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Boletim Criminal Comentado–junho2018
(semana 1)
1
CAO-Crim
Boletim Criminal Comentado - junho 2018
(semana 1)
Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Mário Luiz Sarrubbo
Coordenador do CAO Criminal:
Arthur Pinto de Lemos Júnior
Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista de Promotoria:
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado–junho2018
(semana 1)
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Sumário
ESTUDOS DO CAOCRIM ................................................................................................................. 3
1- Nota técnica do CAOCrim ao SUBSTITUTIVO dos PLs 602/15 e 1.143/15..............................3
2- Não realização da audiência de custódia: mera irregularidade .......................................................... 7
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ................................. 10
DIREITO PROCESSUAL PENAL: ..................................................................................................... 10
1-Tema: Crimes ambientais. A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão ambiental não impede a instauração de ação penal. ............................................................................................ 10
2-Tema: A condução do interrogatório do réu de forma firme durante o júri não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do juiz e em influência negativa nos jurados............11
3-Tema: Execução penal. É possível a remição do tempo de trabalho realizado antes do início da execução da pena, desde que em data posterior à prática do delito. .................................................. 13
STF/STJ: Notícias de interesse institucional ................................................................................. 15
Boletim Criminal Comentado–junho2018
(semana 1)
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Nota técnica do CAOCrim ao SUBSTITUTIVO dos PLs 602/15 e 1.143/15.
I - Relatório:
Cuida-se de Substitutivo aos Projetos de Lei n. 602, de 2015, e n. 1.143, de 2015, que altera o
art. 11 da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, para caracterizar como ato de improbidade
administrativa a conduta popularmente conhecida como “carteirada”; altera o texto do art.
4o. da Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965, para tipificar como abuso de autoridade a mesma
conduta (“carteirada”); e revoga o crime de desacato (art. 331 do Código Penal).
A presente nota técnica se limitará aos aspectos criminais do substitutivo.
II - Análise:
a) Nova modalidade de conduta criminosa na Lei de Abuso de Autoridade
A Constituição Federal busca garantir que o exercício da função pública ocorra dentro de
limites ditados, coibindo os excessos e arbitrariedades.
Os eventuais abusos praticados pelos agentes do Estado acabam por violar direitos e garantias
fundamentais do cidadão.
Dentro de um contexto protetivo, nasceu a Lei 4.898/1965, concebida para incriminar os
chamados abusos genéricos de poder. Por meio dessa Lei, pretende-se prevenir e reprimir
abusos por partes das autoridades, responsabilizando seu agente na seara administrativa, civil
e penal pelo mau uso ou uso excessivo da sua atribuição/competência.
No substitutivo em análise, o legislador pretende dar ao comportamento popularmente
conhecido como “carteirada” dupla tipificação. Utilizar-se de seu cargo ou função para ter
acesso, sem pagamento de ingresso, a locais de diversão pública ou a eventos culturais ou
esportivos, sem estar efetivamente em serviço e especificadamente designado para executar
diligencias no local do evento configurará ato ímprobo (art. 11 da Lei 8.429/92) e crime (art.
4o, “j”, da Lei 4.898/65):
“Art. 4o...........................................................................................................
j) utilizar-se de seu cargo ou função para ter acesso, sem pagamento de ingresso, a locais de
diversão pública ou a eventos culturais ou esportivos, sem estar efetivamente em serviço e
especificadamente designado para executar diligencias no local do evento”.
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De fato, a conduta tipificada no projeto é imoral, ferindo não somente o regular exercício de
uma função pública, mas igualmente a moralidade administrativa.
Contudo, com espeque nos princípios norteadores do Direito Penal, em especial, o da
intervenção mínima, não parece necessária sua intervenção.
O Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que a sua
intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle.
O comportamento, repise-se, é indesejado e antissocial, mas outros ramos do Direito, com as
suas respectivas sanções, se mostram suficientes na tarefa de inibir/reprimir a prática da
conduta abusiva.
Como alertado, o projeto altera também a lei de improbidade, prevendo sanções rigorosas
para a “carteirada”, como a perda do cargo. A punição extrapenal, portanto, parece eficiente.
Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para
a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o
restabelecimento da ordem jurídica violada forem satisfatórias medidas civis e/ou
administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais.
Heleno Fragoso, seguindo essa linha de raciocínio, já enfatizava:
“Desde logo se deve excluir do sistema penal a chamada criminalidade de bagatela e os fatos
puníveis que se situam puramente na ordem moral. A intervenção punitiva só se legitima para
assegurar a ordem externa. A incriminação só se justifica quando está em causa um bem ou
valor social importante. Não é mais possível admitir incriminações que resultem de certa
concepção moral da vida, de validade geral duvidosa, sustentada pelos que têm o poder de
fazer a lei. Orienta-se o Direito Penal de nosso tempo no sentido de uma nova humanização,
fruto de larga experiência negativa”1.
b) Revogação do crime de desacato
Reza o art. 331 do CP
“Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.
Percebe-se da proposta de alteração legislativa em exame, que o legislador acabou por seguir
a linha de raciocínio de parcela da doutrina e da jurisprudência, onde se sustenta, em apertada
1. Lições de Direito Penal, Parte Geral. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense 2003, p. 05.
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síntese, que a punição da conduta de desacato é incompatível (1) com a ordem constitucional
(2) e com a legislação internacional de que o Brasil faz parte.
Essa postura legislativa parte de premissas equivocadas, data maxima venia.
1 - (In)compatibilidade do crime de desacato com a ordem constitucional:
Quanto à ofensa à ordem constitucional, argumenta-se que se trata de tipificação de caráter
autoritário, que visa afinal a impedir – ou ao menos a desencorajar – manifestações contrárias
às práticas de agentes estatais. Sustenta-se que, apesar da objetividade jurídica do crime – a
manutenção do prestígio da Administração –, os agentes públicos devem estar sujeitos a
maior fiscalização e censura e que, por isso, não se pode tolher o direito de crítica, ainda que
exacerbada. Criminalizar a conduta fere o princípio da proporcionalidade e ignora postulados
próprios do Direito Penal como a intervenção mínima e a lesividade. Não bastasse, em grande
parte das situações o agente estatal acaba por fazer ele mesmo uma espécie de “juízo
preliminar” da caracterização do crime e toma por ofensa uma manifestação que no geral
seria interpretada como crítica, provocando constrangimento contra quem se manifestou.
2 - (In)compatibilidade do crime de desacato com a ordem normativa internacional:
No que concerne à legislação internacional, a Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos – à qual o Brasil aderiu por meio do Decreto nº 678/92 – garante, no artigo 13, a
liberdade de pensamento e expressão, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já
se manifestou no sentido de que a legislação de desacato vigente no continente americano
contraria os termos da Convenção:
“A ameaça de sofrer punições penais por expressões, sobretudo nos casos em que elas
consistissem de opiniões críticas de funcionários ou pessoas públicas, gera um efeito
paralisante em quem quer expressar-se, que pode traduzir-se em situações de auto-censura
incompatíveis com um sistema democrático. A esta conclusão se chegou pela análise que
efetuou a CIDH acerca da compatibilidade das leis de desacato com a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos em um relatório realizado em 1995. A CIDH concluiu que tais leis não
eram compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso como um meio para
silenciar idéias e opiniões impopulares, reprimindo desse modo o debate que é crítico para o
efetivo funcionamento das instituições democráticas. Em conseqüência, os cidadãos têm o
direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se relaciona
com a função pública. Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas pelo temor das
pessoas às ações judiciais ou sanções monetárias. Por estas e outras razões, a CIDH concluiu
que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou aos Estados a que as
derrogassem” (Relatório do relator especial para a liberdade de expressão, Eduardo A Bertoni,
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solicitado pela Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos em cumprimento da Resolução Ag-
Res. 1894 (XXXII-O/02). Disponível
em https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/vol.3m.htm).
No julgamento do REsp 1.640.084/SP (DJe 01/02/2017), o STJ chegou a considerar o crime de
desacato incompatível com a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos:
“Embora a jurisprudência afaste a tipicidade do desacato quando a palavra ou o ato ofensivo
resultar de reclamação ou crítica à atuação funcional do agente público (RHC 9.615/RS, Quinta
Turma, DJ 25/9/2000), o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da
função exercida em nome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição
abusiva do poder punitivo estatal. Não há dúvida de que a criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em
seus agentes – sobre o indivíduo”.
É importante alertar que esta tese, veiculada por uma das Turmas do tribunal, foi logo
superada, pois a Terceira Seção, no julgamento do HC 379.269/MS (DJe 30/06/2017), concluiu
que o desacato continua sendo crime.
Recentemente, o STF também encampou a tese de que a tipificação do desacato permanece
hígida, pois o tratamento conferido à liberdade de expressão pela norma de direito
internacional não difere daquele disposto na Constituição Federal. O direito não é absoluto,
tanto que o ordenamento constitucional tutela a honra e a intimidade, em face das quais a
liberdade de manifestação do pensamento sofre limitações e pode ser objeto de punição no
caso de abuso:
“O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado democrático. A
ninguém é lícito usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia. O desacato
constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente,
da dignidade de quem a exerce. Não se pode despojar a pessoa de um dos mais delicados
valores constitucionais, a dignidade da pessoa humana, em razão do “status” de funcionário
público (civil ou militar). A investidura em função pública não constitui renúncia à honra e à
dignidade. Nesse aspecto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável
pelo julgamento de situações concretas de abusos e violações de direitos humanos,
reiteradamente tem decidido contrariamente ao entendimento da Comissão de Direitos
Humanos, estabelecendo que o direito penal pode punir condutas excessivas no exercício da
liberdade de expressão” (HC 141.949/DF, j. 13/03/2018).
Em resumo, podemos concluir que a tipificação penal da ofensa contra o funcionário público
no exercício de suas funções é uma proteção adicional que não impede a liberdade de
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expressão, desde que exercida sem exageros. E afastar a figura criminosa do desacato não
traria mudança significativa nos limites do direito de expressão, pois o exagero poderia de
qualquer forma ser punido como injúria majorada. Logo, o esforço para discernir a censura do
insulto permaneceria. O importante não é afastar a priori a possibilidade de punição do
desacato, mas, mantendo a proteção ao exercício da função pública, exercer o controle sobre
eventuais abusos desse exercício.
Noutras palavras, compete ao poder público garantir tanto a punição do exagero do direito
de crítica à atividade desempenhada pelo funcionário público quanto a punição do abuso na
reação do funcionário diante de uma crítica justa proferida pelo cidadão.
III - Conclusão:
Posto isso, a presente NOTA TÉCNICA expressa posicionamento contrário do Ministério
Público do Estado de São Paulo em relação aos aspectos penais do Substitutivo aos Projetos
de Lei n. 602, de 2015, e n. 1.143, de 2015.
O Direito Penal não deve intervir na prevenção e repressão da “carteirada” (utilizar-se de seu
cargo ou função para ter acesso, sem pagamento de ingresso, a locais de diversão pública ou
a eventos culturais ou esportivos, sem estar efetivamente em serviço e especificadamente
designado para executar diligencias no local do evento), mas deve continuar punindo o
desacato, tipificado no art. 331 do CP.
2- Não realização da audiência de custódia: mera irregularidade
A audiência de custódia se apresenta como cautela que atende, basicamente, à Convenção
Americana de Direitos Humanos (art. 7. 5), a impor a apresentação do preso a um juiz ou a
autoridade que exerça função assemelhada, legalmente constituída. No mesmo sentido, o art.
9, 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York.
A matéria ainda não recebeu tratamento legal, conquanto esteja em trâmite, no Congresso,
projeto de lei que a regulamenta. Por ora, vem prevista na Resolução n. 213/2015, do
Conselho Nacional de Justiça e em normas internas de tribunais. Assegura-se prévia entrevista
entre o preso com seu advogado ou, à falta deste, com um defensor público. Após formular
perguntas de cunho pessoal, referentes à “qualificação, condições pessoais, tais como estado
civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência, lugar onde exerce
sua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão”, sem adentrar o mérito
dos fatos em si, é concedida a palavra ao Ministério Público e à defesa.
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A audiência de custódia (ou de apresentação), como se nota, tem dupla finalidade: de
proteção, a fim de tutelar a integridade física do preso, e de constatação, aquilatando, de
acordo com as circunstâncias do caso concreto, a necessidade de ser mantida a prisão do
autuado. Nos termos da Resolução 213/2015 do CNJ, o dever de apresentação de toda pessoa
presa abrange o flagrante (art. 1º) e outras prisões, como temporária, preventiva ou definitiva
(art. 13). Pensamos, porém, que a audiência no caso de cumprimento de mandado de prisão
temporária, preventiva ou definitiva somente se justifica para assegurar a integridade do
preso, não havendo espaço para o magistrado aquilatar o mérito da clausura, ou seja, se
devida ou não a prisão.
Os textos internacionais acima referidos não estabelecem um prazo determinado para a
realização da audiência de custódia. Utilizando expressões abertas, indicam, contudo,
imediatidade. No Brasil, a Resolução 213 do CNJ estabelece um prazo de 24h da comunicação
do flagrante (art. 1o.) ou das outras modalidades de prisão (art. 13). No que diz respeito ao
flagrante, a mesma Resolução, no §1o. do art. 1o., anuncia que a sua comunicação à
autoridade judicial se dará por meio do encaminhamento do respectivo auto de prisão. Com
isso concluímos que, primeiro, a autoridade policial finaliza a autuação em flagrante do
conduzido (que deverá ocorrer, segundo nossa legislação, em até 24h), e, depois, em até 24h,
apresentar o preso ao juiz competente.
A não realização da audiência vem sendo encarada pelos Tribunais como mera irregularidade,
não invalidando o flagrante. Nesse sentido:
STJ:
I - Quanto à não realização da audiência de custódia, convém esclarecer que, com o decreto
da prisão preventiva, a alegação de nulidade fica superada. Isso porque a posterior conversão
do flagrante em prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade,
restando superada a alegação de nulidade decorrente da ausência de apresentação do preso
ao Juízo de origem (HC 363.278/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta
Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016).
II - É pacífico nesta Corte Superior o entendimento no sentido de que a pretensão de se
reconhecer a nulidade do flagrante, por ausência da audiência de custódia, resta superada
quando superveniente novo título a embasar a custódia processual do detido, qual seja, o
decreto preventivo (HC 417.133/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado
em 15/05/2018, DJe 28/05/2018).
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III - Presentes os requisitos da prisão preventiva e observadas as garantias individuais, a não
realização da audiência de custódia não importa, por si só, em relaxamento da segregação. In
casu, a Defesa não apontou qualquer violação concreta às garantias processuais e
constitucionais, limitando-se a impugnar a não apresentação do preso ao juiz no prazo
previsto. Habeas corpus denegado (HC 427.879/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 15/05/2018).
TJ-SP:
HABEAS CORPUS – não realização de audiência de custódia – irregularidade procedimental –
tráfico – Presença de pressupostos legais que autorizam a manutenção do paciente no cárcere
– Despacho suficientemente fundamentado – Ordem denegada (HC 21952239520168260000
SP 2195223-95.2016.8.26.0000 -TJ-SP).
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1-Tema: Crimes ambientais. A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão
ambiental não impede a instauração de ação penal.
INFORMATIVO 623 STJ – CORTE ESPECIAL
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Sabido que o cometimento de determinados crimes ambientais pode dar ensejo à instauração
de procedimentos simultâneos nas searas criminal e administrativa. Com efeito, o responsável
por provocar, por exemplo, poluição mediante lançamento de produtos químicos que
contaminem uma nascente será investigado pela prática do crime tipificado no art. 54 da Lei
9.605/98 e, na seara administrativa, responderá a procedimento destinado a fazer cessar o
ato de poluição e a reparar os danos causados, sendo que o procedimento administrativo
pode tramitar tanto em órgãos públicos estruturados especificamente para lidar com
questões ambientais quanto no Ministério Público, em promotorias com atribuições relativas
ao meio ambiente.
O princípio que vigora nessas situações é o da independência de instâncias, ou seja, a adoção
de providências em determinado âmbito de atuação em regra não tem efeitos impeditivos
sobre outros procedimentos. É o mesmo que ocorre nas situações em que um funcionário
público comete crime contra a Administração, o que atrai punições criminais, civis e
administrativas independentes.
No caso de danos ao meio ambiente, o procedimento criminal se atém, evidentemente, a
constatar a ocorrência de uma conduta criminosa e a puni-la adequadamente. Embora
possam haver, também nesta seara, medidas despenalizadoras que envolvam a reparação do
dano, a natureza essencialmente punitiva da ação penal não se confunde com a do
procedimento administrativo, que, a par da punição (por meio de multas), visa sobretudo à
cessação e à reparação de danos.
Isto normalmente ocorre – tanto na esfera dos órgãos ambientais quanto na das promotorias
de meio ambiente – por meio da assinatura de termo de ajustamento de conduta, que nada
mais é do que uma composição na qual o órgão público propõe medidas eficazes para cessar
a conduta danosa e para restituir o meio ambiente à situação anterior, e o responsável pelo
dano se compromete a promover a reparação e, dali em diante, adequar sua conduta para
que não ocorram novos danos.
Boletim Criminal Comentado–junho2018
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Nota-se, portanto, que a natureza do termo de ajustamento de conduta impede a produção
de efeitos obstativos sobre a ação penal, por meio da qual o órgão acusador persegue a
imposição de pena com finalidades de retribuição, de ressocialização e de prevenção geral e
especial. Não decorrem, outrossim, da assinatura do termo de ajustamento efeitos
supressivos da tipicidade penal.
Com base nisso, o STJ recebeu denúncia na ação penal 888/DF argumentando que a
independência de instâncias não admite a interferência do termo de ajustamento de conduta
na ação penal, a não ser, no caso de cumprimento do acordo, na dosimetria da pena:
“As Turmas especializadas em matéria penal desta Corte adotam a orientação de que, em
razão da independência das instâncias penal e administrativa, a celebração de termo de
ajustamento de conduta é incapaz de impedir a persecução penal, repercutindo apenas, em
hipótese de condenação, na dosimetria da pena. Nesse sentido, AgRg no AREsp 984.920/BA,
Sexta Turma, DJe 31/08/2017; e HC 160.525/RJ, Quinta Turma, DJe 14/03/2013.
Assim, ‘mostra-se irrelevante o fato de o recorrente haver celebrado termo de ajustamento
de conduta, […] razão pela qual o Parquet, dispondo de elementos mínimos para oferecer a
denúncia, pode fazê-lo, ainda que as condutas tenham sido objeto de acordo extrajudicial’
(RHC 41.003/PI, Quinta Turma, DJe 03/02/2014).
Desse modo, a assinatura do termo de ajustamento de conduta, firmado entre o denunciado
e o Estado do Mato Grosso, representado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente,
informada na resposta à acusação, também não impede a instauração da ação penal, pois não
elide a tipicidade formal das condutas imputadas ao acusado”.
2-Tema: A condução do interrogatório do réu de forma firme durante o júri não importa,
necessariamente, em quebra da imparcialidade do juiz e em influência negativa nos jurados.
INFORMATIVO 625 STJ – SEXTA TURMA
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Na linha da legislação mais moderna, que vislumbra no interrogatório um meio de defesa, o
rito do júri estabelece a realização deste ato por último, após a produção das demais provas
(testemunhal, oitiva da vítima, se o caso, etc.).
Vale atentar que, no caso do julgamento em plenário do júri, o interrogatório, embora
presidido pelo juiz togado, tem como destinatários os jurados, ou seja, enquanto nos
procedimentos comuns o interrogatório é importante meio de prova para formação da
Boletim Criminal Comentado–junho2018
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convicção do próprio juiz togado (embora seja, também, meio de defesa, o que lhe confere
um caráter misto), no júri o ato influencia muito mais os jurados, que, por exemplo, se
impressionarão com a confissão do réu feita de viva voz em plenário. Não que essa confissão
seja irrelevante para o juiz togado, que a leva em conta quando da dosagem da pena, mas
gera seus efeitos de forma mais contundente sobre os juízes leigos.
Principalmente em razão da maior suscetibilidade dos jurados, o interrogatório deve ser
conduzido com serenidade, de forma que o juiz não perca, jamais, sua condição de
imparcialidade. Deve ser um ato de boa-fé, um instrumento da verdade. Correta a observação
de Hélio Tornaghi, para quem “o juiz não é um inquisidor preocupado em sondar as
profundezas d’alma do interrogado. Também não é um psicanalista que remexe nos
escaninhos do inconsciente. Ele deve se portar, no interrogatório, como o bom professor no
exame do aluno: as perguntas hão de ser claras, em seu conteúdo; precisas, em seus
contornos; unívocas, isto é, sem ambiguidade. Não deve agir como vilão, armando ciladas para
o réu; nem como Javert, perseguindo-o, encurralando-o” (Curso de Processo Penal, São Paulo:
Saraiva, 7ª. Ed., 1990, pp. 363-4).
Nem todo ato, no entanto, que saia da plena normalidade é capaz de provocar a nulidade do
interrogatório por quebra da imparcialidade do juiz. Com efeito, decidiu o STJ (HC 410.161/PR,
j. 17/04/2018) que o fato de o juiz conduzir o interrogatório com firmeza e até com certa
rudeza não necessariamente ofende a imparcialidade. Para que se decrete a nulidade, devem
se fazer presentes firmes elementos de que a forma da inquirição influenciou negativamente
os jurados, dificultando o exercício do contraditório:
“Ora, agir com firmeza e até um tanto de forma rude, não é motivo para imputar à magistrada
a pecha da falta de imparcialidade. O juiz não é mero espectador do julgamento e tem, não só
o direito, mas o dever (art. 497 do Código de Processo Penal) de conduzi-lo e, ao interrogar a
ré, na espécie vertente, não há notícia de que tenha tratado de alguma prova ou emitido
qualquer opinião sobre elementos colhidos na instrução ou na própria sessão do Júri, isto,
sim, causa plausível de quebra da parcialidade, de modo a influenciar o ânimo dos jurados,
tanto que, sequer, houve, por parte da defesa, recurso acerca do mérito da condenação.
Penso que a quebra da imparcialidade tem de estar atrelada a alguma conduta do magistrado
que possa desequilibrar a balança do contraditório, ou seja, favorecer, para qualquer dos
lados, a atuação das partes”.
Boletim Criminal Comentado–junho2018
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3-Tema: Execução penal. É possível a remição do tempo de trabalho realizado antes do
início da execução da pena, desde que em data posterior à prática do delito.
INFORMATIVO 625 STJ – SEXTA TURMA
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O exercício do trabalho e do estudo durante o cumprimento da pena é uma das medidas de
ressocialização adotadas pela Lei de Execução Penal, incentivada pela possibilidade de
remição, que, no caso do trabalho, se dá na proporção de um dia de pena para cada três dias
trabalhados e, no caso do estudo, de um dia de pena para cada doze horas de frequência
escolar.
Normalmente, a remição é aplicada por trabalho desempenhado durante a própria execução
da pena em que se dá o reconhecimento. O STJ não permite, por exemplo, que o condenado
se beneficie da remição por trabalho realizado — durante outra prisão — anteriormente à
prática do delito referente à pena a ser remida:
“No presente caso, verifica-se que o período trabalhado pelo paciente, e sobre o qual se
pretende a remição da pena (28/6/2012 a 8/5/2013), é anterior à data do cometimento do
crime de tráfico (9/7/2013), cuja pena está sendo executada, razão pela qual não é possível a
remição pretendida, tal qual ocorre com a detração, sob pena de criação de um crédito em
favor do paciente contra a Justiça Criminal”.
Segue-se, com isso, a mesma lógica imposta sobre a detração: embora seja admissível o
cômputo do tempo de prisão provisória ocorrida em outro processo, o crime no qual se aplica
a detração deve ter sido cometido antes daquele que a enseja, evitando-se com isso que se
crie uma espécie de conta-corrente em que o agente dispõe de desconto da pena para o
cometimento de crimes no futuro, o que, em última análise, incentiva a delinquência (STJ: HC
422.310/DF, j. 19/04/2018).
Por outro lado, se a mesma lógica é seguida para a remição, o STJ admite que o condenado
tenha a pena remida por trabalho realizado durante prisão anterior à execução penal na qual
se dá o desconto, desde tenha sido desempenhado em momento posterior à prática do crime
que tem execução em curso, pois, caso o trabalho tenha sido exercido antes deste crime, tem-
se a mesma situação de incentivo à criminalidade: o agente já terá dias remidos caso cometa
um crime no futuro:
“No caso denota-se que o trabalho em questão foi realizado em momento posterior à prática
de um dos delitos cuja condenação se executa, de modo que, nesta hipótese, ainda que
anterior ao início da execução, é possível a remição da pena pelo trabalho relativamente ao
Boletim Criminal Comentado–junho2018
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delito praticado anteriormente. Embora haja a possibilidade de o condenado remir o tempo
de cumprimento da reprimenda pelo exercício do trabalho, como forma de implementar o
objetivo ressocializador da pena, integrando-o, gradativamente, ao convívio social, a
concessão de benefícios não pode favorecer o estímulo à prática de novas infrações penais.
Por isso, entende-se não ser possível a detração ou a remição em processo distinto, dos dias
trabalhados durante a execução de pena já extinta. O que se pretende evitar é o estímulo à
prática de novos delitos, ou seja, que, em razão de eventual “crédito” já constante em seu
favor, o apenado cometa uma nova infração, sobre a qual pretenderia eventual abatimento
em razão do trabalho já realizado, o que, com efeito, não pode ser admitido. Todavia, observa-
se que, não se trata de fato praticado após o trabalho realizado pelo apenado, mas de delito
anterior ao labor, de modo que não há falar em estímulo ou em “crédito”, pois a infração já
havia sido praticada. Por essa razão, não se verifica similitude entre as hipóteses de vedação
de incidência do instituto da remição, devendo, nesse contexto, ser dado o mesmo
tratamento utilizado para a detração” (HC 420.257/RS, j. 19/04/2018).
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STF/STJ: Notícias de interesse institucional
Notícias STF 4 de junho de 2018 1-Ministro decide em HCs de presos em operação que investiga remessa de recursos ao exterior Clique aqui para ler a íntegra da notícia 2-Rejeitado HC impetrado em favor de bolivianos condenados por tráfico de drogas Clique aqui para ler a íntegra da notícia 3-Mantida execução provisória da pena imposta a ex-prefeito de município alagoano Clique aqui para ler a íntegra da notícia 4-Ministro autoriza envio de celular apreendido de Eduardo Cunha ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba Clique aqui para ler a íntegra da notícia 5- 2ª Turma nega recurso contra condenação do ex-médico Roger Abdelmassih Clique aqui para ler a íntegra da notícia 6- 2ª Turma: empate suspende julgamento de inquérito contra senador José Agripino Maia Clique aqui para ler a íntegra da notícia
5 de junho de 2018 7 - 2ª Turma: empate suspende julgamento de inquérito contra senador José Agripino Maia
Clique aqui para ler a íntegra da notícia 8 - 2ª Turma nega recurso contra condenação do ex-médico Roger Abdelmassih
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6 de junho de 2018 9 - Programa Via Legal mostra condenação de médico que cobrava por cirurgia bariátrica de pacientes do SUS
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Notícias STJ 5 de junho de 2018 Comissão presidida pelo ministro Campbell convoca audiência pública para debater reforma da Lei de Improbidade Clique aqui para ler a íntegra da notícia 6 de junho de 2018 Instrução de ações penais vai prosseguir até que tribunal decida sobre restrição do foro privilegiado Clique aqui para ler a íntegra da notícia 7 de junho de 2018 Provedor é obrigado a identificar autor de ato ilícito mesmo antes do Marco Civil da Internet Clique aqui para ler a íntegra da notícia 8 de junho de 2018 Jurisprudência em Teses aborda provas no processo penal Clique aqui para ler a íntegra da notícia Negado pedido de liberdade de prefeito e vice acusados de desviar R$ 17 milhões Clique aqui para ler a íntegra da notícia