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    Caminho e Carter daRevoluo Brasileira

    rico Sachs (Ernesto Martins)

    1970

    Primeira Edio: Escrito em 1970, quando o autor se encontrava exilado na Alemanha.Circulou no mesmo ano no Brasil entre militantes da esquerda revolucionria, em ediomimeografada providenciada pela organizao Poltica Operria. O documento compostopor quatro partes distintas. Ernesto Martins foi um codinome utilizado por Eric Sachs emseus escritos durante a ditadura militar. Parte II digitalizado e revisado em out/2007, combase na coletnea Andar com os Prprios Ps, Belo Horizonte, SEGRAC. 1994; Parte IIIdigitalizada em set/2007 e revisada com base em cpia mimeografada datada de 1970.Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.Transcrio: Pery FalcnHTML: Fernando A. S. Arajo

    Parte I Revoluo Socialista ou Caricatura deRevoluo

    "Por outra parte as burguesias autctonesperderam toda a sua capacidade deoposio ao imperialismo se alguma vez ativeram e s formam seu vago dereboque. No cabem dvidas, ou revoluosocialista ou caricatura de revoluo".(Mensagem Tricontinental E. Guevara)

    Guevara, nos ltimos anos de sua vida, havia chegado concluso,expressando-a por escrito, que a revoluo na Amrica Latina ser socialistaou ser uma caricatura de revoluo. Com isto se afastou publicamente dascorrentes aparentemente radicais que no pretendiam passar dacaracterizao "popular" e "democrtica" da atual fase de luta e quesimplesmente se negaram a definir o carter do processo revolucionrio,fugindo da definio sob pretexto de no querer "cicatrizar" o problema. Jse tornava extremamente difcil defender a debilitada tese da "revoluoburguesa na Amrica Latina" e a definio de Guevara foi um golpe a mais

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  • contra o populismo "terico" nas esquerdas em toda Amrica Latina, asquais se viram obrigadas a uma precipitada reviso de suas concepesideolgicas e, no poucas vezes, se sentiram foradas a enfatizar profissesde f socialista para poder sobreviver.

    Para a elaborao de uma estratgia e ttica marxista no Continente, osimples abandono da tese da revoluo burguesa no o bastante. O recuottico e as profisses de f socialista, na maioria das vezes, servem s paraencobrir o (conservadorismo) das concepes de luta superadas e amanuteno de princpios e prticas pequeno-burguesas sob um rtulonovo.

    J o movimento revolucionrio, que se nomeia marxista-leninista, temque ter claro, no s os objetivos da luta, como tambm os meios paraalcanar a meta.

    As implicaes da Revoluo Socialista

    Que significa a afirmao de que a revoluo na Amrica Latina socialista?

    Aplicando o conceito aos temos concretos da luta de classes nosdiversos pases da Amrica Latina, evidentemente tem implicaesdiferentes nas regies do Continente diferenciadas pelo seu grau dedesenvolvimento e composies de classe. Parte, no entanto, das premissasde que:

    h um denominador comum na estrutura, na histria e no futurodos pases latino-americanos, e

    a.

    que o processo revolucionrio continental ao menos no que dizrespeito a parte latina do Continente.

    b.

    Parte igualmente de outra premissa, tirada da experincia histrica daAmrica Latina.

    J que o processo revolucionrio continental no sentido de que snesta dimenso vencer a inimigo comum, o imperialismo, e enfrentar osproblemas sociais herdados do domnio de uma burguesia subdesenvolvida,a soluo ter que ser socialista. Somente os objetivos socialistas e asclasses que os encarnam podem desenvolver a solidariedade continentalnecessria luta de emancipao e superar os particularismos"chauvinistas" e interesses locais, que caracterizam a fase das lutasburguesas.

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  • Ento, isto significa que a Amrica Latina j est na iminncia darevoluo? Que nos encontramos diante de uma situao revolucionria ouem vspera de sua ecloso, na qual as condies para a instalao de umsistema e de governos socialistas j esto dadas?

    Evidentemente que no. A caracterizao socialista da revoluo, em sino significa mais que constatar que hoje no h mais lugar no Continentepara outras revolues a no ser as socialistas, tomando revoluo nosentido marxista de mudana de domnio de classes e transformao dasociedade, tanto da sua infra como da sua superestrutura.

    Significa que, enquanto se mantiverem intactas as bases e as estruturasburgusa-capitalista, todos os movimentos, mesmo os iniciados commtodo revolucionrio, ficaro no meio do caminho, isto , produzirocaricaturas de revoluo. E revolues feitas pela metade, como a histriaj nos ensinou, acabam em reaes contra-revolucionrias. Estasconcluses so feitas, e no podem ser feitas de outro modo,independentemente do fato de que a situao esteja ou no madura paralanar a palavra de ordem da revoluo socialista, de que as classesexploradas estejam ou no prontas para acat-la, de que todas ascondies estejam dadas, etc. Este aspecto da questo se relaciona com astarefas da vanguarda revolucionria, da sua estratgia e ttica a seguir eque representa outro ponto do debate. A constatao do objetivo darevoluo socialista parte do fato de que o ciclo das revolues burguesas,mesmo tal como existiu nas condies latino-americanas se esgotou comofator de progresso social. No significa que essas revolues burguesastenham sido concludas, levadas at o final, como se deu em pases decapitalismo clssico, dos quais a Frana o exemplo mais ntido.Indubitavelmente as "tarefas" que as revolues burguesas deixaram, nopassam de aspectos secundrios das futuras revolues socialistas. Desde a"questo agrria" at as "tarefas democrticas" existem uma srie deproblemas que a sociedade burguesa em decadncia j no soluciona.

    No menos importante para essas concluses o fato comprovado deque dentro das bases e da estrutura burgusa-capitalista no h soluopara o problema mais agudo entre os que oprimem os povos desteContinente, problema que freia e corta todas os caminhos do progresso eimpede o desdobramento de suas foras produtivas: o domnio imperialista.Nenhum povo, e no s desta parte do globo, soube se liberar das garras daexplorao imperialista sem romper as bases capitalistas das relaes deproduo. O nico pas que conseguiu escapar ao "domnio Imperialista" foiCuba. E conseguiu unicamente mediante uma revoluo socialista.

    Cuba no deu esse salto de uma maneira premeditada. Nem a guerrilha

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  • na serra, nem as organizaes de luta dos operrios nas cidades tinham secolocado objetivos socialistas de revoluo. Mesmo depois da insurreiovitoriosa o governo revolucionrio tentou primeiro expropriar somente oscapitalistas estrangeiros, deixando intacta a economia de mercado.

    Viu-se forado em seguida a expropriar sua prpria burguesia para nopor em perigo todo o processo revolucionrio. Com isto criou um fatoconsumado nas lutas de classes na Amrica Latina, um novo ponto departida para seu processo revolucionrio e delineou seu objetivo histrico.Esta a importncia primordial que a revoluo cubana tem para ns,independentemente da interpretao que seus prprios dirigentes podemdar e da estratgia e ttica que podem nos recomendar.

    O que a "Revoluo Popular?"

    O populismo reinante nas esquerdas procura diluir sistematicamente ascategorias marxistas, originadas em uma concepo materialista da histriada sociedade da qual evidentemente no compartilham. Por muito tempotentou e evidentemente ainda tenta por outros meios substituir conceitosmarxistas definidos como revoluo burguesa ou socialista, por indefinidasrevolues "populares". Consequente com essa linha populista, parte de"movimentos" e "lutas populares" para chegar atravs da formao de"frentes populares" ao apoio a "governos populares". Se Marx j denunciouesse populismo no seu tempo (em que as contradies de classes ainda nohaviam alcanado a agudeza de hoje) e Engels no poupou observaessarcsticas sobre o "Estado Popular" dos social-democratas alemes Lnin por sua vez dedicou considervel lugar nas suas polmicas pararestabelecer os conceitos revolucionrios do marxismo. Hoje, a tarefa secoloca de novo e em escala muito maior. Com a expanso do marxismodesde a segunda Guerra Mundial, (hoje todo mundo marxista-leninista), opopulismo penetrou novamente no movimento operrio. E hoje ningum sed ao trabalho, ao incmodo de dizer que est "revisando" o marxismo e oleninismo. A profisso de f de adeso doutrina dos fundadores dosocialismo cientfico serve de "salvo-conduto" para as "teorias" e prticasmais absurdas.

    Sem dvida esta no a nica porta pela qual o populismo entrou nomovimento comunista internacional. Alm do revisionismo iniciado porStlin, que inventou as "Frentes Populares" como pretensa ttica de "Cavalode Tria" e as "Democracias Populares" para no espantar a burguesiaocidental com Repblicas Socialistas e Ditaduras do Proletariado, emconsequncia da guerra se deu o fenmeno de revolues como as

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  • asiticas, que eram populares de fato, de um ponto de vista marxista e sobo prisma marxista. Eram populares justamente porque no eramproletrias. Eram revolues agrrias, levadas adiante e realizadas porcamponeses em pases em que o proletariado era numericamente reduzidodemais para chefiar (encabear) fisicamente a revoluo. Naqueles pasesera igualmente insignificante o papel da pequena-burguesia urbana, e muitomais reduzida numericamente que esta a burguesia incipiente. Nessespases o campesinato era o povo, a fora motriz da revoluo.

    Entretanto, transportar esses modelos de revoluo agrria parasociedades industrializadas, com suas divises de classes cristalizada eantagonismos em outro nvel, choca-se no s com qualquer dialtica daluta de classes como tambm serve geralmente a segundas intenes.Essas tentativas mecanicistas de generalizar experincias podem,consciente ou inconscientemente, serem ocasionadas pelo fenmeno dequerer ver o desenvolvimento das lutas de classe em escala internacionalcomo continuao da prpria revoluo (assim como existiram generais queviram em cada nova guerra o prosseguimento da guerra anterior). Cabe aosrevolucionrios dos demais pases retificar esse erro a tempo.

    Mas o modelo tambm transportado consciente ou inconscientemente(o resultado ser o mesmo) porque convm para sustentar concepespolticas j existentes de antemo. Pois se na China, por exemplo, o papelda pequena-burguesia da cidade, como classe, era insignificante, nosucede o mesmo nas sociedades industriais. Nestas, a pequena burguesiatem reivindicaes prprias que pesam na luta de classe, uma delas, e noa menos importante, representar o povo, falar em nome do povo, estarpor cima da contradio trabalho assalariado-capital. E mesmo quando seradicaliza, quando participa de movimentos revolucionrios e "aceita" omarxismo, traz consigo suas concepes populistas e procura, agora sob ortulo "terico", op-las ao "sectarismo" da luta de classe proletria. E porisso mesmo que as profisses de f revolucionrias no produzem sempreuma prtica consequente.

    Para os marxistas, as possibilidades histricas e, portanto, os objetivosde um determinado processo revolucionrio, tem que ser definidos comtoda a clareza, para que se possa desenvolver uma estratgiacorrespondente.

    S queremos recordar de passagem a atuao de Marx. Mesmo dizendona Revoluo de 1848 que o proletariado "tenha interesse em tornar arevoluo permanente", deixava claro que a fase ento presente eraburguesa e elaborava uma estratgia e ttica apropriada para a revoluoburguesa. O que previa na estratgia era melhorar a situao do

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  • proletariado, deix-lo em situao mais favorvel para iniciar a luta pelarevoluo socialista. O mesmo pode-se verificar na atuao de Lnin, queem 1905 no deixou dvidas de que se tratava de abrir as portas docapitalismo russo, mas em 1917 formulou clara e insofismavelmente oobjetivo da revoluo socialista e da Ditadura do Proletariado nas "Teses deAbril". Ainda que Lnin tenha falado da "revoluo ininterrupta", nuncaaceitou a diluio subjetivista da "revoluo permanente" de Trotsky, porexemplo.

    Os dois tericos do socialismo cientfico trataram a revoluo socialistacomo duas etapas histrica e qualitativamente distintas, que podiam seencontrar em um processo revolucionrio "permanente" ou "ininterrupto",mas que tinham de ser distinguidos tanto por seus objetivos inerentes comopelas alianas de classe que lhes servem de bases.

    Lnin, em o "Estado e Revoluo", se refere especificamente a"revolues populares" e usa o adjetivo para distinguir o desenvolvimentoda Revoluo Russa de 1905, um movimento com ampla participao demassas populares, da revoluo turca de 1911, realizada por jovens oficiaisatravs de golpes militares.

    No usa o termo para substituir os conceitos fundamentais de revoluoburguesa ou socialista, mas sim para distinguir dois modos de realizao darevoluo burguesa como se deram na realidade. No aplicou essa distinopara a revoluo socialista, pois desta sups, de antemo, que s poderiaser realizada atravs da interveno das massas populares. E nesse sentidonossos populistas so consequentes, pois na maioria dos casos se escondemconcepes e objetivos burgueses sob o pretexto da "revoluo popular".Basta dizer que quase todos eles deixaram "aberta uma porta" para que osburgueses nacionais dem sua adeso a tais movimentos.

    O exemplo concreto da revoluo chinesa

    O exemplo clssico em nossa poca de uma revoluo que pode serchamada de popular dado pela revoluo chinesa. Trata-se justamente deum processo histrico em que as duas fases, a da revoluo burguesa e ada socialista se encontraram, em que uma revoluo agrria desembocouno socialismo.

    As circunstncias histricas concretas que possibilitaram a execuo darevoluo chinesa so conhecidas. A revoluo burguesa, cujos incios sesituam nos levantes dos Taiping, foi retomada sob a direo de SunYat-Sen, que criou o Kuomintang como instrumento poltico partidrio. Os

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  • comunistas chineses, depois de discusses internas, entraram noKuomintang onde encontraram suas bases de massas e procuraram criarum plo proletrio para impelir o processo diante e radicaliz-lo. Depoisda traio do Kuomintang o PC no soube reconhecer o momento adequadopara separar-se dele e se tornou vtima do terror contra-revolucionrio. Issomais as aventuras ultra-esquerdistas do fim da dcada dos anos 20destruram no s as organizaes comunistas nas cidades como tambmeliminaram praticamente o numericamente reduzido proletariado chinscomo fator poltico ativo, o qual no interveio como classe seno at o fimda guerra civil. Os comunistas sobreviventes se deslocaram at o interior ecriaram as bases camponesas armadas. A revoluo se tornou agrria,alimentada pelos remanescentes do feudalismo asitico.

    No entanto, as lutas proletrias anteriores haviam criado um PartidoComunista e o fato de que a burguesia chinesa traiu o campesinato edesistiu de uma luta frontal contra o feudalismo no campo, fez com que oscamponeses aceitassem a liderana comunista para completar a tarefa darevoluo burguesa. Esse aspecto da revoluo burguesa, antifeudal, foicompletada na China sem e contra a burguesia, como Mao-Tse-Tungsublinhou mais de uma vez. Entretanto, o fato dos comunistas teremconquistado essa liderana dos camponeses, mais a influncia do exemplo eo escudo material da vizinha Unio Sovitica, permitiu aos comunistaschineses a instaurao de um poder socialista, ainda que fosse socialistasomente em sua tendncia, como ocorreu na prpria Rssia Sovitica em1917.

    O carter popular dessa revoluo e da Repblica que criou foiproporcionado pelo seu carter agrrio, pelo fato de terem sido oscamponeses a sua fora motriz, os quais representavam a imensa maioriada sociedade agrria chinesa e pelo fato de que os camponeses em rebeliopodiam e tinham que ignorar por muito tempo as divises de classe nascidades.

    Inseparvel de revoluo chinesa o conceito da Guerra PopularRevolucionria que se caracterizou pela prolongada confrontao armadaentre unidades guerrilheiras camponesas e o Exrcito da represso.Protegidas por bases liberadas, essas unidades guerrilheiras cresceramdurante mais de 20 anos de luta, de regimento a brigadas, divises eexrcitos. A revoluo vai do campo at as cidades que so cercadas etomadas no final da guerra e cuja libertao marca o fim da guerra civil.

    duvidosa a interpretao que frequentemente se d ao papel daburguesia nacional chinesa. Apesar de existirem as j citadas constataesde Mao sobre que a revoluo foi feita sem e contra a burguesia, falam mais

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  • alto outras verses, igualmente de fonte chinesa que insistem em umapretensa "colaborao da burguesia nacional". Nestas verses se apia LinPio, no clebre ''Viva o triunfo da guerra popular" (que leva como subttulo"A significao internacional da teoria do Camarada Mao-Tse-Tung sobre aguerra popular") quando recomenda aos povos do mundo capitalistasubdesenvolvido a incluso das burguesas nacionais na luta.

    A falta de clareza sobre o papel da burguesia chinesa na Revoluo facilitada provavelmente pelo fato de que os comunistas chineses, durante aguerra contra o Japo, convidaram a burguesia chinesa para a formao de"frentes nacionais" (quando Mao-Tse-Tung desenvolvia a teoria dos QuatroMeses). Mas mesmo essa frente surgida com o Kuomintang, que se deu e semanteve sob presso sovitica e norte-americana sobre Chiang Kai-Chek,no passava de um armistcio mal disfarado em uma guerra civil querecrudesceu quando o perigo japons foi eliminado. Os comunistas nuncaconseguiram a formao de um governo de coalizo para a coordenaocomum do esforo de guerra.

    A burguesia nacional chinesa participou do dispositivo de ChiangKai-Chek no seu territrio, ou colaborou foradamente com os japonesesnos territrios ocupados, da mesma maneira como colaboraram osburgueses continentais europeus com o nazismo. A faco da burguesiachinesa que chegou a colaborar com a Revoluo e que continuacolaborando, o fez depois da vitria comunista e o fez porque no tinhaoutra sada levando em conta os meios de coero que o governorevolucionrio dispunha. Isso o que h de concreto sobre a "colaboraode burguesia nacional", mas trata-se evidentemente de uma experinciadificilmente aplicvel a nosso terreno na atual fase de luta.

    evidente tambm que nossos companheiros chineses conhecem essesfatos to bem como ns. Se continuam sustentando a fico da"colaborao da burguesia nacional" e recomendam a participao dasburguesias nacionais na "revoluo anti-imperialista e antifeudal" dos povosda sia, frica e Amrica Latina, isso tem causas e razes concretas.

    Em primeiro lugar, generalizam a situao reinante na Chinapr-revolucionria a todo mundo capitalista subdesenvolvido e abstraem ascondies sociais e histricas reinantes nas diversas regies. Para elestrata-se evidente e genericamente de vencer as fases burguesas doprocesso revolucionrio (Revolues Nacional-Democrticas), quedesembocar como na China (Nova Democracia) no socialismo, mas quequer ser tratado e iniciado a base de alianas de classe da revoluoburguesa. O que pelo menos no caso da Amrica Latina j no correspondeaos fatos.

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  • Em segundo lugar, mesmo nos casos onde ainda se coloca na ordem dodia as revolues burguesas, a participao de burguesias nacionais emrevolues se torna cada vez mais duvidosa. A burguesia hoje prefere ocaminho das reformas e dos compromissos, que no pe em risco sua basesocial. Se, no entanto, a fico contrria sustentada deve-seprovavelmente ao fato de que no caso chins ajudou a neutralizaragresses internas e externas a parte revolucionria chinesa. Mas no casochins a fico pde ser proveitosa aos revolucionrios em virtude decondies internacionais particulares, reinantes na ocasio. O armistcio naguerra civil se enquadrou na aliana formada entre uma potncia socialista,a Unio Sovitica, e parte do campo imperialista, contra outra coalizoimperialista mais agressiva. Esta possibilidade de aproveitamento decontradies inter-imperialistas passou. A situao internacional agora completamente diferente. Hoje, quando aparece a contradio entresistemas sociais, isto , entre socialismo e capitalismo, como a contradiofundamental da poltica mundial, quem se torna vitima da fico do papelrevolucionrio das burguesias nacionais o prprio movimentorevolucionrio, como demonstrou, entre outros, o caso da Indonsia.

    A experincia chinesa representa um enriquecimento ao marxismo e srevolues do nosso sculo precisamente pela capacidade que oscomunistas chineses demonstraram em adaptarem as lutas de classe nosseu pas em situaes concretas e novas. Seus ensinamentos soaproveitados e igualmente adaptados em todos as regies em quepredominem condies socialmente similares s da Chinapr-revolucionria, aonde o campesinato representa a fora motriz darevoluo por no ter surgido um proletariado industrial, bastantedesenvolvido para exercer o papel de coveiro do capitalismo. Entretanto,querer generalizar o modelo chins como vlido para todo o "mundo coloniale semi-colonial", isto , para o mundo capitalista subdesenvolvido, atuarto esquematicamente como atuaram os "conselheiros" de 1927, quandoinsistiram junto aos chineses de que sua revoluo tinha que se comportar maneira russa. O mundo subdesenvolvido no to homogneo, e hojemuito menos que um quarto de sculo atrs, quando os exrcitos deguerrilheiros entraram em Pequim.

    Querer que a revoluo no Brasil ou no Chile, se comporte conforme omodelo chins desconhecer toda uma realidade de desenvolvimentocapitalista nos dois pases e no Continente. Propagar nesses pases a guerrapopular revolucionria, a revoluo do campo cidade, ignorar o papelque o proletariado j conquistou nas lutas de classe nos citados pases eabrir as portas do movimento revolucionrio ao populismo pequeno-burgus, que continua ignorando a importncia da contradio trabalho

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  • assalariado-capital, que domina a vida de seus pases e que proporciona abase imperialista do Continente.

    Na sociedade capitalista insistiu Lnin mais de uma vez j nopodemos falar de povo genericamente. O povo se dividiu em classes, que secomportam conforme os interesses sociais criados pela sociedadecapitalista. Nosso problema mais urgente dar conscincia de classe aoproletariado e o nico caminho para isso no deixar nenhuma iluso sobreos interesses de classes existentes na sociedade.

    Lutamos contra uma sociedade capitalista

    POLTICA OPERRIA, desde a sua fundao (pode-se dizer que foi essauma das razes de sua fundao), defendeu a tese da revoluo socialistacomo nica soluo possvel dos problemas sociais no Continente eespecificamente no Brasil. Fomos os primeiros e por muito tempo os nicosno pas que se deram ao trabalho de uma fundamentao terica e queprocuraram tirar as consequncias prticas da situao. Ainda que, desdelogo, devemos muito aos trabalhos pioneiros de companheiros de outrospases latino-americanos, como o equatoriano Manuel Agustin Aguirre.

    Tnhamos chegado a duas concluses bsicas:

    a) que a Amrica Latina no conheceu em sua histria revoluesburguesas no sentido europeu ou asitico, onde a burguesia das cidadescompactuava e at participava de uma luta popular contra uma velha ordemfeudal.

    A Amrica Latina no conheceu o feudalismo como ordem social prpria,apesar das tentativas espontneas dos descobridores e conquistadores detransportar para o Novo Mundo os valores reinantes ainda em suas ptrias.O continente foi conquistado, povoado e desenvolvido (isto ,subdesenvolvido) em funo do capitalismo mundial, no inicioprincipalmente pelo capitalismo mercantil, e formado pelas necessidadesdeste. Participou passivamente desse sistema capitalista desde o incio,fonte de acumulao primitiva para as Metrpoles e reserva para futurasexpanses do sistema. Quando se libertou do estado colonial direto,continuou como fornecedor de matrias primas, mercado e domnio dasMetrpoles capitalistas at ser absorvido e integrado ao imperialismo, queenglobou essas regies em um sistema mundial sem necessitar destruir adecompor velhas relaes feudais, como na sia por exemplo. A misrialatino-americana, tal como a conhecemos atravs de sua histria, j misria da prpria sociedade capitalista.

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  • O problema da transformao social, que encontramos na AmricaLatina, se desenrolou dentro do quadro de uma sociedade capitalista.Trata-se do deslocamento do peso da burguesia do campo para a cidade,fenmeno que foi acompanhado pela destruio dos chamados governosoligrquicos, como no Brasil em 1930.

    A "revoluo burguesa, na medida em que se deu, no foi tanto umaluta contra o feudalismo, mas sim uma luta entre a burguesia industrialnascente contra a antiga estrutura mercantil e rural. A sociedade"pr-revolucionria" era formada por um capitalismo primitivo e primrio,mas que apesar de tudo j era capitalismo na sua essncia. A "revoluoburguesa" no Brasil, acabou em compromissos com a bno doimperialismo e caracterstico que o movimento "revolucionrio" nochegou a tocar no campo. A faco rural da classe dominante ganhou tempopara se transformar em industrial e para adaptar o primitivo capitalismorural s novas necessidades. Isso quer dizer que a revoluo burguesa noBrasil (e em geral na Amrica Latina), em termos de transformao social,no se deu como "negao" de uma sociedade pr- capitalista, mas sim"como transformao de quantidade em qualidade" a base da ordem socialexistente. Dentro do compromisso das classes dominantes, a hegemonia daburguesia da cidade foi assegurada pelo crescimento de seu podereconmico.

    Foi A.G. Franck quem analisou melhor e aprofundou mais os estudos dodesenvolvimento capitalista na Amrica Latina. Mostra concretamente, noscasos do Brasil e Chile, as origens e o crescimento das classes dominantesnativas e suas relaes com as burguesias da Metrpole capitalista. Agrande contribuio de Franck consistiu em demonstrar com base eminvestigaes histricas e de anlises da sociedade atual: a) que durantequatro sculos a funo de nosso sub-desenvolvimento dentro docapitalismo mundial como fornecedor de recursos para a acumulao nasmetrpoles no mudou; b) porque no h perspectivas de libertao dospases subdesenvolvidos dentro de relaes de produo capitalistas. Aclasse dominante do Continente no fez mais e no faz mais do que seadaptar s necessidades do capitalismo mundial, sem poder superar seupapel de dependente. Esta "continuidade na troca", representa um fatorfundamental na anlise histrica e dialtica. Mas no instante de realar ofenmeno da "continuidade na troca", Franck deixa em segundo lugar osignificado do salto qualitativo, que representa a transformao daseconomias agrrio-mercants, de caractersticas coloniais, em capitalistaindustrial subdesenvolvidas dentro do contexto geral das lutas de classesem escala internacional. Entretanto, no se apercebeu da importncia dosurgimento do proletariado industrial o de sua interveno no cenrio da

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  • poltica latino-americana e isso explica porque apesar de ver claramente aincapacidade da burguesia de encabear ou participar de qualquermovimento revolucionrio e de ver a soluo socialista como a nica sadapara os problemas vitais do Continente considera, entretanto, essa luta sobo ngulo da "libertao nacional".

    Para a discusso em termos de uma estratgia revolucionria, tal comose est dando atualmente, importante ter em mente o quanto essasituao contm de elementos que podem ser levados em conta. Tanto arevoluo russa como a chinesa, em escala ainda maior, tiveram tarefas darevoluo burguesa para cumprir. A mais importante era a datransformao do campo, que havia sido o baluarte do antigo regime. Emambos os casos na China novamente em grau muito maior essaingerncia da revoluo burguesa influiu ativamente para assegurar avitria socialista.

    A situao na Amrica Latina j no a mesma. Ainda que o campoconserve toda sua potencialidade revolucionria e a aliana entre operriose camponeses (e entre operrios e trabalhadores do campo isso varia depas para pas) seja uma das bases fundamentais de qualquer estratgiarevolucionria, existem caractersticas prprias que influem no transcursoda luta.

    Em primeiro lugar a no existncia de uma sociedade feudal noContinente faz com que tampouco haja, na maioria dos pases, tradies de"guerras camponesas", como se deram na histria europia e asitica. Umaexceo a essa regra est representada pelos pases que antes da conquistaj dispunham de uma ordem agrria ttica, destruda pelos brancos. Arebelio das populaes indgenas e mestias no restabelece,evidentemente, a antiga ordem, mas torna-se um elemento da revoluoburguesa, lhe d o carter popular o contribui ao restabelecimento do poderburgus-capitalista nas cidades, ainda que contra a vontade da burguesia. Ogrande exemplo o Mxico, mas a revoluo boliviana de 1952, mesmo nocontando com a participao ativa camponesa na fase de luta, trouxeresultados no menos radicais. A atual reforma do Peru, de carterpreventivo, mostra que a fora da presso indgena no se esgotou ainda.Nesses pases, a transformao do estatuto agrrio deu-se principalmentepela criao do minifndio. Entretanto a burguesia peruana est procurandooutro caminho, o da formao de cooperativas agro-capitalistas.

    No resto da Amrica Latina a transformao se d principalmente pelachamada racionalizao e modernizao dos latifndios, isto , a inversodo capital em base de um clculo industrial, na agricultura. Neste sentido,Cuba pr-revolucionria representa provavelmente o exemplo clssico no

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  • Continente. Isso significa a existncia de um proletariado assalariado e deum semi-proletariado (meeiros) no campo capaz de desenvolver formas deluta prprias, que se aproximam das do proletariado industrial.

    Ambas as formas de transformao burguesa no campo no resolvem oproblema agrrio. A sociedade capitalista na Amrica Latina no assegura aexistncia nem do pequeno campons, nem do assalariado rural. E a luta nocampo, que se agrava e se aprofunda a longo prazo j se desenrola noterreno da economia e sociedade capitalista, isto , em um nvel mais alto,como demonstrou Cuba.

    Em termos gerais pode-se constatar que a revoluo burguesa, tal comose deu na Amrica Latina tinha duas tarefas essenciais a cumprir:

    levar a burguesia urbana ao poder e isso com todas asconsequncias de adaptao do aparato estatal a suanecessidade;

    a.

    a transformao do campo, cuja estrutura criada pelo capitalmercantil-colonial j no corresponde s necessidades daexpanso da burguesia industrial e urbana, integrada ao sistemaimperialista.E isso indica que as tarefas que a revoluo burguesa deixoupara ns j no tm o mesmo peso na revoluo como tiveramna China e ainda na Rssia. Pesaro, na verdade, na construodo socialismo, quando sentimos a incapacidade da burguesia decriar uma sociedade industrial que nos facilite a expanso dasforas produtivas em bases socialistas.

    b.

    O papel do Imperialismo

    O auge do processo de industrializao da Amrica Latina deu-se emuma fase do imperialismo que foi caracterizado por August Thalheimer, em1956, como sendo de "cooperao antagnica", sob a gide dos EstadosUnidos.

    O resultado da Segunda Guerra Mundial trouxe para o mundo capitalistauma situao em que as contradies inter-imperialistas, que dominam asrelaes internacionais desde a fim do sculo passado, se tomaramsecundrias em vista de uma contradio mais profunda e fundamentalentre os dois sistemas sociais que dominam o globo.

    A expanso do campo socialista e o predomnio material e tecnolgicodos Estados Unidos no mundo capitalista fazem com que as potncias

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  • imperialistas mais dbeis se submetam s mais fortes, em uma pirmideinvertida, que dominada pelos Estados Unidos, a superdotada potnciaimperialista e policial do sistema capitalista. Essa integrao do mundoimperialista no elimina nem supera nenhum dos antagonismos existenteno sistema, entre as potncias imperialistas e entre elas e as noimperialistas, as quais so objeto da explorao imperialista. Sem dvidas,evita que esses antagonismos cheguem s ltimas consequncias deconfrontaes armadas entre potncias imperialistas, em virtude de umacooperao que predomina contra a ameaa do socialismo e da revoluomundial.

    A cooperao antagnica entre as potncias imperialistas encontra suaprolongao lgica nas relaes entre essas e as burguesias nacionais domundo capitalista subdesenvolvido. Na Amrica Latina e no Brasil, isso tevecomo consequncias gerais:

    que ficou limitado o campo de manobras para as burguesiasnativas, que periodicamente souberam explorar as contradiesentre potncias imperialistas (Estados Unidos, Inglaterra,Alemanha, etc.) para melhorar suas prprias posies;

    a.

    uma aceitao e crescente dependncia do domnio doimperialismo norte americano em uma associao econmica, naqual o capital imperialista participa na industrializao, ocupaposies de mando virtual e influi decisivamente no ritmo dasatividades econmicas.

    b.

    A "cooperao antagnica", no libera o mundo capitalista de choquesinternos em todos os nveis, altos e baixos. H momentos em que oantagonismo parece predominar, em que as burguesias nacionais ameaamcom uma poltica externa "independente", se rebelam contra os esquemasdo Fundo Monetrio lnternacional e nacionalizam empresas estrangeirasparticularmente impopulares. O mesmo fenmeno se d entre as prpriaspotncias imperialistas nos momentos de relaxamento peridico da tensointernacional. Desaparece quando surge um novo recrudescimento datenso internacional e, como na Frana em 1968, quando o regimecapitalista est posto em cheque. A prazo prevalece a cooperao pelamanuteno do sistema.

    Na Amrica Latina o fenmeno particularmente presente nas cidades eno campo e nas crises econmicas agudas. Nos momentos em que osantagonismos vem superfcie, a oposio burguesa, entretanto, no visa osistema em si e limitada de antemo pelos interesses deauto-conservao. A oposio dirigida unicamente contra o sistema dedistribuio da mais valia produzida pelo proletariado do Continente, da

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  • qual o imperialismo leva a parte de leo.

    Quando consegue melhorar sua posio na sociedade com oimperialismo (o que nem sempre acontece na realidade), a burguesia nativacontinua colaborando com o imperialismo em novos termos.

    Que esse processo est vivo no Continente, demonstram os exemplosdo Peru e da Bolvia de antes do golpe de Banzer. O Peru, na mesmasemana em que expropriou a empresa de m fama "Internacional PetroleumCo, outorgou outras trs concesses de explorao petroleira a companhiasnorte-americanas "independentes" em condies "mais vantajosas" e nodeixou de entregar novamente suas minas de cobre ao imperialismo norteamericano. Na Bolvia, aonde o processo parecia tomar rumos mais radicais,pouco antes do golpe de Banzer, houve um recesso que indicava que aburguesia boliviana no estava disposta a correr o risco de provocar umchoque com o imperialismo que poderia por em perigo sua precriaestabilidade interna. Tanto na Bolvia como no Peru, o regime oscilou entreditadura militar aberta e tentativas de um populismo controlado. Seuinstrumento de "cooperao antagnica" nas suas diversas fases oExrcito e este tem seu papel especfico a desempenhar nos governosburgueses do Continente.

    Exrcito e revoluo burguesa

    Na maioria dos pases da Amrica Latina o papel desempenhado peloExrcito est em estreita dependncia do desdobramento da revoluoburguesa. No Brasil, por exemplo, o processo de transformao das tropascoloniais em exrcitos a servio da nascente burguesia urbana comeoucedo. conhecido o papel de Deodoro da Fonseca na questo dos escravosfugidos e do Exercito na instalao da Repblica. Se a conscincia burguesados oficiais se expressava atravs do positivismo isso refletia o estado deesprito da burguesia da poca, que no nasceu sob signos revolucionrios.Esse aburguesamento do corpo de oficiais foi facilitado pelo fato de que aclasse mdia e a pequena-burguesia foram as fontes de recrutamento. E sepor um lado, a carreira da hierarquia militar possibilitou um ascenso naescala social e abriu perspectivas da integrao de uma minoria nas classesdominantes, por outro lado, o grosso dos oficiais trazia consigo a ideologiada classe mdia isolada do poder. O fenmeno persiste at hoje e osexrcitos, desde sua formao no sentido moderno, desempenham o papelde tropas de choque da burguesia, em sua ascenso como em suadecadncia.

    A Revoluo de 1930, no Brasil, se deu sob o signo do "tenentismo" e

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  • representou de certo modo o auge de um movimento que esses jovensoficiais iniciaram em 1922. Entretanto, mais importante que o signo em sifoi o fato da revoluo ter se dado praticamente sob a direo de uma partedo Exrcito, que no perdeu o controle do movimento em mbito nacionale, onde o perdeu localmente o recuperou em seguida. Ainda onde houvearmamento da populao civil, isso se realizou sob a vigilncia de unidadesdo Exrcito e sob o mando de oficiais. Mas os tenentes revolucionrios nocontinuaram sendo tenentes para sempre e tampouco "revolucionrios".Acompanhando o desenvolvimento de sua classe de origem, deram lugaraos coronis e generais que prepararam o realizaram o Golpe de Estado em1964.

    O Brasil, seguramente, no o nico exemplo nesse sentido. Na Bolviao processo foi mais rpido e mais radical. Nesse pas o Exrcito foipraticamente extinto na Revoluo de 1952. Os oficiais foram mortos oufugiram para o exterior, com exceo de uma pequena minoria que haviaparticipado da tomada de La Paz. Os governos revolucionrios, que no inciorepresentavam uma coalizo entre representantes da pequena-burguesianacionalista e cujas bases foram proporcionadas por camponeses, quecontinuavam apoiando o regime. Esse exrcito criado "para proteger arevoluo e a democracia" a princpio dbil, comeou a crescer e sefortalecer tornando-se um dos pilares do Estado e, finalmente, o prpriorbitro do Estado, quando a burguesia j no soube governar com osrecursos populistas.

    O Peru nunca conheceu uma revoluo burguesa como a boliviana nemainda nos moldes de brasileira de 1930. A lembrana dos governosoligrquicos est entretanto presente. A situao do campo peruanocontinua mais explosiva ainda do que na Bolvia, por exemplo, que teveuma vlvula de escape em 1952, com a diviso das terras. Nestascircunstncias, a atuao do Exrcito peruano tem um duplo carter:

    reformador, no sentido de adaptar a estrutura social do pas snecessidades da burguesia urbana, e

    a.

    preventivo, no sentido de eliminar o potencial revolucionrioexistente, principalmente no campo, para garantir odesenvolvimento da sociedade burguesa-capitalista.

    b.

    O que os oficiais "revolucionrios" peruanos e bolivianos tem em comum sua ideologia nacionalista, que pode adquirir matizes os mais diversos,mas que se situa no terreno da defesa da sociedade burguesa. Isso, dito depassagem, tambm caracterstica de um grande setor da oficialidadebrasileira, de mais baixa graduao (a "interdependncia" de Castelo Branconunca chegou a ser popular entre eles). Mas as consequncias prticas

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  • desse nacionalismo latente dependem das necessidades objetivas de suasburguesias, s quais esto servindo, e o nvel da "cooperao antagnica"que est prevalecendo. E neste sentido no h diferena entre os militaresperuanos e bolivianos, a no ser que estes mataram a Che Guevara, eaqueles "s" mataram a De La Puente. Em ambos pases os guerrilheiroscontinuam presos e as foras armadas mataro de novo se a ordem socialfor ameaada.

    O que os regimes militares entendem por poltica nacionalista quetodas as decises nacionais passem por suas mos, que sejam eles quecuidem dos termos e das condies de cooperao com o imperialismo.Entendem que so eles mesmos os "donos em sua casa" sua prpria polcia,que sero eles os que prendem e matam seus prprios operriosrevolucionrios e guerrilheiros. Que so eles mesmos os que oprimem egovernam a seus prprios povos, de acordo com a hierarquia de suaoficialidade.

    O caminho mais longo nessa direo foi percorrido pelo Exrcitobrasileiro. De "guardio das tradies democrticas" se tornou smbolocontinental de gorilismo, fazendo sombra at a seus inspiradoresargentinos. Hoje, o Exrcito brasileiro instalou uma mquina de terror emmoldes fascistas, a qual se distingue de seus precursores italianos ealemes somente pelo fato de no haver conseguido uma mobilizao demassas como sustentculo de seu regime. A estrutura e a situao geral dopas ainda no gerou o fenmeno fascismo. Somente permitiu copiar osmtodos de represso.

    Entretanto, o que a ditadura militar brasileira tem em comum com ofascismo (e ainda com o bonapartismo populista) que se trata de umgoverno indireto da burguesia. Ainda que haja deixado cair a mscarademocrtica e a ditadura est aberta e nua, foi necessrio que ela fosseconfiada ao Exercito quando, no momento da crise, a prpria burguesia sesentiu incapaz de exerc-la de maneira tradicional e velada. Lanou mo doinstrumento que j havia servido no passado, no caminho de ascenso aopoder.

    Nesse sentido, a ditadura militar no Brasil no passa de um captulo amais da "revoluo burguesa". Esperemos que seja o ltimo.

    Processo revolucionrio e governo de transio

    Dissemos que a revoluo no Brasil ser socialista por no restaralternativa para que o processo revolucionrio se imponha no pas.

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  • Dissemos tambm que a constatao do carter socialista da revoluono quer dizer que a situao j esteja madura para desencade-la e,implicitamente, colocar o problema da formao de um governa socialista.

    Que significado tem isto na prtica? Significa que no estamosinteressados nas lutas que no tenham objetivos socialistas? Significa queno estamos interessados em derrubar a ditadura militar se esta derrubadano conduzir ao estabelecimento de um governo socialista no pas? E,finalmente, significa que no podemos mais apoiar a nenhum governo seno for socialista?

    Evidentemente que no. Uma tal concluso seria contrria a toda aexperincia da luta de classes e a todos os ensinamentos do marxismorevolucionrio.

    Em princpio apoiamos todas as lutas parciais, todo o movimento queajude de fato a objetivos socialistas, quer dizer, nossa estratgia atenta amelhorar a situao do proletariado e de sua vanguarda na luta de classe,para coloc-la em posio favorvel ao enfrentamento da revoluosocialista. No caso concreto do Brasil, nas atuais circunstancias, nopodemos partir da premissa que a derrubada da ditadura militar j leveautomaticamente a uma soluo socialista. Isso no corresponde srelaes das foras sociais existentes no pas. Alm disso, a experinciageral ensina que o processo revolucionrio mais complexo.

    No seremos ns evidentemente, que engrossaremos o coro daoposio burguesa e pequeno-burguesa da "redemocratizao". Aocontrrio, o combatemos. Em primeiro lugar porque no temos interesse emrestabelecer o antigo "status quo", que consolidar novamente o domnio daburguesia com uma folha de parreira "democrtica". Em segundo lugarporque, se houver uma derrocada do presente regime militar, o equilbrioartificial da sociedade burguesa estremeceria tanto que qualquer novaexperincia em termos de repblica democrtica no passar de umintervalo para que a classe dominante prepare outra forma de ditaduraaberta. Qualquer democracia real e duradoura que seguir a derrubada daditadura militar, para impor-se, ter que ter um carter revolucionrio, isto, ter que se apoiar nas classes revolucionrias do pas inclusivemilitarmente.

    Em outras palavras, pode e deve surgir uma fase de transio em que avelha ordem burguesa esteja estremecida, mas o salto qualitativo para umanova ordem no foi dado e no pode ser dado ainda de imediato. Comodeve se comportar o proletariado e seus aliados frente ao poder que aburguesia j no est em condies de exercer, ainda que o momento da

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  • revoluo socialista no esteja madura?

    Isso coloca o problema do governo de transio.

    Trata-se de uma das noes de estratgia de luta do marxismorevolucionrio que se perdeu durante os anos do reformismo stalinista eque foi definida justamente em uma poca em que Lnin e os comunistasprocuraram elaborar, pela primeira vez, uma estratgia global da revoluomundial: nos quatro primeiros Congressos da III Internacional Comunista. Aresoluo adotada (no IV Congresso), prev que o proletariado e os partidoscomunistas, que no integram e nem apiam os governos burgueses,podem se encontrar em situaes nas quais se impe a participao e asustentao de governos no socialistas, sob a condio que esse ato leveadiante o processo revolucionrio (como foi a perspectiva naquelemomento) e evite a vitria de um movimento de direita que tenda a destruiro movimento operrio (fascismo). Tal governo j no ser burgus, ser um"Governo Operrio" nos pases altamente industrializados, onde os partidosoperrios estiverem em condies de form- lo, e ser um "GovernoOperrio e Campons" nos outros onde o proletariado no poder governarsem o apoio efetivo do campo. Adverte a resoluo do Congresso que nose trata ainda de um governo socialista nem da Ditadura do Proletariado eno deve ser confundido com eles.

    Ns, no Brasil, levando em conta as particularidades do pas, definimosesse Governo de Transio como o "Governo Revolucionrio dosTrabalhadores" a ser formado por uma Frente dos Trabalhadores da Cidadee do Campo.

    Levando em conta, igualmente, as particularidades do pas, acreditamosque o surgimento desse governo no pode ser produto de um processoeleitoral e ter, para se impor, que resultar da interveno ativa e violentadas massas trabalhadoras.

    Acreditamos que tal governo no pode exercer seu poder por intermdiodos instrumentos "democrticos" tradicionais Congresso, Judicirio,Polcia, Exrcito, etc os quais tem que ser neutralizados e eliminados. Temque se apoiar diretamente nas organizaes de massas dos trabalhadores esuas foras armadas e estimular seu crescimento.

    Esta a caracterstica principal que distingue o Governo Revolucionriodos Trabalhadores dos governos "populares" e "democrticos" que sobrtulo radical procuram salvar e conservar o aparelho estatal burgus egovernar com ele. Estes sero "governos de transio" da burguesia e paraa burguesia e procuraro fazer com que a estrutura bsica da sociedade

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  • burguesa passe ilesa pelas convulses at que possa ser nova eabertamente consolidada.

    Tomemos os exemplos j clssicos de governos de transio na AmricaLatina: Bolvia e Cuba. O Governo Revolucionrio de La Paz, em 1952, foi detransio. Mas o j mencionado predomnio da liderana pequeno-burguesaque, alm disso, soube assegurar-se o apoio campons e, por outro lado, afalta de perspectiva e clareza da representao do proletariado, que ficouisolado, fez com que os sucessivos governos se tornassem de "transio"para o restabelecimento da ordem burguesa.

    Em Cuba, por outro lado, o Governo de Transio encontrou semmaiores dificuldades o caminho mais curto para a revoluo socialista.Realizado a base da aliana entre os trabalhadores da cidade e do campo eapoiado nas foras armadas revolucionrias do exrcito convencional nosobrou uma pedra em p a revoluo marchou para frente apesar egraas a defeco da ala pequeno-burguesa do Movimento 26 de Julho.

    A prtica das lutas sociais na Amrica Latina comprovou que o Governode Transio, entretanto, no um poder socialista, nem a Ditadura doProletariado, assim como a democracia revolucionria no se identifica coma democracia socialista. Representa uma encruzilhada no caminhorevolucionrio. Se este governo se limita aos mtodos de democraciaburguesa, ou tenta restabelec-la, prepara o caminho para a restaurao dopoder burgus. Para se impor e se manter deve lanar mo de mtodosdemocrticos que sobrepassem e destruam a democracia burguesa, aindano sendo, entretanto, socialista.

    Pode-se perguntar por que o proletariado, se est em condies deestabelecer tal governo, no institui imediatamente a Ditadura doProletariado e o socialismo. Mas, essa pergunta abstrai as relaes de forasexistentes em cada momento concreto do processo revolucionrio. Abstrai asituao de seus aliados nos diversos momentos do processo e dos termosem que esto dando seu apoio classe operria. Abstrai, finalmente, asituao do prprio proletariado, de sua atuao objetiva e de suaconscincia nas diversas fases de luta.

    O Governo de Transio se justifica e se impe em um momento da lutade classe em que as massas j se encontram em rebelio contra a velhasociedade mas ainda no alcanaram as consequncias prticas paraenfrentar a construo de uma nova. Quando ainda no compreendem quepara garantir a expropriao das propriedades imperialistas necessriotambm expropriar, econmica e politicamente, a prpria burguesia.Quando no compreendem ainda que para acabar a explorao e a misria

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  • necessrio trocar as relaes de produo com toda sua super estrutura.Isto , se justifica e se impe em um momento em que j h rebeliocontra a ordem burguesa mas essa rebelio se d ainda dentro do quadroideolgico burgus herdado da velha sociedade. Mas ser a prpriaagudizao das contradies sociais durante o Governo de Transio e opapel impulsor que a vanguarda revolucionria desempenhar em seu meio,o melhor e mais rpido meio de elevar a conscincia das massastrabalhadoras ao nvel necessrio para uma revoluo socialista.

    Est tambm implcito aqui que o Governo de Transo no representauma soluo social a longo prazo. Seu tempo de vida est limitado, de ummodo natural. Nenhuma classe operria pode governar por muito tempocom base em uma estrutura social burguesa capitalsta. Ou d o passodecisivo para a Ditadura do Proletariado ou ser vencida pelas leiseconmicas sociais capitalistas e ter que ceder o lugar novamente sforas burguesas aliadas ao imperialismo.

    O papel que o Governo de Transio desempenhar (ser importanteporque decidir se situaes potencialmente revolucionrias desembocaroem transformaes sociais ou sero contornadas pela classe dominante)estar na dependncia direta da possibilidade desse governo mobilizar e seapoiar nas massas trabalhadoras e da situao da classe que teoricamenterepresenta a fora matriz e hegemnica do prprio processo revolucionrio:o proletariado.

    E isso quer dizer que todo processo revolucionrio depende do nvel edos rumos que as atividades das vanguardas esto tomando atualmente nopas. Para que desempenhemos o papel de vanguarda hoje no basta maisas profisses de f sobre objetivos socialistas. Ao fim e ao cabo todo mundo"quer" o socialismo. Ser vanguarda marxista-leninista no Brasil saber tiraras consequncias prticas da caracterizao socialista do processorevolucionrio. Significa, pelo menos, contribuir na prtica parta amaturao dos fatores que levam revoluo socialista.

    Parte II - A Fora Motriz do Processo Revolucionrio

    "E a revoluo no Brasil ser proletria ouno ser revoluo...".(II Congresso da ORM Poltica Operria1962)

    Se a caracterizao socialista da revoluo no Brasil foi uma das causasfundamentais do surgimento da Poltica Operria, outra, no menos

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  • decisiva, foi a sua definio proletria. A interveno direta da classeoperria e sua liderana sobre as demais classes e camadas oprimidas dasociedade premissa para a revoluo, nas condies do Brasil, atingir osobjetivos socialistas que a histria coloca na ordem do dia. Isto , para noficar no meio do caminho, para no se tornar "caricatura da revoluo".

    Para chegar a essa concluso partimos da anlise da sociedadebrasileira. Esta tinha dado passos decisivos no caminho da industrializaona dcada de 50, quando a parte industrial do Produto Nacional ultrapassoua contribuio agrria, tradicionalmente preponderante. Podemos nospoupar de citar as estatsticas correspondentes que so amplamenteconhecidas e divulgadas: basta lembrar que, tomando em conjunto aproduo industrial e os chamados Servios, o total comeou a perfazermais da metade do Produto Nacional e essa situao evidentemente nomudou mais, a no ser no sentido de uma crescente acentuao dos fatoresindustriais capitalistas.

    Essa anlise e suas concluses bvias pairavam sobre a vintena dedelegados reunidos pela primeira vez, vindos dos quatro cantos do pas paraelaborar as diretrizes da Poltica Operria em escala nacional, e foramconfirmadas poucos anos depois. O golpe militar de 1964 foi um ntidoproduto das contradies de trabalho assalariado e capital, que tinham setornado fundamentais na sociedade brasileira. Foi produto direto da criseeconmica cclica do capitalismo brasileiro, comeada em 1961/62, tendoatingido o seu ponto mais baixo em 1964/65 e da qual o regime comeou asair lentamente dois anos mais tarde. Foi, de certo modo, o carto de visitado capitalismo brasileiro no cenrio econmico mundial. No que o pasno tenha conhecido o fenmeno das crises cclicas no passado, mas oconheceu como apndice da economia mundial e em consequncia dascrises nas metrpoles capitalistas. A crise brasileira, iniciada em 1961,entretanto, foi legitimamente nacional e se deu justamente numa fase dealta da conjuntura econmica, tanto nos Estados Unidos como nos centrosdo Mercado Comum Europeu. Foi a saturao da mais recente onda deindustrializao no Brasil e suas consequncias sociais e polticas quefizeram a classe dominante temer pela manuteno do sistema e entregar opoder s foras armadas, como garantia da ordem existente.

    Uma vez estabelecida a contradio fundamental como sendo entrecapital e trabalho assalariado, tnhamos de enfrentar as consequncias.Tratava-se antes de tudo de definir a fora motriz do processorevolucionrio. Est implcito concepo materialista e histrica domarxismo que a fora motriz da revoluo se encontra nos centros deproduo, que sustentam a sociedade, e como estes, lenta mas

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  • seguramente, tinham-se mudado para as cidades como resultado daindustrializao, no havia mais dvidas sobre o papel do proletariadoindustrial como classe hegemnica no processo revolucionrio. Falar de umaclasse hegemnica significa raciocinar em termos de uma aliana de classese esta, em termos brasileiros, tinha de abranger alm da classe operriaindustrial, os trabalhadores do campo e as camadas radicalizadas dapequena-burguesia urbana. Falamos de camadas radicalizadas e no dapequena-burguesia, contraditria e dividida e que representa tambm umareserva da burguesia na luta de classes (a justeza dessa anlise foiigualmente confirmada em 1964, quando a grande maioria da pequena-burguesia aderiu e apoiou o golpe militar). A formao dessa alianarevolucionria e, concretamente, a mobilizao do potencial revolucionriodo campo, o despertar e a organizao dos onze milhes de trabalhadoresrurais e camponeses de duvidosas posses de terra, na luta de classes noterreno de uma sociedade preponderantemente capitalista-industrial, exigea presena de uma classe operria que tivesse conscincia do seu papel ecapacidade de liderana. Isso quer dizer que nas condies da sociedadebrasileira a hegemonia proletria no pode se limitar a uma lideranaideolgica (como foi o caso na China) e sim implica na interveno eliderana fsica dos quatro milhes de operrios no processo revolucionrio.Isso significava tambm que o partido revolucionrio tem de ser um partidooperrio e que as vanguardas marxista-leninistas existentes tem deencontrar o caminho para o proletariado, se quiserem desempenhar o papelque pretendem.

    J assinalamos que a caracterizao da revoluo brasileira comosocialista no significa ainda que as condies j estivessem maduras parap-la na ordem do dia da luta imediata. Tampouco, o fato de constatar opapel hegemnico do proletariado no processo revolucionrio no significaainda que a classe operria brasileira j estivesse em condies deexerc-lo. H, porm, uma diferena implcita nas duas colocaes. Como arevoluo socialista depende do fato do proletariado exercer realmente opapel hegemnico e como este no se limita ao ato da revoluo, mas necessrio no processo revolucionrio em todas as suas fases, o problemafundamental das lutas de classe no pas o da formao dessa classeoperria capaz de dar conta da sua misso.

    Esse problema fundamental se revelou em todos os momentos dapoltica brasileira que levou ao golpe militar. Foi confirmado diariamente napoltica nacional pelo fato do proletariado no estar exercendo esse papelindependente e muito menos hegemnico. Ele atuava como instrumento defaces da classe dominante e estava a merc da poltica delas. Trinta anosde reformismo e de poltica de colaborao de classe do Partido Comunista

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  • Brasileiro tinham atrasado o processo histrico que Marx chamava detransformao do proletariado de classe em si em classe para si, daformao de uma classe operria independente, livre da tutela ideolgica epoltica da burguesia e oposta sociedade burguesa.

    O que significa "classe operria para si" em condies latino-americanas?

    Historicamente, isto , at hoje, o nvel poltico mais alto atingido porum proletariado, neste Continente, foi sem dvida em Cuba. Foi o pas ondeo proletariado agiu como classe mesmo quando a ditadura de Batistadestruiu as suas organizaes de massa legais, procurando substitu-las porentidades oficiais sob o controle do Estado. A classe operria cubana formousuas organizaes clandestinas (os Comits de Defesa) que continuavam adirigir a luta nas empresas. O proletariado, que j contava com aexperincia da greve geral contra Machado, em 1933, soube conservar ereforar sua conscincia de classe coletiva tambm sob a represso deBatista. E foi essa conscincia e a oposio ativa ao regime que a guerrilhaconseguiu catalisar e que conduziu greve insurrecional e revoluosocialista. Todavia, e isso explica tambm a poltica interna e externa deCuba nos dias de hoje, a organizao proletria em Cuba no chegou a umnvel de representao poltica direta da classe, como os "sovietes" no incioda Revoluo Russa, ou rgos semelhantes que outras revoluesproduziram. O proletariado cubano entregou o poder executivo a umacpula revolucionria, que fala em seu nome e isso explica porque Cuba,at hoje, no se preocupou em adotar uma Constituio Socialista.

    Atualmente, na Amrica Latina capitalista, o proletariado maisamadurecido como classe , sem dvida, o chileno. Trata-se de umproletariado que, embora dominado por partidos reformistas, age comoclasse. em sua imensa maioria socialista ou comunista, "marxista",levando em conta as limitaes do reformismo oficial. Pode flutuar e hesitarentre socialistas, comunistas e agrupamentos menores, mas no dar maisa sua confiana e seu voto aos representantes polticos da burguesia, que reconhecida como classe antagnica (a no ser que as lideranasreformistas o recomendem, mas mesmo isso j criou dificuldades). Se estepotencial de classe na luta poltica chilena como nos casos francs eitaliano no se traduz em aes mais consequentes, isso se deve acircunstncias polticas e histricas, que no se limitam quele pas.

    O proletariado mais agressivo, nos ltimos anos, mostrou ser oargentino. Foi na Repblica Argentina, principalmente no interior, onde ooperrio industrial foi s ruas, as massas parcialmente armadas, paraenfrentar a represso. Os operrios de Crdoba deram uma lio prtica de

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  • luta de classe ao proletariado de toda a Amrica Latina. A conscincia doproletariado argentino, todavia, ainda se esconde por baixo de umaideologia peronista, que se torna um nus para a formao da classeindependente. Existe uma grande discrepncia entre o movimento real doproletariado argentino e as formas sob as quais toma conscincia de sualuta. A superao dessa discrepncia uma condio para a formao daclasse para si.

    Entre as classes operrias maiores do Continente, provavelmente amexicana que se encontra num estgio de amadurecimento mais remotoainda. Tradies histricas particulares pas de maior revoluo agrria doContinente e que mais tarde iniciou o processo de industrializaoatrasaram o processo de formao poltica do proletariado. A isso se juntouo fato de o Partido Comunista Mexicano nunca ter preenchido o papel de umpartido do proletariado e o resultado foi a institucionalizao do movimentooperrio dentro do partido burgus oficial (PRI) nas ltimas duas dcadasde quase ininterrupta expanso do capitalismo mexicano.

    A posio do proletariado brasileiro se situa hoje entre os graus dedesenvolvimento do argentino e mexicano. Rompeu as amarras de umaintegrao oficial, que no Brasil se deu principalmente por intermdio de umsindicalismo estatal, sob o controle do Ministrio do Trabalho, mas noencontrou ainda suas formas de organizao prprias, que lhe permitissemtravar a luta como classe em escala nacional. Foi a prpria ditadura quemais contribuiu para afastar o proletariado dos organismos sindicais oficiais.Sendo o congelamento salarial uma das metas do golpe de Estado, aDitadura tem pouca margem para desenvolver uma demagogia trabalhista.O proletariado compreendeu isso instintivamente e resistiu como classe aogolpe. Na medida em que se pode movimentar como classe depois dogolpe geralmente em escala regional manifestou-se contra a ditadura.As greves gerais de Minas e de Osasco, no fundo, eram greves polticas,apesar das reivindicaes terem se limitado ao terreno salarial. No se podeafirmar, todavia, que o proletariado brasileiro j tenha adquirido a suaindependncia e maioridade. Apesar do desencanto com o trabalhismo e odesgaste das antigas lideranas populistas, o vcuo ainda no foipreenchido pelo surgimento de uma liderana poltica operria e issosignifica que fica aberta a possibilidade de novas influncias burguesas epequeno-burguesas, estranhas classe.

    Esse atraso da classe operria brasileira se deve antes de tudo aoatraso das suas chamadas "vanguardas", a histrica, representada peloPCB, mas no menos s novas, produto da desintegrao do PCB, comoveremos em seguida. Mas para compreender o fenmeno em toda a sua

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  • amplitude temos de fazer um balano critico do desenvolvimento objetivodo proletariado brasileiro nos ltimos anos.

    O caminho do proletariado brasileiro

    A atual classe operria brasileira se formou e se desenvolveu durante oEstado Novo a ditadura bonapartista de Getlio Vargas, e nos anos dops-guerra, nas fases de expanso industrial do pas. Ela produto dessasfases maiores mais recentes da industrializao, iniciada com a instalaoda indstria pesada, comeada em Volta Redonda, e pouco ou quase nadatem em comum com o jovem proletariado brasileiro da Primeira GuerraMundial, formado em grande parte por imigrantes de tradio anarquista,bastante combativos para produzir as greves gerais que abalaram So Pauloe Rio de Janeiro, entre 1917 e 1919. A quebra na continuidade docrescimento, no sentido poltico, a ruptura entre as geraes, foi causadapela represso do Estado Novo, que destruiu o sindicalismo livre operrio e,simultaneamente, inaugurou uma poltica paternalista de legislao social ede salrio mnimo, apoiada num sindicalismo oficial e estatal. Essa situaos foi possvel tambm em virtude da atuao desastrosa do PartidoComunista Brasileiro, que, sob a nova orientao do Komintern e aliderana de Prestes, tinha perdido o carter de partido operrio acomear pela infeliz tentativa de quartelada de 1935 e, isolado da suabase de classes, no sobreviveu clandestinidade do Estado Novo comoorganizao nacional.

    Dividido em grupos regionais e ideolgicos e sem atividade no seio doproletariado, acentuou-se no meio do Partido a influncia e a lideranapequeno-burguesa, base de apoios " burguesia progressista" e"antifascista", os quais tiveram continuidade lgica em apoios "s forasprogressistas no seio do governo", da "poltica de industrializao" e do"esforo de guerra". Isso tudo ainda se deu numa fase de violenta repressoao movimento operrio e enquanto os prprios quadros comunistasestavam sendo presos e torturados.

    O resultado dessa situao foi que a jovem classe operria, formadaagora em grande parte por migrantes do campo, ficou durante quase umadcada sob a influncia unilateral da demagogia governamental,sem que a esquerda tivesse fora material ou ideolgica para se opor a issoe quebrar o monoplio burgus.

    Com o fim da guerra, a anistia poltica e a reorganizao do PCB embases legais, essa linha poltica foi oficializada. Quando a burguesiabrasileira, cansada da tutela do Estado Novo, procurou se desfazer da

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  • ditadura e estabelecer uma democracia burguesa, que lhe garantisse umaparticipao maior e mais direta no exerccio do poder, Getlio Vargas pdemobilizar massas operrias em sua defesa, alegando que a volta de"polticos" destruiria a legislao trabalhista criada por ele. O PCB no viacaminho melhor nessa situao do que apoiar Vargas. Estabeleceu-se aaliana trabalhista-comunista. Prestes aparecia ao lado do ex-ditador noscomcios pblicos. "Constituinte com Getlio", "Getlio governo de fato" eoutras foram as palavras de ordem que dominavam os comicios-monstrosdo Rio e So Paulo, onde o Partido reunia massas operrias no menosnumerosas do que o ex-ditador.

    Apesar da confuso reinante no seio do proletariado e por baixo dotrabalhismo reinante, havia uma profunda radicalizao das massas. Ossalrios reais tinham cado durante a ditadura para menos da metade e orelaxamento da represso e do clima poltico geral, em 1945, bastavampara que o proletariado se lanasse em ondas de greves de massa inditasna histria do pas e que arrastavam as camadas mais atrasadas egetulistas do proletariado. Este movimento espontneo da classe operriateria sido a maior oportunidade para um partido revolucionrio erradicar otrabalhismo do seu meio e reduzi-lo s suas bases peleguistas. O PartidoComunista, entretanto, consequente com sua nova linha, prestou-se adesempenhar o papel de "bombeiro" para apagar o fogo. O governo exibiuentrevistas filmadas em todos os cinemas do pas, nas quais Prestes sepronunciava contra as greves e apelava para os operrios a "apertar ocinto" e a fazer "sacrifcios patriticos".

    Pela mesma razo, tanto antes como depois da queda final de Vargas, oPartido Comunista Brasileiro negou-se a atacar a estrutura sindical criadapelo Estado Novo nos moldes do sindicalismo italiano dos tempos dofascismo, contentando-se com postos de cpula nas direes sindicais, emaliana com os velhos pelegos. A estrutura sindical no mudou at os diasde hoje. evidente que o ps-guerra era decisivo para a formao, ouno-formao, de um proletariado independente no Brasil. No pode sersubestimada a importncia do fato de o proletariado brasileiro no conhecersindicatos operrios livres desde 1937 e, praticamente, desde aquela poca,no ter tido vida sindical. E isso foi, talvez, nas condies brasileiras, o fatormais poderoso de atraso do amadurecimento da classe.

    Esse aspecto, todavia, s representou uma face da poltica decolaborao de classes. Outro foi a completa ausncia de propaganda eeducao socialista no seio das massas. No houve nem ao menos umaagitao anticapitalista. Qualquer colocao de classe dos problemas foievitado sistematicamente, em nome de uma pretensa revoluo

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  • democrtico-burguesa, posteriormente "nacionalista" e "anti- imperialista".

    As consequncias polticas no se fizeram esperar. A poltica burguesado PCB, que tinha se adaptado ao nvel do trabalhismo, decepcionou asmassas e destruiu sua combatividade. Os apoios eleitorais a polticosburgueses "progressistas", como Ademar de Barros em So Paulo, o qualpoucos meses depois de sua eleio comeou uma poltica de repressocontra a classe operria e os prprios comunistas, desmobilizaram essapoltica tambm no terreno eleitoral. A decepo das massas se traduziu empassividade e apoliticismo crescentes. O nmero dos membros do PCB caiude 200 a 40 mil, entre 1945 e 1947 ltima vez que foram publicadascifras oficiais. E a retificao da linha partidria, tentada com o Manifesto deAgosto (que no passou de uma reao sectria ao oportunismo anterior),no mudou mais a situao geral de declnio do movimento operrio.

    Uma nova ascenso do movimento de massas iniciou-se em 1957/58 einaugurou novo marco no desenvolvimento do proletariado como classe. Omovimento comeou lentamente, como resultado da intensificao dapoltica inflacionista do governo Kubitscheck. O PCB, embora aindadesfrutasse do monoplio "marxista" na classe operria, enfrentou essanova onda em posio mais fraca do que em 1945. Liquidando a fasesectria do Manifesto de Agosto, procurou adaptar-se a uma situao desemilegalidade e o fez voltando s posies de colaborao de classe com aburguesia, sob um novo rtulo. Prestes, voltando do esconderijo, inauguroua poltica de "apoio burguesia nacional" e o novo programa do Partido foiadaptado a uma pretensa revoluo "nacionalista-democrtica". Igualmentefoi renovada a aliana com o trabalhismo, que tinha revigorado sob adireo de Goulart, herdeiro de Getlio Vargas.

    As contradies de classe no Brasil estavam se aprofundando. O ritmode expanso econmica sob o governo Kubitscheck s foi possvel sesustentar ao preo da intensificao do processo inflacionrio, queaumentou no s as contradies no seio das classes dominantes, mastambm, fundamentalmente, entre as classes dominantes e o proletariado.

    A intranquilidade no meio do proletariado se manifestou primeiro poruma srie de greves isoladas e movimentos parciais. O ritmo destas,entretanto, estava crescendo e em pouco tempo deu lugar s greves gerais.Sob a presso desse movimento de massas, o governo desistiu de aplicar asleis de represso da Consolidao Trabalhista, fez concesses e limitou-se arecorrer corrupo, mediante os recursos do Fundo Sindical. As grevesvitoriosas automaticamente foram tratadas como "legais". No houve maisintervenes nos sindicatos e as diretorias eleitas foram empossadas.

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  • A poltica governamental foi novamente facilitada pela alianatrabalhista-comunista, que apoiou praticamente o "desenvolvimentismo" deKubitscheck.

    O barmetro da situao de classe do proletariado, nessa primeira fasede nova ascenso, foram as eleies presidenciais de 1960, que revelaramprofunda diviso do proletariado brasileiro e o pouco amadurecimento desua conscincia de classe. O voto operrio no pas se dividiu principalmenteentre os dois candidatos burgueses, entre o "nacionalista" General Lott, e odemagogo populista Jnio Quadros. Este j tinha unificado em torno de sipraticamente toda a burguesia brasileira e o capital estrangeiro, contandoainda com a esmagadora maioria do voto das classes mdias, comoprotesto contra a inflao. O voto operrio s foi unnime na eleio dovice-presidente, Joo Goulart. O atraso do proletariado se manifestou demodo duplo: primeiro, por ter dado os seus votos a candidatos burgueses,inimigos naturais de sua classe e, segundo, pelo fato de no ter dado pelomenos o seu voto como uma classe unida, e ter-se deixado dividir pelaburguesia.

    No havia dvida que a conscincia de classe tinha regredido, de certomodo, em relao a 1945. Isso se via tanto pela votao dos candidatosapoiados pelos comunistas, como pelo nmero de comunistas eleitos, queera ridculo em comparao ao pleito de 1945, apesar do nmero deeleitores inscritos ter crescido para mais do dobro. O vcuo criado peladecepo com a poltica do PCB no foi preenchido pela esquerda. Os votosiam para as diversas faces do trabalhismo populista.

    Isso, todavia, s foi a primeira fase. A situao no ficou nesse p. Arenncia de Jnio e a tentativa de estabelecer a primeira Junta Militar,aceleraram rapidamente o progresso de radicalizao das massas.Radicalizao, entretanto, j havamos visto isso antes ainda nosignificou conscientizao. Por enquanto a luta poltica se travava ainda sobmatizes burgueses. A investidura de Jango como Presidente da Repblicatinha como consequncia imediata um renascimento das iluses reformista-populistas, alimentadas pelo PCB. Em seguida, com as decepes em tornoda gesto de Jango e o desgaste de Jnio, causado pela sua renncia, e namedida em que o PCB perdia posies e o controle da situao, foi outrolder burgus, Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, quem penetrouno proletariado nacional.

    A acelerao da inflao aumentou a intranquilidade da classe operria.A desvalorizao constante dos salrios reais tinha financiado, em grandeparte, a expanso industrial. No fim da dcada dos anos 50, a burguesiabrasileira, todavia, j tinha chegado concluso de que o ritmo inflacionrio

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  • atingido no lhe ofereceria mais vantagens. De um lado, a desvalorizaoda moeda no impedia mais a queda da taxa de lucro e no representavamais garantia contra a crise cclica; de outro, criava um fator deinstabilidade social com consequncias imprevisveis. No incio, oreajustamento salarial, base do salrio mnimo, se dava de dois em doisanos. Em seguida, passou a vigorar de ano em ano. Depois da renncia deJnio, imps-se um reajustamento virtual de seis em seis meses e osoperrios do Rio de Janeiro e de So Paulo comearam a exigir aumentosperidicos de trs em trs meses. A poltica nacional da poca girava emgrande parte em torno da corrida entre preos e salrios.

    O PCB se viu obrigado a protestar publicamente contra os "sacrifciosimpostos ao povo", mas pela boca dos seus idelogos partidrios defendia ainflao como nico recurso de desenvolvimento de um passubdesenvolvido. Na prtica tinha de tomar alguma medida e, assim,convocou greves gerais de apoio ao governo, como a clebre greve a favordo "Gabinete Nacionalista de San Thiago Dantas", na poca em que aburguesia tentava a experincia parlamentarista.

    O modo como se realizaram as greves gerais tambm refletia a situaode classe do proletariado. Na Guanabara, por exemplo, onde as tradiesproletrias estavam mais diludas por influncias pequeno-burguesas e pelaproximidade do foco do peleguismo o Ministrio do Trabalho o PCB eseus aliados no confiavam no acatamento da palavra de ordem pelosoperrios, que no dispunham de organizaes de base nas empresas. Osreformistas tambm no se dispunham a encorajar esse tipo de organizaode base, pois o receava como fator de radicalizao da luta. Encontraramento um expediente para solucionar o problema: limitaram-se a parar asduas estradas de ferro, a "Central" e a "Leopoldina", e as barcas dostransportes martimos Rio-Niteri. Como 80% do proletariado tinha de usaresses meios de transporte para chegar aos lugares de trabalho, a grevegeral estava "declarada" e "cumprida".

    Em So Paulo, onde o proletariado era politicamente mais retrado emvirtude das decepes do passado, tambm as chamadas greves polticas(em apoio a polticos burgueses) geralmente fracassaram. Mas na greve dereivindicaes operrias, de 1962, o proletariado paulista se lembrou dassuas tradies de luta e a parede funcionou nos prprios locais de trabalho,onde organizaes de base foram improvisadas na hora.

    preciso levar em conta tambm que as greves no eram nacionais.Limitavam-se a uns poucos centros industriais maiores. No interior do pasno havia organizao. Somente no decorrer das greves e sob a presso debaixo, se formou a Central Sindical, a base da aliana entre PCB e pelegos,

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  • mas que no chegou a alterar o nvel de organizao operria no pas.

    Foi nessa situao que o proletariado enfrentou a crise poltica queprecedeu ao golpe militar de 1964. Para completar o quadro precisodestacar alguns fenmenos ainda.

    Primeiro, a penetrao de Brizola no meio da classe operria. Paraconseguir isso, adaptou a sua linguagem situao radicalizada. Falava em"classes dominantes" e "explorados" sem com isso descuidar das suasrelaes com a burguesia nacional, na medida em que essa ainda lhe davacrdito. A decepo com Jango e a atitude dbia do PCB fez que eleconseguisse vencer as desconfianas do proletariado industrial e que suasalocues radiofnicas encontrassem um pblico crescente. Seus apelos afavor da criao de "Grupos de Onze" encontraram eco nas regies maisafastadas do pas e clulas e bases sindicais inteiras do PCB comearam aignorar praticamente as diretrizes partidrias e se colocaram disposiode Brizola.

    Em segundo lugar, o campo comeou a se movimentar em seguida classe operria e em dependncia da cidade. Pouco tempo antes tinhafracassado o intento de organizar as "Ligas Camponesas" em escalanacional. As Ligas s tomaram importncia regionalmente, no Nordeste,especificamente nas regies aucareiras de Pernambuco e Paraba. No restodo Brasil, no passavam de pequenas ilhas isoladas. Em troca, os primeirosanos da dcada de 60 assistiram ao surgimento de sindicatos rurais e organizao de camponeses em bases improvisadas, acompanhadas deinvases de terras. O movimento s estava em seu comeo e como oscamponeses no tinham condies de se organizarem, nem nacionalmente,nem em mbito regional, ficou a merc do ritmo das conjunturas da luta declasses nas cidades.

    Em terceiro lugar, deu-se no decorrer da crise um processo dedecomposio no seio das foras armadas. O movimento dos sargentos e oainda mais radical dos marinheiros ameaavam cindir horizontalmente asforas armadas, provocando espontaneamente uma aproximao entre ossetores mais combativos do proletariado e os militares rebeldes. Ambas aspartes sentiam o que a Poltica Operria formulou publicamente: "omovimento dos sargentos e dos marinheiros tinha de formar a coberturaarmada da classe operria no presente estgio da luta". E, quando houve aconfraternizao entre metalrgicos e marinheiros no sindicato de SoCristvo e a conseguinte adeso dos fuzileiros navais, mandados paraprender os marinheiros, estava dado um exemplo histrico de "modelo" darevoluo proletria no Brasil.

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  • Foi, evidentemente, uma antecipao de "modelo", que ainda nocorrespondia s relaes de foras existentes e que, alm disso, nocontava com o elemento do trabalhador rural presente a no serindiretamente pela origem social dos marinheiros mas que indicava ocaminho. A burguesia compreendeu a ameaa e tratou de dar o golpe,antes que o movimento se alastrasse.

    Resumindo, os poucos meses antes do desfecho do golpe tinhamcontribudo mais do que anos anteriores para o amadurecimento objetivo daclasse operria. A classe estava em movimento e por isso mesmo a situaoestava contraditria. As manifestaes de certos setores avanados aindano refletiram a conscincia geral da classe, que ainda no ultrapassara onvel do trabalhismo. Isso foi demonstrado pelo comcio monstro em frente Central do Brasil, convocado pelas trs faces, que entopredominavam: Jango, Brizola e o PCB. Mas na hora do golpe, quando asditas correntes estavam em franca debandada e tinham desaparecido, oproletariado foi a nica classe urbana que se mantinha como classe contra ogolpe. Foi uma posio defensiva, mas a classe estava unida. Estava semliderana. A velha, reformista e populista, tinha desaparecido e a nova,revolucionria, no tinha surgido ainda. E sem um partido revolucionriono se completa o processo de transformao da classe em si em umapara si.

    A colocao poltica depois do golpe

    A Ditadura Militar mudou as condies de luta, mas no alterou oproblema fundamental das relaes de classe e do processo revolucionriono Brasil.

    O problema fundamental continua a ser a formao do proletariado, aconquista de sua independncia ideolgica e poltica. A mobilizao dasmassas proletrias sob bandeira prpria e sua interveno ativa na polticanacional o nico meio para alterar as relaes de classe, que deram lugar ditadura militar.

    A essa concluso a Poltica Operria j tinha chegado depois do golpe eseu primeiro Pleno Nacional o declarou nas suas "Teses Tiradentes":

    "O trao essencial que caracterizou a poltica nacional antes dogolpe e que possibilitou a instaurao da ditadura militar sem umaresistncia das massas e dos partidos polticos foi a ausncia deum movimento operrio independente, capaz de aglomerar emtorno de si o campesinato e as camadas radicalizadas da pequena

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  • burguesia. O populismo reinante no movimento das massastrabalhadoras, que diluiu as fronteiras de uma poltica de classemediante a penetrao das concepes e iluses pequeno-burguesas no proletariado, permitiu que este ficasse a reboque deuma das fraes da classe dominante, que o traiu para evitar umaguamento das lutas sociais, entregando a proteo da sociedadeburguesa-latifundiria s Foras Armadas e escolhendo o acertocom o imperialismo norte-americano".

    Isso no significa que ns restringimos o processo revolucionrio noBrasil atuao do proletariado, como os nossos crticos de ontem e hojegostam de dar a entender. Estava perfeitamente claro para ns que oproletariado isolado no pode, nas condies da estrutura social do Brasil,lanar-se sozinho luta revolucionria da conquista do poder e datransformao da sociedade. Ele tem os seus aliados naturais em potencial:os trabalhadores do campo e as camadas radicais e proletarizadas dapequena burguesia urbana. Mas qualquer aliana de classe a ser criada setorna ilusria e no passar alm das quatro paredes dentro das quaiscostuma ser gerada, enquanto no houver a transformao qualitativa doproletariado, que lhe permita de fato exercer o papel de liderana e levar osseus aliados potenciais a uma luta mais consequente. Por isso as "TesesTiradentes" constatava:

    "A formao dessa classe operria independente continua sendo atarefa fundamental de qualquer movimento consequente no pas... a premissa de qualquer luta revolucionria consequente, sejacontra a explorao imperialista, seja contra a opresso da reaointerna".

    A transformao do proletariado em classe poltica e independente nopode ser confiada ao espontnea da histria. Esta s cria as condiesobjetivas. A criao da classe para si pressupe a atuao consciente econtnua de um agente da histria, a vanguarda revolucionria que, namedida em que o processo avana e acelerado por ela, se transforma empartido poltico do proletariado. E o partido surge na medida em que aclasse operria fornece os quadros para integr-lo e segue a sua orientaona luta.

    "Apesar de depois da derrota de Abril, provocada por umaprolongada poltica reformista e revisionista das esquerdas, todasas condies objetivas para uma conscientizao da classeoperria estarem dadas, o proletariado dificilmente dar essepasso decisivo sozinho, de fora prpria. Para a formao da classeoperria independente necessria a atuao de agitadores e

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  • propagandistas revolucionrios, que definam para ela os seusinteresses, despertem a sua solidariedade de classe e aautoconfiana na sua fora, liderem-na nas lutas parciais eindiquem claramente os seus objetivos finais. Essas tarefas spodem ser preenchidas pelas vanguardas marxista- leninistasexistentes, que no decorrer da luta se transformem em partido. Oprocesso da formao da classe operria independente estestreitamente ligado ao surgimento do partido revolucionrio daclasse operria e o progresso deste reflete o amadurecimento daclasse operria'. (Teses Tiradentes)".

    Foi esta a estratgia com que a Poltica Operria entrou na lutaclandestina contra a ditadura. Ou melhor, foi esta a linha estratgicaelaborada, pois uma estratgia na luta de classe s existe na medida emque se formam as foras materiais, os "exrcitos" a serem levados para abatalha. Nossa tarefa ainda consistia e ainda consiste em criar a foramaterial, o "exrcito" proletrio.

    Como organizao poltica, como vanguarda marxista-leninista, aPoltica Operria subordinou todos os aspectos da luta de classes, oestudantil, o do campo, a luta armada e sua forma particular de guerra deguerrilha, ao objetivo estratgico da m