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 memória , pode ligar o que nós fomos , o que nós somos e aq uilo que se re mos ; os sem memória , ouosabsolutamente anamné sicos  comoem Funes ou a memór ia, uma cél ebre estória  de Jorge Luís Borges) e sses, nunca poderão saber de si .  í que , como friso u Nietzs che, seja import an te rei vindicar o di re it o aoesquecimentoacti vo , po is tant o osabu sos da amnésia , como o s darecord açã o provocam os mesmo s efeito s: a impo s sibilidade da vida . Porém,criarereconhecero novo seimpo ssível s e s e acr edi tar que cadamomentocondensaemsi to daa hi stória  individual ou colec tiva) , ou que, en o , assinala o seu grau zero abso luto. Tanto a carência de conhe cimento s hi stóricos, como os seu s exce ssos debilit am a  for ça plástica da vida , porque não compreendem as condições em que o pa ssado pode ser umalimentovigorante N i etzsche, 1999). Ma s tambémseterá de perceber que não h averáv ida sem expectativa s a mediarem o pre sente e o pre térito. Em qualquer dos casos , quem reco r da  ou quem hi storia) deve esforçar- se p or não se esq uecer do que ficou esq uecido  M. Augé , 1 998), co nquanto sai ba qu e essa é uma tarefa d e Sísi fo; n em se quer os historiadores pode rão fu gira essa c ondicionalidade . E ta nto a memória  a recordação) c omo a esc rita da his tória es tão ir manadas p or es te objectivo com um: ve ncer sem ioticamente aconsciê ncia da f ugacidade do te mpo . CAPÍTULO II  repr esentifi çãodo usente Só um ci entismo ingénuo pode aceitar a existênci a de uma radical separa ção entre a retr o spectiva damemóriaear etrospectiva hi storiográfica, tanto mai s que amba s não o exclusiv ament e criad as pel a imagi nação e, ainda que por via s dif erentes, aspiram ao vero mi l, se ja por fidelidade ou por ve ridicção . No e ntanto, o dilema não t em uma r esposta consen sual e sabe -s e que o primeiro grande teórico da s ociologia da memória colectiva s e esforçou por de strinçar, como se de doi s campo s s em conexão s e trat asse , a história viv ida da história escrita  M. Halbwachs, 199 7). Ma s, pensando b em, as características ap resentadas como típicas da memória  selecção, fi nalis mo, presen tismo, vero imilhança, representação encontram-se , igualmente , no trab a lho hi storiográ  co , sobret udo porq ue, hoje , es te não se restri nge à busca de explicações por causalidade mecânica , elevada a de us ex machina da visão line ar , acumulativa , homogénea e un iversalista do próprio progresso . Afinal - e como adi nte se verá - , a historiog raf ia contemporânea, como sab e r mediato e m ediado, tambémope ra comaideia de não continuidade do tempo e não r econhece a existência de um va zio entre o sujeito- historiadore o s eu objecto ; o que matiza o projecto de se alcançar um a ve rda de total e definiti va, meta ilusoriamente defendida por paradigma s ainda imbuído s de positivismo, mesmo quandojulgamt ê-lo ultrapassado . Halbwach s, porém, qui s separar aság uas:enquantoa memória histó- ri ca seria um produto artifi ci al , co m uma linguagem prosaica e e nsinável, destinadaao des empenho depa is s ociaisúteis, a m emória co lectiva t eria uma origem anónima e espontânea, uma transmis são predominantement e or al e repeti tiva , bem como um ca ri z normativo . E o fito da s ua argumen t ação er a claro : demonst rarque o pensamento social é, antes de tudo, uma memória formad a pelas recor daçõescolect iva s, objecto, porta nto, do soció l ogo e n ãodo h istoriador , esse est udioso de coi sas definitiva ment e morta s . Es ta posição r eproduz a atit ude clá ssica da escola de Durkheim em re lação à historiografia, n estecasotraduzidanadefesade uma radica l sepa ração entre a hi stóriae memór ia, opção que reenvia aquela para o campo

cap 2

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memria, podeligar o quens fomos , o quens somose aquilo quesere-mos; os sem memria, ou os absolutamente anamnsicos (como em Funesou a memria, uma clebre "estria" de JorgeLusBorges) , esses, nuncapoderosaber desi. Da que, comofrisouNietzsche, sejaimportante rei-vindicar o direito ao esquecimento activo , pois tanto os abusos da amnsia,como os da recordao provocam os mesmos efeitos: a impossibilidade davida. Porm, criar e reconhecer o novo ser impossvelse se acreditar quecadamomento condensa em si toda a histria (individual ou colectiva), ouque, ento, assinala o seugrauzeroabsoluto. Tantoa carncia deconhe-cimentos histricos, comoos seus exce ssos debilitam a "fora plstica davida" , porqueno compreendem as condies em que o passadopodeserum alimento vigorante (Nietzsche, 1999). Mas tambm se ter de perceberque no haver vida sem expectativas a mediarem o presente e o pretrito.Em qualquer dos casos , quemrecorda (ou quemhistoria)deveesforar-sepor nose esquecerdoque ficou esquecido(M. Aug , 1998), conquantosai ba que essauma tarefa deSsifo; nem sequer oshistoriadores pode-ro fugir a essacondicionalidade. E tanto a memria(a recordao) comoaescritadahistriaestoirmanadaspor esteobjectivocomum: vencersemioticamente a conscincia da fugacidade do tempo.CAPTULOIIA representificao do ausenteS um cienti smo ingnuopode aceitar a existncia de uma radical separa-o entre a retrospecti va da memria e a retrospecti va historiogrfica, tantomais queambas no so exclusivamente criadas pela imaginao e, aindaqueporvias diferentes, aspiramaoverosmil, sejaporfidelidadeouporveridico. No entanto, o dilema no tem uma resposta consensual e sabe--sequeoprimeirograndetericodasociologia damemria colectivaseesforoupor destrinar,comose de dois campos sem conexo se tratasse,a histria vivida da histria escrita (M. Halbwachs, 1997). Mas, pensandobem, ascaractersticasapresentadascomotpicas damemria(seleco,fi nalismo, presentismo, verosimilhana, representao) encontram-se,igualmente, notrabalhohistoriogrfi co, sobret udoporque, hoje, estenoserestringebuscadeexplicaesporcausalidademecnica, elevadaadeus ex machinada visolinear, acumulativa, homognea e universalistadoprprioprogresso. Afinal - ecomoadiantesever - , a historiografiacontempornea, como saber mediato e mediado, tambm opera com a ideiadenocontinuidadedotempoenoreconhece a existncia deumvazioentreo sujeito-historiador e o seuobjecto; o quematizaoprojecto desealcanar uma verdade total e definiti va, meta ilusori amentedefendida porparadigmas aindaimbudos depositivi smo,mesmoquando julgamt-loultrapassado.Halbwachs, porm, quis separar as guas: enquanto a memria hist-rica seriaum produtoartificial , comumalinguagem prosaica e ensinvel,destinada ao desempenho de papis sociais teis, a memria colectiva teriaumaorigem annima e espontnea, umatransmissopredominantementeoral e repetitiva, bem comoum cariznormativo. E o fito da sua argumen-tao era claro : demonstrar que o pensamento social , antesde tudo,umamemria formada pelas recordaes colectivas, objecto, portanto, do soci-logo e no do historiador, esse est udiosode coisasdefinitivamente mortas.Estaposioreproduza atit udeclssicadaescoladeDurkheimemrelao historiografia, neste caso traduzida na defesa de uma radica l sepa-rao entre a histria e a memria, opo que reenviaaquelapara o campofriodaerudio dearquivo. Alm domais, ahistriaseria una, enquantoexistiriam tantas memrias colectivas como osgrupos sociais queas gera-vam. Eelas caracterizar-se-iampor seremmemriasvivas, aoinvs doobjecto dohistoriador "quenepeut faire sonceuvrequ'conditiondeseplacer dlibrment hors du temps vcupar les groupes qui ont assist auxvnements, qui en ont eu le contact plus ou moins direct, et quipeuvent seles rappeler" (M. Halbawchs, 1997; Franois Hartog, 2003).Tambm para Lucien Febvre (1953), ou para Marrou (1954), a mem-ria sacralizaria asrecordaes, enquanto o discurso historiogrfico consti-tuiria uma operaointelectualcrtica, quedesmistificaria esecularizariaasinterpretaes, objectivando-as atravs denarraes queordenam cau-sas e efeitos sequenciais, de modoa convencerem que a sua re-presentaodopassado verdadeira (Krzysztof Pomian, 1999).Num outroregisto esemdeixar deas distinguir, Pierre Nora(1984)situou o projecto colectivo, que coordenou - Les Lieux de mmoire(1984--1993) -, "entre Histoire e mmoire", sinal evidente de que,se no as opu-nha, tambm no as fundia, mas que se servia de ambas. Por outro lado, soconhecidas e pertinentes as posies queRicoeur tomouna contenda: paraele, amemria ea histria(incluindoa historiografia)mantmumarela-oque, naperspectiva dainevitvel presena dehorizontes depr-com-preensono questionamentohistoriogrfico, consente pr-se "Iammoirecomme matrice deI'histoire" (Paul Ricceur, 2000).Propendemospara concordar comosquesustentamestatese. Eseoutrasrazesnohouvesse, bastaria irao encontro daraizdeonde nascea necessidade de recordar para a perfilharmos, a saber: a experinciahumana de domesticar os mortos atravs do culto tanatolgico. E, por maisestranho que primeira vista possa parecer sleituraspouco sensveisaosimblico, aescritadahistriatambm, suamaneira, um"gestodesepultura". Com efeito, as narraes do passado so equiparveis lingua-gemdos cemitrios nas povoaes, porqueprocuram"re-presentar [ou,dizemosns, re-presentificar]mortosatravsdeumitinerrionarrativo"(MicheldeCerteau, 1978). Portanto, pode afirmar-sequea historiografiatambm exorciza a morte, introduzindo-a no discursoparacriar, como nojogosimuladoredissimuladordocultocemiterial dos mortos, ailusodasuanoexistncia. Indoaosfundamentos ltimosdestafuno, podemesmo concluir-se que o homem um "animal histrico" porque necessitade "ajustar contas coma suaprpria morte" (Umberto Eco, 1994).Aescrita da histria como rito de recordaoo reconhecimento da existncia de caractersticas comuns memriae historiografianopretendenegar aespecificidade deambasasnarra-essobreopassado. Porm,a historiografia nasceucomouma nova arsmemoriae, crescentementetornadanecessriapela decadnciada trans-missooral epeloalargamentodaafirmaodaracionalidade.Tmdestemodo razo os que consideram a passagem da narrao oral dosmitos paraa escrita como uma dascondiesnecessrias para sereforar a luta con-trao esquecimento e, portanto, para seescrever "histrias"(Jack Goody,1979;Franois Hartog, 2005), tendnciaque, dentroda narraopica,vinha, pelomenos, deHomero equeos"historiadores"(Herdoto, Tuc-dides) prolongaro.Na verdade, Herdotode Halicarnassoescreveuas suas Histrias"paraque os feitos dos homens senodesvaneamcomotempo, nemfiquemsemrenomeasgrandesempresas, realizadasquerpelosHelenosquer pelos Brbaros" (Herdoto, Histrias, Liv. 1..0, 1. 1). E, seguindoHartog, dir-se-ia que, "face I'immutabilit dela nature et l'immortalitdesdieux, cestraces foncierement phmeres, la parole del'historien s'encharge et soncriturelesfixe. Successeur del'ade pique, iiaspireseposer en'rnaitre' d'immortalit". Logo, a historiografia tem deigualmenteser inserida na continuidade das grandes narraes orais, exercendo, na suaespecificidade prpria, funes anlogas s demais prticas derecordao,incluindo as do culto dosmortos, prtica que, paramuitos, fezdo homem,ao contrrio do animal, o primeiro construtor de "documentos" histricos.So conhecidos os efeitos de desmemorizao queresultaram do alar-gamento douso da escrita e do decrscimo dopapel instituinte dorito,e bvio quea primeira alterao ocorreu aonvel datransmisso cultural:aoralidade perdeu o exclusivo, mudana que desvitalizou a dimenso colec-tivaeconvivial dacompartilhada memriaelhetrouxeumamediaomaisracionalizada, poiso escrevere olerexigematitudes bemdistintasdas do dizere do ouvir.Noporacaso, Plato, no Fedro, aoreferir-se a este processo, carac-terizouainvenodaescritacomoumphrmakonambguo, jque, seconstituaumremdioeficazparaapreservaoda memria, tambmaenfraquecia, dado que fazia diminuir o esforo mental para a manter (Fran-ois Dosse, 2006; 2008) . Oque fez crescerorecurso ~ ~ r ~ memoria.e(Frances A. Yates, 2007). E, comoodesenvolvimentohistriconoOCI-dente (relembre-se a derrota, em 787, dos iconoclastas em Niceia), ir alar-gar essa tecnologia at ao hodierno predomnio da visualizao, percebe-sepor que que, comocontrapartida, esteprocesso foidebilitando a capaci-dade individual (e colectiva)dereproduooral damemorizao, dficecompensado, porm, pela escrita e pelaimagem. Super-ambundncia que,porm, provocou novostipos de esquecimento.ParaT.Todorov, tal aculturamento, de longadurao, foi aceleradopelassociedades, nascidas doimpacto cientfico-tcnico e dalegitimaodasociabilidadepoltica, queprescindiramdatradio, comoseestives-sem escoradas no primitivo contrato social. Em sua opinio, "nous sommespasss, commedisent lesphilosophes, delahtronomieI'autonomie,d'une socit dontla lgitimit vient de la tradition, donc de quelque chosequi lui est extrieur, unesocitrgiepar lemodeleducontrat, auquelchacunapporte - ounon - sonadhsion[. .. ] Lerecours lammoire etaupassest remplac par celui qu'on faitau consentement etau choixdelamajorit. Toutes lestracesdelgitimationpar latraditionnesont paslimines, loinde l;mais,et cela estessentiel, ii est licitede contester latraditionaunomdelavolont gnrale oudubien-tre commun[oo .] Lammoire est dtrne, ici, nonauprofit del'oubli, biensr, maisdecer-tainsprincipes universels et de la ' volont gnrale'''. A citao foilonga,mas necessriaparaseesclarecer algumasdasquestesqueelalevanta.Emprimeiro lugar, nela se sustenta algo indiscutvel: a memriacolectiva e as suasconcretizaes rituais j no detm a funoinstituintee legitimadora doslaossociais que outrora possuram. Masparece exces-sivoqualificar essetrnsito emtermoskantianos, isto , comose deumapassagem da heteronomia para a autonomia se tratasse. que, quando talfuncionalidadedominante existiu, amemria e arecordao eramintrin-secamente constituintes da sociedade - como, alis, o sohoje, ainda quenumaoutra emenor escala - , porquenolheseriamheternomas, logo,exteriores. Deonde seja mais correctodizer-seque tais alteraes pro-vocaram, sobretudo, a debilitao dosimperativos deorigemholsticanamaneiracomo, emdilogocomopassado, cadaindivduoposicionaassuas estratgiasdevida peranteos vrios agrupamentossociaisemque,sucessiva e/ousimultaneamente, se insere e est integrado. tambmverdade quea teoriamoderna dopoder, aoestribar-senocontrato, sequis apresentarcomouma espcie dealfadahistria. Toda-via, senosematizar talassero, corre-seoriscodesesupor queaviarousseauniana e francocntrica foi a nica que, no Ocidente, desembocounamodernizaodas sociedades. Houve(eh) algunscasosemquefoiatradio, mesmoque "inventada"ou"ressuscitada", apropulsaressesmovimentos, aindaquea sua legitimidade acabasse por ser confirmada, oucorrigida, por prticas de cariz maispactuai e electivo.Osexemplosdestadiversidadesoconhecidos eeste noolugarprprio para os pormenorizar. Contudo, existe um dado histrico que deveser chamado a terreiro: mesmo as sociedades polticas baseadas numa maisexplcita e assumida base contratualista no prescindiram do apelo a mem-riascolectivas, sejaparaasvalorizar comoumaherana que merecia serreactualizada luz dasnovasideias e valores (as revolues liberais euro-peias dosculoXIX autojustificar-se-oassim), sejaparaseenraizarem,ouparaas "construrem"a jusante dasuainstalao, j quedestinodetodasas revolues, incluindo o dasquealmejam serpartode um homemnovoede umtempo novo, fomentaremacomemoraodesi mesmas.Explica-se, assim, por que que, comodecrscimodas pressesholsticas resultanteda ndole mais complexadas sociedades actuais edoconsequenteaumentodaindividuaonoseuseio, os vrios poderesinvestiram mais fortemente nos suportes literrios e iconogrficos do reno-vamentodas memrias colectivas. E, nestaestratgia, ocontributodasnarrativas histricas foi fundamental. Na conjuntura emcausa, issosigni-ficou um intenso trabalho "artificial" que teve em vista a hegemonia, sobrememrias colectivas vrias,dememrias histricas adequadas reprodu-odospoderes dominantes, ou, como contra-respostas, marginalizadas ealternativas, ao seu domnio.Dir-se-ia queaquela finalidadevisava domesticar o atomismo social- o indivduo-cidado - e os perigos anmicos que o contratualismo encer-rava.O quefez crescer a conscincia de quea memria teria de continuara exercer o seupapel decimento doconsenso social(e, enquantomem-ria histrica, damemria nacional), tarefa aindamaispremente porcausadoavanodoindividualismo, daagudizaodosconflitossociaisdentrode cada Estado-Nao, bemcomo do crescimento da competio belicistaentre estes. No admira que o esfriamento das memrias vividastenha sidoacompanhadopelaaceleradaproduo, ereproduo, demetamem rias.Mas, com isso, no foram tantoas tradies, mas, sobremaneira, as leiturasmais racionalizadas sobreopassado(teoriasdahistria; obras historio-grficas; comemoraes e festascvicas) quevieram a ocupar um lugar dedestaque na materializao e encenao dessas re-presentificaes.Sugere-se, assim, que nofoi por meroacasoquearadicaodossistemas representativos na Europa coincidiu com a expresso mxima daschamadas "sociedades-memria" (sculo XIXeuropeu) e coma apoteosedo historicismo, fenmeno igualmente contemporneo do florescimento deum novo cultodosmortos, atitudeem quese pode surpreender as caracte-rsticas estruturais do acto de recordar (ECatroga, 1999). E a analogia nodeveadmirar, pois, decertamaneira, escreverhistria , comonoapeloquese surpreendeno olhar doanjodeBenjamin, "ressuscitar osmortos"(S. Moss, 1992).Um "gesto de sepultura"Comefeito, o simbolismo funerrioapostana edificao demem-rias eindiciaasimulaoda"presena"doausenteapartir detraosque, emsimultneo, dissimulam o quese quer recusar: a putrefaco doreferente. Explica-se: seamorte remete para onoser, omonumentofunerrioirrompeoespaocomoumapelo aumsuplementomnsicodefuturo. Se, nosritosfunerrios, senegoceia e se esconde a corrupodotempo(edocorpo)comafinalidadedea sociedade dos vivos podergozarda protecodos seus antepassados, definitivamentepacificados,edesereconstituiraordemsocial queamorte psemcausa, diferenteno o papel dahistoriografia: estafalasobre o passado parao enterrar,ou melhor, paralhe darumlugar e redistribuir o espao, podendo mesmoafirmar-sequeela, noobstanteassuas pretensescognitivas, prticasimblicanecessriaconfirmaodavitriados vivos sobreamorte.Da as afinidadesquetmsidoencontradas entre otrabalhodamemriae o trabalho do luto. E, pormaisparadoxal quepossa parecer, o textohis-trico temigualmente uma funo anloga - no escrevemos idntica - do tmulo e dosritos de recordao. A convocao discursiva e racionaldo"objecto ausente"congela e enclausura, suamaneira, o "mau gniodamorte"eprovocaefeitosperformativos, jque, marcarumpassado, dar, comonocemitrio, umlugaraosmortos;permitir ssociedadessituarem-sesimbolicamentenotempo; mas, tambm, ummodosubli -minar deredistribuir oespaodospossveiseindicarumsentidoparaavida . .. dosvivos" (M. de Certeau, 1975).A escrita da histria ser,portanto, um tmulo para o mortona duplaacepo de o honrar e de o eliminar, ou, talvez melhor, de o esconder. Porconseguinte,a historiografia, tal como a memria, ajudaa fazer o trabalhodolutoeapagarasdvidas dopresenteemrelaoaoquej no(P.Ricceur, 1998; 2000) . Oque lhepermitedesempenharumpapel perfor-rnativo, poissituao historiador,isto , o presente,numarelao de alteri-dadeespecfica, em que o outro, como nos signos funerrios, s se insinuavelado; ausncia que, como salientou Certeau, sendo falta impreenchvel, intrinsecamente constituinte do discurso histrico (Franois Dosse, 2006).Esclarea-se um pouco melhor a comparao. Todo o signo funerrio,explcita ouimplicitamente, remete parao tmulo(signoderiva de sema,pedratumular)atravsdeumasobreposio designificantes(ECatroga,1999). E, neste jogo denegaodamorte e da corrupo provocadapelotempo, ossignosso"dados emtrocadonadasegundoumaleidecom-pensao ilusria pela qual, quantomaissignostemosmais existe o ser emenosonada. Graasalquimiadas palavras, dosgestos, das imagensou monumentos - d-sea transformao donada emalgoou emalgum,dovazionumreino"(Jean-DidierUrbain, 1997). Por isso, otmuloeocemitriodevemser lidos comototalidades significantes que articulamdoisnveisbemdiferenciados: uminvisvel e outrovisvel. Eas camadasserni ticas que compem esteltimo tm o papel de dissimular a degrada-o (o tempo) e, em simultneo, de simular a no morte, transmitindo aosvindouros uma semntica capaz de individuar e de ajudar re-presentao,ou melhor, re-presentificao do ontologicamente ausente. luz destascaractersticas que lcitofalar, a propsito dalinguagem cemiterial - talcomo do discurso anamntico -, de uma "potica da ausncia" (Ana AnaisGmez, 1993; ECatroga, 1999).Mantendoaanalogia, omesmosepodeafirmardahistoriografia.Se, emcertosentido, otmulofunerriofoi oprimeiro"monumento"deixadopara os vindouros, aescritadahistriatambmveculoquelutacontra o esquecimento e, porconseguinte, contra a degradao quemarca o iter do tempo.E, no deixa de ser sintomtico que Ricceur tenhaencontradona teorizao deMichel deCerteausobre a escrita dahist-riaumacerteira passagem da "sepultura-lugar" paraa "sepultura-gesto"(P. Ricceur, 2000). Maisespecificamente, mediante a leitura do textohis-trico(tal comona docemitrio, feita pelos cultuadores), a"sepultura-lugar", ao ser lida, torna-se "sepultura-acto", concepoque "rouvrel'horizondes possibles, carlefait d'assigneraumort une placeest unmoyen de poursuivre le chemin versun horizon cratif, la foisen dette"t u r ernanao Catroga 4 1et sans fardeau, avecunpass qui nevient pashanter la crativit d' uneprsence I ' insu desvivants (P. Dosse, 2006).. .Diga-se que estas cumplicidades entre a hstoriografa e aotanatolgicaforampercebidaspor algunshlstonadoresSegundo Oliveira Martins, assim como na lembrana dos finados, na escrita dahistria noh "inimigos, hmortos" , peloque, se o cada-ver o smbolo doinfinito, o cemitrio [] o tempo da eternidade [. . .] Oscemitriossoas sociedadesnahistria, associedades soa histrianosseus momentos"(in Augusto Santos Silva, 1984). E, embora paraa ciar Halbwachs recorreu a um smile anlogo, ao defender que "l' histoire,eneffet ressembleuncirneti reoul'espace est mesur, et ouil faut ,chaque instant, trouver dela place pour denouvell estexte s"chs, 1997) . Estas analogias so compreensveis:como apole actomemorial dere-presentifica o -a.partir de . sinaisquereferenciamum "objecto ausente" - , tambem a escnta (e a leitura) _dahist riase constri narrativamenteapartir detraos edeque almejam sit uar, na ordem do tempo, algo que se presume terexistido,mas que j no existe. .' .Foi nesteplanoque, apropsitodoseuofcio, al?unshistoriadoresfalaram em "reconstituir" ou "ressuscitar"o passado. Disse-ocoma sua inteno de o recon stituir tal qual ele aconteceu, bemao atr ibuir escrita da histria a funo d:os tos. Mesmo Marc Bloch, noobstante as suas exigencias crticas eficas, caracterizoua histria, enquantohistoriografia, como "uma cienciados homens no tempo" movida pelainteno de " unir o estudo dos morto,saodosvivos"(M. Bloch, 1960). Comonada ontolgico queopassado e,apesar detudo , a memria material deixa traos e aest obrigada a lanar um olhar mediato (en: dlfec?ao dosVIVOS"quefurent avant dedevenirlesabsents. deIhistoire (P. Rlcreur',2000).Ecomo acontece com a recordao, facilmente se concorda queso o pre-sente-futuro poder dar uma nova "vida"aos que j morreram.Entre a fidelidade e a veridicoOs quecontestamas imbricaes apresentadas, que ser?distintos os pressupostos epistemolgicos em causa: se a hlstonografia,re.l-vindica a exactido dassuasleituras, a memria limitar-se- aoverosimil,poisasua retrospectivanope entreparntesesas paixes, emoeseafect os do sujeito-evocador. Por outrolado, o seu critrio de prova convocamaisumafiabilidadeassentenoreco nhecimentodaboa fdonarrador -que, emltima anl ise,certifica a fidel idade do testemunho - do queumaargumentaoracional, caracterstica dominantedas estratgias decon -vencimentousadaspelodiscursohistoriogrfico. Emsuma: arecordaojulga, enquantoaquelaspretendemexplicar/compreender,declarando-se,para isso, filhas do distanciamento entre o suje ito e o objecto, componentesque, na memria, estariam fund idas, levando a que, inevitavel mente, a suanarrao seja sempre axiolgica.fundacional e sacralizadora dopassado.Implicar tudoistoquesetenha dereduzir amemriaa umprodutoexclusivamentesubjectivo, quenosediferencia daimaginao artstica,contradizendo as pretenses de objectividade que oseudisc urso tam-bm visa alcanar? indiscutvel quea recordao alimentada porumaepistemologiaingnua, emquemaisfacilme nte seconfundea re-presen-tao(quesempreumare-presentifi cao) comoreal-passado, isto,com e passeidade, espcie de efeito mgico em que a palavra d ser ao quej no. E se esta caracterstica a dist ingue daimaginao esttica, con-vm lembrar que ambasremetem para um "objecto ausente" .Porm, seesta ltima podeter, ouno, refe rencialidade, oactoderecor dar (como o da investigao histrica) no abdica de convocar o pri n-cpiodarealidade . Oqueexigeque assuas retrospectivas, apesardeseconj ugaremnotempopassado(anterioridade), reivindiquemaverosimi-lhana, tendo emvista garantir a fidelidadedonarrado, mesmo quea suanica fiana , nafalta de testemunhas, sej aojuramentodoprprioevo-cador,numactodedesdobramento emqueesteseassumecomoobjectodesi mesmo. Mas, para geraresseefe ito, eleencobre, ounocontrola,as razes subjectivas, normativase pragmticasquecondicionamasuaconstruo qualitativa, selectiva e apaixonada do que j no exi ste. E estascondicionantes estaro ainda maispresentes quando a memria referenciafactos vividos pela prpria testemunha, ou que digam respeito a pessoas ouaconteci mentos emrelao aosquais o evocador est afectivamentemaisligado.Explicando melhor: umfactoqueaestratgiadeconvencimentodaanmnesisnorecorretantoracionalizaodeexplicaescausais,malgicasecomparativas, ouainferncias, comoofazahistoriografia.Ela baseia-se, sobretudo , naidoneidade doevocador enoseuestat utodetestemunha de eventos pretritos , prprios e alheios.E, apesar do carcter4L Uma roettca aa Ausencsamais dbil da separao entre o sujeito e o objecto no acto de recordar (e detestemunhar), este tambmpressupe algum distanciamento, esforo que ametodologia histrica (e a investigao judicial) procurar desenvolver ats suas ltimasconsequncias (Renaud Dulong, 1998).Com efeito, quandouma recordao tem um propsito mais cognitivoe pretende dartestemunho (e o evocador serumatestemunha), assiste-seaumaespciedecesurainterior, atravsdaqual osujeitosecomporta,mesmoemrelaoaos acontecimentos quelhe tocammais directamente,comosefosseumoutroqueostivessepresenciado, isto ,comotivessesidoumaterceirapessoa a viv-los. Nopor acaso, esegundo E. Benve-niste, apalavratestis , tinhaavercomtertius, quedesignava, nodireitoromano,a terceira pessoa encarregada de assistir a um contrato oral e habi-litadapara certific-lo(P. Ricceur, 2000). Tambmno quintolivrobblicodoPentateuco se encontra um bom exemplo da denotao detestemunhocomo"terceiro", nomeadamente quandose escreve: "Uma s testemunhacontraningumselevantarporqualqueriniquididade, ouporqualquerpecado, seja qual for o pecado que pecasse;pela boca de duas testemunhas,ou pela boca de trs testemunhas, se decidir a contenda" (Deuteronmio,19:15). Esta lgica encontra-seexplicitadaemtodooactotestemunhaldecarizjurdico enoserprecipitadosustentar que, perante a ausnciadetestemunhas vivas, odistanciamento(dohistoriador edoleitor) sera atitudeque, deum modomaisracionalizado e commetodologias apro-priadas, devepresidira todaa crtica (interna e externa) dostraose dosdocumentos no trabalho historiogrfico, em ordem testificao das hip-teses que o comanda.Todavia, umaoutraacepoteminteresseparao estudodorelacio-namento da memria com a histria. O testemunho tambmpodiaser ditopela palavra latinasuperstes, traduodo gregomrtyros , quesignificava"testemunho", ou melhor, a pessoa que atravessou uma provao, a saber:o sobrevivente.Em qualquer dos casos, a noo de testemunho como terceiro anunciao temada "verdade", ouseja,traz luz o factode queele "por definios existe na rea enfeitiada peladvida e pelapossibilidade damentira"(P. Ricoeur, 2000), atitude que o coloca sob a alada da vigilncia historio-grfica. Escapar a esta condio o seu segundo sentido? Relembre-se queesteimplicaprovaoesobrevivncia, parecendosugerir queseestnapresena de uma memria viva, passvel de ser ouvida no s comofonte,mastambmcomo narraodoocorrido. Porm, comamortedequemesteve nopassado quandoestefoipresente, aquiloque eleafirmou- noobstantepoder possuir ovalor testificadopelaidoneidade doevocador -no podefugir ao mbitode todasas prevenes veritativas que, historio-graficamente, tm de ser tomadas em relaoao arquivado.o eco do silncio no rumor do recordadoNesta ptica, ser cair num outro tipo de ingenuidade epistemolgicapensarqueadialcticaentreamemriaeoesquecimentoumpecadoexclusivo das anamnesesindividuais e, por analogia, colectivas. Tambma historiografia - quenasceusobo signodamemria -, apesar de quererfalarem nome da razo, se edifica, voluntria ou involuntariamente, sobresilncioserecalcamentos, como ahistriadahistriatemsobejamentedemonstrado. Esta inevitabilidade aconselha a ser-se cauteloso em relaoao "discurso manifesto" dos seus textos, vigilncia que deve ser redobradaquandoa prpria recordao elevada a documento, isto , ao nvel arqui-vstico necessrio para se dar objectividade ao trabalho de explicao/com-preenso para onde deve subir a interpretao historiogrfica. Por mais queo testemunho pareaserimediatamente verista - comoo dahistria oral,ou o da histria do tempo presente -, ser sempre necessrio faz-lopassarpelocrivodas exigncias crticas da operao historiogrfica (Michel deCerteau, 1975; Paul Ricceur, 2000).Reconhece-se, ainda , que a memria, quandoarquivada, deixa de ser,na sua verdadeira acepo, uma recordao, pois desliga-se do nico media-dor capaz de a revivificar:o sujeito-testemunho. Nesse estado, ela somentetemoestatutodeuma"matria-prima"apedir umquestionamentoqueo transforme emdocumento. Todavia, numplanoaparentemente inverso,igualmenteverdade quea prticahistoriogrfica - herdeira deregraseespecificidadesmetodolgicas prprias- spoder brotarde memrias(pessoaisecolectivas)dohistoriadoradquiridaspor vivnciapessoal (esocial), ouportransmisso oral, eser escrita sobreummundosilenciosodeesquecimentos. Poroutraspalavras: osseus problemasspodemserformulados num horizonte de pr-compreenso, ou, talvezmelhor, a partirde um sujeito j pr-ocupado.Emsuma: memria e histria (entendida comohistoriografia) cons-troemretrospectivas distintas mas comindesmentveis cordes umbili -caisentresi. A primeiravisa, sobretudo, atestar afidelidadedonarrado ,I:I Ienquantoa segunda movida por uma finalidadeveritativa quenecessitada comprovaoparacertificarassuas interpretaes. Noentanto, esseobjectivonoapode levarauma posiode monoplionomundodasrepresentaes do passado, pois isso conduziria a uma espcie de sacraliza-o da leitura doshistoriadores. Mas, cultivar a posio inversa seria esca-motear asmediaescrtico-racionaissemas quai s, emnomedamem-ria, ouda suanegao, tudo seria permitido(Franoi s Dosse , 2006). Naspalavras cert eiras deRiceeur: "Unemmoiresoumise l'preuve critiquedeI' histoi re nepeut plus viser la fidlit sans tre passeaucrible delavrit. Et une histoire, remplace parla mmoire dans le mouvement de ladialectique de la rtrospection et du projet, ne peutplus sparer la vrit delafidlit qui s'attache enderni reanalyseauxpromessesnontnuesdupass ' (Paul Ricceur, 1998a) .Seja comofor, con vmter-sepresent eque, seamemriapode fun-cionar como obstculo epi stemolgico (nem quesej a atra vs doesqueci-mento), elatambm actua como acicate daprpria investigao histrica,particularmente quando o testemunho uma prova vivacapaz de desmen-tirnegaes, deturpaes oubranqueamentos dopassado feitosporquemnoeste vel. Mas igualmente sesabe que, tarde oucedo - veja-se o queest aacontecer comossobreviventesdoHolocausto - , ovazio deixadopela morte datestemunha presencial s dei xa ficar testemunhos a pediremqueos "construam" como documentos.Por consequncia, amemriadohistoriador componenteforte deexperincias primordiais emrelao aoespao e aotempo, hmus que, sepode obstaraosurgimentode interrogaes,tambmfura censuras, tra-zendo tona fragmentos do que est esquecido. Da que, tal como a recor-dao, tambmahistoriografiadeva lutar para queopassadonocaia,definitivamente,noriodaamnsia. E, bemvistasas coisas, snumsen-tidomuito restrito ser lcitopensar-se quea histria j "terminou" para ohistoriador. Faz-lo, ser noentender o papel que, consciente ouincons-cientemente, as suas prprias expectativas (o ainda no) desempenham na"ress uscitao" dopassado; ser, emsuma, perfilhar umavisoabsoluta,cri stali zadae aritmtica do tempo presente.Temde se reconhecer, porm, que, no testemunho memorial , a sepa-raoentreosuje itoeoobjectoprecria (mes moquandose recorre,supletivamente, srecordaesdos outroseasuportesde memria), aocontrrio do que deveacontecer na crtica e interpretao quetransformamostraosemdocumentoshistricos. Noentanto, mesmonestecaso, tor-nar-se-impo ssvel anular, por completo, a mediao do sujeito, mormenteporqueaconscinciadohistoriadornoumreceptculovazio: as suasperguntas s podem nascer no seio deumamente j pr-ocupada porumadadaformaohistricaepor memriassociais, colectivasehistricassubjectivizadas e estruturadaspelaestratgia pessoaldo evocador. E aquiradicaestaoutracondicionalidadeinerenteatodaaobrahistoriogrfica,em cujosinterstcios, noditos, enoquetambm excessi vamentelem-brado, se situa, escondida, a vala comum dos marginalizados e esquecidos,esse ecoabafado do silncio que o historiador deve procurar ouvir para ldossonsda anmnesis.Defacto, talcomonarecordao, nohistoriar aherana dopassadono uma simples acumulao de acontecimentos. Ao invs, tudose passacomo se a conscincia do presente saltasse anose sculos para escolher osmomentosemqueela (emdilogopositivoounegativo) encontraasuaarqueologia e os momento s fort es do sentido que quer dar ao seu percurso.Atitude que, porm,no podeaccionar a destemporalizao do suj eito-his-toriador como se estetivesse podido estar l, nopassado, quando estefoipresente. Mas elatambmnopodecingir-se curiosidade "antiquria" ,oufunodocoveiroadesenterrarcadveresapsocumprimentodociclo daputrefaco(e do esquecimento). A indiferenadohistoriador emrelao ao seu objecto ser tantomenor quantomai s os probl emas levan-tados di sseremrespeitoaos valoresessenciai sdacondiohumana. Porconseguinte, e como narecordao - mas com a sua metodologia prpria- , a leitura historiogrfica no deve ser comemorativa; elatemde darvidaao que j no existe.AssimcomoProu st assinalouemrelaomemriasubjectiva, ohistoriador,mai sdoqueencontraropassado , deveprocurar salv- lo(S.Mos s, 1992). Eaqui que , nosseus campos prprios, amemriaeahistoriografia seencontram coma con scincia dadvida(Paul Riceeur) edaresponsabilidade (o contrato tico-cognitivo), emparticular perante osque, quandovivos,estiveramcondenadosaosilncio. Imperativodecor-rentedofacto deamediaopresentista noseesgotarnasecaanlisecientfica, dadoqueelaobrigaaescolhasque nososocial eaxiologi-camenteneutras. Quem salvadonada esteouaqueleaspecto dopassadosente-se respon svel por ele . Posici onamento que ajuda a entender o mododiferente como Walter Benjamin equacionou a questo dopapeljusticeiroda histria: para Hegel (e para o historicismo em geral), a histria o lugardo Juzo Uni versal e Final , porque seria ela que,a partir daideia de fimdahistriaque asuaretrospectivapressupunha, julgariaoshomens; paraoautor do Angelus Novus, ao contrrio, sooshomens quea julgam.Afinal,a invocao das ideias de continuidade histrica e de progresso,tal como o entendimento do devir como umasequncia irreversvel de cau-sas e efeitos - caractersticas dominantes na historiografia oficialdurante ossculos XIX e XX - , adequavam-se (e adequam-se) bem problemtica dossomente interessados em escrever a "histria dos vencedores" e em secunda-rizar ou esconder a dos "vencidos" (S. Moss, 1992) . De onde a necessidadeque o historiador tem de no olvidar a dialctica que existe entre o recordadoe o esquecido, e de atender a este ensinamento de Benjamin: a historiografiados que, quando vivos, nem sequer deixaram traos, exige que se opere comadescontinuidadedotempohistrico, porqueacontinuidade, comonarecordao que descreve a coerncia do itinerrio do eu, a linha traada pelaboa conscincia dos vencedores, como se ares gestae fosseuma consequn-cia lgica da univocidade do tempo histrico. Nem que, nessa caminhada, setenha de saltar por cima dosburacos negros da memria.Memria poltica e poltica da memriaEmsntese: ahistoriografiatambm funcionacomofonteprodutora(e legitimadora) de memrias e tradies, chegando mesmo a fornecer cre-dibilidade cientista a novosmitos de(re)fundao degrupos e daprprianao (reinveno e sacralizao dasorigens e demomentos degrandeza,simbolizados em "heris"individuais e colectivos). A modernidade acen-tuou estas caractersticas. Osnovospoderes (sociais e polticos), para ata-caremaaristocraciatradicional, reescreveroahistria, emparticular apartir dos inciosdeOitocentos;oque levouaodesenvolvimentodahis-toriografia e aoaumento doprestgio social doshistoriadores. Movimentoquedesembocou no uso (e abuso) dosnovos conhecimentos na modelaoda memriacolectivacomomemriahistrica. Estetrabalhopassarasersinnimodoque vir adesignar-sepor memrianacional. Provadeque, seahistoriografia, amontante, acabaporpediremprestadaalgumacoisa memria, a jusante, elanodeixa deser posta ao servio dassuaspolticas. Ese, emcertosentido, ela "filhadamemria"(Paul Veyne,1979), o contrrio tambm verdadeiro: esta tambm socializada (e rees-crita)pelo modocomo a historiografia investiga e assuasconcluses sopopularizadas.A histriadahistoriografiamostrasaciedadeque ainstitucionali-zaodapesquisaedoensinohistricos, bemcomoasuaconsequenteestatizao, noselimitaramagarantiraaplicaodecritriostidospormaiscientficos. Os cidadose, apartirdeles, os novosEstados-Nao,ajudaram profissionalizao e especializao deste tipo de estudos, por-queos viram comoteispara anao epara ahumanidade. Procura queultrapassou os crculos doseruditos e que foimovida pelo explcito objec-tivodeenriquecer (e credibilizar)orenovamento damemria colectiva eda memria histrica e, dentro desta, da memria nacional.Na verdade, ocrescimentoda importnciasocial (e poltica) dasrepresentaes sobreopassadofoi acompanhadoporestas duas conse-quncias simultneas: a produo de conhecimentos comprovveis (a his-triacomosaber) e a sua difuso com afinalidadedesefundar e, sobre-tudo, refundar amemriahistrica. Emesmoquandoadiferenaentrehistria-investigada e histria-ensinada se manteve, a poltica da memriaencarregar-se-deasarticular. Defacto, epormais antitticasqueestasduasfaces possamparecer, existementreelas evidentes pontos decon-tacto(GrardNoiriel, 1996), conformesepodedemonstraratravs, querdamaneira como, desde osculo XIX, tem sido justificado epraticadooensino da histria emtodos os graus, quer da anlise do modo como foram(eso) organizadasasmanifestaes em que, por razescvicas,a recor-dao se transforma em comemorao "fria" - toda a comemorao suscitaum resfriamento da recordao - , isto, emcerimnia e puro espectculopblico.Ademais, se a memria instnciaconstrutorae cimentadora deidentidades,asua expresso colectiva tambmactua comoinstrumento eobjecto de poder(es) mediante a seleco do quese recorda e do que,cons-.icnte ouinconscientemente, sesilencia. E, quantomaior a suacircuns-crionacional, mais secorreoriscodeoesquecidoser aconsequnciaI gica da "inveno" ou "fabricao" dememria(s). Aosublinhar-se estaertente, nose pretende negar a funoinvoluntria dos "ardis da mem-I ia" - que a leitura psicanaltica pode ajudar a descobrir no campo da cons--incia -,masdeseja-sefrisar que, nassuasdimenses colectivas, sobre-tudo quando elafunciona como metamemria, a margem demanipulao. de uso poltico-ideolgicoaumenta. Pelo que escrever uma"histria(l .ial damemria"stersentidose, aomesmotempo, seredigirumauunesa "histria social doesquecimento", projecto quenopode dispen-.11' li comparnciada"histria-memria"no forumda"histria-crtica".Seguindoumasugestode Nietzsche, poder-se- mesmosustentarqueexistiu(eexiste)umarelaontima entreaperspectiva "monumen-tal", dominantenas interpretaeshistoricistasdopassado, eaintenoeducativa queas animava. E esta raramente fogeao modelo teleolgico denarrao da aventura colectiva, cada vezmaisprotagonizada por umaper-sonagem colectiva chamada povo, ou melhor, nao. Os grandes momentosdo passado sointegrados numa sucesso em cadeia, a fim de os exemplosmaioresseremeternamenteprolongadoscomo fama. Garantia deimorta-lidadeque temsubjacenteacrenanacapacidadeilimitadaqueofuturoterpara vencer a mudana e o transitrio. Por isso, quando a considerao"monumental"dopassadodomina, salgumasdas suaspartessoevo-cadas e, consequentemente, sacralizadas; outras, porm,soesquecidasedepreciadas, emordem a formar-seumacorrente contnua, na qual os fac-tos particulares, previamenteseleccionadoscomoexempla, so"manho-samente" destacados como "arquiplagos isolados" (Nietzsche, 1999),mas para pontuaremumsentido colectivo devocaoconsensualizadora.E basta ass inalar que, dentro deumamesma sociedade, as identidades somltiplas e conflituosasentre si (memriasdefamlia, locais, grupais, declasse, nacionais, etc.) para se justificar o recurso a esta atitude. Por outrolado, tal comoaanamnese, tambmoesquecimentohistricoumpro-cesso, pelo queo "olhar" dohistoriador snose enredarnaseduo(epretenso) homogeneizadora da memoria colectiva e histrica, se a souberconfrontar com perguntas como estas: quem recorda o qu? E por qu? Queverso dopassadoseregista esepreserva? O que queficouesquecido?Mais frente, procurar-se-perceber melhor a ligaoque existiuentreosesforosfeitos pelahistoriografiaparaseautonomizar comoumsaber cientfico ea afirmao dairreversibilidade dotempo e dasubstan-tividade dahistria, numcontexto emquea dissoluo demuitas formasde sociabilidade tradicional requeria a socializao dememrias com umamaior intenoconsensual e, portanto,commaiscapacidadeparaacultu-rar eunificar asmemrias regionais e diversificadas. Religar oindivduo-cidadosociedadepolticaseroseuescopoprincipal, tarefaincidvelda necessidadeda"reinveno"dopassadoque, na Europa, cresceunosculoXIX(Alemanha, Frana e, gradualmente, todososoutrospases),mormente numa conjuntura em que se assistiu, de facto, a intensos e confli -tuosos processosdeformaoouderefundaodeumanovaideiaedeumnovoideal denao, bemcomo afirmaoidentitria denovosgru-possociais emergentes(acultura ea conscincia operria, por exemplo).Este processo ultrapassou, porm, oterrenodas filosofias da his-triaeda historiografia, pois corporizou-se, igualmente, noreconheci-mentodovalor social epolticodainvestigao,ensinoepopularizaodas interpretaes dopassado (a histria-ensinvel) e na institucionaliza-ode prticas simblicas postas ao servioda sacralizaocvicadotempo - comemoraes - edoespao(novos "lugares dememria"): asritualizaesdahistria, noraro de iniciativaoficial eafianadas porhistoriadores (FernandoCatroga 1996). Destaatitude resultou oincre-mentoda "sociedade-memria"oitocentista(P. Nora, 1984), pocaemque, escudados emleituras historiogrficas, ouno seuprestgio, ospode-res fomentaramvrias liturgias de recordaocomoobjectivode, emsociedades quecaminhavamaceleradamente para o individualismo, sesocializar eenraizar a(s) nova(s)memria(s)emconstruo(ouempro-cessoderefundao). Eaestetipode investimentoter-se-adejuntaramanualizao dasnarrativas ofic iais(ouoficiosas) dahistria ptria, ve-culo emque, epicamente, se conta a histria deumpovo como se deumagaleriapantenicasetratasse. Comose verifica, odestinoda chamadahistria-crticano ficou imune credibilizaoda histria-ensinvel,caracterstica que osmanuais escolares levaro, sobremaneira a partir dosfinaisdosculoXIX, sltimasconsequncias. Por tudoisto, aceitar-sea existncia deuma excessiva dicotomia entre a escrita doshistoriadorespropriamente ditos e a dosdivulgadorespode encobrir a sobredetermina-ocvica e memorial em queambas estavam inscritas.Ahistoriografia, comas suas escolhas e esquecimentos, tambmgerou (e gera) o "fabrico" de memrias, pois contribui, atravs do seu cariznarrativo e dasua cumplicidade, directa ouindirecta, com osistema edu-cativo, para oapagamentooumenosprezo dememriasanteriores, assimcomoparaarefundao, socializaoe interiorizaode novas mem-rias. O quese entende. Bem vistas ascoisas, "le but ultime deI'oprationhistoriqueest de provoquer une connaissancedestinetreappriseetrcmmore". Portanto, emvez "de dplorer l'invitable, de rechercher une'puret 'impossible ou derabaisser les qualits scientifiques del'histoire",ohistoriador temde defrontar, (auto)criticamente, "lecaractre 'ml',aportique, pourrait-ondire, de I'histoire"(Jean-Clment Martin, 2000).erteza clara j, pelomenos, desde o sculo XIX.Mais do que qualquer outro, este foi o "sculo da histria" devido aoirandesurtohistoriogrfico(desdea Alemanha, Frana, at Portugal)ereflexivo(Hegel,Comte,Marx, etc.)eaoconcomitantereconhecimentodautilidadesocial epoltico-ideolgicadousode leiturasdopassadocomoargumentos legitimadores de interesses dopresente-futuro. Estanecessidadeatingiu, ento, oseu acumee traduziu-seemprticas dedivulgao e de cariz pedaggico (ensino primrio, secundrio, universi-trio), assim como na construo de "lugares de memria" (esttuas, edi-fcios, toponmia, etc.) e nolanamento denovasritualizaesdahist-ria,objectivaes quenose esgotavam numa nica linguagem, emborapressupusessemuma anlogaconcepoorgnico-evolutiva, contnua,acumulativa efinalsticadotempohistrico. Epodedizer-sequetodaselaspunham o "povo", ou a "nao", a desempenhar o papelde demiurgodo desgnio especfico (e, em alguns casos, superior) de cada um no con-certo dasoutrasnaese dahistria universal. Por isso, estes "sujeitos-colectivos"actuavamcomopersonagensque, aodesenvolveremasuandole ouidiossincrasia(nalngua, noscostumes, nasleisetradies),estariamaexplicitar, naordemdotempo, uma essnciaj potenciadadesde a origem esuposta omnipresente emcada umadasfases doitine-rrio quea ia consumando.A credibilidade que gozava o argumento historicista era to fortequefez comque ele fossecompartilhado porvriasideologias e posto em pr-ticaporpolticas dememria igualmente transversais. certoquetal nosignificou o fim das divergncias e contradies. No entanto, igualmenteverdade quecada Estado-Nao conseguiu criar infra-estruturas culturaise simblicas parase ir interiorizando o ideal de ptria, deusmaior de umareligio civil queteve no cultodos "grandes homens", dos "grandes acon-tecimentos"edas respectivas ritualizaesesmbolos, assuas maiorescelebraeseliturgias. Naturalmente, osistemaeducativodesempenhouum papel decisivo nestainculcao, nos indivduos, do sentimento de per-tena a uma dadacomunidade poltica."Recordo-me, logo existo"A que melhor ilustrao se pode recorrer para mostrar que a memriacolectivatanto menos espontneaquantomais memriahistrica, eparaseperceber oprotagonismodasmemrias-construdasnafundao(ourefundao) de novos consensos?Comosesabe, oromantismoem, .rnl c, depois,osvrios historicismos faziamretrospectivasparafunda-mentaremacriaodoconsenso(social enacional) epara legitimaremumametapara cada povo e, a partir desta, para todaa humanidade.No caso portugus, essa "utilidade" foi imediatamente compreendida,tantomaisqueemboaparte dosculoXIXseviveusobumclima deca-dentista, situao que certos grupos ascendentes procuravam superar, inci-tandoaopiniopblicaa colherlenitivosnosensinamentosdopassado.O quedesembocouno usomoderno dopreceito historiamagistra vitae eno qual o presente, ou melhor, umapreviso progressiva do futuro, apare-ciaa pontualizar momentos paradigmticos dopassado, emordem a que,atravs de memoraes rituais, a evocao e a invocao pudessem funcio-nar, contra a decadnciadopresente, comoexemplarevivificadores. Fitoquereforouo intercmbio entre a memria-repetio e a histria, j quese sentia a necessidade de estaser reescrita (atente-se no trabalho de Her-culano e seusdiscpulos), ao mesmo tempo quese impulsionava um forteinvestimentocomemorativo, comoacontecer, comfrequncia, emtodaa Europa, e emPortugal commaisnfase a partir de1880 (centenrio deCames).Havia a forteconvico deque- comoescreveuumdos principais"mordomos" das cerimnias dos centenrios realizadas nos finais do sculoXIXeprincpios dosculoXX - "amemria ocimentoindispensvelda vida individual. Oapregoadoentimemacartesiano: 'Eupenso, logoexisto', poderiaser mais intuitivoeestritamenteexpressopela frmula'recordo-me, logoexisto'. Passado, presente e futuro, ocaspalavras essasse acaso no se reflectisse no crebro humano a continuidade e a correlaodos movimentos; eidnticosfenmenosdominam[.. .] osagrupamentosde homens, denominados nacionalidades[... ] Quando na memria de umpovoseobliteraos interesses nacionaiseasuamissonomundo, essepovocorreoperigo deperecerdeinaco"(HenriqueLopesdeMen-dona, 1925). A comemoraoimplicava, portanto, umaclarafinalidaderevivescente, conquantooseuespectculotambmremetessepara umaanalogia com o prprio cultocemiterial dosmortos, pois, como na prpriapoca se reconhecia, havia algodefnebrenaspompas e prstitos come-morativos (ECatroga, 1988; 1996).Poroutrolado, nodeixadesersignificativoodiscursodirecto, naprimeira pessoa do singular, da frase"recordo-me, logo existo". Como ela aplicada prtica comemorativa, essa presena prova queosritoscvi-cosrecorriamaprocessosanlogosaos da"manha"damemriaindivi-dual (re-fundao, identificao, filiao, distino, finalismo), mediante aseleco e a fragmentao dasequncia doseventos e a suainseronumhorizonteprospectivo. Isto, escolhia-se"grandeshomens"ou"grandesacontecimentos", assim arvorados em paradigmas que apelavam imitaode uma exemplaridade que o futurodevia cumprir. Por consequncia, se ascomemoraes parecem ser, por um lado, um culto nostlgico e regressivo,por outro, o passado reinterpretado luz dalioquese pretende daraopresente e ao porvir. E tudobateria certo, porque este comemoracionismo,tal como a historiografia dominante, se baseava numasimilar ideiaevolu-tiva e continusta do tempo histrico, na qualo melhor do ocorrido eranosdecantadoparaseresponsabilizar osculpadospeloseunodesenvol-vimentopleno, comoenaltecidoenquantomomentoprecursor. Mas, emsimultneo,paraquea mensagem normativa e o papel pedaggico-cvicodo ritopudessem funcionar, muito teriade ser esquecido.Defacto, as comemoraeseaescritahistoricistada histriasoprticas de re-presentificao igualmente indissociveis do esquecimento,noadmirando, portanto, queelastenhamposto em jogo umaconcepocontinusta e evolutiva dotempo anloga dasnarrativas optimistas, poisestas s exercero as suasfinalidadespedaggicas se foremritmadas pelapicaque norteiaa"histriados vencedores". Como, numecoda pro-posta comtiana, se escrevia em1880, as comemoraes cvicas deviam serrealizadas"emhonraeparaglriadahumanidadepara nortearestdiosnessecaminharincessantedacivilizaouniversal [... ], noparaimpor,emnome deumpassado irrestaurvel , snovasgeraes,a adorao dosseus 'fetiches', aidolatria dos seusdeveres[... ], mas paralheapontar oexemplo dosseusbenemritos" (Manuel Emdio Garcia, 1880).Percebe-se agora melhor por que quea comemorao constitui umametamemriainscritanamemria-repetio, poisinseparvel dassuasritualizaes. A intriga quenelasse conta - mormente quando se organizacomocalendriocvico- dialecticizaapresenadaausnciaatravsdeuma "cenografia" em que se "teatrializa" e "esteticiza" o narrado. E, comosalienta Dosse (2006), "le rite permet d'entretenir la mmoire en ractivantla part crative de l'vnement fondateur [ou mesmo refundador] d'identitcollective". E o espectculo visa dar coerncia a esta estratgia: enaltecem-sefiguras modelares, oumomentosdefastgio, afimdese, passandoaolado do mais sombrio das coisas, exorcizar (e criticar) decadncias do pre-sente e se alentar a esperana na redeno futura. Consequentemente, nestetipode evocao, no estava em causa o uso passadista do passado, mas a.xplorao dasuamais-valia como arma delegitimao deumregime deI .mpo de cariz prospectivo.o historiador como um "remembrancer"Emsuma: senosequisercairnumaestritaposiocientista, temdeseaceitarotomambguoe"indeciso"das relaesentreamemrial ' ahistoriografia. Naverdade, por mais esforos de auto-anliseque ohistoriador possafazer para aplicarasuametodologiacrtica eparaate-nuar opesodaidadesubjectivonainterpretaohistrica, asuaepochs 'r sempre epocal, porque os nexos com a memria (e o recalcamento) ecom o que, dentro dela, presena docolectivo, impedem-no dese colo-' ar, totalmente, "entreparntesis", isto, desituar oseusaber paraalmda histria, caracterstica que, alis, elemesmo declara ser inerente a tudoli quepossui marca humana. Pormaisquequeira,o historiador no um( ' /I transcendental, auto-transparente a simesmo, esse sonho deluzplenaque anima todososracionalismos extremos, svezesa maior detodasasc .gueiras.Noentanto, ocontratoque, tacitamente, celebracomaresponsabi-Iidadeticaeepistmicainerenteaoseuofcio, obriga-oaactuar, tantoquantolhe for possvel, comopastor elobodosseusfantasmase do"serausente" que ele pretende fazerreviver. E esta inevitvel condicionalidade.onvida-oapr sobsuspeitaamemriatransmitidaeater uma salutard vidametdica perante a transparncia ontolgica do narrado. De acordo.omumexemplo usado, algures, por Peter Burke, poder-se- afirmarque, tica edeontologicamente, eledeveousarir procura dosesquele-tos escondidosnosarmrios damemria,apesar desaber que, ao faz-lo,.orre o riscode estar a ocultar, mesmo inconscientemente, alguns dosquetransportadentrodesi. Apesar disso, asuamissotemdeser anlogado remembrancer, nomeatribudo ao funcionrio ingls que, nosfinais daIdade Mdia, tinha a odiosa tarefa deir, de aldeia emaldeia, enasvspe-ras dovencimento dosimpostos, lembrar s pessoas aquilo queelasmaisdesejavam esquecer.Se Nietzsche teve razo quando salientou que oahistrico assim.ornoohistricosoigualmentenecessriosparaasadedecadaindi-vduo, deumpovoedeumacultura, reconhece-seque, seimportantelembrarmo-nosdeesquecer, tambmosernoseesquecer delembrar.E essa a tarefa primeira do historiador, imperativo que ainda se tornamaispremente quando se passou a cultivar uma ars oblivionis mais programada.Como escreveu Yosef Yerushalmi, "nomundo que onosso, nosetratamais deumaquesto dememria colectiva oudedeclnio daconscinciadopassado, massim daviolao brutal daquilo quea memria ainda podeconservar, damentira deliberada peladeformao dasfontes e dosarqui -vos, da invenodepassados recompostosemticosaosaborde pode -res tenebrosos". E, emtais pocas, "apenasohistoriador, animadopelapaixodosfactos , dostestemunhos, quesooalimento dasuaprofisso,podevelare montarguarda" (Y. Yerushalmi, 1988; MrcioSeligmann--Silva, 2003).Por outras palavras: "I 'histoire critique trouve son originalit enentreprenantla'dconstruction'despaisseursetdes rivalitsmmoriel-les pourentablir lefonctionnement et les rouages, poursoulignerlespratiques de manipulationet d'occultation, jusqu'prendrelerisquedemettre encause les structures profondes descommunauts" (LvC. Martin,2000). Todavia, se esteposicionamento diferenciador, factoquea cha-mada histria-cinciassersocialmenteti lseradicarna histriavivadecorrenteda tensoentrememria, esquecimentoeexpectativa. Daoexcesso das teses dualistas: a memria, tal como a historiografia, uma dasexpresses da condio histrica dohomem. E os historiadores dehoje jperceberam que a descredibilizao dos grandes mitos colectivos e o enfo-quedadoao carcter compreensivista e narrativo daprpria escrita histo-riogrfica (Hayden White, 1978;Roger Chartier, 1998)conduziram a queela - conquantonoseja redutvel aoexclusivo campo daficcionalidade,como alguns pretendem - surja, cada vezmais,como uma operao crticae cognitiva, masmediada, em ltimas instncias, pelotempo e pelo espaoemqueohistoriador sesitua, e, porissomesmo, umbilicalmentedepen-dente "de topoi venus de la mmoire profonde" (LeC. Martin, 2000). Saberisto, mas tentarevit-lo, amisso(impossvel) emque ele searriscacomo perscrutador de verdades, como pessoa e como cidado.Segunta ParteMEDIATS E MEDIAO