dominicais, principalmente para o perodo desde a Festa da Assuno (17/8/97) Festa de Cristo Rei (23/11/97).

    AgradecimentoTodas essas publicaes so fruto do trabalho de uma equipe de assessoria, que se tem dedicado com empenho a este trabalho, apesar das muitas obri-gaes que cada um j tem. Aqui lhe expressamos o nosso mais vivo agra-decimento.

    Raymundo Damasceno AssisSecretrio Geral da CNBB

    Caminhamos na estrada de Jesus 3

  • IntroduoEste livro uma chave de leitura para o evangelho de Marcos. O ttulo

    vem da liturgia da Missa, orao eucarstica V onde, depois da Consagrao, ns nos comprometemos, cada vez de novo, com a Boa Nova de Jesus repe-tindo as palavras: Caminhamos na Estrada de Jesus! O evangelho de Mar-cos nos oferece o mapa e o roteiro desta Estrada.

    O livro tem nove captulos. O captulo 1 de introduo. Explica como o evangelho de Marcos nos entrega o mapa do tesouro e como dele descreve o caminho. Nos captulos 2 a 7 percorremos as vrias etapas deste caminho, desde o lago na Galileia at o Calvrio em Jerusalm.

    O captulo 8 fala da importncia da f para quem assume caminhar na Es-trada de Jesus. F que nasce da certeza de que Jesus ressuscitado vai na nossa frente, usando o seu poder em nosso favor! O evangelho de Marcos insiste em dizer que Jesus usa este poder para expulsar o demnio. Hoje muita gente abusa do medo do povo neste ponto. O captulo 8 mostra como a f em Jesus faz acontecer a ressurreio e como ajuda a vencer o medo do demnio.

    O captulo 9 alarga a viso e fala da terra e do povo por onde passa a Es-trada de Jesus. Ele feito de tijolos tirados no s de Marcos, mas tambm dos outros evangelhos. Este captulo como a parede da sala, onde voc pendura quadros e pinturas que recebe dos amigos. Os oito captulos so oito pequenos quadros a serem pendurados na parede, descrita no captulo 9. Voc pode ler este captulo antes ou depois dos outros captulos. Tanto faz. Ele ajuda a entender a situao do povo no tempo de Jesus e esclarece a misso dos que. hoje anunciam a Boa Nova de Deus aos pobres.

    Um mapa no descreve tudo que pode ser visto. Apenas indica o cami-nho. H muitas outras coisas no evangelho de Marcos que mereceriam ser estudadas. Por exemplo, a preparao do anncio da Boa Nova (1,1-13), o objetivo da Boa Nova do Reino (1,14-45), os conflitos que o anncio provoca entre Jesus e os irmos judeus (2,1 a 3,6), a nova famlia de Jesus (3,7-35), as parbolas do Reino (4,1-34), e, assim por diante. E ainda, os milagres, o ensinamento etc. Tudo isto, porm, ser estudado e meditado em outro lugar: nos subsdios para as homilias e nos roteiros para os Crculos Bblicos. Este livrinho mostra apenas o mapa e o traado da Estrada de Jesus e procura responder a duas perguntas: Quem Jesus para mim, para ns? Como ser discpulo ou discpula de Jesus?

    O evangelho de Marcos o evangelho mais citado neste livro. Por isso, cada vez que voc encontrar dois ou mais nmeros entre parntesis sem ne-nhuma outra indicao, por exemplo, (1,1-13), trata-se de uma citao do evangelho de Marcos, a saber, captulo 1, versculos de 1 at 13.

    Pelo resto, boa viagem, na Estrada de Jesus!

    4 Caminhamos na estrada de Jesus

  • Sete sugestes para um bom uso deste livroSo sugestes para os que querem ler e estudar este livro em grupo. Elas

    valem sobretudo para coordenadores ou dirigentes de Crculos Bblicos. So sugestes apenas, e no uma camisa de fora. Cada grupo as utilize confor-me for melhor e mais vivel:

    1. Este livro foi feito para ajudar as pessoas que querem fazer um estudo mais aprofundado do evangelho de Marcos, que o assunto principal duran-te o ano de 1997. Para os iniciantes, talvez seja melhor comear com os Cr-culos Bblicos em torno do mesmo evangelho de Marcos.

    2. Este livrinho pretende ser uma ajuda sobretudo para os dirigentes dos Crculos Bblicos. Proporciona a eles a possibilidade de se prepararem me-lhor para coordenar as reunies em torno do evangelho de Marcos. Eles po-dem, por exemplo, marcar uma reunio de aprofundamento, uma vez por ms ou uma vez cada duas semanas, de acordo com as necessidades dos grupos e dos Crculos Bblicos que coordenam. Um captulo por reunio.

    3. Preparao da reunio. Os captulos deste livrinho, quase todos, tm muito assunto. Por isso bom que cada participante o tenha lido antes da reunio para, durante a reunio, poder aprofund-lo. Faz parte da preparao da reunio escolher juntos um texto bblico que possa servir como entrada para o estudo do captulo em questo. Faz parte igualmente preparar bem o local da reunio e colocar a Bblia num lugar de destaque.

    4. No comeo da reunio, bom invocar a luz do Esprito Santo, para que ele esteja presente nas reflexes e ajude os participantes a descobrir o senti-do que o evangelho de Marcos tem para as nossas vidas. Pois o Esprito de Jesus que atualiza para ns as palavras de Jesus. Tambm bom esco-lher algum canto para criar um ambiente de escuta, de acolhimento e de ora-o.

    5. No fim de cada captulo, voc encontra algumas perguntas para orien-tar a reflexo de aprofundamento. Elas tm uma trplice finalidade: a) Ajudam a recolher e a sintetizar o assunto do captulo, b) Levam a aprofundar o as-sunto e a lig-lo com outros aspectos da vida de Jesus, c) Sobretudo, procu-ram atualizar o assunto do captulo para a nossa vida hoje, aqui no Brasil, no lugar onde moramos. O coordenador da reunio deve ter bem presente estas trs finalidades durante as reflexes do grupo.

    6. evidente que durante a reunio valem as normas que orientam qual-quer reunio de grupo. Lembramos s algumas: a) Acolher bem as pessoas no incio da reunio, b) Todos terem a possibilidade de participar e de dar a sua opinio, c) Evitar que uma pessoa monopolize a palavra, d) Esforar-se para no sair do assunto sem motivo, e) Manter sempre a ligao entre Bblia e vida. f) Fazer com que todos se sintam bem vontade para falar ou calar.

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  • 7. Na parte final da reunio, terminar sempre com uma prece que trans-forme o texto estudado em orao e que leve o grupo a um compromisso concreto de ao na comunidade. Rezar juntos um salmo que expresse o que se discutiu, ou fazer algum gesto simblico que concretize o compromis-so assumido. O grupo ter a criatividade suficiente para fazer uma orao bem caprichada. Ter sempre presente que o estudo do evangelho de Marcos deve levar a descobrir quem Jesus e a fazer com que sejamos melhores discpulos e discpulas de Jesus.

    6 Caminhamos na estrada de Jesus

  • CAPTULO 1Um roteiro de viagem Caminhamos na estrada de

    JesusTemos quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e Joo. Havia bem

    mais. Pois muita gente tentou reunir tudo o que se contava nas comunidades sobre Jesus (cf. Lc 1,1-3). Mas de todos eles s quatro foram conservados no Novo Testamento. Um destes quatro Marcos. E dele que vamos falar neste livrinho.

    Um evangelho como a pintura que algum faz de seu amigo. O evange-lista pinta ou expressa a experincia libertadora que ele teve do amigo Jesus. Mas ele pinta pensando nas comunidades e seus problemas. Escreve para ajud-las e dar-lhes uma Boa Notcia. Qual era a Boa Notcia? Quais eram estes problemas?

    As comunidades e os seus problemasJesus morreu em torno do ano 33. Marcos escreve em torno do ano 70.

    As comunidades j viviam espalhadas pelo imprio romano. Alguns acham que ele escreveu para as comunidades da Itlia. Outros dizem que foi para as da Sria. Difcil saber o certo. De qualquer maneira, uma coisa certa: no faltavam problemas!

    1. Perseguio dos cristos por parte do Imprio RomanoA ameaa de perseguio era constante. Havia o medo. Seis anos antes,

    em 64, no tempo de Nero, os cristos j tinham tido a primeira grande perse-guio. Foi uma tempestade na vida das comunidades! (4,36) Muitos discpu-los e discpulas tinham morrido. Alguns tinham negado a f (14,71), tinham trado (14,10.45) ou fugido (14,50), e se dispersaram (14,27). Outros tinham cado do primeiro fervor (Ap 2,4). A rotina estava tomando conta da vida de-les. Eles achavam que a perseguio era culpa de alguns mais afoitos e apressados. A cruz no deveria fazer parte da vida crist. A cruz uma lou-cura!, assim diziam (1Cor 1,18.23).

    2. Rebelio dos judeus da Palestina contra a invaso romanaNaqueles mesmos anos, entre 67 e 70, os judeus da Palestina tinham se

    rebelado contra a invaso romana. Roma mandou reprimir a revolta Jerusa-lm, a capital, estava cercada pelos exrcitos, ameaada de destruio total. O templo seria profanado (13,14). Muitos cristos, a maioria, eram judeus. Eles no sabiam se deviam ou no entrar na rebelio contra o imprio roma-

    Caminhamos na estrada de Jesus 7

  • no. Este problema poltico causava muitas tenses nas comunidades. O hori-zonte no estava claro. Havia diviso e at guerra entre os prprios judeus.

    3. Quem Jesus? Como entender a sua Cruz?Alm disso, os judeus no-cristos diziam que Jesus no podia ser o mes-

    sias, pois o Antigo Testamento ensinava que um condenado morte na cruz devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,23). Como que um maldito de Deus poderia ser o messias? (cf. 8,32). A cruz era um impedi-mento para crer em Jesus. A cruz um escndalo!, assim diziam (1Cor 1,23). Ora, estas questes levaram algumas pessoas a terem ideias diferen-tes sobre Jesus. Elas perguntavam: Afinal, quem Jesus? (4,41). Ser que ele realmente Messias e Filho de Deus? (14,61). E o que quer dizer Messi-as e Filho de Deus?

    4. Problemas internos de lideranaHavia ainda os problemas internos de liderana. A maior parte dos apsto-

    los e dos primeiros discpulos e discpulas j tinha morrido. Uma nova gera-o de lderes estava assumindo a coordenao. Isto causava tenses, ci-mes e brigas (9,34.37; 10,41). No era claro como se devia fazer para coor-denar uma comunidade crist.

    5. Como ser discpulo ou discpula de Jesus?Estes eram alguns dos problemas que, em torno do ano 70, marcavam a

    vida das comunidades crists. Mesmo assim, apesar de muitos, os proble-mas no foram capazes de desviar os cristos da fidelidade ao compromisso da sua f. No meio de tantas preocupaes, a preocupao maior continuava sempre a mesma: Como ser discpulo ou discpula de Jesus no meio desta situao to complicada e to difcil? Esta ainda a pergunta que, at hoje, nos leva a abrir os evangelhos e que, em toda parte, suscita grupos que se renem em tomo da Palavra de Deus.

    Qual a mensagem que Marcos quer levar s Comunidades?O autor do evangelho de Marcos pensava nestes problemas todos quando

    escreveu o seu evangelho. Muito provavelmente, ele no contava nada de novo. como ns, quando nos domingos ouvimos a leitura do evangelho. A gente j conhece. O que novo a explicao do padre ou do ministro da palavra. As comunidades para as quais Marcos escreve j conheciam as his-trias sobre Jesus. Pois havia quase trinta anos que elas as escutavam e meditavam nas suas reunies e celebraes. O novo de Marcos era o seu

    8 Caminhamos na estrada de Jesus

  • jeito de arrumar e contar as coisas. Pela sua maneira de descrever as pala-vras e as histrias de Jesus ele as transformou em espelho. Queria que as comunidades, lendo o evangelho, descobrissem nele como ser discpulo e discpula de Jesus. por isso que o seu evangelho d um destaque to gran-de aos discpulos.

    De fato, no evangelho de Marcos, os discpulos so o xod de Jesus. A primeira coisa que Jesus faz chamar discpulos (1,16-20), e a ltima que faz e chamar discpulos (16,7.15). Ele os leva consigo, do comeo ao fim, em todo canto, e chega a dizer: Eles so meus irmos, minhas irms, minha me (3,34). Quando no entendem algo, eles perguntam e Jesus, em casa, explica tudo dizendo: A vocs dado o mistrio do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parbolas (4,11; cf. 4,34). O evangelista faz isto para que as comunidades e todos ns, seus discpulos e suas discpulas, saibamos e sintamos que, apesar dos muitos problemas, somos o xod de Jesus, e che-guemos a cantar:Me chamaste para caminhar na vida contigo! Decidi para sempre seguir-te e no voltar atrs!

    Mas no s isto. Marcos quer dizer algo mais. A maneira dele falar dos discpulos causa uma certa estranheza. No comeo, os discpulos parecem um grupo privilegiado, uma comunidade modelo. Mas, quase que de repente, tudo desanda. A gente fica impressionada quando olha de perto o comporta-mento deles. Eles, a quem tinha sido dado o mistrio do Reino, comeam a dar sinais de no entenderem mais nada e de serem tudo menos discpulos de Jesus. No compreendem as parbolas (4,13; 7,18). No tm f em Jesus (4,40). No entendem a multiplicao dos pes (6,52; 8,20-21). No sabem quem Jesus, apesar de conviver com ele (4,41). Antes conseguiam expul-sar os demnios (6,13), mas agora j no conseguem mais (9,18). Brigam entre si pelo poder (9,34; 10, 35-36.41). Querem ter o monoplio de Jesus, pois acham que so os donos (9,38). Levam susto quando Jesus fala da Cruz (8,32; 9,32; 10,32-34). Desviam Jesus do caminho do Pai (8,32). Afas-tam as crianas (10,13). Judas resolve tra-lo (14,10.44). Pedro chega a neg-lo (14,71-72). Na hora em que Jesus mais precisa deles, eles dormem (14,37.40). E no fim, no momento da priso, todos fogem e Jesus fica s (14,50).

    O que ser que Marcos queria dizer s comunidades (e a ns) com esta lista to impressionante de defeitos dos discpulos? Ser que queria meter medo e afast-las de Jesus? Certamente no! Ser que era para criticar os primeiros discpulos e discpulas de Jesus? Ser?

    Informando sobre Jesus, quer formar Jesus em nsUm evangelho no vale s pelas informaes histricas que oferece sobre

    Caminhamos na estrada de Jesus 9

  • Jesus. Quem l o evangelho s para obter informaes sobre o que aconte-ceu no passado, no tempo de Jesus, pode at chegar a concluses erradas. Quem v de longe um carro fazendo muita curva na estrada pode concluir: Deve ter muito buraco naquela estrada. Ou: Estrada perigosa! Tanta curva! Mas no era nada disso. Aquele motorista balanava o carro, porque queria acordar o companheiro que dormia no banco traseiro! Assim com o evangelho de Marcos. Alguns, vendo Marcos insistir tanto nos defeitos dos discpulos, concluem: Aqueles primeiros discpulos no prestavam mesmo! Ou: Marcos est querendo criticar os lderes de Jerusalm! E no era nada disso. Marcos estava querendo acordar o pessoal das comunidades. Estava colocando um espelho na frente deles. Por isso insiste tanto nos defeitos dos primeiros discpulos! Era para que as comunidades do seu tempo tomassem conscincia dos seus defeitos e se convertessem. E no s! Era, sobretudo, para que no desanimassem diante dos seus defeitos e diante das muitas di-ficuldades. Pois o mesmo Jesus, que tinha acolhido os doze depois da nega-o e da traio, continuava no meio das comunidades, sempre pronto e dis-posto para acolh-las e cham-las de novo!

    s vezes, lendo um bom romance, voc se identifica com uma determina-da pessoa que aparece na histria do romance, e voc comea a envolver-se com os problemas da vida dela. isso que o romance quer atingir nos leito-res. O mesmo fazem as novelas da televiso. Na medida em que voc se en-volve com algum dos personagens, a novela o leva a percorrer um caminho e voc acaba l onde ela quer que voc chegue. O evangelho de Marcos usa o mesmo mtodo. No s informa sobre aquilo que Jesus fez no passado, mas tambm quer que voc se identifique com os discpulos de Jesus e se envol-va com os problemas deles, sinta o entusiasmo deles e viva a crise que eles viveram. Que percorra o caminho que aqueles primeiros discpulos percorre-ram junto com Jesus, desde a Galileia at Jerusalm. E fazendo assim, que voc elimine de dentro de si o fermento dos fariseus e dos herodianos (Mc 8,15) e se torne melhor discpulo ou discpula de Jesus.

    Caminhamos na estrada de JesusUm evangelho no uma histria de se ler s uma nica vez. Um evange-

    lho para ser lido e relido, meditado e rezado, comparado e aprofundado. Voc vai lendo e, aos poucos, vai ligando uma frase com a outra, uma ilumi-nando a outra. Uma palavra puxa a outra. Voc vai percebendo a viso do conjunto que, em seguida, esclarece os detalhes.

    O evangelho de Marcos comea dizendo: Princpio da Boa Nova de Je-sus Cristo, Filho de Deus! (Mc 1,1). E no fim, na hora em que Jesus morre, ele afirma dizendo: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus (15,39). No comeo e no fim est o Filho de Deus. Entre estes dois pontos,

    10 Caminhamos na estrada de Jesus

  • isto , entre o comeo no lago da Galileia e o fim no calvrio de Jerusalm, corre a estrada de Jesus! Corre a caminhada difcil dos primeiros discpulos e discpulas. Em algum lugar, entre estes mesmos dois pontos caminhavam as comunidades dos anos 70, na Itlia ou na Sria, procurando acertar o rumo, querendo ser fiis. Caminhamos tambm ns, uns j um pouco mais adianta-dos e outros ainda bem no comeo, mas todos buscando acertar o caminho, querendo ser discpulo e discpula de Jesus.

    O evangelho de Marcos quer ajudar as comunidades a entender melhor o sentido e o alcance da sua f em Jesus, o Filho de Deus. Quer ser um roteiro de viagem na estrada de Jesus. Orienta como percorrer o caminho dos pri-meiros discpulos, desde a Galileia at Jerusalm. Ajuda a descobrir a Boa Nova e a encontrar a resposta para a pergunta: Quem Jesus? Como ser seu discpulo? E o que veremos neste livrinho. Caminhamos na estrada de Jesus.

    Os passos da caminhada na estrada de JesusO desenho mostra o roteiro dos quatro passos ou etapas que marcam a

    caminhada dos discpulos e das discpulas de Jesus no evangelho de Mar-

    Estes quatro passos eram os passos da caminhada das comunidades dos anos 70 na Itlia ou na Sria. So tambm os passos da nossa caminhada. No so bem etapas, uma depois da outra. So mais atitudes ou estados de nimo, que podem existir, simultaneamente, dentro das mesmas pessoas ou comunidades. Por exemplo, a segunda etapa (1,35-8,21) j comea enquan-to a primeira (1,16-6,13) ainda perdura.

    Caminhamos na estrada de Jesus 11

  • 1. O entusiasmo do incio (1,16 a 6,13). Este primeiro passo comea com a chamada dos discpulos beira do lago (1,16) e termina com o envio para a misso (6,13).

    2. O desencontro e a crise (1,35 a 8,21). A tenso entre Jesus e os disc-pulos j aparece durante a fase do entusiasmo, quase desde o incio (1,35-38), e chega a uma quase ruptura entre os dois (8,14-21).

    3. A longa instruo. So mais de cinco captulos, de 8,22 at 13,37. uma instruo variada: em palavras (8,22 a 10,52), atravs de aes (11,1 a 12,44) e por meio de um discurso (13,1-37).

    4. O fracasso final, que acontece durante a paixo e morte de Jesus, torna-se apelo para um novo comeo (14,1 a 16,8).

    So estes os quatro passos da caminhada com Jesus. Eles indicam o ro-teiro que vamos seguir neste livrinho, Vamos olhar nele, como se fosse num espelho, onde vemos refletida nossa prpria vida. Foi pensando na vida das comunidades, que Marcos recolheu e arrumou as palavras e gestos de Je-sus.

    Para ajudar na reflexo1. Quais os maiores problemas das comunidades para as quais foi escrito o evangelho de Marcos? Quais os trs maiores problemas da nossa/minha co-munidade? E quais os trs maiores problemas das comunidades hoje do Brasil?2. De que maneira o evangelho de Marcos ajudava as comunidades a en-frentar os seus problemas? Como hoje o Evangelho nos ajuda a enfrentar os problemas nas nossas comunidades?3. Qual a principal preocupao que percorre o evangelho de Marcos?

    12 Caminhamos na estrada de Jesus

  • CAPTULO 2O comeo da caminhada

    O entusiasmo do primeiro amorMarcos 1,16 a 6,13

    No incio, nos primeiros seis captulos, Jesus quase no pra. Est sem-pre andando. Os discpulos e as discpulas com ele, por todo canto. Na praia, na estrada, na montanha, no deserto, no barco, nas sinagogas, nas casas, nos povoados, por toda a Galileia. Muito entusiasmo!

    No incio, o entusiasmo sempre grande! Cada um de ns j teve mo-mentos assim. Quem comea a participar de uma comunidade ou de um gru-po bblico, sente um grande entusiasmo. O mesmo vale para quem entra numa das pastorais, faz o cursilho, participa de um encontro de casais com Cristo, ou comea a participar de um sindicato, de um clube de mes, grupo jovem, grupo ecolgico, partido poltico ou organizao no-governamental, quem entra na vida religiosa, quem se batiza como adulto ou recebe o sacra-mento da confirmao, da ordenao sacerdotal, do matrimnio, ou comea o noivado... Tantos momentos! o entusiasmo do primeiro amor!

    No evangelho de Marcos transparece este mesmo entusiasmo. Tudo co-meou com o chamado beira do lago (1,16-20) e foi crescendo, aos pou-cos, at eles receberem uma participao plena na misso de Jesus (6,7-13). A, assim parece, a estrada entrou numa curva e a paisagem ficou diferente.

    Vamos ver de perto os momentos mais importantes deste entusiasmo ini-cial. Olhe bem neste espelho e verifique se voc e a sua comunidade se re-conhecem na lua de mel daqueles primeiros discpulos e discpulas que se-guiam a Jesus.

    Olhando no espelhoEles so pescadores. Esto trabalhando. a profisso deles. Jesus passa

    e chama. Eles largam tudo e seguem a Jesus. Parece que no lhes custa nada. Largam a famlia. Largam os barcos e as redes (1,16-20). Levi largou a coletoria, fonte da sua riqueza (2,13-14). Seguir Jesus supe ruptura! Eles comeam a formar um grupo, uma comunidade itinerante. a comunidade de Jesus (3,13-14.34).

    Os discpulos acompanham Jesus por todo canto. Entram com ele na si-nagoga (1,21) e nas casas at dos pecadores (2,15). Passeiam com ele pe-los campos, arrancando espigas (2,23). Andam com ele ao longo do mar, onde o povo os procura (3,7). Ficam a ss com ele e podem interrog-lo (4,10.34). Vo na casa dele, convivem com ele e vo com eleat Nazar, a terra dele (6,1). Com ele atravessam o mar e vo para o outro lado (5,1).

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  • Participam na dureza da nova caminhada. Tanta gente os procura, que j no tem tempo para comer (3,20). Eles comeam a sentir-se responsveis pelo bem-estar de Jesus: ficam perto dele, cuidam dele e mantm um barco pronto para ele no ser esmagado pelo povo que avana (3,9; cf. 5,31). E no fim de um dia de trabalho o levam, exausto, para o outro lado do lago (4,36). A convivncia se torna ntima e familiar. Jesus chega a dar apelidos a alguns deles. A Joo e Tiago chamou de Filhos do Trovo, e a Simo deu o apelido de Pedra ou Pedro (3,16-17). Ele vai na casa deles e se preocupa com os problemas da famlia deles. Curou a sogra de Pedro (1,29-31).

    Andando com Jesus, eles seguem a nova linha. Comeam a perceber,.o que serve para a vida e o que no serve. A atitude livre e libertadora de Je-sus lhes d uma nova viso de certas normas religiosas que pouco ou nada tm a ver com a vida: arrancam espigas em dia de sbado (2,23-24), entram em casa de pecadores (2,15), comem sem lavar as mos (7,2) e j no insis-tem em fazer jejum (2,18). Por isso, so envolvidos nas tenses e brigas de Jesus com as autoridades e so criticados e condenados pelos fariseus (2,16.18.24). Mas Jesus os defende (2,19.25-27; 7,6-13).

    Distanciam-se das posies anteriores. O prprio Jesus os distingue dos outros e diz claramente: A vocs dado conhecer o mistrio do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parbolas (4,11), pois os de fora tm olhos mas no enxergam, tem ouvidos e no escutam (4,12). Jesus considera os discpulos e as discpulas como seus irmos e suas irms. a sua nova fa-mlia (3,33-34). Eles recebem formao. As parbolas narradas ao povo, Je-sus as explica * a eles quando esto sozinhos em casa (4,10s.34).

    Depois de certo tempo, Jesus chama doze deles para estar com ele. Eles recebem a misso de anunciar a Boa Nova e de expulsar demnios (3,13- 14). Assumem a misso junto com Jesus (6,7-13). Devem ir, dois a dois, para anunciar a sua chegada. No Antigo Testamento eram doze tribos, agora so doze discpulos. Eles formam um novo jeito de ser povo de Deus. Para poder chegar a isto tiveram de passar por esta longa preparao. Tiveram de tomar posio ao lado de Jesus e criar coragem para fazer as vrias rupturas. Nis-so tudo se revela o entusiasmo do primeiro amor!

    A raiz do entusiasmoEste incio to bonito marcado pela presena macia do povo e pela di-

    fuso crescente da Boa Nova que se espalha rapidamente por toda a Galileia (cf. 1,28.45; 2,2.12.; 3,7-10). Sobretudo entre os excludos: possessos, doen-tes, leprosos, paralticos, pecadores, publicanos (1,23.30.32.40; 2,3.15; 3,1.10.11; 5,15.28). Estes se sentem acolhidos e so curados. Muitos mila-gres!

    Este incio marcado tambm pelo conflito crescente de Jesus com as autoridades locais dos povoados e cidades da Galileia: escribas, fariseus e

    14 Caminhamos na estrada de Jesus

  • herodianos, com os parentes e com o povo de Nazar (2,6-11.16.18.24; 3,6.21; 6,2-3). A dureza de corao dos fariseus e herodianos chegou ao ponto de eles quererem matar Jesus (3,5-6). Este conflito crescente, porm, no chegava a impedir o avano da Boa Nova nem o entusiasmo do primeiro amor. Pelo contrrio! Ajudava aos discpulos a se definir melhor.

    Na raiz deste grande entusiasmo est a pessoa de Jesus que chama. Est a Boa Nova do Reino que atrai! Eles seguem Jesus. Ainda no perce-bem todo o alcance que o contato com Jesus implica para a vida deles. Isto, por enquanto, nem importa! O que importa poder seguir a Jesus que anun-cia a to esperada Boa Nova do Reino. At que enfim, o Reino chegou! (1,15)

    Mas j desde o comeo, no meio daquele entusiasmo todo, aparecem si-nais de alguma coisa que no est bem encaixada no relacionamento entre Jesus e os discpulos. De vez em quando, surge uma fissura. Parece parafu-so que no pega bem na rosca! Sintoma de um problema mais profundo que, aos poucos, vai aparecendo, se revelando, ao longo da caminhada. So as primeiras curvas e lombadas na estrada de Jesus! E a segunda etapa que comea, enquanto ainda perdura a primeira.

    Para ajudar na reflexo1. Como se manifestou nos discpulos e nas discpulas de Jesus o entusias-mo do primeiro amor? Como se manifestou ou ainda se manifesta hoje o en-tusiasmo do primeiro amor na minha vida e na vida da minha/nossa comuni-dade?2. Qual era a causa do entusiasmo do primeiro amor? Qual foi a causa do entusiasmo do primeiro amor na minha vida?

    Caminhamos na estrada de Jesus 15

  • CAPTULO 3Curvas e lombadas na estrada de Jesus

    Desencontros e questionamentosMarcos 1,36 a 8,21

    Os discpulos seguem Jesus com entusiasmo, mas, no fundo, ainda no sabem a quem esto seguindo. Eles imaginam uma coisa. Jesus, na realida-de, outra! Eles seguem Jesus, atrados pela bondade da pessoa dele e em-purrados pelas suas prprias expectativas sobre o Reino e sobre o Messias. Aos poucos, porm, vo percebendo que em Jesus existe algo que no bate bem com aquilo que eles pensavam e esperavam. Assim, no meio daquele entusiasmo, aparece o desencontro, a crise.

    Com a gente acontece o mesmo. Depois que voc entrou na comunidade, num crculo bblico, num sindicato, num partido ou num movimento, depois do entusiasmo inicial que faz parecer tudo to bonito, voc comea a perce-ber que nem tudo como voc imaginava. Nem todos pensam como voc. Voc descobre que existem outros movimentos com ideias bem diferentes a respeito de Jesus: comunidades eclesiais de base, grupos de orao, caris-mticos, neocatecmenos, focolarinos, crentes, tantos e tantos! Todos di-zem: Ns seguimos Jesus! Mas que Jesus? Ento Cristo est dividido? (1Cor 1,13). O Jesus dos outros nem sempre agrada. s vezes, vem at o pensamento: Coitados! Um dia, eles ainda vo perceber! Sem se dar conta, a gente j parte do princpio de que o outro est errado. Quem tem que mu-dar ele, e no eu! Mas de repente, surge a pergunta: E se por acaso o Je-sus do outro for mais verdadeiro que o meu, o que vou fazer? Dvidas e questionamentos vo entrando pela porta dos fundos. Como aconteceu com Joo Batista. Ele anunciou Jesus com grande entusiasmo. Mas depois, j na priso, descobriu que Jesus era diferente do que ele tinha anunciado: o senhor, ou devemos esperar por outro? (Mt 11,3). Se eu tivesse o poder, eu daria um jeito nesse pessoal que pensa diferente! Assim, no meio destes de-sencontros vo aparecendo nossos limites, defeitos e pecados. Mas por bai-xo de tudo corre a pergunta: Quem Jesus? Quem tem a imagem certa de Jesus? Como ser discpulo de Jesus?

    Algo semelhante estava acontecendo nas comunidades do tempo em que foi escrito o evangelho de Marcos e aconteceu tambm com os discpulos e as discpulas que andavam com Jesus pela Galileia. Os primeiros sinais des-te desencontro j aparecem logo no incio e vo aumentando na mesma me-dida em que Jesus se revela a eles. Vamos olhar, de novo, no espelho. Veja se voc se reconhece.

    16 Caminhamos na estrada de Jesus

  • Olhando no espelhoJesus se tomou conhecido. Todos iam atrs dele. A publicidade agradou

    aos discpulos. Certa vez, eles foram em busca de Jesus para lev-lo de vol-ta ao povo que o procurava, e lhe disseram: Todos te procuram (1,37). Pen-savam que Jesus fosse atender. Engano deles! Jesus no atendeu e disse: Vamos para outros lugares. Foi para isto que eu vim! (1,38). Foi o primeiro desencontro. A primeira frustrao! Bem pequena, verdade. Mas devem ter estranhado! Jesus no era como eles o imaginavam.

    Jesus contou a parbola do semeador (4,1-9). Eles no entenderam e pe-diram explicao. Jesus disse: No compreenderam esta parbola? Ento, como que podem entender todas as parbolas? (4,13). A partir deste ensi-no das Parbolas o desencontro comea a crescer. Jesus percebe e diz: Prestem ateno no que vocs ouvem! Com a mesma medida com que me-direm, vocs tambm sero medidos e lhes ser dado mais ainda. Para aquele que tem alguma coisa ser dado ainda mais. Para aquele que no tem, ser tirado at mesmo o que tem! (4,24-25). Frase misteriosa! Ela signi-fica o seguinte. O critrio ou a ideia com que voc recebe o ensinamento de Jesus vai determinar quem Jesus para voc. Se o critrio for bom, todo en-sinamento recebido far crescer o conhecimento que voc j tem de Jesus. Se o critrio no for bom, voc vai perceber que o Jesus que voc tem na ca-bea no combina com o Jesus verdadeiro, em carne e osso, com quem voc est andando pelas estradas da Galileia. Ou seja, enquanto eu no mu-dar a ideia errada que tenho de Jesus, toda a informao que recebo sobre ele me far errar mais ainda e me far perder at o pouco de conhecimento verdadeiro que eu tinha a respeito dele. Ser tirado de mim at mesmo o que j tenho! (cf. 4,25). como se o evangelista dissesse s comunidades e a todos ns: Prestem bem ateno nas ideias com que vocs olham para Jesus! Pois se a cor dos culos verde, tudo aparece verde. Se for azul, tudo ser azul! a forma que d a forma ao po, e no vice- versa!

    Mas o aviso de Jesus, ao que parece, no ajudou muito. Dentro dos disc-pulos existia algo que no se ajustava e que se manifestava sobretudo em momentos crticos. Por exemplo, durante a tempestade. Diante das ondas que entravam no barco, o medo deles foi to grande que chegaram a acordar Jesus: No te importas que perecemos? (4,38). Jesus estranhou a reao deles. Acalmou o mar e disse: Ento, vocs no tm f? (4,40). Eles no sabiam o que responder e se perguntavam: Quem este que at o mar e o vento lhe obedecem? (4,41). Jesus parecia um estranho para eles! Apesar da convivncia amiga, no sabiam direito quem ele era.

    O desencontro apareceu tambm quando foram com Jesus para a casa de Jairo. O povo foi junto e o comprimia de todos os lados (5,24). Uma mu-lher que h doze anos sofria de uma hemorragia, estava no meio da multi-

    Caminhamos na estrada de Jesus 17

  • do. Ela tambm tocou em Jesus, mas de maneira diferente. Tocou para ser curada (5,27-28). Na mesma hora, Jesus parou e perguntou: Quem foi que me tocou? (5,30). Os discpulos reagiram: O senhor est vendo a multido que o comprime, como que pode perguntar quem foi que me tocou? (5,31). Jesus tinha uma sensibilidade que no era percebida pelos discpulos. Estes reagiram como todo mundo e no entenderam a reao diferente de Jesus.O desencontro apareceu ainda quando a multido procurou Jesus no deserto (6,32-34). Os discpulos ficaram preocupados e disseram a Jesus: O lugar aqui deserto, j tarde, mande esse povo embora para que possa ir at os povoados comprar po! (6,35-36). Mas Jesus respondeu: Deem vocs de comer ao povo! (6,37). E eles: Ento o senhor quer que a gente v comprar po por duzentos denrios? (6,37). No entenderam nada! O mesmo desen-contro aconteceu na segunda multiplicao dos pes: Como alimentar esse povo aqui no deserto? (8,4). Jesus pensava diferente. Tinha outros critrios na maneira de abordar e resolver os problemas do povo.

    O prprio evangelista Marcos faz um comentrio crtico. Quando, durante a noite depois da multiplicao dos pes, Jesus chegou perto dos discpulos andando por cima das guas, eles ficaram apavorados e comearam a gritar. Achavam que era um fantasma! Jesus acalmou-os e entrou no barco (6,48-50). E Marcos comenta: Eles no tinham entendido nada a respeito dos pes e o seu corao estava endurecido (6,52). A afirmao corao endu-recido muito dura. Evoca o corao endurecido do povo no deserto (SI 95,8) que no queria ouvir Moiss e s pensava em voltar para o Egito (Nm 20,2-10), onde havia cebolas e panelas cheias (Ex 16,1-3).

    Jesus, ele tambm, chegou mesma concluso. Numa discusso com os fariseus sobre o puro e o impuro dos alimentos, ele disse ao povo: Escutem todos e compreendam: o que vem de fora e entra numa pessoa no a torna impura; mas as coisas que saem de dentro da pessoa, estas que a tomam impura. Quem tem ouvidos para ouvir oua! (7,14- 16). Os discpulos no entenderam o que Jesus queria dizer com esta afirmao e, de volta para casa, foram pedir uma explicao. Jesus ficou impaciente e disse: Ento nem vocs tm inteligncia? (7,18). Eles se pareciam com os fariseus e os escribas que j tinham mostrado que no entendiam nada da novidade trazi-da por Jesus. Agora, os discpulos so iguais a eles! A ignorncia dos inimi-gos, a gente entende! Mas dos discpulos...! Ento nem vocs tem intelign-cia?

    O ponto crtico Uma aparente rupturaO ponto crtico deste desencontro crescente descrito em Marcos 8,14-

    21. Diante da falta de compreenso dos discpulos, Jesus faz uma srie de quase dez perguntas, sem se importar muito em receber uma resposta. Pare-ce uma ruptura. Eis o texto:

    18 Caminhamos na estrada de Jesus

  • 14Os discpulos tinham se esquecido de levar pes. Tinham consigo na barca s um po. 15Ento Jesus os advertiu: Prestem ateno e tomem cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes. 16Os discpulos diziam entre si: porque no temos po". 17Mas Jesus percebeu e perguntou: Por que vocs discutem sobre a falta de pes? Vocs ainda no entendem e nem compreendem? Esto com o corao endurecido? 18Vocs tm olhos e no veem? Tm ouvidos e no ouvem? Ento no tm memria? 19Quando parti cinco pes para cinco mil pes-soas, quantos cestos vocs recolheram cheios de pedaos? Eles respon-deram: Doze! 20E quando reparti sete pes para sete mil pessoas, quantos cestos vocs recolheram cheios de pedaos? Eles responde-ram: Sete. 21E Jesus disse: Nem assim vocs compreendem?

    Por incrvel que parea, os discpulos chegaram num ponto em que j no se diferenciavam dos inimigos de Jesus. Anteriormente, Jesus tinha ficado triste com a dureza de corao dos fariseus e dos herodianos (3,5). Agora, os prprios discpulos tm o corao endurecido (8,17). Anteriormente, os de fora (4,11) no entendiam as parbolas, porque tinham olhos e no en-xergavam, tinham ouvidos no escutavam (4,12). Agora, os prprios disc-pulos no entendem mais nada, porque tm olhos e no enxergam, tm ou-vidos e no escutam (8,18). O fermento dos fariseus e de Herodes, a ideo-logia dominante, tinha tomado conta de tudo e os impedia de enxergar (8,15).

    As perguntas de Jesus so muito duras. Evocam coisas muito srias. Elas revelam uma total incompreenso por parte dos discpulos. Como j vimos, a imagem do corao endurecido evoca a dureza de corao do povo do An-tigo Testamento que sempre se desviava do caminho. Evoca tambm o cora-o endurecido do fara que oprimia e perseguia o povo (Ex 4,21; 7,13; 8,11.15.28; 9,7...). A expresso tm olhos e no veem, ouvidos e no ou-vem evoca no s o povo sem f, criticado por Isaas (Is 6,9-10), mas tam-bm, o que pior, os adoradores de falsos deuses, dos quais o salmo diz que eles tm olhos e no veem, tm ouvidos e no ouvem! (SI 115,5-6).

    A impresso que se tem que os discpulos, convivendo com Jesus, em vez de melhorar, pioravam. Perderam at o pouco que tinham (cf. Mc 4,25). Quanto mais Jesus explicava, tanto menos eles entendiam! Por qu? Qual a causa deste desencontro?

    A causa do desencontroA causa no foi a m vontade dos discpulos. Os discpulos no eram

    como os adversrios de Jesus. Estes tambm no entendiam o ensinamento do Reino, mas neles havia malcia e m vontade. Eles usavam a religio para criticar e condenar Jesus (2,7.16.18.24; 3,5.22-30). Como diz o nosso canto: Eles queriam um grande rei que fosse forte dominador. E por isso, no cre-

    Caminhamos na estrada de Jesus 19

  • ram nele e mataram o Salvador. Os discpulos e as discpulas, porm, eram gente boa. No tinham m vontade. Pois, mesmo sendo vtimas do fermento dos fariseus e dos herodianos, eles no estavam interessados em defender o sistema dos fariseus e dos herodianos contra Jesus. Ento, qual era a cau-sa?

    A causa do desencontro crescente entre Jesus e os discpulos tinha a ver com a esperana messinica. Havia entre os judeus uma grande variedade na esperana messinica. De acordo com as diferentes interpretaes das profecias, havia gente que.esperava um Messias Rei (cf. 15,9.32). Outros, um Messias Santo ou Sacerdote (cf. 1,24). Outros, um Messias subversivo (cf. Lc 23,5; Mc 15,6; 13,6-8). Outros, um Messias Doutor (cf. Jo 4,25; Mc 1,22.27). Outros, um Messias Juiz (cf. Lc 3,5-9; Mc 1,8; ). Outros, um Messi-as Profeta (6,4; 14,65). Ao que parece, ningum esperava o Messias Servo, anunciado pelo profeta Isaas (Is 42,1; 49,3; 52,13). Eles no se lembraram de valorizar a esperana messinica como servio do povo de Deus huma-nidade. Cada um, conforme os seus prprios interesses e conforme a sua classe social, aguardava o Messias, livrinho na mo, querendo encaix-lo na sua prpria expectativa. Por isso, o ttulo Messias, dependendo da pessoa ou da posio social, podia significar coisas bem diferentes. Havia muita mistura de ideias!

    Ora, no Evangelho de Marcos, desde o incio, Jesus se orienta pela profe-cia do Messias Servo. E o prprio Isaas j tinha avisado: quem se fizer Ser-vo, colocando sua vida a servio dos irmos, este vai entrar em choque com os que preferem o privilgio e a dominao. Vai sofrer, vai ser maltratado, condenado e morto (cf. Is 50,4-9; 53,1-12). Esta cruz, anunciada no Antigo Testamento como consequncia do compromisso assumido, projetava sua sombra sobre toda a vida e atividade de Jesus. Jesus sabia que o seu com-promisso com os pequenos iria incomodar os grandes. Sabia que iam mat-lo. Mas no voltou atrs. Por isso, desde o incio, ele combatido pelos do-nos da situao que o criticam e atacam, e aclamado pelos excludos que se sentem acolhidos e defendidos por ele.

    E os discpulos? Eles tinham os ps junto do povo pobre e excludo, mas tinham a cabea feita pelo fermento dos fariseus e herodianos (8,15). Pen-savam conforme a ideologia dominante da poca, que no combinava com o modo de pensar de Jesus. Apesar do entusiasmo inicial, eles no se deram conta de que tinham ideias erradas sobre o Messias. Inconscientemente, queriam que Jesus fosse como eles o desejavam. Em vez de converter-se para Jesus, queriam que Jesus se convertesse para eles: Todos te procu-ram! (1,37). Aqui est a causa do desencontro crescente entre Jesus e os discpulos: o fermento dos fariseus e dos herodianos os impedia de enxer-gar e, por isso mesmo, de se converter.

    Mas o desencontro tinha ainda uma outra causa, mais profunda, a saber, a fidelidade de Jesus ao Pai. Em momento algum, Jesus cedeu aos apelos

    20 Caminhamos na estrada de Jesus

  • da ideologia dominante, mesmo quando vinham da parte dos discpulos, seus amigos. Sempre agiu conforme escutava do Pai e dos pobres: Vamos para outros lugares! Foi para isto que eu vim (1,38). E foi por ele ter sido to fiel ao Pai que o desvio dos discpulos apareceu. Se Jesus tivesse cedido aos apelos dos seus amigos, ningum teria percebido nada de errado! a fideli-dade de Jesus ao Pai que revelou o desvio e o erro da ideologia dominante.

    Assim, na mesma medida em que Jesus se revelava aos discpulos, nesta mesma medida foi ficando claro que na Vida deles havia algo que no combi-nava com o projeto de Jesus, e que na vida de Jesus havia um mistrio maior que revelava os limites das ideias deles. A fidelidade de Jesus ao Pai tornou-se para eles e para todos ns uma luz que nos critica e uma fora que nos convida converso.

    Aquela srie de perguntas de Jesus aos discpulos, sobretudo a pergunta final Nem assim vocs compreendem? (8,21), parecia uma ruptura, mas no era ruptura. Jesus critica, corrige e adverte os amigos, mas romper, no rompe, nem os rejeita! Pelo contrrio. Acolhe e ajuda. Jesus como o Servo de que fala o profeta Isaas: Ele no apaga a mecha que ainda solta fumaa! (Is 42,3). E nesta atitude de Servo que est a chave do mistrio da sua pessoa e da sua misso, que vai acender a luz na escurido, em que se encontravam e ainda se encontram os discpulos.

    Para ajudar na reflexo1. Como se manifestava o desencontro entre Jesus e os primeiros discpu-los? Existe algum desencontro assim hoje na minha vida ou na vida da nos-sa comunidade? Como se manifesta?2. Qual foi a causa do desencontro entre Jesus e os primeiros discpulos? Qual hoje a causa mais frequente do desencontro entre Jesus e os cris-tos, e entre os prprios cristos?3. Qual era a ideologia dos fariseus e dos herodianos que impedia enxergar a mensagem de Jesus? Qual hoje a ideologia que nos impede enxergar a mensagem de Jesus?

    Caminhamos na estrada de Jesus 21

  • CAPTULO 4Avisos na estrada

    Tem Cruz depois da curva!Marcos 8,22 a 10,52

    Os discpulos seguem Jesus. Pensam que j o conhecem mas, aos pou-cos, descobrem que no o conhecem. Em Jesus havia um mistrio maior. Ele fala, aconselha e decide diferentemente do que eles esperavam ou imagina-vam. O mesmo acontece com a gente. Voc pensa que conhece uma pessoa e, de repente, se d conta de que no a conhece. Pois cada vez de novo, ela surpreende, reagindo diferentemente do que voc esperava ou imaginava. E quanto maior for a sua vontade de conhecer, de controlar e de dominar a vida do outro, tanto maior ser o risco que voc corre de estar errado e de ser frustrado. E quantas vezes no acontece que pensamos at de conhecer as reaes de Deus e tudo o que ele pede de ns. E depois nos damos conta de que Deus totalmente diferente daquilo que ns imaginvamos, e de que es-tvamos apenas manipulando Deus a nosso favor.

    Mesmo assim, apesar do desencontro crescente, apesar de os discpulos terem chegado a uma atitude igual dos adversrios, Jesus no rompe nem desiste de acolh-los. Pelo contrrio! Em vez de romper, comea a ins-tru-los, para que venam a cegueira e percebam a causa do desencontro. Ele comea a falar abertamente sobre a Cruz e sobre o Messias-Servo que vai sofrer e morrer. Estas instrues so os novos avisos na Estrada de Je-sus para o viajante no errar o caminho!

    Na poca em que Marcos escreve o seu evangelho, o problema da Cruz no era s a Cruz de Jesus. Era tambm a cruz que o povo das comunida-des carregava por causa da sua f em Jesus: a cruz da perseguio, a cruz das brigas com os irmos judeus, a cruz da incerteza, a cruz dos conflitos in-ternos; havia alguns que queriam abafar o grito dos pobres (cf. 10,48). Carre-gar esta cruz era o mesmo que assumir a caminhada com Jesus, desde a Galileia at Jerusalm. E as cruzes de hoje? A cruz da fome, do desempre-go, da falta de sade, da excluso, da falta de justia. Tantas cruzes!

    O evangelho de Marcos procura iluminar a estrada, para eles e para ns. A partir de agora, o ambiente muda. No aparece mais o entusiasmo. Poucos so os milagres: s trs, a cura de dois cegos e uma expulso (8,25; 9,25-26; 10,52). Quase no h mais multido: s Jesus e os poucos discpulos e disc-pulas! Jesus sai da Galileia e comea a longa caminhada em direo a Jerusa-lm, onde ser crucificado. Os discpulos seguem Jesus, vo com ele! E en-quanto vo caminhando para o calvrio, recebem uma longa instruo sobre a Cruz: instruo atravs de palavras (8,22 a 10, 52), instruo atravs de teste-munho e ao (11,1 a 12,44), e instruo atravs de um discurso (13,1-37).

    22 Caminhamos na estrada de Jesus

  • A instruo atravs de palavrasCura de discpulos, cura de cegos

    A instruo atravs de palavras (8,22 at 10,52) est entre duas curas de cego. No incio, a cura de um cego annimo, fora do povoado (8,22-26). No fim, a cura do cego Bartimeu (10,46-52). As duas so smbolo do que se pas-sava entre Jesus e os discpulos. Pois cegos eram os discpulos que tinham olhos e no enxergavam (8,18). Eles precisavam recuperar a viso. Jesus os levou para fora do povoado, fora da Galileia, e fez todo o possvel para romper o impasse e ajud-los a enxergar.

    Na primeira cura (8,22-26), o cego no enxergou logo tudo. Jesus teve di-ficuldade em cur-lo. S numa segunda tentativa, o homem enxergou direito. O mesmo acontecia com Pedro e acontece com tantos outros, desde o tem-po de Marcos at hoje! Confessando que Jesus era o Messias, o Cristo, Pe-dro era como o cego de meia viso. Viso deficiente. S enxergava a meta-de. Reconhecia em Jesus o Messias, mas Messias sem a cruz! (8,32). Jesus corrige e completa a viso, dando a instruo sobre o Messias que deve so-frer, e sobre o discpulo que deve carregar a cruz (8,27-33).

    Na segunda cura (10,46-52), o cego Bartimeu, como Pedro, reconhecia em Jesus o Messias, pois ele gritava: Jesus, Filho de Davi! Tem compaixo de mim! (10,47.48). Mas o ttulo Filho de Davi no era muito bom. O pr-prio Jesus o criticou (12,35- 37). Bartimeu, porm, apesar de cego como Pe-dro, teve f em Jesus e no se agarrou ao ttulo. Sua f, maior que o ttulo, o salvou: Tua f te salvou! (10,52), e no mesmo instante recuperou a vista e seguia Jesus no caminho (10,52). Bartimeu assinou em branco. No fez exi-gncias como Pedro, mas soube entregar sua vida aceitando Jesus sem im-por condies. Ele se tornou o discpulo modelo para todos que querem se-guir Jesus no caminho em direo a Jerusalm.

    Entre estas duas curas est a longa instruo sobre a Cruz atravs de pa-lavras (8,22 a 10,52). Muito didtica, e muito bem feita. Parece uma pequena cartilha, uma espcie de catecismo feito com frases do prprio Jesus. Ela fala sobre a cruz na vida do discpulo e da discpula de Jesus Crucificado. O grfi-co apresenta o esquema da instruo:

    Caminhamos na estrada de Jesus 23

  • 24 Caminhamos na estrada de Jesus

  • Como se pode ver no grfico, a instruo consta de trs anncios da pai-xo. O primeiro de Marcos 8,27-38. O segundo, de Marcos 9,30-37. O ter-ceiro, de Marcos 10,32-45. Entre o primeiro e o segundo anncio (Mc 9,1-29), h uma srie de instrues que ajudam a entender Jesus como Messias Ser-vo. Entre o segundo e o terceiro (9,38 a 10,31), uma srie de instrues que esclarecem a converso que deve ocorrer na vida dos que aceitam caminhar com Jesus, o Messias Servo. O conjunto da instruo tem como pano de fun-do a caminhada. Jesus est a caminho (8,27; 9,30.33; 10,32), indo para Jeru-salm, onde ser preso e morto. O contexto a Cruz na vida de Jesus e na vida dos discpulos.

    Os trs anncios da CruzEm cada um dos trs anncios, Jesus fala da sua paixo, morte e ressur-

    reio como sendo parte do projeto de Deus: O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos ancios, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escri-bas, ser morto e depois de trs dias ressuscitar (8,31; cf 9,31; 10,33). A ex-presso deve indica que a Cruz j tinha sido anunciada nas profecias (cf Lc 24,26).

    Cada um dos trs anncios da paixo acompanhado de gestos ou pala-vras de incompreenso por parte dos discpulos. No primeiro anncio, Pedro no quer a cruz e critica Jesus (8,32). Jesus reage e chama Pedro de Sata-ns, isto , aquele que o desvia do caminho de Deus (8,33). No segundo an-ncio, os discpulos no entendem, tm medo e cada um quer ser o maior (9,32-34). No terceiro anncio, eles esto assustados, com medo (10,32), e querem promoo (10,35-37). porque nas comunidades para as quais Mar-cos escreve o seu evangelho havia muita gente como Pedro: no queriam a cruz! Eram como os discpulos: no entendiam a cruz, tinham medo ou queri-am ser o maior; viviam assustados e queriam promoo.

    Cada um dos trs anncios traz uma palavra de Jesus que critica e corrige a falta de compreenso dos discpulos e ensina como deve ser o comporta-mento deles. No primeiro anncio, ele exige: negar-se a si mesmo, carregar a cruz e segui-lo, perder a vida por causa dele e do evangelho, e no ter vergo-nha dele e da sua palavra (8,34-38). No segundo, exige: fazer-se servo de to-dos, e receber as crianas, os pequenos, como se fossem ele mesmo, Jesus (9,35- 37). No terceiro, exige: beber o clice que ele vai beber, no imitar os poderosos que exploram, mas sim imitar o Filho do Homem que no veio para ser servido, mas para servir (10,35-45).

    Em dois dos trs anncios, Jesus pede silncio. Ele parece no querer pu-blicidade (8,30; 9,30). A mesma preocupao ele mostra depois da Transfigu-rao (9,9). Estas ordens de silncio aos apstolos tm a ver com a varieda-de que havia na esperana messinica. O povo no tinha condies de acei-

    Caminhamos na estrada de Jesus 25

  • tar um condenado cruz como o Messias, pois a ideologia dominante s di-vulgava a imagem do Messias glorioso: rei, doutor, juiz, sacerdote, general! Ningum se lembrava do Messias servidor e sofredor, anunciado por Isaas! S mesmo quem decidisse caminhar com Jesus na mesma estrada do com-promisso com os pequenos em vista da realizao do Reino seria capaz de aceitar o Crucificado como o Messias. S a prtica poderia abrir para o en-tendimento da mensagem sobre a cruz!

    Abre parntesis. Antes disso, em trs outras ocasies, Jesus j tinha im-posto silncio aos demnios (1,25; 1,34; 3,12) e, quatro vezes, tinha dado or-dem aos que foram curados de no divulgar a cura (1,44; 5,43; 7,36; 8,26). Mas nestes casos, o significado da ordem do silncio outro. Jesus pede si-lncio, mas obtm o resultado contrrio. Quanto mais probe, tanto mais a Boa Nova se espalha (1,28.45; 3,7-8; 7,36-37). A fora da Boa Nova to grande que ela se divulga por si mesma! Alis, s trs ou quatro vezes que Jesus pede silncio aos curados. Nas muitas outras vezes, no o pede. Uma vez at pediu publicidade (5,19). Fecha parntesis.

    As consequncias da Cruz na vida dos discpulosEntre o primeiro e o segundo anncio, h trs complementaes que aju-

    dam os discpulos e as discpulas a corrigirem suas ideias erradas sobre Je-sus (9,2-29):

    1. A Transfigurao (9,2-10)Na Transfigurao Jesus aparece na glria diante de Pedro, Tiago e Joo.

    Junto com Jesus, aparecem Moiss e Elias, as duas maiores autoridades do Antigo Testamento. Alm disso, uma voz do cu diz: Este o meu Filho amado! Ouvi-o!. A expresso Filho amado evoca a figura do Messias Ser-vo, anunciado pelo profeta Isaas (cf. Is 42,1). A expresso Ouvi-o! (9,7), evoca o profeta prometido no Antigo Testamento, o novo Moiss (Dt 18,15). Com outras palavras, a Transfigurao uma confirmao clara de que Je-sus veio realizar as profecias. Os discpulos j no podem duvidar: Jesus realmente o Messias glorioso! Mas o caminho para a glria passa pela Cruz.

    2. Instruo sobre a volta do profeta Elias (9,11-13)Malaquias tinha anunciado que, antes da vinda do Messias, o profeta Elias

    devia voltar para preparar o caminho (Ml 3,23-24). O mesmo anncio estava no livro do Eclesistico (Eclo 48,10). Como Jesus podia ser o Messias, se Eli-as ainda no tinha voltado? Esta era uma dificuldade muito sria para os dis-cpulos de Jesus e para os judeus da poca em que Marcos escrevia o seu evangelho. Por isso, eles perguntam: Por que motivo os escribas dizem que

    26 Caminhamos na estrada de Jesus

  • Elias deve vir primeiro? (9,11). A resposta de Jesus clara: Elias j veio e fizeram com ele tudo o que quiseram, conforme dele est escrito (9,13). Es-crito onde e o qu? Jesus alude morte violenta de Joo Batista (cf Mc 6,16.27-28). Nela se realizou a ameaa de morte que Jezabel fez contra Eli-as, conforme est escrito no livro dos Reis (1Rs 19,2.10). Com outras pala-vras, as profecias de Isaas que falam da morte violenta do Messias Servo tambm se cumpriro.

    3. Instruo sobre a necessidade da f (9,14-29).Ao descer do Monte, Jesus encontra os discpulos tentando inutilmente

    expulsar o demnio impuro de um menino doente. Anteriormente, eles tinham sido capazes de expulsar demnios (6,13). Mas, ao que parece, o desencon-tro crescente entre eles e Jesus tinha enfraquecido sua f. Jesus teve um de-sabafo: gerao sem f! At quando vou estar com vocs! At quando vou suport-los? (9,19). De volta em casa, os discpulos perguntaram: Por que no pudemos expuls-lo? Jesus responde: Essa espcie no pode sair a no ser com orao (9,28-29). S mesmo a orao fortalece a f do discpu-lo a ponto de ele ser capaz de expulsar o demnio e de corrigir as ideias er-radas sobre Jesus, o Messias. Pois tudo possvel quele que cr! (9,24).Entre o segundo e o terceiro anncio h mais seis complementaes sobre a mudana que deve ocorrer na vida do discpulo e da discpula que aceita ca-minhar com Jesus at o calvrio (9,38 a 10,31). Trata-se de mudanas nos vrios nveis do relacionamento humano:

    1. No relacionamento com os que no so da comunidade, o mximo de abertura: Quem no contra ns a nosso favor (9,38-40).

    2. No relacionamento com os pequenos e os excludos, o mximo de acolhimento: Acolher os pequenos por serem de Cristo, e no ser motivo de escndalo para eles (9,41-50).

    3. No relacionamento homem-mulher, o mximo de igualdade: Jesus tira o privilgio que o homem tinha com relao mulher e probe mandar a mulher embora (10,1-12).

    4. No relacionamento com as crianas e suas mes, o mximo de ter-nura: acolher, abraar, abenoar, sem medo de contrair alguma im-pureza (10,13-16).

    5. No relacionamento com os bens materiais, o mximo de abnegao: Uma s coisa te falta: vai vende tudo que tens e d aos pobres (10,17-27).

    6. Na relacionamento entre os discpulos, o mximo de partilha: quem deixar irmo, irm, me, pai, filhos, terra por causa de Jesus e do Evangelho, ter cem vezes mais (10,28-31).

    Caminhamos na estrada de Jesus 27

  • Estar sempre a caminho e no parar nuncaCada vez de novo, desde o comeo at o fim desta longa instruo, o

    evangelho de Marcos informa que Jesus est a caminho (8,27: 9,30.33), a caminho para Jerusalm (10,32), onde encontrar a Cruz. O livro dos Atos dos Apstolos usa a palavra Caminho para designar a Comunidade (cf. At 9,2; 18,26; 19,9.23; 22,4; 24,14.22). Hoje diramos Caminhada. Discpulo e discpula quem segue Jesus neste caminho, nesta caminhada para Jerusa-lm. o caminho da entrega, do abandono, do servio, da disponibilidade, da aceitao do conflito, sabendo que haver ressurreio. A cruz faz parte des-te caminho. Pois num mundo, organizado a partir do egosmo, o amor e o servio s podem existir crucificados! Quem faz da sua vida um servio aos outros, incomoda os que vivem agarrados aos privilgios.

    A compreenso plena do seguimento de Jesus no se obtm pela instru-o terica, mas sim pelo compromisso prtico, caminhando com ele no ca-minho do servio, desde a Galileia at Jerusalm. Quem insiste em manter a ideia de Pedro, isto , do Messias glorioso sem a cruz, nada vai entender e nunca chegar a tomar a atitude do verdadeiro discpulo. Pois sem a cruz impossvel entender quem Jesus e o que significa seguir Jesus. Mas quem souber caminhar e fazer a entrega de si (8,35), quem aceitar ser o ltimo (9,35), quem assume beber o clice e carregar sua cruz (10,38), este, como Bartimeu, mesmo tendo ideias no inteiramente corretas, conseguir enxer-gar e seguir Jesus no caminho (10,52).

    A cura de Bartimeu esclarece o ponto de chegada desta longa instruo sobre a cruz (10,46-52). Bartimeu pobre e cego. Est sentado beira da estrada. um excludo. No pode participar da procisso que acompanha e aclama Jesus. Mas ele grita. o grito do pobre que incomoda aos que vo na procisso. Estes tentam abafar o grito do pobre: Muitos o repreendiam para que se calasse (10,48). Mas ningum consegue, pois ele gritava mais ainda! (10,48). E Jesus escuta o grito de Bartimeu. Ele pra e manda cham-lo! Bartimeu larga tudo o que tem e vai at Jesus. No tem muito. Apenas um manto (10,50). Mas era o que ele tinha para cobrir o seu corpo (cf. Ex 22,25-26). Era a sua segurana, o seu cho! Bartimeu tinha invocado Jesus com ideias no inteiramente corretas: Filho de Davi, tem d de mim! (10,47.48). Mas ele teve f! Acreditou mais em Jesus que o chamou, do que nas ideias que ele mesmo tinha sobre Jesus. Converteu-se, largou tudo e se-guiu Jesus no caminho para o Calvrio! (10,52). Nesta certeza de caminhar com Jesus est a fonte da coragem e a semente da vitria sobre a cruz. Pois a cruz no uma fatalidade, nem uma exigncia de Deus. Ela a conse-quncia do compromisso assumido com Deus de servir aos irmos e de recu-sar o privilgio.

    28 Caminhamos na estrada de Jesus

  • Para ajudar na reflexo1. O que mais chamou a sua ateno nesta longa instruo de Jesus sobre a Cruz? Por qu? E o que mais chamou a sua ateno na reao dos disc-pulos diante do ensinamento de Jesus?2. Voc se reconhece na reao dos discpulos diante da cruz? Como a cruz se manifesta na minha vida e na vida da nossa comunidade? Como ns en-frentamos a cruz hoje?3. Quais so os pontos principais da instruo de Jesus sobre a Cruz na vida dos discpulos e das discpulas? Tente lembrar e organizar a "Cartilha sobre a Cruz".

    Caminhamos na estrada de Jesus 29

  • CAPTULO 5Barreiras e pontes quebradas

    Sair do centro para continuar na periferiaMarcos 11,1 a 13,37

    Nos captulos 11 a 12, a instruo continua, no mais atravs de palavras, mas sim em forma de ao e de testemunho. O evangelho de Marcos usa muitas vezes a forma plural, sugerindo que Jesus est acompanhado de seus discpulos (11,1.12.15.20. 27.,.). Estes simplesmente seguem Jesus, esto com ele e participam de tudo o que ele faz. Tudo se passa em Jerusa-lm no meio da tenso entre Jesus e as autoridades. Eles vivem o conflito que a adeso a Jesus traz consigo. Agora vai aparecer, no concreto, o que significa seguir Jesus e carregar sua cruz.

    O mesmo acontece com a gente. s vezes, num curso bblico, num retiro, encontro ou missa, voc ouve falar sobre o amor, sobre a justia, sobre a fra-ternidade. Voc fica empolgado, empolgada. Mas s quando chega em casa, na famlia, na comunidade, no trabalho, na loja ou na rua, que voc vai entender, no concreto, o que significa realmente amor, justia e fraternidade. No assim? Da mesma maneira, caminhando com Jesus, desde a Galileia, os discpulos e as discpulas tinham recebido aquela longa instruo sobre a cruz. Mas s agora em Jerusalm, no concreto da ao, que eles vo expe-rimentar, o que vem a ser a Cruz e quais as suas exigncias e consequnci-as.

    Vamos acompanhar Jesus em Jerusalm olhando no espelho desta instru-o em forma de ao e de testemunho, para sentir de perto o alcance da sua cruz para a nossa vida.

    Olhando no espelhoJesus se mantm no seu caminho (11,1-11). Poucos dias antes da Ps-

    coa, acompanhado por discpulos e romeiros, vindos do interior da Galileia, Jesus entra na capital. O povo romeiro e os discpulos tomam as ruas da ci-dade, introduzem Jesus como Messias Rei e o aclamam: Bendito o que vem em nome do Senhor (11,9). Jesus aceita a homenagem do povo, mas com reserva. Sentado num jumento (11, 7), ele evoca a profecia de Zacarias que dizia: Teu rei vem a ti, humilde, montado num jumento. O arco de guerra ser eliminado (Zc 9,9.10). Os discpulos, que entendam o gesto simblico e se convertam! Jesus no aceita ser Messias Rei guerreiro. Ele se mantm no caminho do servio, simbolizado pelo jumento, animal de carga.

    Jesus rompe com o Templo (11,12-26). No dia seguinte, Jesus entra de novo no Templo, expulsa os vendedores e derruba as mesas dos cambistas

    30 Caminhamos na estrada de Jesus

  • (11,15-16). Para ele, o Templo deve ser uma casa de orao para todos os povos e no um covil de ladres (11,17). Em resposta, as autoridades come-am a procurar um meio para mat-lo (11,18). Os discpulos, que tirem a li-o! Seguir este Jesus perigoso. Exige coragem para aceitar at a morte e para denunciar o erro sem medo de morrer.

    Jesus rompe com os sumos sacerdotes, escribas e ancios (11,27 a 12,12). Estes querem saber com que autoridade Jesus faz as coisas (11,28). Jesus no responde. Sua ao no depende da licena deles (11,33), e anuncia que eles vo perder a condio de povo eleito (12,1-11). Novamente, as autoridades decidem matar Jesus, mas tm medo do povo (12,12). Os dis-cpulos, que estejam atentos! Quem anda com Jesus corre o perigo de ser perseguido por estas autoridades.

    Jesus rompe com os fariseus e os herodianos (12,13-17). Fariseus e hero-dianos eram as lideranas locais dos povoados da Galileia. Bem antes, j ti-nham decidido matar Jesus (3,6). Agora, provocam Jesus querendo saber se ele a favor ou contra o pagamento do imposto aos romanos (12,14). Jesus no responde questo nem a discute. Ele exige que deem a Csar o que de Csar, mas a Deus o que de Deus, a saber, devolvam a Deus o povo, por eles desviado. Os discpulos, que tomem conscincia! Pois era o fermen-to destes fariseus e herodianos que estava cegando os olhos deles (8,15).

    Jesus rompe com os saduceus (12,18-27). Os saduceus constituam uma elite aristocrata de latifundirios e comerciantes. Eram conservadores, con-trrios f na ressurreio. Eles questionam a f de Jesus neste ponto. Je-sus responde duramente: Vocs no entendem nada nem do poder de Deus nem da Escritura!... Vocs esto muito errados! (12,24.27). Os discpulos, que estejam de sobreaviso! Quem estiver do lado destes saduceus estar do lado oposto de Deus!

    Jesus rompe com os escribas (12,28-40). Os escribas eram os respons-veis pela doutrina oficial. Incomodados pela pregao de Jesus, j tinham es-palhado a calnia de que Jesus era um possesso (3,22). Jesus questiona o ensinamento deles sobre o Messias (12,35-37), condena o comportamento ganancioso e hipcrita de alguns deles (12,38-40), mas sabe reconhecer ne-les as boas qualidades (12,34). Os discpulos, que aprendam dos fatos! De-vem adquirir conscincia crtica para poder discernir o ensinamento dos es-cribas.

    Jesus aponta onde se manifesta a vontade de Deus. (12,41-44). Em todos estes momentos tensos e crticos, os discpulos esto com Jesus. No fim, sentado em frente ao cofre de esmolas do Templo, Jesus chama a ateno deles para o gesto de uma viva pobre que soube partilhar at do seu neces-srio. Os discpulos eram de opinio de que o problema do povo s poderia ser resolvido com muito dinheiro. Por ocasio da multiplicao dos pes, eles tinham dito a Jesus: O senhor quer que vamos comprar po por duzentos

    Caminhamos na estrada de Jesus 31

  • denrios para dar de comer ao povo? (6,37). Para quem pensa assim, os dois centavos da viva (12,42) no serviriam para nada. Mas para Jesus, esta viva, que pobre, lanou mais do que todos os que ofereceram moe-das ao Tesouro (12,43). Jesus tem critrios diferentes. Chamando a ateno dos discpulos para o gesto da viva, ele ensina onde eles e ns devemos procurar a manifestao da vontade de Deus, a saber, nos pobres e na parti -lha.

    Jesus rompeu com tudo: com o Templo, com os sacerdotes, com os anci-os, com os fariseus, com os herodianos, com os saduceus, com os escri-bas, com a ideologia da religio oficial! No fim, ele sai do Templo e da cidade. Sentado no Monte das Oliveiras, l do alto, ele olha para o Templo e termina a instruo fazendo o seu ltimo discurso para apenas quatro discpulos: Pe-dro, Tiago, Joo e Andr (13,3), que tinham feito uma pergunta sobre a des-truio do Templo e o fim dos tempos. Na resposta, Jesus esclarece sobre as perseguies e sobre a necessidade da vigilncia. O discurso consta de 5 partes:

    1. Mc 13,5-8: No se deixem enganar por falsos messias! No fiquem alarmados com rumores de guerra. No ser logo o fim.

    2. Mc 13,9-13: Vocs vo ser perseguidos, mas no tenham medo nem se preocupem! O Esprito Santo estar com vocs!

    3. Mc 13,14-27: Leiam os sinais dos tempos para descobrir onde Deus est atuando e chegando! Isto ser fonte de coragem e ajudar a perceber a vinda do Filho do Homem.

    4. Mc 13,28-32: Ateno! No qualquer sinal que vem de Deus! S Deus sabe a hora! Daquela hora, ningum sabe, nem os anjos, nem o filho, mas s o Pai!

    5. Mc 13,33-37: O que digo a vocs, digo a todos: fiquem bem vigilan-tes!

    Afinal, quem Jesus?Chegando ao fim e fazendo um balano, para dizer a verdade, o resultado

    muito pouco. No incio, Jesus atraa multides. O povo vibrava com ele. Agora, no fim, ele termina praticamente s! O ltimo discurso tem apenas quatro ouvintes! Como entender este fracasso? E fracasso?

    Pelo seu modo de ser, de agir e de ensinar, Jesus incomodava, levantava questionamentos. As pessoas procuravam compreend-lo a partir das coisas que elas mesmas j conheciam e acreditavam. Tentavam situ-lo e enqua-dr-lo dentro dos critrios familiares a elas: o Antigo Testamento, as Leis do pas e a Tradio dos Antigos. Mas eram critrios insuficientes. Jesus no cabia l dentro. Ele era maior! Afinal, quem era este Jesus para elas? Qual a ideia que as pessoas chegaram a formar a respeito dele?

    32 Caminhamos na estrada de Jesus

  • O povo. O povo estava espantado com o seu ensinamento, pois ele ensi-nava como quem tem autoridade e no como os escribas (1,22). O povo re-conhecia o novo que apareceu em Jesus, percebia a diferena entre ele e os escribas e manifestava a sua admirao: Que isto? Um novo ensinamento dado com autoridade? Ele manda at nos espritos impuros e eles lhe obede-cem! (1,27). Mas um levantamento da opinio pblica mostrou que, apesar da preferncia e da admirao, o povo no chegou a descobrir a identidade de Jesus. Para uns, Jesus era Joo Batista; para outros, Elias ou algum dos profetas! (8,28; cf. 6,14-16)

    Os parentes e o povo de Nazar. Os parentes tambm no sabiam bem o que pensar a respeito de Jesus, Achavam que ele tivesse ficado doido. En-louqueceu! (3,21). E os habitantes de Nazar no eram melhores que os pa-rentes. Eles conheciam Jesus desde pequeno e no aceitavam ele ter esca-pado dos critrios deles. Eles reagiam dizendo: Que sabedoria esta? No ele o filho de Maria? O carpinteiro? (6,2-3). No conseguiram crer nele (6,6).

    As autoridades. Ameaadas na sua liderana pela popularidade de Jesus, elas condenavam Jesus em nome da Tradio dos Antigos e das Leis d pas. Por exemplo, Jesus declarava perdoado o paraltico e elas acusavam: Blasfema! Pois s Deus pode perdoar (2,7). Jesus entrava na casa de um publica- no e elas questionavam: Como que ele come com pecadores e publicanos? (2,16). Jesus no insistia no jejum e elas exigiam: Por que os teus discpulos no fazem jejum? (2,18). Os discpulos colhiam espigas no sbado e elas atacavam: Por que eles fazem o que no permitido no sba-do? (2,24). Por que teus discpulos no se comportam conforme a Tradio dos Antigqs? (7,5). Diante da liberdade de Jesus e dos discpulos, elas pedi-am de Jesus um sinal do cu. Mas Jesus no dava (8,11-12). Ele no se sub-metia ao julgamento das autoridades nem dependia da licena delas. Estas se defendiam dizendo: Ele tem o diabo! (3,22.30) e decidiram mat-lo (3,6; 11,18). As normas e as leis em vigor declaravam Jesus como transgressor. Em nome da Tradio e da Lei, ele foi preso e declarado ru de morte (14,60-64).

    E os discpulos? Na longa instruo sobre a cruz em forma de ao e de testemunho estava embutida para eles a seguinte mensagem: Voc que quer ser discpulo ou discpula de Jesus, saiba bem o que est querendo! Se-guindo a Jesus, voc acabar sem o apuio dos sacerdotes do templo, sem a segurana de estar com os ancios, sem o amparo das leis dos fariseus, sem a certeza da expectativa messinica dos herodianos, sem a proteo da dou-trina oficial dos escribas, sem a vantagem que poderia receber dos ricos sa-duceus. Caminhando na estrada de Jesus, voc acabar no meio dos pobres e das vivas, que no tm poder nem dinheiro, e, no fim, terminar no calv-rio em Jerusalm? Voc topa?

    Caminhamos na estrada de Jesus 33

  • No foi fcil para os discpulos! Ou seguiam a opinio da maioria, e teriam de negar a Jesus. Ou acreditavam cegamente em Jesus, e entrariam na opo-sio contra todos os outros! No havia outra alternativa! E por incrvel que parea, depois de terem convivido tanto tempo com Jesus e de terem rece-bido tanta instruo, o fermento dos fariseus e dos herodianos acabou le-vando vantagem. No fim, os discpulos continuaram como cegos que tm olhos e no veem (8,18). No deram conta de crer.

    Para ajudar na reflexo1. O que mais chamou a sua ateno neste jeito que Jesus usou para ins-truir os discpulos e as discpulas atravs da ao e do testemunho? Por qu? Na sua comunidade, como est sendo feita a instruo em torno do Evangelho?2. Quais eram as rupturas que Jesus foi fazendo e quais as consequncias destas rupturas? O que voc teria feito se tivesse estado junto com Jesus naquela ocasio?3. Quais as rupturas que voc j fez na sua vida? Quais as mudanas que j aconteceram na vida da Igreja desde o Concilio Vaticano II e que se pare-cem com as rupturas que Jesus fez?4. Quais as rupturas que as comunidades e a igreja deveriam fazer hoje para poderem ser realmente fiis ao Evangelho?

    34 Caminhamos na estrada de Jesus

  • CAPTULO 6Morte na chegada

    O fracasso final como novo apeloMarcos 14,1-16,8

    Todos j tivemos alguma experincia das etapas ou atitudes que acaba-mos de percorrer: entusiasmo do incio, do primeiro amor (1,16 a 6,13); mo-mentos de desencontro e de frustrao (1,35 a 8,21); necessidade de revi-so, de acolhimento, de instruo e de testemunho (8,22 a 13,37). Nova e surpreendente, porm, a ltima etapa que comea agora e que descreve a histria da paixo, morte e ressurreio de Jesus (captulos 14 a 16).

    Geralmente quando lemos a histria da paixo e morte, olhamos para Je-sus para o sofrimento que lhe foi imposto. Vale a pena olhar tambm para os discpulos e verificar como eles reagiam diante da Cruz. Pois a Cruz a pe-dra de toque! Nas comunidades perseguidas da Itlia ou da Sria, o povo vi-via a sua paixo. Muitos tinham morrido no tempo de Nero, mas outros ti-nham trado, negado ou abandonado sua f em Jesus. Outros se pergunta-vam: Ser que vou aguentar a perseguio? Fico ou no fico na comunida-de? O cansao estava tomando conta, E dos que tinham abandonado a f, alguns perguntavam se era possvel a volta. Queriam recomear a caminha-da. Todos eles precisavam de novas e fortes motivaes para poder continu-ar na comunidade e na caminhada. Precisavam de uma renovada experin-cia do amor de Deus que fosse maior do que sua falha humana. A resposta, eles a encontravam nestes captulos 14 a 16. L, onde se descreve a maior derrota dos discpulos, est escondida tambm a maior das esperanas!

    Vamos olhar no espelho destes captulos, para ver como os discpulos e as discpulas reagiam diante da Cruz e como Jesus reagia diante das infideli-dades e fraquezas dos discpulos. Vamos descobrir, nas linhas e nas entreli-nhas, como o evangelista vai animando a f das comunidades perseguidas e como vai apontando quem realmente discpulo e discpula fiel de Jesus.

    Olhando no espelho da Paixo para saber como ser discpuloMarcos 14,1-2:O pano de fundo: a conspirao contra Jesus.

    No fim da sua atividade missionria, chegando em Jerusalm, Jesus aguardado pelos que detm o poder: Sacerdotes, Ancios, Escribas, Fari-seus, Herodianos, Saduceus, Romanos. Eles tm o controle da situao. No vo permitir que Jesus, um carpinteiro agricultor l do interior da Galileia, pro-voque desordem. A morte de Jesus j estava decidida por eles (11,18;

    Caminhamos na estrada de Jesus 35

  • 12,12). Jesus era um homem condenado. Agora vai realizar-se o que ele mesmo tinha anunciado aos discpulos: O Filho do Homem vai ser entregue e morto (cf. 8,31; 9,31; 10,33).

    Este o pano de fundo da histria da paixo que segue. Ela vai mostrar o que valeu a longa instruo sobre a cruz e quem mesmo o verdadeiro disc-pulo ou discpula que aceita fazer da sua vida um servio aos irmos, mesmo que deva carregar a cruz atrs de Jesus. Se a histria da paixo acentua a derrota e o fracasso dos discpulos, no para provocar desnimo nos leito-res. Mas sim para ressaltar que o acolhimento e o amor de Jesus superam a derrota e o fracasso dos discpulos!

    Marcos 14,3-9:Atitude de uma discpula de Betnia diante da cruz

    Uma mulher, cujo nome no foi lembrado, unge Jesus com um perfume carssimo (14,3). Os discpulos criticam o gesto dela. Achavam que era um desperdcio (14,4-5). Mas Jesus a defende: Por que vocs aborrecem esta mulher? Ela praticou uma ao boa para comigo. Ela se antecipou a ungir meu corpo para o enterro (14,6.8). Naquele tempo, quem morria na cruz no costumava ter enterro nem podia ser embalsamado. Sabendo disso, a mulher se antecipou e ungiu o corpo de Jesus antes da condenao e da crucifixo. Com este gesto, ela mostrava que aceitava Jesus como o Messias Servo a ser morto na cruz. Jesus entendeu o gesto dela e o aprovou. Anteriormente, Pedro tinha recusado o Messias Crucificado (8,32). Esta mulher annima a discpula fiel, modelo para os discpulos que no tinham entendido nada. modelo para todos, em todo o mundo (1-4,9).

    Marcos 14,10-31:Atitude dos discpulos diante da Cruz

    Marcos 14,10-11. Judas decide trair Jesus. Em contraste total com a mu-lher, Judas, um dos doze, resolve trair Jesus e conspira com os inimigos que lhe prometem dinheiro. Ele continua convivendo com os apstolos, mas ape-nas com o objetivo de achar uma oportunidade para entregar Jesus. Da mes-ma maneira, na poca em que Marcos escrevia o seu evangelho, havia disc-pulos que apenas aguardavam uma oportunidade para poder abandonar a comunidade que lhes trazia tanta perseguio. Ou, quem sabe, talvez espe-rassem obter at alguma vantagem entregando seus companheiros e compa-nheiras. E hoje?

    Marcos 14,12-16. Preparao da Ceia Pascal Jesus sabe que vai ser tra-do. Apesar da traio por parte do amigo, ele faz questo de confraternizar com os discpulos na ltima Ceia Pascal. Ele deve ter gastado bastante di-nheiro para poder alugar aquela sala ampla, no andar superior, arrumada

    36 Caminhamos na estrada de Jesus

  • com almofadas (14,15). Pois era noite de Pscoa. A cidade estava superlo-tada de romeiros por causa da festa. Era difcil encontrar um lugar.

    Marcos 14,17-21. Anncio da Traio de Judas. Estando reunido pela lti-ma vez, Jesus anuncia que um dos discpulos vai tra-lo, um de vocs que come comigo! (14,18). Este jeito de falar de Marcos acentua o contraste. Para os judeus, o comer juntos, a comunho de mesa, era a expresso mxi-ma de intimidade e de confiana. Assim, nas entrelinhas, Marcos manda a seguinte mensagem para os leitores: a traio ser feita por algum muito amigo, mas o amor de Jesus maior que a traio!

    Marcos 14,22-25. A celebrao da Ceia Pascal. Durante a celebrao, Je-sus fez um gesto de partilha. Distribuiu o po e o vinho como expresso da doao de si e convidou os amigos a tomar o seu corpo e o seu sangue. O evangelista colocou este gesto de doao (14,22-25) entre o anncio da trai-o (14,17-21) e o da fuga e da negao (14,26-31). Deste modo, acentuan-do o contraste entre o gesto de Jesus e o dos discpulos, ele destaca, para as comunidades daquele tempo e para todos ns, a inacreditvel gratuidade do amor de Jesus, que supera a traio, a negao e a fuga dos amigos.

    Marcos 14,26-28. O anncio da fuga de todos. Terminada a ceia, saindo com seus amigos para o Horto, Jesus anuncia que todos vo abandon-lo. Vo fugir e se dispersar! Mas desde j ele avisa: Depois da ressurreio, vou na frente de vocs l na Gali- lia! (14,28). Eles rompem com Jesus, mas Jesus no rompe. Ele continua esperando por eles no mesmo lugar, l na Galileia, onde, trs anos antes, os tinha chamado pela primeira vez. A cer-teza da presena de Jesus na vida do discpulo mais forte que o abandono e a fuga! A volta sempre possvel.

    Marcos 14,29-31. O anncio da negao de Pedro. Simo, que tem o ape-lido de Cefas {pedra), tudo menos pedra. Ele j foi Satans para Jesus (8,33), e agora pretende ser o discpulo mais fiel de todos. Ainda que todos se escandalizem, eu no o farei! (14,29). Mas Jesus avisa: Pedro, voc ser mais rpido na negao do que o galo no canto!

    Marcos 14,32-52:Atitude dos discpulos no Horto das Oliveiras

    Marcos 14,32-42. A atitude dos discpulos durante a agonia de Jesus. No Horto, Jesus entra em agonia e pede a Pedro, Tiago e Joo para rezar com ele. Ele est triste, comea a apavorar-se e busca apoio nos amigos. Mas eles dormem. No foram capazes de vigiar uma hora com ele. E isto por trs vezes! Novamente, o contraste entre a atitude de Jesus e a dos discpulos grande e proposital! aqui no Horto, na hora da agonia de Jesus, que se de-sintegra a coragem dos discpulos. No sobra mais nada!

    Marcos 14,43-52. A atitude dos discpulos durante a prifo de Jesus. Na

    Caminhamos na estrada de Jesus 37

  • calada da noite, chegam os soldados. Judas na frente. O beijo, sinal de ami-zade e de amor, torna-se o sinal da traio. Judas no teve a coragem de as-sumir a traio. Disfarou! Na hora da priso, Jesus se mantm calmo, se-nhor da situao. Ele tenta ler o sentido do acontecimento: para que se cumpra a Escritura! (14,49). Mas no adiantou para os discpulos. Todos o abandonaram e fugiram (14,50). No sobrou ningum. Jesus ficou s!

    Marcos 14,53-15,20:O processo: vrias vises de Messias em conflito.

    Marcos 14,53-65. Condenao de Jesus pelo Supremo Tribunal. Jesus levado para o tribunal dos Sumos Sacerdotes, dos Ancios e dos Escribas, tambm chamado Sindrio. Acusado por falsos testemunhos, ele se cala. Sem defesa, entregue nas mos dos seus inimigos. Assim ele realiza o que foi anunciado por Isaas a respeito do Messias Servo, que foi preso, julgado e condenado como uma ovelha sem abrir a boca (cf. Is 53,6-8). Interrogado, Jesus assume ser o Messias: Eu sou!, mas o assume sob o ttulo de Filho do Homem (14,62). E no fim, ele esbofeteado por pessoas que o ridiculari-zam como Messias Profeta (14,65).

    Marcos 14,66-72. A negao de Pedro. Reconhecido pela empregada como um dos que estavam no Horto, Pedro nega Jesus. Chegou a neg-lo com juramento e maldio. Nem desta vez ele foi capaz de assumir Jesus como o Messias Servo que entrega Sua vida pelos outros. Mas quando o galo cantou pela segunda vez, ele se lembrou da palavra de Jesus e come-ou a chorar.

    Marcos 15,1-20. Condenao de Jesus pelo poder romano. O processo segue o seu rumo. Jesus entregue ao poder dos romanos e por eles conde-nado sob a acusao de ser o Messias Rei (15,2; cf. 15,25). Outros propem a alternativa de Barrabas, preso com outros revoltosos (15,7). Estes vem em Jesus um Messias Guerrilheiro anti-romano. Depois de condenado, Jesus cuspido no rosto, mas no abre a boca. Aqui, novamente, aparece o Messi-as Servo anunciado por Isaas (cf. Is 50, 6-8).

    Marcos 15,21-39:Diante da Cruz de Jesus no CalvrioMarcos 15,21-22. Simo carrega a cruz. Enquanto Jesus levado para

    ser crucificado, Simo de Cirene, um pai de famlia, obrigado a carregar a cruz. Simo o discpulo ideal que caminha na Estrada de Jesus. Ele, literal-mente, carrega a cruz atrs de Jesus at o Calvrio.

    Marcos 15,23-32. A crucifixo. Jesus crucificado como um marginal ao lado de dois ladres. Novamente, o evangelho de Marcos evoca a figura do Messias Servo, do qual Isaas afirma: Deram-lhe sepultura entre os crimino-sos (Is 53,9). Como crime indicado Rei dos judeus! (15,25). As autorida-

    38 Caminhamos na estrada de Jesus

  • des religiosas caoam de Jesus e dizem: Desa da cruz, para que vejamos e possamos crer! (15,32). Eles so como Pedro. Aceitariam Jesus como Messi-. as, se ele no estivesse na Cruz. Eles queriam um' grande rei que fosse forte, dominador, e por isso no creram nele e mataram o Salvador.

    Marcos 15,33-39. A morte de Jesus. Abandonado por todos, Jesus solta um grito e morre. O cen- turio, um pago, que fazia a guarda, faz uma sole-ne profisso de f: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus! Um.-pago descobre e aceita o que os discpulos no foram capazes de descobrir e de aceitar, a saber, reconhecer a presena do Filho de Deus num ser hu-mano torturado, excludo e crucificado. Como a mulher annima no comeo destes dois captulos (14,3-9), assim, agora no fim, aparece um outro disc-pulo modelo. o centurio, um pago!

    Marcos 15,40-16,8:Diante do sepulcro de Jesus

    Mc 15,40-47. O enterro de Jesus. Um grupo de mulheres fica olhando de longe: Maria Madalena, Maria, me de Tiago, e Salom. Elas no fugiram. Continuaram fiis, at o fim. deste pequeno grupo que vai nascer o novo no domingo de Pscoa. Elas acompanham Jos de Arimatia que pediu li-cena para enterrar Jesus. No fim, duas delas, Madalena e Maria, continuam perto do sepulcro fechado.

    Mc 16,1-8. O anncio da ressurreio. No primeiro dia da semana, bem cedo, as mesmas trs foram ungir o corpo de Jesus. Mas encontraram o se- . pulcro aberto. Um anjo disse que Jesus tinha ressuscitado e lhes deu esta ordem: Vo dizer aos seus discpulos e a Pedro que ele vai na frente deles na Galileia. L vocs vo v-lo como ele mesmo tinha dito (16,7). Na Gali-leia, beira do lago, onde tudo tinha comeado, l que vai recomear tudo de novo. Jesus que convida! Ele no desiste, nem mesmo diante da desis-tncia ds discpulos! Chama de novo! Chama sempre!

    O Fracasso final como novo apeloEsta a histria da paixo, morte e ressurreio de Jesus, vista a partir

    dos discpulos e das discpulas. A frequncia com que nela se fala da incom-preenso e do fracasso dos discpulos corresponde, muito provavelmente, a um fato histrico. Mas o interesse principal do evangelista no contar o que aconteceu no passado, mas sim provocar uma converso nos cristos do seu tempo e despertar em todos uma nova esperana, capaz de superar o des-nimo e a morte. Trs coisas chamaram a ateno e devem ser assinaladas:

    Caminhamos na estrada de Jesus 39

  • 1. O fracasso dos eleitosAqueles doze homens especialmente chamados e eleitos por Jesus (3,13-

    19) e por ele enviados em misso (6,7-13) fracassaram. Fracasso completo. Judas traiu, Pedro negou, todos fugiram, ningum acreditou. Disperso total! Aparentemente, no h muita diferena entre eles e as autoridades que de-cretaram a morte de Jesus. Como Pedro, elas tambm queriam eliminar a cruz e queriam um Messias glorioso, rei, filho do Deus bendito. Mas h uma grande real diferena! Os discpulos, apesar de todos os defeitos e fraque-zas, no tm malcia. No tm m vontade. Eles so um retrato quase fiel de todos ns que caminhamos na estrada de Jesus, caindo sem parar, mas le-vantando sempre!

    2. A fidelidade dos no-eleitosComo reverso do fracasso de uns, aparece a fora da f dos outros, da-

    queles que no faziam parte do grupo dos doze eleitos: 1. A mulher annima de Betnia. Ela aceitou Jesus como o Messias Servo e, por isso, o ungiu, an-tecipando-se assim ao enterro. Jesus a elogiou. Ela modelo para todos. 2. Simo de Cirene, um pai de famlia. Forado pelos soldados, ele realiza o que Jesus tinha pedido aos doze que fugiram. Carrega a cruz atrs de Jesus at o Calvrio. 3. O centurio, um pago. Na hora da morte, ele faz a profis-so de f e reconhece o Filho de Deus num homem, torturado e crucificado, maldito conforme a lei dos judeus. 4. Maria Madalena, Maria, a me de Tia-go, Salom, e muitas outras mulheres que subiram com ele para Jerusalm (15,41). Elas no abandonaram Jesus, mas continuaram firmes ao p da cruz e perto do tmulo de Jesus. 5. Jos de Arimateia, membro do sindrio. Ele arriscou tudo pedindo o corpo de Jesus para ser enterrado.

    Os Doze fracassaram. A continuidade da mensagem do Reino no passou por eles, mas sim pelos outros, sobretudo pelas mulheres que receberam a ordem expressa de chamar de volta os homens fracassados (16,7). E hoje, a continuidade da mensagem passa por onde?

    3. A atitude de JesusA maneira como o Evangelho de Marcos apresenta a atitude de Jesus du-

    rante o relato da paixo para dar esperana e motivao at mesmo ao dis-cpulo mais desanimado e mais fracassado! Pois por maior que tenham sido a traio e o fracasso dos doze, o amor de Jesus foi sempre maior! Na hora de anunciar a fuga dos discpulos, ele j avisa que vai esperar por eles na Galileia. Mesmo sabendo da traio (14,18), da negao (14,30) e da fuga (14,27), coloca o gesto da Eucaristia. E na manh de Pscoa, o anjo, atravs das mulheres, manda um recado para Pedro que o negou, e para todos os

    40 Caminhamos na estrada de Jesus

    t

  • que fugiram: eles devem ir para a Galileia. L, onde tudo tinha comeado,