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1 A AGROINDÚSTRIA ARTESANAL DO MILHO NA MESORREGIÃO DO CAMPO DAS VERTENTES – MINAS GERAIS: ESBOÇO DE UMA INTERPRETAÇÃO Lígia Maria Brochado de Aguiar Departamento de Geociências – DEGEO Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ [email protected] Resumo O esboço interpretativo para o estudo da agroindústria artesanal do milho na mesorregião das Vertentes será realizado a partir da perspectiva geográfica, portanto, do espaço concebido como um híbrido de objetos e ações. A análise do circuito espacial de produção e dos círculos de cooperação, por sua vez, ampliam as possibilidades de compreensão da lógica das redes e dos territórios e os processos de captura da mais valia e da renda terra e, ainda, a desintegração competitiva provocada pela dinâmica das políticas regionais, na escala meso e microrregional. Palavras-chave: Agroindústria. Agricultura familiar. Região. Circuito espacial produtivo e Círculos de cooperação. Introdução A primeira questão problemática que se coloca sobre o tema proposto refere-se à sua inserção na agricultura familiar. Nas políticas de redefinição das formas de integração desta categoria ao capitalismo, segundo Abramovay e Veiga (1992, p. 21-2), o foco está em como integrá-la ao mercado, em definir o papel do agricultor familiar, também chamado de pequeno produtor, trabalhador rural e, o papel do Estado no desenvolvimento das políticas públicas e, na incorporação de tecnologias. Outra perspectiva de análise é aquela, presente nas obras de Kautsky (1986) e Lênin (1985). Nestas obras clássicas sobre o desenvolvimento capitalismo no campo, a agricultura familiar seria destruída e não recriada em suas diferentes escalas (posseiro, assentado, rendeiro, pequeno produtor). O argumento utilizado para sustentar esta tese é que para o camponês continue sendo produtor familiar, sua luta tem que ser contra o capital e, sua integração ao mercado. Vários autores, na literatura acadêmica sobre o tema, como Oliveira (1991); Tedesco (1999); Wortmann (1995), Martins (1981) sustentam que o processo de empobrecimento e expropriação dos agricultores familiares está na “sujeição da renda da terra ao capital”.

CAMPO DAS VERTENTES – MINAS GERAIS: ESBOÇO DE … · As relações técnicas e informacionais podem ser "indiferentes" ao meio social ambiente. As relações comunicacionais são,

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A AGROINDÚSTRIA ARTESANAL DO MILHO NA MESORREGIÃO DO CAMPO DAS VERTENTES – MINAS GERAIS: ESBOÇO DE UMA

INTERPRETAÇÃO

Lígia Maria Brochado de Aguiar Departamento de Geociências – DEGEO

Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ [email protected]

Resumo O esboço interpretativo para o estudo da agroindústria artesanal do milho na mesorregião das Vertentes será realizado a partir da perspectiva geográfica, portanto, do espaço concebido como um híbrido de objetos e ações. A análise do circuito espacial de produção e dos círculos de cooperação, por sua vez, ampliam as possibilidades de compreensão da lógica das redes e dos territórios e os processos de captura da mais valia e da renda terra e, ainda, a desintegração competitiva provocada pela dinâmica das políticas regionais, na escala meso e microrregional. Palavras-chave: Agroindústria. Agricultura familiar. Região. Circuito espacial produtivo e Círculos de cooperação. Introdução A primeira questão problemática que se coloca sobre o tema proposto refere-se à sua

inserção na agricultura familiar. Nas políticas de redefinição das formas de integração

desta categoria ao capitalismo, segundo Abramovay e Veiga (1992, p. 21-2), o foco está

em como integrá-la ao mercado, em definir o papel do agricultor familiar, também

chamado de pequeno produtor, trabalhador rural e, o papel do Estado no

desenvolvimento das políticas públicas e, na incorporação de tecnologias.

Outra perspectiva de análise é aquela, presente nas obras de Kautsky (1986) e Lênin

(1985). Nestas obras clássicas sobre o desenvolvimento capitalismo no campo, a

agricultura familiar seria destruída e não recriada em suas diferentes escalas (posseiro,

assentado, rendeiro, pequeno produtor).

O argumento utilizado para sustentar esta tese é que para o camponês continue sendo

produtor familiar, sua luta tem que ser contra o capital e, sua integração ao mercado.

Vários autores, na literatura acadêmica sobre o tema, como Oliveira (1991); Tedesco

(1999); Wortmann (1995), Martins (1981) sustentam que o processo de

empobrecimento e expropriação dos agricultores familiares está na “sujeição da renda

da terra ao capital”.

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A definição de agricultura familiar, utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) é descritiva e classificatória. As políticas públicas para este setor, por

sua vez, são orientadas por uma concepção teórica e analítica “localista” que domina o

debate sobre o desenvolvimento territorial e, tem como suposto um novo padrão de

desenvolvimento, alavancado por uma vontade empreendedora capaz de mobilizar as

potencialidades presentes no “clima local dos negócios”.

Esse trabalho, embora, permeado por esse debate, tratará o tema proposto a partir da

dimensão geográfica dos circuitos produtivos e dos círculos de cooperação porque o

leque de possibilidades analíticas se amplia, permitindo compreender melhor a

organização do território pelas empresas e a sua busca pela integração funcional dos

lugares, das regiões, bem como, compreender o papel desempenhado pelo espaço no

conjunto da atividade econômica produtiva, desde sua localização, até a apreensão de

seu movimento, dos fluxos que o atravessam, ou seja, os fluxos de produtos, dinheiro,

ordens, ideias e informação.

A reversão dos fluxos migratórios no Estado de Minas, a incorporação de novas

tecnologias e de formas de produção tanto no setor agropecuário, como no setor

industrial com seus próprios padrões de localização, além da lógica sócio - espacial que

o setor terciário imprime, seguindo uma tendência mundial, promovem profundas

transformações no arranjo territorial e na coesão do Estado Federativo justificando este

trabalho.

O objetivo é pensar as possibilidades interpretativas e metodológicas da cartografia dos

circuitos espaciais produtivos e dos círculos de cooperação da agroindústria artesanal do

milho na mesorregião das Vertentes, tal como a formulou Milton Santos (2010),

analisando seus principais aspectos técnicos e normativos que constituem uma

tecnosfera (além da sua logística) e uma psicosfera, respectivamente.

A partir desta cartografia podemos confrontar os novos arranjos espaciais produtivos do

ponto de vista da formação do território, as implicações sociais e espaciais da adaptação

dos lugares, regiões e, territórios, à lógica da competitividade, bem como, o papel ativo

do espaço geográfico na lógica da localização das atividades econômicas, na dinâmica

dos seus fluxos e, na divisão territorial do trabalho.

Através dos circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação podemos tornar

visível uma psicosfera produzida pela lógica de organização do território local/regional,

cada vez mais, marcada pela heterogeneidade, pela vulnerabilidade e, sobretudo, como

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se ampliam os mecanismos de captura dos fluxos de extração da mais valia e da renda

da terra, ou ainda, como se realizam os processos de apropriação da renda camponesa,

quando subordinada a lógica das redes e não a lógica dos territórios.

Área de Estudo - limites e potencialidades Além da homogeneidade, critério tradicional de definição a partir de características

comuns, a funcionalidade é outro critério estabelecido pela relação de interdependência

dos lugares.

O IBGE (1990, p. 08) conceitua a mesorregião como uma área individualizada definida

pelo processo social, quadro natural e a rede de comunicação e de lugares, como

elemento de articulação espacial. A microrregião, por sua vez, é definida como “parte

da mesorregião que apresenta especificidades, quanto à organização do espaço”. As

especificidades referem-se à estrutura de produção, entre elas, a agropecuária. Além da

homogeneidade, estas “partes” estão associadas por critérios de interdependência como:

“a vida de relações a nível local, distribuição, troca e consumo, na repartição do espaço

nacional”. (IBGE, 1990 p. 08)

Para Faissol (1996, p. 70 apud Diniz e Batella), as microrregiões e mesorregiões

precisam ser representativas da realidade socioeconômica, pois uma falsa ideia desta

realidade compromete “o planejamento e a execução de políticas de intervenção

espacial”.

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Mapa 1 – Área de estudo e potencialidades

O Mapa 1 destaca a mesorregião do Campo das Vertentes, Minas Gerais, com suas três

microrregiões, Barbacena, São João Del Rei e Lavras. Segundo dados do IBGE (2006 a

2011), a mesorregião é formada por 36 municípios, tendo como seu eixo São João Del

Rei e, como polo regional Barbacena.

A microrregião de São João Del Rei possui 15 municípios: CONCEIÇÃO DA BARRA

DE MINAS, CORONEL XAVIER CHAVES, DORES DE CAMPOS, LAGOA

DOURADA, MADRE DE DEUS DE MINAS, NAZARENO, PIEDADE DO RIO

GRANDE, PRADOS, RESENDE COSTA, RITÁPOLIS, SANTA CRUZ DE MINAS,

SANTANA DO GARAMBÉU, SÃO JOÃO DEL REI, SÃO TIAGO, TIRADENTES.

Essas cidades juntas têm um total de 181.376 habitantes. Baixo ritmo de crescimento,

reduzido contingente populacional são as marcas desta microrregião (Piedade do Rio

Grande, Conceição da Barra de Minas e Ritápolis).

Segundo análise realizada pela EPAMIG (2010), os municípios de Barroso e Carandaí,

com a indústria do cimento, Piedade do Rio Grande, segmento de montagem de estruturas

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metálicas que opera em nível regional e São João Del Rei, indústria têxtil, transformação

e laticínios, turismo, comércio e artesanato apresentam valores do PIB industrial e de

serviços superior ao PIB agropecuário. As demais cidades são pequenas, a prática da

agricultura é limitada pelas condições físicas como declividade, baixa fertilidade dos

solos, pelas técnicas utilizadas e organização da produção e da comercialização.

As cidades que possuem um relativo dinamismo rural, com certo grau de modernização

são Nazareno, Coronel Xavier Chaves, Prados, Madre de Deus de Minas, São João Del

Rei, Lagoa Dourada e Carandaí.

Entre os problemas regionais, no diagnóstico da EPAMIG (2010, p. 25) destacam-se:

[...] baixo grau de associativismo, cooperativismo, pequenas propriedades, baixa fertilidade do solo, degradação ambiental (voçorocas, retirada de vegetação original, assoreamento dos cursos de água), a assistência técnica não chega ao produtor, pouca diversificação de atividades com predomínio da atividade leiteira, pouca disponibilidade de mão - de - obra rural, agroindústria concentrada no setor de laticínios, municípios dependentes do Fundo de Participação dos Municípios, portanto, prefeituras descapitalizadas, escolas rurais desativadas, deficiência do sistema de comercialização.

Entre as potencialidades regionais detectadas pelo estudo diagnóstico realizado pela

EPAMIG, especificamente relacionadas com a proposta deste trabalho estão:

[...] o potencial de expansão da cultura da soja em rotação com a cultura do milho em Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas e São João Del Rei; potencial de expansão da suinocultura e avicultura, em função da disponibilidade de milho; potencial de expansão da cultura do trigo para a panificação; potencial para a implantação das agroindústrias, haja vista a produção de milho e a recente expansão da soja e do trigo; posicionamento geográfico em condições de explorar os grandes mercados consumidores do sudeste do país. (2010, p. 26/27)

Para o conhecimento da área de estudo, ou seja, da realidade agrária em questão, A

Empresa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) optou por realizar um diagnóstico

que, segundo Garcia Filho (1997, p. 7) busca explicar o que: “os agricultores vêm

fazendo para sobreviver e melhorar de vida, por que vêm fazendo assim e, quais os

problemas mais significativos”.

O diagnóstico rural da microrregião de São João Del Rei realizado pela EPAMIG

(2010, p. 15) chama atenção para as possibilidades não só de identificar:

[...] os potenciais e os limites dos ecossistemas, a infraestrutura local e, dessa forma, compreender a influência dos agentes que interferem na produção agrícola. Por esta abordagem, é também, recomendável atentar para a direção que aponta a agricultura regional para o fortalecimento da agricultura familiar, se, ao contrário, para a agricultura patronal ou se, ainda, para a praticada pelas grandes empresas. Outros aspectos ressaltados relacionam-se à adoção de

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novas tecnologias por parte dos produtores e à influência exercida pelas agroindústrias e pelos comerciantes. [...], além disso, considera-se importante a avaliação da distribuição e comercialização dos produtos, do sistema de geração e difusão de tecnologias e sistemas de crédito.

A psicosfera e a tecnosfera – dimensões territoriais indissociáveis A abordagem metodológica proposta neste trabalho permite apreender a psicosfera, ou

seja, o tempo lento da agroindústria artesanal do milho e, também, a tecnosfera, ou seja,

a estruturação do espaço em meio técnico – científico – informacional.

Ao mesmo tempo em que se instala uma tecnosfera dependente de ciência e de

tecnologia que, “adere ao lugar como uma prótese” condicionando novos

comportamentos, cria-se também, ao mesmo tempo, uma psicosfera: lugar da produção

de um sentido e de um imaginário.

Os lugares passam a se definir pela sua densidade técnica, informacional e

comunicacional, podendo ser identificadas na realidade empírica.

As relações técnicas e informacionais podem ser "indiferentes" ao meio social ambiente.

As relações comunicacionais são, no entanto, uma resultante desse meio social ambiente.

Atualmente, as relações informacionais transportam com elas o reino da necessidade,

enquanto as relações comunicacionais podem apontar para o reino da liberdade.

Os vetores de modernização verticalmente estabelecidos produzem desordem nas regiões

onde se instalam porque a ordem que criam está serviço do mercado, ao contrário das

relações de horizontalidade, em que a ordem deve ser em benefício da sociedade.

Portanto, a construção de novas horizontalidades, a partir da base da sociedade territorial

é indispensável para a produção de outra racionalidade diferente daquela do território

construído como suporte das redes que transportam as verticalidades, ou seja, regras e

normas pensadas a partir dos interesses e necessidades dos atores hegemônicos.

Circuitos Espaciais de Produção e Círculos de Cooperação – a configuração do espaço real Segundo Arroyo (apud Castillo e Frederico, 2010, p. 464), o conceito de circuito espacial

produtivo:

[...] agrega a topologia de diferentes empresas em um mesmo movimento; mas, ao mesmo tempo, permite captar uma rede de relações que se dão ao longo do processo produtivo atingindo uma topografia que abrange uma multiplicidade de lugares e de atores.

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Os círculos de cooperação no espaço, segundo Castillo e Frederico (2010, p. 464) se

referem à:

[...] comunicação, consubstanciada na transferência de capitais, ordens, informações (fluxos imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto é, unificando, através de comandos centralizados, as diversas etapas, espacialmente segmentadas da produção.

O foco desta abordagem metodológica é o espaço geográfico, enquanto um híbrido,

“formado por um conjunto indissociável, solidário e, também, contraditório, de sistemas

de objetos e sistemas de ações”. (Santos, 1996, p. 51)

É neste espaço, geograficamente configurado, real, que nos deparamos com segunda

questão problemática que, permeia a abordagem metodológica proposta: é neste espaço

em que a agricultura familiar acontece que, se pode compreender a

globalização/espacialização (externalidades) e os limites que ela impõe ao lugar

destruindo o espaço enquanto instância social, ou seja, criação social e, também, as

diversidades geográfica, demográfica, social, cultural, regional.

Considerações finais – esboço de uma interpretação Souza e Fernandes Filho (2011) realizaram um estudo sobre a importância social e

econômica da agroindústria artesanal rural em Minas Gerais e, concluíram que ela

agrega valor aos produtos, eleva a receita da produção e as oportunidades de trabalho,

acrescenta qualidade aos produtos perecíveis e deterioráveis aumentando a sua vida útil

permitindo um maior período de comercialização, valoriza as tradições e culturas locais,

além de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento a partir da endogenia local e

de forma sustentável.

No entanto, a lógica de funcionamento da produção em suas diferentes etapas recorta o

espaço geográfico, determinando novas cartografias que extrapolam a região;

configuram novas verticalidades e horizontalidades, ou seja, novas solidariedades, uma

nova lógica de formação regional subordinada à competitividade.

Lemos, Guerra e Moro (2003) desenvolveram pesquisa para identificar a nova

configuração regional brasileira, procurando delimitar seus polos econômicos e suas

áreas de influência.

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Inicialmente, os autores discutem o marco teórico da proposta de regionalização

econômica utilizada, as metodologias desenvolvidas e, finalmente, apresentam o “rateio

do espaço regional brasileiro por onze macropólos”.

Segundo os autores (2003, p. 8), em Minas Gerais, o polo de Belo Horizonte:

[...] possui uma capacidade limitada de polarização sobre o espaço geográfico mineiro, perdendo as regiões de maior peso econômico e preservando, além do entorno industrial, regiões menos desenvolvidas e de subsistência. O Triângulo mineiro e a parte rica do Sul de Minas vão para São Paulo. O rio incorpora a Zona da Mata mineira e o restante do sul do estado, enquanto o Noroeste mineiro é incorporado por Brasília-Goiânia.

A ideia de um espaço reificado, ou seja, de um espaço “superfície - receptáculo” que,

atrai o capital, além da valorização das políticas públicas locais, significa a

fragmentação do espaço, a produção regionalizada através dos fluxos internacionais do

capital como fonte de modernização, que impactam as regiões atrasadas de forma

negativa, exigindo do Estado ações para mitigar os custos sociais e ambientais desta

produção regionalizada.

A Mesorregião das Vertentes, além de um sistema de objetos e de ações, das

rugosidades, dos pontos luminosos, possui potencialidades (conforme diagnóstico

EPAMIG) que, apontam na direção da agroindústria aliada a uma diversidade cultural

regional que, pode dinamizar seus territórios se, acontecer, baseada na autonomia

produtiva, no cooperativismo/associativismo.

No entanto, esta proposta nos parece, ainda muito eivada na ideia do poder do

desenvolvimento endógeno. Outras propostas para fazer frente à “guerra dos lugares”,

como a de Brandão (2007) levam em conta à necessidade de se considerar as múltiplas

escalas das políticas públicas de desenvolvimento, principalmente, em sua dimensão

territorial e multicultural.

As regiões se transformam em ofertantes de plataformas e de meio ambiente ameno para atrair

investimentos, não importando sua articulação com a própria hinterlândia ou outras porções do

país. A ação pública passa a subsidiar custos de implantação e operação de grandes

empreendimentos. Estabelece-se um verdadeiro certame de localização, em uma interminável

contenda por estabelecer posição máxima na gradação de ofertas tributárias, de terras e

infraestruturas etc. O receptor das benesses (a grande empresa) é quem determina o final do

torneio e define o vitorioso da guerra entre os lugares. (2007, p. 49).

Vale a pena citar outra passagem muito perspicaz de Brandão quando ressalta que:

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[...] segundo grande parte das teorias do desenvolvimento local, é como se o poder, a propriedade etc. estivessem sendo paulatinamente diluídos nessa etapa do capitalismo, tornando-se dispersos na atmosfera sinérgica das eficiências coletivas e solidárias de um determinado local “que deu certo”. (2007, p.).

O território, como “unidade de negócios” é que justificaria a existência de pontos

luminosos articulados pelo discurso “em prol do desenvolvimento da região" das elites

locais.

Em nosso esboço de interpretação utilizamos como referencial teórico e metodológico a

proposta de espaço como híbrido de objetos e de ações formulada por Santos (1978) na

obra “Por uma Geografia Nova”.

Por que este referencial? Porque ele é útil, na medida em que, nos permite compreender

a dinâmica do espaço a partir da divisão territorial do trabalho que, a cada inovação

tecnológica se reorganiza, reorganizando o espaço, meio técnico-científico-

informacional, instrumento conceitual da teoria do Espaço Social miltoniano que nos

permite periodizar, considerando o espaço-tempo.

A opção pela cartografia dos circuitos espaciais de produção e dos círculos de

cooperação (2010) nos permite acompanhar o movimento dos fluxos, o papel das

rugosidades, dos fixos, não para delimitar regiões que, talvez possa ser descartada do

ponto de vista de Marx, segundo Ann Markusen (apud Brandão 2007, p. 66) porque, ao

contrário da ideia de região, que delimita, impõe fronteiras, o capital está sempre

procurando espaços novos, para transformá-los em espaços luminosos lisos para a sua

valorização.

O conceito de região foi construído lentamente, no entanto, com a globalização a

funcionalidade que caracterizou este conceito como recorte territorial estável transforma-

se mais rapidamente, em função da ampliação da divisão internacional do trabalho, do

aumento exponencial do intercâmbio, que acontecem na forma e no conteúdo das regiões.

A autonomia entre os subespaços vai se rompendo ao longo do tempo histórico e que

prevalece é a interdependência, circuitos espaciais produtivos cada vez mais amplos

movidos pela tecnologia apropriada por poucos produtores. Os sistemas de engenharia,

bem como, as finanças e a especulação, garantem não só a fluidez como a regulação dos

processos produtivos.

A cartografia dos circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação se torna

extremamente importante, na medida em que, dá visibilidade à dimensão espacial em

sua fluidez e, ao mesmo tempo, no jogo de interesses normatizados em sintonia com o

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mercado, o movimento de homogeneização/fragmentação produz também o movimento

de individualização/regionalização.

É, assim, possível visualizar em qual direção as potencialidades da agroindústria do

milho em função da expansão da suinocultura e avicultura, favorecidas pela posição

geográfica e com possibilidades de conquistar os mercados consumidores do sudeste do

país, se realizarão, ou ainda, quais forças se apresentarão resistindo à continuidade do

processo localista seletivo da atividade produtiva.

Carlos Vainer (apud Brandão p. 210) se refere à “produção social das escalas”

afirmando que:

Escolher uma escala é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto

um determinado modo e campo de confrontação [...] qualquer projeto (estratégia?) de

transformação envolve, engaja e exige táticas em cada uma das escalas em que hoje se

configuram os processos sociais, econômicos e políticos estratégicos.

Para tanto, precisamos ir ao lugar não subestimando a sua realidade, nem tampouco, a

teoria.

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