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Boletim Criminal Comentado–junho2018 (semana 1) 1 CAO-Crim Boletim Criminal Comentado - junho 2018 (semana 1) Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais Mário Luiz Sarrubbo Coordenador do CAO Criminal: Arthur Pinto de Lemos Júnior Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Analista de Promotoria: Ana Karenina Saura Rodrigues

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Boletim Criminal Comentado–junho2018

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CAO-Crim

Boletim Criminal Comentado - junho 2018

(semana 1)

Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais

Mário Luiz Sarrubbo

Coordenador do CAO Criminal:

Arthur Pinto de Lemos Júnior

Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Analista de Promotoria:

Ana Karenina Saura Rodrigues

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Sumário

ESTUDOS DO CAOCRIM ................................................................................................................. 3

1- Nota técnica do CAOCrim ao SUBSTITUTIVO dos PLs 602/15 e 1.143/15..............................3

2- Não realização da audiência de custódia: mera irregularidade .......................................................... 7

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ................................. 10

DIREITO PROCESSUAL PENAL: ..................................................................................................... 10

1-Tema: Crimes ambientais. A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão ambiental não impede a instauração de ação penal. ............................................................................................ 10

2-Tema: A condução do interrogatório do réu de forma firme durante o júri não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do juiz e em influência negativa nos jurados............11

3-Tema: Execução penal. É possível a remição do tempo de trabalho realizado antes do início da execução da pena, desde que em data posterior à prática do delito. .................................................. 13

STF/STJ: Notícias de interesse institucional ................................................................................. 15

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Nota técnica do CAOCrim ao SUBSTITUTIVO dos PLs 602/15 e 1.143/15.

I - Relatório:

Cuida-se de Substitutivo aos Projetos de Lei n. 602, de 2015, e n. 1.143, de 2015, que altera o

art. 11 da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, para caracterizar como ato de improbidade

administrativa a conduta popularmente conhecida como “carteirada”; altera o texto do art.

4o. da Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965, para tipificar como abuso de autoridade a mesma

conduta (“carteirada”); e revoga o crime de desacato (art. 331 do Código Penal).

A presente nota técnica se limitará aos aspectos criminais do substitutivo.

II - Análise:

a) Nova modalidade de conduta criminosa na Lei de Abuso de Autoridade

A Constituição Federal busca garantir que o exercício da função pública ocorra dentro de

limites ditados, coibindo os excessos e arbitrariedades.

Os eventuais abusos praticados pelos agentes do Estado acabam por violar direitos e garantias

fundamentais do cidadão.

Dentro de um contexto protetivo, nasceu a Lei 4.898/1965, concebida para incriminar os

chamados abusos genéricos de poder. Por meio dessa Lei, pretende-se prevenir e reprimir

abusos por partes das autoridades, responsabilizando seu agente na seara administrativa, civil

e penal pelo mau uso ou uso excessivo da sua atribuição/competência.

No substitutivo em análise, o legislador pretende dar ao comportamento popularmente

conhecido como “carteirada” dupla tipificação. Utilizar-se de seu cargo ou função para ter

acesso, sem pagamento de ingresso, a locais de diversão pública ou a eventos culturais ou

esportivos, sem estar efetivamente em serviço e especificadamente designado para executar

diligencias no local do evento configurará ato ímprobo (art. 11 da Lei 8.429/92) e crime (art.

4o, “j”, da Lei 4.898/65):

“Art. 4o...........................................................................................................

j) utilizar-se de seu cargo ou função para ter acesso, sem pagamento de ingresso, a locais de

diversão pública ou a eventos culturais ou esportivos, sem estar efetivamente em serviço e

especificadamente designado para executar diligencias no local do evento”.

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De fato, a conduta tipificada no projeto é imoral, ferindo não somente o regular exercício de

uma função pública, mas igualmente a moralidade administrativa.

Contudo, com espeque nos princípios norteadores do Direito Penal, em especial, o da

intervenção mínima, não parece necessária sua intervenção.

O Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que a sua

intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle.

O comportamento, repise-se, é indesejado e antissocial, mas outros ramos do Direito, com as

suas respectivas sanções, se mostram suficientes na tarefa de inibir/reprimir a prática da

conduta abusiva.

Como alertado, o projeto altera também a lei de improbidade, prevendo sanções rigorosas

para a “carteirada”, como a perda do cargo. A punição extrapenal, portanto, parece eficiente.

Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para

a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o

restabelecimento da ordem jurídica violada forem satisfatórias medidas civis e/ou

administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais.

Heleno Fragoso, seguindo essa linha de raciocínio, já enfatizava:

“Desde logo se deve excluir do sistema penal a chamada criminalidade de bagatela e os fatos

puníveis que se situam puramente na ordem moral. A intervenção punitiva só se legitima para

assegurar a ordem externa. A incriminação só se justifica quando está em causa um bem ou

valor social importante. Não é mais possível admitir incriminações que resultem de certa

concepção moral da vida, de validade geral duvidosa, sustentada pelos que têm o poder de

fazer a lei. Orienta-se o Direito Penal de nosso tempo no sentido de uma nova humanização,

fruto de larga experiência negativa”1.

b) Revogação do crime de desacato

Reza o art. 331 do CP

“Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.

Percebe-se da proposta de alteração legislativa em exame, que o legislador acabou por seguir

a linha de raciocínio de parcela da doutrina e da jurisprudência, onde se sustenta, em apertada

1. Lições de Direito Penal, Parte Geral. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense 2003, p. 05.

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síntese, que a punição da conduta de desacato é incompatível (1) com a ordem constitucional

(2) e com a legislação internacional de que o Brasil faz parte.

Essa postura legislativa parte de premissas equivocadas, data maxima venia.

1 - (In)compatibilidade do crime de desacato com a ordem constitucional:

Quanto à ofensa à ordem constitucional, argumenta-se que se trata de tipificação de caráter

autoritário, que visa afinal a impedir – ou ao menos a desencorajar – manifestações contrárias

às práticas de agentes estatais. Sustenta-se que, apesar da objetividade jurídica do crime – a

manutenção do prestígio da Administração –, os agentes públicos devem estar sujeitos a

maior fiscalização e censura e que, por isso, não se pode tolher o direito de crítica, ainda que

exacerbada. Criminalizar a conduta fere o princípio da proporcionalidade e ignora postulados

próprios do Direito Penal como a intervenção mínima e a lesividade. Não bastasse, em grande

parte das situações o agente estatal acaba por fazer ele mesmo uma espécie de “juízo

preliminar” da caracterização do crime e toma por ofensa uma manifestação que no geral

seria interpretada como crítica, provocando constrangimento contra quem se manifestou.

2 - (In)compatibilidade do crime de desacato com a ordem normativa internacional:

No que concerne à legislação internacional, a Convenção Americana sobre os Direitos

Humanos – à qual o Brasil aderiu por meio do Decreto nº 678/92 – garante, no artigo 13, a

liberdade de pensamento e expressão, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já

se manifestou no sentido de que a legislação de desacato vigente no continente americano

contraria os termos da Convenção:

“A ameaça de sofrer punições penais por expressões, sobretudo nos casos em que elas

consistissem de opiniões críticas de funcionários ou pessoas públicas, gera um efeito

paralisante em quem quer expressar-se, que pode traduzir-se em situações de auto-censura

incompatíveis com um sistema democrático. A esta conclusão se chegou pela análise que

efetuou a CIDH acerca da compatibilidade das leis de desacato com a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos em um relatório realizado em 1995. A CIDH concluiu que tais leis não

eram compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso como um meio para

silenciar idéias e opiniões impopulares, reprimindo desse modo o debate que é crítico para o

efetivo funcionamento das instituições democráticas. Em conseqüência, os cidadãos têm o

direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se relaciona

com a função pública. Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas pelo temor das

pessoas às ações judiciais ou sanções monetárias. Por estas e outras razões, a CIDH concluiu

que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou aos Estados a que as

derrogassem” (Relatório do relator especial para a liberdade de expressão, Eduardo A Bertoni,

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solicitado pela Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos em cumprimento da Resolução Ag-

Res. 1894 (XXXII-O/02). Disponível

em https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/vol.3m.htm).

No julgamento do REsp 1.640.084/SP (DJe 01/02/2017), o STJ chegou a considerar o crime de

desacato incompatível com a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos:

“Embora a jurisprudência afaste a tipicidade do desacato quando a palavra ou o ato ofensivo

resultar de reclamação ou crítica à atuação funcional do agente público (RHC 9.615/RS, Quinta

Turma, DJ 25/9/2000), o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da

função exercida em nome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição

abusiva do poder punitivo estatal. Não há dúvida de que a criminalização do desacato está na

contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em

seus agentes – sobre o indivíduo”.

É importante alertar que esta tese, veiculada por uma das Turmas do tribunal, foi logo

superada, pois a Terceira Seção, no julgamento do HC 379.269/MS (DJe 30/06/2017), concluiu

que o desacato continua sendo crime.

Recentemente, o STF também encampou a tese de que a tipificação do desacato permanece

hígida, pois o tratamento conferido à liberdade de expressão pela norma de direito

internacional não difere daquele disposto na Constituição Federal. O direito não é absoluto,

tanto que o ordenamento constitucional tutela a honra e a intimidade, em face das quais a

liberdade de manifestação do pensamento sofre limitações e pode ser objeto de punição no

caso de abuso:

“O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado democrático. A

ninguém é lícito usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia. O desacato

constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente,

da dignidade de quem a exerce. Não se pode despojar a pessoa de um dos mais delicados

valores constitucionais, a dignidade da pessoa humana, em razão do “status” de funcionário

público (civil ou militar). A investidura em função pública não constitui renúncia à honra e à

dignidade. Nesse aspecto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável

pelo julgamento de situações concretas de abusos e violações de direitos humanos,

reiteradamente tem decidido contrariamente ao entendimento da Comissão de Direitos

Humanos, estabelecendo que o direito penal pode punir condutas excessivas no exercício da

liberdade de expressão” (HC 141.949/DF, j. 13/03/2018).

Em resumo, podemos concluir que a tipificação penal da ofensa contra o funcionário público

no exercício de suas funções é uma proteção adicional que não impede a liberdade de

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expressão, desde que exercida sem exageros. E afastar a figura criminosa do desacato não

traria mudança significativa nos limites do direito de expressão, pois o exagero poderia de

qualquer forma ser punido como injúria majorada. Logo, o esforço para discernir a censura do

insulto permaneceria. O importante não é afastar a priori a possibilidade de punição do

desacato, mas, mantendo a proteção ao exercício da função pública, exercer o controle sobre

eventuais abusos desse exercício.

Noutras palavras, compete ao poder público garantir tanto a punição do exagero do direito

de crítica à atividade desempenhada pelo funcionário público quanto a punição do abuso na

reação do funcionário diante de uma crítica justa proferida pelo cidadão.

III - Conclusão:

Posto isso, a presente NOTA TÉCNICA expressa posicionamento contrário do Ministério

Público do Estado de São Paulo em relação aos aspectos penais do Substitutivo aos Projetos

de Lei n. 602, de 2015, e n. 1.143, de 2015.

O Direito Penal não deve intervir na prevenção e repressão da “carteirada” (utilizar-se de seu

cargo ou função para ter acesso, sem pagamento de ingresso, a locais de diversão pública ou

a eventos culturais ou esportivos, sem estar efetivamente em serviço e especificadamente

designado para executar diligencias no local do evento), mas deve continuar punindo o

desacato, tipificado no art. 331 do CP.

2- Não realização da audiência de custódia: mera irregularidade

A audiência de custódia se apresenta como cautela que atende, basicamente, à Convenção

Americana de Direitos Humanos (art. 7. 5), a impor a apresentação do preso a um juiz ou a

autoridade que exerça função assemelhada, legalmente constituída. No mesmo sentido, o art.

9, 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York.

A matéria ainda não recebeu tratamento legal, conquanto esteja em trâmite, no Congresso,

projeto de lei que a regulamenta. Por ora, vem prevista na Resolução n. 213/2015, do

Conselho Nacional de Justiça e em normas internas de tribunais. Assegura-se prévia entrevista

entre o preso com seu advogado ou, à falta deste, com um defensor público. Após formular

perguntas de cunho pessoal, referentes à “qualificação, condições pessoais, tais como estado

civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência, lugar onde exerce

sua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão”, sem adentrar o mérito

dos fatos em si, é concedida a palavra ao Ministério Público e à defesa.

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A audiência de custódia (ou de apresentação), como se nota, tem dupla finalidade: de

proteção, a fim de tutelar a integridade física do preso, e de constatação, aquilatando, de

acordo com as circunstâncias do caso concreto, a necessidade de ser mantida a prisão do

autuado. Nos termos da Resolução 213/2015 do CNJ, o dever de apresentação de toda pessoa

presa abrange o flagrante (art. 1º) e outras prisões, como temporária, preventiva ou definitiva

(art. 13). Pensamos, porém, que a audiência no caso de cumprimento de mandado de prisão

temporária, preventiva ou definitiva somente se justifica para assegurar a integridade do

preso, não havendo espaço para o magistrado aquilatar o mérito da clausura, ou seja, se

devida ou não a prisão.

Os textos internacionais acima referidos não estabelecem um prazo determinado para a

realização da audiência de custódia. Utilizando expressões abertas, indicam, contudo,

imediatidade. No Brasil, a Resolução 213 do CNJ estabelece um prazo de 24h da comunicação

do flagrante (art. 1o.) ou das outras modalidades de prisão (art. 13). No que diz respeito ao

flagrante, a mesma Resolução, no §1o. do art. 1o., anuncia que a sua comunicação à

autoridade judicial se dará por meio do encaminhamento do respectivo auto de prisão. Com

isso concluímos que, primeiro, a autoridade policial finaliza a autuação em flagrante do

conduzido (que deverá ocorrer, segundo nossa legislação, em até 24h), e, depois, em até 24h,

apresentar o preso ao juiz competente.

A não realização da audiência vem sendo encarada pelos Tribunais como mera irregularidade,

não invalidando o flagrante. Nesse sentido:

STJ:

I - Quanto à não realização da audiência de custódia, convém esclarecer que, com o decreto

da prisão preventiva, a alegação de nulidade fica superada. Isso porque a posterior conversão

do flagrante em prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade,

restando superada a alegação de nulidade decorrente da ausência de apresentação do preso

ao Juízo de origem (HC 363.278/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta

Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016).

II - É pacífico nesta Corte Superior o entendimento no sentido de que a pretensão de se

reconhecer a nulidade do flagrante, por ausência da audiência de custódia, resta superada

quando superveniente novo título a embasar a custódia processual do detido, qual seja, o

decreto preventivo (HC 417.133/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado

em 15/05/2018, DJe 28/05/2018).

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III - Presentes os requisitos da prisão preventiva e observadas as garantias individuais, a não

realização da audiência de custódia não importa, por si só, em relaxamento da segregação. In

casu, a Defesa não apontou qualquer violação concreta às garantias processuais e

constitucionais, limitando-se a impugnar a não apresentação do preso ao juiz no prazo

previsto. Habeas corpus denegado (HC 427.879/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS

MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 15/05/2018).

TJ-SP:

HABEAS CORPUS – não realização de audiência de custódia – irregularidade procedimental –

tráfico – Presença de pressupostos legais que autorizam a manutenção do paciente no cárcere

– Despacho suficientemente fundamentado – Ordem denegada (HC 21952239520168260000

SP 2195223-95.2016.8.26.0000 -TJ-SP).

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-Tema: Crimes ambientais. A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão

ambiental não impede a instauração de ação penal.

INFORMATIVO 623 STJ – CORTE ESPECIAL

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Sabido que o cometimento de determinados crimes ambientais pode dar ensejo à instauração

de procedimentos simultâneos nas searas criminal e administrativa. Com efeito, o responsável

por provocar, por exemplo, poluição mediante lançamento de produtos químicos que

contaminem uma nascente será investigado pela prática do crime tipificado no art. 54 da Lei

9.605/98 e, na seara administrativa, responderá a procedimento destinado a fazer cessar o

ato de poluição e a reparar os danos causados, sendo que o procedimento administrativo

pode tramitar tanto em órgãos públicos estruturados especificamente para lidar com

questões ambientais quanto no Ministério Público, em promotorias com atribuições relativas

ao meio ambiente.

O princípio que vigora nessas situações é o da independência de instâncias, ou seja, a adoção

de providências em determinado âmbito de atuação em regra não tem efeitos impeditivos

sobre outros procedimentos. É o mesmo que ocorre nas situações em que um funcionário

público comete crime contra a Administração, o que atrai punições criminais, civis e

administrativas independentes.

No caso de danos ao meio ambiente, o procedimento criminal se atém, evidentemente, a

constatar a ocorrência de uma conduta criminosa e a puni-la adequadamente. Embora

possam haver, também nesta seara, medidas despenalizadoras que envolvam a reparação do

dano, a natureza essencialmente punitiva da ação penal não se confunde com a do

procedimento administrativo, que, a par da punição (por meio de multas), visa sobretudo à

cessação e à reparação de danos.

Isto normalmente ocorre – tanto na esfera dos órgãos ambientais quanto na das promotorias

de meio ambiente – por meio da assinatura de termo de ajustamento de conduta, que nada

mais é do que uma composição na qual o órgão público propõe medidas eficazes para cessar

a conduta danosa e para restituir o meio ambiente à situação anterior, e o responsável pelo

dano se compromete a promover a reparação e, dali em diante, adequar sua conduta para

que não ocorram novos danos.

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Nota-se, portanto, que a natureza do termo de ajustamento de conduta impede a produção

de efeitos obstativos sobre a ação penal, por meio da qual o órgão acusador persegue a

imposição de pena com finalidades de retribuição, de ressocialização e de prevenção geral e

especial. Não decorrem, outrossim, da assinatura do termo de ajustamento efeitos

supressivos da tipicidade penal.

Com base nisso, o STJ recebeu denúncia na ação penal 888/DF argumentando que a

independência de instâncias não admite a interferência do termo de ajustamento de conduta

na ação penal, a não ser, no caso de cumprimento do acordo, na dosimetria da pena:

“As Turmas especializadas em matéria penal desta Corte adotam a orientação de que, em

razão da independência das instâncias penal e administrativa, a celebração de termo de

ajustamento de conduta é incapaz de impedir a persecução penal, repercutindo apenas, em

hipótese de condenação, na dosimetria da pena. Nesse sentido, AgRg no AREsp 984.920/BA,

Sexta Turma, DJe 31/08/2017; e HC 160.525/RJ, Quinta Turma, DJe 14/03/2013.

Assim, ‘mostra-se irrelevante o fato de o recorrente haver celebrado termo de ajustamento

de conduta, […] razão pela qual o Parquet, dispondo de elementos mínimos para oferecer a

denúncia, pode fazê-lo, ainda que as condutas tenham sido objeto de acordo extrajudicial’

(RHC 41.003/PI, Quinta Turma, DJe 03/02/2014).

Desse modo, a assinatura do termo de ajustamento de conduta, firmado entre o denunciado

e o Estado do Mato Grosso, representado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente,

informada na resposta à acusação, também não impede a instauração da ação penal, pois não

elide a tipicidade formal das condutas imputadas ao acusado”.

2-Tema: A condução do interrogatório do réu de forma firme durante o júri não importa,

necessariamente, em quebra da imparcialidade do juiz e em influência negativa nos jurados.

INFORMATIVO 625 STJ – SEXTA TURMA

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Na linha da legislação mais moderna, que vislumbra no interrogatório um meio de defesa, o

rito do júri estabelece a realização deste ato por último, após a produção das demais provas

(testemunhal, oitiva da vítima, se o caso, etc.).

Vale atentar que, no caso do julgamento em plenário do júri, o interrogatório, embora

presidido pelo juiz togado, tem como destinatários os jurados, ou seja, enquanto nos

procedimentos comuns o interrogatório é importante meio de prova para formação da

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convicção do próprio juiz togado (embora seja, também, meio de defesa, o que lhe confere

um caráter misto), no júri o ato influencia muito mais os jurados, que, por exemplo, se

impressionarão com a confissão do réu feita de viva voz em plenário. Não que essa confissão

seja irrelevante para o juiz togado, que a leva em conta quando da dosagem da pena, mas

gera seus efeitos de forma mais contundente sobre os juízes leigos.

Principalmente em razão da maior suscetibilidade dos jurados, o interrogatório deve ser

conduzido com serenidade, de forma que o juiz não perca, jamais, sua condição de

imparcialidade. Deve ser um ato de boa-fé, um instrumento da verdade. Correta a observação

de Hélio Tornaghi, para quem “o juiz não é um inquisidor preocupado em sondar as

profundezas d’alma do interrogado. Também não é um psicanalista que remexe nos

escaninhos do inconsciente. Ele deve se portar, no interrogatório, como o bom professor no

exame do aluno: as perguntas hão de ser claras, em seu conteúdo; precisas, em seus

contornos; unívocas, isto é, sem ambiguidade. Não deve agir como vilão, armando ciladas para

o réu; nem como Javert, perseguindo-o, encurralando-o” (Curso de Processo Penal, São Paulo:

Saraiva, 7ª. Ed., 1990, pp. 363-4).

Nem todo ato, no entanto, que saia da plena normalidade é capaz de provocar a nulidade do

interrogatório por quebra da imparcialidade do juiz. Com efeito, decidiu o STJ (HC 410.161/PR,

j. 17/04/2018) que o fato de o juiz conduzir o interrogatório com firmeza e até com certa

rudeza não necessariamente ofende a imparcialidade. Para que se decrete a nulidade, devem

se fazer presentes firmes elementos de que a forma da inquirição influenciou negativamente

os jurados, dificultando o exercício do contraditório:

“Ora, agir com firmeza e até um tanto de forma rude, não é motivo para imputar à magistrada

a pecha da falta de imparcialidade. O juiz não é mero espectador do julgamento e tem, não só

o direito, mas o dever (art. 497 do Código de Processo Penal) de conduzi-lo e, ao interrogar a

ré, na espécie vertente, não há notícia de que tenha tratado de alguma prova ou emitido

qualquer opinião sobre elementos colhidos na instrução ou na própria sessão do Júri, isto,

sim, causa plausível de quebra da parcialidade, de modo a influenciar o ânimo dos jurados,

tanto que, sequer, houve, por parte da defesa, recurso acerca do mérito da condenação.

Penso que a quebra da imparcialidade tem de estar atrelada a alguma conduta do magistrado

que possa desequilibrar a balança do contraditório, ou seja, favorecer, para qualquer dos

lados, a atuação das partes”.

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3-Tema: Execução penal. É possível a remição do tempo de trabalho realizado antes do

início da execução da pena, desde que em data posterior à prática do delito.

INFORMATIVO 625 STJ – SEXTA TURMA

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

O exercício do trabalho e do estudo durante o cumprimento da pena é uma das medidas de

ressocialização adotadas pela Lei de Execução Penal, incentivada pela possibilidade de

remição, que, no caso do trabalho, se dá na proporção de um dia de pena para cada três dias

trabalhados e, no caso do estudo, de um dia de pena para cada doze horas de frequência

escolar.

Normalmente, a remição é aplicada por trabalho desempenhado durante a própria execução

da pena em que se dá o reconhecimento. O STJ não permite, por exemplo, que o condenado

se beneficie da remição por trabalho realizado — durante outra prisão — anteriormente à

prática do delito referente à pena a ser remida:

“No presente caso, verifica-se que o período trabalhado pelo paciente, e sobre o qual se

pretende a remição da pena (28/6/2012 a 8/5/2013), é anterior à data do cometimento do

crime de tráfico (9/7/2013), cuja pena está sendo executada, razão pela qual não é possível a

remição pretendida, tal qual ocorre com a detração, sob pena de criação de um crédito em

favor do paciente contra a Justiça Criminal”.

Segue-se, com isso, a mesma lógica imposta sobre a detração: embora seja admissível o

cômputo do tempo de prisão provisória ocorrida em outro processo, o crime no qual se aplica

a detração deve ter sido cometido antes daquele que a enseja, evitando-se com isso que se

crie uma espécie de conta-corrente em que o agente dispõe de desconto da pena para o

cometimento de crimes no futuro, o que, em última análise, incentiva a delinquência (STJ: HC

422.310/DF, j. 19/04/2018).

Por outro lado, se a mesma lógica é seguida para a remição, o STJ admite que o condenado

tenha a pena remida por trabalho realizado durante prisão anterior à execução penal na qual

se dá o desconto, desde tenha sido desempenhado em momento posterior à prática do crime

que tem execução em curso, pois, caso o trabalho tenha sido exercido antes deste crime, tem-

se a mesma situação de incentivo à criminalidade: o agente já terá dias remidos caso cometa

um crime no futuro:

“No caso denota-se que o trabalho em questão foi realizado em momento posterior à prática

de um dos delitos cuja condenação se executa, de modo que, nesta hipótese, ainda que

anterior ao início da execução, é possível a remição da pena pelo trabalho relativamente ao

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delito praticado anteriormente. Embora haja a possibilidade de o condenado remir o tempo

de cumprimento da reprimenda pelo exercício do trabalho, como forma de implementar o

objetivo ressocializador da pena, integrando-o, gradativamente, ao convívio social, a

concessão de benefícios não pode favorecer o estímulo à prática de novas infrações penais.

Por isso, entende-se não ser possível a detração ou a remição em processo distinto, dos dias

trabalhados durante a execução de pena já extinta. O que se pretende evitar é o estímulo à

prática de novos delitos, ou seja, que, em razão de eventual “crédito” já constante em seu

favor, o apenado cometa uma nova infração, sobre a qual pretenderia eventual abatimento

em razão do trabalho já realizado, o que, com efeito, não pode ser admitido. Todavia, observa-

se que, não se trata de fato praticado após o trabalho realizado pelo apenado, mas de delito

anterior ao labor, de modo que não há falar em estímulo ou em “crédito”, pois a infração já

havia sido praticada. Por essa razão, não se verifica similitude entre as hipóteses de vedação

de incidência do instituto da remição, devendo, nesse contexto, ser dado o mesmo

tratamento utilizado para a detração” (HC 420.257/RS, j. 19/04/2018).

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STF/STJ: Notícias de interesse institucional

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6 de junho de 2018 9 - Programa Via Legal mostra condenação de médico que cobrava por cirurgia bariátrica de pacientes do SUS

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