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3 A AÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS ALINE PECORARI DA CRUZ SABADIN 1 Resumo: A ação popular surgiu no Brasil objetivando proteger o patrimônio do Estado, ou seja, seus bens e seu dinheiro. O povo, diante desse quadro, era protegido indiretamente. Com a evolução do referido instrumento jurídico, a ação popular se apresenta, atualmente, como uma forma de proteger os direitos difusos, superando o conceito de patrimônio público e funcio- nando como uma forma de participação ativa e direta do cida- dão na defesa de interesses de todos. Palavras-chave: Ação Popular; Direitos Difusos; Patrimônio Públi- co; Administração Pública; Moralidade; Probidade. Abstract: The citizen action arose in Brazil aiming to protect the as- sets of the state, in other words, its property and its money. Pe- ople on this board, was protected indirectly. With the evolution of this legal instrument, the popular action presents itself now as a way of protecting diffuse rights, overcoming the concept of public property and way of functioning as an active and direct participation of citizens in defense of interests of all. Keywords: Popular Action; Diffuse Rights, Public Assets, Public Ad- ministration; Morality; Probity. SUMÁRIO: Introdução - 1. Origem histórica da ação popular e a evolução no direito do brasileiro – 2. Conceito e natureza da ação popular – 3. In- teresse e Patrimônio Público – 4. Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos – 5. Moralidade e Probidade Administrativa: a ação popular na defesa dos interesses difusos – Conclusão – Referências Bibliográficas. 1 Advogada, formada pela Universidade Metodista de Piracicaba-UNIMEP e mestranda em Direito da UNIMEP. CadernoUnisal4.indb 77 16/5/2012 17:42:34

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3A AÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE DEFESA

DOS DIREITOS DIFUSOS

ALINE PECORARI DA CRUZ SABADIN1

Resumo: A ação popular surgiu no Brasil objetivando proteger o patrimônio do Estado, ou seja, seus bens e seu dinheiro. O povo, diante desse quadro, era protegido indiretamente. Com a evolução do referido instrumento jurídico, a ação popular se apresenta, atualmente, como uma forma de proteger os direitos difusos, superando o conceito de patrimônio público e funcio-nando como uma forma de participação ativa e direta do cida-dão na defesa de interesses de todos.

Palavras-chave: Ação Popular; Direitos Difusos; Patrimônio Públi-co; Administração Pública; Moralidade; Probidade.

Abstract: The citizen action arose in Brazil aiming to protect the as-sets of the state, in other words, its property and its money. Pe-ople on this board, was protected indirectly. With the evolution of this legal instrument, the popular action presents itself now as a way of protecting diffuse rights, overcoming the concept of public property and way of functioning as an active and direct participation of citizens in defense of interests of all.

Keywords: Popular Action; Diffuse Rights, Public Assets, Public Ad-ministration; Morality; Probity.

SUMÁRIO: Introdução - 1. Origem histórica da ação popular e a evolução

no direito do brasileiro – 2. Conceito e natureza da ação popular – 3. In-

teresse e Patrimônio Público – 4. Direitos Difusos, Coletivos e Individuais

Homogêneos – 5. Moralidade e Probidade Administrativa: a ação popular

na defesa dos interesses difusos – Conclusão – Referências Bibliográficas.

1 Advogada, formada pela Universidade Metodista de Piracicaba-UNIMEP e mestranda em Direito da UNIMEP.

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1. INTRODUÇÃO

A ação popular surge no Brasil como um instrumento de pro-teção dos bens e dinheiro do Estado. O povo, por conseguinte, era protegido indiretamente. Entretanto, com a evolução do referido instituto jurídico, a ação popular resulta, por fim, prevista na Cons-tituição Federal de 1988, a qual, inclusive, ampliou seu objeto vis-lumbrando a tutela do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, por exemplo.

No Brasil, a ação popular funciona como um instrumento direto de participação popular, posto que pode ser proposta por qualquer cidadão. Ela seria, portanto, uma garantia constitucional política; uma forma de participação do cidadão na vida pública; o exercício de uma função que lhe pertence primariamente. Através da mesma, o cidadão pode exercer diretamente sua função fiscaliza-dora que, como regra, é feita por seus representantes que compõem o Poder Legislativo.

Por fim, a ação popular ganha destaque atualmente quanto ao seu objeto, uma vez que a doutrina e a jurisprudência têm de-fendido sua propositura para a defesa de interesses difusos, diante do princípio da moralidade e probidade, indo além da proteção ao meio ambiente e patrimônio histórico e cultural.

2. ORIGEM HISTÓRICA DA AÇÃO POPULAR E A EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

As ações populares surgiram no Direito Romano e objetivavam a proteção dos bens de uma comunidade indivisa. Era imprescindí-vel, para tanto, que o interesse público compreendesse o particular, a fim de viabilizar o exercício da referida ação. Portanto, “no concei-to romanístico da ação popular, esta era entendida como a ação que ampara o direito do próprio povo” 2.

De acordo com JOSÉ AFONSO DA SILVA, a ação popular surgiu no Direito Romano e seu nome resulta do fato de se atribuir ao povo, ou a parcela dele, legitimidade para pleitear, por qualquer de seus

2 Dicionário brasileiro de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54.

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membros, a tutela jurisdicional de interesse que não lhe pertence uti singuli, mas à coletividade3.

Frise-se, entretanto, que foi através do aperfeiçoamento das ins-tituições jurídicas que o Direito Romano cristalizou o entendimen-to segundo o qual o interesse do indivíduo não “se amuralha no conjunto de bens próprios, porém abrange por extensão o patrimô-nio coletivo, cuja vulneração representa um indireto agravo àqueles bens particulares” 4.

A princípio, na história jurídica dos povos, a afirmação solene de um direito, a fim de que este fosse reconhecido ou realizado na justiça, surgiu visando tutelar apenas o interesse privado, ou do gru-po a que pertencia o indivíduo diretamente ofendido 5.

Ainda na fase anteclássica de seu procedimento, o Direito Ro-mano concebeu a ação popular, conforme supramencionado, como aquela que tutela o próprio interesse do povo, isto é, aquela em que qualquer um defende um direito, não individualmente caracteriza-do, mas próprio da coletividade6.

Posteriormente, com a ruptura do Império Romano, a ação po-pular, como tantos outros institutos jurídicos, manteve-se por força da inércia, resultando em vão a busca em encontrá-la de forma com-pleta e orgânica no direito medieval. Mais adiante, no feudalismo, como resultado do Estado monolítico, não se oferece mais ao indi-víduo o meio de defender as coisas públicas como se fossem suas. A forma de governo fez com que não houvesse mais bens públicos na acepção antiga a defender individualmente. Todo o sentimento de coletivo, portanto, foi suplantado. Por conseguinte, as ações popu-lares seguem existindo, porém com força operativa bem reduzida7.

Já no direito contemporâneo, conforme será demonstrado oportunamente, a ação popular se revela não só como um resultado do Estado organizado, mas um imperativo do Estado democrático. Foi, portanto, somente no Estado Contemporâneo que o instituto

3 SILVA, J. A. DA. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 173.

4 SIDOU, J. M. O. Habeas Corpus – Mandado de Segurança – Ação Popular. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998. 5ª edição. p. 303.

5 Id. Ibid. p. 303.6 Id. Ibid. p. 304.7 Id. Ibid. p. 317 e 318.

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da ação popular renasceu, agora caracterizada como garantia dos direitos coletivos e fundamentais8.

Frise-se que, a conjunção desses dois princípios da ação popu-lar, ou seja, defesa de interesse coletivo e propositura por qualquer cidadão, fez com que esta, tanto no Direito Romano, como no direi-to moderno, fosse a nota fundamental de sua definição, funcionan-do como instituto de direito público9.

No regime das Ordenações, ela era admitida na doutrina das ações. Constituíam uma reminiscência do antigo Direito Ro-mano. (...) Constata-se, assim, que a ação popular no Direito Romano era admitida entre nós, embora sem lei que a consig-nasse expressamente. Mas sua admissibilidade se restringia à defesa de logradouros públicos, das coisas de domínio e uso comum do povo10.

No Brasil, mais especificamente no regime imperial, além de sua admissibilidade doutrinária, conforme supramencionado, a ação popular verifica-se anotada em raros textos legais, merecendo des-taque o artigo 157 da Constituição do Império, posto que a referida Carta Magna reprimia os abusos de poder e prevaricação que juízes e oficias de justiça cometessem no exercício de seus cargos (arti-go 156), possibilitando fosse ajuizada contra eles ação popular pelo próprio queixoso ou por qualquer do povo11.

Destaca-se que a disposição jurídica, acima citada, pode ser, tal-vez, o único texto legislativo que nomeia dita ação como “popular”, antes da Lei nº 4.717/1965. Além da hipótese ora referida, a ação popular era prevista, sob certo aspecto, no artigo 2º, §2º e artigos 3º e 4º do Decreto nº 2.691/1860, que disciplinava casos de falência dos bancos e outras companhias e sociedade anônimas, permitindo, uma vez mais, apreensão judicial de títulos ilegais por denúncia ou requerimento de qualquer pessoa do povo12.

Emancipado o Brasil e criado o Império, à Constituição cou-be absorver a ação popular em forma de instituto de direito público, garantidor de direitos fundamentais. Assim, a Comis-

8 Id. Ibid. p. 320.9 SILVA DA, J. A. Ação Popular Constitucional. Op. Cit. p. 20.10 SIDOU, J. M. O. Op. Cit. p. 32 e 33.11 SILVA DA, J. A. Ação Popular Constitucional. Op. Cit. p. 33.12 Id. Ibid. p. 33.

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são da Assembleia Constituinte (1823), impregnada de ideais sorvidos na Declaração Universal, propôs para o capítulo do Poder Judicial a consagração da ação popular13.

A primeira Constituição Republicana do Brasil não acolheu a ação popular, nem mesmo aquela prevista na Constituição do Impé-rio, com caráter penal, ficando reduzida à defesa de logradouros e baldios públicos e àquela fraca incidência em leis especiais, até que foi promulgado o Código Civil de 1916.

O referido diploma legal a proscreveu, porém, de forma contur-bada. Para propor ou contestar uma ação, era necessário ter legítimo interesse econômico ou moral, exigência igualmente reproduzida mais adiante no Código de Processo Civil de 1939. A jurisprudência, desta forma, tampouco vacilou diante dessas determinações, e só admitia a ação se o autor tivesse também interesse na hipótese con-figurada14.

Apesar disso, a ação popular começou a impor-se na legislação brasileira, ainda no regime do Código Civil de 1916. Merece des-taque, inclusive, a lei baiana nº 1.384/1920, a qual admitia a ação popular de tipo supletivo, como as que surgiam na Itália no Século XIX15.

Entretanto, o anseio por um instrumento que alentasse o ci-dadão da capacidade de agir em defesa do interesse geral não estava amortecido de todo e isto bem o demonstra uma des-pretensiosa e para o País quase anônima lei baiana de 1920 – Lei de Organização dos Municípios da Bahia (...)16.

Mas foi o inciso 38, do artigo 113 da Constituição Federal de 1934 que introduziu o instituto em nossa ordem jurídica, admitindo que qualquer cidadão fosse parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios. A pequena duração da Constituição de 1934 não propiciou o uso do instituto17.

13 IDOU, J .M. O. Op. Cit. p. 330.14 SILVA, J. A. DA. Ação Popular Constitucional. Op. Cit. p. 34.15 Id. Ibid. p. 35.16 SIDOU, J. M. O. Op. Cit. p. 331.17 SILVA, J. A. DA. Ação Popular Constitucional. Op. Cit. p. 36 e 37.

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Pouco mais ampliada, a ação popular ressurgiu na Constituição de 1946, após ter sido suprimida pela carta de 1937. O referido insti-tuto entra na ordem jurídica nacional como manifestação do espírito democrático e como garantia do cidadão. A Constituição de 1937 manteve o instituto no § 31 do artigo 150, com enunciado distinto do que tinha no § 38, artigo 141, da Constituição de 1946, deixando de especificar as entidades cujo patrimônio merecia proteção pela ação popular, trazendo, em seu lugar, a expressão genérica “patri-mônio de entidades públicas”, não compreendendo as empresas de economia mista e empresas públicas, que têm natureza e estrutura de entidades privadas. A Lei nº 4.717/1965, contudo, manteve a enu-meração abrangente de tais entidades, entre outras18.

Novamente reintegrado o País a ordem jurídica, a Carta de 1946 restaurou ação popular, consagrando no artigo 141, § 32 (...) Já então, como se o Brasil estivesse conscientizado para a assimilação do redivivo instituto, apenas uma voz se ergueu na Assembleia Constituinte visando a suprimir a proposição que reproduzia o texto de 193419.

A Constituição de 1969, promulgada como Emenda nº 1 àque-la, regulamentou o processo de demanda popular, estando a ação popular presente na atual Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXIII, que não se limitou a repetir os enunciados anteriores, porque lhe deu nova formulação, ampliando seu objeto para ampa-rar novos interesses20.

A nova Carta Política apresenta a ação popular em seu artigo 5º, inciso LXXIII. Agora, uma vez que está discriminado em âmbito constitucional, torna-se dispensável à lei ordinária da ação popular a enumeração casuística dos órgãos passíveis da garantia, posto que no conceito de “entidade de que o Estado participe” todos eles es-tão incluídos. A nova Carta Magna trouxe, igualmente, à órbita da vigilância popular, o ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, constituindo avanço na identificação “da nossa vetusta popularis actio”21.

18 Id. Ibid. p. 39.19 SIDOU, J. M. O. Op. Cit. p. 333.20 SILVA, J. A. DA. Ação Popular Constitucional. Op. Cit. p 39.21 SIDOU, J. M. O. Op. Cit. p.334.

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A ação popular, como será explanado quando da análise de seu objeto, busca, igualmente, defender a coletividade. Há interesses coletivos a defender que não se integram no conceito patrimonial público, histórico e cultural; nem na preservação do meio ambiente, nem na moralidade administrativa. Inúmeras atitudes podem não constituir lesão ao patrimônio público, nem ser fruto da imorali-dade administrativa, mas constituem interesses difusos, não indivi-dualmente uti singuli, e que por não serem individuais, por não oferecerem a legitimação processual clássica, merecem a tutela por meio de uma garantia constitucional ativa, isto é, de acionamento por qualquer do povo, conforme se verifica a seguir22.

3. CONCEITO E NATUREZA DA AÇÃO POPULAR

A ação popular se apresenta no direito brasileiro, inicialmente, com finalidade distinta dos dias atuais. Seu principal objetivo era a defesa do patrimônio público stricto sensu, isto é, do dinheiro, bens materiais pertencentes ao Estado e suas projeções. O povo, confor-me supramencionado, era indiretamente protegido.

Entretanto, vislumbrando um instrumento apto à proteção do meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, os juristas deram e os tribunais, por sua vez, aceitaram uma interpretação ampliativa do conceito de patrimônio, de maneira que a referida ação foi posta a serviço desses outros valiosos bens.

Pode-se dizer, portanto, que a ação popular funciona como ins-trumento para tutelar pelo menos um direito fundamental, ou seja: o direito ao meio ambiente adequado, conforme se verifica na atual Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIII23. E, a partir da proteção ao meio ambiente é possível, antecipar o objeto do pre-sente estudo, e afirmar que por certo a ação popular funciona como instrumento de defesa de direito difuso.

ALEXANDRE DE MORAES entende que a ação popular constitui uma forma de exercício de soberania popular (Constituição Federal 1988, artigos 1º e 14), assim como o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, por exemplo. Através do

22 Id. Ibid. p. 334 e 335.23 FERREIRA FILHO, M. G. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Editora

Saraiva, 2010. p. 184.

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referido instrumento, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com supedâneo no princípio da legalidade dos atos administrativos e levando em consideração que a res pública é patrimônio do povo. A ação popular pode, ain-da, de acordo com referido autor, ser utilizada de forma preventiva (quando a ação é ajuizada antes da consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (quando a ação é ajuizada buscando o ressarcimento dos danos causados) 24.

JOSÉ AFONSO DA SILVA frisa que a Constituição de 1988 deu novo formato à ação popular, ampliando seu objeto para amparar novos interesses25.

A ação popular é instituto que faz realizar na prática o princí-pio da moralidade da Administração Pública, consignado no art. 37 da CF, caput e §§ 1º a 4º (...) O autor faz valer um interesse que só lhe cabe uti universi, como membro de uma comunidade, agindo pro populo. Mas a ação popular não é mera atribuição de ius actionis a qualquer do povo, ou a qual-quer cidadão, como no caso da nossa. Essa é apenas uma de suas conceituais. O que lhe dá conotação essencial é a nature-za impessoal do interesse defendido por meio dela: interesse da coletividade. (...) É o instituto processual civil outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou remédio constitucional), para a defesa de interesse da coleti-vidade, mediante a provocação do controle jurisdicional cor-retivo de atos lesivos do patrimônio público, de moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural26.

A ação popular seria, portanto, uma garantia constitucional po-lítica, revelando-se como uma forma de participação do cidadão da vida pública, no exercício de uma função que lhe pertence primaria-mente. Através da mesma o cidadão pode exercer diretamente sua função fiscalizadora que, como regra, é feita por seus representantes que compõem o Poder Legislativo. É, outrossim, uma ação judicial, uma vez que consiste no ato de invocar o poder judiciário. Con-trariando ALEXANDRE DE MORAES, JOSÉ AFONSO DA SILVA entende que sua

24 MORAES, A. DE. Direto Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2011. 27 ª edição. p. 196.

25 SILVA, J. A. DA. Ação Popular Constitucional. Op. Cit. p 39.26 Id. Comentário Contextual à Constituição. Op. Cit. p. 173 e 175.

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finalidade é corretiva, não propriamente preventiva. Mas alerta que a lei deu a possibilidade de suspensão liminar do ato impugnado, com intuito de prevenir a lesão. A respectiva ação se manifesta, ain-da, como uma garantia coletiva na medida em que o autor popular invoca a atividade jurisdicional na defesa da coisa pública, visando a tutela de interesses coletivos, e não de interesse pessoal27.

Conforme anteriormente mencionado, seu objeto foi ampliado em nível constitucional diante da proteção da moralidade adminis-trativa, do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural. Frise--se que a moralidade é definida como um dos princípios da Adminis-tração Pública (artigo 37, Constituição Federal). Sendo assim, todo ato lesivo ao patrimônio público agride a moralidade administrativa. Porém, é necessário destacar que o texto constitucional não se limi-tou à moralidade somente nesse aspecto. O intuito é que a moralida-de administrativa seja, em si, fundamento de nulidade do ato lesivo. Urge ressaltar que moralidade administrativa não seria moralidade comum, mas moralidade jurídica. Sendo assim, o ato legal não sig-nifica necessariamente que seja honesto. A questão pode ficar mais complexa ainda quando analisa-se se a ação popular continuará a depender dos dois requisitos que sempre a nortearam: lesividade e ilegalidade do ato impugnado28.

Na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é de erigir a lesão em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato. Reconhece-se muita di-ficuldade para tanto. Se se exigir também o vício de legalida-de, então não haverá dificuldade alguma para a apreciação do ato imoral, porque, em verdade, somente se considerará ocor-rida a imoralidade administrativa no caso da ilegalidade. Mas isso parece liquidar com a intenção do legislador constituinte de contemplar a moralidade administrativa como objeto de proteção desse remédio 29.

Diante do referido obstáculo, tem-se, por sua vez, a dificuldade de eventualmente desfazer um ato produzido conforme a lei, tendo como fundamento o vício de imoralidade. JOSÉ AFONSO DA SILVA, entre-tanto, entende que tal atitude é plausível, uma vez que a moralidade administrativa, como anteriormente mencionado, não é meramente

27 Id. Ibid. p. 173 e 174.28 Id. Ibid. p. 175.29 Id. Ibid. p. 175.

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subjetiva, diante de seu conteúdo jurídico e a partir de regras e prin-cípios da Administração30.

De fato, no caso da defesa da moralidade pura – ou seja, sem alegação de lesividade ao patrimônio público, mas apenas de lesividade ao princípio da moralidade administrativa – mesmo assim se reconhecem dificuldades para dispensar o requisi-to da ilegalidade; mas quando afirmamos que isso é possível é porque sabemos que a atuação administrativa imoral está associada à violação de um requisito de validade do ato admi-nistrativo31.

Pode-se concluir, previamente, que o objeto da ação popular, portanto, é combater o ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público, sem, contudo configurar-se a última ratio, isto é, não é ne-cessário esgotar todos os meios administrativos e jurídicos de pre-venção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimô-nio público para que a referida ação seja ajuizada32.

Segundo ALEXANDRE DE MORAES, a Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), em seu artigo 4º, determina que:

(...) apesar de definir exemplificativamente os atos com pre-sunção legal de ilegitimidade e lesividade, passíveis, portanto, de ação popular, não exclui dessa possibilidade todos os atos que contenham vício de forma, ilegalidade do objeto, ine-xistência dos motivos, desvio de finalidade ou tenham sido praticados por autoridade incompetente (Lei nº 4.717/65, art.

1º)33.

Por fim, de acordo com PAULO LÚCIO NOGUEIRA “a ação popular é substancialmente de natureza democrática, já que permite qualquer cidadão exercê-la em defesa do patrimônio público. Não se coaduna assim com qualquer regime autoritário, que cerceia os direitos po-pulares” 34.

30 Id. Ibid. p. 175.31 Id. Ibid. p. 175.32 MORAES DE, A. Direito Constitucional. Op. Cit. p. 197.33 Id. Ibid. p. 197.34 NOGUEIRA, P. L. Instrumentos de tutela de direitos constitucionais: teoria prática

e jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 1994. p. 95.

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4. INTERESSE E PATRIMÔNIO PÚBLICO

O Estado, como nação politicamente organizada, exerce pode-res de soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Alguns bens pertencem ao Estado; já outros bens, embora pertençam a particulares, ficam sujeitos às limitações administrativas impostas pelo Estado; já outros não pertencem a ninguém, por ina-propriáveis, mas sua utilização subordina-se às normas estabelecidas pelo Estado. Destarte, o conjunto de bens sujeitos ou pertencentes ao Estado constitui o domínio público35.

LÚCIA VALLE FIGUEIREDO afirma que:

Bens públicos são todos aqueles, quer corpóreos, quer in-corpóreos, portanto imóveis, móveis, semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, à União, Estados, Municípios, respectivas autarquias e fundações de di-reito público. Configuram esses bens o patrimônio público e se encontram sob o regime de direito público36.

Em sentido estrito, é possível apartar o interesse público do in-teresse social, tratando os mesmos como realidades autônomas. Em sentido estrito pode-se dizer, igualmente, que existem vários interes-ses sociais. A riqueza, a cultura, a educação se infere a multiplicidade de interesses sociais. Todavia, analisando os interesses sociais como um todo, pertinente a toda coletividade do país, somente se pode identificar o interesse público e o interesse social como uma mesma realidade37.

Nesse mesmo sentido, pode-se distinguir “patrimônio público” de “patrimônio social”. A noção de patrimônio público é intima-mente ligada à noção de domínio dos bens do Estado. Porém, com base em outra noção mais ampla, é possível compreender, dentro da conceituação de patrimônio público, outros bens que, embora não sendo de domínio do Estado, afetam a coletividade, sendo determi-

35 MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 33ª Edição. p. 516.

36 FIGUEIREDO, L. V. Curso de Direito administrativo. São Paulo: Editora Malheiros. p. 570.

37 BEZNOS, C. Ação Popular e Ação Civil Pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989. p. 15.

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nante esse fato, da incorporação ao patrimônio estatal, de valores, que desses bens possam fluir38.

Por essa razão que a lei nº 6.513/1977 introduziu um parágrafo ao artigo 1º da Lei nº 4.717/1965, para incluir no conceito de patri-mônio público os bens e direitos de valor artístico, estético, históri-co ou turístico39.

Seriam, portanto, os bens de interesse público os integrantes do meio ambiente cultural, que compreende o declarável de notável beleza natural, de valor ou interesse histórico, artístico e arqueo-lógico, assim como os constitutivos do meio ambiente natural (in-cluindo o patrimônio florestal), cuja qualidade deva ser tutelada em função da qualidade de vida40.

NAGIB SLAIBI FILHO afirma que, em regra, o interesse individual só pode ser perseguido em juízo pelo próprio titular; os processu-alistas chamam tal exigência de legitimação ordinária. Já nos casos de legitimação extraordinária ou casos de substituição processual, o Código Civil vigente, em seu artigo 6º, prevê a defesa de um inte-resse que não tenha o demandante como titular, e que depende de expressa previsão legal41.

O interesse coletivo de toda a sociedade, por sua vez, é de-fendido pelo Estado de acordo com a previsão legal. No Ocidente, exige-se que tal interesse público seja previsto em lei, obedecendo ao denominado princípio da legalidade ou princípio da liberdade, uma vez que, de acordo com a corrente liberal, toda atuação estatal só pode depender de previsão legislativa, porque o Estado, ao agir, sempre restringe a autonomia privada ou a conduta individual.

Há ainda outros interesses, supraindividuais, mas que não che-gam a alcançar o interesse público, ficando sob a tutela de determi-nados grupos sociais a que a lei expressamente confere tal legitima-ção, como corporações profissionais (por exemplo, a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil). Essas entidades estão extraordinariamen-te legitimadas a defender em juízo o interesse de um respectivo gru-

38 Id. Ibid. p. 15 e 16.39 Id. Ibid. p. 17.40 Id. Ibid. p. 18 e 19.41 SLABI FILHO, N. Ação popular mandatória. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1990.

p. 39.

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po. Há, ainda, ações cuja legitimidade está deferida a qualquer um do povo (como o Habeas Corpus, artigo 5º, inciso LVIII, Constitui-ção Federal) ou a qualquer cidadão, como a ação popular (artigo 5º, inciso LXXIII, Constituição Federal e Lei nº 4.717/1965).

Sendo assim, como regra, nos interesses gerais ou coletivos fi-cam por conta da atuação do Poder Público (desde que haja previsão legal, em face do princípio da legalidade), enquanto os interesses individuais ficam por conta do titular do interesse, o qual deverá demonstrar em cada processo, como questão preliminar, a sua legi-timidade. O Estado se tornou, contudo e mais especificamente neste século, o maior prestador de serviços e, com isso, sujeito passivo nas relações jurídicas mais vitais para o indivíduo. Necessário, portanto, instituir remédio jurídico pronto e eficaz para a exigência de tais serviços, que não são meros direitos individuais, mas interessam a toda comunidade. 42

Nesse sentido, NAGIB SLABI FILHO afirma que:

(...) qualquer pessoa tem interesse na regular prestação de serviço público, pelo simples fato de ser “público”, perten-cendo ao povo, interessando a todos – o interesse regular de funcionamento do serviço, não é só do Estado, mas é difuso à toda a sociedade, qualquer que seja o serviço, atinja direta-mente, ou não, a pessoa, esteja ou não colocando à sua dis-posição43.

LÚCIA VALLE FIGUEIREDO afirma que na ação popular existe nitida-mente a defesa de um interesse difuso, a res ominium, de todos. O patrimônio público não é res nullius, mas é res omnium, coisa de todos, e tem que ser interpretado com largueza o instituto para que se possa, porventura, dar solução compatível44.

5. DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Consideram-se coletivos os direitos transindividuais, de nature-za indivisível, de que seja titular um grupo ou uma categoria de pes-soas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação base45.

42 Id. Ibid. p. 40.43 Id. Ibid. p. 43.44 FIGUEIREDO, L. V. Curso de Direito administrativo. Op. Cit. p. 30.45 FERRARESI, E. Do Mandado de Segurança – Comentários è Lei nº 12.016, de 07 de

agosto de 2009. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p. 117.

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No direito coletivo, portanto, existe uma relação jurídica base ligando os titulares de um grupo, de uma categoria, ou de uma clas-se. Essa relação que une os interessados deverá ser preexistente à lesão ou à ameaça de lesão ao interesse do grupo, categoria ou clas-se46.

Individuais homogêneos seriam aqueles decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. Já os difusos são aqueles que, no aspecto objetivo (bem tutelado) mostram-se indivi-síveis. O bem tutelado não pertence a esse ou àquele grupo, a essa ou àquela pessoa. Pertence a toda comunidade; são indivisíveis por sua própria natureza incabível, resultando impraticável satisfazer o interesse ou direito de um dos membros da comunidade sem, ao mesmo tempo, satisfazer o interesse ou o direito de toda a comuni-dade47.

No Brasil prevalece o entendimento de que, no aspecto subje-tivo, os direitos difusos não possibilitam a identificação de seus titu-lares. Ao contrário do que ocorre nos direitos coletivos, nos direitos difusos não há uma relação jurídica base unindo seus titulares. Os interesses difusos são, com isso, denominados de supraindividuais, porque se referem aos interesses de uma comunidade de pessoas indeterminadas, ou pelo menos indetermináveis do ponto de vista prático48.

O meio ambiente e o patrimônio cultural sempre foram apon-tados como os exemplos mais marcantes de interesses difusos. O dano ao patrimônio histórico, por exemplo, afeta toda a comunida-de. A diferença entre direitos difusos e coletivos reside, assim sendo, na determinabilidade dos titulares. Os direitos coletivos permitem a identificação dos titulares por meio da relação jurídica base que os une ou por intermédio do vínculo existente como parte contrária49.

Los ejemplos más claros de derechos difusos se encuentran en los campos de la protección del medio ambiente y del consu-midor. El derecho a un medio ambiente sano y la veracidad en

46 Id. Ibid. p. 122.47 Id. Ibid. p. 119.48 Id. Ibid. p. 119.49 Id. Ibid. p. 121 e 122.

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los anuncios publicitarios pertenecen a todos en la comuni-dad, y, al mismo tiempo, no pertenece a nadie en particular.50

LÚCIA VALLE FIGUEIREDO afirma que o direito difuso é o de cada um e de todos. Seriam aqueles que transcendem a esfera do indivíduo. Por isso mesmo são chamados de “metaindividuais”. A característi-ca do direito difuso é abrigar o interesse de todos, pelo menos da coletividade como um todo, não obstante possa haver direito indi-vidual51.

De acordo com RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, durante muito tempo o direito difuso significava “interesse de ninguém” (quase uma res nullius), de modo que hoje significa interesse de todos (res

communes omnium) e, pois, de cada um52.

6. MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA: A AÇÃO POPULAR NA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS

Através da análise da Constituição Federal de 1988 é possível verificar que, além da proteção ao patrimônio público, a ação po-pular funciona como instrumento para proteger o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, oferecendo, igualmente, proteção contra o ato lesivo à moralidade pública53.

Portanto, é possível previamente concluir que a ação popular funciona como instrumento de defesa dos direitos difusos, diante da inclusão do meio ambiente quando da ampliação de seu objeto, conforme supramencionado.

Contudo, ademais da proteção ao meio ambiente, entre outros, urge destacar que o texto constitucional elegeu como princípios in-formadores da administração pública direta, indireta ou fundacio-nal, de qualquer dos Poderes da União, Estado, Distrito Federal e Municípios, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publici-dade (Constituição Federal, artigo 37). A probidade e a moralidade

50 GIDI, A. Las acciones colectivas e La Tutela de los derechos difusos, colectivos e

individuales en Brasil: Un modelo para países de derecho civil. Mexico: Unam - Instituto de Investigaciones Jurídicas. p. 58.

51 FIGUEIREDO, L. V. Curso de Direito administrativo. Op. Cit. p. 15 e 16.52 MANCUSO, R. C. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004. 6ª edição. p. 141. 53 Id. Ibid. p. 23.

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são termos basicamente sinônimos, visto que ambos dizem respeito à honestidade de conduta54. CLÓVIS BEZNOS afirma que a legalidade é o princípio basilar do regime jurídico administrativo, e que soma-se expressamente, agora, o princípio da moralidade55.

O princípio da legalidade, por sua vez, está previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, o qual prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Sendo assim, o administrado pode fazer tudo aquilo que não seja proibido. Por outro lado, exige-se do administrador a conduta somente lícita. Isto é, a Administração Pública somente pode agir quando a lei lhe deferir a conduta. CLÓVIS BEZNOS afirma que pelo princípio da moralidade, o qual foi positivado no texto constitucio-nal como regedor da conduta administrativa, tem-se que, por conse-guinte, a conduta do administrador, além de legal, deve ser ética56.

Foi, portanto, positivado na Constituição Federal aquilo que a doutrina já consagrava como pressuposto de validade do ato admi-nistrativo, ou seja: a moralidade administrativa. A Carta Magna, ao incluir no objeto da ação popular a proteção contra a lesão à mora-lidade administrativa, possibilitou, consequentemente, o ataque ao ato administrativo não lesivo patrimonialmente57.

Para tanto, é imprescindível ter consciência de que, atos revesti-dos de imoralidade administrativa não são, necessariamente, lesivos ao patrimônio púbico. Tem-se como exemplo os tributos constitu-cionais, aplicados em outras oportunidades, como a exigibilidade do “Finsocial” em 1982. É certo que essas atitudes, apesar de imorais administrativamente não causaram prejuízos aos cofres públicos. Na realidade o que se vê é a lesão à moralidade administrativa. Com isso, afasta-se a exigência de lesão ao patrimônio público para a pro-positura da ação popular.

Outra consequência, ainda, se pode extrair desse novo obje-to da ação popular: o ataque pela demanda popular da mera ilegitimidade do ato administrativo, o que antes não era pos-

54 Id. Ibid. p. 24.55 Id. Ibid. p. 24.56 Id. Ibid. p. 24 a 26.57 Id. Ibid. p. 27.

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sível, ante a necessidade da existência paralela do requisito da lesividade, ainda que presumida, para viabilizar a ação58.

Com isso, partindo da necessidade do respeito ao princípio da legalidade, supramencionado, pela Administração Pública, é possí-vel concluir que a prática pela mesma de atos ilegítimos provoca, quase sempre, afronta à moralidade administrativa59.

Moralidade administrativa se revela, desta forma, como o con-junto e preceitos jurídicos com conteúdo ético conformadores da atuação dos agentes administrativos e o Estado como um todo na escolha entre o “Bem” e o “Mal” no implemento da boa administra-ção60.

Assim sendo, conclui-se que o princípio da moralidade admi-nistrativa reside no fato de determinar sempre a melhor decisão em benefício da administração da coisa pública, desejada pela socieda-de. Logo, a moralidade administrativa seria um conjunto de precei-tos éticos juridicizados diretivos ao fim da boa administração ou ad-ministração desejável, informada por injunções textuais do direito positivo e por concepções morais vigentes na sociedade61.

HUGO NIGRO MAZZILI ressalta que, quando se fala em defesa do patrimônio público, a noção de responsabilidade supõe a análise da moralidade administrativa, a qual é o princípio informador da Administração Pública. A noção de imoralidade administrativa liga-se à teoria do desvio de poder ou finalidade. O ato imoral em seus fins viola o princípio da ilegalidade, podendo, desta forma, ser questio-nado em ação popular ou em ação civil pública. Destarte, verifica-se que a Constituição Federal, ao impor o princípio da moralidade a ser seguido pela Administração Pública, não cuidou da ética abstrata, tampouco de uma suposta moralidade jurídica62.

58 Id. Ibid. p. 28.59 Id. Ibid. p. 28.60 LEITE, F. B. O Controle de Constitucionalidade dos Atos Administrativos

Normativos Perante o Princípio da Moralidade Administrativa. Revista dos Tribunais: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – ano 6, nº 25, outubro – dezembro/98. Editora: Revista dos Tribunais. p. 246 e 248.

61 Id. Ibid., p. 248.62 MAZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,

consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20ª edição. Editora Saraiva, 2007. p. 185.

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A Carta Magna, por intermédio da atitude ora citada, preten-dia que o administrador observasse a moralidade administrativa, ou seja, supõe-se que o administrador fique sujeito aos princípios ético--jurídicos que a legislação descreve e cuja violação sanciona, entre os quais destaca-se a honestidade, a imparcialidade e a lealdade. Tal fato decorre do artigo 37, caput, da Constituição Federal e do artigo 11 da lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992). Isto significa que o administrador não tem que ficar preocupado se o fato de ele morar maritalmente é moral ou imoral, mas sim se ele está administrando dentro da honestidade, da imparcialidade e da leal-dade, ao gerir os recursos de toda a coletividade. Isso é moralidade administrativa63.

Conforme anteriormente mencionado, patrimônio público é o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico, arqueológico ou turístico, ou ainda de caráter ambiental (Constituição Federal, artigo 5º, inciso LXXIII, artigos 20, 26 e 216; Lei nº 4.717/1965, artigo 1º, §1º). O meio ambiente, por exemplo, é considerado patrimônio público de uso coletivo. Com isso, esses in-teresses compreendidos na noção de patrimônio público podem ser defendidos em juízo tanto pelo próprio Estado, como pelo cidadão (4.717/65, artigo 1º, §1)64, restando certo que a ação popular funcio-na como instrumento de tutela dos direitos difusos, não somente pelo fato de proteger o meio ambiente, mas com base na moralidade e probidade administrativa.

7. CONCLUSÃO

A partir da exigência de que a conduta do administrador seja somente lícita, diante do princípio da legalidade previsto na Consti-tuição Federal, tem-se como consequência positivado o princípio da moralidade administrativa, o qual era anteriormente adotado pela doutrina como pressuposto de validade do ato administrativo. Por-tanto, os atos praticados pela Administração Pública, que sejam ile-gítimos, afrontam, consequentemente, a moralidade administrativa.

Considerada por alguns autores como uma forma de exercí-cio de soberania popular, a ação popular é, igualmente, o instituto processual outorgado a qualquer cidadão como garantia político-

63 Id. Ibid. p. 185.64 Id. Ibid. p. 184.

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-constitucional (ou, ainda, como remédio constitucional), para a de-fesa de interesse da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional, objetivando a correção de atos lesivos do patrimônio público, de moralidade administrativa, do meio ambiente e do pa-trimônio histórico cultural. É a participação do cidadão da vida pú-blica, no exercício de uma função que lhe pertence primariamente.

Diante da ampliação de seu objeto com a Carta Magna de 1988, resta óbvio que a ação popular visa tutelar interesses difusos, uma vez que protege o meio ambiente. Porém, é possível ir além dessa interpretação literal, concluindo que a ação popular tutela direitos difusos, com base na moralidade e probidade administrativa.

Como anteriormente explanado, o ato administrativamente imoral não necessariamente deve atingir o patrimônio público. Tal fato se verifica, uma vez que a moralidade administrativa se difere da moralidade comum; aquela reside no fato de determinar sempre a melhor decisão em benefício da administração da coisa pública, desejada pela sociedade. Viu-se, portanto, que o ato imoral em seus fins viola o princípio da ilegalidade, podendo ser questionado em ação popular ou em ação civil pública.

Quando a Constituição impôs o princípio da moralidade a ser seguido pela Administração Pública, pretendia que o administrador observasse a moralidade administrativa. Ou seja, não seria moralida-de comum, mas moralidade jurídica.

O objeto da ação popular, portanto, é igualmente combater o ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público.

A ação popular, destarte, funciona como instrumento de pro-teção dos direitos difusos, uma vez que o cidadão, autor da ação popular, age como substituto processual, pois defende em juízo, em nome próprio, um interesse difuso, pertencente à coletividade.

Logo, na ação popular existe nitidamente a defesa de um inte-resse difuso, ou seja, um interesse de todos, sem distinção.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dicionário brasileiro de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54.

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Enviado em: 08/2011Aprovado em: 09/2011

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