38
113 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar * *  T ulane Universi ty. RESUMO: Este ensaio se insere no debate contemporâneo acerca do valor estético, argumentando que culturalistas, revisores do cânone, e esteticistas, defensores da primazia do cânone ocidental, compartilham uma série de pressupostos. A partir de uma compreensão do caráter contingente do valor estético e da impossibilidade de fundamentá-lo de maneira imanente à obra, sugerem-se algumas pautas para o debate, baseadas na descontinuidade, frequentemente ignorada, entre os conceitos de valor, de estética e de cânone. PALAVRAS-CHAVE: valor; cânone; estética; contingência. ABSTRACT: This article is part of a contemporary debate on aesthetic value. I argue that canon-revising culturalists as well as aestheticists who defend the primacy of the Western canon share a number of premises. Understanding the contingent nature of aesthetic value and the impossibility of grounding it immanently , I suggest a few possible routes for the debate, based on the often ignored discontinuity among the concepts of value, aesthetics, and canon.  KEYWORDS: value; canon, aesthetics , contingency. Cânone e crítica formal Este ensaio parte da premissa de que não há crítica ou teoria literária, por mais descritiva, na qual não esteja implícita uma posição sobre o valor. Como veremos, essa premissa é simultaneamente negada e aceita pelos dois polos de um debate que, com frequência, é apresentado como uma polêmica entre defensores de um firme cânone

Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 1/38

113

Cânone Literário e Valor Estético:notas sobre um debate

de nosso tempo

Idelber Avelar*

*  Tulane University.

RESUMO: Este ensaio se insere no debate contemporâneo acerca

do valor estético, argumentando que culturalistas, revisoresdo cânone, e esteticistas, defensores da primazia do cânoneocidental, compartilham uma série de pressupostos. A partirde uma compreensão do caráter contingente do valor estéticoe da impossibilidade de fundamentá-lo de maneira imanenteà obra, sugerem-se algumas pautas para o debate, baseadas nadescontinuidade, frequentemente ignorada, entre os conceitosde valor, de estética e de cânone.

PALAVRAS-CHAVE: valor; cânone; estética; contingência.

ABSTRACT: This article is part of a contemporary debate on

aesthetic value. I argue that canon-revising culturalists as wellas aestheticists who defend the primacy of the Western canonshare a number of premises. Understanding the contingentnature of aesthetic value and the impossibility of grounding itimmanently, I suggest a few possible routes for the debate, basedon the often ignored discontinuity among the concepts of value,aesthetics, and canon.

 KEYWORDS: value; canon, aesthetics, contingency.

Cânone e crítica formal

Este ensaio parte da premissa de que não há críticaou teoria literária, por mais descritiva, na qual não estejaimplícita uma posição sobre o valor. Como veremos, essapremissa é simultaneamente negada e aceita pelos doispolos de um debate que, com frequência, é apresentadocomo uma polêmica entre defensores de um firme cânone

Page 2: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 2/38

114  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

ocidental e culturalistas favoráveis a uma relativização ouabolição desse cânone. Além de tomar algumas posiçõesque não se alinham com nenhum dos dois polos, este en-saio tenta demonstrar que a própria formulação do debateé problemática, e que o valor estético e o cânone literáriopodem e devem ser repensados em outros termos.

Há correntes críticas do século XX, sabemos, querejeitariam o pressuposto da inevitabilidade valorativa. Oestruturalismo, com seu afã científico e universalizante,elaborou pouco sobre a questão do valor, optando por um

projeto que tinha um caráter mais descritivo que valorati-vo, embora seus principais teóricos, como Roland Barthes e

 Julia Kristeva, jamais tivessem escondido suas preferênciasliterárias, mesmo nos momentos de maior formalização dométodo. Os textos de Roland Barthes em que a preocu-pação com o valor se torna explícita são aqueles escritos apartir do final dos anos 1960, depois da progressiva rupturacom a formalização do estruturalismo, já numa fase de seupensamento em que são visíveis as inspirações nietzscheanae lacaniana, discursos com fortes componentes axiológicos.Hegemônico durante décadas na crítica estadunidense, oNew Criticism focalizou a valoração na diferença entre aliteratura e a cultura de massas, mas não em distinçõesefetuadas no interior da série literária. Nas suas origens, nosanos 1930, os new critics – John Crowe Ransom, Allen Tate,R. P. Blackmur, Robert Penn Warren, Cleanth Brooks – sediferenciavam dos filólogos então dominantes ao conferirum papel edificante para a literatura, que fizesse desta oantídoto contra a vulgaridade massiva associada à raciona-lidade técnica moderna e à “dissociação da sensibilidade”,conceito que herdaram de T. S. Eliot. A insistência dos

 new critics no caráter desinteressado da literatura acabousendo um gesto no qual se albergava um nítido interesse,visível na batalha que eles livraram contra o establishment da filologia.

O New Criticism surgiu, portanto, como intervençãonuma polêmica culturalista – entendendo-se “cultura”não no sentido antropológico, mas no sentido classista

Page 3: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 3/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 115

e aristocrático do termo. Como apontaram Gerald Graff(1987, p. 145 et seq.) e John Guillory (1993, p. 155-175), omomento de triunfo do New Criticism na universidade e deconsolidação da poesia modernista no currículo coincidiucom o arrefecimento dessa veia polêmica. Os new critics semoveriam em direção à análise de estruturas internas dostextos, nas quais invariavelmente encontrariam a ironia,a ambiguidade e o paradoxo que eles antes reservavamaos modernos e aos poetas metafísicos ingleses do séculoXVII. A consolidação do método como leitura hegemônica

acabou acarretando a universalização dos traços que elesantes só viam nos autores do seu paideuma particular. Nomomento em que Northrop Frye publicou o hoje clássico

 Anatomia da crítica (1957), no qual ele se distanciava tantodo New Criticism como da Escola de Chicago, que era seuprincipal antagonista, uma apresentação explícita do pro-blema da valoração já era inevitável. Embora não fizesse alinenhuma referência ao trabalho da antropologia estruturalque, na França, já se desenvolvia havia uma década comLévi-Strauss, Frye chegou a considerar “Poética estrutu-ral” como um possível subtítulo para o livro, e alguns doseixos da obra revelavam nítido parentesco com o trabalhoque o estruturalismo literário francês realizaria nos anosseguintes: as metáforas espaciais, o caráter sistematizador,o jogo de antinomias, a centralidade do conceito de mito,a insistência no imanentismo e no caráter autossuficienteda crítica literária. Uma das diferenças importantes é queFrye se dedicou longamente ao problema do valor literário,ainda que fosse para negar sua pertinência para a práticacrítica. Tomo Frye como ponto de partida de uma demons-tração do que considero o caráter aporético da discussãosobre o valor literário:

Na história do gosto, onde não há fatos, e onde todasas verdades já foram, de maneira hegeliana, quebradasem meias-verdades …, sentimos talvez que o estudo daliteratura é relativo e subjetivo demais para ter sentidoconsistente. Mas como a história do gosto não tem vínculo

Page 4: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 4/38

116  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

orgânico com a crítica, ela pode ser facilmente separada(Frye, 1957, p. 18).1 

Um pouco antes, ele afirmara que “a história do gostonão é parte da estrutura da crítica, assim como o debateHuxley-Wilberforce não é parte da estrutura da ciênciabiológica” (p. 18). O curioso da analogia de Frye, por certo,é que está bem longe de ser uma verdade evidente que apolêmica Huxley-Wilberforce não seja parte da “estruturada biologia” (seja lá o que for isso), assim como não é óbvio

que a polêmica Marx-Ricardo não seja parte da “estrutura”da economia política. À medida que o leitor percorre aspáginas de Anatomia da crítica, vai se impondo uma con-clusão: sempre que Frye diz que a crítica é “facilmenteseparável” do gosto e do juízo valorativo, pode-se estarrazoavelmente convicto de que tal separação é a coisamenos fácil que há.

O leitor o percebe quando chega o espinhoso momentoem que Frye tem de justificar suas escolhas. Para isso, elelança mão de uma curiosa tese, a de que é preferível que os

valores que subjazem às escolhas estéticas da crítica fiquemescondidos, pois explicitá-los terminaria fundamentandoa crítica na história do gosto e, portanto, dinamitando aseparação que se havia proposto entre elas:

As estimativas comparativas de valor são realmente infe-rências da prática crítica, mais válidas quando silenciosas,e não princípios expressos que guiam sua prática. O críticoverá logo, e constantemente, que Milton é um poeta maissugestivo e recompensador que Blackmore. Mas quantomais óbvio se torne isso, menos tempo ele desejará desper-diçar insistindo na questão. Porque insistir nela é tudo o queele pode fazer: qualquer crítica motivada por um desejo deestabelecê-lo ou prová-lo será meramente mais um docu-mento na história do gosto (Frye, 1957, p. 25).

 Anatomia da crítica sugere, simultaneamente, que 1)a crítica é uma esfera separada da história do gosto; 2) é“óbvio” que alguns poetas são melhores que outros; 3)

1  São minhas as traduções detodas as citações de fontes emlínguas estrangeiras.

Page 5: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 5/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 117

qualquer tentativa de explicar essa obviedade está fadadaa ser parte da história do gosto, não da crítica. Preso numdiscurso que postula a separabilidade da crítica ante ahistória do gosto, mas tropeça na constante interferênciadesta sobre aquela, Frye não pode senão sugerir que osfundamentos das escolhas valorativas permaneçam semdiscussão.  Anatomia da crítica,  um dos livros de críticaliterária mais influentes do século XX, se sustenta sobreum tripé de premissas de visível precariedade: 1) a críticae o gosto não se misturam; 2) não se faz crítica sem uma

escolha valorativa; 3) já que a valoração é definida comoparte de uma história do gosto externa à crítica, mesmoque reconheçamos que a atividade crítica depende de es-colhas valorativas, teremos de esconder debaixo do tapeteos critérios que subjazem a elas, sob o risco de que todo oedifício desmorone.

Seria possível demonstrar que a aporia detectada emFrye se repete nos métodos interpretativos que tentaram fa-zer da crítica literária uma operação descritiva na qual nãoteria lugar o debate acerca das opções valorativas. Numafutura história dos métodos formais no século XX,2 haveriaque se dedicar especial atenção às maneiras como o desejode cientificidade entrou em choque com a inevitabilidadevalorativa. No caso do formalismo russo, esses dois eixoscoexistiram com certa tensão. O projeto de descrever cien-tificamente a linguagem poética os levou a estabelecer anoção de estranhamento (ostraneniye) como o mais próprioda literatura. Shklóvski definiu o conceito como o processopor meio do qual a novidade das operações poéticas sobrea linguagem prolongaria a percepção, aumentando-lhe adificuldade. O estranhamento possibilitaria uma renova-ção de uma experiência do mundo caracterizada por umapercepção já automatizada, fruto da repetição constante.No momento mais frutífero do desenvolvimento das pes-quisas dos formalistas, a consolidação do poder políticonas mãos de Stálin os forçou ao exílio ou ao silêncio, nãoantes que Yuri Tinianov formulasse algumas pistas acercado que poderia ter sido uma concepção formalista da

2  Para o estruturalismo, vero notável trabalho de históriaintelectual já feito por FrançoisDosse (1991-92).

Page 6: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 6/38

118  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

história literária. Para Tinianov, a literatura evoluiria pormeio da paródia, pelo estranhamento imposto a formasliterárias automatizadas pelo uso excessivo. Sempre queum procedimento passasse a ser parte do repertório depráticas já esperadas, uma operação paródica tenderiaa surgir, tornando visível a automatização anterior. Umexemplo clássico é o que Dom Quixote fez aos romancesde cavalaria, expondo a artificialidade de suas convenções.A sofisticação do aparato teórico dos formalistas os levoudo imanentismo textualista a uma incipiente teoria da

história literária, interrompida pela consolidação do poderburocrático na União Soviética.

Apesar de que as observações feitas acima sobre Fryenão se aplicam aos formalistas, eles tampouco se dedicarama tematizar explicitamente o problema do valor. A insis-tência na função descritiva da teoria literária, combinadaà condenação ao impressionismo dos simbolistas, ajuda aexplicar a relação multifacetada que os formalistas man-tiveram com o tema do valor. A partir das premissas deque o estranhamento é mais próprio à literatura e de que ahistória literária evolui pela operação paródica sobre formasanteriores congeladas, parece inescapável a conclusão deque o valor está acoplado à realização desse programa:quanto mais estranhamento e mais ruptura paródica comas formas anteriores, mais valor. O edifício teórico dosformalistas nos leva à conclusão ineludível de que Dom

Quixote tem um valor que Amadis de Gaula não apresenta,de que as vanguardas realizam a vocação da literatura deuma maneira que os parnasianos não fazem, e assim pordiante. As conhecidas afinidades entre o formalismo e ofuturismo russos emprestam credibilidade a essa tese. Nãohá nada de condenável nessa axiologia, é claro. Mas reco-nhecer sua existência – mesmo que implícita – é indícioadicional de que até nas empreitadas mais cientificistas dacrítica literária impõe-se a inevitabilidade valorativa. Mui-to ainda poderia ser dito aqui, mas passemos ao extremooposto, ou seja, às correntes críticas que explicitamentereivindicam a valoração como elemento constitutivo da ati-

Page 7: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 7/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 119

vidade crítico-literária. Posição de destaque nessa vertentecabe aos críticos que se ocupam das relações entre ética eliteratura, um debate cujas origens podem ser remetidasaos Livros III e X da República de Platão.

Crítica ética e falácia igualitária

Wayne Booth, com seu The company we keep, ocupa umlugar central no chamado ressurgimento da crítica ética nosEUA. Na tentativa de esclarecer os valores que subjazem

às análises estéticas, Booth abraça o projeto humanista deilustração por meio das letras, que ele define como uma“Conversa celebrando as muitas maneiras em que as narra-tivas podem ser boas para você – com vislumbres de comoevitar seus poderes para o mal” (p. ix). Booth tenta resgataressa função humanista sem reduzi-la a um conjunto denormas. Consciente de que as condenações moralizantesde uma tradição que vai de Platão a Leavis deram à críticaética uma má fama, Booth coloca a pergunta: “Poderemosesperar encontrar uma crítica que respeite a variedade e

ofereça um saber acerca de por que algumas ficções valem[are worth] mais que outras?” (1988, p. 36). Como se verá,a tarefa não é fácil.

Qualquer tentativa de sustentar este último postu-lado – de que algumas ficções realmente valem mais queoutras – só poderia “respeitar a variedade” interrogando-se sobre os processos históricos por meio dos quais certosvalores foram conferidos àquelas ficções. Se não, ou seja,ao continuar tomando esses valores como intrínsecos, aconclusão lógica, necessária, seria a defesa daqueles valoressobre outros, que valeriam “menos”. O desafio que Boothse coloca é manter algumas das premissas da teoria con-temporânea (acerca da variabilidade histórica do sentidoou da impossibilidade de uma medida transcendental devalor), ao mesmo tempo em que continua se agarrandoa um conceito de literatura como fonte singular de um“mergulho em outras mentes” (p. 142), que provocariauma “série de efeitos no ‘caráter’”, a saber, o Bem ou o Mal

Page 8: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 8/38

120  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

aos quais o prefácio alude. Booth quer aceitar o pluralismohermenêutico da teoria literária contemporânea sem abrirmão do absolutismo da filosofia moral. Company é, então,uma minuciosa tentativa de aceitar a variabilidade de in-terpretações sem deslocar a discussão do terreno do valorintrínseco ao campo da valoração social. Booth “realiza”essa tarefa por meio de uma série de exercícios de reductio

ad absurdum, como o contraste entre King Lear, de Shakes-peare, e um exemplar da revista pornográfica Hustler, ouentre um poema de Yeats e uma brincadeira improvisada

em verso. Depois de superar essas caricaturas, a grandeliteratura emerge intacta, com sua insubstituível funçãomoral reassegurada. A reductio ad absurdum será uma dasestratégias retóricas favoritas dos que mantêm a referênciaao valor estético como propriedade intrínseca e resistemao argumento de que o valor só pode ser entendido pormeio da remissão ao seu solo social.

A necessidade de caminhar sobre a corda bamba quesepara o reconhecimento das contingências históricas docompromisso humanista leva Booth a fazer uma série degestos na direção do relativismo: o que é bom cá não é bomlá, pode ser bom para você mas não para mim, qualquervirtude levada ao extremo pode destruir as outras, umadose excessiva de qualquer valor (seja a ironia, a aberturaformal ou qualquer outro) pode ser prejudicial em vez depositiva, etc. Daí sua busca do meio do caminho, aquelaárea cinza que permitiria ao crítico evitar qualquer “si-logismo universal” (esta obra é boa porque apresenta X,portanto todas as obras que apresentem X...) sem renun-ciar à premissa de um valor ético intrínseco à literatura ea algumas obras literárias mais que a outras. O objetivo éevitar os “riscos” de “fechamento” ou “abertura” excessiva.Os tropeços da crítica ética seriam explicáveis por sua ten-tação especial de “sobre-generalizar”. A solução moderadabusca um pluralismo que mantenha a referência a um valorintrínseco o qual, por mais variável que se conceda que eleseja, termina sempre transcendendo os conflitos da valo-ração social. No momento em que a teoria não consegue

Page 9: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 9/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 121

fundamentar essa transcendência, compare-se a Divinacomédia com um exemplar da Revista Veja, constate-se aóbvia diferença entre os valores intrínsecos e o problemaestá “resolvido”.

Sempre que se remete um problema à “tentação desobre-generalizar”, o terreno está preparado para que oliberal sensível procure a conciliação razoável. Essa mi-tologia da ponderação não deixa de operar na teoria. Aocontrário do que argumenta Booth, seu pluralismo não éradical, e sim liberal. Ao se referir à crítica contemporânea,

Booth afirma que “a ênfase na variedade de interpretaçõesnos diz pouco sobre o valor real das obras” (p. 84). Essaafirmação repousa sobre a premissa de que o valor é umaespécie de propriedade inerente ou essência eterna, ou seja,ela pressupõe uma recusa a considerar o argumento de quetodo valor é produto do choque de valorações contingentese historicamente variáveis, posição que Booth descartacomo “subjetivista” (p. 73). Os ataques ao “subjetivismo”do ponto de vista de uma ética humanista são bem co-nhecidos e Booth os repete em seu livro: “pressupõe-seclaramente uma completa equivalência na competênciade todos os intérpretes no argumento de que as obras nãopossuem  ou exercem valor inerente, mas que somentesão valoradas” (p. 85). Mas Booth parece ter entendidomal a teoria da contingência. Afirmar que a valoração ésocialmente contingente não significa dizer que todos osagentes valoradores são igualmente competentes. Signifi-ca que “competência” não é um significante com sentidounívoco e eterno, e que seu próprio conteúdo só pode sercompreendido com referência ao contexto particular emque algumas habilidades contam como competência eoutras, não.

A equação imaginária entre a contingência social dovalor e uma suposta igualdade entre os agentes valoradoresé o que Barbara Herrnstein Smith denominou a falácia

igualitária, ou seja, “a recorrente ansiedade / acusação /reclamação de que a menos que se possa demonstrar queum juízo é mais ‘válido’ que outro, todos os juízos devem

Page 10: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 10/38

122  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

ser ‘iguais’ ou ‘igualmente válidos’” (Smith, 1988, p. 98).A falácia igualitária se sustenta no que Marx chamava de“robinsonada”, uma espécie de grau zero da axiologia quereplica a ilha de Daniel Defoe. Note-se um exemplo emBooth: “me parece difícil acreditar que se uma pessoa denossa cultura que é completamente inexperiente em lite-ratura não vê absolutamente nenhum valor, digamos, nosromances de Faulkner, suas opiniões sejam tão pertinentes anosso discurso sobre Faulkner como as opiniões de leitoresexperientes” (p. 85). A falácia é que, obviamente, uma

pessoa inexperiente em literatura não poderia pertencer àmesma cultura e suas opiniões, por definição, não teriama mesma pertinência para o “nosso” discurso. Como adesconstrução e o marxismo nos ensinaram de diferentesformas, sempre há que se perguntar qual sujeito da enun-ciação se esconde por trás de um pronome de primeirapessoa do plural. Na verdade, é precisamente porque osjuízos não são igualmente válidos que os valores nunca sãointrínsecos, idênticos a si mesmos, e sim articulados pormeio de conflitos sociais. É exatamente por causa do fatode que as valorações não são nem válidas da mesma formanem identicamente posicionadas nas relações sociais queelas jamais são intercambiáveis. Eis aí a falácia da ansiedadeessencialista que preconiza que, se a compreensão do con-ceito de valor se deslocou de uma imanência dormente auma rede de relações sociais, os valores ficaram, de algumaforma, idênticos uns aos outros. A falácia igualitária con-funde uma posição social construtivista com uma posiçãomoral e estética relativista.

Se os imanentismos formais não escapam da axiologia,por mais que se queiram descritivos, a crítica humanista,que não esconde seu compromisso com a noção de que aliteratura deve defender valores éticos, padece da impossi-bilidade de fundamentá-los mais além da tautologia. Comefeito, diferentes vertentes da crítica prescritiva arrolaramfundamentos transcendentais a partir dos quais a literaturadeveria ser julgada: formação do caráter, mergulho na almahumana, renovação da linguagem, progresso do espírito,

Page 11: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 11/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 123

defesa do legado ocidental, emancipação do proletariado.Mas nenhum desses fundamentos se sustenta como base deuma estética sem remissão a outro valor que o justificaria. Apergunta: “por que deve ser este o valor a partir do qual jul-gar a literatura?” não pode ser respondida imanentemente.Ela dispara, é inevitável, um processo de regressão infinita.A fundamentação do valor na estética teria, assim, umaestrutura abismal. Vários “defensores do cânone ocidental”reagem nervosamente à demonstração da impossibilidadede autofundamentação imanente do valor estético. Para

quem experimenta uma contingência como se esta fosseuma não-contingência, uma alteração da ordem vigenteprovocará a sensação de que qualquer ordem está se tor-nando impossível. É o que vemos nas críticas estéticas deHarold Bloom, em seu O cânone ocidental e, no Brasil, deLeyla Perrone-Moisés, em seu Altas literaturas.

Crítica estética e pânico ocidentalista

Para Harold Bloom, feministas, marxistas, descons-

trucionistas, lacanianos, neo-historicistas e afrocêntricosseriam os agentes contemporâneos de uma “Escola doRessentimento” que “nega a Shakespeare sua palpávelsupremacia estética” (1994, p. 20) e proclama “a abertu-ra do Cânone” (termo que Bloom insiste em grafar commaiúscula) para a incorporação de obras que “não deveme não podem ser relidas, porque sua contribuição ao pro-gresso social é a generosidade de se oferecer para rápidaingestão e descarte” (p. 30). Ironicamente, em alguémque responsabiliza a Escola do Ressentimento pelo fatode viver “no que considero a pior de todas as épocas paraa crítica literária” (p. 22), podemos censurar qualquercoisa, exceto não ter tornado bem visível o seu próprioressentimento. Diante de certas frases de Bloom, como “oradicalismo acadêmico chega ao ponto de sugerir que asobras se incorporam ao Cânone por causa de propagandas[advertising ] bem-sucedidas e campanhas de doutrinação[ propaganda]” (p. 20), a única resposta possível é: quem ja-

Page 12: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 12/38

124  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

mais disse isso? Qual feminista ou “afrocêntrico” de relevodisse algum dia que a incorporação de uma obra ao cânonese deve ao advertising  e à propaganda? Desconhece-se, e olivro de Bloom não ajuda, pois nas centenas de páginas dequeixas ressentidas contra a tal Escola de Ressentimento,ele não nomeia seus supostos integrantes. Nas obras que sededicaram a revisar o cânone a partir de uma perspectivafeminista, como The madwoman in the attic, de SandraGilbert e Susan Gubar, ou de um ponto de vista afro, comoThe signifying monkey, de Henry Louis Gates, certamente

não encontramos nenhuma equação entre a construção docânone e a propaganda. Se é correto afirmar que parte dacrítica contemporânea se dedica a questionar o processode emergência dos cânones, seria difícil encontrar umestudo sério defendendo algo que vagamente lembrasse acaricatura apresentada por Bloom.

Mais que atacar Bloom, trata-se aqui de assinalar umparadoxo bem curioso que veremos reiterado no lamentocontra os estudos culturais. Se Bloom insiste com tantaênfase em afirmar que “Shakespeare inventou a todos nós”(p. 40) – e é ubíqua sua afirmativa de que Shakespeare éo pai de todos –, é impossível não se perguntar que pai éesse que, mesmo perfeito, produz filhos tão bárbaros comoos desprezíveis afrocêntricos e feministas. Da leitura deBloom, retiremos mais um axioma: quanto mais ameaça-dos se sintam os guardiães da suposta universalidade deum determinado valor, quando mais socialmente precárioseja seu fundamento, menor será sua capacidade de entrarem genuíno debate com a força emergente que aponta ocaráter contingente desse valor.

O mais surpreendente é que essa posição – defendidanos EUA por Harold Bloom, um crítico associado à direitamais conservadora – passou, há uma década e meia, a serrepresentada no Brasil por Leyla Perrone-Moisés, ensaístaque não tem nenhum histórico de associação com o con-servadorismo político, que talvez seja a mais ilustre bar-thesiana da América Latina e cujos primeiros livros foramescritos na mais absoluta alegria e afirmação. É verdade

Page 13: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 13/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 125

que a ensaísta brasileira se diferencia de Bloom, mas odiagnóstico do que teria acontecido a partir da chegada dosestudos culturais é fundamentalmente o mesmo, acrescidodo altamente antiantropofágico medo de que o Brasil secontamine pela influência norte-americana: “o lamentávelde tudo isso é que muitos universitários brasileiros estejamrecebendo essas tendências norte-americanas sem o menorespírito crítico” (Perrone-Moisés 1998, p. 195). Reen-contramos em Altas literaturas o mesmo procedimento deBloom: o ataque a um adversário cujos representantes não

são nomeados e ao quais não se concede a generosidadeda citação. Observe-se, no capítulo 5 de Altas literaturas,dedicado ao diagnóstico do presente, a abundância devozes passivas (“o cânone ocidental ... foi posto sob sus-peita”, “a formação desse cânone foi examinada do ânguloideológico”, p. 196), de sujeitos ocultos e de sintagmascomo “alguns grupos”, “as feministas norte-americanas”,“os particularistas”, “os anti-canônicos”. Jamais sabemosquem são eles. Parecem não ter obra. Nos momentos emque Leyla Perrone nomeia duas figuras envolvidas com odebate sobre o cânone nos EUA – John Guillory e BarbaraHerrnstein Smith –, ela lhes atribui posições diametral-mente opostas às que defendem em seus livros, gerando adúvida sobre se ela realmente os terá lido.3 

Tomemos o diagnóstico da ensaísta brasileira sobreas raízes da perda de relevância social da literatura e dadaninha influência norte-americana:

Um curso de humanidades baseado na leitura de ‘grandesobras’ do Ocidente, como aquele que foi ministrado em

1936 na Universidade Columbia por Lionel Trilling e outros,seria hoje impensável nos Estados Unidos. Na Universidadede Stanford, por pressão dos grupos particularistas, a palavraocidental foi suprimida na denominação dos cursos sobrecultura (Perrone-Moisés, 1998, p. 192).

O turco Homi K. Bhabha, introdutor dos estudos “pós-coloniais”, colheu suas referências principais em Derrida,Foucault, Kristeva, Lefort etc. Também é bastante irônico

3  Minha primeira reação, aoler que Barbara HerrnsteinSmith “considera que ojuízo de valor é indesejável”(Perrone-Moisés, 1998, p.230), foi achar que se tratavade um erro tipográfico, postoque todo o livro de Smithé uma análise do porquê

dos juízos de valor sereminevitáveis.

Page 14: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 14/38

126  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

que os “pós-coloniais” se insurjam contra o que chamamgenericamente de “ideologia ocidental”, munidos de argu-mentos iluministas historicamente tão ocidentais quantoo repudiado imperialismo (p. 194-195).

[...] há um contra-senso histórico no desejo de modificar ocânone passado, para nele incluir os então excluídos [...].Excluir do cânone um Dante, para colocar em seu lugaralguma mulher medieval que porventura tenha conseguidoescrever alguns versos não seria ato de justiça; seria, nomáximo, uma vingança extemporânea [...]. As exclusões

ideológicas têm tido um efeito imediato e lamentável noscurrículos norte-americanos: Mark Twain e Faulkner,porque eram escravagistas; Hemingway, porque era ca-çador e machista; Melville, porque antiecológico etc. (p.198-199).

Fica difícil realizar um debate a partir de tantos errosfactuais. Corrijamos alguns: 1) Homi Bhabha não é “tur-co”, e sim indiano. 2) Bhabha não é o “introdutor” dosestudos pós-coloniais, campo de estudos cujas genealogiasunanimemente (Desai e Nair, 2005) apontam como mo-mento inaugural a publicação de Orientalismo (1978), deEdward Said, palestino-americano de formação, aliás, bemeuropeia e humanista. 3) Não se sabe quais seriam essesteóricos pós-coloniais que se insurgem contra “o que cha-mam genericamente de ‘ideologia ocidental’”, já que LeylaPerrone os caracteriza genericamente, sem citações, mas ésabido que a noção de ideologia tem pouca circulação nosteóricos pós-coloniais, que herdam de Foucault a suspeitaante o conceito. 4) Desconhece-se universidade estaduni-

dense que tenha excluído Mark Twain, Faulkner, Melvillee Hemingway do currículo, seja na pós-graduação emliteratura, seja na licenciatura em inglês; uma rápida buscanos sistemas das cento e três instituições catalogadas pelaCarnegie Mellon como Research universities demonstra queesses quatro autores continuam abundantemente presentesem cursos, exames e teses. 5) Para qualquer conhecedor dosistema universitário norte-americano, causa estupefação aafirmativa de que é hoje “impensável” um “curso de huma-

Page 15: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 15/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 127

nidades baseado na leitura das grandes obras do Ocidente”.O curso que costuma atender pelo nome de Great Books

é um dos mais comuns em qualquer grade curricular dequalquer boa universidade estadunidense. Como exemplo,cito o que está sendo ministrado na minha própria, Tulane,no primeiro semestre de 2010: a lista de leituras consisteem Maquiavel, Cervantes, Hobbes, Rousseau, Stendhal,Marx, Nietzsche, Dostoiévski, Freud, Virginia Woolf, PrimoLevi, Fanon e Coetzee.4 Não é exatamente uma seleçãoescalada por uma afrofeminista radical. O curso do segundo

semestre cobre da Antiguidade até a Idade Média, incluiDante, e nele não há sombra de “alguma mulher medievalque porventura tenha conseguido escrever alguns versos”.6) A incrível afirmação de que em Stanford “a palavraocidental foi suprimida na denominação dos cursos sobrecultura” merece parágrafos à parte.

É lamentável que uma ensaísta que dedica páginas acriticar as simplificações da cultura de massas e da mídiareproduza a distorção veiculada por Time, Newsweek e Wall

Street Journal acerca da polêmica em Stanford que desatouas chamadas “guerras culturais” nos EUA. Uma breveconsulta à bibliografia séria acerca do incidente (Pratt,2001; Casement, 1996; Graff, 1993) teria sido suficientepara evitar o erro. Como sabem quase todos, os currícu-los universitários norte-americanos incluem um curso deobras-primas ocidentais que percorre, em geral, um trajetoque vai de Homero (ou Platão) a Nietzsche, embora essesautores também sejam lidos numa série de cursos que, emStanford, são parte de oito grades dentro das quais o alunopode cumprir os requisitos de humanas. Em março de 1988,o Senado de Stanford decidiu aprovar uma proposta desubstituição de um desses cursos de “cultura ocidental”,em uma das grades, por um curso intitulado “Culturas evalores”, de cunho comparativo, onde se incluíam textos“não-ocidentais” como os de Frantz Fanon e RigobertaMenchú.

Dentro de Stanford, a implantação do novo currículofoi absolutamente tranquila, num debate já informado por

4  A lista de leituras estádisponível em: <http://honors.

tulane.edu/web/default.asp?id=Courses>.

Page 16: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 16/38

128  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

anos de reflexão sobre a necessidade de oferecer outrasversões sobre a modernidade. A votação no Senado foinormal. A defesa do projeto foi ligeiramente politizadapor grupos de estudantes, mas tudo correu dentro da nor-malidade que se espera de uma revisão curricular comoqualquer outra, exceto por um detalhe: as principais fun-dações da direita norte-americana, grupos religiosos e oPartido Republicano acompanhavam o debate de perto. Agrande imprensa passou a dedicar blocos de seus programasà “eliminação da cultura ocidental no currículo das uni-

versidades americanas”, ao “assassinato de Shakespeare ePlatão” e à “intimidação de ativistas estudantis”. Estavamlançadas as sementes do que se conheceria depois como“as guerras culturais”.

Desde Watergate, a queda de Nixon e a consequentedesmoralização da direita americana, as forças conserva-doras do país passaram a dedicar intenso esforço à vitóriana luta cultural. Investiram-se milhões de dólares naconstrução de think tanks como a Heritage Foundation. Osneoconservadores sabiam que era no terreno da cultura quese jogaria a cartada decisiva.5 Em 1988, a direita republi-cana concluía oito anos de controle sobre a Casa Branca,acabava de estrangular a revolução centro-americana,estava pronta para presenciar a queda do comunismo eidentificava na cultura a nova guerra que deveria vencer.William Bennett (ex-secretário de educação no governoReagan), Herbert London (fundador do Hudson Institu-te, um think tank de direita), Allan Bloom, autor de The

closing of the American mind, e Dinesh D’Souza, autor dobest-seller Illiberal education, passariam a acusar Stanfordde jogar no lixo a cultura ocidental, entre outras generali-zações provocadoras de pânico. O livro de D’Souza atacavaespecialmente a incorporação ao currículo do testemunhode Rigoberta Menchú, ativista guatemalteca de etnia maia-quiché. Menchú, que aprendeu espanhol já adulta, narrouverbalmente sua história de vida à antropóloga ElizabethBurgos. O relato é indissociável das atrocidades cometidasna guerra civil da Guatemala nos anos 1970 e 1980, de

5 Sobre o caráter ubíquo quetem adquirido a cultura comoterreno onde se jogam osantagonismos políticos, ver obelo livro de Yúdice, 2004.

Page 17: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 17/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 129

responsabilidade de uma ditadura financiada pelos EUA.O que enfurecia no testemunho de Menchú era que, ao serincluído num currículo universitário de culturas ocidentais,ele dava uma resposta implícita aos que idealizam o Oci-dente ou “os valores ocidentais” como cavalos de batalhamorais. O livro dizia: O Ocidente é isto aqui também, é

atrocidade também. É incoerente citar o axioma benja-miniano acerca da inseparabilidade entre documento decultura e documento de barbárie (Perrone-Moisés, 1998,p. 202) e reagir com pânico no momento em que se extrai

uma mínima consequência prática da profunda e radicalverdade desse axioma. A estas alturas, creio ser desneces-sário confirmar que a presença do termo “ocidental”, emincontáveis cursos de Stanford ou de qualquer outra boauniversidade norte-americana, jamais esteve em perigo.

Valor literário e apocalipse

Daí não se conclua que tudo vai bem com o ensino deliteratura nos EUA, ou que não exista nada a se criticar nos

estudos culturais e nas plataformas feministas ou étnicasde revisão do cânone – simplesmente é melhor fazer osbalanços disciplinares com base em fatos e bibliografia, nãoem projeções fantasmáticas. Os exemplos citados acimailustram algo que é frequentemente esquecido por ambosos lados no debate sobre o valor. Apesar das aparências,os cânones brasileiro, latino-americano e ocidental têm setransformado de maneira lenta e modesta, bem menosdramática do que seria de se imaginar por intervençõesapocalípticas (“estão assassinando Platão e Shakespeare”)ou triunfantes (“estamos conquistando espaço para osexcluídos”). Proponho desenvolver aqui uma ideia queparecerá estranha aos que acompanham as discussões sobreo valor, especialmente aquelas marcadas por ansiedadesquanto aos estudos culturais: a rentabilidade do debatesobre o valor estético costuma ser inversamente proporcio-nal à sua acoplagem ao problema do cânone. Dito de outraforma: o conceito de valor abre um horizonte riquíssimo

Page 18: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 18/38

130  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

para a crítica literária, que só é obscurecido se o reduzimosao problema de quais autores farão parte do panteão deleituras obrigatórias. Essa redução une esteticistas e cultu-ralistas, “ocidentalistas” e “particularistas”. Perdido nessedebate fica o fato óbvio, mas pouco analisado, de que oconceito de valor não se reduz a suas consequências parao cânone.

Aqui, continuo tomando Altas literaturas como inter-locutor privilegiado, pela estatura intelectual inegável desua autora, por sua importância no debate crítico brasileiro,

pelo papel que cumpriu a beleza cintilante de livros comoTexto, crítica, escritura e Falência da crítica em minha própriaentrada na profissão e, acima de tudo, pelo fato de que aobra não esconde os seus pressupostos axiológicos. Pode-secriticar qualquer coisa na defesa que faz Leyla Perrone docânone moderno, menos a falta de explicitação dos valoresque a orientam. Aqui, sim, há uma diferença nítida comBloom, que defende seu cânone com base numa natura-lização muito menos reflexiva. Essa extrema honestidadeintelectual me fascina em Altas literaturas, que teria sidomais um magnífico livro de Leyla Perrone caso ela o ti-vesse interrompido na página 173. A paixão e a erudiçãocom que a autora escreve os capítulos sobre Eliot, Pound,Paz, Borges, Calvino, Butor, Haroldo de Campos e Sollerscontrastam nitidamente com a desinformação do capítulofinal, sobre a suposta barbárie que ela vê nos tempos atuais.O contraste me fez recordar a observação de uma saudosaprofessora, que insistia que os críticos literários deveriamescrever sempre sobre aquilo de que gostam.

Depois de mapear os paideumas dos escritores-críticosmodernos, Leyla Perrone encontra alguns valores queseriam comuns a todos. São eles: maestria técnica, con-cisão, exatidão, visualidade e sonoridade, intensidade,completude e fragmentação, intransitividade, utilidade,impessoalidade, universalidade e novidade. Dificilmenteencontraremos uma síntese tão exata dos valores quebalizam a prática literária moderna. Leyla Perrone está,inclusive, atenta ao fato de que esses valores podem estar

Page 19: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 19/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 131

em contradição uns com os outros: afinal, não seria autilidade o oposto da intransitividade? Como conciliarfragmentação e completude? Tecendo uma série de refi-nadas distinções, ela mostra que os modernos coincidemna “independência do objeto estético” (p. 164) – ou seja,a intransitividade –, mas que isso não impede Eliot de vera utilidade da literatura na “preservação do idioma” ouSollers de associar “transgressão poética e subversão polí-tica” (p. 165). O mesmo se aplica à aparente contradiçãoentre fragmentação e completude. Esta última, entendida

como coerência interna, não é contraditória com o idealda obra aberta (p. 160-163).

No entanto, a lista de características privilegiadas poroito escritores-críticos que produziram o fundamental desuas obras num brevíssimo intervalo de tempo (poucomais de meio século) pode balizar a compreensão do quea modernidade literária pós-romântica privilegiou na suaprática, mas ainda não diz nada sobre o valor estéticocomo tal. Supondo-se que esses traços são distintivos damodernidade crítica, ainda restaria a pergunta acerca doque fundamenta o valor estético encontrado por todos elesem obras que não pertencem à modernidade e que foramescritas de acordo com outras pautas. Seria a Divina comé-

dia um poema “fragmentado”? Teria a Odisseia o dom da“concisão”? Como explicar o fato de que, para os modernos,permaneça inconteste o valor estético de obras escritas apartir de pautas diferentes e muitas vezes contraditóriascom aquelas privilegiadas em suas próprias práticas? Emoutras palavras, como fundamentar um conceito trans-histórico de valor estético?

Leyla Perrone não se furta a encarar o problema. Emresposta à pergunta “para que serve a literatura?” – ou seja,já não a poesia, a ficção e o ensaísmo da modernidade crí-tica pós-romântica, mas a literatura como tal –, a ensaístabrasileira afirma:

Se nós acreditamos que a literatura tem a alta utilidade deesclarecer, alargar e valorizar nossa experiência do mundo,

Page 20: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 20/38

132  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

admitiremos que a história do conjunto de suas realizaçõesmaximiza o proveito que podemos tirar do contato comcada realização particular. E se a fruição da literatura, noseu mais alto sentido de conhecimento e valorização daexperiência humana, é o nosso objetivo, seremos levadosa defender um certo tipo de história literária: aquela queotimiza a fruição das obras (p. 21-22).

Algum aluno impertinente poderia encontrar umacontradição entre essa definição de literatura e o cânone

defendido pelo livro. Partindo-se do pressuposto de quea literatura, como tal, serve para valorizar a experiênciahumana, seria difícil não escolher, digamos, Jorge Amadosobre, digamos, Kafka. Afinal de contas, a “experiênciahumana” que retrata a obra deste último é uma repetiçãoinfinita de uma alienante brutalidade incognoscível para osujeito. Muito pouco se “esclarece” ali. No limite, não seriaabsurdo dizer que a impossibilidade de “esclarecer, alargare valorizar nossa experiência do mundo” é o tema mesmo daobra kafkiana. No entanto, Kafka é pilar central do cânone

estético defendido por Altas literaturas, e a afirmação deque Jorge Amado lhe é superior, perfeitamente plausívelpara alguém que trabalhe com uma definição historicizadae agnóstica de valor literário, certamente seria rejeitada emtermos categóricos pela autora.

O objetivo aqui não é caçar contradições no discursoalheio, mas exemplificar um postulado teórico que sedesprende da leitura de uma de nossas mais sofisticadasensaístas: qualquer definição trans-histórica de literatura,qualquer resposta essencialista à pergunta sobre sua natu-

reza, qualquer tentativa de defini-la em termos puramenteimanentes fracassará no teste da falsificabilidade. Atendo-nos à definição que oferece Leyla Perrone para o que “ser-ve” a literatura, poderíamos perguntar: Quem é o “nós”sujeito do verbo “acreditar” nesse trecho? Estamos todos osconsumidores de literatura incluídos nele? Será mesmo tãoimpossível imaginar uma comunidade de leitores para osquais a “utilidade” da literatura seria justamente a oposta,

Page 21: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 21/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 133

não “esclarecer”, mas embaçar a experiência do mundo,não valorizá-la, mas desvelar-lhe a miséria?

“Para que serve” a literatura é uma pergunta para aqual não há resposta de antemão, em abstrato, sem referên-cia aos conflitos e pactos sociais que presidem a circulaçãodos artefatos verbais que, num momento muito recente – oséculo XVIII –, passaram a ser designados como “litera-tura”. Não há respostas imanentes às perguntas acerca dequal é o valor desses artefatos e quais, entre eles, exibemesse valor em medida superior aos demais. A universaliza-

ção, como essência do texto literário, de um conjunto depostulados próprios a uma região e um momento históricosó pode levar à incapacidade de ler o presente a não sercomo queda: “a literatura [...] recolheu-se a um canto”(Perrone-Moisés, 1998, p. 178), “os novos escritores [...]publicam livros light” (p. 178), “o desafeto progressivo pelaleitura é um fenômeno internacionalmente reconhecido”(p. 178), “os livros de ficção se tornaram mais curtos e maisleves” (p. 178), “a literatura [...] está muito ameaçada”(p. 179). Aqui, prefiro ficar com Walter Benjamin, que,no Passagen-Werk, apontava que a crença nos períodos dedeclínio é coextensiva à crença entorpecida no progresso.“Não há períodos de declínio” (Benjamin, 1991, p. 571).O apocalíptico e o otimista progressivo representam duasfaces da mesma moeda.

Nos últimos anos, a literatura latino-americana ofe-receu abundantes contraexemplos à percepção de que aficção se encaminhava necessariamente na direção do maisbreve e light. El pasado (2003), de Alan Pauls – segundomuitos, o grande romance argentino da década e, segundoo Le Monde, o grande romance de amor do novo século –,desenvolve em mais de 500 páginas recheadas de um vastosaber psicanalítico e cinematográfico uma história de amormarcada por uma essencial e deliciosa assimetria: Rímini,apaixonado por Sofia; Sofia, apaixonada por seu amorpor Rímini. A extrema erudição e extensão do romancenão o impediram de tornar-se um bem-sucedido filme emmãos de Héctor Babenco. 2666, o romance póstumo do

Page 22: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 22/38

134  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

chileno Roberto Bolaño, oferece, em mais de 800 páginas,um relato que conjuga os horrores dos assassinatos de mu-lheres na fronteira mexicano-americana com um estudoda frivolidade cúmplice que Bolaño via como caracterís-tica das cliques acadêmicas e literárias. Um defeito de cor (2006), da mineira Ana Maria Gonçalves, apresenta, emmais de 900 páginas, uma saga narrada por uma escrava,Luisa Mahin ou Kehinde – possivelmente a mãe do poetaLuiz Gama –, que compra sua liberdade e percorre oitodécadas de história brasileira e africana no século XIX,

numa narrativa que mescla testemunho, historiografia eficção sem nenhuma concessão ao naturalismo fácil. Osleitores das obras de Ana Maria Gonçalves, Alan Pauls eRoberto Bolaño são bem mais numerosos que nos fariamcrer os apocalípticos, especialmente no caso deste último,cujo refinamento não impediu que ele se transformasse emfenômeno editorial. Esses leitores com frequência teste-munham que a sofisticação dos textos não é contraditóriacom o interesse gerado pela peripécia.

Em meu trabalho sobre música popular, interessou-meem certo momento a origem do discurso sobre a decadênciado samba: “Já não se faz mais samba como antigamente”.Desde quando se diz isso? Minha hipótese inicial, a de queo discurso coincidia com o início da apropriação bossa-novista do samba de morro nos anos 1960, foi contraditapor inúmeras ocorrências anteriores dessa retórica, aindano contexto da Rádio Nacional, nos anos 1950. Voltandoainda mais, encontrei outras instâncias na época do samba-exaltação e da sobreorquestração do gênero no molde dasbig bands norte-americanas. A hipótese de que a percepçãode uma decadência no samba datava dos anos 1940 foi, porsua vez, contradita pela sua aparição durante a compra dossambas dos compositores negros do morro por intérpretesbrancos de classe média, como Francisco Alves, nos anos1930. Estupefato, descobri que a afirmação de que já nãose faz samba como antes aparece no primeiro livro escri-

to sobre o samba, pelo jornalista Vagalume, em 1933. Odiscurso de que o samba corre risco de morte tem a exata

Page 23: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 23/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 135

idade do samba. Da mesma forma, o fato de que em 1964o poeta mexicano Octavio Paz tenha reunido uma listade sinais de decadência da literatura não quer dizer que“a situação em que hoje vivemos foi claramente prevista”por ele (Perrone-Moisés, 1998, p. 179). Significa que aexistência de profetas da queda do valor literário é tãoantiga como a literatura mesma.

Axiologia, relativismo e contingência

O axioma da filósofa Barbara Herrnstein Smith é umachado mais complexo e frutífero do que parece à primeiravista: o valor é sempre e necessariamente contingente (Smith, 1988, p. 30-53). Antes que a patrulha antirrelati-vista afie suas garras, é bom esclarecer que “contingente”não quer dizer “subjetivo” nem “relativo” nem “arbitrário”.Um determinado valor ou sistema de valores pode perfei-tamente ser objetivo (na medida em que ele independe dasubjetividade particular de qualquer membro da comuni-dade interpretativa), absoluto (posto que não relativizável

dentro de tal comunidade) e motivado (no sentido deque sua origem não é produto de uma eleição puramentearbitrária). Nada disso mudaria seu caráter contingente.A expressão-chave aqui, claro, é “dentro da comunidade”.No espaço circunscrito da comunidade interpretativa emquestão, um valor pode ser absoluto, objetivo e motivado, econtinuaria sendo contingente. A coincidência de contin-gências que conferem inteligibilidade a um valor pode ser,inclusive, um dos elementos constitutivos da comunidademesma, um dos fundamentos que presidem a emergênciada própria comunidade.

Um valor é sempre o resultado de uma luta mas, umavez consolidado, esse valor contingente tenderá a apareceraos membros da comunidade interpretativa como umanão-contingência. Bastaria pensar no considerável poderde tração de valores como o mester de clerecía (a técnicaaprendida na tradição) na literatura tardo-medieval hispâ-nica, a adequação aos modelos da Antiguidade na literatura

Page 24: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 24/38

136  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

neoclássica do século XVIII, especialmente na França, oua inovação e a ruptura nas vanguardas de princípios doséculo XX. Em cada um desses casos, a justificativa deum valor contingente fez uso de um vocabulário da não-contingência, ou seja, realizou uma transcendentalizaçãode um processo que era imanente à comunidade valorativaem questão. Os juízos que se adéquam ao pacto valorativodominante tenderão a ser lidos como confirmação da ob-viedade e naturalidade dos valores implícitos no pacto. Osjuízos discordantes tenderão a ser lidos como deficiência

ou falta de cultura do sujeito valorador. A transcenden-talização dos resultados de um pacto particular é umaestratégia comum e recorrente nas querelas entre escolase estilos literários, mas ela não é uma teoria da literaturae do valor estético como tais, a não ser como sinédoquecega a suas próprias condições de produção.

O grau de estabilidade de um determinado sistema devalores em sua respectiva comunidade não diz nada sobresua suposta obviedade, nem sobre as propriedades intrín-secas do objeto valorado, mas expressa a naturalização dopacto valorativo. Tomemos um exemplo latino-americano:é amplamente hegemônica a percepção de que, seja qualfor a crítica que se possa ter à estética do realismo mágico,sua versão original, com Cem anos de solidão, de GabrielGarcía Márquez, desfruta de um valor ausente em, digamos,

 A casa dos espíritos, de Isabel Allende. É claro que é possívelquestionar essa valoração (e já encontrei vários leitores,particularmente leitoras, que afirmavam que o melodramade Allende lhes falava à experiência de uma forma que asaga de García Márquez não fazia). Esse questionamento,no entanto, não pode ocorrer sem que o sujeito se instaleem posição exterior a um consenso crítico que presideas comunidades interpretativas nas quais circulam essestextos. Um exemplo análogo, no Brasil, seria o hipotéticoleitor que adentrasse as comunidades interpretativas den-tro das quais circula o romance dos anos 1930 para propora tese de que Jorge Amado é superior a Graciliano Ramos.A afirmação não está na esfera do indizível, mas ela não

Page 25: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 25/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 137

pode ser acomodada nos pactos valorativos dentro dosquais circulam os romances desses dois autores. A únicapossibilidade que restaria a esse hipotético leitor seria des-vendar a natureza contingente da aparente naturalidadeda valoração anterior, ou seja, questionar a totalidade dopacto valorativo. Os defensores da naturalidade do pactovalorativo em geral replicarão com a falácia desenvolvi-

mentista: o argumento de que a percepção minoritária éproduto de uma deficiência do sujeito valorador e que,uma vez que os leitores sejam educados direitinho, todos

reconhecerão que não há como negar a superioridadeestética de García Márquez sobre Allende.

A posição que apresento aqui é, com frequência, con-fundida com o bicho-papão do relativismo, que afirmariaque todos os valores seriam igualmente válidos ou, parausar a fórmula popular, que “daria tudo na mesma” (um dosexpoentes dessa desleitura, no Brasil, é o filósofo e poetaAntonio Cicero, que insiste em igualar desconstrução erelativismo). A acusação de relativismo tenderá a se repetirquando, no interior de uma comunidade interpretativa, forexposta a contingência que sustenta um valor supostamen-te absoluto. Ao questionar a obviedade de valores como“bondade”, “piedade” e “humildade”, Nietzsche ensinoualgo acerca de como funcionam as operações de naturali-zação. Nietzsche não foi, de forma alguma, um relativista.Ele afirmou taxativamente que os valores socrático-cristãossão piores, mais baixos, valores de escravo, daninhos àafirmação da vida. Mas, não por acaso, o neokantismo deprincípios do século XX leu como “relativistas” afirmaçõesdo tipo “falar de justiça e injustiça em si carece de todosentido” (Nietzsche, 1967-77, p. 312). Com esse axioma,Nietzsche sugeria, claro, que não há “justiça” até o momen-to em que o mais forte estabeleça sua lei. Nessas polêmicas,vale sempre a regrinha: ao ver alguém ser acusado derelativista, dê uma olhada no absolutismo de quem acusa.No caso do valor estético, a acusação de relativismo inva-riavelmente remete a uma suposta tendência dos estudosculturais – ou das demonizadas feministas e afrocêntricos

Page 26: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 26/38

138  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

– de não aceitar a “óbvia” diferença de “qualidade” entre osgrandes monumentos da modernidade e as formas estéticasmais populares ou massivas. Aceitar essa diferença seriaum pré-requisito para qualquer discriminação de valor. Ouseja, a acusação de relativismo costuma pressupor que, seessa distinção de valor não é aceita, nenhuma distinçãode valor é possível.

Recorro à etnomusicologia, na qual me parece que oconceito de valor está colocado em terreno mais sólido.Está demonstrado, com pesquisa formal e etnográfica

(Frith, 1996), que as distinções valorativas realizadas pe-los fãs de música popular não são, absolutamente, menoscomplexas, rigorosas, multifacetadas ou especializadasque aquelas feitas pelos ouvintes do heterogêneo corpus de peças europeias modernas que, a partir do século XX,passou a ser agrupado sob o rótulo de “música clássica”.Qualquer consumidor de música popular que acompanhe,por exemplo, o heavy metal, poderá testemunhar acerca damiríade de distinções de subgêneros baseadas em andamen-to, instrumentação, vocalização, grau de distorção, volume,temática das letras, performance, timbre ou padrão rítmico– distinções incompreensíveis e ilegíveis para aqueles situa-dos fora do pacto valorativo que preside o consumo do gê-nero. Carece de qualquer fundamentação filosófica a ideiade que a viabilidade do conceito de valor estético dependada aceitação de uma diferença essencial, imanente entre ovalor das obras agrupadas sob a rubrica da arte erudita e ovalor daquelas que convencionamos chamar de popularesou massivas. Para seguir com a analogia musical: durantedécadas, os estudos de música brasileira trabalharam coma noção de síncope como “irregularidade” essencialmenteafricana. O próprio Mário de Andrade faz referência aela como característica “tida em geral como provinda daAfrica” (1987, p. 409). Ora, tal “irregularidade” provinhado fato de que a teoria ocidental prevê compassos simples(binários: 2/4, 3/4, 4/4) e compostos (ternários: 6/8, 9/8),mas não prevê compassos que misturem de forma sistemáti-ca agrupamentos dos dois tipos, exatamente a mistura que

Page 27: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 27/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 139

é uma das marcas da música da África subsaariana. O re-sultado é que “ritmos desse tipo apareceram nas partiturascomo deslocados, anormais, irregulares (exigindo, para suacorreta execução, o recurso gráfico da ligadura e o recursoanalítico da contagem) – em uma palavra, como síncopes”(Sandroni, 2001, p. 26). O valor rítmico contramétrico erailegível numa notação construída para descrever e privile-giar a harmonia. A chamada “irregularidade africana” nãoera senão a impossibilidade de que a partitura ocidentaldescrevesse apropriadamente o novo objeto.

Os pactos valorativos na estética se tornarão visíveisem proporção direta à exposição do caráter contingente dosfundamentos que os sustentam. Dois exemplos, incluindo-se um que ilustra minhas críticas às revisões feministas,étnicas e pós-coloniais do cânone, ajudarão a encaminhara conclusão teórica. Na Argentina, nos últimos trinta anos,nota-se uma acentuadíssima queda no capital cultural deum escritor que chegou a ser considerado um dos maioresdo continente. Julio Cortázar, que inspirou uma geraçãode neovanguardistas estéticos e revolucionários políticos, éhoje invariavelmente visto como “escritor para adolescen-tes” (Aira, 2001) que, “depois de Todos los fuegos el fuego jánão escreveu mais, dedicando-se exclusivamente a repetirseus velhos clichês e a responder às exigências estereotipa-das de seu público” (Piglia, 1993, p. 85). Incontáveis sãojuízos contemporâneos que veem O jogo de amarelinha comoromance que “sofreu enormemente a passagem do tempo”(Sarlo, 2008) e “está escrito para candidatos de agência deturismo cultural”, uma “perfumaria free tax de aeroporto”(Abraham, 2006, p. 39). Na Argentina, a avaliação maisrecorrente de Cortázar é que se trata de um escritor emcuja obra talvez se salvem os primeiros contos, de Bestiario,mas não muita coisa mais. Uma determinada conjunçãode fatores estéticos e políticos criou as condições para umaleitura celebratória de Cortázar nos anos 1960. A obranão parece ter renovado sua legibilidade depois daquelecontexto (o que não quer dizer, evidentemente, que nãopossa vir a fazê-lo num momento futuro). O fato é que hoje

Page 28: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 28/38

140  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

seria bastante difícil encontrar um estudioso de literaturana Argentina que colocasse Cortázar no mesmo patamarde, por exemplo, Juan José Saer. As comparações com JorgeLuis Borges, comuns nos anos 1960, hoje soariam risíveisaos ouvidos dos que circulamos no interior dos pactosvalorativos que presidem a circulação desses textos. Umatese que se propusesse a comparar “o fantástico em Borgese Cortázar” é imaginável no Brasil, na Espanha e talveznos EUA, como demonstra uma pesquisa nos bancos dedados da disciplina. Mas na Argentina ela seria recebida

como uma junção de termos incomensuráveis.6 Com o exemplo de Cortázar, não quero me limitar a

ilustrar o óbvio, que o valor dos escritores na Bolsa Lite-rária (segundo a feliz expressão de Leyla Perrone-Moisés)muda no tempo e no espaço. Há uma lição menos óbvia ase extrair daí, sobre a qual as revisões feminista, étnica epós-colonial do cânone ainda não refletiram o suficiente:a incontornável descontinuidade entre valor estético eresultado político, mesmo no caso das obras mais politiza-das, como a de Cortázar. Um outro episódio de valoração,também latino-americano, oferece algo a ser pensado pelosdois polos do atual debate: a entrada do testemunho aocânone literário.

Em 1983, publicou-se o testemunho de RigobertaMenchú, resultado de 25 horas de gravações realizadaspela antropóloga franco-venezuelana Elisabeth Burgos.Era o auge dos movimentos de solidariedade à revoluçãocentro-americana, e a história de Menchú, formada naluta contra os horrores do regime guatemalteco, como-veu uma série de críticos de esquerda que buscavamalternativas a uma política literária herdada do boom. Otestemunho havia recebido um primeiro reconhecimentoem 1967, quando Casa de las Américas criou uma cate-goria especial para o gênero em seu prestigioso prêmio. Apublicação de Biografía de un cimarrón, de Miguel Barnet,gerou comentários acerca de uma suposta transparênciada voz testemunhal, uma vantagem do gênero em relaçãoà literatura na representação dos excluídos. Seguindo-se à

6  Agradeço a MarianoSiskind pela interlocução sobrea perda de capital cultural de Julio Cortázar na Argentinae também pela citação deBeatriz Sarlo.

Page 29: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 29/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 141

publicação do testemunho de Menchú, George Yúdice opôsa literatura como “portadora privilegiada da identidadenacional” (1991, p. 20) ao testemunho como “expressãode uma consciência liberada de tal elitismo” (p. 26). Aeuforia levava a declarações como a de John Beverley, deque enquanto a literatura na América Latina “tem sido(principalmente) um veículo para engendrar um sujeitoadulto, branco, masculino, patriarcal e ‘letrado’, o teste-munho permite a emergência – mesmo que mediada – deidentidades femininas, homossexuais, indígenas e proletá-

rias” (1993, p. 98).Entretanto, no interior dos estudos sobre o testemu-

nho, a ênfase nas mediações por meio das quais a voz teste-munhal se registra na escrita e a análise da descontinuidadeentre a posição do depoente (um subalterno, em geralindígena, camponês ou imigrante) e a posição do mediador(um intelectual, em geral um antropólogo) levou a própriacrítica a matizar a euforia do primeiro momento. Estudosfundamentados no problema da mediação (Sklodowska,1992), na aura de autenticidade da voz do subalterno (Mo-reiras, 2001) ou no papel do testemunho como recuperaçãoimaginária de uma vocação política perdida na literatura(Avelar, 2003, p. 51-104) relativizaram a “revolução”testemunhal que parte da esquerda anunciara nos anos1980. O saldo do episódio da canonização do testemunhofoi que o texto de Rigoberta Menchú produziu um impactoimportante, mas limitado, logo absorvido pelo pacto valo-rativo que preside a leitura do corpus latino-americano. Aincorporação de depoimentos dos subalternos ao cânonenão representou nem um assassinato de Cervantes e Borgespela barbárie iletrada, como chegaram a lamentar RobertoGonzález Echevarría e outros expoentes da direita críticalatino-americana, nem um golpe ao poder “elitista” da lite-ratura, como chegaram a celebrar John Beverley e GeorgeYúdice. Tanto esteticistas como culturalistas sobrestimamas consequências da revisão de uma lista de leituras. Paraos primeiros, ela funciona como explicação simples para ocomplexo quadro de perda de capital cultural da literatura.

Page 30: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 30/38

142  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

Para os segundos, funciona como mecanismo compensató-rio que permite a apresentação de novas listas de leitura,mais inclusivas, como se estas representassem uma vitóriapolítica real contra o racismo, o sexismo, o etnocentrismoe a opressão de classe. Ambos trabalham com o cânone,o valor e a estética de forma a não permitir nenhumadescontinuidade entre os três termos. A grande tarefa dateoria não seria, então, salvar a literatura ou democratizaro cânone, mas introduzir algum espaço de respiração nainterseção entre esses três conceitos.

Para uma genealogia do conceito de valor

estético

Os conceitos de valor e de estética terminaram, então,sendo vistos como contíguos entre si por esteticistas e cul-turalistas, como se toda estética pressupusesse a noção devalor, ou como se valorar obras de arte sempre implicasseque o juízo em questão fosse estético. Para concluir, sugirorotas de dissociação entre esses conceitos, com observa-ções acerca do que denomino uma concepção agnósticade valor literário.

Recorde-se que, na Crítica do juízo kantiana, o con-ceito de valor [Wert] não aparece no contexto do estabe-lecimento da estética. Este é um fato filológico tão banalquanto regularmente esquecido: na origem da estética,não há conceito de valor. Kant faz, sim, referências aovalor de um ato (§91), ao valor da existência humana(§4) e à necessidade do postulado da existência de seresracionais para que o mundo seja dotado de valor (§87).Ou seja, todas essas ocorrências se referem a uma esferaextraestética. A única menção ao valor num contextoestético ocorre em §53, dedicado à comparação entre asvárias belas artes (segundo Kant, a mais alta seria a poe-sia). Mas não há, na Crítica do juízo, nenhuma hierarquiado belo, nenhuma atribuição de valor à beleza, no sentidomensurável, quantitativo que é próprio do conceito. Comose sabe, para Kant, a estética seria a esfera da experiência

7  Que Antonio Cicerodecrete que “quando digo queum texto é [...] um poemabom, não estou dizendomeramente que gosto dele,mas que todo mundo que o

Page 31: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 31/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 143

desinteressada do belo, apresentada como apreço quenecessariamente demanda universalização, concordânciade todos. Deixemos de lado o caráter escorregadio dessapremissa, já amplamente criticada pela tradição (a começarpelo próprio Hegel). Basta ler a analítica do belo (§6 a §22)para constatar que Kant o entende como objeto de umjuízo de tipo, jamais de grau. Caso se apresente a objeçãode que a impossibilidade de submeter o belo a fórmulascomparativas contraria todo o senso comum que desenvol-vemos como consumidores de arte, não custa lembrar que

o próprio pilar da analítica kantiana do belo – a demandade concordância universal sobre o juízo – também embuteum patente contrassenso.7 

Por isso, não há que se repreender Barbara HerrnsteinSmith por remeter o valor estético ao terreno da economia(Perrone-Moisés, 1998, p. 230). Na verdade, não há outrovocabulário que não o da economia. Todas as definiçõesnão econômicas de valor estético que tenham pretensõestrans-históricas incorrem em versões mais ou menossofisticadas de uma tautologia: define-se o valor como apresença de certos traços formais (sejam quais forem) oua capacidade de produzir certas sensações. Esses traços oupotencialidades passarão a ser apresentados como caracte-rísticos da experiência estética, sendo sua maior ou menorpresença em cada obra o critério para sua valoração. Aoenfrentar-se com a pergunta acerca de como se chegou adelimitar o terreno propriamente estético, remete-se o in-terlocutor à existência de obras que exibem... aqueles traçosinicialmente definidos como característicos do estético!Não é à toa que os alunos não aceitam isso facilmente.

Ao propor que não há conceito não tautológico devalor estético fora da economia, não sugiro, evidentemen-te, que o valor estético de Grande sertão: veredas  possaser deduzido do preço da mercadoria comercializada pelaEditora Nova Fronteira. Sugiro, sim, que esse valor se deduznum contexto eminentemente relacional, econômico, noqual atos de valoração socialmente situados entram emconflito, em negociação e em articulação, mediados por

considere desinteressadamentedeve reconhecer” esse supostofato e que, por outro lado, “sedigo ‘eu gosto de abacate’, nãopretendo o mesmo” (2009a),não torna essa distinçãoverdadeira. No mundo real,incontáveis leitores dizemque “No meio do caminho”é um bom poema e outrosincontáveis leitores dizemo contrário, exatamentecomo ocorre com o gosto doabacate. Decretar que estesúltimos são maus leitores nãoresolve o problema teórico.Quando Cicero afirma queBarbara Herrnstein Smith, aopropor a tese da contingênciado valor, “nem sequer se dáconta de que, ao dizer taiscoisas, incorre em paradoxosque solapam suas própriasteses” (2009b, p. 8), ele parecenão ter se dado conta de quehá um capítulo inteiro deContingencies of value dedicado

a refutar a objeção de quesupostamente não se poderiaafirmar que o valor é semprecontingente sem cair emcontradição. Quem afirma acontingência do valor não estáconferindo ao objeto valoradoum atributo que permaneceriano tempo. Os enunciadosfalsificáveis evidentementenão se submetem às mesmasregras de verificabilidade dosnão falsificáveis. Ou seja,é pueril argumentar quenão podemos afirmar que“o sentido não é eterno eunívoco” pelo fato de que essafrase supostamente teria umsentido eterno e unívoco. Afrase não confere um atributoao sentido; ela se limita aapresentar uma negativa. Embom português: no debateentre agnósticos e crentes, oônus da prova cabe a estes.

Page 32: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 32/38

144  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

instituições como a escola, a imprensa e a crítica, num pro-cesso que conforma um equilíbrio nunca completamenteestável – o que venho chamando aqui de pacto valorativo.Para compreender sua dinâmica, vale a pena refletir sobrecomo a economia política entendeu o valor.

 Já está presente em Aristóteles a compreensão de umadiferença clara entre o valor de uso e o valor de troca:“todas as coisas que são trocadas devem ser de algumaforma comparáveis. É para esse fim que se introduziu odinheiro” (1133a). O conceito da comparabilidade univer-

sal precede, portanto, a economia política em mais de doismilênios. É o próprio Marx que, no primeiro capítulo deCapital, dedicado à mercadoria, dá o crédito a Aristótelescomo o “primeiro pesquisador a ter analisado a forma-valor” (1952, p. 71). As genealogias da economia políticaem geral conferem a Riqueza das nações, de Adam Smith,o mérito da ruptura com a natureza circular do debateanterior, entre fisiocratas e utilitaristas. Smith escapa dacircularidade da equivalência universal das mercadorias aodotar um conceito de um papel transcendental, que servede fundamento a todas as outras trocas: “o trabalho é areal medida do valor intercambiável de todas as mercado-rias” (Smith, 1999, p. 581). É o trabalho que lhes conferevalor e explica a possibilidade de equivalência entre duasmercadorias distintas. A consolidação da teoria do valor-trabalho, com Ricardo, ocorre não a partir do fato de queo “trabalho seja um valor fixo, constante e permutávelsob todos os céus e todos os tempos, mas sim porque todovalor, qualquer que seja, extrai sua origem do trabalho”(Foucault, 1992, p. 269). O conceito de valor, pelo menosna economia política, na qual ele sempre teve sua moradamais sólida, pressupõe um transcendental, o trabalho, quedelimita uma região na qual a representação “não tem maisdomínio” (Foucault, 1992, p. 270).

O objetivo aqui não é traçar uma analogia entre o valorestético e o valor econômico, mas justamente notar que háuma operação analógica silenciosa, de rentabilidade limita-da, nas teorias imanentistas do valor estético. A economia

Page 33: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 33/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 145

política sempre enfatizou, claro, que a lei do valor-trabalhose aplica a objetos reprodutíveis, e que o cálculo do valorda mercadoria como quantidade de trabalho socialmentenecessário para a sua produção não se aplica a objetos esté-ticos. Atesta-o a célebre observação de Marx na introduçãoaos Grundrisse, de que o mistério não era explicar que a artegrega emergiu como produto de circunstâncias históricasparticulares próprias à sociedade helênica, mas entendercomo e por que os poemas homéricos, produtos do que elechamou de “infância da humanidade”, ainda nos fascinam

e mantêm sua legibilidade. A manutenção do valor de umamercadoria ao longo do tempo se explica pelo fato de queali se aninha uma quantidade determinada de trabalho quemantém alguma tradutibilidade (com as naturais oscilaçõesque serão fruto das próprias variações no valor do tipo detrabalho que se encontra ali congelado). Na economia, ateoria do valor depende de um transcendental, o trabalho.Na ausência desse transcendental, a teoria do valor esté-tico só pode definir o valor imanentemente a partir dasoperações circulares descritas acima, não muito diferentesdas equivalências universais tautológicas dos economistasanteriores a Adam Smith. O trabalho que produz a obrade arte não é traduzível, e portanto sua permanência notempo não se explica imanentemente:

A permanência de um autor clássico como Homero sedeve não ao valor supostamente transcultural ou universalde suas obras mas, pelo contrário, à continuidade de suacirculação numa cultura particular. Repetidamente citadae recitada, traduzida, lecionada e imitada, e completamente

inserida numa rede de intertextualidade que continuamenteconstitui a alta cultura [...], essa altamente variável entida-de à qual nos referimos como “Homero” recorrentementeentra na nossa experiência em relação com uma grandevariedade de nossos interesses, e pode assim realizar váriasfunções para nós (Smith, 1998, p. 52-53).

Evidentemente, essa observação não é o fim, mas oprolegômeno da pesquisa. Haveria que se estudar o que,

Page 34: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 34/38

146  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

em cada situação e contexto, permitiu que cada obra reali-zasse as funções que os vários leitores, instituições, escolas,academias e intertextos lhe atribuíram ao longo dos anos.No caso do debate sobre o valor que tem se desenvolvidonos estudos de literatura brasileira e latino-americana,ganharíamos terreno se o dissociássemos da polêmica entreo culturalismo e os defensores do “cânone ocidental” e oremetêssemos a todo o vasto material que pode informaruma futura história da construção do valor literário noBrasil: o erudito mapa traçado por Raúl Antelo do ideário

da transgressão na modernidade (Antelo, 2001), a valiosasequência de pesquisas feitas por Marisa Lajolo e ReginaZilberman sobre a história da leitura e do livro (Lajoloe Zilberman, 1991; 1996; 2001), o estudo de RobertoVentura sobre as polêmicas literárias, essas verdadeirasmáquinas de produção e destruição de valor (Ventura,1991), as pesquisas de Flora Süssekind sobre as relações daliteratura com outros discursos, como os relatos de viagem(Süssekind, 1990) ou as tecnologias da reprodução (1987),a recuperação de facetas pouco exploradas dos escritoresmais canônicos, como a recente antologia de escritos deMachado de Assis sobre a afrodescendência realizada porEduardo de Assis Duarte (2007), para não mencionar maisque alguns exemplos. Acredito que ainda sabemos poucosobre o papel das antologias, de Manuel Bandeira (1963)a Italo Moriconi (2000; 2001), na conformação do sistemade valores literários brasileiros. A história da profissiona-lização do escritor e das suas relações com a imprensa ecom o mercado ainda nos oferece vastas zonas de pesquisanão realizada. Para além do lamento de que a internet éresponsável por uma queda na qualidade e na frequência daleitura das novas gerações – queixa jamais fundamentadacom pesquisa empírica e agora patentemente desmentida(Castells, 2009) –, uma série de novos escritores faz uso dastecnologias de publicação online para circular seus textose manufaturar concepções emergentes de valor literário.O postulado da contingência essencial do valor só abreum espaço de relevância ainda maior para essas pesquisas.

Page 35: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 35/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 147

Estabelecer com a valoração uma relação menos essencia-lista e mais agnóstica não implica que o crítico deixará, emsituações e contextos específicos, de exercitar os juízos devalor que são uma inevitabilidade da própria prática críti-ca. Significa que não se confundirão esses juízos com umateoria geral do valor. No horizonte imenso aberto por estaúltima, as querelas sobre o cânone ocidental talvez nãopassem de uma nota ao pé de página.

Referências

 ABRAHAM, Tomás. Impresiones de los autores que se fueron.Cuadernos Hispanoamericanos, n. 673-674, p. 37-45, jul.-ago.2006.

AIRA, César. Entrevista de Francisco Ángeles a César Aira.Disponível em: <http://www.metacafe.com/watch/3437882/ entrevista_a_c_sar_aira_1_de_2/>. Acesso em: 15 dez. 2009.

ANDRADE, Mário de. A melodia do boi e outras peças. São Paulo:Martins, 1987.

ANTELO, Raúl. Transgressão e modernidade. Ponta Grossa: UEPG,

2001.ARISTÓTELES. Nicomachean ethics. Trad. W. D. Ross. In:MCKEON, Richard (Ed.). The basic works of Aristotle. Nova York:Random House, 1941. p. 927-1112.

AVELAR, Idelber.  Alegorias da derrota: a ficção pós-ditatorial eo trabalho do luto na América Latina. Belo Horizonte: UFMG,2003.

BANDEIRA, Manuel (Org.). Poesia do Brasil. Porto Alegre: Editorado Autor, 1963.

BENJAMIN, Walter. Passagen-Werk. Gesammelte Schriften. Ed.Rolf Tiedemann e Hermann Schweppenhiuser. Frankfurt am Main:Suhrkamp, 1972-1989. v. 1 e 2.

BEVERLEY, John. Against literature. Minneapolis e Londres: Uni-versity of Minnesota, 1993.

BOLAÑO, Roberto. 2666. Barcelona: Anagrama, 2004.

BLOOM, Harold. The Western canon: the books and school of theages. Nova York, San Diego e Londres: Harcourt Brace, 1994.

Page 36: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 36/38

148  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

BOOTH, Wayne. The company we keep: an ethics of fiction. Berkeleye Los Angeles: University of California, 1988.

BURGOS, Elisabeth. Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la

conciencia. Barcelona: Argos Vergara, 1983.

CASEMENT, William. The great canon controversy: the battle of thebooks in higher education. New Brunswick: Rutgers UP, 1996.

CASTELLS, Manuel. Comunicación y poder. Madri: Alianza,2009.

CICERO, Antonio. O fim das vanguardas: Entrevista com HéberSales. Cronópios, 2009. Disponível em: <http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3842>. Acesso em: 15 dez. 2009.

_____. A questão dos valores. Folha de São Paulo, São Paulo, 31 deoutubro de 2009. Ilustrada, p. 8.

DESAI, Gaurav; NAIR, Supriya. Postcolonialisms : an anthology ofcultural theory and criticism. New Brunswick: Rutgers University,2005.

DOSSE, François. Histoire du structuralisme. 2 v. Paris: La Décou-2 v. Paris: La Décou-Paris: La Décou-verte, 1991-92.

DUARTE, Eduardo de Assis. Machado de Assis afro-descendente.

Rio de Janeiro e Belo Horizonte: Pallas e Crisálida, 2007.FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Salma TannusMuchail. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

FRITH, Simon. Performing rites: on the value of popular music.Cambridge, Mass.: Harvard University, 1996.

FRYE, Northrop.  Anatomy of criticism: four essays. Princeton:Princeton University, 1957.

GATES, Henry Louis. The signifying monkey: a theory of Afro-American literary criticism. Nova York: Oxford University, 1988.

GILBERT, Sandra; GUBAR, Susan. The Madwoman in the attic: thewoman writer and the Nineteenth-Century literary imagination.New Haven: Yale University, 1979.

GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro:Record, 2006.

GRAFF, Gerald. Professing literature: an institutional history. Chi-cago e Londres: University of Chicago, 1987.

_____. Beyond the culture wars: how teaching the conflicts canrevitalize American higher education. Nova York: Norton, 1992.

Page 37: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 37/38

Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate... 149

GUILLORY, John. Cultural capital: the problem of literary canonformation. Chicago: University of Chicago, 1993.

KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Schriften zur Ästhetikund Naturphilosophie. Werke III. Ed. Manfred Frank e VéroniqueZanetti. Frankfurt am Main: Deutscher Klassiker Verlag, 1996. p.479-880.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A leitura rarefeita: livroe literatura no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1991.

_____; _____. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática,1996.

_____; _____. O preço da leitura: leis e números por trás das letras.São Paulo: Ática, 2001.

MARX, Karl. Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie. Berlim:Gustav Kiepenheuer Verlag, 1952.

MOREIRAS, Alberto. A aura do testemunho. In: _____. A exaustão

da diferença: a política dos estudos culturais latino-americanos. Trad.Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. BeloHorizonte: UFMG, 2001. p. 249-282.

MORICONI, Ítalo. Os cem melhores contos brasileiros do século XX.Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

_____. Os cem melhores poemas brasileiros do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich. Zur Genealogie der Moral. In: COLLIN,Giorgio; MONTINARI, Mazzino (Eds.). Sämtliche Werke. KritischeStudienausgabe in 15 Bänden. v. 5. Berlim e Munique: Walter deGruyter e Deutscher Taschenbuch Verlag, 1967-77. p. 245-412.

PAULS, Alan. El pasado. Barcelona: Anagrama, 2003.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor naobra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das

Letras, 1998.PIGLIA, Ricardo. Crítica y ficción. Buenos Aires: Siglo XX e Uni-versidad Nacional del Litoral, 1993.

PRATT, Mary Louise. I, Rigoberta Menchú and the “Culture Wars”.In: ARIAS, Arturo (Ed.). The Rigoberta Menchú Controversy. Min-Min-neapolis: University of Minnesota, 2001. p.29-48.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba noRio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar e UFRJ,

Page 38: Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

7/26/2019 Cânone Literário e Valor Estético: notas sobre um debate de nosso tempo Idelber Avelar

http://slidepdf.com/reader/full/canone-literario-e-valor-estetico-notas-sobre-um-debate-de-nosso-tempo 38/38

150  Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.15, 2009

2001.SARLO, Beatriz. Entrevista de Sergi Doria con Beatriz Sarlo.Barcelona: Metrópolis, 2008. Disponível em: <http://www.bar-celonametropolis.cat/es/page.asp?id=22&ui=58>. Acesso em:15 dez. 2009.

SKLODOWSKA, Elzbieta. Testimonio hispanoamericano: historia,teoría, poética. Nova York: Peter Lang, 1992.

SMITH, Adam. The wealth of nations. Books IV-V. Londres e NovaYork: Penguin, 1999.

SMITH, Barbara Herrnstein. Contingencies of value: alternativeperspectives for critical theory. Cambridge, Mass. e Londres: Har-vard University, 1988.

SÜSSEKIND, Flora. Cinematógrafo das letras: literatura, técnica emodernização no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

_____. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo:Companhia das Letras, 1990.

VENTURA, Roberto. Estilo tropical: história cultural e polêmicasliterárias no Brasil, 1870-1914. São Paulo: Companhia das Letras,1991.

YÚDICE, George. Testimonio and Postmodernism. Latin AmericanPerspectives, n. 18, p. 15-31, 1991.

_____. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Trad.Marie-Anne Kramer. Belo Horizonte: UFMG, 2004.