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Campus da UFPB

ISSN 1519-7204N. 21, Vol. 2 (Dez. 2014)

106 páginas

João Pessoa - Paraíba - Brasil

Dezembro de 2014

Ricardo de Figueiredo Lucena

e Ricardo da Silva Araújo

(Orgs.)

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Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.). – Vol. 2, n. 21 (Dez. 2014) - João Pessoa: ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2014.

Semestral ISSN 1519-7204

1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação - periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo de Figueiredo. II. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB.

C744

CDU: 378

A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos,

produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB -

Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba.

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É UMA PUBLICAÇÃO DA ADUFPB/SSIND. DO ANDES-SN

Centro de Vivência da UFPB - Campus I - Cx. Postal 5001

CEP 58051-970 - João Pessoa/Paraíba - Fones: (83) 3133-4300 / (83) 3216-7388 - Fone/Fax: (83) 3224-8375

Homepage: www.adufpb.org.br - E-mail: [email protected]

João Pessoa - Paraíba - Dezembro de 2014 - Edição número 21

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CONSELHO EDITORIAL:

Albergio Claudino Diniz Soares (UFPB)Albino Canelas Rubin (UFBA)Beatriz Couto (UFMG)Galdino Toscano de Brito Filho (UFPB) Ivone Pessoa Nogueira (UFPB)Ivone Tavares de Lucena (UFPB)Jaldes Reis de Meneses (UFPB) Lourdes Maria Bandeira (UnB)Luiz Pereira de Lima Júnior (UFPB)Maria Otília Telles Storni (UFPB)Maria Regina Baracuhy Leite (UFPB)Mário Toscano (UFPB)Martin Christorffersen (UFPB)Mirian Alves da Silva (UFPB)Ricardo de Figueredo Lucena (UFPB)Vanessa Barros (UFMG)Virgínia Maria Magliano de Morais (UFPB)Waldemir Lopes de Andrade (UFPB)

ORGANIZAÇÃO Ricardo Lucena e Ricardo Araújo

PROJETO GRÁFICO, EDIÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Ricardo Araújo

FOTOS/ILUSTRAÇÕES/GRÁFICOS: Originais digitais fornecidos pelos autores.

REVISÃO DOS ARTIGOS Rejane Araújo ([email protected])

REVISÃO (ABSTRACTS): Gloria Obermark ([email protected])

FOTOGRAFIA DA CAPA: Painel pintado em parede do Mercado Público de Cuzco, no Peru, representando ritual xamânico entre nativos da Cordilheira Andina. Foto: Juan Cortez/Depto. de Educação da UFPB.

FICHA CATALOGRÁFICA: Edna Maria Lima da Fonseca (Bibliotecária da Biblioteca Central da UFPB). IMPRENSA E DIVULGAÇÃO: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ADUFPB (ASCOM/ADUFPB) JORNALISTAS RESPONSÁVEIS: Renata Ferreira (DRT/PB 3235/02) e Ricardo Araújo (DRT/PB 631). COLABORAÇÃO E LOGÍSTICA: Célia, Da Guia, José Balbino, Lu, Nana e Valdete.

GESTOR DE CONVÊNIOS - ADUFPB Marcelo Barbosa

Os textos assinados são de responsabilidade integral do autor e não refl etem, necessariamente, a opinião da revista. É permitida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, desde que seja citada a fonte e o autor da obra.

CONTATOS: E-mails: [email protected] (Célia Lopes) [email protected] (Ricardo Araújo)

NÚMEROS ANTERIORES: A ADUFPB disponibiliza no site do sindicato (www.adufpb.org.br), na seção Revistas, todos as edições da Revista Conceitos em formato digital (PDF), que podem ser adquiridas gratuitamente (downloads) para consulta.

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Presidente

JALDES REIS DE MENESES (CCHLA)

Vice-Presidente

ROMILDO RAPOSO FERNANDES (CE)

Secretária Geral

TEREZINHA DINIZ (CE)

Tesoureiro

MARCELO SITCOVSKY SANTOS PEREIRA (CCHLA)

Diretor de Política Educacional e Científica

FERNANDO JOSÉ DE PAULA CUNHA (CCS)

Diretora de Política Social

MARIA DAS GRAÇAS A. TOSCANO (CCS)

Diretor Cultural

CARLOS JOSÉ CARTAXO (CCTA)

Diretor de Divulgação e Comunicação

RICARDO DE FIGUEIREDO LUCENA (CE)

Diretor de Política Sindical

CLODOALDO DA SILVEIRA COSTA (CCM)

Diretora para Assuntos de Aposentadoria

AUTA DE SOUSA COSTA (CE)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia

ABRAÃO RIBEIRO BARBOSA (CCA)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia

PAULO CÉSAR GEGLIO (CCA)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras

MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA NETO (CCHSA)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras

NILVÂNIA DOS SANTOS SILVA (CCHSA)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte

CRISTIANO BONNEAU (CCAE)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte

BALTAZAR MACAÍBA DE SOUSA (CCAE)

Suplente da Secretaria

WLADIMIR NUNES PINHEIRO (CCM)

Suplente da Tesouraria

MARIA APARECIDA BEZERRA (CCS)

DIRETORIA EXECUTIVA DA ADUFPB - GESTÃO 2013/2015

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA CONCEITOS

A Revista Conceitos é uma publicação para divulgação da produção aca-dêmica dos docentes da UFPB, filiados à ADUFPB – Seção Sindical do ANDES-SN -, e que privilegia artigos e ensaios para divulgação científica. Os docentes interessados em publicar artigos na Revista Conceitos, deve-rão seguir rigorosamente as normas estabelecidas pelo Conselho Editorial da revista:

1. Serão aceitos textos em língua portuguesa com no máximo 15 (quinze) laudas e no mínimo 10 (dez) laudas, incluindo RESUMO, palavras-chave, ABSTRACT, referências bibliográficas, notas, ilustrações gráficas ou foto-grafias (no corpo do texto).

2. Os textos devem estar devidamente atualizados e revisados com o Novo Acordo Ortográfico da Academia Brasileira de Letras (ABL). Após a inscri-ção e aprovação pelos Conselhos de Pareceristas e Editorial, o autor não poderá solicitar o artigo para modificações ou atualizações, salvo autoriza-ção dos referidos conselhos.

3. Não serão aceitos trabalhos que não apresentem RESUMO E ABSTRACT.

4. O(s) autor(es) deve(m) ser sindicalizado(s) na ADUFPB ou colabora-dor(es) formalmente convidado(s) pelo Conselho Editorial da Revista.

5. A primeira página do artigo deverá conter, além do RESUMO e do ABSTRACT, informações como nome completo do autor(es), função, de-partamento ou Centro onde leciona(m), bem como a instituição (Campi João Pessoa, Bananeiras, Areia ou Litoral Norte e outros), titulação e e-mail para contato.

6. Cada docente colaborador poderá publicar 01 (um) artigo por edição da revista como autor-titular do texto. As co-autorias serão avaliadas pelo Conselho Editorial, dando prioridade aos autores titulares dos artigos para contemplar maior número de docentes sindicalizados na ADUFPB por edi-ção da revista.

7. Em parcerias com discentes da UFPB ou de outras instituições, o pri-meiro nome assinado deverá ser o nome do professor filiado à ADUFPB como autor-titular do artigo.

ESTRUTURA DOS TRABALHOS

Os artigos deverão ser redigidos em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 e não devem exceder 15 páginas ou ser menor que 10 páginas, incluindo os títulos, resumos, palavras-chave, ilustrações, fotos e referên-cias bibliográficas. Deve constar na estrutura dos trabalhos, a partir da primeira página:

1) Nome do(s) autor(es):Nome completo do(s) autor(es), seguidos de titulação*, local de atividade, e-mail para contato. (*) Esses dados podem ser incluídos no documento como nota de rodapé, sem numeração.

2) Título do artigo

3) Resumo e palavras chaves - Com até 100 palavras

4) Abstract e palavras chaves - Em língua estrangeira (inglês)

5) Texto propriamente dito:

6) Referências:

A lista de referências deve ser ordenada alfabeticamente, alinhada à mar-

gem esquerda e colocada ao final do artigo, citando as fontes utilizadas. Para a melhor compreensão e visualização, no final deste regulamento são transcritos exemplos de referências de diversos tipos de materiais.

7) Ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, etc.).

As imagens publicadas na Revista Conceitos são impressas em preto e branco. Devem estar inseridas no corpo do texto para indicar sua localiza-ção para a diagramação do artigo, acompanhadas de legendas caso seja necessário, e com a indicação: Figura 1, Figura 2, Figura 3...

Os arquivos de fotografias digitais, ilustrações ou gráficos devem ser enviados separadamente no corpo do e-mail do autor. Devem ter boa resolução e legibili-dade, nomeadas conforme as legendas no artigo (Figura 1, Figura 2, Figura 3).

As ilustrações devem permitir uma perfeita reprodução. É importante in-dicar a fonte ou crédito de autoria da imagem, seja ela ilustração, gráfico ou fotografia. A ADUFPB não se responsabiliza por reprodução de imagens não autorizadas pelos autores.

9) Notas de rodapé

As notas de rodapé deverão ser citadas de acordo com as normas da ABNT. http://www.trabalhosabnt.com/regras-normas-da-abnt-formata-cao/nbr-6023

10) Observações:

a) Nos artigos inscritos, utilizar itálico somente para palavras estrangeiras.b) Os trabalhos que não atenderem a estrutura proposta pelo Conselho Editorial poderão ser devolvidos aos autores a critério do Conselho de Pa-receristas, sem avaliação de mérito.

11) AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS

Os artigos encaminhados à Revista Conceitos serão avaliados, individual-mente, por três pareceristas ad-doc, reconhecidos por seu notório saber acerca dos temas inscritos. Para esta tarefa, será utilizado o sistema triplo cego e, com base nos pareceres obtidos, a Comissão Editorial emitirá um dos seguintes conceitos:

a) aprovado para publicação; b) aprovado com correções; c) rejeitado para publicação.

Quanto aos trabalhos não aceitos o autor será comunicado da decisão. Os editores não assumem a responsabilidade por opiniões/conceitos emiti-dos em artigos assinados e matéria transcrita. Os editores se reservam o direito de selecionar os artigos para publicação; ouvir parecer de especia-lista para averiguar a qualidade do trabalho; proceder à revisão gramatical dos textos e fazer correções desde que não alterem o conteúdo.

FORMA DE ENCAMINHAMENTO

Os artigos devem ser enviados em formato digital exclusivamente para o e-mail da Comissão Editorial: [email protected]. Sugerimos incluir na mensagem de e-mail um telefone (fixo ou celular) para uso do Conselho Editorial em caso de problemas no recebimento digital do arquivo.

IMPORTANTE: Os editores não se responsabilizam por extravio de artigos en-viados para outros e-mails de contato do sindicato. Qualquer dúvida, entrar em contato através do e-mail: [email protected] ou [email protected], ou pelo telefone (83) 9958-9058 (celular ADUFPB/Recepção).

(Atualizadas em Agosto de 2014 - Também disponível no site: www.adufpb.org.br)

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SumárioRevista Conceitos - Ano 2014, Número 21, Volume 2.

PÁG. 9

APRESENTAÇÃO

PÁG. 10

A influência do professor no interesse dos

alunos pelos assuntos da Biologia

Paulo César Geglio

Anna Karolina Fidelis da Silva

Luciene Ribeiro de Andrade Neto

PÁG. 18

A filosofia medieval e suas conexões com a contemporaneidade

Cláudio Pedrosa Nunes

PÁG. 26

Sobre a contraditória coerência da forma-arte

Wécio Pinheiro Araújo

PÁG. 34

Adolescentes, pobreza e violência social:

um estudo das representações sociais

Galdino Toscano de Brito Filho

Yara Toscano Dias Rodrigues

Maria da Penha de Lima Coutinho

Mônica Dias Palitot

Francisco de Assis Toscano de Brito Junior

PÁG. 43

Cinema na escola e cinema da escola

Virgínia de Oliveira Silva

PÁG. 50

A importância das estratégias de

aprendizagem na prevenção da ansiedade

Mônica Dias Palitot

Mariângela Estevam de Caldas Leite

Thaismá Ferreira Nóbrega

Francisco de Assis Toscano de Brito

PÁG. 60

A fotografia e o desenho em jornais

e cartilhas para camponeses analfabetos

José Ramos Barbosa da Silva

PÁG. 69

Campina Grande: uma cidade do Estado Novo

à Segunda Guerra Mundial (1937/1945)

José Octávio de Arruda Mello

PÁG. 75

Ilha de Páscoa: mudanças ambientais,

dinâmica cultural e preservação patrimonial

Giovanni de Farias Seabra

PÁG. 86

Ligas Camponesas e Ditadura Militar

Maria de Fátima Marreiro de Sousa

PÁG. 92

Grupos condutores das redes de atenção: da gênese

às implicações de mudanças no modo de operar

a produção em saúde na SES - Paraíba

Lenilma Bento de Araújo Meneses

Adriano Lucas Abucater de Santana

Rejane Vieira

RESENHA

ENSAIO

PÁG. 99

Maquiavel e as lições sobre política

Mariza de Oliveira Pinheiro

Igor Max Pinheiro de Oliveira

PÁG. 103

Kiril e Francisco: da ficção à realidade

Rubens Pinto Lyra

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Conceitos - N. 21, Vol. 2 (Dez. 2014) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 9

Compromisso com os leitores

Compromisso! Esse é o termo síntese deste número da Revista Conceitos.

De um lado, o nosso compromisso, apresentando uma revista cada vez mais

atenta à qualidade do material veiculado e às temáticas relacionadas à vida aca-

dêmica dos docentes. De outro, o compromisso dos nossos professores com a

submissão de textos afinados com o mundo que nos circunda e também com a

forma, o estilo, a gramática e o conteúdo.

Essa afinação entre editores e autores pode ser percebida, nesta nova

edição da Conceitos, nos treze artigos publicados em suas páginas. A vigésima

primeira edição da revista traz textos que abordam temas instigantes e relevan-

tes. Artigos que passeiam por assuntos diversos do universo acadêmico, desde

a pesquisa até a extensão. Temas como “Cinema na escola e cinema da escola”;

“Ilha de Páscoa: mudanças ambientais, dinâmica cultural e preservação patri-

monial” e “Ligas camponesas e a ditadura militar” são alguns exemplos desse

compromisso – que se estende ainda aos outros sete artigos e duas resenhas

publicados neste número da Revista Conceitos.

Desse acordo mútuo em torno de um compromisso de buscarmos sempre

o melhor para qualificar a Conceitos como uma publicação de referência acadê-

mica, resulta, e resultará sempre, numa revista não só representativa de nossa

entidade, a ADUFPB, mas também num canal de comunicação do conhecimento

científico produzido por docentes da UFPB e autores convidados.

Aos leitores, uma boa leitura.

Aos autores, nosso muito obrigado!

Os Organizadores.

A P

R E

S E

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Conceitos - N. 21, Vol. 2 (Dez. 2014) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN10

10Paulo César Geglio* Anna Karolina Fidelis da Silva** Luciene Ribeiro de Andrade Neto***

A influência do professor no interesse dos alunos pelos assuntos da Biologia

(*) Professor Doutor do Departamento de Ciências Fundamentais e Sociais – CCA/UFPB. E-mail: [email protected](**) Acadêmica do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas - CCA/UFPB. E-mail: [email protected](** ) Acadêmica do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas -CCA/UFPB. E-mail: [email protected]

RESUMO

O presente trabalho aborda a autonomia do aluno para escolher os assun-tos da disciplina Biologia que devem dedicar mais atenção na aprendizagem, bem como a influência da prática pedagógica do professor sobre isso. Com essa perspectiva, apresentamos uma análise de dados coletados com alunos do ensino médio de duas escolas públicas, para os quais perguntamos em que assuntos da Biologia sentem mais dificuldades ou facilidade de aprender e os motivos que justificam as duas situações. Os assuntos mais citados são: Gené-tica, Reinos e Bioquímica Celular. Os motivos para as dificuldades são: falta de atenção às aulas, falta de estudo fora da sala de aula e a dinâmica da aula do professor. As justificativas para as facilidades também são as mesmas, porém de maneira positiva, ou seja, atenção deles às aulas e boas aulas ministradas pelo professor. Assim, concluímos que os alunos escolhem os conteúdos a que devem dedicar mais atenção, devido à maneira como o professor ministra as aulas, pois, se são mais atraentes, eles se dedicam mais ao assunto; do contrá-rio, o assunto não ganha importância em seus estudos.

Palavras-chave: Ensino de Biologia; dificuldades e facilidades de aprender; prática pedagógica.

ABSTRACT

The current piece of research deals with the student’s autonomy in choosing which issues regarding biology subject, he or she should devote more attention to learning as well as the influence of the teacher’s pedagogical practice about it. Under this perspective, we present an analysis of data collected among high school students from two public schools. They were asked which biology issues

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1. INTRODUÇÃO

A educação é um processo tão presente na vida humana e necessário a ela que nos parece ser algo inerente à própria natureza da qual o homem é parte. Porém, não é. Para a corrente fi-losófica denominada histórico-materialista, cujo maior expoente é Karl Marx (1818-1886), o ser humano se humaniza no processo de construção histórica de sua existência, cuja base é consubs-tanciada pelas relações sociais e pelo modo de produção. Marx (2004) define o trabalho como um meio de sobrevivência, humanização e inte-ração social. Assim, a prática do trabalho como elemento de criação é, para ele, “[...] uma condi-ção necessária para que o homem seja cada vez mais livre, mais humano, mais dono de si próprio [...]” (KONDER, 1976, p. 44).

Sob o ponto de vista dos filósofos iluminis-tas, a educação é um processo que visa formar a moral, os bons hábitos e costumes nos homens (LOCKE, 1632-1704; ROUSSEAU, 1712-1778; KANT, 1724-1804). Kant (2002), por exemplo, afirma que, naturalmente, o homem não se desen-volve, é preciso a ação educativa para torná-lo ver-dadeiramente humano. Sob o ponto de vista so-ciológico, Durkheim (1978) vê a educação como um fenômeno socializador, porém um ato passivo em relação ao indivíduo que a recebe. Assim, ele define a educação como uma ação que uma gera-ção exerce sobre outra, como forma de transmi-tir princípios morais, valores, culturas e crenças. Uma educação que tem a função de educar o in-divíduo para um tipo de vida social e produtiva

determinada já no momento do seu nascimento.Não obstante a concepção de que a edu-

cação visa preparar o ser humano para viver em uma sociedade com valores, tradições e culturas estabelecidos, essa ação não ocorre de maneira passiva, linear e progressiva. A educação é um processo que se estabelece em constante estado de conflito, pois os que sofrem a ação educati-va tendem, de forma salutar, a aceitar, rejeitar e transformar o que recebem. Essa situação confli-tuosa pode ser considerada como fator inerente ao ato educativo e revela a capacidade de autono-mia e de construções cognitivas do indivíduo, que são estimuladas durante sua educação. Portanto, questionar, recusar, selecionar e dar significados subjetivos às informações que recebem são carac-terísticas do processo educativo dos indivíduos.

A educação concebida nessa perspectiva do questionamento, da recusa e da transforma-ção tem respaldo na pedagogia da autonomia, propalada por Paulo Freire. Ao fazer referência à educação escolar passiva, o autor afirma que “[...] é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do fal-so ensinar [...]” (FREIRE, 2000, p. 28). Na visão freireana, a curiosidade do sujeito - como mani-festação de inquietação indagadora, como forma de descobrir alguma coisa, como esclarecimento e como sinal de atenção - deve ser vista como característica vital, própria da existência huma-na. Portanto, não há vida ou educação que se construam passivamente.

present more difficulty and more easiness to be learned as well as the reasons that corroborate both situations. The most mentioned issues were: genetics, kingdoms and cell biochemistry. The reasons for difficulty are: lack of atten-tion by students in the classroom, absence of a follow-up study after school and teacher’s classroom dynamics. The aspects that corroborate easiness for learning are the same, although in a positive way, that is, the students paying close attention to the classes, and a teacher’s interesting class. Therefore, we concluded that students choose the issues they should pay more attention to, according to the way the teacher performs in the classroom; if the class is in-teresting, they do study more; the opposite occurs when the subject-matter is not of importance to his/ her studies.

Keywords: Biology teaching; Learning difficulty and easiness; Pedagogical practice.

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No contexto da educação escolar - precisa-mente no âmbito da sala de aula - as relações que envolvem o processo educativo, centradas efetivamente no ensino e na aprendizagem de conteúdos específicos das diversas áreas do co-nhecimento humano - embora a prática pedagó-gica ainda esteja permeada pela perspectiva da transmissão de informações e pela tendência à ação progressiva e linear de uma geração sobre outra, o conflito, a contingência e a subjetivida-de se fazem presentes. Em seu cotidiano, “[...] lidando com seres humanos, os docentes se con-frontam com a irredutibilidade do indivíduo em relação às regras gerais [...]” (TARDIF, LESSARD, 2005, p. 43). Segundo os autores, a prática do-cente se configura como um trabalho cujo produ-to não pode ser controlado pelo trabalhador. O aluno que, nesse caso, é o foco laboral do traba-lhador se constitui como corpus autônomo, sobre o qual a ação do professor é limitada, ou melhor, depende, também, da vontade do aluno para que haja transformação.

Muito se fala sobre a atuação do professor em relação à aprendizagem do aluno, porém, se ele não quiser aprender determinado conteúdo, a ação do professor será neutralizada. Isso significa que, que se o professor tem uma relativa autonomia no que diz respeito à seleção dos conteúdos que ensina e dá mais ênfase a alguns em detrimentos de outros, também o aluno pode escolher se quer aprender e quais conteúdos quer aprender. Essa autonomia do aluno exige mais empenho do professor para despertar-lhe a atenção para o aprendizado dos conteúdos. Freire (2000), ao falar da necessidade de se respeitar a autonomia dos alunos, sugere que a curiosidade, o gosto estético, a inquietude e a linguagem, que são próprios dos seres humanos, devem ser estimulados no processo de ascensão do aluno ao conhecimento crítico.

Não encontramos na literatura discussão a respeito da autonomia do aluno em relação à se-leção sobre os assuntos que quer aprender. Muito se discute sobre a responsabilidade do professor de despertar a atenção do aluno para a aprendiza-gem, mas não há discussões que dizem respeito ao fato de o aluno não se interessar por determi-nados assuntos e, portanto, não priorizá-los.

Em relação à autonomia do professor frente ao programa de conteúdos da disciplina que mi-nistra, mesmo que ele o tenha elaborado – pois, algumas vezes, recebe-o pronto para ser minis-

trado - sempre há determinados conteúdos sobre os quais fará ajustes, devido ao tempo, à dispo-sição dos alunos ou ao seu conhecimento em re-lação a eles. Os programas não são aplicados de forma linear e completa, sobretudo quando são elaborados de maneira alheia ao professor. Nes-se caso, a tendência é de fazer adaptações e al-terações diante da realidade concreta da sala de aula (TARDIF; LESSARD, 2005). Essas alterações ocorrem, também, em nosso entendimento, pela identificação do professor com determinados assuntos que precisa ensinar, bem como da sua avaliação sobre o que é importante que os alunos aprendam. A importância que esse profissional dá a certos assuntos mais do que a outros de-pende de vários fatores, alguns objetivos - como, por exemplo, cobrança nos exames oficiais, ves-tibulares – outros, subjetivos, como sua familiari-dade ou domínio em relação a eles.

A seleção que os professores fazem do que deve ensinar aos alunos sugere sua con-dição de autonomia profissional frente aos conteúdos de um programa de ensino. Sobre isso, consideramos que os alunos, de maneira menos objetiva e proposital, também podem selecionar os conteúdos que os professores en-sinam, ou seja, eles são atores dotados da ca-pacidade de selecionar o assunto sobre ao qual dedicarão mais atenção. Essa seleção, feita pe-los alunos, está atrelada diretamente à prática didático-pedagógica do professor e é propor-cional à influência que o professor exerce so-bre eles. A forma como o professor apresenta o conteúdo - se estimula os alunos a aprender, se dá mais ou menos ênfase a determinado as-sunto – exerce influência na maneira como os alunos se dedicam a aprendê-lo.

Na concepção de aprendizagem significati-va de Ausubel (MOREIRA; MASINI, 2006), a dis-posição para aprender está diretamente relacio-nada à vontade e ao interesse do aluno, pois ele é elemento ativo nesse processo de aquisição de novas informações. Na teoria de Ausubel, o pro-fessor não só precisa reconhecer as informações que os alunos já detêm e que podem servir de elementos de ligação com as novas informações, mas também ser um estimulador da aprendiza-gem. Há que se ressaltar que eles só aprende-rão o que for significativo. Para isso, precisam se envolver na aprendizagem, o que depende da sedução do professor. Assim, como afirma Pego-

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raro (1995), o grau de interesse dos alunos para aprender está necessariamente ligado à forma como o professor ensina.

Com essa perspectiva, realizamos uma pes-quisa com um grupo de alunos do ensino mé-dio de duas escolas públicas, com o objetivo de perceber quais as dificuldades e facilidades que apresentam para aprender e os possíveis fatores que influenciam nesse processo.

2. DADOS COLETADOS

Coletamos dados com 60 alunos de duas

escolas públicas, localizadas em uma cidade do interior do estado da Paraíba, na Região Nordes-te do Brasil, com o propósito de identificar em quais conteúdos da disciplina Biologia eles apre-sentam mais dificuldade e quais os que apren-dem com mais facilidade. Os alunos estão matri-culados nos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio e frequentam as aulas nos três turnos. Do total de alunos, 54 são do ensino regular, e seis, da mo-dalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). A maioria é do sexo feminino (57%), e a idade varia entre 14 e 30 anos, porém a maioria (58%) tem de 16 a 18 anos.

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Conceitos - N. 21, Vol. 2 (Dez. 2014) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN14

A maioria dos alunos afirmou que gosta das aulas de Biologia: 40% disseram que gostam, 23%, que gostam muito, e 25% gostam de alguns

assuntos dessa disciplina (gráfico 3). A maioria de-les (65%) se considera atenciosa às aulas de Biolo-gia, e 25% reconhecem que são pouco atenciosos.

Entre os conteúdos da Biologia que sen-tem mais dificuldade de aprender, estão, no 1º ano: Citologia (divisão celular e organelas) e Bioquímica Celular (glicídios e lipídeos); no 2º ano: Reinos; no 3º: Genética (2ª Lei de Mendel: lei da segregação independente dos genes). As Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensi-no Médio (PCN+) registram que o ensino de Bio-logia nas escolas, tradicionalmente, tem sido realizado em torno de algumas subáreas dessa ciência, como, por exemplo, Citologia, Genéti-ca, Evolução, Ecologia, Zoologia, Botânica e Fi-siologia. O referido documento não questiona essa forma de divisão da Biologia, mas a forma como tais assuntos são ensinados. A ênfase é dada à compreensão desses temas com uma ló-gica própria, como se bastasse entendê-los por si mesmo, sem relacioná-los a aspectos mais

amplos da vida cotidiana. Eles são ensinados fora do próprio fenômeno da Biologia. “[...] Nes-sas circunstâncias, a ciência é pouco utilizada como instrumento para interpretar a realidade ou para nela intervir, e os conhecimentos cien-tíficos acabam sendo abordados de modo des-contextualizado” (BRASIL, 2002. p. 40).

Os alunos afirmam que, entre os motivos das dificuldades de compreender os assuntos citados, estão a pouca dedicação ao estudo fora da sala de aula (48%); falta de aula prática (37%); pouca explicação do professor (28%); fal-ta de atenção deles à aula (23%); aula muito ex-positiva (15%); falta de recursos na escola para melhorar a aula (11%) e dificuldade do professor de ensinar (6%). Sobre esses dados, podemos observar que os alunos reconhecem a própria deficiência em função da falta de dedicação aos estudos fora do ambiente escolar.

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Outro dado que levantamos com os alunos diz respeito aos assuntos da Biologia que eles têm mais facilidade de aprender. Sobre essa in-formação, temos os seguintes dados: 1º ano: Bio-química Celular (Glicídios); 2º ano: Vírus e Reino Monera; 3º ano: Genética (divisão celular e 1ª Lei de Mendel: Lei da segregação genética). Tam-

bém os questionamentos sobre o motivo dessa facilidade. As respostas deles apontam que isso se deve à boa aula do professor sobre o assunto (75%), assim como à sua atenção na aula (67%). Outros (25%) consideram que sua dedicação ao estudo do assunto fora da sala de aula facilitou a aprendizagem.

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3. ANÁLISE DOS DADOS

Os dados coletados com os alunos que par-ticiparam da nossa pesquisa, especificamente a respeito de suas dificuldades e facilidades de aprender determinados assuntos da Biologia, in-duzem-nos a pensar sobre a possibilidade de que eles estejam escolhendo os assuntos aos quais de-vem dedicar mais atenção, em função, às vezes, de fatores subjetivos, porém, em grande parte, pela maneira como o professor ministra o conteúdo.

Em relação aos alunos do 1º ano do ensino médio, o assunto que eles têm mais dificuldade de aprender é relativo à Bioquímica Celular, em particular, sobre glicídios e lipídeos. Quanto aos assuntos que têm mais facilidade de aprender, também aparece a Bioquímica Celular, especifi-camente no conteúdo de glicídios. Eles citaram como os motivos dessa dificuldade a falta de es-tudo fora da sala de aula e a atenção deles às aulas. Esses dois fatores, juntos, somam um per-centual de 71% das opções de respostas. Mas eles também fazem substancial menção à falta de aula prática (37%) e à pouca explicação do professor (28%). Quanto à justificativa para a fa-cilidade na aprendizagem do mesmo assunto, po-rém com diferença específica de conteúdo, eles mencionaram a boa aula do professor (75%), as-sim como a atenção deles na aula (67%).

Em relação aos dados acima, notamos que os mesmos fatores, apontados de maneira inversa, são os dificultadores e os facilitadores da aprendizagem de determinado assunto. Eles afirmam que sua falta de atenção às aulas e a pouca explicação do professor são fatores que di-ficultam a aprendizagem em Bioquímica Celular (glicídios e lipídeos), porém esses dois fatores, apontados de maneira positiva, são, também, os facilitadores para a aprendizagem da Bioquími-ca Celular (glicídios). Esse fato se repete com os alunos do 2º ano, no que diz respeito ao assunto Reinos, e com os do 3º ano, em Genética.

Observamos que os dados se contrapõem. Nossa interpretação é que existem fatores coadju-vantes que influenciam na facilidade e na dificul-dade dos conteúdos. É importante ressaltar que não estamos desconsiderando as especificidades relativas aos conteúdos de cada assunto registra-dos pelos alunos em relação às suas dificuldades

e facilidades de aprender. Embora eles tenham registrado os mesmos assuntos, há aspectos es-pecíficos dos assuntos que eles situam como di-ficuldades ou facilidades. Não obstante, há dois fatores comuns nessa relação - o professor e a jus-tificativa. O mesmo professor que, na visão deles, ministra uma aula que não favorece sua apren-dizagem em determinado conteúdo também é apontado como aquele cuja aula facilita a apren-dizagem em outro conteúdo. Assim ocorre com a falta ou a existência de atenção às aulas.

Embora existam aspectos subjetivos ineren-tes a cada aluno que possam contribuir para ex-plicar suas escolhas e dedicação à aprendizagem dos assuntos da Biologia, entendemos que a in-fluência da metodologia do professor é um fator preponderante. Segundo Bruner (1997), existe um significado intrínseco que dá sentido às ações humanas. Para ele, os processos que produzem os significados não se assemelham ao mecanis-mo que processa informações. Uma ação humana tem um significado, cuja possibilidade de explica-ção está para além da cognição. Para entender o ser humano e o seu comportamento, é preciso se esforçar para compreender o significado de suas atitudes. Esse esforço não pode se limitar ao estu-do de sua mente, ele deve recorrer também à sua evolução histórica e cultural.

Não obstante às ideias de Bruner (1997), com as quais concordamos, acreditamos que, no contexto específico da sala de aula, no proces-so de ensino e aprendizagem dos conteúdos das disciplinas, a influência e o poder de persuasão metodológica do professor em relação ao que en-sina são maiores do que as subjetividades que conferem significado às escolhas ou às atitudes dos alunos. Portanto, consideramos que é a ma-neira como o professor ensina os conteúdos que faz com que eles tenham dificuldade ou facilida-de de aprender, assim como o fato de dedicarem mais ou menos atenção às aulas e ter a iniciati-va de estudar os assuntos da disciplina também fora da sala de aula.

4. CONCLUINDO

Partimos do princípio de que, assim como os professores têm uma autonomia relativa sobre

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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 15 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

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PEGORARO, O. M. E. Grau de interesse dos alunos diante do trabalho realizado pelos professores de Biologia: em busca de uma explica-ção. Semina: Ciências Humanas e Sociais. v.16, n. 2, Ed. Especial, p.43-48. Out. 1995.

TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente. Elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.

Referências

os assuntos das disciplinas que lecionam, no que diz respeito à forma de abordá-los e à ênfase que dão a determinados conteúdos, os alunos tam-bém podem escolher a qual deles devem dedicar aprendizagem. Também consideramos que a de-dicação do aluno para aprender está diretamente ligada à maneira como o professor ensina. Assim, se o professor se empenha mais no ensino de de-terminado assunto, estimula o aluno a aprender e a se envolver com o que está ensinando.

No que diz respeito à nossa pesquisa, perce-bemos que os alunos, ao justificarem suas dificul-dades de aprendizagem em determinados assun-tos da Biologia, revelam aspectos relativos à sua falta de atenção às aulas e estudos fora da escola, bem como à abordagem do professor. As justifi-cativas para a facilidade de aprender os mesmos assuntos, com especificidades diferentes, com os mesmos professores também se referem à sua atenção às aulas e ao desempenho do professor. Nesse caso, porém, de forma positiva. Isso nos faz concluir que, no caso deste estudo, a ação didática do professor é um aspecto fundamental para que os alunos se dediquem mais ou menos à

aprendizagem dos assuntos de Biologia.Quando o professor ministra uma aula de ma-

neira pouco atraente, sem envolver os alunos na aprendizagem e nas discussões, a tendência é de que eles não se interessem pelo assunto. Conse-quentemente, ficam ansiosos para que a aula ter-mine e não se interessam em estudar o assunto. Na maioria das vezes, os professores de Biologia, devido à sua formação deficitária, à falta de con-fiança ou ao comodismo, limitam-se a ministrar os conteúdos da disciplina com base exclusivamente no que é apresentado nos livros didáticos e abrem mão de sua autonomia para ajustá-los ao contexto dos seus alunos (KRASILCHIK, 1986).

Quando o professor desenvolve uma aula dinâmica e interativa com os alunos, em que o assunto em questão é abordado de maneira con-textualizada e interdisciplinar, e os conhecimen-tos e as opiniões dos alunos são considerados, a possibilidade de prestarem atenção à aula e de se interessarem em discutir e estudar o assunto posteriormente é muito maior, porquanto, nesse contexto, estabelecem-se relações de significa-dos para os alunos.

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18Cláudio Pedrosa Nunes*

A filosofia medieval e suas conexões

com a contemporaneidade

RESUMO

O presente estudo objetiva abordar, de forma propedêutica, os principais pos-tulados da filosofia medieval, especificando alguns de seus institutos essenciais e vislumbrando as eventuais conexões com os institutos jusfilosóficos da con-temporaneidade.

Palavras-chave: Filosofia medieval. Conexões. Contemporaneidade.

ABSTRACT

This study aims to expose the fundamental postulates of medieval philosophy, specifying some of its leading institutes, and checking for the occasional con-nections to both the legal and philosophical institutes of contemporaneity.

Keywords: Medieval philosophy. Connections. Contemporaneity.

(*) Doutor em Ciências Jurídico-filosóficas pela Universidade de Coimbra. Professor Adjunto do CCJ-UFPB. Líder e pesquisador do grupo de estudo e pesquisa Direito e Justiça na Europa Medieval. Autor do livro “A Conceituação de Justiça em Tomás de Aquino: um estudo dogmático e axiológico”, Juruá, 2013. E-mail: [email protected].

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1. A existência de Deus e a criação do mundo são especialmente evocadas na prima pars da Suma Teológica de Tomás de Aquino, a partir da Questão 2.2. O tratado da justiça encontra-se na secunda secundae da Suma de Tomás de Aquino, a partir da Questão 58.

1. INTRODUÇÃO

O que é filosofia medieval? Quais os perí-odos principais da filosofia medieval? Quais as principais contribuições da filosofia medieval para o pensamento jusfilosófico contemporâneo? Essas são as questões básicas que reputamos adequadas para identificar o conteúdo e as uti-lidades de uma das ciências ou disciplinas mais importantes do conhecimento erudito: a filosofia medieval.

Relacionar as principais características da filosofia medieval e identificar seu conteúdo como ciência ou disciplina do conhecimento não são tarefas singelas. Num período temporal de quase mil anos, natural que se vislumbrem varia-dos aspectos, perfis e características desse seg-mento filosófico. É nesse contexto em que pro-curaremos, em meridiana síntese, elaborar uma incipiente teoria a respeito das bases centrais de reconhecimento e do mérito da filosofia medie-val, sugerindo diretrizes capazes de, em nosso entender, instigar a descoberta de perspectivas e vislumbrar os desafios que, certamente, movem as preocupações dos estudiosos da filosofia da Idade Média.

Aliado a isso, reputamos importante sugerir algumas possíveis conexões entre os institutos filosóficos medievais e as categorias jusfilosófi-cas correlatas do direito contemporâneo, seja no sentido de reunir elementos especiais de auxílio hermenêutico, seja no sentido de corrigir equívo-cos a que muitos estudiosos das ciências huma-nas incorrem no tocante ao direito natural.

2. O QUE É FILOSOFIA MEDIEVAL?

A indagação em foco, certamente, atrai a persecução das características e do mérito da fi-losofia medieval, que se caracterizou, sobretudo, por procurar entrar em sintonia com o conheci-mento clássico grego e o romano e a teologia da Igreja Romana. O desenvolvimento das ciências, o surgimento das universidades e a formação dos conglomerados urbanos também são fatos que identificam o perfil da sociedade medieval e, com ela, o próprio florescimento do pensamento filosófico de então.

Nesse contexto, a doutrina cristã, então ele-vada a dogma constitutivo da razão de ser das instituições, exerceu um papel condensador e aglutinador, no sentido de conferir legitimidade ao ambiente secular através da sedimentação da cultura da autoridade da Igreja. Tal conjun-tura era derivada da afirmação dos eclesiásticos como autoridades estabelecidas por conduto da vontade e da bondade de Deus, por meio dos quais a sociedade humana alcançaria o adequa-do equilíbrio.

Assim, a filosofia medieval avançou, nos mais variados sentidos, desde as justificativas da existência do mundo e de seu Criador1 até os pormenores da justiça comutativa2 e do direito contratual, com seus naturais desdobramentos nas mais comezinhas relações interpessoais.

No âmbito do direito, o pensamento filosófi-co medieval revelou-se fértil e profícuo. O direito natural representou a principal categoria jurídi-ca substrato da filosofia do direito e do estado do Medievo, cujo conteúdo emanava da conju-gação das teorias gregas e romanas a respeito da aplicação da justiça. Assim, o direito natural medieval é consequência, sobretudo, da doutrina clássica do justo, que considerava, entre outros aspectos, a definição da justiça e do justo a par-tir da observação e do sentido da ordem natural das coisas, tal qual se extrai da contemplação da natureza.

Ressalte-se, porém, que o direito natural avançou na atmosfera filosófica medieval, es-pecialmente quando estudado e aplicado sob a ótica da razão. Nesse particular, destaca-se a doutrina jusfilosófica de Tomás de Aquino. Com efeito, a filosofia tomista do direito natural é pautada numa ordem racional das coisas, que introduz, no mundo jurídico, as ideias e as cons-truções humanas na definição do que é direito e do que é justo.

Fiel que era à doutrina aristotélica da ra-zão, Aquino conseguiu conjugar a razão humana à ordem natural das coisas e, com isso, produ-ziu uma doutrina que alçou o direito natural à categoria jusfilosófica de grande autoridade, o qual, como categoria jusfilosófica de excelência, é consubstanciado no exercício da razão do bem, do correto e do justo, com a inserção da lei na-

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tural do bem na consciência dos homens. Em outras palavras, é conatural a todos os homens, por conduto do intelecto e da vontade de Deus, a concepção de que deve fazer o bem e evitar o mal, atribuindo a cada um o que é seu de direito.

O direito natural é a inserção da lei natural de Deus na consciência e na razão humanas, através do qual o homem é dirigido a agir corretamente em suas relações sociais. Portanto, na jusfilosofia medieval, o direito natural tem franca e estreita relação com a justiça, seja a justiça geral, seja a especial. Afinal, como anota Tomás de Aquino, “o direito é o objeto da justiça”3. Por outro lado, o objeto material da filosofia medieval é complexo e multiforme, conquanto, nesse período de quase mil anos (Séculos V a XIV aproximadamente), as transformações socioeconômicas e socioculturais tenham sido significativas. Se pudermos eleger um objeto material sensível em todo o Medievo, mesmo por mera especulação, diremos que tal objeto é, indubitavelmente, Deus.

Deus é, na filosofia medieval, o centro das atenções e em face de quem se formulam todos os problemas filosóficos a debater, explorar e resol-ver. Mas, na filosofia medieval, Deus não é somente aquela entidade ou ser transcendental ou metafísi-co sobre o qual se exerce uma devoção. Para os fi-lósofos medievais, Ele é uma “instituição”, ou seja, o Criador de tudo o que se tem e se move, formal-mente, na face da terra. É a origem, o princípio e a fonte formal, por excelência, de todo o organismo social, político, econômico, jurídico e cultural pul-sante na sociedade dos homens4.

Eis, portanto, os principais aspectos que perfazem, ao menos em parte, o que podemos conceber por filosofia medieval. Não se trata, pois, de uma pseudofilosofia, mas de uma filo-sofia sólida, cujas intensas investigações condu-ziram a soluções aceitáveis e adequadas que se revelam úteis e proveitosas até os dias de hoje.

2. OS PERÍODOS CENTRAIS DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL

No tocante aos períodos históricos princi-pais da filosofia medieval, podemos relacionar os seguintes: a) o período de estudo da doutri-

na greco-romana; b) o período de predomínio da patrística; e c) o período efusivo da escolástica. Cada um desses períodos conserva suas peculia-ridades e características intrínsecas, que abran-gem conjunturas políticas, jurídicas e sociais es-peciais, como veremos a seguir.

No primeiro período citado (estudo da dou-trina greco-romana), ocorre o que Kaufmann deno-mina de transição gradual entre a filosofia estoica e a filosofia cristã5. Nesse período, a doutrina do direito natural é preservada em seu assento fun-damental, segundo o qual o bem está cravado no coração dos homens como a base da ordem social e política, que decorre da organização verificável nas próprias coisas da natureza. Essa concepção jusfilosófica, que teve em São Paulo e em Cícero seus principais expoentes, norteou a doutrina medieval do direito natural construída por Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, com as pecu-liaridades de cada um. Trata-se de uma filosofia que tem na ordem da natureza (natureza propria-mente dita) sua fonte irradiadora.

O período da patrística, por sua vez, resul-tou do predomínio das lições e das concepções dos padres da Igreja Romana, em que se inclui o próprio Agostinho. É na patrística que a doutrina agostiniana da vontade pautada na fé aufere sua grande importância na orientação da conduta so-cial. Só a fé em Deus é capaz de conduzir os ho-mens ao bem divino e à salvação, já que a pura ra-zão humana está impregnada do pecado original e da consequente corrupção da natureza humana.

Tal concepção pessimista da sociedade, segundo Del Vecchio6, não ofuscou, entretanto, a utilidade da filosofia agostiniana na formação e na organização social, política e jurídica da alta Idade Média. Nesse contexto, a compara-ção sempre inevitável entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens não é senão um bálsamo catalisador que promove a orientação do com-portamento dos indivíduos e da missão secular que legitima o alcance e a manutenção do poder do Estado.

A autoridade da Igreja Romana e de seus padres é, por assim dizer, o fio condutor de in-gresso na Cidade de Deus (a eternidade do Céu e do Paraíso) para cujo alcance o Estado tem

3.Cf. Questão 57, secunda secundae da Suma Teológica.4. Cf. ETIENNE GILSON. In: A filosofia na Idade Média, p. 621.5. Cf. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas, p. 74.6. Cf. Lições de filosofia do direito, p. 591.

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significativa importância. Em outras palavras, a obediência dos titulares do Estado (Cidade dos Homens) à Igreja e seus padres é o caminho ade-quado que constitui a própria razão de ser do Es-tado e em face do que ele logra alguma virtude, minimizando sua origem consequente ao pecado original.

Aos padres da Igreja e à patrística em ge-ral coube a sedimentação de um sentido hon-roso para o Estado, através do direcionamento de suas ações para auxiliar os fins espirituais da Igreja e a salvação das almas. Se o Estado esti-ver subordinado à Igreja, estará, razoavelmente, justificada sua existência no mundo secular, atri-buindo-se-lhe a utilidade que merecer.

Acusa-se, entretanto, a patrística de ignorar a distinção entre a sociedade criada e o mun-do de Deus ou, noutras palavras, entre o natural secular e o sobrenatural divino, o que fomentou injustiças como o emprego das práticas ordálias. A vida terrena e a vida eterna estão intensamente conjugadas, de modo que algo reputado como decorrência da crença em Deus era concomitan-temente considerado para as soluções das pen-dências humanas. Crença e verdade empírica, enfim, confundiam-se7.

Por conta dessa conjuntura, o direito natural tornou-se dicotômico na filosofia patrístico-agos-tiniana. O direito natural primário é identificado com a ordem natural anterior ao pecado original, onde reina o paraíso e tudo é comum a todos em bens e virtudes. O direito natural secundário, por sua vez, é identificado com o período pós-queda, isto é, que se seguiu ao pecado original, quando a necessidade da propriedade privada e do go-verno para debelar a anarquia eram as institui-ções que, por imperativo natural, conduziriam a um mínimo de ordem.

Foi no período da escolástica, por outro lado, que os dogmas reinantes na patrística fo-ram mitigados, senão suprimidos. A reta razão passou a ser um dos institutos mais importan-tes desse período, quando as coisas emergentes do mundo empírico alcançariam especial relevo. Com raízes na filosofia de Aristóteles, a escolás-tica teve, no desenvolvimento da razão, a base de seu conteúdo didático. Em outras palavras,

não há escolástica sem a busca da explicação das coisas do mundo por meio do emprego da razão. E foi a universidade e os parlamentos o palco principal das manifestações dos filósofos escolásticos.

O Século XIII notabilizou-se como o tempo do surgimento e do apogeu das universidades e do desenvolvimento do racionalismo. Segundo Jean Pépin, a causa da eclosão das universida-des, no Século XIII, fora especialmente, o desejo dos letrados de defenderem interesses e ideolo-gias comuns, através de associações corporati-vas8. O autor menciona que a Universidade de Bolonha foi a pioneira (onde predominavam os juristas) e, logo depois, foram criadas as Univer-sidades de Paris e Oxford.

Na Idade Média, a cultura e a civilização europeias passaram por significativa transforma-ção, tendo como base a doutrina cristã católica. A partir da baixa Idade Média, as descobertas científicas emergiram da efervescência da cultu-ra e da necessidade de organizar as cidades. Um novo mundo espiritual e cultural passou a consti-tuir o dia a dia da comunidade. Aloysio Ullmann, com acuidade, indica as características mais re-levantes dessa nova cultura: a) teocentrismo; b) unidade da fé, embora vulnerada por heresias; c) filosofia e teologia escolástica; d) hipertrofia do Pontificado e do Império; e) feudalismo, cor-porações e cruzadas; f) ordens mendicantes; in-quisição; e g) resgate da cultura clássica romana e grega9.

Não é por outra razão que a escolástica foi o período mais efusivo do desenvolvimento das ciências e, com ela, da evolução do pensamento racional. Nesse contexto, a doutrina escolásti-ca, capitaneada por Tomás de Aquino, pensava o engrandecimento do Cristianismo a partir de sua evolução rumo ao saber científico, o que não significava menoscabo, desautorização ou supe-ração dos dogmas religiosos cristãos e da supre-macia da autoridade de Deus e da Igreja.

Assim foi que a escolástica se destacou como um saber de origem literária, que se re-lacionava com os doutores e os estudiosos, em geral, e estimulava a leitura e a pesquisa em tem-po integral, tendo em Aristóteles um referencial

7. Nesse sentido, é ERNST-WOLFGANG BÖCKENFÖRDE. In: História da filosofia do direito e do estado: antiguidade e Idade Média, p. 245.8. Cf. São Tomás de Aquino e a filosofia do Século XIII. História da filosofia. De Platão a São Tomás de Aquino, p. 257. 9. Cf. A universidade medieval, p. 31. O citado autor bem identifica o ambiente cultural de então com a seguinte e oportuna indagação: “Não é, sob este aspecto, a Idade Média um contínuo renascimento?”.

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dogmático por excelência. Assim, a escolástica representou o início de uma cultura voltada para o prestígio do saber científico, da pesquisa e da investigação. Numa época em que havia o predo-mínio intenso da doutrina da fé cristã católica, é fácil entender o porquê dos enfrentamentos en-tre cientistas pagãos e doutrinadores religiosos.

A escolástica identificava-se naturalmente com a filosofia e a teologia, porque concentra-va um método de estudo voltado para a leitura de textos. Como bem assinala Urbano Zilles, não se conhecia o que se chama “culto dos labora-tórios”, mas o “culto das bibliotecas”10. Entre as obras mais lidas e estudadas, a Bíblia talvez fosse a principal, do que resulta natural que as grandes disputas científicas envolvessem ciência e religião. O mesmo Urbano Zilles confere três características essenciais à escolástica: a) dou-trina e método baseados no ambiente teológico e filosófico reinantes nas escolas medievais; b) conteúdo nuclear de sua doutrina baseado na re-velação cristã; c) conteúdo (de seu método) fun-dado na exegese e na exposição lógico-silogístico (disputatio).

Embora a escolástica seja considerada um método originário, sobretudo, do pensamento cristão, é evidente que seu desenvolvimento é derivado também da influência das doutrinas ju-daicas e islâmicas, além da inequívoca influência do pensamento filosófico grego, com destaque para a filosofia de Platão e, posteriormente, de Aristóteles.

A escolástica representou, portanto, a con-fluência entre teologia e filosofia. Essa confluên-cia se tornou nítida a partir da evolução da dou-trina de conciliação entre fé e razão, preconizada por Tomás de Aquino. Com a escolástica tomista, a teologia distanciou-se um pouco de sua natu-reza inicial eminentemente religiosa para, com o auxílio da filosofia, aproximar-se de um concei-to de ciência. Coube, sobretudo, ao aquinatense aglutinar teologia e filosofia, consequência direta de sua doutrina de conciliação e harmonização entre fé e razão, isto é, entre religião e ciência. Para isso, o método escolástico então vigente não somente facilitou a difusão da doutrina to-

mista como também lhe deu caráter científico e de aprendizado formal11.

Entendemos que o método escolástico – so-bremaneira proveitoso para o aprendizado e o desenvolvimento da oratória e da lógica – man-tém-se em sua base fundamental até os dias de hoje nas universidades como de grande utilidade nos cursos jurídicos e nas ciências sociais em geral. Sua influência se faz sentir, mais precisa-mente, no ensino contemporâneo da pós-gradu-ação, em que o discente de Cursos de Especiali-zação, mestrado ou Doutorado nada discute ou escreve sem antes ter como norte um mínimo de leitura de livros, revistas e outras obras científi-cas sob uma prévia recomendação e orientação de um mestre.

Também não se pode negar que o método escolástico-medieval de ensino repercute gran-demente na seara dos debates e dos argumentos judiciais que hoje se adotam no Brasil e em ou-tros países. Uma ou outra tese jurídica será mais apta a ser acolhida quanto mais acentuados fo-rem seu poder de convencimento e sua base si-logística adequada. Evidentemente que todos os debates terão como norte um padrão que cons-titui sua finalidade – a de buscar a verdade dos fatos, com o objetivo de aplicar corretamente a lei, com vista à pacificação social. Aliada a isso, está a menção às fontes de autoridade que segu-ramente dão suporte científico aos argumentos.

Outrossim, nas audiências instrutórias dos processos, os depoimentos pessoais das partes e a veracidade dos testemunhos dependerão, em grande medida, da lógica e da segurança das de-clarações, algo que comporte a medida adequa-da das limitações e das virtudes humanas numa perspectiva perfeitamente factível. Por isso, não é exagerado aduzir que o método escolástico-medieval de ensino – em que pese despercebido na atualidade – é a base dos sistemas contem-porâneos de descobrimento das verdades jurídi-cas12. Será mesmo difícil prever, em curto ou mé-dio prazos, outro método que suplante o método lógico-escolástico de busca da verdade jurídica e mesmo real, ainda que empregando todo o apa-rato tecnológico dos dias que correm.

10. Cf. Fé e razão no pensamento medieval, p. 53.11. A propósito da confluência entre teologia e filosofia na Idade Média, consultar Urbano Zilles. In: Fé e razão no pensamento medieval, op. cit., p. 56. 12. Sobre a verdade no direito, Antônio Cavalcante da Costa Neto, em saborosa monografia, realça o mito que encerra quando considerada numa clausura ou pureza que culmina por isolar a própria ciência jurídica. Tal maneira de entender a verdade não é alheia ao método escolástico tomista que já considerava também verdade uma teoria que se aproxima ao máximo da certeza do correto, justo e bom (Cf. Direito, mito e metáfora: os lírios não nascem da lei, p. 94).

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Conceitos - N. 21, Vol. 2 (Dez. 2014) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 23

Não é exagerado especular, por processo lógi-co, que a estrutura atual do ensino da pós-gradua-ção pode ter sido consequência direta da eficiência e do êxito que a escolástica proporcionou ao ensi-no científico universitário, desde seu surgimento e apogeu no Século XIII, destacando-se o período de ouro do magistério de Tomás de Aquino.

Francisco Carpintero ratifica que a hipertro-fia e a autoridade da razão foram uma das ca-racterísticas marcantes da escolástica tomista13. Expõe que o entendimento da razão estava ba-seado na dicotomia entre razão prática e razão teórica. A razão teórica consubstanciava uma fa-culdade que conduzia ao conhecimento cognos-citivo. Assim, os dados que extraímos das coisas observadas pelos nossos sentidos compõem a razão teórica que assimilamos. A razão prática, por sua vez, é a que reclama aquilo que havemos de fazer em vista dos dados que nos proporcio-nam a razão teórica. Isso equivale a dizer que a razão prática encerra o exercício das faculdades criadoras do homem.

Na escolástica tomista, vê-se o desenvolvi-mento da razão prática mais que da razão teó-rica. A vontade consequente à razão prática é, pois, resultado de uma potência inteligente do homem. Essa potência foi dirigida ao homem pela própria natureza para o sentido do bem, e não, do mal. Em outras palavras, a inteligência natural do homem é sempre dirigida à formula-ção e à promoção do bem, de modo que o não bem (ou, para alguns, o mal) é algo não natural às faculdades cognoscitivas do homem. O “mal” supõe, assim, algo alheio à natureza em geral e, por conseguinte, à natureza do homem.

A razão prática, portanto, emerge das facul-dades cognoscitivas potenciais do homem para conduzi-lo ao caminho da criação do que é (natu-ralmente) bom, correto e justo. É nesse sentido que a escolástica tomista rompe com o que po-demos conceber como a estagnação contempla-tiva das coisas (razão teórica), alterando-as por meio da ação criadora do homem, naturalmente voltada para o bem, o justo e o correto.

Carpintero sustenta que o confronto da ra-

zão teórica com a razão prática é a base da teo-ria moral que vingou no Medievo tomista a par-tir de uma nova concepção do intelecto humano proporcionada pela escolástica14. O intelecto hu-mano passara, destarte, de um estágio inicial de mera assimilação para um estágio avançado de percepção, visando ordenar as ações do homem.

Tomás de Aquino concebera a ideia de que o bem e o mal não são senão definições emergen-tes de uma classificação menos qualificada que o homem conferiu ao justo e ao correto. Noutro di-zer, quando há sempre algo de bom naquilo que não é bom, o homem só retém (pensamentos, atos etc.) o que é bom nesse particular e, assim, incorre em injustiças, pecado etc. Assim, ele su-perdimensiona a “parte” boa do que efetivamen-te (no todo) é mal15. Essa explicação formulada por Aquino acerca do bem e do mal também re-presentou inovação em face do sentido pejorativo que se atribuía à dicotomia bem-mal, rompendo, de certa forma, com o rigor da doutrina volunta-rista anterior à escolástica tomista.

3. CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA MEDIEVAL PARA O PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO CONTEMPORÂNEO

Na contemporaneidade, o direito é cultiva-do como uma ciência especialmente autônoma, quase sempre confundida com instrumentos e procedimentos constitutivos do conteúdo do di-reito positivo16. Nesse contexto, falar em direito é referir-se, sobretudo, a métodos construídos por grupos de homens para superar problemas subjacentes à busca do poder e/ou do domínio. Esse modelo de direito-poder ou direito-domínio tem causado complexidades e desacertos que fulminam a natureza própria do direito e as pro-posições do direito-justo bem delineadas pelos pensadores medievais. Pôr o direito à mercê de fatores e interesses político-partidários, econô-micos ou de falsas ideologias e valores é cons-pirar contra sua essência de objeto do justo, do correto e do bom.

O direito tanto mais se elevará quanto mais

13. Para o autor, “La noción de razón que llega hasta el siglo XVII, esto es, la de la Antiguedad y Edad Media, estaba basada em el juego de la razón teórica y la razón práctica” (Cf. Justicia y ley natural: Tomás de Aquino y los otros escolásticos, p. 45).14. Cf. Justicia y ley natural: Tomás de Aquino y los otros escolásticos, op. cit., p. 48.15. CARPINTERO anota que “Todo esto se complica por nuestra relativa incapacidad para distinguir lo bueno y lo malo, pues Tomás entendia que en casi todo lo bueno hay algo de malo, y en casi todo lo malo hay algo de bueno; en tal caso el hombre tiende a lo que es malo ‘porque retiene algo de bueno’ y es que el pecador es una persona que actúa mal porque prefiere el bien de menos calidad” (Cf. Justicia y ley natural: Tomás de Aquino y los otros escolásticos, op. cit., p. 48-49). 16. Nesse sentido, consultar Robert Alexy, em Begriff und Geltung des Recht, Freiburg-München: Alber, 1992.

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tiver voltado ao sentido do justo bem cultivado no Medievo tomista. Não se trata, é claro, ao contrário do que pensarão alguns, de verter o direito numa pura categoria teológico-filosófica. Trata-se de atribuir ao direito as qualidades que lhe são ínsitas, isto é, as qualidades de uma ci-ência (ou não) que esteja voltada para o bem-jus-to da humanidade.

A metodologia medieval-tomista idealizada para o direito, sem dúvida, resgata as qualida-des que nunca deveriam ou devem ser olvidadas pelos cultores do direito, porque ela é alicerça-da na natureza própria do homem feito criatura de Deus e, por isso, voltado naturalmente para o bem e para a ordem natural das coisas. Nou-tro dizer, o direito-justo que informa a doutrina tomista do direito natural é, em essência, a me-lhor qualificação que se pode atribuir ao direito, como pretensa ciência humana.

Já no Medievo, Tomás de Aquino enfrentou problemas jurídicos tão complexos quanto os que os juristas da atualidade enfrentam e com uma escassez de recursos e auxílios muito maior do que nos dias de hoje. Basta mencionar a questão do furto famélico (Questão 66, Artigo 7, secunda secundae, da Suma), do aborto (Questão 118, Artigo 2, prima secundae, da Suma), da atuação do Juízes (Questão 60, Artigos 1 a 5, secunda se-cundae, da Suma), da legitimidade dos titulares do poder (Questão 96, Artigo 5, prima secundae, da Suma), entre muitas outras. Nem por isso o direito foi corrompido em relação àquilo que lhe é mais caro: o justo racional subjacente à natu-reza e à ordem natural que o Criador revelou ao homem por meio do direito natural. Diante disso, a grande contribuição jurídico-metodológica dos pensadores medievais para a contemporaneida-de está, principalmente, no resgate da natureza própria do direito. Essa natureza reclama estudo e aplicação do direito como instrumento de rea-lização da justiça. Com isso, estar-se-á pondo o direito em seu lugar natural e para que foi cria-do, que é sua própria razão de ser.

Com efeito, o direito natural de Tomás de Aquino encerra uma categoria metodológica que vem, oportunamente, dissipar incongruências e heresias que hoje conspiram acentuadamente contra o direito e sua essência. Exemplos se su-cedem no dia a dia judiciário que causam grande alvoroço no tocante ao que efetivamente deve-mos apreender em termos de “direito” (contrá-rio do torto e do errado). Normas jurídicas que deturpam as posições de credor e devedor, de vítima e criminoso, de honesto e ímprobo são re-flexos dessa perversão do direito17.

Situações de perversão do direito-justo (dar a cada um o que é seu na medida de seus mé-ritos e deméritos) culminam com a utilização do direito para fins nocivos à conivência social, transformando-o em base científica, dita legíti-ma, de dominação, opressão e injustiças.

O quadro desolador que desafia o direito do nosso tempo pode e deve ser alterado com a superação do preconceito desmesurado pro-posto a tudo o que diga respeito à Idade Média. A cultura jurídica medieval não deve ser confun-dida com os processos ordálios nem com uma teologia transcendental supostamente cultivada com interesses deselegantes da Igreja Romana. Ao menos no que toca à jusfilosofia de Tomás de Aquino, o direito alcançou prestígio dogmático e axiológico, muitas vezes, conflitantes com a dou-trina da Igreja. Basta relembrar a refutação de Aquino aos padres da Inquisição, como se obser-va na Questão 64, Artigo 4, secunda secundae da Suma Teológica18.

A história da filosofia medieval nos revela, efe-tivamente, um modelo metodológico que represen-ta um ponto de partida fundamental para qualquer direito que se pretenda compatível com as ciên-cias humanas e legitimado pela natureza racional do homem. A invocação de Deus como requisito medular do direito medieval não é senão um qua-lificativo que, no Século XIII, ostentava a mesma importância que os consensos democráticos talvez ostentem nos dias de hoje na civilização ocidental.

17. Em matéria processual civil, por exemplo, o artigo 649 do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73) e a Lei nº 8.009/94 tornam impenhoráveis praticamente todos os bens dos devedores, conspirando contra a ordem natural, segundo a qual o patrimônio do devedor deve ser destinado ao pagamento das dívidas que voluntariamente contraiu. Em matéria processual penal, o instituto do habeas corpus, previsto nos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, é quase sempre permissivo automático, concedido a autores de crimes graves para permanecer indefinidamente em liberdade, conspirando contra a justiça comutativa. Em matéria eleitoral, por conduto do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), titulares de governo e parlamentares já condenados em regular processo judicial de improbidade continuam no exercício do cargo executivo ou legislativo até o epílogo de longos e intermináveis recursos (artigo 216), sob a ilógica e falsa premissa de que todos, ainda que sucessivamente condenados, são presumivelmente inocentes. 18. Sobre os julgamentos conduzidos por clérigos, conforme a citada Questão 64, Artigo 4, secunda secundae, da Suma, Tomás afirma: “Aos clérigos não é lícito matar, por dupla razão. 1º São escolhidos para o serviço do altar, no qual se representa a paixão de Cristo imolado, ‘que, ao ser espancado, não espancava’. Portanto, não compete aos clérigos espancar e matar (...). 2º Outra razão é que aos clérigos se confia o ministério da Lei Nova, que não comporta pena de morte ou mutilação corporal”.

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Fato é que, seja qual for o tempo e o lugar, há um direito comum a tudo e a todos, cujo mé-rito está na especial homenagem que devota à ordem natural das coisas sobre as quais o ho-mem deve militar. Enfim, é direito legítimo aque-le que compele o devedor a pagar suas dívidas, que pune comutativamente os autores de delitos, que afasta sumariamente o príncipe que se di-vorcia da promoção do bem comum. Direito é, portanto, o objeto da justiça, na melhor estrutura jurídico-metodológica medieval.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o que vislumbramos dos fa-tos e dos avanços do mundo medieval, surpre-ende-nos a pertinência da temática em meio às disciplinas e às atividades jusfilosóficas em voga no mundo ocidental. O sistema de liber-dades e de deveres básicos que integra consti-tuições e leis não se distingue, em seu âmago, ao menos teoricamente, das noções do justo e do correto que permeavam o direito natural

medieval.Institutos jurídico-filosóficos, hoje elevados

a princípios constitucionais, não são senão uma reprodução, às vezes literal, daqueles construí-dos desde o Medievo tomista. Exemplos lapida-res são os preceitos de justiça social que nor-teiam variados sistemas jurídicos (vide v.g. os artigos 1º e 3º da Constituição Federal do Brasil). Quando se observa, retrospectivamente, o Sécu-lo XIII, nem sempre se reconhece o fato de que os pensadores medievais foram inovadores e pre-cursores de uma nova concepção teológico-filo-sófica, com imbricações jurídicas que desafiam e avançam no tempo e corrigem injustiças de normas artificiais.

É tempo, pois, de se redescobrir o pensa-mento filosófico medieval, inclusive com aten-ção à sua exitosa história, rompendo com a cultura descabida e reproche ao Medievo. Com ideias e ações extraordinariamente empíricas e, como tal, contemporâneas, os medievais são induvidosamente autoridades culturais também no nosso tempo.

ALEXY, Robert. Begriff und Geltung dês Recht, Freiburg-München: Alber, 1992.

AQUINO, Tomás de. Suma teológica, São Paulo: Edições Loyola, 2005.

BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. História da filosofia do direito e do estado: antiguidade e idade média, São Paulo: Antônio Fabris, 2011.

CARPINTERO, Francisco. Justicia y ley natural: Tomás de Aquino y los otros escolásticos, Madrid: Servicio de Publicaciones de La Facultad de Derecho de La Universidad Complutense de Madrid, 2004.

COSTA NETO, Antônio Cavalcante da. Direito, mito e metáfora: os lí-rios não nascem da lei, São Paulo: LTr, 1999.

DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito, 5ª ed., Coimbra: Arménio Amado, 1979.

GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média, São Paulo: Martins Fon-tes, 2005.

KAUFMANN, Arthur. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999.

PÉPIN, Jean. São Tomás de Aquino e a filosofia do Século XIII. His-tória da filosofia. De Platão a São Tomás de Aquino, vol. I, Lisboa: Dom Quixote, 1995.

ULLMANN, Reinholdo Aloysio. A universidade medieval, 2ª ed., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

ZILLES, Urbano. Fé e razão no pensamento medieval, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993.

Referências

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Wécio Pinheiro Araújo *

Sobre a contraditória coerência da forma-arte

(*) Professor do Departamento de Serviço Social da UFPB. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (PPGSS/UFPB). Pesquisador em temas da Filosofia, da Ética e da Arte. E-mail: [email protected](**) Cf. MARX, 2008.

RESUMO

Entende-se aqui a arte, em princípio, como uma prática social por meio da qual os seres humanos expressam e organizam representações acerca da própria realidade, através de mediações próprias ao seu processo de consciência no mundo. Trata-se de uma atividade sui generis, que realiza a transformação de matéria, imprimindo-a determinada forma, que não é imbuída de uma necessidade prático-utilitária, mas de uma demanda do indivíduo como ser genérico e envolvido em sensações voltadas para a expressão e a exteriorização objetivas. Analisa-se a estrutura contraditória que adquire a forma-arte, apresentando certo grau de complexidade no âmbito da relação sujeito (artista) e objeto (obra).

Palavras-chave: Arte. Forma. Dialética. Contradição.

ABSTRACT

Art is understood here, in principle, as a social practice in which human beings express and organize representations of their own reality, from self-mediations to their process of world awareness. It is a sui generis activity, which performs matter transformation,inculcating it a certain form, imbued not with an utilitarian, practical necessity, but with a demand by the individual as a generic being and involved in sensations focusing on objective expression and manifestation. One analyzes the contradictory structure that takes the art form, presenting a certain degree of com-plexity in the context of the subject (artist) and object (work).

Keywords: Art. Form. Dialetic. Contradiction.

“Se tu quiseres apreciar arte,

tens de ser uma pessoa artisticamente cultivada.”

Karl Marx**

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1. Entende-se, aqui, a consciência como processo, conforme delineia Mauro Iasi nem seus “Ensaios sobre consciência e emancipação”, isto é, na medida em que não a concebemos como uma coisa que possa ser adquirida e que, por conseguinte, antes de sua posse, poderíamos supor um estado de “não consciência”, [...] procuramos entender a consciência como um movimento, e não, como algo dado (IASI, 2011, p. 12).2. Poeta líder do movimento dadaísta na Europa do início do século passado; judeu, nascido na Romênia, seu nome de batismo era Samy Rosenstock, que preferiu substituir por Tristan Tzara, que, em livre tradução, diria algo como “triste terra”. Cf. TZARA, Tristan. “Eu estou só” – poema traduzido por Tiago Nené. Disponível em: < http://casadospoetas.blogs.sapo.pt/44877.html >. Acesso em: 18 jul. 2014.3. O Aufheben (Suprassumir) – literalmente intraduzível para o português – é o termo usado por Hegel para se referir à sua noção de negatividade dialética, marcada pela contradição, a saber: “O suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira que vimos no negativo: é, ao mesmo tempo, um negar e um conservar” (HEGEL, 2008, p. 96).

1. PROLEGÔMENOS DA QUESTÃO

Em nosso mundo, a arte pode ser entendida como uma prática social por meio da qual os seres humanos expressam e organizam representações acerca da própria realidade, a partir das media-ções próprias ao processo de consciência1. Trata-se de uma atividade objetiva consciente (práxis), que realiza a transformação de matéria à qual se imprime determinada forma, que não é imbuída de uma necessidade prático-utilitária, mas de uma demanda do indivíduo como ser genérico envolvido em sensações voltadas para a expressão e a exte-riorização objetivas (VÁZQUEZ, 2007).

Pretende-se demonstrar – sem qualquer pretensão de elaborar enunciados definitivos, mas dentro dos limites e das possibilidades aqui reconhecidos – algumas determinações do ser implicadas na forma-arte como contradições que se agitam apresentando certo grau de com-plexidade que tentamos elucidar, à luz da lógica e/ou da razão dialética. Fundamenta-se a noção de prática social no conceito moderno de práxis, considerando-a como atividade consciente de realização de necessidades objetivas. Portanto, a práxis é fundante do homem1 como ser conscien-te que vive e se desenvolve em sociedade, à me-dida que exerce atividades diversas: produtivas, políticas, sociais, culturais, artísticas etc.

2. A FORMA-ARTE COMO CONTRADIÇÃO DIALÉTICA

“Na escritura das flores/

não há uma só palavra decifrável.”

Ferreira Gullar1

Quando nos deparamos com alguma ex-pressão da realidade humana em forma de arte, num rosto pintado, em um corpo desenhado, em pés, esquinas, mãos ou lugares fotografados; ver-sos escritos sobre a morte de um gato, o amor ou o tempo, ali, em cada expressão particular

da vida, atinge-nos o todo vital da humanidade captado pela alma do artista (consciente disso ou não) e expresso naquela parte (a sua obra) que, simultaneamente, esconde o espírito de to-dos os homens pelos mesmos elementos que o revela – traços, cores, palavras, luz, sons, rostos, expressões, melodias etc. Sem arte, todos esses elementos redundariam meramente em coisas, objetos, produtos, isto é, esgotar-se-iam em seu mero valor utilitário (valor-de-uso). No entanto, a arte também ser capaz de se realizar social-mente, isto é, como obra e produto da práxis do artista e, via de regra, a realização social de um produto ou obra de qualquer forma de práxis (arte ou não) não se dá sem passar pela forma mercadoria – o que não é caso de tratarmos em pormenores neste momento. Destarte, por mais encantador que possa ser o produto das mãos humanas, na contemporaneidade, ele revela nada mais do que um mundo que enterra a condição humana pela própria mistificação de suas capa-cidades e cria corpos distantes de sua humanida-de abstrata. Assim, restam apenas mercadorias que caminham com suas pessoas que respiram, comem, vestem, trepam, sentem, trabalham e vi-vem “...correndo com suas mortes” – como se pode ler na poesia do Tristan Tzara2. Se a arte é sempre uma relação entre sujeito e mundo – e detém um caráter irremediavelmente social, so-bretudo porque não ocorre alheia ou externa à sociabilidade humana – isso envolve, de um lado, o mundo como coisa (objeto) e, de outro, o mun-do como sujeito – tanto o eu quanto o outro e não há relação imune à forma mercadoria que tudo arrebata e enforma em seu fetiche reificador ao qual não escapa o ser social como totalidade historicamente construída neste mundo em suas diversas formas de sociabilidade. No entanto nos interessa aqui, particularmente, a forma de arte em sentido estrito.

A arte é essa espantosa contradição pela qual a vida se afirma na própria negação (Aufhe-ben3). Isso é uma contradição, porque a vida é negada exatamente naquilo em que se afirma: nossa própria consciência dela – não raro, in-

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suportável, como diria o velho Drummond, “ir-reparável”; consciência sempre indireta, media-tizada. E na arte, essa consciência se sublima na medida em que permite ocorrer uma verdade essencial ao conjurar, por exemplo, num rosto ra-biscado em um pedaço de papel, todos os rostos do mundo. A verdade essencial é aquela que não é dada no imediato, a “olho nu”4. Sem isso, o desenho se esgota apenas como execução vazia da utilidade das coisas necessárias para produ-zi-lo – lápis, papel, giz, tinta, tesoura – no má-ximo, talento técnico ou mesmo artesanal. Dito de outro modo, a arte é a forma de práxis que sublima uma subjetividade complexa em objetos que, sem ela, não passariam de um amontoado de coisas, meros valores de uso realizados em sua face utilitária material; seria apenas lápis que risca, que desenha, tinta que preenche, luz que se congela, drama que se encena sem alma – puro truísmo. A subjetividade complexa da arte está em estabelecer mediações intuitivas entre aquilo que seria meramente um objeto ou fato cotidiano e o que se emposta como expressão universal da alma humana; é a forma-arte que faz uma imagem do mais singular e perdido dos sorrisos nos confins do planeta encontrar, por meio do olhar do fotógrafo, todos os sorrisos do mundo; somente a assombrosa sublimação ar-tística transcende a utilidade dos objetos meios (lápis, papel, tinta, maquiagem, etc.) para agre-gá-los de alma, de mediações construídas pelo olhar do fotógrafo, a encenação da atriz ou as mãos-olhos de um pintor ou desenhista.

A arte não enfeita, não decora, não ideolo-giza, a rigor, não serve. Para Hegel, a alienação acontece à medida que ocorre a exteriorização do sujeito. Nesse sentido, a arte seria uma forma de alienação dialeticamente libertadora, pois, na mesma medida em que nos captura a subjetivi-dade num objeto, liberta-nos por se tratar de ele-mentos sublimados pela práxis humana em sua

plenitude de razão sem utilidade capaz de as-cender ao universal – o que não significa despro-vida de sentido ou finalidade; “aliena” pela pró-pria desconstrução da alienação latente na qual está mergulhado nosso cotidiano sob os senti-dos do imediato e do utilitarismo. Se “a verdade é o Todo, mas o Todo é tão-somente a essência que se realiza por seu desenvolvimento” (HEGEL, 2008), a razão, na forma-arte, talvez possa ser vista como uma espécie de percepção desse Todo, algo aquém do entendimento (Verstand) e que capta como Todo o que para essa percepção é o essente, e nisso subverte qualquer concep-ção de evolver diacrônico da consciência, o que não significa aspirar ou alcançar a consciência de si (Selbstbewusstseins), não raro, a dinâmica intuitiva da alma de um artista não passa por isso5. Conquanto, embora a arte, digamos, possa até conter algum traço de ideologia, ou alguma intenção política, tudo isso também estaria su-blimado pela própria forma artística como fina-lidade de uma obra que não pretende integrar a cadeia utilitária cotidiana da vida (social, po-lítica, econômica, etc.) e seus modos subjetivos (estético, político, ideológico, mítico etc.), por isso uma bela escultura artística, sem dúvida, disposta num canto da nossa sala, em sua apa-rência imediata, não passará de um belíssimo adorno decorativo no design do ambiente. Por ou-tro lado, na essência de ser arte, isso só poderá se afirmar por sua própria negação, no sentido de que a escultura não é produto da intenciona-lidade de adornar6, mas, ao contrário, de uma livre sensação (seja angústia ou exaltação; dor ou ventura), de uma forma de consciência capaz de pausar o relógio cotidiano e simplesmente se elevar em outra forma de tempo dialeticamente negativa àquela “determinada pelo princípio do desempenho” (CÍCERO, 20127). Ora, “toda ação verdadeiramente humana exige certa consciên-cia de um fim” (VÁZQUÉZ, 2007), e a arte não

4. Por exemplo, para diagnosticarmos alguma doença por meio do sangue, não basta olhar em imediato para um volume de sangue; é necessária a mediação de um microscópio sob a regência de um patologista para enxergar as mediações abstratas (embora de base concreta: o sangue em sua materialidade) capazes de sinalizar razões que indiquem alguma enfermidade que se revela, nesse processo, pelos mesmos aspectos que a escondem. “Isto é dialético!”, costumava exclamar Adorno. No campo filosófico, a capacidade de abstração assume o papel do microscópio para o filósofo que se eleva em pensamento sobre a realidade. Na esfera da arte: onde estaria o “microscópio”? Quem o “rege”? Essa pode ser uma analogia esclarecedora, mas que deve ser tomada com cautela por motivos que não aprofundarei aqui.5. Sem dúvida, a Fenomenologia do Espírito, publicada por Hegel no início do Século XIX, é credora da maior parte de nossa análise neste breve texto, sem qualquer pretensão de esgotar uma interpretação da imensa densidade teórico-metodológica dessa obra. Apenas nos munimos de algumas categorias teóricas e tentamos estabelecer mediações com nosso objeto. Todas as citações de Hegel aqui se referem a essa obra.6. Embora a obra de arte possa servir, secundariamente, ao intento de terceiros – não exatamente o artista – para decorar ou enfeitar, não se trata de condenar isso, mas de compreen-der que isso não faz parte daquilo que compõe a essência social (humana) e histórica sintetizada na forma-arte.7. Vale destacar esta análise certeira de Antônio Cícero: “[...] uma das poucas coisas em que conseguimos romper a cadeia utilitária cotidiana é quando, concedendo a um poema a con-centração por ele solicitada, permitimos que nosso tempo seja regido pelo poema. Configura-se então um tempo livre, isto é, um tempo que já não se encontra determinado pelo princípio do desempenho. Afinal, a rigor, o poema não serve para nada. Ou bem a leitura de um poema recompensa a si próprio, ou bem ela não vale absolutamente nada” (CÍCERO, 2012, p. 28).

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está fora desse horizonte, embora o recrie a sua maneira. Do mesmo modo, um poema pode con-ter elementos históricos carregados de aspectos sociais e políticos, o que é muito comum, mas subjugados à forma-arte. A percepção artística toma seu contexto histórico imediato como um meio, e não, um fim; o universal como princípio é a essência dessa percepção, embora de maneira sui generis. A arte, mesmo quando aparentemen-te está a serviço de algum ideal, subverte-o na e por sua essência que, simultaneamente, está aquém e além desses aspectos que se sobre-põem à forma-arte e levam à obra a redundar apenas em ideologia.

Quando a obra serve unicamente a alguma finalidade utilitária, não é arte. Aliás, a própria noção de finalidade na arte é refeita nos termos que o artista em sua singularidade, ao necessitar expressar algo particular, por meio de uma exube-rância de sensações, estabelece mediações com um espectro mais universal da condição huma-na, isto é, sublima a si mesmo nesse movimento de ida e volta entre seu corpo e alma e a tota-lidade espiritual humana – e mais: é histórica, mesmo quando, aparentemente, não passa de um bêbado escrevendo sozinho na tumba de um quarto, ou um surto de arrancar a própria orelha para o seu próximo autorretrato. Até naquilo que possa nos “dizer”, a forma-arte subverte a pró-pria linguagem como expressão prática da cons-ciência em sua relação com o mundo – como um ato de “dizer”. A arte recria sua mensagem pela destruição dialética do próprio signo linguístico, que subverte e repõe um significante perspecti-vado numa exuberância de dimensões para além de qualquer sentido tradicional encontrado no objeto. A verdade da arte “não fala nem se cala: trata-se de outra coisa” (SARTRE, 1993, p.22). A verdade da arte se sustenta pela própria des-construção do mundo concreto real – sem perder a conexão com ele. Essa ligação é ineliminável no e pelo próprio ser; o artista sublima numa reali-dade singular uma verdade universal ou, de outro modo, afirma numa verdade particular a mentira do mundo. “[...] o ser é um universal, por ter nele a mediação ou o negativo” (HEGEL, 2008, p. ). Nesse sentido, a própria questão da subversão na arte é sui generis. A arte é subversiva, mas não para ou a serviço de algum ideal, mesmo que, aparentemente, como uma música de Chico Buarque que, de maneira mascarada, questiona-

va o regime militar brasileiro, o faz, não a ser-viço ideológico de alguma forma de resistência, mas, é subversiva justamente porque perverte o próprio ideal de insubordinação ao autoritarismo opressor daquele momento histórico, recriando-o como contradição parida dessa mediação fun-damental entre a unidade da coisa no mundo e sua pluralidade de propriedades transitórias nos sujeitos. O ser humano, com seu devir, é o que está em jogo, não puramente no plano ideopolíti-co, mas em sua condição praxiológica das ações e interações simultaneamente subjetivas e obje-tivas que compõem esse ser e as relações cria-das na história independentes das vontades indi-viduais e conscientes. Note que, no verso, “Pai, afasta de mim este cálice... de vinho tinto de sangue”, a própria subversão está subvertida à forma-arte, e o conteúdo ideológico de resistên-cia e insubordinação à ditadura militar aparece como um traço daquele ser e de seu devir histó-rico concreto naquele momento presente. Nisso, a forma-arte se afirma como parida no solo real da história, e nunca, no plano da pura epifania. O artista é um sujeito perturbado com e no seu mundo concreto e objetivo, e esse mundo tem tempo e espaço definidos. Aí está a questão: na síntese operada na e pela forma-arte, essa con-tradição irá parir (leia-se: objetivar) a obra como negatividade superadora (Aufheben) do problema estabelecido nesse sujeito na relação com o seu meio – que é, simultaneamente, mundo particu-lar e universal; universo de um e de todos.

Dante (1998) materializa de maneira pecu-liar, nos umbrais da porteira do seu Inferno, toda a sua angústia e o desvanecer de alguma espe-rança na salvação da nobreza de Florença. Ele mesmo se encontra lá para esbarrar: “Abandonai toda a esperança, vós que entrais!” – está crave-jado na entrada do inferno. E o seu leitor estre-mece ao sentir que cada inferno nosso parece ter sido escrito por Dante, cujo inferno, em toda a sua alegoria cristã à dor e ao sofrimento eternos, talvez seja mais uma relação do ser humano com o seu mundo simultânea e cotidianamente rou-bado e devolvido pelo outro do que literalmente um lugar de castigo eterno para os pecadores, desobedientes a Deus e afastados dos seus man-damentos. O inferno de Dante é a forma-arte que desconstrói a política pelos próprios elementos que a constroem na realidade italiana da sua época. Seu inferno são os outros – parafraseando

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desse mergulho, e somente por isso, par excel-lence, pode ser chamado de arte. Escreve Walt Whitman em “Folhas de Relva” (2006, p. 45):

Eu celebro a mim mesmo, / E o que eu assumo você vai assumir, / Pois cada átomo que perten-ce a mim, pertence a você. / Vadio e convido minha alma, / Me deito e vadio à vontade... ob-

servando uma lâmina de grama de verão.

Ao se deparar com isso, o argentino Jorge Luís Borges8 declara:

Whitman, que numa redação do Brooklyn, / Entre o cheiro de tinta e de cigarro, / Toma e não diz a ninguém a infinita / Decisão de ser todos os homens / E de escrever um livro que seja todos.

A arte só existe no contato com a universa-lidade sentida para si. Isso não significa encerrar a individualidade, mas exaltá-la na realização da liberdade subjetiva de nossa existência abarcan-do a exuberância de contradições que compõem a condição humana em seu devir desencarnado e abstrato que se eleva sobre as bases objetivas da história.

Como conta Slavoj Zizek (2011), ao se referir à piada encontrada no filme Ninotchka9 (1939), o personagem do Melvin Douglas entra num café parisiense, onde lhe aguarda a bela dama vivida por Greta Garbo. Senta-se ao seu lado e pede:

– Por favor, um café sem leite.– Acabou o leite, mas temos café sem cre-me... – responde o garçom após retornar.

A cena ilustra sarcasticamente essa dinâ-mica da contradição dialética, da qual não esca-pam a vida e a arte. Em ambos os casos, acaba-se por “afirmar” apenas o café preto, com um detalhe: em ambos os casos, o café é afirmado por sua negação, mas só será café se isolarmos apenas o resultado. A verdade da obra de arte está naquilo que materializa do seu devir e na to-talidade concreta daquilo que o artista consegue sintetizar desse processo de conexão com a vida de todos (universal) por meio de sua existência individual. Com um olhar, pode-se erguer uma tela em que figurem pessoas, sensações, lugares

a sentença sartreana.O rosto de uma velha rabiscado tremula-

mente em papel madeira – como ilustra o dese-nho do artista visual paraibano Wênio Pinheiro (Figura 1) – pode ser capaz de pausar o nosso tempo e rabiscar de sensações o nosso cotidia-no, pois nele, algo se destrói para continuar a ser o mesmo rosto da velha, em seu desgaste, em seu realismo mentiroso, vacilante. Há algo a ver com a própria estrutura do vir-a-Ser em sua dinâmica de “negar a identidade consigo mes-mo e tornar-se o seu oposto, mas permanecer o mesmo” (HEGEL, 2008). Dito de outro modo, “o mais profundo é a pele” (Proust). A arte, como forma, descarrega mediações no e do mundo que por ela se afirma pelas mesmas veredas de suas mais profundas negações. Cotidiano e abs-tração enformam dialeticamente a obra de arte como expressão de uma alma singular maculada pela percepção, mesmo que puramente intuiti-va, acerca da própria confusão com o espírito do mundo. A questão nuclear da própria percepção como figura da consciência hegeliana é válida e elucidativa: a contradição ontológica portadora da forma-arte está no problema de que a alma do artista, em sua percepção, agoniza na irrepa-rável mediação entre a unidade da coisa no mun-do e a pluralidade de propriedades transitórias no sujeito. Então, na sua agonia dar à luz uma síntese dessa contradição: eis a obra de arte, é suprasunção (Aufhebung) objetivada dessa pró-pria estrutura contraditória que a conforma.

“O homem – por mais que seja [...] um indi-víduo particular, e, precisamente, sua particula-ridade faz dele um indivíduo [...] – é, do mesmo modo, [...] a totalidade, a totalidade ideal, a exis-tência subjetiva da sociedade pensada e sentida para si [...]” (MARX, 2008, p. 125). Quanto ao que o poeta ou o pintor expressa em sua obra como ser individual e particular, simultaneamente se nega ao imbrica-la dos sentimentos do mundo, de sensações universais, mas sem se destituir de sua particularidade inteiramente, isto é, ao se afirmar individualmente pela própria negação da sua individualidade, resulta em permanecer o mesmo (indivíduo), embora modificado pelo mergulho na alma do mundo (o universal). Sua obra estará marcada e definida pela totalidade

8. In: WHITMAN, Walt. Folhas de Relva9. Filme que mistura os gêneros de romance com comédia, do diretor alemão Ernst Lubitsch. Com os papéis principais, os atores Melvin Douglas e Greta Garbo.

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inteiros; com acordes, fazer soar tamanha beleza aos ouvidos; com palavras, os versos mais subli-mes. De certo modo, ao olhar para si, o artista “enxerga” o mundo inteiro, e não por exibicionis-mo, mas por demanda disparada na e pela es-trutura do seu ser, ele acabará por parir alguma expressão de toda essa confusão que lhe desaba por dentro. Talvez por isso a arte caminhe, não raro, tão próxima da melancolia ou do sofrimen-to, tendo em vista que, no ser artista, a contra-dição é muito mais sentida do que pensada. Isto é, em termos hegelianos, a “autoconsciência do artista” subverte a própria razão em e por sua práxis ontologicamente “subversiva”. Quando di-zemos que a obra de arte afirma o todo pela pró-pria negação é justamente o movimento dialéti-co da relação sujeito e objeto, sublimada como relação sujeito-mundo na alma do artista – de base objetiva (concreta), embora dialeticamente subjetivada pela negatividade ativa (Aufheben) – e materializada na obra de arte como síntese de “dois mundos”, ou seja, a consciência e o mundo objetivo. O segundo não seria algo meramente constatado pelo sujeito (consciência) e refletido em sua obra, mas esses “dois mundos” seriam

inseparáveis numa unidade entre diversos na qual a própria consciência (sujeito) estaria envol-vida de maneira substancial. Esse complexo de “dois mundos” é a própria unidade entre a coisa no mundo e a pluralidade de propriedades tran-sitórias que devasta a alma do artista em sua es-trutura contraditória entre a sua individualidade particular e a totalidade ideal.

O artista sofreria – se assim podemos dizer – a “autoconsciência” numa forma peculiar em relação ao seu ser no mundo (Dasein), não de maneira, a rigor, racionalizada ou exterior, por-quanto essa “autoconsciência” não se manifesta e/ou caminha para chegar caracteristicamente ao concreto pensado para si (leia-se, sob inflexão marxiana: totalidade como um produto puramen-te do pensamento). Na verdade, qualquer noção, a rigor, de concreto pensado estaria inteiramente subvertida na forma-arte. Escreve Hegel (2008, p. 185): “[...] a consciência é, para si mesma, o diferenciar do não-diferenciado ou consciência de si. Eu me distingo de mim mesmo, e nisso é imediatamente para mim que este diferente não é diferente, este posto-como-desigual, é imedia-tamente, enquanto diferente, nenhuma diferença para mim”. É preciso explicar nossa mediação construída a partir deste trecho: a contradição que produz e caracteriza a arte é a própria sub-versão da problemática da percepção como figu-ra da consciência no disparo da consciência de si no artista, em seu ser, que dispensa o entendi-mento strictu sensu. Sua razão subverte qualquer possibilidade de teorização, seu ser estaria insu-bordinado ao sentido lógico (Das Logische) como o Ser revelado no e pelo pensamento expresso no discurso (logos), conforme elaborado por Hegel (2008). Se assim fosse rigorosamente, não seria arte. Na arte, a razão e o pensamento são neces-sários e inevitáveis e estão presentes, mas per-vertidos pela condição sui generis e determinante da forma-arte. Seu sofrimento é consciente de si com um modo único em exuberante subver-são muito mais na e pelas sensações do que por qualquer espécie de reflexão lógica ou de um su-posto conhecimento da autoconsciência.

A arte desbrava a “cortina” no interior da própria alma do artista para que o olhar se volte do interior para dentro do interior. No entanto, nada há para ver, salvo o fato de ele (o artista), lá dentro, tanto para ver quanto para que haja

Figura 1 – Wênio Pinheiro. Grafite e guache sobre papel.

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10. Charles Bukowski (1920-1994) foi um poeta, contista e romancista estadunidense que nasceu na Alemanha. Sua obra, de caráter (inicialmente) obsceno e estilo totalmente coloquial, com descrições de trabalhos braçais, porres e relacionamentos baratos, fascinou gerações, que buscavam uma obra com a qual pudessem se identificar. Fonte: Wikipédia. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Bukowski> Acesso em: 18 jul. 2014.

algo que possa ser visto – parafraseando Hegel (2008). Sua presença não é unicamente singular, mas também do todo, no qual sua singularidade está envolvida. Sua universalidade é inseparável de si mesmo e o acompanha nesse movimento que entrelaça dialeticamente determinações de ordem diversa (singulares, particulares e univer-sais). Para o artista, a arte representa sua pró-pria relação de identidade entre vida e consciên-cia (autoconsciência), embora haja uma relação dialética e que se revela e se realiza pela contra-dição que a faz ser, social e espiritualmente, o que é – conforme demonstramos até aqui.

3. CONCLUSÕES

A obra de arte é uma síntese objetiva e ex-teriorizada dessa contradição imanente ao sujei-to que se sublima na e pela insubordinação a si mesmo como agonia de parto entre o singular e o universal pulsando na existência do artista e refratando no e pelo seu corpo a reger seus sen-tidos e habilidades na composição teórico-prá-tica (práxis) dessa síntese. É subversão expulsa de si mesmo (o indivíduo), porém diferente de si (a obra), ele é, contraditoriamente (negativi-dade), ao tempo que, posto como coisa outra, também afirmado como diferença nenhuma (po-sitividade) para si mesmo. Nisso, a vida se afir-ma coerentemente contraditória em sua relação de identidade no e com o artista, seu corpo e sua alma, por meio de sua obra como conteúdo do seu talento social e historicamente construí-do sob a forma-arte, a qual representa, simulta-neamente, expressões idênticas e diferentes de si, dialetizadas numa síntese de determinações do seu próprio ser (o artista), mediadas numa totalidade de contradições entre individualidade particular e universalidade abstrata.

A própria concepção da vida sofre uma re-invenção nessa estrutura contraditória, que põe em segundo plano, inclusive, a vida biológica como pura identidade natural. O artista sofre as consequências da alma do mundo, mas não de maneira lógico-filosófica, muito menos, no nível

do senso comum. Essas condições podem até se fazer presentes, mas essa agonia tem uma forma peculiar que representa a própria contextura da totalidade ideal do seu ser. Sua existência sub-jetiva é pensada e sentida para si e que acaba por encontrar na obra sua forma de se expressar para fora do sujeito. Na obra de arte, o artista se exterioriza num plexo entre conteúdo e forma, relações entre sua consciência individual e a to-talidade de relações que significam seu mundo. Ora, o seu ser movimenta-se na e pela estrutura contraditória estabelecida entre o seu sujeito e o seu mundo, produzindo determinações comple-xas que estarão imbricadas em sua vida e nas relações que poderão surgir, independentemente de sua vontade – relações tanto consigo mesmo quanto com o outro. Portanto, o verdadeiro ar-tista não faz arte como algo alheio ao seu ser, ao contrário, o artista é arte, e sua obra seria uma extensão de sua condição vital. Essa forma, que compromete profundamente o seu ser (for-ma-arte) define sua obra como expressão da sua própria existência subjetivo-objetiva. Seu con-teúdo poderá advir de elementos comuns, mas o diferencial é que sua dinâmica ocorre de uma forma sui generis dialetizada entre identidade e totalidade, entre singularidade e universalidade. Por isso, não só o artista como também aquele que aprecia arte, deveras, detém, apesar da mais sutil ou abismal diferença entre suas individuali-dades particulares, e até mesmo nas distâncias que possam existir no espaço ou no tempo entre esses indivíduos, identidades cultivadas no ser e em suas condições de vida reais – objetivas e subjetivas – marcadas por determinações ideais correlatas à forma-arte em seu caráter universal.

Sem qualquer pretensão de elaborar enun-ciados verdadeiros em absoluto sobre o mundo, resta-nos indagar: a vida não seria o insuportável inevitável que se realiza nos dominando pelo nos-so próprio desejo? E sobre a arte? Seria possível se dizer que é uma espécie de possibilidade de suportar o inevitável, que realizamos pelo desejo sublimado sob o domínio da liberdade? – talvez Bukowski10 me mandasse ao inferno. A partir do que discutimos, sugere-nos que a arte retira a vida do primeiro plano e, em seu lugar, coloca a

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11. Há polêmica em torno das fontes do poeta lusitano que, pelo que se discute, não seria o genuíno autor da frase que ele apenas teria transformado em verso: grande parte dos historiadores e críticos de literatura atribuem a um aforismo do general romano Pompeu (106-48 a.C), “Navigare necesse; vivere non est necesse” (no Latim), dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra (cf. Plutarco, in Vida de Pompeu); outros relacionam, numa análise bem menos comum, e talvez mais frágil, a um soneto do poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374) famoso, principalmente, devido ao seu romanceiro. É considerado o inventor do soneto, tipo de poema composto de 14 versos. Fontes: http://www.brasilescola.com/curiosidades/navegar-preciso-viver-nao-preciso.htm Acesso em: 18 jul. 2014; < http://pt.wikipedia.org/wiki/Francesco_Petrarca > Acesso em: 18 jul. 2014.

liberdade. Por isso os primatas ou golfinhos – por mais “inteligentes” que possam parecer – não fa-zem arte, porque, para fazer ou apreciar arte, o indivíduo precisa ser também um pouco arte em sua alma, em sua existência subjetiva. Lembre-se dos versos do Fernando Pessoa11, “navegar é preciso, viver não é preciso...” – que deflagra o verbo precisar, não no sentido de “ser necessá-rio”, mas de “ser exato”. Embora seja semanti-camente aceitável, sem qualquer sobreaviso ao leitor, o verso comporta-se de maneira celebre-mente subversiva. Quantos já não leram tal verso sem “precisar” o sentido do seu “preciso”? So-mente a consciência de que, em alguma medida,

existe percebida para si pode realmente fruir da arte. Portanto, para o espírito que não foi cultiva-do artisticamente, uma tela de Goya não é mais do que uma pintura, uma escultura de Miche-langelo se reduz a uma estátua ou uma sinfonia de Wagner meramente à música erudita. Sendo totalidade, a arte pode ser “café sem leite” ou “café sem creme”, mas nunca, simplesmente, “café” e nisso ela carrega-se ontologicamente de contradições dialéticas. Por isso, falamos em forma-arte: não são o talento ou a beleza que definem a arte, mas a arte que, essencialmente, define alguma porção de talento ou beleza como conteúdos aos quais dá forma.

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Galdino Toscano de Brito Filho (*)

Yara Toscano Dias Rodrigues (**)

Maria da Penha de Lima Coutinho (***)

Francisco de Assis Toscano de Brito Junior (****)

Mônica Dias Palitot (*****)

Adolescentes, pobreza e violência social: um estudo das representações sociais

(*) Doutor em Educação. E-mail: [email protected] . (**) Doutoranda em Psicologia UFPB. (***) Doutora em Psicologia . (****) Advogado do (*****) Doutora em Psicologia.

RESUMO

Esta pesquisa objetivou investigar as representações sociais dos adolescente acerca da pobreza e violência social. Trata-se de uma pesquisa de campo, modelo multimétodo. Cons-titui amostra da pesquisa, 15 adolescentes. Utilizou-se entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados. O tratamento das comunicações obtidas ocorreu por meio do Programa Alceste, que permite uma análise lexical quantitativa, considerando a palavra como unidade e sua contextualização no corpus. Com relação aos resultados das entrevis-tas após análise das classes, os adolescentes se referem à pobreza como violação de direi-tos elementares, ao papel do governo e da sociedade civil; e, no tocante à violência social, referem-se à caracterização, causas de envolvimento e medidas combativas.

Palavras-chave: Pobreza. Violência. Representações Sociais. Adolescentes.

ABSTRACT

This study investigated the social representations of teenagers about poverty and social violence.This is a field research, descriptive, focused on a quantitative model and qualitative. The field research consisted of a private school in the city of João Pessoa - PB. Constitute the research sample, 15 teenagers. We used semi-structured data collection instrument. The handling of communications was obtained through the Program Alceste, which allows a quantitative lexical analysis. Regarding the results of the interviews after class analysis, teenagers refer to poverty as a violation of basic rights, the role of government and civil society, and, with respect to social violence, they refer to the characterization, causes of violence and combative measures.

Keywords: Poverty. Violence. Social Representations. Teens.

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1. INTRODUÇÃO As variadas interfaces entre pobreza e vio-

lência, podem ser apreendidas por meio das re-presentações sociais, socialmente compartilha-das, que auxiliam na comunicação, na criação de conhecimentos, ideias e condutas para determi-nadas finalidades, permitindo a formação iden-titária e organizando a percepção sobre o meio circundante (VALA, 2000).

Faz-se necessário conhecer o que as pes-soas pensam sobre a pobreza no contexto da violência social, pois essas subjetividades e as-pectos psicossociais são pouco explorados nos estudos que investigam prioritariamente a mag-nitude da pobreza objetiva ou observada. Ao re-portar apenas quantas pessoas estão abaixo de uma determinada linha divisória, as medidas de pobreza não consideram tais subjetividades (PRADHAN E RAVALLION, 1998).

Neste estudo a pobreza será considerada enquanto carência material, social e falta de re-cursos financeiros, sendo importante ressaltar que a Paraíba, local onde foi realizada esta pes-quisa, é um dos estados brasileiros que apresen-ta maior índice de pobreza, estando em terceiro lugar segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009).

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) define a pobreza como fenômeno comple-xo e multidimensional e salienta a questão do bem-estar relacionado às variáveis: rendimento, acesso a serviços básicos e níveis de consumo. Ainda segundo a Rede Européia Anti-Pobreza (2007), as causas e as conseqüências da pobre-za costumam se confundir e podem ser políti-co-legais, econômicas, sócio-culturais, naturais, problemas de saúde, históricas e questões relati-vas à segurança.

Assim, o problema da pobreza se relaciona com uma multiplicidade de outros fatores que, segundo estudos como os de Sousa (1995), de-monstram ser comum associá-la à violência e as desigualdades sociais.

No que se refere à violência, trata-se de um ato que transgride as normas sociais e fere os valores e expectativas de reciprocidade na socie-dade. É uma relação entre sujeitos sociais, que prejudica uns e beneficiam outros através da imposição de vontade dos beneficiados sobre os prejudicados (FALEIROS, 2003).

Pode-se considerar a violência causa e efeito da conjuntura social sendo esta apontada como o principal motivo das incapacitações, traumas, lesões e mortes prematuras, principalmente en-tre os jovens. Estudos históricos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro por Vermelho e Mello (1998) demonstraram que as epidemias e doenças infecciosas estavam entre as principais causas de morte entre os jovens á cinco ou seis décadas, sendo substituídas de forma gradativa pelas denominadas causas externas de mortalida-de, sobretudo, acidentes de trânsito e homicídios. Em 2004, quase ¾ dos jovens brasileiros (72,1%) morreram por causas externas e em 2008, dos 46.154 óbitos juvenis registrados e 33.770 tive-ram sua origem em causas externas (IBGE, 2008).

Dentre as principais etiologias da violência se encontram os fatores socioeconômicos, políti-cos e culturais que interagem e se expressam de maneira única e peculiar em grupos ou espaços sociais específicos (MINAYO, 2003; ASSIS et al., 2004). Sob a perspectiva da Saúde Pública, a violência só começou a ser tema corrente e explo-rado a partir dos anos 80, posteriormente, a Orga-nização Pan-Americana da Saúde (OPAS) analisou que a maioria das conseqüências decorrentes da violência converge para o setor saúde, aos servi-ços de urgência, de atenção especializada, reabi-litação física, psicológica, assistência social e nos registros das informações (OPAS, 2004).

Nos últimos anos, alguns estudiosos, den-tre eles Minayo, 2003; Assis et al, 2004 e Mercy, 2004, abordaram a faceta psicossocial e psico-lógica do fenômeno da violência, isso implicou em averiguar como os vitimados e não-vitimados compreendem este fenômeno, o seu impacto so-bre as vítimas, como elas elaboram e vivenciam os traumas gerados, a caracterização dos agres-sores e os fatores ambientais (VETHENCOURT, 2001). Para abordar as facetas psicossociais do fenômeno, adota-se o olhar da representação so-cial, por permitir explorar a face psicossociológi-ca da realidade amplamente utilizada pela Psico-logia Social (NÓBREGA, 2003).

As representações sociais são construídas em universos consensuais de pensamento e a in-vestigação destas se faz importante porque busca aprender um fenômeno que está espalhado por aí, nos pensamentos individuais, na cultura, nos bairros, nas escolas, nas práticas sociais, nas co-municações interpessoais e de massa (SÁ, 1998).

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Ou melhor, permite compreender as idéias social-mente partilhadas sobre a pobreza no contexto da violência social, a luz do que Doise (1985) deno-mina de extrair teorias do senso comum ou tornar o conhecimento popular em científico.

Caracterizam-se também pela complexida-de, pois as representações sociais são compostas por elementos mentais e sociais, que envolvem múltiplos processos individuais, interindividuais, grupais, intergrupais e ideológico. Ao represen-tar algo em alguém, ocorre a simbolização, ou substituição do objeto ou fenômeno representa-do, e a interpretação, ou significação (MOSCO-VICI, 2002). Sendo assim, é ao mesmo tempo, campo socialmente estruturado e núcleo estru-turante da realidade social, que envolve a relação indivíduo-sociedade e é sempre uma construção contextualizada, resultado das condições em que surge e circula (JODELET, 1989).

As trocas e interações sociais são condições fundamentais para surgimento e circulação das representações sociais, que apresentam nível de emergência cognitivo, através da dispersão e da defasagem. Os processos de formação compreen-dem a objetivação e a ancoragem. São responsá-veis pela edificação de condutas, através das opi-niões, atitudes e estereótipos (MOSCOVICI, 2002).

Como destaca Sá (1998), a cultura, lingua-gem e relevância social são de fundamental im-portância quando o senso comum se apropria de um conhecimento da teoria científica ou de um acontecimento social. Por meio da comunicação que ocorre dentro dos grupos e também num con-texto intergrupal são negociadas convenções para lidar com os eventos da realidade (DOISE, 1985).

A representação social da pobreza no contex-to da violência social permite, portanto, compreen-der como pessoas entendem o ambiente socioeco-nômico onde vivem. Assim, um determinado grupo compreende o fenômeno a partir de seus núcleos ideológicos ou representações em comum, que en-volvem conceitos, imagens, crenças, opiniões, valo-res, ideologias, atitudes, preconceitos, estereótipos e o senso comum (MOSCOVICI, 2002).

Conhecer essas representações em adoles-centes é importante porque, além de permitir entender como eles compreendem o ambiente socioeconômico em que vivem, também se pode observar como eles percebem a relação entre po-breza e a violência, e a partir desta compreen-são, oferecer subsídios para implementação de

estratégias de prevenção a danos físicos e emo-cionais, que podem ser incluídas em programas de assistência à saúde do adolescente desenvol-vidos por políticas públicas.

Os resultados dessa pesquisa podem atuar em programas de cuidados específicos ao ado-lescente, a partir da compreensão de seu olhar sobre os fenômenos da pobreza e da violência que compõe o cenário de suas experiências no processo de crescimento, desenvolvimento e construção da identidade.

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de campo, do tipo descritivo, focada em um modelo qualitativo e quantitativo. Para sua realização, utilizou-se a aplicação de entrevistas semi-estruturadas, uma vez que esta permite compreender a percepção dos respondentes, suas opiniões, pensamentos e representações sociais. O campo de investigação deste estudo consistiu em uma escola privada da cidade de João Pessoa – PB. A amostra foi com-posta por 15 adolescentes de ambos os sexos, com idades variando entre 14 e 17 anos.

Constituíram critérios fundamentais para inclusão dos participantes na constituição da amostra: (i) aceitar participar do estudo, (ii) ser aluno do Ensino Fundamental ou Ensino Médio e (iii) estar na faixa etária de 12 a 19 anos.

Instrumento

Entrevistas semi-estruturadas compostas das seguintes perguntas: (i) O que você pensa sobre a violência social? (ii) O que você pensa sobre a pobreza? (iii) Para você, existe alguma li-gação entre pobreza e violência? Sim ou não? Por quê? (iv) Cite três fatores que levam um jovem a se envolver com a violência?

Procedimentos

Após a aprovação desta pesquisa pelo Co-mitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFPB, realizou-se contato prévio com a direção das instituições escolares com o propó-sito de conferir a autorização dos pais/responsá-veis dos alunos para o procedimento de coleta de dados. Desse modo, com a disponibilidade dos

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estudantes para a participação voluntária nesta pesquisa, foram explicitados os objetivos perti-nentes ao estudo, foi informado que as entrevis-tas seriam gravadas e que haveria preservação da identidade e anonimato dos entrevistados.

Quanto à aplicação as entrevistas foram realizadas de forma individual em salas, nas quais não estivesse havendo atividades. O tempo de aplicação foi indeterminado, permitindo que o entrevistado verbalizasse, espontaneamente e sem interferências ou interrupção extraclasse.

Análise dos dados

Utilizou-se o critério de Ribeiro (2004), com relação ao delineamento dos aspectos técnicos ou características gerais do Programa Alceste, que estabelece o número mínimo de unidades de contexto inicial (u.c.i.), no caso, utilizamos 15 unidades; o corpus mínimo a ser analisado é de 50.000 caracteres, cujo número nesta pesquisa foi superior a este valor e inferior ao corpus má-ximo a ser analisado, que é 10.000.000.

As comunicações ou falas apreendidas atra-vés das entrevistas foram analisadas através do software Alceste (Análise Lexical por Contexto um Conjunto de Segmentos de Texto), desen-volvido na França por M. Reinert (1986, 1990) e introduzido no Brasil por Nascimento-Shulze e Camargo (2000), através de pesquisa sobre re-presentações sociais.

Este programa permite uma análise lexical quantitativa que considera a palavra como unida-de e oferece a sua contextualização no corpus ou entrevista. Trata-se de um processamento de da-dos textuais, que permite ao pesquisador explo-rar a estrutura e organização do discurso, falas ou comunicações dos respondentes participan-tes da pesquisa. Sua exploração possibilita aces-so às relações entre os universos lexicais, que, di-ficilmente, seriam identificadas com a aplicação de análise de conteúdo tradicional (Alba, 2004).

Antes de utilizar o programa, elaborou-se um banco de dados dos conteúdos das entrevis-tas, seguindo o modelo proposto por Camargo (2005), e através deste banco, composto de con-juntos de textos (no nosso caso, entrevistas), o ALCESTE realiza a organização desse material segundo suas unidades básicas de análise que são: Unidades de Contexto Iniciais (UCI) – pri-meira divisão de todo o material, sendo realizada

durante a preparação do corpus (cada entrevista é uma UCI) – e Unidades de Contexto Elementa-res (UCE) – fragmentos do corpus organizados pelo programa, de acordo com critério de pon-tuação e tamanho do texto.

Ao realizar a identificação das unidades, o programa realiza uma Classificação Hierárqui-ca Descendente (CHD) do conjunto de unidades contextuais, gerando um dendrograma (posicio-namento das classes em forma de árvore) que permite a visualização da análise estatística reali-zada, com freqüência das palavras representativas em cada classe, força de ligação entre as classes e porcentagem de cada classe em meio ao corpus analisado. O ALCESTE realiza ainda uma Análise Fatorial de Correspondência (AFC) entre as variá-veis determinadas pelo pesquisador (idade, sexo, inserção social, grupo A ou B, entre outros) e as classes geradas pelo programa.

3. DISCUSSÕES, RESULTADOS

A análise textual realizada pelo ALCESTE a partir das unidades de contexto permite a recons-trução do discurso coletivo, a partir da relação entre as palavras, a freqüência com que apare-cem e suas associações em classes de palavras. De acordo com Bonomo (2008) a relação entre estas unidades de contexto e os contextos típicos (representação coletiva) agrupa a base do funcio-namento do ALCESTE, tendo em vista que a regu-laridade de representações entre indivíduos pode gerar a existência de um contexto típico de um grupo, ou seja, uma representação coletiva.

No presente estudo a análise de dados, constituída pelo corpus de 15 unidades de con-texto inicial (u.c.i.), apresentou uma divisão do corpus em 1.102 unidades de contexto elementar (u.c.e.), contendo 11.680 palavras, 1.754 formas ou vocábulos distintos. Utilizou-se o cálculo do Qui-quadrado a partir de 3,84 e significância de 1 grau de liberdade. Assim, posterior à redução dos vocábulos as suas raízes lexicais, verificou-se que das 11.680 palavras, 293 eram analisáveis e 140 palavras instrumentos. Realizou-se uma Análise Hierárquica Descendente (CHD), que per-mite uma análise das raízes lexicais e oferece os contextos em que as classes estão inseridas, de acordo com o segmento de textos do corpus da pesquisa (corresponde as u.c.e. ou unidades de

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contexto elementar). Foram divididas as 1.102 u.c.e. do corpus analisado, obtendo-se 1081 u.c.e., correspondendo a 98 % do total, ou seja, foram descartadas 2 % das demais.

As representações sociais sobre A Pobreza no Contexto da Violência Social se estruturaram em dois grandes campos representacionais. O primeiro, foi constituído por uma única classe, classe 1, que concerne à pobreza e se intitula Pobreza: Violação de Direitos, o Papel do Gover-no e da Sociedade Civil. E, o segundo, denomina-do Violência Social, apresenta duas subdivisões, sendo uma delas, subdividida em duas classes, classe 2 e classe 4. Neste segundo campo, temos a classe 3, que caracteriza a violência e seus fa-tores associados, denominada Caracterização da Violência. A outra subdivisão, relativa às classes 2 e 4, se refere ao que deve ser feito para evitar a violência e o que leva uma pessoa a se envolver com estes atos. A classe 2 se intitula Medidas Combativas para Evitar a Violência e a classe 4, Causas de Envolvimento com a Violência.

Assim, discutir-se-ão as classes levando em consideração as u.c.e. encontradas em cada clas-se. Ademais, as discussões das palavras das clas-ses obedecerão à seguinte sistemática: primeiro, compor-se-ão frases, com base no corpus, con-tendo as palavras representativas das classes em itálico, e, a seguir, realizar-se-ão as devidas dis-cussões, com base na literatura científica consul-tada, o que aprova a denominada teoria do senso comum proposta pelas representações sociais.

Como se pode observar no que diz respeito à pobreza há dois grandes campos representa-cionais, sendo um deles representado por uma única classe, classe 1. Esta se refere à pobreza, em geral, o que ela significa o que deveria ser fei-to para sua erradicação e controle, enfim, qual o papel das pessoas comuns e das ações governa-mentais para controle ou erradicação, ou ainda, a fim de amenizar seus efeitos.

Classe 1 - Pobreza: Violação de Direitos, O papel do Governo e da Sociedade Civil

De acordo com o número de u.c.e. que es-trutura esta classe, 163 u.c.e., 15% do total, sa-lienta-se que esta é a classe com menor poder explicativo entre os adolescentes pesquisados.

Percebe-se, ainda na classe 1, a predomi-nância de conteúdos relativos a como a socieda-

de e o governo devem lidar com a pobreza, uma vez que as palavras que obtiveram maior associa-ção com a classe foram: conscientização, ajudar, roupa, governo, erradicação, valores, humanos, dever, deveria, dando, investimentos, população, cidadania, direito, controle.

Pode-se verificar que a percepção do grupo quanto à responsabilidade do governo e da socie-dade ancoram não apenas nas questões matérias, mas também de valores, cidadania e deveres.

Observa-se no discurso dos entrevistados que perpassa na sociedade civil um chamamen-to para que se contribua de alguma forma para amenizar o problema da pobreza através de ações como, por exemplo, doar ou ajudar aos mais necessitados, dando roupa/vestuário, ali-mentos, etc.. Os conteúdos lexicais dizem respei-to a esta conscientização, como pode ser visto nos trechos de entrevistas abaixo:

“Todos nós deveríamos ajudar a todos os pobres, dando comida, moradia, essas coisas assim (...). E, é isso. Fazer doações também (...). Nós devemos ter consciência e ajudar a todos os pobres, no fim do ano, quem tiver roupa boa, es-sas coisas, tentar ajudar, dando alimentos, dan-do roupas, fazendo doações e tá sempre ajudan-do a um pobre.”.(sujeito 01)

Os mais pobres são percebidos pelo grupo entrevistado como estando às margens da cida-dania, por não terem, muitas vezes, seus direitos reconhecidos. Segundo Araújo (1998) a cidadania decorre da busca de sujeitos por melhores condi-ções de existência, e se expressa pela vontade de ter voz ou espaço dentro do lugar onde se vive. Ser cidadão é ser sujeito de direitos e deveres, porém, não inclui apenas ter direitos e poder exercê-los, mas consiste em participação ativa.

O verdadeiro cidadão que exerce sua cida-dania é aquele que cria direitos e novos espa-ços para expressá-los, apresenta participação crítica e atitude cidadã (ARAÚJO, 1998). Ou seja, ser cidadão é ser sujeito emancipado, não é apenas votar e possuir o direito de ser vota-do, mas informar e ser informado, opinar, par-ticipar com liberdade e consciência crítica, ter a capacidade de intervir no que se refere aos direitos individuais e coletivos. Ainda se pode acrescentar a esta definição clássica, ter um emprego digno, um salário suficiente para ga-rantir um padrão de vida estável e ter acesso a bens e serviços necessários e disponíveis na so-

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ciedade. Neste sentido, os desfavorecidos pro-vavelmente se sentem às margens da cidadania (ARAÚJO, 1998).

A Constituição Federal de 1988, denomi-nada democrática e cidadã, e instrumentos in-ternacionais anteriores, como a Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) inserem o direito de todo ser humano a viver em condições dignas e ter aces-so a um nível de vida adequado para si e para sua família.

De maneira que, a função do Estado na proteção social dos pobres ou desprivilegiados é primordial. Este deve cumprir seus deveres, e, se agir com omissões com relação ao extermínio da pobreza, ou cometer atos que provoquem a mesma, para estes acordos internacionais, isto constitui uma violação dos direitos humanos ou da dignidade humana. Portanto, todos merecem condições dignas de viver e, se não for possível, cabe ao Estado provê-las ou lançar os meios ne-cessários.

As falas abaixo ancoram a percepção dos adolescentes entrevistados quanto às condições dos que vivem a margem da sociedade:

“Crianças nascem e crescem dentro de uma pobreza, enquanto muitos ricos e muitas pessoas reclamam, mas têm comida em casa, enquanto os pobres choram por não ter comida em casa (...) acho que todos deveriam ter cons-ciência, ajudando aos pobres, dando moradia e roupa (...).” (Sujeito 08)

Campbell (2004) aponta que, apesar de a Constituição Federal de 1988 apresentar a inten-ção de erradicação da pobreza, contudo, vê-se que esta consiste em uma realidade muito lon-ge de ser alcançada, sendo necessário haver um novo enfoque sobre os direitos sociais.

Violência Social (Classes 3, 2, 4)

Nestas classes, pensa-se a violência de ma-neira ampliada, suas características, como evitá-la e reflexões sobre o que leva uma pessoa a se envolver com atos de violência. Há 2 subdivisões. A primeira representada pela classe 3, que se re-fere à caracterização da violência. E, a segunda, representada pelas classes 2 e 4, referentes às medidas combativas e às causas de envolvimen-to com a violência.

Classe 3- Caracterização da Violência

Esta classe foi estruturada com 288 u.c.e., 23% do total. As palavras de maior associação referem-se à caracterização da violência na Pa-raíba/Brasil, são elas: país, Brasil, respeito, gente, relações, problema, favelas, violência, ar-mas, Paraíba, lugares, próximo, existe, agressão, sociedade, região, casos, resultados, bandidos, conflitos, violentos, geralmente.

A violência se caracteriza por constituir um grave problema em nosso país, sendo esta defi-nida pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), como o uso de força física ou poder, real ou em ameaça, contra si mesmo, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou apresente alta possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, mau desenvolvi-mento ou privação.

Explosões violentas, em muitos casos, se devem à falta de respeito nas relações entre as pessoas cujos resultados culminam em agres-são e conflitos. Isto corrobora com o que Singer (1975) denomina de manifestações violentas de-vido a um impulso fundamental do ser humano.

Os conteúdos lexicais abaixo descrito corro-boram que os jovens, assim como Singer(1975), também percebem ser a violência fruto de um impulso inerente ao ser humano.

“Tipo assim, tem muita gente que se envolve com criminalidade só por maldade mesmo,(...) acha bom fazer aquilo, maldade, instinto, né? (...)”.(Sujeito 04)

Classe 2 - Medidas Combativas para Evitar a Violência

Observa-se que esta classe obteve 194 u.c.e., com 18% do total. As palavras de maior associação foram: criança, influências, meio, fa-mília, professor, emprego, escola, aprendizagem, adulto, conceitos, boa, rua, ciclo, conseguir.

“A família é a base de tudo (...)”. “(...) o meio em que a pessoa vive e sua família vão in-fluenciar na educação da criança.” “(...) família desestruturada, ou metida com drogas e violên-cia farão o filho também ser violento e droga-do(....).”(Sujeito 09)

Para Kaloustian (1994), a base familiar é o começo de tudo, onde se inicia a educação bási-ca, a aprendizagem de valores e comportamen-

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tos. Segundo Palitot (2003), a família é a célula- mater da sociedade, a ela compete a integração do indivíduo à vida, à história, ao meio geofísico em que vive e o estabelecimento dos primeiros padrões de conduta e de compromisso com a hu-manidade. Será também no círculo familiar que estará centrada a visão primeira da realidade, ou seja, as representações iniciais, que a partir dele vão se expandindo em círculos cada vez mais abrangentes. Também para Nascimento (2003), a família é o meio onde estabelecemos as primei-ras relações e no qual se inicia a socialização, de-sempenhando importante papel na vida de seus membros.

As carências materiais do meio sócio-eco-nômico são, sem dúvida, de suma importância para o desenvolvimento das pessoas, contudo, pode-se constatar que a família e os valores ad-quiridos por meio dela, também representam for-tes alicerces nas condutas. Ademais, o ambiente no qual se inserem as famílias não é o único ele-mento que define sua organização, estruturação, e papéis desempenhados, apesar de reconhecer-mos que condições precárias afetam suas bases, e interferem na educação dos filhos, como por exemplo, falta de emprego, de perspectiva quan-to ao futuro e de poder mudar de vida.

A escola também é vista pelos sujeitos como uma forma de combate a violência e a pobreza.

“A criança deveria passar o dia na escola e não ficar na rua”. “(...) tenho muita pena de ver crianças na rua pedindo ao invés de estar na escola estudando para ser alguém na vida”. (Sujeito 02)

O meio em que se vive é, segundo os jovens entrevistados, de suma importância para aquisi-ção de certos comportamentos, se a criança vive e cresce na rua ela pode se prejudicar no futuro, bem como se pode observar através de suas fa-las o valor que a escola possui para o desenvolvi-mento do sujeito.

Segundo Palitot (2010) a escola é um es-paço de multiplicidades, onde diferentes valo-res, concepções, experiências, culturas, crenças e relações sociais se misturam e fazem do seu cotidiano uma rica e complexa estrutura de co-nhecimentos. Desse modo, a escola, enquanto instituição na qual se inserem grupos sociais que constroem diferentes relações deve propiciar condições de aprendizagem, selecionando ativi-dades e posturas necessárias, que promovam o bem-estar e o sucesso desses grupos.

Os sujeitos da pesquisa consideraram tam-bém as inúmeras influências às quais os jovens estão sujeitos e que são bastante significativas para a presença ou não do comportamento vio-lento. É o caso, por exemplo, da influência exer-cida pela mídia, em filmes, jogos, ou programas que estimulem a violência. Os conteúdos lexicais abaixo representam esta idéia:

“(...) hoje em dia tem programas muito vio-lentos, que mostram muito esse tipo de tema e eu acho que as pessoas muitas vezes se influen-ciam com isso.” “(...)são filmes da moda, vídeo games, baseados na violência, tanto é, que mui-tos desses filmes e vídeo games são proibidos para menores devido à intensidade das cenas violentas (...)”. (Sujeito 05)

A mídia exerce na atualidade um enorme poder sobre os comportamentos, valores, costu-mes e cultura, no entanto, é preciso haver uma conscientização por parte daqueles que a fazem e da sociedade como um todo da sua influência no que concerne principalmente a violência.

Segundo Souza (1995), a convivência com as várias mídias faz parte do cotidiano desse grupo socioetário. É importante assinalar que a televisão, a mídia de mais amplo acesso, não pode ser vista somente como um veículo de co-municação, mas como um produtor de sentidos e construtor de valores. Os valores que circulam na mídia são, portanto, expressões de sentido dadas tanto pelo produtor quanto pelo receptor da mensagem, e ocupam o mesmo espaço.

A mídia em nossa sociedade apresentar um importante papel na difusão de valores. Os meios de comunicação espalham uma cultura de consumo de massa que atinge a maioria da população, fomentando desejos de consumo e as pessoas com escassos recursos financeiros, sem poder aquisitivo suficientes para adquirir es-ses bens se sentem à parte, excluídas. E diante da impossibilidade de acesso das camadas po-pulares aos bens e valores bombardeados pela publicidade pode gerar tensão, por não poder consumir, ocasionando com que principalmente os jovens façam uso de meios ilícitos na busca deste consumo almejado.

Classe 4 - Causas de Envolvimento com a Violência

O número de u.c.e. que compõe esta clas-

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se foi de 436, correspondendo a 40% do total, ressalta-se que esta é a classe de maior poder explicativo. A noção central desta classe de re-presentações sociais organizou-se em torno dos conteúdos relacionados ao que leva uma pes-soa a se envolver com a violência. As palavras de maior associação foram: pessoas, poder, pra, sair, ligados, dinheiro, drogas, assalto, vai, fazer, vida, roubar, pobre, facilidade, sobreviver, fome, oportunidades, provocações, defender, violento.

Os conteúdos lexicais do trecho de entre-vista, abaixo, exemplificam a noção de banalida-de ou gratuidade da violência, percebidos pelos jovens:

“Eu acho que tá crescendo cada vez mais, tão matando muita gente, tá assim muito fá-cil(...)”. “(...) o povo tá matando por qualquer coisa, não importa muito a vida. Aí, bom, é, não sei se é a palavra certa, mas tá tipo mais banali-zado,(...)”. “(...) hoje se faz tudo por dinheiro até matar(...)”.(Sujeito 11)

Há, também, a violência decorrente da má organização social, onde vários fatores estão in-terligados ao fato da inexistência de oportunida-des para todos viverem com dignidade.

“...tem muita gente sem trabalho e sem motivação para o estudo, achando que é mui-to trabalho para não conseguir nada de futuro depois, por isso já ouvi muita gente dizer que é mais fácil ganhar dinheiro de outros jeitos”.(Sujeito 12)

Segundo Vieira (2005) a conjuntura da po-breza gerada pelas falhas do sistema de pro-dução é de extrema importância para analisar a polêmica da violência/criminalidade. A falta de trabalho consiste em um problema social e representa para muitos brasileiros um grave transtorno que afeta suas vidas. Inúmeros se de-param diante de uma única saída, aceitar o uni-verso da improdutividade e das carências, com conformismo e resignação, e serem obrigados a sobreviver com poucos recursos ou na miséria, ou buscar alternativas para superar estas adver-sidades. Porém, muitos olham ao redor, se vêem injustiçados, sem oportunidades e expectativas, se revoltam diante disto e apresentam condutas transgressoras.

No que tange ao envolvimento com a vio-lência as drogas estão exercendo atualmente um papel preponderante. De acordo com a OMS (2002) manifestações de violência apresentam

múltiplas causas, o alcoolismo, falta de cons-ciência das pessoas, que acreditam que esta é a melhor forma de resolver seus problemas ou ig-norância em não reconhecer melhores vias, falta de controle dos próprios impulsos e, as drogas que provocam problemas de ordem emocional, física, psicológica e/ou comportamental, ou até mesmo situações mais drásticas como a morte.

Contudo, as características individuais tam-bém são fundamentais, ou seja, a maneira pela qual o indivíduo pensa e reage diante das situa-ções e busca as alternativas para enfrentá-las, as emoções são específicas e variam de indivíduo para indivíduo. (SINGER, 1975).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados encontrados pode-se auferir que os adolescentes objetivam concei-tos como pobreza e violência de forma bastante coerente e pertinente com a realidade socioe-conômica vivida em nosso país. Deste estudo apreendem-se representações sociais negativas referentes ao impacto da falta de ações do Es-tado no sentido de empoderamento das classes sociais mais baixas. Dessarte, também pontuam a representação social da mídia como veículo de banalização da violência, objetivadas em proble-mas como o consumo de drogas pelos jovens brasileiros.

Os sujeitos desta pesquisa também anco-ram na sua fala a necessidade do Estado cum-prir o seu papel e oferecer educação, saúde, se-gurança, habitação e lazer, tal como preceitua a Constituição brasileira, para que possa haver uma diminuição da violência que ora permeia o nosso país e que tem como vítima em potencial os jovens.

Pode-se observar então que os jovens são muito críticos nas suas falas principalmente quando se trata do papel do Estado e da socie-dade no que concerne a manutenção da pobreza e ao aumento da violência.

Faz-se mister que haja uma discussão maior no âmbito da sociedade, da escola e também da família, no sentido de coibir determinadas prá-ticas tais como: o aumento do consumo de dro-gas, a diminuição das diferenças de condições e oportunidades entre as classes sociais e sobretu-do, uma reflexão profunda sobre questões como ética, moral e cidadania.

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Virgínia de Oliveira Silva *

Cinema na escola e cinema da escola

(*) Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - PROPED-UERJ. Docente do Departamento de Habilitações Pedagógicas do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Campus João Pessoa, onde coordena o Projeto Educação Legal e o Projeto Cinestésico - Cinema e Educação. [email protected]

RESUMO

Leitura analítica dos livros “Cinema e Educação” (2002), de Rosália Duarte, e “A Hipótese-Cinema” (2002), de Alain Bergala, tecendo aproximações e distanciamentos entre duas diferentes propostas para se trabalhar com o cinema no espaço escolar formal. Palavras-chave: Cinema. Educação.

ABSTRACT

Analytical reading of books “Cinema and Education” (2002) written by Rosália Duarte and “Hypothesis-Cinema” (2002) authored by Alain Bergala, seeking similarities and differences between two different proposals to work with cinema in the formal school environment.

Keywords: Cinema. Education.

o mestre gira o globobalança a cabeça e diz

o mundo é isso e assim

livros alunos aparelhossomem pelas janelas

nuvem de pó de giz

Paulo Leminski

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INTRODUÇÃO

Ao explicar a ex pressão-verbete “teoria do cinema”, Aumont e Marie (2003, pp.289-291) classificam-na em seis principais orientações, a saber: cinema como reprodução ou substituto do olhar; como arte; como linguagem; como escri-tura; como modo de pensamento; como produ-ção de afetos e simbolização do desejo. Afinado com a quinta dessas orientações teóricas, Deleu-ze (1983; 2007) afirma que a arte cinematográ-fica pode ser considerada um campo de conhe-cimento que atua conjuntamente - tanto com as artes plásticas, com a literatura e com a Filosofia – quanto com outros ramos do pensamento, co-locando sua cinefilia ao lado de sua filosofia.

Considerando a relevância de tais apontamen-tos e o espaço escolar como local de produção e socialização do conhecimento por excelência, pin-çamos, entre nossas leituras e pesquisas sobre cine-ma e educação, para analisar no presente trabalho, duas publicações de dois distintos autores, uma da brasileira Rosália Duarte, e a outra, do francês Alain Bergala (traduzida para a língua portuguesa), que giram em torno da questão de se tecerem propos-tas relativas à presença do cinema na escola.

1 - APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE DUAS PROPOSTAS DE CINEMA E EDUCAÇÃO

(...) quando vou ao cinema, (...) Sempre tenho a impressão que posso

ter o encontro com uma idéia. Deleuze

1.1 - Duarte e a pedagogia do cinema

No livro Cinema e Educação, lançado pela Editora Autêntica, em 2002, na Coleção Temas & Educação, Rosália Duarte descreve a trajetória de sua relação subjetiva com a arte cinematográ-fica, o que envolve sobremaneira o convívio fami-liar (sobretudo com o seu avô), a escola e o cine-ma do bairro. A autora tece considerações sobre a pedagogia do cinema, amparada no conceito de socialização, realiza uma revisão da literatura desse termo (nas obras de Durkheim, Simmel e

Lindsay, por exemplo), critica seu uso na educa-ção do audiovisual “como mero complemento de atividades verdadeiramente educativas” e ques-tiona, dentre outras coisas, “Até quando ignora-remos o fato de que cinema é conhecimento?” (...), “afinal, educação não tem mesmo nada a ver com cinema?” (p. 20).

Duarte faz um passeio importante, mas, em certa medida, aligeirado pela história do cine-ma; reflete sobre algumas questões pertinentes à linguagem cinematográfica que comporiam o processo de sua significação (sobretudo aquilo que envolve as escolhas relacionadas à câmera, à iluminação, ao som e à montagem ou à edi-ção, ou seja, o que diz respeito ao processo de construção do produto cinematográfico), sem se esquecer de destacar a importância de se saber o seu contexto de produção e de recepção, enten-dendo o cinema como prática cultural.

A pesquisadora continua sua reflexão, si-tuando o espectador como sujeito, como agen-te: “(...): o olhar do espectador nunca é neutro, nem vazio de significados. Ao contrário, esse olhar é permanentemente informado e dirigido pelas práticas, valores e normas da cultura na qual está imerso” (DUARTE, p. 67) e recompõe, de modo breve, a concepção do termo cinefilia, apontando os cinéfilos como

“espectadores privilegiados” de cinema, fre-quentemente mais críticos, mais informados e mais politizados do que os demais, formam-se uns aos outros permanentemente, de ge-ração em geração. (...) Para eles, o cinema atua como elemento aglutinador e como fonte inequívoca de conhecimento, de formação e de informação, configurando-se, assim, como uma prática “eminentemente pedagógica”. (DUARTE, 2002, pp.80-81)

A autora situa na história, mais uma vez de modo breve, a relação do cinema na escola, datando o início da abordagem do cinema sobre o espaço escolar, a partir da Segunda Guerra e, sobretudo, nas produções estadunidenses, que representariam o professor sob a égide do mis-sionário abnegado e o currículo escolar como algo “desprovido de sentido” (DUARTE, p. 86).

Duarte aponta a necessidade de se busca-rem modos adequados para se “estimular o gosto pelo cinema” (Idem, p. 89) nos diferentes níveis de ensino: “é preciso ter acesso a diferentes ti-

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pos de filmes, de diferentes cinematografias, em um ambiente em que essa prática seja compar-tilhada e valorizada” (Ibidem, p. 89), consideran-do o cinema como um instrumento valioso para se ensinar a respeitar valores, crenças e visões de mundo dos diferentes grupos sociais de socie-dades complexas, sem que se precise amarrá-los a determinadas áreas do conhecimento.

A autora designa os filmes como objeto de pesquisa em Educação e sugere, inclusive, eixos temáticos para orientar e viabilizar debates esco-lares, para “tentar entender o modo como infân-cia, escola, professores/as, relação professor/aluno, sexualidade, juventude etc. são represen-tados em filmes ou cinematografias diferentes ou mesmo em distintos momentos da história do cinema” (Duarte, p. 100). A autora nos sugere, ainda, diferentes sites e leituras diversas para auxiliar a levar o cinema para a escola.

1.2 - Bergala e a pedagogia do fragmento

Em seu livro A hipótese-cinema, publicado, em 2002, pela Booklink, para a Coleção Cinema e Educação, Alain Bergala, cineasta, pesquisador e crítico de cinema, relata a experiência que vi-veu a partir da segunda metade do ano de 2000, ao ser convidado pelo Ministro da Educação da França, na época, Jack Lang, para integrar um grupo de conselheiros designados a desenvolver um projeto de educação artística e de ação cul-tura na Educação Nacional.

Para dar conta da importante tarefa, Berga-la e Lang desenvolveram o Plano de Cinco Anos, um projeto feito para levar artes, entre elas, o ci-nema, para as escolas públicas de toda a França. Porém radicalizou a sua hipótese, distinguindo a educação artística do ensino artístico e afirmou, de modo essencialista, que

(...) a arte não pode depender unicamente do ensino, no sentido tradicional de disciplina ins-crita no programa e na grade curricular dos alunos, sob a responsabilidade de um profes-sor especializado recrutado por concurso, sem ser amputada de uma dimensão essencial. (BERGALA, 2002, p.29)

Bergala considera que a cultura é a regra, e a arte é a exceção, mas, paradoxalmente, quer

garantir a mesma potência avassaladora da arte em seu processo de institucionalização nacio-nal, ou seja, manter a liberdade dentro da esco-la naquilo que, por excelência, costuma surgir à margem de qualquer tentativa de regulação, até mesmo por ser pulsão:

A hipótese extrai sua força e sua novidade da convicção de que toda forma de enclausura-mento nessa lógica reduziria o alcance sim-bólico da arte e sua potência de revelação, no sentido fotográfico do termo. A arte, para per-manecer arte, deve permanecer um fermento de anarquia, de escândalo, de desordem. A arte é por definição um elemento perturbador den-

tro da instituição. (BERGALA, 2002, p. 29)

Nesse sentido, a arte é vista na escola como algo “outro”, apartado, que inauguraria uma nova experiência e “cuja alteridade radical os alunos deveriam experimentar” (BERGALA, p. 31). Bergala não aceitara o cargo e os riscos da tarefa que lhe fora determinada meramente para ensinar uma determinada arte, mas para promo-ver entre os escolares a experiência criadora de “fazer arte”. O autor não queria ensinar regras, estatutos, cânones e modos, mas possibilitar a vivência do processo de fazer a arte, de produ-zir a arte cinematográfica na escola. A promoção concreta, enfim, daquilo que seria o cinema da escola. O cinema deveria ser vivenciado pelos es-tudantes como uma proposta de inovação, “abor-dagem do cinema como arte: aprender a tornar-se um espectador que vivencia as emoções da própria criação.” (BERGALA, p.35)

Bergala considera o cinema como priorita-riamente arte e também nos chama a atenção para o fato de que, se não assistirmos a filmes de qualidade interessante na infância, teremos perdido uma oportunidade que não voltará mais com a mesma grandeza e magnitude, pois as marcas produzidas pelos filmes, nesse período de nossas vidas, tornar-se-iam inesquecíveis, e a escola seria o lugar em que, para muitas crian-ças, o encontro com a arte e, por extensão, com o cinema, seria possível de ser realizado:

Se o encontro com o cinema como arte não ocorrer na escola, há muitas crianças para as quais ele corre o risco de não ocorrer em lugar nenhum. Não sei ainda se a Educação nacional é capaz de acolher a arte como bloco de alteri-dade, mas continuo convencido de que ela deve

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fazê-lo, e que a escola, que está em sua base, pode fazê-lo. (BERGALA, 2002, p. 33)

Mais do que em outras áreas, para o autor, na Pedagogia, é preciso evitar estabelecer perma-nentemente a “funcionalidade” como um critério inexorável, “pois a globalização funciona, a divi-são do trabalho funciona, o comércio funciona, a demagogia funciona. Mas é mesmo isso que queremos transmitir e reproduzir?” (BERGALA, p. 27). Considera que o que é decisivo não é nem mesmo o saber sobre o cinema, mas a maneira como nos apropriamos do seu objeto: “pode-se falar muito simplesmente, e sem temores, do ci-nema, desde que se adote a boa postura, a boa relação com objeto cinema” (BERGALA, p. 27).

O autor pretende convencer as pessoas que estiverem dispostas a compartilhar da ideia de que, tanto para os alunos quanto para os profes-sores, a arte deve ser, na escola, uma experiência de outra natureza que não a de um curso espe-cífico. Por sua natureza, a instituição tem a ten-dência de normalizar, amortecer e, até mesmo, absorver o risco que representa o encontro com toda forma de alteridade, para tranquilizar a si mesmo e aos seus agentes.

A arte não se ensina, mas se encontra, ex-perimenta-se e se transmite por outras vias além do discurso. A escola pode possibilitar o encon-tro com o cinema, ajudar os alunos a entendê-lo melhor como arte, mas não pode obrigar nin-guém a ser tocado por determinado filme. Esse processo é absolutamente individual, ainda que ocorra numa situação de experiência coletiva.

Para esclarecer essa nova abordagem do cinema na Pedagogia, Bergala explica que o ci-nema em sala de aula tem sido reduzido e usa-do como linguagem e ferramenta ideológica, um mero instrumento didático-pedagógico para atingir determinado objetivo. Ele mesmo admite ter contribuído, durante certo tempo, para uma pedagogia de tipo “linguageira”, mas sempre com uma extrema desconfiança das abordagens que visam, antes de tudo, em nome do desenvol-vimento do espírito crítico, à famosa “resposta ideológica”, em detrimento da especificidade do cinema.

(...) talvez fosse preciso começar a pensar – mas não é fácil do ponto de vista pedagógico – o filme não como objeto, mas como marca

final de um processo criativo como arte. Pensar o filme como a marca de um gesto de criação. Não como um objeto de leitura, descodificável, mas, cada plano, como a pincelada do pintor pela qual se pode compreender um pouco seu processo de criação. Trata-se de duas perspec-tivas bastante diferentes. (pp. 33-34)

Outro aspecto de sua “hipótese-cinema” diz respeito à relação entre a abordagem crítica, a leitura dos filmes e a passagem ao ato - a reali-zação. Para Bergala, não existe uma pedagogia do espectador, que seria forçosamente limitada, por natureza, à leitura e à formação do espírito crítico nem uma pedagogia da passagem ao ato. É essa pedagogia generalizada da criação que seria preciso implementar numa educação para o cinema como arte. No cinema, a grande arte se dá cada vez em que a emoção e o pensamento nascem de uma forma, de um ritmo que não po-deria existir senão através do cinema. A arte que se contenta em enviar mensagens não é arte, e isso vale também para o cinema.

Outro destaque que Bergala apresenta diz respeito aos malefícios do “e” entre cinema e au-diovisual. Existe uma ideia falsa que confunde e impede o pensamento sério sobre a questão do cinema na escola: a de que o cinema, suposta-mente, daria ferramentas para que o indivíduo se armasse contra a televisão. Tal abordagem críti-ca da televisão teria muito mais a ver com a ins-tituição cívica do que com a educação artística.

De acordo com o autor, existe um prazer mais construído na relação com a obra que não é, necessariamente, imediato e sem esforço e em cuja aprendizagem a escola tem um papel impor-tante. Com base na avaliação dessa específica re-lação entre cinema e espectador, que se constitui como um problema de ordem interna e externa ao sistema educativo, Bergala nos apresenta sua estratégia. Graças à possibilidade tecnológica do DVD, a ideia é de fornecer uma coletânea inicial de filmes capazes de constituir uma alternativa para o cinema de puro consumo. Seria necessá-rio estabelecer uma pedagogia do cinema mais leve, do ponto de vista didático, que relacione filmes, sequências, planos e imagens oriundas de outras artes. Sua missão seria de facilitar o acesso ao que ele chama de “baú de tesouros”, sempre disponíveis numa filmoteca, tanto para professores quanto para alunos. Não seria, por-

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tanto, um programa fechado, composto de obras obrigatórias e um sistema de avaliações.

Tomando como pressuposto o fato de que a escola deve propor outra cultura cinematográfi-ca, que se tornará, ainda que involuntariamente, “alternativa”, é comum que se proponha pedago-gicamente partir do que as crianças gostam. O autor rejeita esse tipo de abordagem por acredi-tar que ela parte de um desprezo da capacidade intelectual das crianças e, sobretudo, porque o que se constitui como “o que elas gostam”, não se criou espontaneamente, mas a partir de um intenso e constante bombardeio publicitário dos meios de comunicação.

Só se pode considerar o encontro com a obra de arte como uma experiência real se ela desencadear o sentimento de sermos expulsos do conforto dos nossos hábitos automatizados de consumidor, questionando-nos acerca de nos-sas ideias pré-concebidas. Não existe, portanto, um caminho exato que conduza o espectador de blockbuster estadunidense aos filmes mais refle-xivos. Sem negar as vantagens da livre circulação da arte na internet, o autor argumenta que isso, por si só, não nos leva ao encontro da arte. Abre-se um campo infinito de possibilidades, mas só se busca o que é designado pela publicidade do momento como sendo desejável.

Já a criação de uma filmoteca poderia aju-dar nessa escolha, por apresentar uma primeira triagem numa infinidade de opções. A iniciação artística pode começar, às vezes, com uma sim-ples atitude de sensibilidade pedagógica: “colo-car o bom objeto no momento certo ao lado da pessoa certa” (BERGALA, p.111). O que se consi-dera inédito nessa iniciação é a possibilidade que o DVD proporciona, em termos de inovação para o ensino de cinema com a pedagogia da articu-lação e da combinação de fragmentos. Um plano bem escolhido pode ser suficiente para testemu-nhar, simultaneamente, a arte de um cineasta, um momento da história do cinema, na medida em que implica, ao mesmo tempo, um estado da linguagem, uma estética (necessariamente per-tencente a uma dada época) e um estilo, a marca singular de seu autor (BERGALA, p. 125).

Nesse sentido, professores e alunos podem pensar, juntos, o que cada sequência engendra, destituindo a exclusividade do saber docen-te. O autor destaca dois modos de se escolher e pensar um trecho de filme: como um extrato

autônomo, apreendido em sua totalidade ou, ao contrário, como um pedaço retirado de um filme, no qual o corte se faz presente. Em ambas, po-de-se chegar a resultados positivos pedagógicos. Essa “pedagogia do fragmento”, que considera o plano como “a menor célula viva” de um filme, possibilita o desenvolvimento de um olhar, que ultrapassa o simples acompanhamento do fluxo narrativo. Analisando-se uma unidade menor, po-de-se unir a abordagem analítica à iniciação à criação, para se alcançar a integralidade do fil-me. Ao contrário do que muitos pensam, quando se fala em aula de cinema na escola, o que pre-valece em sua teoria não é, simplesmente, uma operação técnica.

O autor distingue uma análise fílmica clás-sica de uma “análise de criação”. A primeira só se preocupa em decodificar o filme, realizar uma leitura; já a “análise da criação” que postula tem um caráter transitório e se constitui como uma primeira iniciação à passagem ao ato. Trata-se, portanto, de uma tentativa de retornar ao mo-mento em que o cineasta ainda não tinha feito suas escolhas definitivas, num esforço de lógica e de imaginação desse campo de possíveis, que se apresenta no processo de criação. Para Berga-la, o ato de criar o cinema envolve três operações mentais: a eleição (escolher), a disposição (posi-cionar) e o ataque (decidir), que devem ser enca-radas antes de suas operações técnicas. Elas não podem ser visualizadas cronologicamente, pois se combinam a cada momento, dialeticamente, durante as etapas do trabalho.

A qualidade da experiência de realização reside numa única questão para o autor - a de colocar em dúvida se realmente essa criação em sala de aula está se confrontando efetivamente com o cinema. A experiência da passagem ao ato é, em sua teoria, insubstituível, pois suscita um saber não acessível apenas pela análise dos fil-mes. Ao realizarmos tal experiência no contexto escolar, pressupõe-se que o resultado deve ser visto e apreciado coletivamente.

Preocupado em fugir do lugar comum do “espetáculo de fim de ano”, o autor reitera que o importante é o processo criativo com um rastro de aprendizagem e não com ênfase no produto acabado. O que não foi filmado enriquece o que o foi. Sua proposta não é a de improvisar, mas de levar em conta as condições objetivas reais, pre-sentes em todo ato da criação cinematográfica.

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Repetindo-se essas condições de “escuta” do real, garante-se que a filmagem não será apenas uma simulação ao ato. Essa simulação à qual o autor se remete, sob o risco de perder de vista tudo aquilo que, num plano de cinema, depende da percepção: a luz, as matérias, os ritmos internos de deslocamento dos possíveis atores, o som, en-fim, tudo o que depende do sensível mais do que do sentido, da significação (BERGALA, p. 199). Isso significa que, por mais que as novas tecnolo-gias digitais, com suas regulagens automáticas e todos os recursos oferecidos aos jovens, sejam de máxima conveniência, o que está em jogo nesse aprendizado não se intimida com a técnica. São questões de escolhas sensoriais, visuais e sonoras dos planos a serem filmados pelos alunos.

Pensar a criação cinematográfica como uma possibilidade concreta de integração e de cria-ção coletiva, em direção ao desenvolvimento de relações mais horizontais e igualitárias, pode se tornar um objetivo no contexto escolar, mas não é algo que ocorre espontaneamente. Em geral, o que se observa, no set de filmagem com crianças, é uma reprodução das hierarquias presentes em uma equipe de cinema profissional que, embora careça de harmonia, tem pouco de coletiva.

A abordagem do cinema como arte pode le-var em conta outras habilidades que o sistema escolar deixa escapar e que, para se manter coe-rente, não podem ser olvidadas. Há outras for-mas de inteligência, de iniciativas, de modos de expressão de si que podem se revelar na passa-gem à realização – que tem como mérito ampliar o campo desses novos possíveis para cada aluno envolvido. Bergala se refere àqueles discentes menos “eleitos” pela turma, que só podem tra-balhar com a escrita e a língua falada, e poderão ser eleitos pelo não dito ou o inefável, sobretudo, porque só através da arte se pode dizer o mesmo de outra maneira.

2 - À GUISA DE CONCLUSÃO

Assim como acontece no aprendizado das diferentes linguagens (da matemática, da língua portuguesa, artística etc.), é preciso conhecer os fundamentos, e não, as regras, os princípios, e não, os modelos que permitiram que um disposi-tivo, inicialmente destinado a registrar apenas o

movimento, passasse a ser a potência expressiva e narrativa que hoje o cinema representa como matriz da linguagem audiovisual. Interessam, aqui, o processo, a experimentação e a desco-berta, ou seja, encontrar caminhos que possibi-litem reconstituir a história do próprio cinema e os desdobramentos desse desenvolvimento que ainda está em curso.

Ambos os autores aqui apresentados con-cordam com a importância da relação entre cine-ma e escola ou cinema/escola, mas também nu-trem uma diferença visceral, perceptível no fato de Alain Bergala, em sua proposta, conseguir ultrapassar a fronteira determinada pela propo-situra de Rosália Duarte, ou seja, dando um salto metodológico ao trocar a preposição “em” (que transmite a ideia de “estar dentro”) pela preposi-ção “de” (que passa a ideia de origem ou perten-cimento): do “cinema na escola” para o “cinema da escola”. O cinema não seria só levado até a escola para ser fruído e analisado pela turma de discentes (cinema na escola), ele também seria criado na própria escola pelos estudantes (cine-ma da escola). Isso muda toda a perspectiva do papel da Educação em relação à sétima arte, po-tencializando-a.

Unir as propostas de ações analítico-inves-tigativas (“dissecação” da forma e do conteúdo - plano a plano, por exemplo) de determinado fil-me exibido no espaço escolar às atividades cria-tivas envolvidas nos processos de pré-produção, produção e pós-produção do próprio filme ela-borado por grupos de estudantes é, no mínimo, garantir o alargamento simbólico do horizonte e da tela de sua exibição:

Numa sociedade como a nossa, que pratica a divisão do trabalho, há, é claro, funções espe-cializadas por motivos de conveniência. Por co-modidade, e só por comodidade, se distingue a função científica da artística. Do mesmo modo a função do pensamento difere e complementa a função da sensibilidade. Mas a raça huma-na não está dividida em pensadores e homens sensíveis, nem sobreviveria muito a tal divisão.

(BRONOWSKI, s/d, p.10)

Concluímos lembrando o que afirma Vas-concellos (2006, p. XIX): “Para Deleuze, tanto a Filosofia quanto a Ciência e a Arte, em especial,

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o cinema, são expressões do pensamento; o que importa fundamentalmente é a criação: artistas, cientistas ou filósofos são criadores.” É preciso

que percebamos, antes que sumam na nuvem de pó de giz cantada pelo poeta de nossa epígrafe, que também nossos estudantes os são.

Referências

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de ci-nema. Campinas: Papirus, 2003.

BERGALA, Alain. A hipótesis-cinema. Rio de Janeiro: Booklink e CI-NEAD/UFRJ, 2008.

BRONOWSKI, Jacob. Introdução à atitude científica. Livros Horizonte, Heinemann Educational Books Ltd., Londres, s/d.

DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1983.

_________. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.

DUARTE, Rosália. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica Ed., 2002.

VACONCELLOS, Jorge. Deleuze e o cinema. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2006.

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Mônica Dias Palitot (*)

Mariângela Estevam de Caldas Leite (**)

Thaismá Ferreira Nóbrega Lima (**)

Francisco de Assis Toscano de Brito (****)

A importância das estratégias de aprendizagem na prevenção da ansiedade

(*) Professora do Departamento de Psicopedagogia do CE; Doutora em Psicologia e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Aspectos Sociais e Psicológicos da Aprendizagem - GPAPSA. E-mail: [email protected] (**) Bacharéis do Curso de Psicopedagogia da UFPB e colaboradoras do GPAPSA (***) Professor da UNIESP; Mestre em Serviço Social; Especialista em Psicopedagogia e colaborador do GPAPSA.

RESUMO

Este artigo é fruto de uma pesquisa que teve como objetivo principal compreender como o uso de estratégias de aprendizagem pode intervir na prevenção da ansiedade em estudantes do Ensino Médio das escolas públicas e privadas da cidade de João Pessoa. A amostra foi constituída de 600 estudantes, de ambos os sexos, do 1ª ao 3ª ano do Ensino Médio de escolas públicas e privadas, com idades entre 13 e 29 anos. Os resultados foram obtidos mediante a aplicação coletiva dos instrumentos Escala de Estratégia de Aprendizagem e Inventario de ansiedade traço-estado. Os resultados demonstram haver diferença significativa no que concerne ao uso de estratégias de aprendizagem e ansiedade (r = - 0,014; p= p ≤ 1). Constatou-se que fatores emocio-nais como ansiedade levam ao mau uso das estratégias de aprendizagem e interfiram negativamente no rendimento escolar do aluno. Conclui-se que os profissionais da área de educação devem avaliar as formas de ensino-aprendizagem e o modo como o fator emocional interfere na compreensão e na aquisição dos conteúdos e no sucesso do estudante.

Palavras-chave: Estratégia de aprendizagem. Ansiedade. Ensino Médio.

ABSTRACT

This article results from a research which had the aim to understand how the u se of learning strategies can interfere with anxiety prevention in public and private high

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1. INTRODUÇÃO

Tendo em vista as inúmeras transformações sociais, políticas e tecnológicas que se tem viven-ciado nas últimas décadas, é possível observar uma constante mudança de paradigmas que se refletem, sobretudo, na educação e na constru-ção do conhecimento e induzem professores e alunos a refletirem sobre suas práxis como uma condição sine qua non para que possam continuar atuando de forma autônoma, consciente e crítica em relação à sociedade. A percepção de que não é suficiente aprender os conteúdos curriculares formais e, principalmente, de poder fazer esco-lhas críticas, agir com autonomia e saber gerir a informação vem ganhando mais espaço nas dis-cussões no campo da Educação.

Os tempos atuais exigem que os indivíduos busquem novas soluções e ideias, uma vez que os procedimentos antigos já não atendem às ne-cessidades presentes, por isso é imperativo um pensamento flexível e inovador, por meio do qual se podem estabelecer soluções para os proble-mas que afetam diretamente os adolescentes. Contudo, essas competências só poderão ser pro-movidas através da compreensão dos conteúdos e de um ensino/aprendizagem que os estimule a autorregular a aprendizagem.

Essa valorização do processo de compreen-são se opõe à ideia de pura memorização dos conteúdos, pois, embora seja a memória um componente indissociável do processo de ensino/aprendizagem, não deve ser essa sua finalidade última. Não resta dúvida de que aprender requer processos de retenção, contudo o estudante de-verá ir além da memorização do fato em si e ser capaz de, além de condensar informações, fazer uma codificação simbólica com a qual possa es-

school students in João Pessoa City (PB). The sample was made up of 600 male and female students, from 1st through 3rd grades, aging 13-29 years old. Results were obtained by means of collective application instruments: Learning Strategy Scale and Trace-status Inventory. Results show there is significant difference as to the use of learning strategies and anxiety (r = - 0,014; p= p ≤ 1). It was found that emotional fac-tors, such as anxiety, lead to the wrong use of learning strategies and negatively interfere with students’ school performance. We can conclude that Education professionals ought to evaluate teaching-learning forms, as well as the way the emotional factors interfere with comprehension and acquisition of contents, as well as students’ degree of success.

Keywords: Learning Strategy. Anxiety. High school students.

tabelecer uma rede integrada capaz de se susten-tar na consciência devido ao seu caráter afetivo e usual.

Assim, além de reter a informação, o estu-dante precisa compreendê-la, isto é, atribuir-lhe um sentido pessoal, porque é assim que ele será capaz de guardar o conhecimento, aplicá-lo em longo prazo e se transformar, no sentido de co-nhecer a si próprio permanentemente como su-jeito corresponsável pelas suas aprendizagens e susceptível às transformações que elas provocam, sejam elas comportamentais, cognitivas ou afeti-vas (DUARTE, 2002).

Percebe-se, então, que, com o uso de estra-tégias eficientes para a aquisição e a assimilação de conhecimentos, é possível perceber a necessi-dade de se desenvolverem estratégias cognitivas e metacognitivas que possibilitem ao aluno planejar e monitorar o seu desempenho escolar, isto é, que permitam a tomada de consciência dos proces-sos que utiliza para aprender e a tomada de de-cisões apropriadas sobre as estratégias a utilizar em cada tarefa e avaliar sua eficácia, alterando-as quando não produzirem os resultados desejados (SILVIA E SÁ, 1993 apud RIBEIRO, 2003).

Historicamente, as estratégias de aprendiza-gem foram investigadas a partir dos anos 60 e, só na década de 70, receberam mais atenção da co-munidade científica. Contudo, só a partir da déca-da de 1990 foi que as pesquisas a respeito do uso das estratégias de aprendizagem passaram a re-ceber mais atenção, com pesquisas como as rea-lizadas por Zimmerman e Martinez Pons (1990). Posteriormente, as pesquisas de Purdie e Hattie (1996), Alves, Almeida e Barros (1997) demons-traram que, ao avançar no grau de escolaridade, os estudantes utilizam estratégias de aprendiza-gem mais sofisticadas e destacaram a importân-

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cia da relação existente entre fatores como idade, série escolar e desempenho acadêmico, uma vez que estão associados às diferenças na utilização adequada das estratégias.

No Brasil, pesquisas realizadas por Borucho-vitch (1999), Costa e Boruchovitch (2000) verifi-caram as possíveis relações entre o uso das es-tratégias de aprendizagem e o nível de ansiedade dos alunos do ensino médio. Em 2005, Minervino e colaboradores validaram a Escala de Estratégias de Estudo (Study Skill Checklist – SSC) de Smy-the, com adaptações que demonstravam que as aplicações de estratégias de estudo influenciam direta e positivamente no rendimento escolar do aprendente que os utiliza. Em contrapartida, aqueles que não usam habitualmente as estraté-gias de estudo demonstram um rendimento esco-lar insatisfatório.

De 1920 a 1925, a estratégia era identifi-cada somente como um resultado da aprendiza-gem, como um processo didático que consistia em descrever e repetir respostas. Já de 1950 a 1970, as estratégias norteavam o processo de aprendizagem. Nesse período, a didática utilizava como aporte teórico a teoria cognitiva e tomava como referência o desenvolvimento das funções mentais. De 1970 a 1980, as estratégias eram identificadas como um procedimento específi-co da aprendizagem, cuja didática consistia na apresentação de esquemas. A partir dos anos 80, as estratégias passaram a ser entendidas como ações mentais, que, mediadas por técnicas, facili-tam a aquisição de informações durante a apren-dizagem. Nesse período, a ênfase da didática concentra-se nos processos de autorregulação da aprendizagem, especialmente, na metacognição (OLIVEIRA, 2010).

Segundo Perraudeau (2009), elaborar uma pratica pedagógica por meio da qual o aluno pos-sa construir aprendizagens estruturais implica conhecer suas condutas cognitivas. Com elas, os alunos podem compreender bem mais as ativi-dades mentais que mobilizam para resolver uma tarefa escolar. Estão relacionadas ao tratamento do saber, isto é, à área que diz respeito à cog-nição, mas concernem também à capacidade do aluno de se distanciar, com a ajuda do professor, de seus procedimentos para questioná-los e mo-dificá-los se necessário. É a área chamada de me-tacognição.

Para Silva e Sá (2004), a instrução em estra-

tégias de aprendizagem abre novas perspectivas para se potencializar a aprendizagem, permitin-do que os estudantes ultrapassem dificuldades pessoais e ambientais para que tenham sucesso escolar. Segundo Sisto e Boruchovitch (2001), embora o termo ‘estratégias de aprendizagem’ englobe vários tipos, há teóricos que trabalham com a preponderância de estratégias cognitivas e metacognitivas. As estratégias metacognitivas são as direcionadas a ações que fazemos para aprender e lembrar, e as estratégias metacogni-tivas se referem ao conhecimento que as pessoas têm de seus processos cognitivos. Boruchovitch (1999) também afirma que as estratégias cogni-tivas são as de ensaio (repetir, copiar, sublinhar), elaboração (parafrasear, resumir, anotar e criar analogias) e de organização (selecionar ideias, usar roteiros e mapas). Enquanto a metacognição trata do conhecimento, do controle e da monito-rização que as pessoas são capazes de realizar relativamente a sua própria cognição, as estraté-gias metacognitivas referem-se ao planejamento (estabelecimento de metas), ao monitoramento (autotestagem, atenção, compreensão e uso de estratégias) e à regulação (ajustar velocidade, re-ler, rever, usar estratégias, ajustar ambiente).

Cruvinel e Boruchovich (2004) afirmam que, ao longo da vida, com o desenvolvimento cogni-tivo, as pessoas sofrem mudanças e diferenças funcionais que as tornam capazes de desenvol-ver eficácia na operação dessas estratégias. No entanto, o fator psicológico tem se revelado tão importante que, nas intervenções em estratégias de aprendizagem, acaba recebendo uma atenção especial. Boruchovich (1994) tem sugerido que o ensino de estratégias cognitivas e metacognitivas seja acompanhado do ensino de estratégias afe-tivas, visando acentuar a motivação do aluno e modificar variáveis psicológicas e motivacionais, como a ansiedade, que são incompatíveis com o uso eficiente dessas estratégias.

Para haver uma aprendizagem satisfatória, é necessário que as estratégias cognitivas e as me-tacognitivas ocorram de maneira integrada e coe-sa. Ainda que estudantes já tenham impressões ou percepções conscientes de si mesmos sobre o que precisam realizar e um repertório de estratégias, se não souberem se apropriar de sua aprendiza-gem, monitorá-la e regulá-la, é provável que seu desempenho em relação à aprendizagem não seja satisfatório (COSTA E BORUCHOVITCH, 2001).

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O processo de ensino-aprendizagem é en-tendido, atualmente, como uma construção que envolve um papel ativo do aluno. Nessa perspec-tiva, é imprescindível que ele desenvolva a capa-cidade de estabelecer as próprias metas, planejar e monitorar seus esforços visando melhorar seu desempenho acadêmico e direcionar, em certa medida, sua aprendizagem no contexto escolar (SOUZA, 2010).

Segundo Palitot e Coutinho (2011), as pes-quisas sobre estratégias de aprendizagem de-monstram que a utilização efetiva das estratégias de aprendizagem é essencial para o bom desem-penho dos alunos, em especial, dos que apresen-tam dificuldades de aprendizagem, que podem ser beneficiados com esse tipo de intervenção educativa.

Etimologicamente, a palavra estratégia origi-nou-se do latim ‘estratégia’ e do grego ‘estraté-gia’, que significa plano, método ou série de es-tratagemas para se alcançar um objetivo ou um resultado específico. Na utilização de estratégias de aprendizagem, há, explicitamente, um objeti-vo a ser conquistado: a aprendizagem, na mais ampla acepção da palavra. Utilizar estratégias de aprendizagem significa, portanto, potencializar o processo cognitivo.

De acordo com dados de pesquisas realiza-das no âmbito escolar e no acadêmico (CRUVI-NEL; BORUCHOVITCH, 2004; RIBEIRO, 2003), as estratégias de aprendizagem constituem item pri-mordial no processo de aprendizagem, porquan-to, de acordo com sua utilização, o estudante pas-sa a potencializar a apreensão do conteúdo que seja seu objeto de estudo. Consequentemente seu rendimento escolar melhora.

A complexidade do tema requer um conhe-cimento mais abrangente do repertório de estra-tégias de aprendizagem e dos hábitos de estudo dos jovens brasileiros, pois esse conhecimento é um passo fundamental para potencializar a ca-pacidade de aprender dos alunos. As estratégias de aprendizagem atuam tanto para prevenir difi-culdades de aprendizagem em idades precoces quanto para se avançar no desenvolvimento de uma teoria mais compreensiva do desempenho acadêmico.

Convém ressaltar que são inúmeras as mu-danças que ocorrem no aspecto didático-metodo-lógico para estudantes do ensino médio e que as mudanças pelas quais eles passam no período da

adolescência serão fatores preponderantes para o processo de aprendizagem, pois caso não sejam trabalhados de forma condizente com as neces-sidades dessa fase do desenvolvimento humano, podem ocasionar a evasão escolar de grande par-cela desses estudantes.

A influência da ansiedade no ambiente esco-lar tem sido estudada por vários pesquisadores de diferentes perspectivas teóricas. A ansiedade escolar envolve aspectos relacionados à identi-ficação das fontes que causam tensão para os alunos, quais os seus efeitos sobre a aprendiza-gem, quais os alunos mais afetados e as formas de tratamento. As pesquisas demonstram que a ansiedade pode ser despertada tanto em discipli-nas específicas (Matemática, Física, entre outros) quanto em situações que envolvem algum tipo de avaliação, como exames ou testes. A intensidade da ansiedade pode variar de níveis imperceptíveis até níveis extremamente elevados perturbando o funcionamento cognitivo.

Alguns fatores mais específicos relacionados à escola podem também contribuir para o desen-volvimento da ansiedade e afetar a aprendizagem, a saber: a forma como o professor interage com seus alunos; o ambiente da sala de aula; a ava-liação com características ameaçadoras; escolas que incentivam a competição e a comparação so-cial e o valor crescente atribuído às notas.

A forma como o aluno vivencia as situações de fracasso e de sucesso influencia a percepção de suas habilidades, e estudos demonstram que estu-dantes com alto desempenho se sentem mais con-fiantes e motivados com o feedback das avaliações. Por outro lado, os alunos com desempenho pobre podem aumentar sua ansiedade quando confron-tados com comparações, e os que acreditam que suas habilidades são estáveis e não podem ser mudadas têm mais probabilidade de desenvolver a ansiedade (WIGFIELD; ECCLES, 1989).

Algumas pesquisas, como as realizadas por Kirkland e Hollandsworth (1980), revelaram que o emprego de estratégias de aprendizagem auxilia o desempenho de alunos com alta ansiedade, por-que, ao usar as estratégias, a representação cog-nitiva e as demandas da tarefa são organizadas de tal forma que reduzem a capacidade exigida por tais materiais de aprendizagem. Percebeu-se também que alunos com bons hábitos de estudo e que sabem utilizar estratégias de forma eficien-te para se preparar para as provas se beneficia-

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rão de técnicas que amenizam a ansiedade. Em contrapartida, os que recorrem a estratégias ou hábitos de estudo deficientes para a realização de testes precisam de uma intervenção que associe o treinamento em estratégias a tratamentos para reduzir a ansiedade.

Outra consequência que também pode ocorrer devido ao não acompanhamento do que é ensinado é a possibilidade de se instalarem sentimentos como frustração, ansiedade, revol-ta e até depressão, que podem acarretar em um distanciamento não só da escola, mas também dos amigos e até da família. Segundo Soares e Marthis (2010 apud SOARES, 2002), os adoles-centes são submetidos, em época de vestibular, às cobranças pessoais, familiares e sociais para que tenham um bom desempenho nos estudos. Essas pressões podem gerar um estado de ansie-dade prejudicial ao desempenho acadêmico.

Alguns sentimentos como de solidão, inse-gurança e dúvidas (característicos da adolescên-cia e que acompanham os vestibulandos durante quase todo o período pré-vestibular) podem resul-tar em pânico, sentimentos de incompetência e incapacidade. O drama psicológico vivido vai au-mentando à medida que o exame se aproxima, e o vestibulando poderá sofrer distúrbios psicofisioló-gicos que levem até mesmo à depressão.

Para Costa e Boruchovitch (2004), estudos ressaltam que a ansiedade, a motivação, as cren-ças sobre inteligência, a autoeficácia, as atribui-ções de causalidade, entre outros fatores, influen-ciam a utilização das estratégias de aprendizagem por parte dos alunos. Silva (2011) refere que a ansiedade é uma reação natural do organismo, ou seja, um instinto desenvolvido de sobrevivência para que o ser humano reaja diante do perigo, po-rém, quando a ansiedade é desproporcional, tor-na-se patológica e desencadeia uma série de so-frimentos e problemas de ordem social. No meio escolar, esses transtornos têm afetado inúmeros indivíduos. Em decorrência disso, o desempenho acadêmico é baixo, há mais reincidência em re-provação, duvidas quanto a escolhas profissionais ou até mesmo a desistência dos estudos.

Segundo Silva (2011, apud CRUZ; COLABO-RADORES, 1995), um fator importante refere-se à ansiedade como um estado ou traço. A ansiedade-estado é a observada em uma ocasião na vida do indivíduo. Normalmente, associa-se a algum even-to de estresse e pode se elevar ou ser atenuada de-

vido à apresentação ou à retirada respectivamente desse evento. A ansiedade-traço é uma caracterís-tica, uma tendência a se sentir maior ou menor grau de ansiedade diante de situações ambientais. A influência genética e as experiências prévias do indivíduo determinam essa predisposição.

A ansiedade é um transtorno psiquiátrico com alta prevalência e grande impacto na vida da pessoa. Em adolescentes com esse transtorno, o relacionamento com seus pares e seu desenvolvi-mento geral e escolar serão bem comprometidos. A ansiedade é um estado de humor desconfortá-vel, uma apreensão negativa em relação ao futuro, uma inquietação interna e desagradável (PACHE-CO, 2008) que pode interferir no desempenho in-telectual de tal modo que, às vezes, dá a impres-são de que são menos capazes do que são de fato. Isso ocorre, sobretudo, na escola, nas situações ansiogênicas, como as apresentações orais e os exames ( DUMAS, 2011).

Nas décadas de 1960 e 1970, a ansiedade escolar foi bastante pesquisada. Depois desse pe-ríodo, a maior parte das investigações realizadas no contexto acadêmico tem sido desenvolvida pe-los teóricos da Psicologia Cognitiva baseada no processamento da informação, que defendem que o uso adequado de estratégias de aprendiza-gem e a manutenção de um estado interno satis-fatório favorecem o desempenho escolar (COSTA E BORUCHOVITCH, 2004).

A ansiedade dos alunos aumentaria devido ao fato de que não dominam o conteúdo e de que não sabem utilizar estratégias de aprendizagem de forma adequada nas situações de avaliação escolar. Pesquisas feitas com alunos do ensino fundamental vêm demonstrando que alunos mui-to ansiosos têm hábitos de estudos inadequados quando comparados com outros pouco ansiosos e que passam mais tempo estudando. Contudo, a qualidade dessa dedicação é mais importante do que a qualidade. De forma geral, o conhecimento dos alunos com alta ansiedade sobre estratégias de aprendizagem é deficiente (COSTA; BORUCHO-VITCH, 2004).

Em seguida, serão apresentados a metodo-logia utilizada, os resultados alcançados e a dis-cussão sobre eles, com o intuito de se averiguar a realidade do nosso Estado, mais especificamente, da cidade de João Pessoa, e, a partir daí, refletir mais sobre o tema não somente no âmbito esco-lar, mas também na família.

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2. METODOLOGIA

Participantes

Fizeram parte da pesquisa 600 estudantes do Ensino Médio, da cidade de João Pessoa/PB, equitativamente divididos entre escolas públicas (n = 300; 50%) e privadas (n = 300; 50%) e entre cada série do 1º. (n = 100), do 2º. (n = 100) e do 3º. anos (n = 100).

Instrumentos

A Escala de Avaliação das Estratégias de Aprendizagem é um instrumento construído e va-lidado por Boruchovitch e Santos (2004), que ob-jetiva avaliar o repertório de estratégias de apren-dizagem utilizado pelos estudantes. É composto por 41 itens, em que os participantes devem as-sinalar, em uma escala de 1 a 3 pontos, o quanto concordam ou discordam de cada afirmação. No final, encontra-se uma questão aberta que solicita ao participante acrescentar alguma estratégia de aprendizagem que não foi mencionada nas ques-tões anteriores.

IDATE - (Inventário de Ansiedade Traço-Esta-do): Esse inventário foi traduzido e adaptado por Biaggio (1983). É composto por escalas distintas, elaboradas para medir dois conceitos de ansieda-de: estado ansioso (IDATE- Estado) e traço ansioso (IDATE- Traço). Cada escala contém 20 afirmações para quais os voluntários indicam a intensidade naquele momento (IDATE – Estado) ou frequência com que ocorrem (IDATE – Traço), através de uma escala de 4 pontos.

Procedimento

Para a realização da pesquisa, foi encaminha-do um projeto ao Comitê de Ética da Universidade

Federal da Paraíba, depois de cuja aprovação deu-se início à pesquisa. A escolha das escolas ocor-reu de forma aleatória, priorizando-se o acesso dos pesquisadores. Inicialmente, manteve-se um contato com as escolas públicas e privadas da ci-dade de João Pessoa, para explicar os objetivos do projeto. Depois de se obterem as informações ne-cessárias, foi entregue o termo de consentimento para que os responsáveis pela escola assinassem autorizando a pesquisa.

Mediante autorização, iniciaram-se as apli-cações dos testes. Os dados foram coletados nos períodos da manhã e da tarde, conforme a dis-ponibilidade das escolas. Nos dias agendados, os pesquisadores aplicaram um caderno contendo um questionário sociodemográfico, a Escala de Avaliação de Estratégias de Aprendizagem e o In-ventário de Ansiedade Traço – Estado (IDATE). A aplicação realizou-se de forma coletiva, com tem-po de, aproximadamente, 30 minutos em cada sala de aula.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise descritiva das variáveis estudadas

Inicialmente, procedeu-se a uma análise des-critiva da Escala de Estratégia de Aprendizagem e Ansiedade, cuja pontuação geral dos resultados indicou que a média obtida pelos participantes na escala foi de 76,00 pontos (DP = 7,34), o que indica que a maioria dos alunos pesquisados re-portou usar estratégias de aprendizagem. No que concerne ao Inventário de Ansiedade Traço-Esta-do, a os resultados mostraram que a média dos participantes no inventário foi de 88, 87 pontos (DP= 10, 74), constatando sintomatologia de an-siedade entre alunos do ensino médio. Na Tabela 1, apresentam-se os itens resultantes.

TABELA 1. Distribuição das pontuações na Escala de Estratégia de Aprendizagem e no Inventário de Traço-Estado

Legenda: Análise descritiva

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Para analisar os resultados, foi feita a cor-relação de Pearson, a fim de verificar a relação entre as variáveis ‘estratégias de aprendizagem’ e ‘ansiedade’. Constatou-se que há uma relação discreta, inversa e significativa entre elas (r = - 0,014; p ≤ 1). Tal resultado indica que os alunos que utilizam estratégias definidas de aprendiza-gem, possivelmente, experimentam um nível me-nor de ansiedade durante esse processo. Quanto à relação entre as variáveis ‘estratégia de apren-dizagem’ e ‘ansiedade’, a pesquisa mostrou que alunos que não têm o hábito de utilizar estraté-gias de aprendizagem em seu cotidiano apresen-tam uma tendência a experimentar níveis mais altos de ansiedade ao estudar.

Os resultados obtidos na presente pesqui-sa estão em consonância com os encontrados em outros estudos, como os de Costa e Boru-chovich (2004), que demonstram que, embora as investigações realizadas sobre a ansiedade e o desempenho escolar demonstrem que alu-nos com alto grau de ansiedade têm hábitos de estudo e estratégias de aprendizagem deficien-tes na preparação e na realização de provas, os dados da pesquisa apontam para um nível mais alto de ansiedade, associado a um conhecimen-to deficiente sobre estratégias de administração do tempo de estudo visando somente à prepara-ção para a prova.

O fenômeno da ansiedade durante as ava-liações é, possivelmente, tão antigo quanto a própria existência da escola, com suas provas, exames, testes e concursos. Atualmente, ficar

ansioso devido a uma prova ou teste é, entre os tipos de ansiedade, a forma mais pesquisada, sobretudo no contexto dos estudos da motivação e do rendimento escolar. Sua própria conceitua-ção encerra componentes mais demarcados do que a ansiedade em geral, de objeto indefinido e que se contradistingue do medo, que tem uma causa objetiva (BZUNECK; SILVA, 1989).

Verificação da amostra entre o grupo sexo na escala de estratégias de aprendizagem

Outro aspecto abordado na pesquisa foi a significância entre estratégia e sexo. Para isso, foi utilizado o teste t de Studant. Percebeu-se que, não houve diferença significativa (t = 3,33; p > 1) no que se refere ao sexo dos indivíduos, no sexo feminino, alcançou uma média de 77, 63 (DP = 7,42), enquanto que o sexo masculino apresen-tou uma média de 75, 62 (DP= 7,18). Portanto, não houve significância no uso de estratégias de aprendizagem entre os sexos. (Tabela 2)

Esses resultados se contrapõem em pesqui-sas encontradas por Palitot e Coutinho (2011), em que esses autores constataram uma diferen-ça significativa na relação entre as estratégias de aprendizagem e a variável sexo (t = -2,505, gl=1445 e p-valor = 0,012). Assim, pode-se ve-rificar a importância de mais estudos que cor-roborem esses estudos em relação ao uso de estratégias de aprendizagem referentes ao sexo que possam mostrar em outras populações essa variável com o grupo sexo.

Análise da correlação entre as variáveis estratégias de aprendizagem e ansiedade

TABELA 2. Diferença de média de estratégia de aprendizagem por sexo

Legenda: Análise estatística de Teste t de Studant

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TABELA 3. Diferença de média na ansiedade-estado e na ansiedade-traço por sexo

Legenda: Análise estatística de Teste t de Studant

Verificação da amostra entre o grupo sexo no inventário de ansiedade

No que concerne à ansiedade entre os se-xos, verificou-se não haver diferença significativa na ansiedade-estado (t= 1, 28; p = 0,650), em relação ao sexo feminino, cuja média alcançada foi de 43,34 (DP= 6,2); já o masculino ficou com média de 42,67 (DP= 6,3). Para ansiedade-tra-ço, também houve significância (t = -3,74; p = 0, 652), porquanto o sexo masculino alcançou uma média de 46,81 (DP= 6,9), e o feminino, 44,66 (DP= 6,8), como se pode verificar na Tabela 3. Tais resultados se contrapõem aos encontrados

por Soares e Martins (2010), que verificaram uma diferença significativa de gênero apenas na ansiedade- estado, quanto ao nível de ansieda-de traço-estado (t = 2,12; p= 0,036 estado; t = 4,10; p = 0,000 traço).

Portanto, este estudo mostra a importân-cia de se desenvolverem mais estudos na área que verifiquem o a questão da ansiedade entre o grupo sexo, para se entender por que só a ansiedade-estado apresentou significância no grupo sexo.

A partir dos dados do presente estudo, pode-se concluir que alunos que apresentaram sintomatologia de ansiedade demonstraram que não usam suficientemente as estratégias de aprendizagem.

Segundo Costa e Boruchovitch (2004 apud KIRKLAND; HOLLANDSWORTH, 1980), ao usa-rem as estratégias de aprendizagem, a represen-tação cognitiva e as demandas da tarefa são or-ganizadas de tal forma que acabam por reduzir a capacidade exigida pelo conteúdo a ser apren-dido. Em contrapartida, alunos com bons hábi-tos de estudo e que sabem utilizar estratégias de aprendizagem de modo eficiente ao se prepa-rar para as atividades cotidianas e avaliações se beneficiarão delas como técnicas para ajudar a

prevenir e a reduzir a ansiedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados verificados ao longo desta

pesquisa demonstram claramente que é sobre-maneira importante conhecer e aplicar as es-tratégias de aprendizagem para prevenir e mini-mizar a ansiedade em estudantes. Embora esta pesquisa tenha sido realizada com alunos do en-sino médio, o uso dessas estratégias beneficiará alunos de todas as séries.

Estudantes com estratégias ou hábitos de estudo deficientes para a realização de testes precisam de uma intervenção que associe as es-tratégias de aprendizagem a tratamentos para

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reduzir a ansiedade. Estudos feitos por Borucho-vitvh (1999) revelam que o uso de estratégias de aprendizagem auxilia o desempenho de alunos com alta ansiedade. Ao usar as estratégias, a re-presentação cognitiva e as demandas da tarefa são organizadas de tal forma que acabam por re-duzir a capacidade exigida por tais materiais de aprendizagem. Verifica-se, ainda, na literatura e em pesquisas realizadas por Kirkland e Hollands-worth, (1980) que alunos com bons hábitos de estudo e que sabem utilizar estratégias de forma eficiente se preparam bem mais para as provas e se beneficiam de técnicas que reduzem a an-siedade, e aqueles cujas estratégias ou hábitos de estudo são deficientes para fazer testes pre-cisam de uma intervenção que associe o treina-mento em estratégias e tratamentos para reduzir a ansiedade.

No que se concerne ao sexo da amostra, foi verificada uma diferença significativa, por-quanto o sexo feminino apresentou uma média de pontos maior do que os participantes do sexo masculino na ansiedade-estado, enquanto que, na ansiedade-traço, os meninos apresentaram uma média maior. Observa-se que as mulheres

são, em geral, mais ansiosas do que os homens e que o fato de estarem ainda a longo caminho do resultado final do vestibular ou de processos seletivos como o atual ENEM, possivelmente, tor-nam-na ainda mais ansiosas.

Segundo Soares e Martins (2010), a ansie-dade afeta cada indivíduo de forma diferenciada por estar relacionada a diferentes fatores biofisio-lógico, sociais e psicológicos. Homens e mulheres não só diferem em características biológicas, mas também na variedade de papéis que desempe-nham socialmente, portanto a interação entre os papéis sociais e os eventos vitais negativos podem produzir resultados diferentes nas respostas.

Os resultados desta pesquisa demonstram que fatores emocionais como a ansiedade acar-retam o mau uso das estratégias de aprendiza-gem e estimulam o aluno a ter um bom rendi-mento escolar. Assim, é imprescindível que os profissionais da educação conheçam mais as es-tratégias de aprendizagem e estimulem o aluno a empregá-las, com o objetivo de compreender e adquirir novas informações, consequentemente, a ansiedade derivada do fato de não se conseguir aprender será minimizada.

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José Ramos Barbosa da Silva (*)

A fotografia e o desenho em jornais e cartilhas para camponeses analfabetos

(*) Professor do Departamento de Metodologia da Educação, CE/UFPB. Doutor em Educação. E-mail: [email protected]

RESUMO

Julgava ser fácil escrever para uma população que mal sabia ler ou era analfabeta, mas que valorizava o meio impresso. A experiência desenvolvida no Programa de Aplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (PATAC), no início dos anos de 1990, demonstrou-me o quanto eu estava enganado. Escrever para analfabetos pedia outros artifícios que iam além do uso da palavra escrita. Precisei me valer da fotografia e do desenho como parte da linguagem e escrever de modo apropriado à compreensão do homem do campo.

Palavras-chave: Comunicação. Educação. Educação popular.

ABSTRACT

I thought it would be easy to write for a public who was either illiterate or read with difficulty, but who gave great value to the printed word. The experience developed by the Programme for the Application of Appropriate Technology in Communities (PA-TAC), at the beginning of the 1990s, proved how wrong I was. Writing for the illiterate demands other skills that go beyond the use of the written word. I had to make use of photography and drawing as part of the language employed and to write in such a way that the peasant understood.

Key words: Communication. Education. Popular education.

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Entre os anos de 1991 e 1993, assumi a responsabilidade de produzir jornais e cartilhas sobre técnicas úteis ao cultivo de lavouras, à pre-servação de solos, à criação de animais, ao ar-mazenamento e ao uso da água, aos cuidados com a saúde, entre outros assuntos que interes-savam aos camponeses da zona rural do agreste paraibano, como atividade do Programa de Apli-cação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (PATAC) – organização não governamental que se incumbe de desenvolver pesquisas e técnicas que possam ajudar os pequenos produtores ru-rais a melhorarem suas condições de vida, nos arredores da cidade de Campina Grande.

A população para a qual os meios impres-sos se destinavam vivia no interior da Paraíba, lo-calizada no mapa como zona rural semiárida do Estado e mal sabia ler ou, até, era considerada analfabeta. Eu, formado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba, sabia que escrever para a zona rural e para pessoas não exercitadas na habilidade da leitura de impres-sos exigia de mim uma competência nunca dis-cutida nem exercitada durante minha formação universitária. De modo geral, as universidades de Comunicação Social são urbanas e pensam na comunicação social como um produto também urbano, mesmo que em seus currículos constem disciplinas relacionadas a comunicações alterna-tivas, comunitárias ou populares.

Aprende-se, durante o Curso de Comuni-cação Social, que, no Jornalismo, devemos ser imparciais e, de modo exato, informar o que aconteceu: quando, onde, por que e em que circunstâncias. Mesmo no Jornalismo opinativo ou partidarizado, esses cinco passos devem ser seguidos, porquanto, sem eles, a informação de qualquer fato se revelará incompleta.

No Brasil, durante os anos de 1970 e início dos anos de 1980, vivia-se a influência da abor-dagem tecnicista de ensino. Sob esse vestígio, o Curso de Comunicação Social era resumido a procedimentos técnicos. Mesmo assim, nesse mesmo período, professores do porte de Jomard Muniz de Britto, Albino Rubin e Luís Custódio da Silva, entre outros, levavam os alunos do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraí-ba a perceberem que as discussões mecanicistas

Meios impressos para analfabetos

do processo e dos veículos de comunicação es-tavam definitivamente superadas, visto que, por trás de cada informação veiculada através dos meios de comunicação, há sempre uma ideolo-gia camuflada.

Durante o Curso, ampliando nossa com-preensão sobre o lugar do comunicador, os es-tudos de José Marques de Melo (1979; 1980) ilustravam que a comunicação, como produção de artefatos simbólicos, é um direito de todos, como saber e transmitir, ouvir e falar, conhecer e reproduzir. No entanto, a trajetória humana incumbiu-se de restringir tal direito, tornando-o privilégio de poucos. Nas sociedades de classe, a comunicação “assumiu a feição de privilégio da-queles que, atuando como depositários do saber coletivo, das experiências acumuladas, do sim-bolismo agregador da vida social, tornaram-se trabalhadores cerebrais, converteram-se em inte-lectuais” (MELO, 1985, p. 12). Sintonizado com o tempo presente, os intelectuais da comunicação não agem sozinhos, atuam em consonância com grupos políticos articulados, muitos a serviço de grupos financeiramente fortes, outros atendendo a grupos de oposição, e alguns em função de gru-pos populares organizados, todos atuando de-marcados pelas contradições que caracterizam as sociedades subdivididas em classes sociais e em grupos culturais antagônicos e diversos.

O jornalista ou o profissional da comunica-ção social atua vinculado a grupos sociais que já são culturalmente dominantes ou que dese-jam esse status; age como um dos intelectuais orgânicos a serviço de grupos de poder, como espírito que contribui para a organização de uma cultura. Sobre a homogeneidade desses grupos sociais, Gramsci alerta:

Cada grupo social, nascendo no terreno originá-rio de uma função essencial no mundo da produ-ção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e cons-ciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc. (GRAMSCI, 1988, p. 3-4).

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A organização da cultura dos grupos sociais não é homogênea, ela é perpassada por contra-dições típicas de uma sociedade que se encon-tra sempre em mudanças, algumas sutis, outras percebidas à luz do dia. E a comunicação social é um dos instrumentos utilizados como reforço e organização dos paradoxos dessa cultura.

O desenvolvimento da comunicação social, em suas múltiplas manifestações, segundo Regi-na Festa (1986), está ligado ao desenvolvimento do capitalismo, sem esconder os conflitos e as contradições entre os interesses de classe.

Aqui, o desenvolvimento da comunicação de massa se deu na mesma dimensão da inter-nacionalização do capital; o da comunicação alternativa, de acordo com a capacidade de articulação das forças de oposição em torno de projetos históricos de caráter nacional; e o de comunicação popular, segundo a capaci-dade de organização dos movimentos sociais de base. Cada um desses processos tem sua especificidade e todos apresentam conflitos e contradições internas. De um lado, estão su-jeitas às mediações culturais entre classes so-ciais e de outro, a cumprirem um papel social que os transformam em instrumentos ativos ou passivos de interesses dessas mesmas classes

sociais. (FESTA, 1986, p. 10-11)

No tempo em que cursei Comunicação So-cial, de 1979 a 1982, vivíamos o tempo do regi-me político da Ditadura Militar, quando a liberda-de de pensar estava vetada ao homem comum. Vi-me expressado na canção O silêncio é de ouro, de Sá e Guarabyra (1978):

Falam nas minhas costas coisas que eu não vou saberEscondem dos meus olhos livros que eu não posso lerQuanto segredo ao pé do ouvido o vento leva pelo ar?Pássaro ferido que não pode mais voarCartas, cartões, postais, recados vem de longe para me dizer que hoje em dia o silêncio é de ouro.

Mesmo marcada pelos tempos da Ditadura Militar, havia preservada uma liberdade de pen-samento no Curso de Comunicação Social da UFPB. Como expressão disso, na disciplina Co-municação Comunitária, como parte da discus-são sobre os caminhos para uma atuação efetiva

de comunicação voltada para as comunidades populares, passamos a estudar as contribuições de Carlos Alberto Torres Novoa (1979), que ex-plicava a práxis educativa de Paulo Freire, o pe-dagogo socialista. Aprendemos que a pedagogia de Freire tem profundas raízes culturais, ato que conjuga a dimensão gnosiológica com a dimen-são epistemológica, visando inserir sujeitos na transformação de sua realidade social a partir de uma consciência histórica, adquirida pela inser-ção refletida nos turbulentos processos sociais.

A pedagogia freireana tomava o diálogo como principal arma didática para a comunica-ção entre sujeitos iguais, rompendo a hierarquia entre professor-aluno ou entre dirigente e dirigi-do. Essa ferramenta didática cobrava preparos de ordem pedagógica ao comunicador, que de-veria atuar cruzando educação e comunicação e comunicação e educação, numa linha de tra-balho anunciada por Kunsch (1986). Comunica-ção e educação utilizadas para a conquista de aprendizagens de desvelo do mundo, úteis à co-munidade e ao comunicador, numa linha política defendida por Paulo Freire:

E um dos problemas que devemos enfrentar hoje é como nos comunicar com as grandes maiorias que agora se encontram divididas em minorias e que não se percebem a si mesmas como maiorias. Há que se reinventar os cami-nhos da comunicação, de intercomunicação. Coincidindo com Habermas, não tenho dúvida de que a questão da comunicação é essencial nesse fim de século. E não é possível pensar o tema da comunicação sem enfrentar, por exemplo, a inteligibilidade do mundo. É jus-tamente a possibilidade de interligar o mundo que permite comunicá-lo. Para nós, como edu-cadores, a questão é enfrentar como trabalhar a comunicabilidade, como transformá-la em comunicação. Tarefa eminentemente política. Sou otimista. Repito o que para mim é uma certeza: mudar é difícil, mas é possível. (FREI-

RE, 2008, p. 48-49).

Naquele período, em debates teóricos de sala de aula do Curso de Comunicação Social, José Marques de Melo era sempre lembrado. Ele concebia que, enquanto as técnicas de comuni-cação propiciam a difusão de conhecimentos e de informações, permitem reestruturar essas mesmas informações, alteram o sentido político da informação inicial, possibilitam uma dicoto-

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mia de fins e potencializam a informação como um instrumento manipulável, com fins políticos. Aprendíamos, em suma, que a política permeia o universo da comunicação social, numa lógica que interfere na consciência ou autoconsciência das massas humanas. Pelo trabalho de reunir e orga-nizar informações e difundi-las, o jornalista con-tribui para a formulação intelectual de determina-dos grupos sociais, tornando-se parte intelectual de uma sociedade, articulado aos seus dirigentes.

Ao pensar sobre o lugar dos intelectuais na organização de determinada cultura, Gramsci informa:

(...) uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “por si”, sem orga-nizar-se (em sentido lato); e não existe organi-zação sem intelectuais, isto é, sem organizado-res e dirigentes, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamen-te em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração conceitual e filosófica. (GAMSCI,

1987, p.21)

Apesar de toda a ciência em torno da pre-sença da política nas decisões da comunicação social e da consciência de que o jornalista atua a serviço de grupos sociais predominantemente dominantes, quando me vi diante do desafio de produzir materiais de comunicação escritos para serem consumidos por pessoas do campo que se diziam analfabetos, toda a minha formação universitária parecia polida demais, própria para um universo urbano, sem ligações com o mundo rural. Como escrever para analfabetos? Que pa-lavras ou o que conseguiriam causar efeito?

O segredo da comunicação audiovisual para meios populares

No Brasil, as discussões sobre a imprensa comunitária, que asseguravam que ela só pode ser assim se for produzida pela e para a comu-nidade, conceito reforçado por Melo (1979, p. 50), não foram suficientes para me capacitar a ser um comunicador comunitário. Fiquei neces-sitado, ainda, de saber mais sobre como proce-der profissionalmente para produzir uma escrita para quem não lia ainda o alfabeto, porque, pelas aprendizagens adquiridas no Curso de Comuni-cação Social, eu não tinha ainda assimilado o modo de escrever com sucesso para um público

pouco achegado a impressos sobre uma realida-de agrícola que eu conhecia muito pouco.

Na época, em 1991, quando fui trabalhar no PATAC, eu dispunha da contribuição de um agrônomo e de uma veterinária que acompanha-vam grupos de camponeses e exercitavam com eles técnicas para a criação de animais saudá-veis e produtivos, associada a uma agricultura eficiente, sem o uso de agrotóxicos nem o de se-mentes transgênicas. Com esse trabalho, busca-va-se uma agricultura familiar autossustentável e adaptada às condições do semiárido do nordeste brasileiro, própria para os pequenos produtores da região.

No PATAC, meu trabalho era de entender cada passo das ações agrícolas que estavam em processo e difundi-las entre os moradores da re-gião, para convencê-los de que era possível er-guer uma vida melhor no lugar em que viviam. Presumia-se que a difusão de ações que deram certo na agricultura e na criação de animais mo-tivaria outros agricultores a seguirem as ações testadas. A propagação de tais informações de-veria ser feita através de cartilhas e de jornais impressos, como reforço para a disseminação que, normalmente, ocorre por meio dos comen-tários que surgem na região. Mas escrever com clareza para quem pouco sabe ler não é trabalho fácil, e o Curso de Jornalismo não havia me pre-parado para tal destreza.

Por sorte, antes de ir trabalhar no PATAC, entre os anos de 1982 e 1987, atuei como comu-nicador social do Serviço de Educação Popular (SEDUP), com sede na cidade de Guarabira (PB), onde me deparei com desafios semelhantes aos que me foram postos no PATAC, porém relaciona-dos à produção de audiovisuais para campone-ses envolvidos com a reorganização do sindicato, agora sob a ótica do “novo sindicalismo”. Para a contextualização dos desafios da época, vale rememorar aquele tempo:

[...] as questões burocráticas ocupavam quase todo o tempo das novas diretorias. Dívidas e di-reitos trabalhistas não pagos pela velha direto-ria a ex-funcionários do sindicato vieram à tona. E o projeto de tornar o sindicato expressão dos desejos dos trabalhadores foi torpedeado. O SEDUP, interessado na implantação do “novo sindicalismo”, não poupou esforços em tentar sanar suas dificuldades. Planejou cursos de capacitação para as novas diretorias, discutiu

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finanças, técnicas de arquivo para documentos, o modo de motivar as pessoas a participarem das assembléias sindicais de cada mês e auxi-liou na realização de campanhas para arreca-dação de fundos: bingos, rifas e até festinhas. (SILVA, 1992, p.184-185)

Para me aperfeiçoar na produção de mate-riais audiovisuais para meios populares, decidi conhecer entidades que, naquele momento, vi-viam em função da educação popular. Inicial-mente, em fins do ano de 1983, encontrei, no sul da Bahia, o projeto Audiovisual de Teixeira de Freitas, coordenado por Alfredo Alves e, em 1984, já no Rio de Janeiro, o Centro de Treina-mento Audiovisual do CETA-IBASE, coordenado por Cleyde Afonso, Gilda Viera e Maria Nakano. Junto com essas duas entidades, aprendi alguns cuidados que devemos ter para produzir mate-riais de comunicação para o meio popular.

Alguns desses zelos estão relatados num pequeno livro publicado pela Editora Vozes, em parceria com o Instituto Brasileiro de Análises So-ciais e Econômicas (IBASE), no qual podemos ler:

Um audiovisual não é uma ilustração de um discurso. É uma linguagem resultante do entro-samento, da mixagem, de dois elementos fun-damentais: a imagem e o som (palavra, música e/ou ruído).Considerando que o audiovisual é uma sequên-cia de imagens com uma trilha sonora sincroni-zada, devemos tratar três aspectos fundamen-tais: o roteiro, a imagem e o som. Quanto maior for o casamento entre esses elementos, melhor será o resultado final do audiovisual a ser pro-duzido. (ALVES; AFONSO; VIEIRA; NAKANO, 1987, p. 11).

Aprendi que, antes de qualquer iniciativa

para produzir algum audiovisual, é necessário definir os objetivos. Eles irão indicar o tema cen-tral do produto a ser feito. Como segundo passo, é importante se analisar o público para quem a obra se destina: idade, formação cultural, experi-ência profissional etc. Nesse momento, pode-se definir o estilo de linguagem que se coadune com a mensagem: informativo, didático, dramático, cômico etc. De posse disso, é hora de se partir para estudar o assunto, identificar imagens, pes-soas a serem entrevistadas e os recursos dispo-níveis; ajustar o roteiro pré-estabelecido e, final-mente, produzir a obra.

Esses cuidados técnicos de fundamental importância ainda não garantem uma comunica-ção entre os interesses da comunidade e a ação do comunicador. Para se trabalhar com grupos populares, é preciso ter olhos para olhar e ver, como sujeito experimentador. Não basta dirigir a vista para, é preciso enxergar os acontecimen-tos significativos para a comunidade e senti-los como ato de troca, de comunicação, como co-mum/ação, como se a missão da comunidade fosse missão do comunicador, como um namoro apimentado, um casamento.

No trabalho de comunicação comunitá-ria, não basta garantir a sabedoria do comuni-cador. Ele será apenas um colaborador para a proposição coletiva de um grupo maior. Como profissional atento da área de comunicação, deve ouvir bem mais do que dizer. Essa escuta atenta, auxiliada pelo conhecimento gramatical das produções audiovisuais, garantirá a produ-ção de materiais sonoros, visuais e audiovisuais de comunicação que alcancem boa aceitação no meio popular. Deve-se prestar atenção às pala-vras escolhidas, à composição e à organização das imagens e à seleção da trilha sonora. Tudo isso contribuirá para a obtenção dos propósitos para os quais o material foi elaborado.

Uma pontuação demarcada pelo espaçamento

Essas aprendizagens, interligadas à produ-ção de materiais de comunicação audiovisuais, serviram-me para compreender os desafios pre-sentes no trabalho de comunicação para grupos populares, mas ainda não eram suficientes para o desafio que me aguardava para a escrita de jor-nais para camponeses pouco habilitados na arte de ler. Por isso, mais uma vez, recorri à observân-cia do trabalho de quem havia tido a experiência de escrever para meios populares, com atenção ao que diziam e a como procediam na forma di-dática, estética e gramatical.

Serviu-me de inspiração o trabalho de Maria Valéria Rezende que, durante o final da década de 1970, escreveu a História da Classe Operá-ria no Brasil, a serviço da Ação Católica Operá-ria (ACO). Ela contou, numa linguagem simples e engenhosa, os conflitos entre classes sociais e as lutas econômicas e armadas travadas ao

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longo de décadas por grupos econômicos que se digladiavam entre si. De modo peculiar, simpli-ficou os conceitos desenvolvidos por Karl Marx sobre a luta de classes sociais e sobre economia. Um trabalho escrito para leitores que não eram iniciados nos estudos da Sociologia nem nos da Economia, que liam apenas correntemente e não corretamente, não faziam distinção das funções gramaticais, do ponto, da vírgula, do ponto e vír-gula, da reticência ou do parágrafo etc. Em sua habilidade pedagógica, achou um jeito de criar espaços visuais nos lugares onde caberia uma vírgula, de mudar de linha quando foi preciso empregar um ponto. A pontuação gramatical tornou-se elemento visual, obrigando a quem lia sem observar tais sinais a fazê-los. Sobre isso, vale conferir este exemplo:

1 – A HISTÓRIA DA CLASSE OPERÁRIA NO BRASIL

Queremos conhecera história da classe operáriano Brasil.

Queremos saber como nasceu,por que nasceu,como cresceu, como foi enfrentando as dificuldades,como foi criando novas maneirasde lutar por seus direitos.Para isso, fomos procurar informaçõesdesde o início da história do Brasil.

A primeira coisa que descobrimos foi que a história que está contada nos livros que a gente estuda na escola,não diz toda a verdade.Muitas vezes os livros de escola escondem coisas importantes,e contam a história conforme a opinião dos portugueses,dos brancos, dos ricos, dos poderosos,desvalorizando as coisas, o trabalho e as lutas dos índios, dos negros escravos, dos pobres, dos explorados, dos camponeses, dos operários, enfim, do povo brasileiro.

Procurando traços da Classe Operária na história do Brasil,descobrimos de 1500 até 1850,durante 350 anos, quase não havia ainda operários no Brasil,

não havia uma classe operária.

Trabalhadores sempre houve, sim,Mas não formavam uma classe operária.

(ACO, 1985, p. 3).

A explicação para essa forma de pontuar um texto deve-se à constatação de que os alfabetiza-dos que não costumam ler não respeitam a fun-ção gramatical do ponto, da vírgula, do ponto e vírgula etc. e fazem interrupções a cada vez que termina uma linha escrita. Além dessa aprendi-zagem, fui observando outras funções do registro impresso de informações, agora não mais com le-tras do alfabeto, mas com desenhos significativos para quem o fez ou para quem o visualiza ou usa.

O lugar do desenho na educação popular

Sobre a utilização dos desenhos em ativida-des da educação popular, vale retomar os encon-tros do Movimento de Mulheres Trabalhadoras (MMT) do Brejo paraibano, realizados entre os anos de 1983 e 1987, nos quais algumas mulhe-res que não sabiam ler nem escrever, de posse de lápis e de tinta colorida e de folhas grandes de papel, desenhavam acontecimentos do seu dia a dia e, a partir desses desenhos, participavam da condução da discussão política do Movimento. As mulheres do MMT

acusavam a dupla jornada de trabalho, onde, além das atividades econômicas, a mulher tem a incumbência de cuidar da casa, como uma forma de exploração a elas, e discutiam formas que motivassem seus maridos a participarem na execução das tarefas domésticas.Com o tempo, novos assuntos passaram a in-tegrar as pautas de suas reuniões. Falava-se do corpo da mulher, conversava-se sobre saúde, remédios caseiros e culinária, inclusive estu-dos sobre calorias, vitaminas e proteínas do alimento. Discutia-se o desenvolvimento de ati-vidades produtivas, como artesanato, criação de animais e cultivo de hortaliças. E tratavam de questões relacionadas ao direito de engaja-mento da mulher no movimento sindical. (SIL-

VA, 1992, p. 171)

O uso do desenho nas reuniões do MMT per-mitia a participação de todas as mulheres, que

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falavam sobre si mesmas e sobre as questões expressas pelo desenho, independentemente de serem alfabetizadas ou não, dando a esse instru-mento didático importante papel para as discus-sões temáticas do movimento. Talvez tenha sido a percepção do valor pedagógico do desenho que convenceu Paulo Freire a utilizar, na década de 1960, desenhos em suas aulas de alfabetização para gerar uma conversa acerca da palavra a ser lida e escrita, fazendo dessa conversa a parte po-lítica do seu método de alfabetização. Pode-se dizer que os desenhos garantiram o sucesso da participação das pessoas em torno das palavras geradoras escolhidas para a alfabetização geren-ciada por Paulo Freire. Parte dos desenhos utili-zados nos círculos de cultura de Paulo Freire está reproduzida no livro ‘Educação como Prática da Liberdade’ (FREIRE, 1987).

Ainda no SEDUP, numa prestação de serviço aos sindicatos de trabalhadores rurais do Brejo paraibano, fui incumbido de produzir cartilhas sobre os direitos trabalhistas assegurados por lei aos trabalhadores. Nessa época, eu já havia aprendido sobre a importância da imagem para estimular a participação das pessoas numa dis-cussão determinada. Por isso, nas cartilhas pre-paradas para os trabalhadores rurais, ao lado de cada texto escrito, havia também um dese-nho representativo sobre os direitos assegurados pela CLT. Um conjunto de cartazes acompanhava essas cartilhas, com desenhos similares amplia-dos, que eram utilizados nas reuniões mensais do sindicato e também nas reuniões realizadas esporadicamente nos sítios, com o objetivo de explicar os direitos concedidos por lei aos traba-lhadores rurais.

As experiências da produção de materiais de comunicação do SEDUP deixavam evidências de que há diferenças pedagógicas entre o uso da fotografia e o uso do desenho. Ficou demonstra-do que a fotografia é um documento, e o desenho é a representação de uma dada situação. A foto-grafia congela o fato ao seu dado instante, numa situação única. O que fica manifestado na foto-grafia passa a ser a verdade, mesmo que haja muitas outras situações desse mesmo momento não fotografadas. No entanto, por ser recorte de algum fato, ela necessita de textos que a enqua-drem. É o texto que vai dar a dimensão exata daquele recorte visual. Uma fotografia pode complementar a outra ou desmerecê-la. Tudo vai

depender da edição feita. Por outro lado, o de-senho funciona como síntese de um fenômeno qualquer. Sozinho, pode representar situações muito variadas de uma dada realidade. Em prin-cípio, não serve como documento, mas pode ser utilizado para conduzir conversas sobre qualquer tema. Por permitir interpretações livres sobre o assunto em pauta, mostra-se um instrumento didático democrático, capaz de enriquecer qual-quer situação em estudo.

Não se pode esperar da fotografia o mes-mo efeito didático oferecido por um desenho e vice-versa, de modo que se pode deduzir que cada recurso visual tem, no trabalho educativo, uma característica própria, com possibilidades e com limites. Comparando-se o efeito do traba-lho pedagógico obtido pela reunião programada de materiais de comunicação com a condução de uma melodia por uma orquestra sinfônica, pode-se arriscar que cada instrumento musical assume o seu próprio lugar, com características de som próprio, de efeito único. E a depender do ajuste melódico e da arregimentação da orques-tra por cada maestro, o som de um instrumento pode ser combinado com outros, produzir novos efeitos auditivos e emocionais e transformar uma velha canção em uma nova, tendo em vista os objetivos previamente desejados.

Um jornal para quem confessa não saber ler

As considerações feitas aqui, relativas às di-ligências para a produção de materiais de comu-nicação social direcionada a grupos populares, levaram-me, no PATAC, a ter dois cuidados prin-cipais: primeiro, conhecer o grupo que me con-tratou para o serviço como comunicador social e o público para quem se destina o trabalho de comunicação a ser feito, observando os objetivos e as expectativas de ambos os lados. Segundo, em função desses objetivos, submeter todo o co-nhecimento técnico acerca da gramática própria pertinente a cada instrumento de comunicação para o uso adequado de textos, de fotografias e de desenhos, numa combinação que alcance os efeitos pretendidos com o uso da comunicação em atividades da educação.

Na época, o PATAC me foi apresentado como instituição legalmente constituída como asso-

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ciação autônoma sem fins lucrativos, que atua visando à sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica da ação de desenvolvimen-to da agricultura familiar e de convivência com o semiárido. Nele, eu tinha a incumbência de produzir materiais impressos para camponeses pouco experimentados em atividades da leitura. Por isso, vali-me dos estudos e das experiências anteriores relacionadas ao uso da comunicação em atividades da educação popular.

Com base nos enunciados de Melo (1979, p. 50), sob a ideia de que “uma imprensa só pode ser considerada comunitária quando se estrutura e funciona como meio de comunicação autêntico de uma comunidade, o que significa dizer pro-duzido pela e para a comunidade”, deduzi que o trabalho de comunicação do PATAC não se pro-punha a se configurar como imprensa comuni-tária, mas a utilizar materiais impressos como suporte para atividades da educação popular, re-alizada sob uma ótica dialógica, tal qual prega o educador Paulo Freire, em que o intelectual não é negado, tampouco os saberes populares.

Por essa lógica, a comunicação se coloca a serviço do trabalho educativo, na condição de suporte, atenta e submetida aos propósitos educativos. Seguindo essa consciência, cabe ao comunicador empregar todas as tecnologias dis-poníveis que auxiliem na qualidade final dos pro-dutos de comunicação.

O PATAC, instituição zelosa pelo que faz, ao experimentar com os agricultores inovações técnicas que viabilizem a agricultura familiar no semiárido paraibano, fazendo da agroecologia base técnica, metodológica e científica de sua proposta de desenvolvimento rural sustentável, sentiu a necessidade de difundir tais experiên-cias com outras famílias agricultoras e o fez uti-lizando materiais impressos: cartilhas, jornais e panfletos, que eram discutidos e analisados em reuniões comunitárias, intermediadas pelo agrô-nomo ou pela veterinária do PATAC. Esses im-pressos continham textos escritos em linguagem direta e simples, acompanhada de fotografias e/ou desenhos, produzidos sob a ótica de um co-municólogo a quem se confiava o conhecimento específico da gramática de cada suporte de co-municação.

As cartilhas, os jornais e os panfletos do PATAC eram impressos em papel de boa qua-lidade. Ao serem entregues às comunidades, eram guardados com muito cuidado e lidos, repetidas vezes, mesmo nas casas de pessoas que se declaravam analfabetas, por pessoas que sabiam ler.

No jornal, “Notícias da Gente”, retratava-se a fala de algum agricultor ou agricultora sobre como experimentaram técnicas de preservação do solo, de captação e uso da água, de criação de animais, de organização comunitária, de cul-tivos agrícolas apropriados ao pequeno produtor rural da caatinga etc. Esses depoimentos eram acompanhados pela fotografia do depoente. Ao reconhecer a pessoa retratada no jornal, iden-tificada como um morador vizinho ou pessoa conhecida da comunidade, essas comunidades passavam a dar credibilidade ao jornal e a querer experimentar, em seu pedaço de terra, a suges-tão anunciada nele.

O jornal “Notícias da Gente” era compos-to de quatro laudas, de um papel dobrado que, quando aberto, media 61x44 centímetros. Um dos lados dessa folha continha as notícias escri-tas, coletadas dos próprios moradores da região que estavam experimentando cultivos agrícolas, acompanhados pelo PATAC. Em seu reverso, ocu-pando toda a sua extensão, havia um desenho que resumia todas as matérias do jornal, que funcionava como um cartaz desenhado, utilizado nas reuniões feitas pelo PATAC com as comuni-dades, em que se tratava de assuntos trazidos pelo jornal. O uso do desenho sobre as práticas exercitadas na comunidade despertava nos pre-sentes a curiosidade e o desejo de participar das conversas sobre o tema em foco.

Como parte complementar de uma discus-são, os desenhos permitem sínteses de situações maiores e são próprios para atividades de cunho educativo. Por seu aspecto visual, são lembrados com mais facilidade e ajudam para retenções mnemônicas mais duradouras. Por fim, Marga-rida Maria Krohling Kunsch (1986) tinha razão ao reconhecer que a educação e a comunicação vivem em caminhos cruzados. Foi assim no PA-TAC, antes dele e continua sendo assim em mi-nha vida de professor e de comunicador.

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69José Octávio de Arruda Mello *

Campina Grande: uma cidade do Estado Novo à Segunda Guerra Mundial (1937/1945)

RESUMO

Voltado para a Segunda Guerra Mundial e da Paraíba, ao procurar reproduzir a maneira como os campinenses acompanhavam o conflito 1937/1945. O estudo situa a transição das interventorias de Argemiro de Figueiredo e de Ruy Carneiro, na passagem de modelo agrário, clerical, coronelista e até antissemita do primeiro para a feição urbana, militar, burocrática e populista do sucessor. Do ponto de vista local, enfatizam-se, ao longo da guerra, a modernização de Campina Grande, impul-sionada pelo Prefeito Wergniaud Wanderley, e, dentro dela, uma crescente atuação de estudantes, operários e comunistas, bem como novos partidos e lideranças que preparavam o Estado para a redemocratização de 1945.

Palavras-chaves: Interventorias. Modernização campinense. Sociedade e cultura.

ABSTRACT

With a view to the World War II, as well as the Paraiba State, we have tried to reproduce the way that dwellers in Campina Grande faced the conflict dated back to 1937/1945. The present study shows the transition of the intervention between Argemiro de Figuei-redo and Ruy Carneiro. The former represented an agrarian, clerical, colonel-like political and also anti-Semitic model , whereas the latter, presented an urban, military, bureaucra-tic and populist feature. From the city dwellers’ point-of-view, throughout the war, great emphasis was given on the modernization of Campina Grande, instigated by Wergniaud Wanderley, the city mayor. In the meantime, an increasing performance of students, workers and communists, as well as new political parties and leaderships prepared the state for the 1945 re-democratization.

Keywords: Interventions. Modernization Campina Grande dwellers. Society and culture.

(*) Historiador paraibano, professor aposentado da UFPB. Integrante dos Institutos Históricos e Geográficos Brasileiro e Paraibano, autor de “História da Paraíba – Lutas e Resistência (11ª ed., 2008, e “Sociedade e Poder Político no Nordeste – O Caso da Paraíba - 1945/1964”, 2001.

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1.INTRODUÇÃO

Não foi pequena a participação de Campina Grande na História da Paraíba do período 1937/45. Inicialmente, a Interventoria Federal foi ocupada por um seu representante, enquanto o grupo algo-doeiro campinense encontrava-se no poder. Essa foi a interpretação dos que se ocuparam da cono-tação social do Secretário do Interior, Governador e, enfim, Interventor Argemiro de Figueiredo.

A força do algodão comercializado por Campina Grande era tão grande que, em março de 1937, o Secretário do Ministério de Política Exterior da Alemanha esteve na Paraíba para se entender com o Governo que tinha nesse produto a base econômica de projeto autoritário-moder-nizador. Datavam, daí, simpatias com o totalita-rismo não escondidas por representantes do alto comércio de Campina Grande nem pelas autori-dades governamentais. Expressando os primei-ros, o comerciante João Vasconcelos exaltou a Alemanha de Hitler tanto em artigos de “A União” quanto através do livro “Viagem à Europa”.

O mesmo pensamento emergiu do Governo por ocasião da inauguração do novo edifício do Liceu Paraibano em 1939. Os oradores, com o Interventor à frente, teceram loas à Portugal sa-lazarista, à Espanha franquista e à Itália musso-linista.

1.1. Corporativismo e Igreja no argemirismo

O corporativismo, de que o Governador/Interventor Argemiro de Figueiredo se fazia partidário desde sua participação na coletânea “Problemas e necessidades da Paraíba” (1931), sintonizava com a Igreja à qual coube controlar a educação paraibana de 1935 a 40. Essa é a razão por que, em face dos primeiros aconteci-mentos da Segunda Guerra Mundial, o pensa-mento do jornal governista, “A União”, coincidia com o diário católico “A Imprensa”.

De acordo com a ótica autoritário-clerical-corporativa, o conflito europeu não proviera da agressividade do eixo e da fraqueza das demo-cracias ocidentais na Espanha e na Tchecolosvá-quia, mas do maquiavelismo russo, que partilhara a Polônia com Hitler e se lançara à luta contra a Finlândia. Por essa compreensão, o derrotista francês Pétain era louvado por haver poupado Pa-

ris do canhoneio alemão. As autoridades paraiba-nas não lamentaram a queda da França em junho de 1940. No dia 14 de julho que seguiu, a data nacional francesa foi apenas evocada por um gru-po de estudantes de João Pessoa. Desses, um era ligadíssimo a Campina Grande – Félix Araújo!

1.2. Campina e o cotidiano da guerra

Em Campina Grande, a Segunda Grande Guerra era, inicialmente, acompanhada pelas emissoras BBC de Londres, A Voz da América, dos Estados Unidos e a Rádio Berlim, da Alema-nha. Seus noticiários, propagados por alto-falan-tes localizados no centro da cidade, fomentavam discussões nas praças, nas igrejas e nos estabe-lecimentos de ensino.

Entre as praças, distinguia-se a Clementino Procópio, onde se localizava o footing da cidade, com extensão à Confeitaria Petrópolis, de Boulan-ger Uchoa. No testemunho de Luiz Pontes, “com o início da guerra, aumentou mais o movimento (...), pois uma pequena multidão sempre se juntava, à noite, em frente à loja de Pedro César, que era qua-se vizinha do bar (...)”. Nas igrejas, por ocasião da missa dominical da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, formavam-se grupos para discutir so-bre os acontecimentos. Não era raro, nas homilias, os padres se referirem aos eventos militares.

Entre os estabelecimentos de ensino, a pri-mazia pertencia ao Colégio Alfredo Dantas, se-diado no prédio velho de sua atual localização.

A guerra estimulou o interesse pelos cine-mas, cujos nomes eram Fox, Capitólio, São José e Cine Teatro Apolo. Este último também com-portava representações teatrais. Nos terrenos baldios dos bairros e até do centro, acampavam circos. Socialmente, Campina gravitava em tor-no da feira, localizada na Rua Maciel Pinheiro e adjacências. Ao modo do medievalismo, ela se repartia por gêneros, como de frutas, rapadu-ra, milho, verduras e feijão. Vizinho ao cinema Apolo, ficava o Mercado Público, cuja desativa-ção pela Prefeitura transferiu a feira campinense para onde presentemente se encontra.

Graças ao trem, a cidade inteirava-se da guerra por meio dos jornais de Recife – “Jornal do Comércio” e “Diário de Pernambuco” – e de João Pessoa – “A União” e “A Imprensa”. Em nível local, circulavam “A Batalha” e “O Rebate”, este

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de Pedro Aragão e Luiz Gil. Alguns desses perió-dicos eram encontrados nos salões de leitura, um dos quais era mantido pela Maçonaria. Os mais concorridos sediavam-se no Paço Municipal, do-tado de biblioteca pública e onde se verificavam sessões do júri popular. Alguns Grêmios Recreati-vos exibiam coleções de livros. Outros lugares de discussão da guerra eram farmácias e cabarés. Entre as primeiras, distinguiam-se a Confiança, de Luiz Juvêncio, São José, de Júlio Honório, e as de nome Azevedo e Osvaldo Cruz. O cabaré mais famoso da história de Campina – o Eldora-do – era frequentado pela elite da oligarquia al-godoeiro-pecuária. Os clientes de extração social mais modesta contentavam-se com as pensões, cujos nomes eram Moderna, de Zefa Triburtino e de Maria Paulino. O principal hospital da época era o Pedro I. A churrascaria mais concorrida, a de Carminha Vilar.

Entre os clubes sociais, pontificavam o Campinense Clube, o Ypiranga, na José Tavares, o Paulistano Sport Clube, na Rua Major Belmiro, e Éden Clube, na Maciel Pinheiro. Fundado em 1925, o Treze Futebol Clube dedicava-se apenas ao futebol, cujas disputas se verificavam no anti-go campo do Paulistano onde, anos depois, seria instalada a SANBRA.

A partir de 1943, Campina começou a acu-sar carência de mão de obra, em razão da in-tensificação de convocações militares. Algumas repartições, como os Correios e Telégrafos, res-sentiram-se do fato.

1.3. Transição das interventorias

Em julho de 1940, o Interventor Figueire-do foi substituído por Ruy Carneiro. O Prefeito campinense, Bento Figueiredo, foi afastado e substituído pelo americista Vergniaud Wander-ley. Embora a ascensão de Carneiro derivasse de campanha movida contra Argemiro, de dentro do Catete, pelo paraibano Epitácio Pessoa Caval-canti de Albuquerque (Epitacinho), filho de João Pessoa e afilhado de Getúlio, é lícito supor que Getúlio estivesse fortalecendo o aparelho de Es-tado em detrimento das velhas oligarquias.

Assim, embora pertencentes a um mesmo bloco histórico, Figueiredo e Carneiro significa-vam frações distintas daquele. Enquanto o pri-meiro representava as oligarquias agrárias, a

Igreja do Arcebispo Dom Moisés e o mundo rural, Ruy expressava a burocracia estatal, as Forças Armadas e o urbanismo de inspiração populista. Ao mesmo tempo em que o primeiro Interventor recolhia apoio dos Círculos Operários Católicos, um deles localizado em Campina Grande, Car-neiro chegou à Paraíba com auxiliares de fora e recrutados à burocracia federal.

A reorientação trazida pela Interventoria Car-neiro acentuou-se mediante a presença, em julho de 1941, do novo Secretário do Interior, Samuel Duarte, que, constitucionalista de formação anglo-americana, inclinou-se para as Nações Unidas. Como, nessa época, os comunistas campinenses, entre eles, Cláudio Agra Porto, Chico Lima e Car-los di Pace, malsinassem o antigo Interventor e louvassem o novo, despontou a ideia de união na-cional Governo-povo contra o fascismo.

Os integralistas, até então cortejados, pas-saram a ser perseguidos. Manifestações popula-res começaram a se verificar, em seguida ao ata-que japonês aos Estados Unidos, o rompimento do Brasil com o Eixo e o torpedeamento de na-vios brasileiros por submarinos ítalo-alemães na passagem de 1941 para 42.

Na Paraíba, o Governo dissolveu a nebulo-sa Sociedade Nacional Socialista dos Guerreiros Alemães, da qual o fotógrafo Gettlob Zoltman era de Campina. Nessa cidade, as autoridades, que proibiram o boato, proscreveram bombas, no São João, e máscaras, no carnaval.

1.4. Vergniaud e a modernização campinense

O progresso de Campina Grande, que se de-finira em nove de março de 1939, com a inaugu-ração dos serviços de água e esgotos, pela reali-zadora Interventoria de Argemiro de Figueiredo, não experimentou, com a Guerra Mundial, solu-ção de continuidade, ao contrário, reformulou o centro, com a demolição de velhos pardieiros, construiu praças e avenidas e aprimorou os ser-viços públicos. O Prefeito Vergniaud Wanderley pode ser considerado o modernizador da cidade.

Tais empreendimentos significaram impo-sição da guerra. Isso porque, enquanto a cidade acolhia o Quartel General de Artilharia Divisioná-ria, com grupo de obuses, batalhão de caçadores e unidade de comunicação, além de novo quartel da Polícia Estadual, impuseram-se calçamento nos

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bairros e estradas vicinais nos distritos. A Empresa de Luz foi dotada de novos motores a gás e diesel.

De 1940 a 45, Campina continuou a se be-neficiar da condição de entreposto de homens e material. No esquema das obras contra as secas, de transferência de trabalhadores para o interior e a Amazônia, cem deles chegaram a Campina Gran-de e cinquenta por aí transitaram rumo a Condado. Com isso, parte dos mil e quinhentos contos libera-dos pelo Governo Federal foi aplicada em Campina Grande, cujo comércio também se beneficiou de encomendas para as Forças Armadas. Em 1945, a indústria de confecção de sacos ampliou-se com a proibição da exportação de algodão cru pelo Gover-no Federal. Ante a penetração do capital financeiro, a cidade ganhou filiais do Banco do Povo e da Casa Bancária Magalhães Franco.

1.5. Os estudantes e a dinâmica sociocultural

A partir de 1942, a dinâmica social campi-nense viu-se acionada pelo segmento estudantil. Dois de seus líderes – Félix Araújo e Virginius da Gama e Melo – também atuavam na capital. Vin-culado ao grupo esquerdizante de Geraldo Bara-cuhy e Baldomiro Souto, Félix proferiu discurso e liderou passeata em setembro de 1943, em João Pessoa, saudando a rendição da Itália aos aliados.

Logo em seguida, a capital sediou o I Con-gresso de Estudantes, que foi liderado por Fé-lix. João Pessoa, Santa Rita, Bananeiras, Patos e Campina Grande enviaram representações, esta última chefiada pelos colegiais Josmar Toscano Dantas e Petrônio de Figueiredo.

A obtenção de material destinado ao esfor-ço de guerra, em borracha, níquel, zinco, ferro e alumínio, propiciou aos estudantes campinenses e pessoenses acentuarem ligações, mediante o deslocamento de caravanas, geralmente por via ferroviária. Entre 1943 e 44, passeatas dirigiam-se ao Palácio da Redenção, em João Pessoa, e ao Paço Municipal, em Campina Grande, para entre-gar a borracha coletada.

A conjugação do movimento estudantil com as guarnições militares acarretou a penetração de práticas esportivas como vôlei e basquete. Assim, a educação física foi introduzida nas es-colas. Em maio de 40, Campina sediou a 1ª Olim-píada Estudantil da Paraíba, com “o concurso de sextetos femininos de João Pessoa e Campina

Grande”. Como atividade esportiva diretamente ligada à guerra, desenvolveu-se o aeroclubismo. J. Pessoa, C. Grande e Patos concederam brevets a turmas de que participaram mulheres. Os bre-vetados tornaram-se pilotos de reserva da FAB. Quando da dissolução da Ação Campinense pela Defesa Nacional, seu patrimônio foi transferido para o Aeroclube local.

A partir de 1942, principiaram, também em Campina Grande, exercícios de preparação da população para a guerra. A Comissão de Abas-tecimento e Racionamento de Combustível con-citou o povo a poupar querosene e a substituir gasolina por gasogêneo. Com a realização de black-outs, as ruas campinenses ficaram ainda mais escuras. Desfiles cívicos, integrados por mi-litares, estudantes e trabalhadores, verificavam-se durante todo o ano. A parada da juventude, no dia do aniversário de Getúlio Vargas, era das mais concorridas. Militarizadas brigadas estu-dantis apareceram em cena.

1.6. Operariado e comunistas em ação

Na área sindical, a Campina Grande da guerra contava com o Centro dos Chauffeurs e dois sindicatos mobilizadores – o da Construção Civil e o dos Trabalhadores na Indústria de Calça-dos, que substituiu a Sociedade Beneficente dos Sapateiros. Proveniente de efêmera Liga Prole-tária dos Sapateiros da Paraíba, o último era o mais ativo. Era liderado pelo artesão José Peba Pereira que, no Partido Comunista, desde 1937, recebeu, em 1944, a visita do líder portuário, Os-waldo Pacheco, assistente para a direção do PCB no Nordeste.

A diretiva consistiu em se ligar à massa, “através dos elementos mais ativos do Centro Estudantil Campinense”. Desses, Félix Araújo e Roberto Chabo foram atraídos para o PCB, com Antônio Lucena, Figueiredo Agra e Ivandro Cunha Lima, na “linha auxiliar”. O movimento estudantil campinense ampliou sua força e, em 19 de abril de 1944, a Parada da Juventude culminou em passeata, encerrada com discurso do prefeito in-terino Lopes de Andrade. Com o desembarque aliado na Normandia, em 06 de junho, a massa desceu às ruas, entoando a Marselheza. O Cam-pinense Clube promoveu “A Festa das Américas”.

Grêmios Literários e Associações Estaduais

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conjugaram-se com a Liga de Defesa Nacional para repudiar o fascismo e pleitear a redemo-cratização do país. No esquema dessa última recomendação, a OAB instalou subseção em Campina Grande, acompanhada pela Sociedade de Cultura da Paraíba que aí instituiu o birô. A di-nâmica político-social campinense, todavia, não dispunha de unidade porque, enquanto várias lideranças estudantis provinham da oligarquia, a área sindical registrava presença de ativistas ligados ao Ministério do Trabalho. Era o caso de José Tombador, da Construção Civil. Nas reu-niões do Café Estrela, esse passista e goleiro do Ypiranga Clube guardava distância dos comunis-tas. Para Pereira Peba, os amigos de Tombador pertenciam à polícia.

1.7. Uma cidade e a redemocratização

A importância política de Campina Grande foi percebida pela Interventoria Federal que, orga-nizando o Partido Social Democrático, transfor-mou-a em base para incursões da Senhora Alice Carneiro, esposa do interventor e presidente da LBA, a Joffily e Batalhão, como se denominavam Pocinhos e Taperoá. Em junho, o novo Prefeito, Severino Procópio, partiu de Campina para a ex-tensão da influência pessedista ao compartimen-to da Borborema. Reagindo, a UDN ofereceu co-notação política à inauguração do busto de José Américo, na entrada da cidade, em janeiro de 45. O ministro não compareceu, mas oposicionistas como Plínio Lemos, Octávio Amorim e Raimundo Viana lideraram a manifestação, para a qual Mu-nicípios como João Pessoa, Picuí e Areia envia-ram representação.

O suicídio, nesse mesmo dia, do jovem Da-nival de Carvalho ensejou, em João Pessoa, uma manifestação em que Félix Araújo discursou com vigor. Pouco depois, Araújo partiria para a Itália de onde, na condição de voluntário da FEB, en-viou cartas, publicadas em livro por Joel Silveira e, esparsamente, por “A União”.

Atuando em prol da redemocratização, os estudantes do Centro dos Universitários Parai-banos contaram com Virginius da Gama e Melo para estendê-la a Campina Grande. Essa facção estudantil ligou-se aos bacharéis campinenses, Ascendino Moura, Aluízio Afonso Campos, Erna-ni Satyro (de Patos, mas radicado em Campina),

Argemiro de Figueiredo, Octávio Amorim e Álvaro Gaudêncio Sênior. À exceção de Amorim, consti-tuíram o núcleo da UDN, forte em Campina Gran-de, e majoritária no Estado em 1945 e 47.

Ao perceber essa hegemonia, ainda em maio de 45, o Ministro da Justiça, Agamenon Ma-galhães, procurou entregar o comando do PSD paraibano a Argemiro. Repetida em setembro, a frustrada manobra ocasionou a renúncia do Pre-feito Vergniaud Wanderley para quem, uma vez incorporado ao esquema estadonovista, Figuei-redo reivindicaria a Prefeitura de sua cidade. Em 27 de março, o interventor Ruy Carneiro nomeou Severino Procópio, revolucionário histórico de 30, para a Prefeitura de Campina Grande.

1.8. Partidos e lideranças campinenses

Devido a essa nomeação, o embrionário PSD ampliou os espaços campinenses. O prefeito Procópio, o jornalista Luiz Gil, de “O Rebate”, e o escritor Hortêncio Ribeiro procuraram controlar o movimento sindical-associativo, os distritos de Joffily e São José da Mata e bairros populares como José Pinheiro.

Das três principais lideranças paraibanas de 1945 – José Américo, Ruy Carneiro e Argemiro de Figueiredo – este último, campinense, liderava, inicialmente, uma frente da qual participavam os comunistas. Essa foi a razão por que João Santa Cruz, Carlos di Pace e Peba incorporaram-se aos udenistas Plínio Lemos e Osmar de Aquino, este último da Esquerda Democrática, em comício do Edifício Ezial, na primeira metade de abril de 1945. Juntos, reivindicaram o restabelecimento dos direitos individuais e a libertação do líder co-munista Luiz Carlos Prestes.

Ainda em abril, essa frente começou a se cindir em vista das restrições de Prestes ao anti-getulismo da UDN. Os comunistas campinenses que, através de Carlos di Pace, haviam subscri-to o manifesto da União Socialista da Paraíba, foram contemplados na instalação do Diretório Estadual do PCB, em 21 de julho de 1945, na ca-pital. O militante João Francisco de Macedo tor-nou-se delegado especial do PCB para Campina Grande. Entrementes, o PSD campinense conta-va com os jornalistas Hortêncio Ribeiro, Tancre-do de Carvalho e Luiz Gil, que correram a João Pessoa para festejar o interventor Ruy Carneiro,

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3. Importante artista austríaco, natural da cidade de Baumgarten.

quando do seu regresso do Rio de Janeiro em 18 de março de 1945.

Autointitulado “porta-voz das classes traba-lhadoras campinenses”, Gil liderou o pesar pelo falecimento do Presidente Roosevelt, dos Esta-dos Unidos, em 13 de abril, e, em seguida, com o Centro Político Severino Procópio, o regozijo pelo Dia da Vitória, em oito de maio. Enquanto oito mil pessoas vibravam nas ruas, o Campinense Clube realizava o Baile da Paz.

Outra corrente política que surgiu em Cam-pina Grande, no primeiro semestre de 1945, foi o PTB, liderado por outro Peba – o assim apelidado médico Antônio Pereira de Almeida. Candidato a deputado federal, seu líder estadual Epitacinho instalou, com a Rádio Cariri, a primeira emisso-ra campinense e procurou adquirir O Rebate, do professor Luiz Gil.

Ao se encerrar o primeiro semestre de 45, era a UDN que realizava os mais concorridos comícios e passeatas em Campina Grande. Con-

tra-atacando, o PSD reuniu, em 15 de agosto, quinze mil pessoas, também mobilizadas pelos Sindicatos da Construção Civil, dos Trabalhado-res da Indústria de Panificação, Calçados, Rodo-viários, Gráficos, Empregados do Comércio e Co-mércio Varejista. A Comissão de Funcionários da Recebedoria de Rendas e do Saneamento, a So-ciedade Beneficente dos Artistas, a Associação Comercial de Campina Grande, o Comitê Pró-ca-sa do Estudante Paraibano e o Centro Campinen-se de Cultura incorporaram-se à manifestação, que contou com a presença do interventor Ruy Carneiro. De Campina, os pessedistas desloca-ram-se para Joffily (Pocinhos), Cabaceiras, Puxi-nanã e Alagoa Nova.

Em Campina Grande, o ano de 1945 tam-bém registrou luta operária por melhores salá-rios e arregimentação de dois outros partidos – o Democrata Cristão e o de Representação Popular. Enquanto o primeiro recebia cobertura da Igreja, os antigos integralistas buscavam o segundo.

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Conceitos - N. 21, Vol. 2 (Dez. 2014) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 75

75Giovanni de Farias Seabra *

Miguel Garcia Corrales **

Ilha de Páscoa: fragilidade ambiental, dinâmica cultural e preservação patrimonial

RESUMO

A ilha de Páscoa, também conhecida como Rapa Nui, é um dos lugares mais remotos do planeta. É um íngreme penhasco que jaz isolado no meio do oceano Pacífico, onde vive a aguerrida civilização Rapa Nui, protegida pelos gigantes guardiões de pedra, os moai. Rapa Nui é uma réplica miniaturizada do planeta Terra, que, tal qual, tei-ma em fazer a vida viver, apesar de ser açoitada por catástrofes naturais e conflitos territoriais, que provocaram o colapso ambiental biodiverso e civilizatório. A ilha é povoada por centenas de moai, que, misteriosamente, caminharam até a borda cos-teira da ilha, onde permanecem até hoje, em permanente vigília, protegendo os seus descendentes rapanui.

Palavras-chaves: Ilha de Páscoa. Moai. Crise ambiental. Colapso demográfico.

ABSTRACT

Easter Island, also known as Rapa Nui, is one of the remotest places on the planet. The island is a steep cliff that lies isolated in the middle of the Pacific Ocean, where the brave civilization Rapa Nui, as well as the giant stone guardians, the Moai, live. Rapa Nui is a miniaturized replica of the planet Earth itself, that as such, insists on perpetuating life, despite being stricken by natural disasters and territorial con-flicts, thus causing bio-diverse and civilization environment collapse. Easter Island is populated by hundreds of Moai, that walked up to the coastal edge of the island, where they remain till today, in permanent watch in order to protect their Rapa Nui descendants.

Keywords: East Island. Moai. Environmental crisis. Demographic collapse.

(*) Geógrafo, Doutor em Geografia Física e Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected] (**) Ecólogo, Mestre em Paisagismo e Professor da Universidade Central do Chile. E-mail: [email protected]

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Moai na encosta do vulcão Rano Raraku. Foto: Giovanni Seabra

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1. RAPA NUI

Desde o aparecimento do homem na Terra, as mudanças ambientais são ocasionadas pela ação combinada de fatores naturais e sociais, em nível global e local. O uso dos recursos naturais, a ocupação, o domínio e a expansão territorial têm sido preocupação de todas as espécies vivas da Terra, dominantes e dominadas. Os excessos cometidos na exploração dos bens naturais, vivos e não vivos, são intermediados pelas leis da na-tureza, à qual cabe reduzir ou eliminar as forças desproporcionais atuantes, de modo a controlar e a manter o equilíbrio dos ecossistemas. Den-tre as espécies que intervêm mais intensamente para desestabilizar os sistemas naturais, os hu-manos são inigualáveis, no tocante à expansão territorial, à aniquilação de outros seres e ao uso desmedido dos recursos naturais vegetais, mine-rais e hídricos. Rastros das transformações am-bientais que provocaram extinções da vida no ar, na terra e no mar podem ser verificados nos de-pósitos geológicos sedimentares, nos sítios pa-leontológicos e nos acervos arqueológicos, tanto nos territórios continentais quanto nos insulares.

Existem diversos instrumentos, mecanis-mos e modelos para representar os estágios evo-lutivos da Terra. Técnicas e recursos cinemato-gráficos modernos permitem visualizar, através de imagens 3D, os ambientes terrestres outrora existentes e fazer projeções de cenários futuros. No entanto, compreende-se bem mais a realidade do lugar quando as experiências são vivenciadas com a utilização de objetos reais, inseridos no habitat natural e envolvidos na atmosfera socio-cultural local. Ambientes pretéritos e futuros são reproduzidos por meio de experimentos labora-toriais, através de maquetes e de réplicas exibi-das nos museus e nos parques temáticos, e com o uso de modelos representativos dos fenômenos socioambientais (CHRISTOFOLETTI, 1999). Con-tudo, a modelização ambiental implica a perda de conteúdos essenciais da realidade, razão por que é necessário, sobretudo no meio científico, usar as aproximações para a pretensa compreen-são da paisagem física global (SEABRA, 2009).

A paisagem é uma porção do espaço, re-sultado da combinação dinâmica de elemen-tos físicos, biológicos e antrópicos, que forma um conjunto único e indissociável em perpétua

evolução (BERTRAND, 1972). Por conseguinte, a paisagem é um laboratório natural formado por uma complexa rede de fenômenos físicos e humanos, tal qual se apresentam em determi-nadas condições ambientais, nem sempre pas-síveis de serem reproduzidas por experimentos controlados. Por isso, as observações de campo são imprescindíveis para a análise integrada dos elementos constituintes do meio físico global. As paisagens são distintas, em função dos proces-sos de formação e desenvolvimento peculiares e resultantes da natureza dos componentes sistê-micos e das diferentes combinações entre eles e deles com o meio do qual fazem parte.

As ilhas são fragmentos de habitats natu-rais, onde se estabelecem e evoluem espécies e comunidades, muitas vezes únicas e distintas da-quelas encontradas nas terras continentais mais próximas. Quanto mais uma ilha estiver distante do litoral e livre da interferência humana, maior será o nível de endemismo e menor a diversidade de espécies vegetais e animais (WILSON, 1994). Ademais, o número de espécies insulares é dire-tamente proporcional ao tempo transcorrido des-de sua formação, e inversamente proporcional à distância que a separa do continente. As trans-formações pelas influências locais em ambientes isolados afetam espécies vegetais e animais, in-clusive as sociedades humanas, biologicamente e culturalmente.

Até a chegada dos colonizadores, a flora e a fauna insulares endêmicas evoluíram na au-sência de grandes predadores e herbívoros, dos quais não podiam se defender e eram particu-larmente sensíveis às perturbações e vulneráveis à introdução de espécies exógenas. Por essas razões, as populações das ilhas são pequenas, altamente especializadas e vulneráveis às ações externas e podem extinguir-se com facilidade. Ademais, as ilhas são ecossistemas que concen-tram um grande número de espécies endêmicas e constituem sítios importantes para a reprodu-ção, a nidificação, o descanso ou a alimentação da fauna marinha e das aves migratórias.

Na perspectiva do Universo, a Terra é um pequenino grão de areia, que funciona como um microssistema, vagando na infinitude do espa-ço sideral. A ilha da Páscoa, por sua vez, serve como um modelo representativo do sistema Ter-ra. O ambiente da ilha resume-se a um íngreme penhasco encravado no meio do oceano Pacífi-

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co, situado a 4.000 quilômetros de distância da mais próxima terra civilizada. Rapa Nui, portan-to, é uma réplica miniaturizada da Terra, que so-brevive, mesmo sendo frequentemente açoitada por catástrofes naturais e conflitos territoriais de natureza interna e externa, que provocaram o colapso ambiental, biodiverso e civilizatório. O colapso de uma sociedade é uma forma extrema de declínio de um povo, por razões ambientais, políticas, econômicas e culturais (DIAMOND, 2007). Os trágicos eventos determinantes para a derrocada do povo Rapanui, servem de alerta à humanidade, cuja fragilidade, diante dos fenô-menos naturais e antrópicos, passa despercebi-da no mundo globalizado.

A Ilha de Páscoa, também conhecida como East Island ou Rapa Nui é, seguramente, um dos lugares mais remotos do planeta. A ilha está lo-calizada entre as coordenadas 27°09’ de latitude sul e a 109°26’ de longitude oeste, a 4.100 km do Taiti e a 3.700 km da costa do Chile. Por estar isolada das terras civilizadas no meio do oceano Pacífico, Rapa Nui recebeu o apelido de Te Pito o Te Henua, que significa “umbigo do mundo”. A pequena ilha tem o formato de um triângulo retângulo, com a hipotenusa medindo 22 Km, e

uma superfície de 170 Km². A altitude máxima atinge 507 m, correspondendo ao cone do vulcão Terevaka (CAHUE, 2011).

A imensidão do oceano Pacífico é pontilha-da por uma infinidade de ilhas, muitas das quais estão agrupadas em arquipélagos ou isoladas a milhares de quilômetros de distância. Ao sul e a leste da massa oceânica, os corpos insulares encontram-se mais distantes uns dos outros, en-quanto que as ilhas situadas ao sul do Trópico de Câncer, excluindo-se a Austrália, estão reu-nidas em arquipélagos que contêm centenas e milhares de ilhas, como a Melanésia, a Microné-sia e a Polinésia. O arquipélago da Polinésia tem a forma de um triângulo que ocupa um extenso território no Pacífico sul, cujos vértices corres-pondem ao Havaí, à Nova Zelândia e à ilha de Páscoa. Rapa Nui, portanto, é parte do mundo polinésio, que se define como uma unidade geo-gráfica e cultural.

O povoamento das ilhas mais remotas do Pacífico teve início há 40.000 anos, quando pe-quenos grupos de polinésios partiam para as grandes navegações a bordo de frágeis embar-cações ancestrais dos modernos catamarãs, transportando até 200 pessoas. Hábeis navega-

Ilha de Páscoa, um dos lugares mais remotos do Planeta.

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dores de alto mar, o conhecimento marítimo dos antigos polinésios se baseava na observação da posição das constelações, das estrelas, do Sol e da Lua, como também a direção dos ventos, as correntes marinhas e o movimento das aves. Apesar das enormes distâncias percorridas pelos povoadores, a cultura e as línguas faladas nas ilhas do Pacífico têm o tronco comum polinésio (RAMÍRES, 2011). Todavia, as correntes poliné-sias de povoamento chegaram às ilhas mais dis-tantes séculos depois: Havaí, em 800 d. C.; Rapa Nui, em 600 d. C.; e Nova Zelândia, em 1.000 d. C (WENBORNE y SEELENFREUND, 2008).

Em 5 de abril de 1722, domingo de páscoa, os comandantes holandeses, Jacob Roggeweena e Frederic Behrens, a bordo dos barcos Africa-ansche Galley y Tienhoven, conduzindo 200 ma-rujos, desembarcaram em Rapa Nui e batizaram o lugar de ilha da Páscoa. Ao enfrentar uma pe-quena resistência dos nativos, os soldados ata-caram disparando os mosquetões, matando 12 nativos. Nos anos seguintes, Rapa Nui foi explo-rada pelos espanhóis e pelos ingleses, que, além de iniciar a miscigenação e disseminar doenças, povoaram a ilha com plantas e animais exóticos. Porém, a pior invasão ocorreu no período 1862-

1963, quando traficantes de escravos peruanos sequestraram 35% da população, para trabalhar nas fazendas do Peru. De um total de 2000 nati-vos aprisionados, após protestos internacionais, 400 sobreviventes foram reunidos para embarcar de volta à terra natal, dos quais apenas 15 che-garam vivos, todavia contaminados com a varíola e a disenteria (RAMIREZ, 2011).

A forma triangular da ilha da Páscoa se deve a várias erupções vulcânicas deflagradas no as-soalho marinho, originando montanhas submer-sas com os cumes formando a superfície insular. As primeiras erupções formaram os vulcões Poi-ke, (0,78-0,36 Ma), Rano Kau (0,78-0,34 Ma) e Maunga Terevaka (0,77-0,30 Ma). Explosões adi-cionais do vulcão Terevaka, entre 0,24-0,11 Ma, ocasionaram a união das três massas de terra, formando a superfície total da ilha, sobre a qual os nativos estabeleceram a agricultura (STEVEN-SON et. al., 2014).

A ilha é limitada por falésias elevadas que guarnecem duas pequenas enseadas, cuja al-titude máxima é de apenas 510 metros, o que corresponde à cratera do vulcão Terevaka, cujos derrames basálticos recobrem a maior parte do território insular. A última explosão vulcânica

Foto: Giovanni Seabra

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ocorreu há 200 mil anos, durante a erupção do Terevaka, que liberou lavas incandescentes co-brindo e arrasando 95% da ilha (RAUCH e NÖEL, 2011).

Com altitude de 324 metros, o vulcão Rano Kau, originado por numerosas erupções que ocorreram entre dois milhões e 220 mil anos, está localizado no extremo sudoeste de Páscoa. A cratera do vulcão tem 200 m de profundidade e 1,5 km de diâmetro. No interior da cavidade, existe uma lagoa de água doce proveniente das chuvas que é utilizada para abastecer a popu-lação.

A civilização Rapa Nui prosperou durante o período quente medieval, 800 a 1.300 d.C., quando os nativos construíram centenas de es-tátuas gigantescas, envoltas em mistério até os dias atuais. Porém, em 1350, a ilha sofreu uma profunda mudança climática (Pequena Idade do Gelo), caracterizada pela queda na temperatura, redução nas precipitações e diminuição do nível do mar. As baixas precipitações no pequeno perí-odo glacial e os cultivos intensivos ocasionaram a diminuição da fertilidade do solo e a conse-quente crise alimentar.

Na chegada dos holandeses, em 1722, a po-pulação da Ilha era de aproximadamente 6.000 habitantes. Porém, as guerras internas, o sobreu-so do solo, a escravidão imposta pelos invasores, a fome e a disseminação de doenças reduziram o efetivo populacional para 110 pessoas, em 1877.

2. MOAIS: OS GIGANTES DE PEDRA

O conceito de moai está presente em todas as ilhas da Polinésia oriental, todavia, somente em Rapa Nui as esculturas humanas alcança-ram dimensões colossais, com estaturas de 8 a 10 metros e pesando dezenas de toneladas. Em permanente vigília, os gigantes de pedra são os elementos mais singulares da cultura Rapa Nui e representam os ancestrais mais importantes de cada linhagem, incorporando o mana, espírito e poder divinos que os mor-tos tinham em vida. Os moai eram esculpidos na encosta sudeste do vulcão Rano Raraku. A partir da pedreira, as esfinges eram transpor-tadas pelos nativos até os centros cerimoniais, denominados de ahu, localizados a distâncias

de até 18 quilômetros e onde ocorria a instala-ção das esculturas. As estátuas pesavam entre uma e duzentas toneladas, e o transporte das peças exigia perícia, coordenação e esforços sobre-humanos.

Da borda da cratera do Rano Raraku, po-de-se avistar o maior e mais próximo centro cerimonial, chamado de Ahu Tongariki. As 15 estátuas posicionadas sobre a plataforma de pedra foram derrubadas durante as guerras internas e erguidas novamente em 1994, com ajuda de um guindaste. A maior delas pesa 88 toneladas. Contudo, a população polinésia da ilha de Páscoa pré-histórica não possuía guindastes, rodas, máquinas, instrumentos de metal, nenhum animal de tração ou meio qual-quer, além da força humana, para transportar e erguer as estátuas colossais (DIAMOND, 2007).

Uma vez instalados sobre plataformas, os moai recebiam olhos, confeccionados à base de corais brancos, e pupilas vermelhas, para prote-ger seus descendentes e garantir prosperidade aos clãs.

Centro Cerimonial Ahu Tongariki. Foto Claudia Neu

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A história oral relata que os moai se-guiam andando, desde a pedreira até os cen-tros cerimoniais. Pesquisadores tentam des-vendar o mistério da andada dos moai, e as teses mais aceitas asseguram que os gigan-tes líticos eram acomodados horizontalmente sobre trenós de madeira e puxados até o des-tino. Havia outra possibilidade de que, depois de erguer os moai e enlaçá-los com cordas, grupos de homens provocavam o balanço das estátuas fazendo-as caminhar até o destino (CAUWE, 2011).

São mais de mil moai na ilha de Páscoa, e quase todos se encontram destruídos ou dani-ficados, devido às quedas durante o transporte e em consequência das guerras entre as tribos, quando os clãs rivais destruíam as estátuas dos inimigos. Contudo, partes do corpo dos moai permanecem intactas e são encontradas facilmente em toda a ilha. Outras esculturas, em perfeito estado de conservação, jazem em-butidas na encosta do vulcão Rano Kau, aguar-dando o momento oportuno para caminhar.

3. TANGATA MANU

A partir de 1.600, o efetivo populacional da ilha de Páscoa declinou rapidamente, devi-do às mudanças ambientais, às guerras tribais, às invasões e aos criatórios extensivos de bovi-nos e ovinos. Mas, a destruição das árvores foi o principal desastre ambiental, porque tornou a ilha mais quente e árida, o que impossibilitou a construção dos catamarãs e reduziu drastica-mente a pesca em alto mar. Como alternativa, os nativos passaram a fabricar botes pequenos que atendiam somente à pesca costeira, mas eram insuficientes para abastecer a população. Tais fatos provocaram a desestabilização social, política e econômica da civilização, iniciando-se um longo ciclo de guerras entre os clãs. Durante os conflitos, e o consequente colapso social da Civilização Rapanui, houve a desmitificação dos moai, e a produção das estátuas foi interrompida bruscamente.

Surgiu, então, o culto de Tangata Manu (Ho-mem Pássaro), simbolizando a bravura e a fertili-

Foto: Giovanni Seabra

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Foto: Giovanni Seabra

dade do povo e indicando a capacidade de adap-tação cultural dos rapanui. O ritual iniciava-se a partir de agosto, quando a população se reunia em Orongo, o centro cerimonial do Homem-pás-saro. O pequeno conjunto de alojamentos para os participantes foi construído à base de placas de pedras, na borda da cratera do vulcão, sobre falésias com 300 metros de altura e à beira da cratera com 200 m de profundidade.

Os grupos mais poderosos da sociedade Rapa Nui enviavam seus representantes para participar da competição ritualística da fertili-dade. No momento apropriado, quando as aves iniciavam a poedura, cada clã elegia um repre-sentante para competir - era o manu hopu. No clímax das celebrações e dos rituais, os jovens desciam a falésia de Orongo e nadavam até um pequeno penhasco, chamado de Motu Nui, onde permaneciam vigilantes até que apanhassem um ovo de fragata. O primeiro atleta a trazer o ovo até o topo da falésia era designado o Tangata Manu da temporada. O vencedor recebia privilé-gios políticos extensivos ao clã que representava e o status concedido durava até a primavera se-guinte, quando começava uma nova competição.

Porém o poder do Homem- pássaro não era

bastante para sanar a crise socioambiental de Rapa Nui, pois em 1872, praticamente não ha-via mais o que comer e a civilização entrou em colapso.

Se os habitantes de Páscoa, usando apenas os músculos e as ferramentas de pedra, conse-guiram destruir o ambiente em que viviam e a sua sociedade, o que se pode esperar do futu-ro da Terra, onde bilhões de pessoas utilizando técnicas, instrumentos e máquinas modernas imprimem ações devastadoras e ecologicamente irreversíveis de dimensão planetária?

4. TURISMO, CULTURA E MEIO AMBIENTE

A cultura Rapa Nui é produto de longos e complexos processos ambientais e históricos que imprimiram características peculiares na socie-dade, fundamentada na superação de situações extremas, naturais e antrópicas. O povoamento humano, a dizimação das florestas, a agricultu-ra intensiva, o criatório extensivo, a introdução de espécies exógenas animais (principalmente ratos, bovinos, equinos, cães e ovelhas) e vege-

Cratera do vulcão Rano Kau

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Foto: Giovanni Seabra

tais, a disseminação de doenças e as variações climáticas acarretaram efeitos perversos e irre-versíveis sobre o ecossistema insular e a civiliza-ção Rapa Nui. O grave cenário socioambiental foi agravado em 1889, com a introdução da lepra trazida do Tahiti por três ilhéus repatriados. Con-tagiados pela doença, os leprosos foram enclau-surados nas cavernas, e a população proibida de deixar a ilha.

No período de 1910 a 1955, a empresa Ba-tfour & Williamson transformou Rapa Nui numa grande fazenda de ovelhas. Confinados na aldeia de Hanga Roa, os nativos eram impedidos de ultrapassar os muros que cercavam o povoado. Entre 1944 e 1958, grupos de jovens abandona-ram a ilha, rumo ao desconhecido, a bordo de oito pequenas e frágeis canoas. O primeiro bar-co alcançou a costa da América do Sul, alguns aportaram nas Ilhas Cook e Taiti, e os restantes naufragaram (RAMÍREZ, 2011).

Em 1964, após o longo período de abusos, privações e restrições, foi deflagrada a revolta dos habitantes. Os nativos exigiram, entre outras questões, a abertura social, liberdade para dei-xar a ilha, autonomia para falar a língua Rapa Nui e o direito à cidadania chilena.

Diante do cenário devastado da ilha de Pás-coa, testemunhando o colapso ambiental, cul-tural e socioeconômico, os moai, que até então jaziam inertes, ressuscitaram, transformando-se em propulsores do novo ciclo econômico base-ado no turismo. Para o reconhecimento turísti-co internacional de Páscoa, foram necessárias décadas de resistência e de luta do povo Rapa Nui. As conquistas incluem a abertura política e social, com o exercício da cidadania, a inaugura-ção da rota aérea comercial para o Chile e o Taiti e navegação marítima regular para transportar produtos essenciais. Por outro lado, a instalação dos funcionários públicos chilenos e suas famí-lias na ilha impulsionou a oferta de outros pro-dutos de consumo. Houve aumento de empregos remunerados regulares e benfeitorias para pavi-mentação de estradas, iluminação pública, for-necimento de energia elétrica e água potável.

O turismo, quando apoiado nos valores cul-turais locais e no respeito ao meio ambiente, está ligado à ideia de destinos turísticos autên-ticos, onde se destacam a paisagem, os costu-mes, o folclore, a gastronomia, as técnicas e os artefatos utilizados pela comunidade (SEABRA, 2007). O turismo de base local é fundamentado

Moai, gigante de pedra adormecido, Anakena.

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na ecologia profunda, ou seja, um novo paradig-ma para se perceber a realidade, que transcende as ciências formais e atinge a consciência intui-tiva da unicidade de toda a vida, numa aborda-gem mais biocêntrica e menos antropocêntrica (XAVIER, 2008).

O Parque Nacional e os serviços turísticos são a mais importante fonte de renda da popu-lação residente da ilha de Páscoa que, direta e indiretamente, participa da gestão da área prote-gida, auxiliando na fiscalização e na conservação dos atrativos naturais e dos sítios arqueológicos. O fluxo turístico de Páscoa atinge 60.000 visi-tantes ao ano, um número considerável, quando comparado com o tamanho e a capacidade de suporte da ilha. São três voos diários, que par-tem de Santiago, Lima e Taiti, trazendo turistas de todas as partes do mundo, com permanência média de três dias.

Em 2010, havia 4.944 habitantes na ilha, entre nativos e estrangeiros, para uma capacida-de de carga de até 5.000 pessoas, cujo limite está sendo ultrapassado com a permanência de, aproximadamente, 600 visitantes por dia (COR-RALES, 2011). Contudo, a sobrecarga dos visi-tantes e dos residentes impõe uma progressiva e constante deterioração dos ativos patrimoniais, particularmente o solo, a biodiversidade, a be-leza cênica e os sítios arqueológicos. Entre as principais causas são apontadas a falta de coor-denação entre os diferentes atores envolvidos; a deficiente gestão dos sítios protegidos; a infraes-trutura precária e a expansão urbana; os criató-rios extensivos de bovinos e equinos e a intensa circulação de automóveis. Nesse sentido, o tu-

rismo, como a principal atividade econômica de Rapa Nui, será valorizado através da promoção das atrações culturais e naturais, associada às atividades educativas e à formação profissional dos residentes.

O cluster turístico Rapa Nui, motivado, prin-cipalmente pelos atrativos arqueológicos e cul-turais, abrange diversos segmentos econômicos, em nível transnacional, como as empresas aé-reas, grandes redes hoteleiras e agentes de via-gens, como também pequenos negócios locais, que envolvem pousadas, alojamentos familiares, transfer, associações de guias, aluguel de veícu-los, cavalos e bicicletas, gastronomia, museus e venda de artesanato, entre outros (CORRALES, 2011). Os programas e as ações direcionadas ao desenvolvimento local devem contemplar todos esses componentes do sistema turístico Rapa Nui, priorizando os aspectos culturais e bene-ficiando democraticamente a comunidade. O desenvolvimento endógeno, quando combinado com as políticas de procedência exógena, poten-cializa e promove o desenvolvimento sustentável da população residente (BENI, 2007).

Essas ações devem estar sintonizadas com o fortalecimento dos arranjos produtivos locais, embasados na economia solidária inclusiva, com ênfase na restauração dos bens naturais, na con-servação ambiental e na preservação cultural. Os órgãos públicos, o setor privado e a comunida-de devem trabalhar em conjunto para que todos possam se beneficiar com os lucros do turismo responsável. Isso poderá contribuir para promo-ver a inclusão social e melhorar a qualidade de vida da população residente.

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86Maria de Fátima Marreiro de Sousa*

Ligas camponesas e ditadura militar

RESUMO:

A obra do ex-deputado estadual da Paraíba, Francisco de Assis Lemos de Souza, “Nordeste: o Vietnã que não houve - Ligas Camponesas e o golpe de 1964”, ex-pressa uma das mais importantes peças escritas no país a respeito da luta pela terra, na região nordestina, até 1964, e o papel da ditadura militar, que agravou as condições de exploração do trabalhador do campo brasileiro e destruiu as Li-gas Camponesas. O presente artigo tem o intuito de contribuir para reavivar essa memória, com a convicção de que a amnésia histórica perpetua a dominação. Difundir esses fatos para as novas gerações do povo serve para revigorar as lutas por justiça social, principalmente no campo, de cuja compleição não foi ainda eliminada grande parte dos entulhos autoritários deixados pela Ditadura. Palavras-chave: Ligas Camponesas. Ditadura Militar no Brasil.

ABSTRACT:

The work of the former state representative from Paraíba, Francisco de Assis Le-mos de Souza, “Northeast: Vietnam that did not happen - Peasant Leagues and the 1964 coup,” expresses one of the most important pieces written in country about the struggle for land in the northeastern region until 1964 and the role of the military dictatorship that aggravated exploitations of Brazilian rural workers, destroying the peasant leagues. This article aims to contribute to reviving this memory with the belief that historical amnesia perpetuates domination. Dissemi-nation of these facts to the new generations of the people serves to reinvigorate the struggle for social justice, especially in the rural areas, of whose complexion has not been eliminated most authoritarian debris left by the dictatorship.

Keywords: Peasant leagues. Dictatorship in Brazil.

(*) Maria de Fátima Marreiro de Sousa é Professora Doutora pela UFRRJ e membro do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da UFPB, Campus de João Pessoa.

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Cecília Coimbra, em seu artigo ‘Gênero, militância, tortura’ (2005), assim se pronunciou a respeito da necessidade de ações educativas que ajudem a combater o desconhecimento da história crítica do Brasil e de formação política do povo:

A história que nos tem sido imposta seleciona e ordena os fatos segundo alguns critérios e in-teresses construindo, com isso, zonas de som-bras, silêncios, esquecimentos, repressões e negações. A memória histórica oficial tem sido, portanto, um lado perverso de nossa história, produzida pelas práticas dos “vencedores”, no sentido de apagar os vestígios que os subalter-nizados e os opositores em geral têm deixado ao longo de suas experiências de resistência e luta. Essa história “oficial” tem construído distor-ções e mesmo desconhecimento sobre os em-bates ocorridos em nosso país, como se os “vencidos” não estivessem presentes no cená-rio político, apagando até mesmo seus proje-tos e utopias. Entretanto, apesar desse pode-rio, essa história não tem conseguido ocultar e mesmo eliminar a produção cotidiana de outras histórias. Apesar dessas estratégias de silenciamento e acobertamento, essas outras histórias vazam, escapam e, de vez em quando, reaparecem, invadindo muitos de nós. Por isso, falar delas é afirmar/fortalecer certa memória ignorada, desqualificada, negada.

Na era do capital monopolista do Segundo Pós-guerra, consolidou-se, no Brasil, uma polí-tica de monopólio da terra, como parte de um modelo de expansão industrial que contribuiria, sobretudo, para o fortalecimento econômico das nações hegemônicas capitalistas, particular-mente dos Estados Unidos. Pouco a pouco, no país, grandes empresas nacionais, estrangeiras ou associadas passaram a monopolizar a terra, seja como reserva de valor, seja para atrair in-centivos fiscais para investimentos produtivos do complexo agroindustrial ou para qualquer outro benefício da política estatal. Essa situação se ra-dicalizou depois do Golpe Militar de 1964, com a criação do chamado Estatuto da Terra. A esse respeito, as lições de Ernest Mandel (1969, p. 265) ainda são memoráveis e válidas até hoje,

1964 – 2014: MEIO SÉCULO DE UMA MEMÓRIA QUE NÃO PODE DESAPARECER

quando ele esclarece:

La apropriacion privada del conjunto de las tierras cultivables, que impede el livre estabele-cimiento de nuevos campesinos, es, sin embar-go, una condición absolutamente indispensable

para el impulso del capitalismo industrial”

Em regiões como o Nordeste brasileiro, a expansão capitalista, sob bases modernas de produção, alimenta o movimento do capital na agricultura de forma concentradora, o que impõe uma prática excludente e proibitiva às popula-ções rurais trabalhadoras. Em decorrência disso, a marginalização social das populações campe-sinas, sua pobreza e miséria, de forma geral, passam a ser produto das estruturas de posse e uso da terra. O sistema capitalista, no campo brasileiro, tenta superar suas crises e buscar sua expansão usando como instrumento de revigora-mento econômico a sujeição dos trabalhadores rurais e as severas restrições da pequena agri-cultura. Como resultado disso, a produção das desigualdades impostas pela necessidade de se reproduzir o capital impulsiona, cada vez mais, o recrudescimento das lutas sociais no campo em busca de reforma agrária.

Tal recrudescimento seria inevitável diante de um modelo de desenvolvimento econômico baseado numa escalada modernizante que, em muitas áreas agricultáveis do país, dispensa-ria ou expulsaria, periodicamente, grande con-tingente de mão de obra ávida por trabalho e meios de sobrevivência. O processo migratório das massas desempregadas do campo, rumo aos centros urbanos, passaria a ser uma dádiva para o processo de acumulação capitalista e, ao mesmo tempo, um inconveniente, em virtude da queda crescente dos preços de mão de obra, be-neficiando o processo de acumulação de capital e do enfrentamento de uma questão política deli-cada consubstanciada na revolta dos trabalhado-res e no fortalecimento de sua organização. Isso exigiria do patronato e do governo o investimento em repressão e mecanismos para burlar alguns poucos direitos trabalhistas até então alcança-dos pela classe trabalhadora.

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Há uma série de documentos que compro-vam o confisco de terras subtraídas dos traba-lhadores ao redor do país e que confirmam a concentração de terras em favor do latifúndio, assim como a práticas igualmente ilegais atinen-tes aos direitos trabalhistas, como o pagamento salarial abaixo do nível mínimo estipulado em lei e situações de escravização no meio rural. Tais práticas empurraram as lutas sociais dos ex-propriados e criaram focos de resistência, cuja contrapartida do patronato se expressaria na fú-ria destruidora das organizações campesinas. E mais: durante as décadas de 1960 e 1970, no Brasil, todo o movimento popular de reivindica-ção de direitos passou a ser reprimido como sub-versivo, submetido a todo tipo de perseguição,

Há uma particularidade curiosa nessa situ-ação: o indisfarçável interesse de grupos estran-geiros na apropriação de terras no Brasil. Pode-se indicar como exemplo, entre tantos outros, o Grupo Rockeffeler, que comprou 531.000 ha. no estado de Mato Grosso; o norte-americano Henry Fuller adquiriu 161.902 ha, no estado de Goiás; a empresa Liquigás do Brasil S.A. (capital italia-no) incorporou um empreendimento agropecuá-rio (Suiá-Missu), do qual o Vaticano participou, a princípio, dominando 577.000 ha. Até a Volkswa-gen do Brasil S.A. procurou investir na criação de gado, comprando uma grande extensão de terra da Amazônia, com recursos oriundos das deduções do imposto de renda autorizados pelo

manobras de cooptação, calúnias, distorções e, em casos mais radicais, assassinatos. Bandei-ra (1975) fornece comprovações estatísticas da força do latifúndio, através do Censo Agrícola de 1970, que revela a seguinte situação: havia no País cerca de 2.524.982 estabelecimentos de até 10 ha., representando 51,39 % das propriedades rurais brasileiras e ocupando apenas 9.110.960 ha., ou seja, 3,11% do total da área agrícola. Por outro lado, cerca de 1.935.415 propriedades (39,40%) detinham 60.162.785 ha, o que seria o equivalente a 20,53% do total da área agríco-la, enquanto somente 452.387 estabelecimentos (9,21%) tinham 223.733.423 ha (76, 36%). De outro modo, pode-se ter ideia do grau de concen-tração de renda no Brasil no quadro que segue.

CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA - 1970

Fonte: Anuário Estatístico IBGE, 1973, p. 159. In: BANDEIRA, op. cit, p. 48.

Governo Federal como incentivos fiscais. Conforme a Comissão Parlamentar de In-

quérito apurou, os estrangeiros possuíam um total de

pelo menos 20.234.000 ha, somente nos esta-dos de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Maranhão, Pará, Amazonas e Território do Amapá, obtidos por meio de compra a antigos proprietários, requisição de terras devolutas aos governos es-taduais e falsificação de documentos, sempre com o respaldo da violência, que compreendia intimidação, destruição de colheitas, incêndio de casas, matança de gado, com o objetivo de expulsar os ocupantes, índios ou lavradores. Em Minas Gerais, duas companhias norte-america-

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nas – Brazilian Land Cattle Packing e Brazilian Meat Co. – controlavam enorme área. Só a Bra-zilian Land Cattle Packing detinha, aproxima-damente, 2.913.696 ha, extensão quase igual à da Bélgica. Em Goiás, a Universal Overseas Holding, a World Land Co., Stanley Amos Sellig, Henry Fuller e outros estrangeiros, dos quais os norte-americanos compunham a maioria, ocuparam 3,5 % do seu território. Na Bahia, a porcentagem do território alienado ultrapassa-va 10% da superfície do estado, atingindo um total de 5.600.000 ha, dividido em 53 fazen-

das. (BANDEIRA, op. cit, p.50-51).

No Brasil, o interesse pela concentração de terras não se restringia às ganâncias do setor agroexportador relativamente à produção agrí-cola nas melhores áreas cultiváveis para servir de base da monocultura. Ambicionavam-se as áreas onde houvesse minerais e as terras onde abundasse uma rica flora medicinal, base para a indústria de medicamentos.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, o panorama social brasileiro confirmava as reper-cussões desencadeadas pelo processo de con-centração de renda e de terras no país. Em 1973, o PIB (Produto Interno Bruto) alcançou a taxa de crescimento de 11,4%, dentro do plano de de-senvolvimento econômico proposto pelo governo militar da época. Em contrapartida, padecia de desnutrição cerca de 40 milhões de brasileiros, e desse contingente de miseráveis, 12 milhões eram crianças. Quase 50% das famílias não au-feriam o salário mínimo para seu sustento. Fra-gilizada pela fome, a população tinha suas con-dições de saúde agravadas. A tuberculose, por exemplo, respondia por uma das maiores taxas de óbito do País: entre 1963 e 1972, essa doen-ça atingiu quase 40% em cada 1000.000 brasi-leiros que perderam suas vidas, como resultado, basicamente, da insuficiência alimentar e do ex-cesso de trabalho. “No Nordeste, a região mais atrasada, 180 crianças morriam (dado de 1969) em cada grupo de mil nascidas vivas e a incidên-cia de tuberculose aumentava, calculando-se que até 1980 ela contagiasse 10 milhões de pesso-as”. (BANDEIRA, op. cit, p. 38 e 39).

A expansão do capitalismo no campo, so-bretudo a partir da década de 1960, fomentava um tipo de modernização que, dependendo das áreas exploradas, ora expropriava camponeses para transformá-los em assalariados (o caso da

monocultura), ora expulsava posseiros de peque-nos sítios, especialmente os situados próximos às rodovias. Esses trechos passaram a ser co-biçados em função das facilidades criadas pelo Estado e inauguraram novas estruturas, interli-gando as áreas de cultivo aos centros comerciali-zadores locais e de exportação.

LIGAS CAMPONESAS E DITADURA MILITAR

No Nordeste, as Ligas Camponesas surgi-ram na década de 1940. Em 1945, várias delas foram constituídas na periferia da cidade de Re-cife e em municípios do interior. Tratava-se de um esforço de organizar plantadores de legumes que estavam sendo expulsos das terras arrenda-das onde trabalhavam. A mais famosa liga cam-ponesa foi a fundada no Engenho Galileia, com o nome de Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco – SAPPP. Depois, o movimento contagiou outros estados. Na Paraí-ba, cristalizou-se fortemente nos municípios de Sapé e de Mari (ANDRADE, 1986). Segundo Sou-sa (2008, p. 27),

(...) na Paraíba, cada município tinha sua As-sociação, com autonomia e estatutos próprios, mas existia uma orientação comum, pois os pro-blemas eram idênticos. Por isso, foi organizada a Federação das Associações dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas da Paraíba no dia 23 de novembro de 1961. Posteriormente foi batizada

de Federação das Ligas Camponesas da Paraíba.

No início da década de 1960, foi instituído o Estatuto do Trabalhador Rural – Lei 4.214 de 02 de março de 1963 - e, a partir dessa época, o trabalhador teve a oportunidade de sindicalizar-se. Esse fato faria parte de uma política gover-namental que iria incorporar a reforma agrária como um dos itens mais significativos nas cha-madas Reformas de Base. Tratava-se da gestão do Presidente João Belchior Marques Goulart - o “Jango”. O Golpe Militar de 1964, que perdurou até 1985, abortou essa possibilidade.

Como era um dos fundadores das Ligas Camponesas na Paraíba, o ex-deputado esta-dual, Francisco de Assis Lemos, descreveu sua atuação de parlamentar contra a exploração do campesinato nos seguintes termos:

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Quando deputado, pronunciei um discurso na Assembléia contra o cambão e os demais de-putados, unanimemente, condenaram aquela prática. Nas Usinas não era permitido ao traba-lhador plantar. Os casebres onde residiam eram cercados de cana por todos os lados. Pagavam o salário em “vales” diretamente ao “barracão” para que o camponês trocasse por alimento ou gênero de primeira necessidade (...). Esse “vale” era uma forma de prender o camponês à pro-priedade. Estando sempre a dever ao “barra-cão”, não podia se transferir da Fazenda ou do Município. Sendo devedor, era obrigado a saldar a dívida, senão era preso como ladrão. O Grupo Lundgren era uzeiro e vezeiro nesse processo no município de Rio Tinto. (SOUZA, op. cit, p. 26)

Ressalte-se, todavia, que o domínio quase absoluto do patronato do meio rural nordestino não se limitaria às relações de trabalho. No cam-po político, os senhores do latifúndio controla-vam os processos eleitorais impondo suas vonta-des e preferências sobre os trabalhadores a eles submetidos. Durante o regime militar, essa situa-ção se expressava de maneira contundente, sem pudores, e o terror e o medo foram mecanismos bastante eficazes para a obtenção de resultados eleitorais almejados. Tal como nos dias atuais, o poder político, na época, tornara-se cada vez mais objeto de grande interesse do empresa-riado, seja ele do setor agrícola ou industrial e bancário. Assis Lemos lembra o destacado papel que cumpriu o conservadoríssimo partido polí-tico União Democrática Nacional - UDN - como instrumento de manutenção da ordem estabele-cida em favor do latifúndio. Um exemplo concre-to foi a eleição do comendador Renato Ribeiro Coutinho, que fora deputado e vice-governador e que possuía quatro das mais importantes usi-nas da Paraíba. Com o apoio de correligionários, também conseguiu eleger seu parente, o usinei-ro Flávio Ribeiro Coutinho, para governador do Estado, além de barganhar outros tantos cargos eletivos de seu interesse. Também compartilhou do sucesso eleitoral do seu irmão, João Úrsulo Ribeiro Coutinho, eleito deputado federal por três legislaturas. (SOUZA, op. cit, p. 31)

Outro grupo familiar importante era o Lun-dgren. Proprietário das terras de todo o municí-pio de Rio Tinto, de todas as casas da cidade, inclusive a do juiz, do padre, do promotor, do delegado (...) elegiam deputados na Paraíba e

Elizabeth Teixeira (1925), líder das Ligas Camponesas de Sapé – PB

Pernambuco (...) Grupo poderoso e que se des-tacou pela violência, foi o Veloso Borges. Inicial-mente, o seu líder foi Virgílio Veloso Borges, dono da fábrica Tibiri, em Santa Rita, que chegou a ser Senador. Foi substituído, na liderança do Grupo, por Aguinaldo Veloso Borges que ficou conhecido nacionalmente por ter sido o mandante do crime do qual foi vítima o líder camponês João Pedro Teixeira. (SOUZA, op. cit, p. 32)

Quando ocorreu o Golpe Militar de 1964, foi estabelecida a primeira lei de reforma agrária do país: O Estatuto da Terra. Na prática, a política agrária do governo privilegiava as grandes em-presas mediante uma série de incentivos, mas o mesmo tratamento não alcançava os campone-ses, servia, basicamente, de instrumento desar-ticulador das lutas sociais quando dirimia alguns conflitos no campo. Foi nessa fase em que a po-lítica migratória para a Amazônia, dirigida pelo Estado, foi a saída mais conveniente para aplacar a pressão social e fundiária do Nordeste. Natu-ralmente, a medida não promoveu uma reforma agrária, de fato, em favor dos trabalhadores, pois se tratava de um processo colonizador como par-

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te de uma estratégia geopolítica de exploração total dos recursos naturais pelos grandes grupos nacionais/internacionais.

Nessa época, o governo militar beneficiou vários grandes grupos empresariais que adqui-riram nas regiões Centro-Oeste e Norte, imensas áreas de terras para projetos de colonização e projetos agropecuários. Dessa forma, os gover-nos militares com sua política agrária pratica-vam mudanças no campo sem modificar o re-gime de propriedade da terra (...) Em 1979, o governo militar criou o Instituto Brasileiro de Co-lonização e Reforma Agrária (INCRA). Essa mu-dança representou o fortalecimento dos grandes grupos econômicos que controlavam os projetos de colonização. Os projetos estavam contidos no Programa de Integração Nacional (PIN), criado nesse mesmo ano. (FERNANDES, 1996, p. 35)

As Ligas Camponesas foram interrompidas com o golpe militar de 1964. Alguns nomes se destacam na lista dos seus atuantes: João Pe-dro Teixeira, Gregório Bezerra, Pedro Fazendeiro, Elizabeth Teixeira. Políticos importantes como Francisco Julião, Miguel Arraes, Luiz Carlos Pres-tes, Leonel Brizola, Assis Lemos, entre outros, foram banidos da vida pública por colaborarem

de diversas formas com as ideias que nortearam o movimento. Só com o processo de abertura política e com a aprovação da Lei de Anistia, em 1979, foi possível o regresso à vida pública de muitas dessas personalidades históricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ano de 2014 é, particularmente, especial para reascender a memória histórica brasileira no tocante às lutas sociais, sobretudo por cau-sa da reforma agrária. Afinal, do ano de 1964 a 2014, formam um quadro de meio século de fa-tos e memórias que se constituem matéria-prima para a continuidade dessas lutas no tempo pre-sente. A chamada questão agrária ainda não foi solucionada, do ponto de vista dos trabalhadores ou dos excluídos do campo, mas a luta continua com a inclusão de novos atores sociais, muitos dos quais encontram, atualmente, no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a or-ganização possível para dar continuidade à bus-ca por justiça social no campo brasileiro. Outros se ocupam em combater a amnésia histórica pela convicção da força de sua dominação.

ANDRADE, Manoel Correia de. Lutas camponesas no Nordeste. São Paulo: Ática, 1986.

BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionalização: a experiência bra-sileira de 1964 a 1974. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975.

BANDEIRA, Lourdes; MIELE, Neide, GODOY, Rosa (Orgs.). Eu marcha-rei na tua luta: a vida de Elisabeth Teixeira. João Pessoa: Ed. Univer-sitária, 1997.

BASTOS, Elide Rugai. As Ligas Camponesas. Petrópolis; Vozes, 1984.

COIMBRA, Cecília M. B. Gênero, militância, tortura. In CADERNOS DE DIREITOS HUMANOS. Vol. 1, nº 2, 2005, pp. 69 a 88. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Artes e Comunicação, Comissão

Referências

de Direitos Humanos Dom Helder Câmara / Recife; Ed. Universitária da UFPE, 2005.

FERNANDES, Bernardo Maçano. MST: formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996.

MANDEL, Ernest. Tratado de Economia Marxista. Tomo I, México, Edi-ciones Era, 1969.

SILVA. José Graziano da. A modernização dolorosa. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

SOUZA, Francisco de Assis Lemos de. Nordeste – o Vietnã que não houve – Ligas Camponesas e o golpe de 64. João Pessoa, Edições Linha d’ Água, 2008.

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92Lenilma Bento de Araújo Meneses (*)

Adriano Lucas Abucater de Santana (**)

Rejane Vieira (***)

Grupos condutores das redes de atenção: da gênese às implicações de mudanças no modo de operar a produção em saúde na SES - Paraíba

RESUMO:

O decreto 7508/11 regulamenta a Lei 8.080/90/SUS para promover a consoli-dação jurídica e operacional do sistema. As RAS advêm dos preceitos constitu-cionais e estão em evidência na atualidade, com a publicação de portarias do Ministério da Saúde, que reforçam a importância dessa pauta como organizativa e operacional nas gestões interfederativas do SUS. Buscamos socializar como a gestão de saúde da Paraíba se adéqua às novas portarias ministeriais, enfo-cando grupos condutores das redes prioritárias de atenção à saúde. Relato de experiência, produzida através de relatos dialogados e de evidências em registros pessoais e oficiais.

Palavras-chave: Gestão em Saúde. Serviços de Saúde. Atenção à Saúde.

ABSTRACT:

The decree 7508/11 regulates Law 8.080/90/SUS for legal and operating sys-tem consolidation. The RAS arise from the constitutional principles and eviden-ce achievement nowadays, from the publication of ordinances of the Ministry of Health, which reinforce the importance of this agenda as organizational and operational efforts in SUS´interfederative management. We seek to socialize how the health management of Paraíba suits the new ministerial decrees, focusing on leading groups of priority networks of health care. Experience report, produced by dialog reports and evidence in personal and official records.

Keywords: Health Management. Health Services. Health Care.

(*) Professora, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFPB, do Depto. de Enfermagem Clínica, CCS/UFPB, Coordenadora do Curso de Especialização em Política e Gestão do Cui-dado com ênfase no Apoio Matricial. E-mail: [email protected] (**) Gerente Operacional da Gerência Executiva de Atenção à Saúde da SES-PB e Especialista em Política e Gestão do Cuidado com ênfase no Apoio Matricial. E-mail: [email protected] (***) Apoiadora Institucional do Depto.de Articulação de Redes de Atenção à Saúde, Mestre em Saúde Coletiva. E-mail: [email protected].

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1. INTRODUÇÃO

Com o advento do decreto de nº 7.508 de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080 de 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) mostra maturi-dade e aposta na consolidação de importantes vertentes que defendem princípios e diretrizes fundamentais, como mais transparência na ges-tão do SUS, mais segurança jurídica nas relações interfederativas e mais controle social (BRASIL, 2011). Entre as vertentes descritas acima, é im-portante constatar a busca por mais segurança jurídica nas relações interfederativas. Essa situa-ção exigirá um espaço estratégico para fomentar e ampliar o debate organizativo e estrutural que o SUS precisa aperfeiçoar no atual momento. Com isso, um cenário vai sendo preparado e nos remeterá ao constante processo de pensar sobre uma das diretrizes fundamentais do SUS, que é a descentralização do sistema, dos serviços etc. sempre provocando os entes federados para operarem o acesso facilitado e de boa qualidade para os usuários.

A Constituição de 1988, em seu art. 198, define que as ações e os serviços públicos inte-gram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1988). Tal como a Constituição brasileira, a lei nº 8.080, de 1990, institui o previsto na Carta Mag-na e disciplina os papéis dos diferentes entes fe-derativos, sempre reforçando o comando único do sistema e mantendo a linha de princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 1990).

A descentralização é um dos princípios do SUS que guarda mais transversalidade com os demais princípios e pode ser compreendida como estruturante das políticas de saúde nacional. Re-forçando a premissa de que a descentralização toma como fundamento de transversalidade no SUS, Beltrammi (2008) enriquece nosso entendi-mento, afirmando que um dos aparatos da descen-tralização, quiçá sua mais importante ferramenta operacional, é a regionalização. Esse aparato é entendido como o movimento que provoca a des-centralização de serviços e das ações bem como o ideal de estruturação de Redes de Atenção - RAS - que se interliguem e facilitem a organização do sistema e um acesso com boa qualidade.

Complementar ao que vem sendo desenvolvi-do no SUS, ao longo dos anos, a Política Nacional

de Humanização (PNH) tem sido uma importante ferramenta que integra debates e discussões no âmbito da Gestão e da Atenção em Saúde. Essa política procura elevar a humanização não como um programa, mas como uma política que atra-vessa as diferentes ações e instâncias gestoras do SUS (BRASIL, 2004), por meio dos princípios e das diretrizes que se entrelaçam em significados e substância direta da essência do SUS. O prin-cípio da PNH, em que vamos nos embasar para relacionar neste trabalho, aponta para o apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos (BRASIL, 2004).

Por se tratar de uma modalidade de produ-ção de cuidado em saúde que vem sendo insti-tuída há pouco tempo, não foram encontrados documentos e/ou referenciais teóricos que dis-corram sobre o tema, mas só a relação direta e formal da PNH com o novo momento de consti-tuição de grupos condutores. Porém, percebendo as premissas da descentralização, da regionali-zação e dos processos de gestão solidária e co-gestão no SUS, apontados nas diretrizes opera-cionais do Pacto de Gestão (2006), bem como os movimentos de implicação nos modos de operar a gestão de coletivos, sugeridos pela PNH, fica evidente que a proposição de grupos condutores para estruturar e acompanhar o debate de redes é um instrumento aperfeiçoado de cogestão e produção de coletivos integrados voltados para as seguintes perspectivas:

Trabalhar em rede, compor projetos comuns na

diferença, construir possibilidades para além

dos limites de territórios de saberes e práticas

estanques é uma exigência ético política para a

produção de mais e melhor saúde. Para se pro-

duzir mais e melhor saúde é necessária, então,

a produção de novos sujeitos e novas práticas

(BRASIL, 2009).

O novo arcabouço jurídico que vem sendo desenvolvido no SUS, como forma de qualificar a gestão, não deve ser confundido com “inven-ção” e/ou novas propostas. Como já dito, trata-se de aprimorar para melhorar a confiabilidade, a transparência e a participação na construção do sistema.

Conforme acompanhamos, desde a Consti-tuição Federal, perpassando as Normas Opera-

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cionais Básicas (NOB) e as Normas Operacionais da Assistência (NOAS) até o Pacto pela Saúde, muito já se desenvolveu sobre mecanismos de descentralização, financiamento, controle e par-ticipação. Cabe-nos enfocar e analisar as possi-bilidades e as implicações do Grupo Condutor de Redes para potencializar os processos em que nos debruçamos.

O caminho suscitado pelo decreto nº 7.508 de 2011 aponta para o Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAP) que em nada será efetivo, se não houver a integração de setores e a verdadeira estruturação e organização das Redes de Atenção à Saúde. Diante desse contexto, as Comissões Intergestores Regionais (CIR) se cons-tituem como espaços privilegiados de negocia-ção e pactuação dos novos desenhos e das con-formações que tornarão o SUS, cada vez mais, com boa qualidade, equânime e acessível.

Tal atividade, que vem sendo desenvolvida desde a instituição das portarias ministeriais que versam sobre as Redes de Atenção à Saúde, en-volve técnicos e gestores da saúde na SES. A ex-periência relatada a seguir tem como foco alcan-çar mudanças no modo de operar a produção em saúde no estado da Paraíba, através da concepção metodológica baseada na sistematização de expe-riências (HOLLYDAY, 2006). Para o referido autor,

as experiências são sempre vitais, carregadas de uma enorme riqueza; e mais, cada experiên-cia constitui um processo inédito e irrepetível e por isso em cada uma temos uma riqueza que devemos aproveitar precisamente por sua par-ticularidade; por isso necessitamos compreen-der essas experiências; é fundamental extrair seus ensinamentos e por isso é também impor-tante comunicá-los, compartilhá-los (HOLLY-DAY, 2006).

Com base nesse entendimento, dispomo-nos a contribuir com a implementação das re-des por meio do processo de vivência na gestão, apontando para a forma de organização que o grupo condutor oportuniza ao SUS - Paraíba no atual momento. Ao mesmo tempo, compreen-demos que a sistematização não pode ser, sim-plesmente, espontânea. Com isso, seguimos o caminho apontado pelo autor supracitado como condição necessária para sistematizar experiên-cias no âmbito pessoal: primeiro, ter interesse e disposição para aprender a experiência; segun-

do, ter sensibilidade para deixar falar a experiên-cia por si mesma; e terceiro, ter habilidade para fazer análises e sínteses.

O autor nos provoca não somente a sistema-tizar ideias e vivências do cotidiano, mas também a constatar a relevância dos processos no campo pessoal e institucional, proporcionando-nos um movimento de idas e vindas sobre o tempo, o es-paço e a relevância sócio-histórica da vivência re-latada e socializada no presente trabalho.

Diante do exposto, na condição de Gerente operacional da Gerência Executiva de Atenção à Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde da Pa-raíba, o aluno do Curso de Especialização em Po-lítica e Gestão do Cuidado com Ênfase no Apoio Matricial, que, ao longo do curso, vivencia o coti-diano do trabalho, participa ativamente das pre-parações para as Redes de Atenção em Saúde, sentiu-se motivado a descrever sua experiência.

Para nortear a elaboração do presente rela-to, questionou-se: de que maneira a Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba tem trabalhado com as novas Portarias das Redes de Atenção à Saúde que instituem os Grupos Condutores? Como esses grupos podem mudar o modo de operar a produção em saúde no Estado?

Com vistas a responder a tais questiona-mentos, o estudo tem como objetivo descrever a experiência da formação dos grupos condutores de Redes de Atenção na Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba, socializando seu contexto de criação e as implicações relacionadas aos aspec-tos da cogestão e da gestão de coletivos.

2. RELATO DE EXPERIÊNCIA

2.1 Conformações dos Grupos Condutores de Redes de Atenção à Saúde na SES da Paraíba

O processo de criação dos Grupos Condu-tores das Redes Prioritárias de Atenção à Saúde se dá por consequência de publicação das novas portarias das Redes de Atenção à Saúde institu-ída pelo Ministério da Saúde a partir do ano de 2011. O contexto de envolvimento e implicação de diferentes setores e pessoas nesse processo desvela importantes experiências, que me pro-ponho a relatar para contribuir com o contexto de novas práticas e tentativas de tornar o SUS significativo em suas diversas frentes.

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A formação dos Grupos Condutores de redes na SES - PB pode ser percebida a partir do tempo, da composição e do espaço que vem ocupando, principalmente, no âmbito da gestão do SUS PB. O que há de inovador e provocador é a amarração na composição, com o envolvimento de diferentes setores técnicos da SES que, jun-to com os gestores municipais indicados pelo COSEMS, outros setores do governo do estado e representação do Ministério da Saúde, oportu-

Todos os grupos condutores, orientados por suas portarias ministeriais, que disciplinam o contexto de implantação, têm composição tri-partite entre os três entes federativos do Esta-do brasileiro, podendo ampliar sua composição para instituições de outros níveis de poderes e para os órgãos de fiscalização e controle social, conforme demonstrado na quarta coluna do qua-dro mostrado.

Como a denominação ‘Grupo Condutor’ ain-da não havia sido lançada em outras normativas oficiais, tudo o que temos sobre seu papel e atri-buições consta restrito e redigido de forma igual e constante em todas as portarias das Redes de Atenção publicadas em 2011 e no ano corrente, diferenciados apenas pelos artigos, pelos inci-sos e pelas alíneas especificadas em cada docu-mento. Podemos citar, por exemplo, a Rede de Atenção às Urgências e Emergências, a Rede de

nizam espaço de integração de diferentes visões para atacar as mesmas necessidades de organi-zar e fazer o sistema funcionar.

No quadro 01, a seguir, representamos o momento em que foram lançadas as portarias nacionais, as publicações das portarias e das resoluções estaduais, discorrendo sobre as ins-tituições e os setores da SES que compõem o grupo e a denominação de cada grupo condutor instituído no Estado:

QUADRO 01 – GRUPOS CONDUTORES DE REDES

Fontes: http://www.paraiba.pb.gov.br/?home e http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/

Atenção Psicossocial e a Rede Cegonha, em que se encontram com a implantação e a implemen-tação dos grupos condutores em suas fases de adesão e diagnóstico. Já na Rede de Cuidados com a Pessoa com Deficiência, a necessidade de implantação e implementação do grupo con-dutor se configura na fase de adesão. Todas as Redes de Atenção supracitadas, em suas porta-rias específicas, contam com a mesma redação quando se fala da instituição dos grupos, confor-me citação extraída do art. 8º, inciso II, alínea d, da Portaria GM/MS 3.088 de 23 de dezembro de 2011 (BRASIL, 2011):

d) instituição de Grupo Condutor Estadual da Rede de Atenção Psicossocial, formado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), Conselho de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS) e apoio institucional do Ministério da Saúde (MS), que terá como atribuições: 1. Mobilizar

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os dirigentes políticos do SUS em cada fase; 2. Apoiar a organização dos processos de tra-balho voltados a implantação/implementação da rede; 3. Identificar e apoiar a solução de possíveis pontos críticos em cada fase; e 4. Monitorar e avaliar o processo de implanta-

ção/implementação da rede.

2.2 Caminhos e implicações das Redes de Atenção: um olhar no contexto da PNH

Ao tempo em que acompanhamos o movi-mento de implantação e implementação das Re-des de Atenção à Saúde, através da função de Gerente Operacional da Gerência Executiva de Atenção à Saúde da Secretaria Estadual de Saú-de da Paraíba, participamos colaboramos com os quatro Grupos Condutores atualmente pre-sentes em âmbito estadual e participamos dele, em espaços oficiais e informais, em um proces-so de formulação de ideias e apontamentos de práticas que oportunizam a interação e a parti-cipação dos diferentes nesse processo comum. Porém, em um dos grupos (o Grupo Condutor da Rede de Urgência e Emergência), estivemos mais presentes devido a um contexto de imediaticida-de institucional (necessidade de entregar plano de ação para adquirir recursos para o estado), que hoje proporciona um contexto de vivências e práticas que, em nosso olhar, são mais pas-síveis de socialização. Isso oportunizou a iden-tificação de elementos minuciosos sobre a for-ma e o jeito que esse grupo vem construindo as coisas, facilitando a percepção do que se tem em comum como papéis e implicações entre os quatro grupos e apontando para uma perspecti-va de futuro relacionado ao contexto da gestão de coletivos e produção de saúde, fortalecendo a ideia e a prática da indissociabilidade da Aten-ção e Gestão do SUS.

Da publicação da Portaria 1.600/2011 até a instituição do Grupo Condutor estadual da mesma rede, têm-se quase um ano, ficando uma lacuna a qual não podemos elucidar respostas. Porém, se faz possível elencar elementos que permitam emergir a realidade local, proporcio-nando o aguçamento da percepção de peculiari-dades no modo de agir na SES – PB.

A Portaria nº 1.600 de 07 de julho de 2011, reformula a Política Nacional de Atenção as Ur-gências e institui a Rede de Atenção as Urgências

no SUS. A mesma está organiza em quatro ca-pítulos que discorrem, respectivamente, sobre: I – Diretrizes da Rede de Atenção às Urgências; II - Dos Componentes da Rede de Atenção às Ur-gências e seus Objetivos; III – Operacionalização da Rede de Atenção às Urgências e; IV – Disposi-ções Finais (BRASIL, 2011).

Entre outras atribuições, o capítulo I elen-ca quatorze pontos que facilitam a ligação dessa rede com os princípios do sistema e, ao mesmo tempo, aponta para as prioridades conceituais de organização, estabelecendo as linhas de cuidado cardiovascular, cerebrovascular e traumatologia, como prioritárias em seu percurso de estrutura-ção. Para facilitar a compreensão do caminho e/ou a forma de organização nesse percurso de es-truturação, em seu artigo 4º, a portaria instituiu os seguintes componentes (BRASIL, 2011):

I - Promoção, Prevenção e Vigilância à Saúde; II - Atenção Básica em Saúde; III - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e suas Centrais de Regulação Médica das Ur-gências; IV - Sala de Estabilização; V - Força Nacional de Saúde do SUS; VI - Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) e o conjunto de serviços de urgência 24 horas; VII - Hospitalar;

e VIII - Atenção Domiciliar (BRASIL, 2011).

Os grandes desafios para operacionalizar as redes são: estabelecer e desenvolver processos de trabalho que oportunizem a lapidação das RAS através da estruturação de cada componen-te em si e, em total ligação entre eles, encontros, rodas de discussão, pactuações em comissões intergestores, implicação dos gestores locais etc. Nada garantirá a efetivação das redes sem a interligação de seus componentes, bem como a inter-relação e a interlocução direta entre as diferentes redes de atenção à saúde.

Queremos dizer que, para esses desafios, são necessários transcendência e o exercício de estabelecer melhores canais para efetivar a polí-tica de saúde em todos os espaços do SUS. Para tanto, corroboramos a ideia que é propagada sobre o apoio institucional, como modo de “pen-sar-fazer” que circula por “entre” na fronteira, nas margens dos saberes e das práticas institu-cionais, na zona de indeterminação que produz entre eles (VASCONCELOS, 2009). Os mesmos autores definem que a potência do apoio se dá por “se localizar no “entre” das instituições,

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no “entre” dos estabelecimentos, no “entre” dos serviços, no “entre” da atenção e gestão, no “entre” trabalhadores e usuários, no “entre” usuários inseridos nos serviços e usuários que encontramos fora dos espaços institucionais” (VASCONCELOS, 2009).

É partindo do princípio de organização e de ser na gestão e na atenção do SUS que o pro-cesso de constituição dos grupos condutores das redes vem se dando na SES. Para tanto, o Gru-po Condutor da Rede de Atenção às Urgências (Quadro1) formalmente se constitui conforme preconizado na Portaria 1.600/2011 e passa a ter como meta o cumprimento das cinco fases de operacionalização da Rede, que são: I – ade-são e diagnóstico; II - desenho regional da rede; III - contratualização dos pontos de atenção; IV – qualificação dos componentes e V – certificação.

Com essa meta, o Grupo Condutor estabele-ceu reuniões periódicas com seus representantes e realizou três reuniões na sede da SES, entre o período de setembro e novembro. No meio do percurso, foi necessário ampliar o grupo de re-presentantes. Para isso, foram convidados mais dois membros do COSEMS e dois membros da Secretaria de Saúde do município de João Pes-soa. Esses últimos membros foram chamados por João Pessoa ser a capital do Estado e a ci-dade com a maior concentração de serviços e o maior parque tecnológico em saúde disponível para os usuários das Redes de Atenção à Saúde no estado da Paraíba.

Com a recomposição do Grupo Condutor, as reuniões passaram a ser semanais, e o foco principal foi atender à demanda repassada pelo Ministério da Saúde, que condicionou o recebi-mento de recursos do ano corrente, com a apre-sentação de um Plano Estadual da Rede, mesmo que fosse de uma região prioritária.

O Grupo Condutor, no desenvolver de suas reuniões, pactua a primeira macrorregião de saúde do Estado, cuja sede é a capital João Pes-soa, para ser a região prioritária para a primeira etapa do plano. A primeira macrorregião tem, em sua territorialidade, quatro regiões de saúde: a primeira, composta por quatorze municípios e tem como sede a cidade de João Pessoa; a se-gunda contém vinte e cinco municípios, e sua sede é a cidade de Guarabira; a décima segunda é formada por quatorze municípios e tem como sede a cidade de Itabaiana, e a décima quarta,

com 11 municípios, é sediada em Mamanguape.Pactuada a região prioritária, debateu-se

sobre a melhor metodologia para estabelecer a elaboração do plano. Ficou combinado que se manteriam as reuniões semanais na sede da Se-cretaria de Estado da Saúde e quatro oficinas na cidade sede de região de saúde para, juntas, as comissões Intergestores Regionais serem combi-nadas e fechadas as resoluções com o desenho ideal, bem como a planilha de gastos e os inves-timentos tripartites necessários para a estrutura-ção dos componentes da rede in loco e entre as regiões de saúde da primeira macro.

Depois desse desprendimento e dedicação dos diversos atores que compõem o Grupo Condu-tor, o plano passou por revisão técnica na câmara técnica da Comissão de Intergestores Bipartite (CIB) e foi aprovado na décima primeira reunião ordinária da CIB-PB, realizada no dia 15 de de-zembro de 2012. Essa aprovação se transformou na Resolução 243 do mesmo órgão colegiado.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nos remetermos a processos de constru-ção no SUS, propusemo-nos a desenhar mais um traço no cenário histórico a que a Saúde Pública vem se consolidando como garantia de direitos e de boa qualidade na assistência, eficiência e inovação na gestão.

Muitas são as novidades como ferramentas e modelos de gestão, porém os princípios cons-titucionais continuam sendo a base fundamen-tal para o disparar de políticas que alicerçam o sistema por meio de seus prenúncios de univer-salidade no acesso, integralidade do cuidado e equidade nas diferenças. As novidades trazidas pelas novas portarias das Redes de Atenção, que fazem parte do movimento instaurado pela por-taria 4279/10, permitem que os gestores par-ticipem mais, de forma solidária e pactuada, da promoção da saúde como Sistema Único e compartilhado nas responsabilidades. Esse ca-minho remeterá ao processo de aperfeiçoamento jurídico, através dos contratos organizativos de ação pública da saúde – COAP - que chegam com o papel de aparar arestas formais que o pacto pela saúde ainda não garantiu. Ao falar da cons-tituição de grupos condutores na SES - Paraíba,

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permitimo-nos socializar um processo novo de experiências que podem se tornar exitosas no SUS. Toda ferramenta que permite encontro e compartilhamento de ações e responsabilidades tende a possibilitar sucesso na prática e na reali-

zação do “SUS que dá certo”.Por fim, com a relação desses processos, o

grupo condutor chega como dispositivo para esti-mular e provocar os coletivos como produtores de saúde no campo da atenção e na gestão do SUS.

BRASIL, Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/.

___________. Lei nº 8.080, de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a orga-nização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/.

___________. Ministério da Saúde. Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Ministério da Saúde, Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

____________. Ministério da Saúde. Redes de produção de saúde. Mi-nistério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 44 p.: il. color. – (Série B. Textos Básicos de Saúde).

____________. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011: regulamentação da Lei nº 8.080/90. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. – Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 16 p. – (Série E. Legislação de Saúde).

_______. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro

Referências

de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/111276-3088.html.

_______. Ministério da Saúde. Portaria nº- 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1600_07_07_2011.html.

BELTRAMMI, D.G.M. Descentralização: o desafio da regionaliza-ção para Estados e Municípios. RAS – Vol. 10, No. 41 – Out Dez, 2008.

HOLLYDAY, Oscar Jara. Sistematização das experiências: algumas apreciações. in: BRANDÃO; Carlos Rodrigues & STRECK; Danilo Ro-meu (Organizadores). Pesquisa participante: o saber da partilha. Apa-recida, SP: Ideias & Letras, 2006.

VASCONCELOS, Michele de Freitas Faria de; MORSCHEL, Aline. O apoio institucional e a produção de redes: do desassossego dos ma-pas vigentes na Saúde Coletiva. Interface (Botucatu)[online]. 2009, vol.13, suppl.1, pp. 729-738.

http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832009000500024.

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Mariza de Oliveira Pinheiro *

Igor Max Pinheiro de Oliveira **

Maquiavel e as lições sobre política

RESENHA

(*) Professora e coordenadora do curso de graduação em Artes Visuais - CCTA/UFPB. Mestre em Educação (UFRN). Graduada em Comunicação Social- Jornalismo (UFPB). Graduanda do Curso de Direito (UNIPÊ). E-mail: [email protected]. (**) Graduando do Curso de Direito (UNIPÊ). Monitor e Palestrante da disciplina de Português Jurídico. E-mail: [email protected]

“10 lições sobre Maquiavel” (5.ed. Petró-polis, RJ: Vozes, 2013, 127p.) de Vinicius Soa-res de Campos Barros compõe a coletânea da Coleção 10 lições. O livro tece considerações das ideias principais e desmistifica a visão mal in-terpretada do historiador florentino, evidencian-do-o como defensor das liberdades republicanas. Especialista sobre o pensamento maquiaveliano, Barros é professor de Ciência Política e Filosofia do Direito na Universidade Estadual da Paraíba e no Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Segundo vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos Sociais e Políticos (Cebesp). Mestre em Ciência Política e Doutor em Filosofia, é autor de livros e artigos nas áreas de Ciência Política e Filosofia Política, dentre os quais se destacam: Introdução a Maquiavel – uma teoria do Estado ou uma teoria do poder? da Edicamp; Novo Manual de Ciência Política: autores modernos e contemporâ-neos (org) da Ed. Malheiro; Preparando a Repúbli-ca: Maquiavel e a Ditadura de Transição, em fase final de elaboração.

Em as “10 Lições sobre Maquiavel”, Bar-ros tem como referência o republicanismo mo-derno, enfocando os aspectos: metodológico e as estratégias políticas de sucesso na Itália na época da Renascença. A estrutura do livro divide-se em: Sob a luz da Renascença, a verdade efe-tiva, o pessimismo antropológico, a concepção histórica de Maquiavel, a íntima relação entre fortuna e virtú, a autonomia da política, a religião

Figura 1. “Os Segredos dos Sábios de Sião”, a primeira e úni-ca versão conhecida dos “Protocolos dos Sábios de Sião” a ser publicada fora da Rússia. Publicada na Alemanha, 1920. US Holocaust Memorial Museum

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como instrumento do Estado, Maquiavel e a arte da guerra, a teoria maquiaveliana das formas de governo, e, por último, o amor à pátria, a opção republicana e a ditadura transitória.

Na introdução, o autor justifica a influência histórica e as consequências negativas que cau-sou o livro de Maurice Joly, intitulado Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu, de 1864. Joly apropriou-se do realismo maquiaveliano e teceu uma crítica engenhosa em relação às ar-timanhas políticas de Napoleão III. O livro che-gou à França através de contrabandistas, mas foi confiscado e impedido de circular. Contudo, um exemplar caiu nas mãos de Ochrana1 que, plagiando-o, confeccionou um dos documentos falsos mais famoso de todos os tempos: os Proto-colos dos Sábios de Sion2.

A autoria foi concebida aos dirigentes da Aliança Israelita Internacional que urdiam es-tratégias para dominar o mundo. Mesmo sendo atestada a falsidade em 1921, o livro antisse-mita foi traduzido para várias línguas. Deste modo, o episódio disseminou a ideia de opres-são e de dominação como originária de Maquia-vel. Esse pensamento ainda permanece entre os leigos que desconhecem a verdade dos fatos e a essência dos valores na defesa da liberdade republicana.

Na Primeira Lição, o autor aborda o pensa-dor perscrutado e inserido na sociedade floren-tina do século XIV e XVI, assentado em bases humanistas e antropocêntricas em um dos perí-odos mais notáveis da história mundial: a Renas-cença3. O movimento renascentista engloba pen-sadores e artistas com visões discordantes sobre o conhecimento humano em diversas áreas. Uma realidade antagônica àquilo que se convencionou chamar de Idade das Trevas (isto é, Idade Mé-dia). O caráter multifário apontou, conforme te-ses sobre o assunto, o realismo e o individualis-mo como específicos da época. Iniciado na Itália, especialmente em Florença, pensadores e artis-tas assemelharam-se no gosto pela Antiguidade Clássica que inspirou a literatura, a filosofia e as artes. No aspecto econômico, emerge o capita-lismo, as descobertas científicas e o desenvolvi-

mento das ciências indutivas e experimentais. Para o autor, Maquiavel foi o intérprete po-

lítico dessa época ao revelar, em suas obras, o conflituoso cenário político da Itália, e descre-vendo o panorama de lutas entre os Estados e o forte controle da Igreja. Maquiavel classifica cinco polos de poder articulados com outras po-tências, que almejavam estabelecer o domínio político na região, sendo divididos entre: ao Sul, o reino de Nápoles, no centro o papado, os Anjou e, em 1492, os aragoneses; a República de Flo-rença, na Toscana, com a família dos Médici; o ducado de Milão, na Lombardia, com os Visconti e depois pelos Sforza; e, no Vêneto, Veneza, a República com estrutura constitucional estável.

Neste contexto conturbado, de golpes e contragolpes, de instabilidade e crise de legitimi-dade nasce Maquiavel em, 1469 de família bem sucedida na cidade de Val Di Pesa, os Machia-velli Villani. Obteve boa educação, sendo versado em retórica. O poeta preferido foi Virgilio, tendo travado diálogos com os historiadores clássicos, Tucídides, Tácito e Tito Lívio. Dedicava-se à lei-tura de Dante, Petrarca e Boccacio. Em, 1498, Maquiavel é nomeado secretário da Segunda Chancelaria, que, posteriormente, fundiu-se com a Comissão dos Dez, encarregada dos assuntos ligados à guerra, passando a dedicar-se intensa-mente aos temas políticos. Com a invasão do rei da França, Francisco I, em 1527, e a instauração de uma nova República, e a expulsão dos Medi-ci, o florentino é considerado um traidor, ocasio-nando seu afastamento do poder, o que pô-lo-á no ostracismo. Doente e na pobreza, falece no mesmo ano. No entanto, consagra-se um escritor imortal e fundador do pensamento político mo-derno na posteridade.

As bases do mundo prático e os alicerces de uma nova ciência política, além da discussão da metodologia adotada por Maquiavel, são te-máticas que constam na Segunda Lição, a verda-de efetiva. Em sua vasta experiência na Segunda Chancelaria, utilizando o método dedutivo e a contínua leitura dos historiadores greco-roma-nos, o secretário florentino instaura uma nova perspectiva para as abordagens do fenômeno po-

1. Polícia secreta Russa. 2. Publicação antissemita contendo mentiras sobre os povos semitas com o intuito de incitar o ódio contra os judeus e o estado de Israel.3. Ou Renascimento ou Renascentismo, termo usado para designar o período entre os séculos XIV e fins do XVI na Europa. Sem o consenso sobre a cronologia é basicamente marcado entre o final da Idade Média e inicio da Moderna. Tendo como berço a região italiana da Toscana (Florença e Siena). É norteado por um ideal humanista e naturalista de concepções do: Neoplatonismo, Antropocentrismo, Racionalismo, Otimismo e Individualismo.

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lítico. Inverte o paradigma antes priorizado pelo dever ser político acima dos desígnios reais com interesse de manter o poder e realça a necessida-de política como sendo, o que realmente sustenta os Estados, ou seja, diz ele: “os fenômenos polí-ticos obedecem as suas próprias leis”. (BARROS, 2013, p. 39)

O pessimismo antropológico de Maquia-vel acerca da natureza humana é delineado na Terceira Lição. De acordo com Barros, a análise feita por Maquiavel não é sob o viés metafísico, mas, sim, através de constatações empíricas. Neste sentido, para o pensador, o homem possui a natureza humana profundamente agressiva e egoísta, e busca a todo custo satisfazer suas pró-prias ambições, principalmente, o estadista para obter e manter-se no poder. De acordo com o au-tor, O Príncipe contém alto teor realista e segue uma linha diferente dos pensadores idealistas. Portanto, para o secretário florentino, o Estado e o poder fundam-se na essência perversa do homem. De modo paradoxal, Maquiavel ostenta uma profunda crença na edificação de uma so-ciedade virtuosa. Para ele, apesar do toda am-bição, os homens são capazes de construir boas instituições. (BARROS, 2013, p. 43)

Na tessitura da Quarta Lição, o autor trata da concepção de história de Maquiavel. Em que ele traz à tona uma nova interpretação sobre a concepção cíclica, em que a política não se con-substancia como algo estático, sendo os gover-nos dos Estados suscetíveis a constantes mu-danças que o levam da ordem à corrupção de forma repetitiva. Para ele, a ambição desmedida do homem é a causa da variação das formas de governo e do caráter circular da História. Desviando-se da influência medieval, ressalta a importância da ação humana na edificação e destinos das cidades.

A íntima relação entre fortuna e virtú, em torno dos quais giram o sucesso e o insucesso das ações humanas são o eixo principal do pen-samento maquiaveliano, exposto na Quinta Lição. Os dois conceitos, segundo Barros (2013) repre-sentam a luta inesgotável entre o homem de ação e os acontecimentos improváveis da política no tempo histórico. Segundo Maquiavel a fortuna irá favorecer somente os bravos. A virtú é uma necessidade política. Para este pensador, o in-teresse da pátria deve sobressair sobre todos os outros, “a ação do governante, que se adequa à

necessidade do momento, visa ao fim maior de assegurar as liberdades do momento e a inde-pendência do Estado.” (BARROS, 2013, p. 58)

A autonomia da política do Estado com as interfases do fenômeno do poder são analisados na Sexta Lição. Maquiavel constrói suas ponde-rações alicerçando-se na realidade dos fatos po-líticos de forma empírica e objetiva. Confere ao universo político uma esfera de atuação sujeita à sua própria lógica e às suas próprias leis, com-preendendo dois caminhos: o do bem, optando por uma existência tranquila e distante da vida pública, e o da manutenção do poder, em que o agente, precisa sufocar suas convicções morais para assegurar a estabilidade política e a integri-dade do Estado. Portanto, o governante não está sujeito a nenhuma normatividade ética, jurídica ou religiosa, guiando-se apenas pela necessidade política. Sendo, a Razão do Estado a primeira es-sência do maquiavelismo.

Segundo Barros (2013, p. 65-66), a concep-ção de indivíduo maquiavélico que age em seu próprio nome, usando de astúcia e de má-fé com o intuito de realizar seus objetivos, não condiz com a doutrina maquiavelista. Esse entendimen-to é consequência da vulgarização de seu pensa-mento distorcido pelos moralistas. Na realidade, o conceito científico de Maquiavel é congruente com a noção de Razão de Estado, ou seja, sem ter relação com o caráter. O fato é que o conceito está associado às práticas dos governantes en-volvidos por um sistema ético diferente do que rege nossa vida privada, e que “empregará todas as estratégias necessárias à salvação pública”. Na atualidade, com os direitos fundamentais dos cidadãos, o governante não tem a mesma liber-dade que os príncipes italianos da época.

A religião como instrumento do Estado e a vi-são anticlerical do pensador florentino são asse-verados na Sétima Lição. Segundo o autor, a reli-giosidade era propulsora do sentimento popular de obediência, e a corrupção do clero cristã a principal causa da decadência italiana. A reli-gião, para Maquiavel, não deve se contrapor ao Estado corrompendo-o, mas deve mantê-lo fiel ao interesse público. Para implantar a República era necessário a unificação da Itália sob o gover-no de um príncipe que, para obter êxito, deverá ser capaz de usar todas as armas possíveis, in-clusive a religiosa, e, assim, conduzir os italianos à liberdade e à unidade.

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Na Oitava Lição o autor situa a concepção de Maquiavel e a arte da guerra. O florentino inspi-ra-se nos romanos e seus modos militares, sen-do a guerra a chama que mantém a luta pela liberdade para futuras gerações, “a guerra é o meio político extremo utilizado, em determina-das situações, para fazer o inimigo retroceder em relação a seus objetivos políticos iniciais”. (BARROS, 2013, p. 79). Neste sentido, conforme o secretário florentino é dever dos governantes italianos adotar exércitos próprios, compostos por cidadãos, e não por tropas de mercenários, no sentido de que o cidadão mais virtuoso é tam-bém o melhor guerreiro. Já o mercenário não é confiável, pois se guia por interesse próprio. Para o bom êxito do poder, a prática militar deve ser monopolizada pelo Estado.

A teoria maquiaveliana das formas de governo é o estudo da Nona Lição. Maquiavel apropria-se da proposta teórica aristotélica com formato descritivo e realista e forte conotação normativa e prescritiva. Substitui a tripartição (monarquia, aristocracia e democracia) por modelo dicotômi-co em que se opõem monarquia e a república. Utiliza do conceito de Estado com sentido de co-munidade política soberana, e “República” deixa de significar a ordem estatal, enquadrando-se em forma de governo, que ele divide em repúbli-cas e principados. Segundo Barros, essa concep-ção inova o pensamento político. Pela primeira vez, utiliza-se a palavra “Estado” em seu sentido moderno de comunidade política soberana. An-tes de Maquiavel o termo usado era o vocábulo “república”. A partir dele, “república” passa a ser forma de governo.

E, finalmente, na Décima Lição, intitulada o amor à pátria, a opção republicana e a ditadura tran-sitória, considerada, pelo autor, a mais importan-

te por nos oferecer um arremate interpretativo, situando-o ideologicamente como um fervoroso patriota e exaltador do republicanismo. Barros justifica as estratégias maquiavelianas como mensagens para o governante com a difícil mis-são de unificar a Itália. Para o autor, o realismo político de Maquiavel está em consonância com o seu amor à pátria. O pensador que pugna pelo ideal republicano, inspirado na Roma antiga com um governo com respeito às leis do povo. Por-tanto, um humanista com grandes ideais republi-canos, um crítico das repúblicas aristocráticas e que expressa uma clara opção popular, “seria ele um cultor do governo da lei, não de um governo da lei de modelo aristocrático, como em Florença ou, na já citada Veneza, mas de uma forma qua-se que revolucionária, de um modelo democráti-co, o que fica patente em sua teoria do conflito de classes”. (BARROS, 2013, p. 103).

Concluindo de forma romanceada, e rela-cionando com o movimento romântico na música da época, o autor termina enaltecendo o sonho de Maquiavel: ver a península unificada sob a égide de um governo republicano e a sua crença inabalável no povo que outrora havia dominado o mundo. De forma apaixonante, Barros nos traz um olhar mais cuidadoso sobre a contribuição de Maquiavel para Política. Remete-nos à meto-dologia elisiana4 quando destaca a importância de entender o sujeito histórico atrelado à sua época e, sobretudo, compreendendo como ele está de forma interdependente atrelado nele. De linguagem agradável e acessível, desmascara os mitos e preconceitos que pairam sobre esse pen-sador que, através de seu legado, impulsionou o surgimento da Ciência Política. Indicamos como importante livro de introdução ao pensamento maquiaveliano.

4. Norbert Elias - Sociólogo e filósofo Alemão. Desenvolveu abordagem, sociologia figuracional que examina as figurações sociais como consequência inesperadas da interação social. Autor de: O processo civilizador; sociedade dos indivíduos; sociedade da corte, entre outros.

Referência

BARROS, Vinicius Soares de Campos. 10 Lições sobre Maquiavel. 5 ed.- Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.

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Rubens Pinto Lyra *

Kiril e Francisco: da ficção à realidade

ENSAIO

(*) Doutor em Direito, na área de Política e Estado (Un. Nancy, 1975) e Professor do Curso de Pós Graduação em Direitos Humanos, Políticas Públicas e Cidadania da UFPB. Autor ou organizador de 28 livros sobre temas referentes à teoria política, democracia, participação popular e socialismo. E-mail: [email protected]

A eleição do sucessor de Bento XVI surpre-endeu o mundo. O escolhido foi, pela primeira vez, um sul-americano, que tem tudo a ver com o perfil mudancista do atual Papa. Apesar de seu pouco tempo de Pontificado, Francisco é reco-nhecido por todos como líder religioso reformis-ta. Não obstante, há uma insuficiente compreen-são de que a escolha de um Papa com o perfil do atual Pontífice não é, essencialmente, fruto do seu carisma, inspiração divina, ou do acaso. Ao contrário, tal escolha denota a capacidade, historicamente demonstrada, da cúpula da Igre-ja Católica de absorver os anseios de renovação, provenientes de seus milhões de fieis, como con-dition sine qua non de sua própria sobrevivência. Nesse sentido, a evocação de uma obra de ficção, de autoria do notável escritor australiano, Morris West, As sandálias do pescador, escrita em 1963 é, sob todos os aspectos, reveladora. Ela ajuda a compreender como o comportamento e as posi-ções veiculadas pelo Papa Francisco constituem uma projeção daquelas que foram postuladas e vividas, nos anos sessenta, por Kiril Lakota, prin-cipal personagem do best seller de West – prota-gonizado no cinema pelo famoso ator Anthony Quinn. Kiril era um prelado ucraniano que foi nomeado cardeal in pectore (secretamente) pelo papa, quando cumpria condenação a trabalhos forçados em um campo de concentração do regi-me stalinista. Tão logo libertado, os seus pares, com a morte do então Papa Pio XII, o escolheram para ocupar o trono de Pedro.

São impressionantes as semelhanças entre Kiril e Francisco. Ambos, outsiders, praticamente desconhecidos fora da Cúria Romana, foram elei-tos, surpreendendo a todos, para suceder papas conservadores, em momentos em que a Igreja Católica precisava aproximar-se do “comum dos mortais”. Com efeito, a primeira característica do Papa Francisco é a sua simplicidade e seu poder de comunicação , conforme demonstrado nos gestos simbólicos que praticou, quebrando o protocolo e misturando-se às massas. Já Kiril, o papa russo fictício, ostentava o mesmo com-portamento. Uma das cenas mais marcantes do filme sobre esse papa mostra que, tão logo eleito sucessor de Pedro, escapa secretamente da residência papal para passear anônimo nas ruas de Roma, buscando, nos contatos com o homem do povo, quebrar o isolamento imposto pela hierarquia do Vaticano. Diferença abissal de comportamento – de Kiril e de Francisco – se comparados com seus antecessores, os aristo-cráticos Papas Pio XII e Bento XVI!

Contudo, por importante que seja a rela-ção pessoal desmistificadora adotada por esses Papas, as similitudes, no plano das ideias, são ainda mais notáveis e prenhes de consequências práticas. Recentemente, Francisco assumiu mais uma posição corajosa, ao aceitar como verdadei-ra a teoria da evolução. Claro, compatibilizando tal aceitação com a crença em um Deus criador do mundo e dos homens. O papa da obra de fic-ção de Morris West também simpatizava com a

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supracitada teoria. E isto, há mais de cinquenta anos atrás, quando reinava, inconteste, a teo-ria criacionista! Com efeito, além de prestigiar famoso teólogo da época, que defendia a teoria evolucionista, o Papa Kiril desfrutava de sua inti-midade, tendo-o chamado para passar uma tem-porada na sua própria residência. No livro de Morris West, esse teólogo chamava-se Telémond, pseudônimo dado ao famoso padre canadense, e, também, paleontólogo de renome, Teillard de Chardin. Vendo sua obra hostilizada pela Igreja, e impedido por ela de divulgá-la, Télémond é vi-timado por um ataque cardíaco e morre. O Papa Kiril, arrasado, não teve condições de se contra-por a decisão contra ele tomada pela Congrega-ção do Santo Ofício. Nesse mesmo diapasão, se situa a amizade que une o Papa Francisco ao teó-logo brasileiro Frei Beto, um dos principais expo-entes mundiais da Teologia da Libertação e, tam-bém, amigo pessoal de Fidel Castro. Da mesma linha de pensamento de Leonardo Boff, punido pelo Cardeal Ratzinger, antes de se tornar Bento XVI, com um “silêncio obsequioso” pelo período de um ano, durante o qual ficou impedido de pro-fessar as suas ideias, inclusive de publicar.

Mas foi no domínio das relações internacio-nais que o Papa Kiril Lakota mais demonstrou coragem no enfrentamento das forças conser-vadoras que lhe eram hostis, dentro e fora da Igreja, assumindo posição firmemente contrária à corrida armamentista. Em plena Guerra Fria, estabeleceu intensa interlocução com seu anti-go algoz Kamenev – que havia se tornado, en-trementes, Primeiro Ministro da União Soviética. Pode, assim, intermediar secretamente, com ple-no êxito, o diálogo entre as duas superpotências atômicas da época – a União Soviética e os Es-tados Unidos, além da China - evitando que se concretizasse a ameaça de deflagração da Ter-ceira Guerra Mundial. Mais uma vez, impressio-na a analogia, mutatis mutandis, entre a atuação do personagem de ficção de Morris West e a do papa argentino. Com efeito, a iniciativa de maior impacto político até agora tomada por Francisco foi precisamente a de aproximar dois antagonis-tas históricos: Cuba, identificada com o modelo soviético de sociedade e de regime político, com o seu desafeto histórico: os Estados Unidos. Essa aproximação espetacular não produziu automa-ticamente o fim do bloqueio de cinquenta anos

a ilha caribenha, até porque o Presidente dos Estados Unidos não tem competência para fazê-lo. Mas, sem dúvida, desencadeou um processo que conduzirá ao término desse bloqueio, caso os esforços em prol da paz venham a conquistar a hegemonia no âmbito internacional. Last but not least: no que se refere às questões econômi-cas e à crítica a ordem social injusta, reinante no mundo moderno, as posições do Pontífice fic-tício de Morris West, Kiril Lakota e as do Papa Francisco são muito próximas. Kiril e Franciso elegeram como alvos prediletos de sua reflexão, a crítica à suntuosidade e ao artificialismo da Igreja, e, especialmente, ao universo fortemente hierarquizado e burocrático do Vaticano. Nesse último aspecto, o papa russo foi adiante – ainda mais, se se considera que suas propostas foram formuladas há mais de cinquenta anos. Com-provam essa conclusão as cenas finais do filme protagonizado por Antony Quinn, já referido, nas quais o Papa Kiril Lakota condiciona a sua inves-tidura no cargo ao apoio – que finalmente lhe é dado - à sua disposição de distribuir os bens que confere riqueza à Igreja, às “massas famintas”. Posicionamento que nunca foi assumido por ou-tros papas, em que pese iniciativa corajosa de Francisco, com vistas à reestruturação do Ban-co do Vaticano e a reconsideração dos objetivos pelos quais ele atua. Já o papa avançou, como nenhum outro Pontífice, em um aspecto essen-cial: a crítica ao atual capitalismo. Ele tem mos-trado a necessidade de os cristãos lutarem por uma ordem econômica e social compatível com os ideais de justiça e de igualdade, negados pela busca desmedida do lucro, que constitui a mola mestra da organização econômica submetida à ordem do capital.

Registramos mais uma convergência de po-sicionamentos dos dois Pontífices, agora no cam-po da moral. Indagado a respeito de sua posição sobre os homossexuais, o antigo Cardeal-Arce-bispo de Buenos Aires respondeu perguntando: quem sou eu para julgá-los? Este posicionamento, de per se, já produziu um avanço. Com efeito, não podendo o Papa, quem mais, quem mais pode-rá, na Igreja Católica, fazer tal julgamento? Não obstante, o Sínodo que Francisco convocou sobre a família, realizado em 2014, não acompanhou, na mesma medida, a sua abertura em direção aos homossexuais. Continua a predominar, no

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seio da Igreja, forte estigma em relação aos gays. Pode-se, pois, imaginar o que ocorria, há mais de meio século atrás!. No contexto da moral extremamente rígida da época, manuais, como Luz do Ceú e outros do mesmo jaez, enfatizavam sempre o aspecto repressivo do poder divino. Em contraste com essa rigidez, trecho do livro As sandálias do pescador, já referido, faz sobressair a postura tolerante de Kiril Lakota em relação ao homossexualismo. Interpelado por um Ministro da República italiana, se deveria se envergonhar de suas tendências homossexuais, Kiril respon-de: não tendes razão de vos envergonhar.

Concluímos que, de fato, o perfil do papa russo-ucraniano se projeta no do argentino, sen-

do impressionantes as afinidades, quando não, a coincidência de comportamentos e de propó-sitos. Francisco ainda tem muito a fazer, pois, apenas deu os primeiros passos – ainda que ex-tremamente vigorosos - de um processo de mu-danças profundas no seio da Igreja Católica Ro-mana. Tem contra si a idade avançada, que pode levá-lo à renúncia antes de consolidar o processo de reforma que empreende. Mas as sementes que agora lança tem grandes chances de vingar tendo em vista que o notório esclerosamento da Igreja somente pode ser combatido com propos-tas, como as de Kiril e as de Francisco, que ob-jetivam reformá-la, para que se torne mais tole-rante, mais democrática e socialmente engajada.

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