Cap III-A Estrutura Psicotica e Seu Possivel Tratamento -Nieves Soria Dafunchio

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    Cap. IIIA Estrutura Psictica e seu Possvel Tratamento

    Nieves Soria Dafunchio

    Traduo livre do espanhol: Beatriz Lavieri

    1. Com dipo no Basta

    Hoje comearemos fazendo um tipo de contraponto do que a concepo da estruturapsictica e seu possvel tratamento, entre o paradigma Schreber e o paradigma Joyce.Para isso vamos nos dedicar ao ltimo perodo do ensino de Lacan, o do paradigmaJoyce, no qualcomo propusemos na primeira aula trata-se da equivalncia entre ostrs registros: real, simblico e imaginrio.

    Esta a perspectiva que fica aberta a partir das frmulas da sexuao, j que o ladofeminino das mesmas e tudo o que trabalhamos na aula passada sobre a noo deconfimd conta de uma lgica que justamente a que habita o campo da topologia. a lgica que vamos encontrar em todas as operaes possveis que se podem fazer entre,

    por exemplo, o 1 e o 2, entre os nmeros naturais.

    Isto , na frmula da sexuao est de algum modo o germe da topologia, que permitetornar equivalentes os trs registros, j que a partir do ltimo ensino de Lacan, o registroreal sustenta uma existncia prpria e no um produto da operao simblica comoo era no tempo anterior de seu ensino.

    Para poder armar um contraponto entre o paradigma Schreber e o paradigma Joyce,vamos retomar algumas questes que vimos em aulas anteriores do paradigma Schreber.O que me interessa lembrar-lhes o que vimos em De uma questo preliminar... asituamos o paradigma Schreber onde a psicose abordada ou conceituada a partir daneurose como norma.

    a partir da norma edpica, da norma neurtica, que Lacan, no paradigma Schreber,conceitua a psicose como um dficit do dipo. A foracluso do Nome do Pai e aforacluso flica como um dficit em relao norma edpica. assim como no

    esquema que vimos na primeira aulao esquema R, que est desenvolvido a partir doesquema do Seminrio 5, onde encontramos os registros imaginrio e simblico deque se trata do que acontece na psicose, na qual o Nome do Pai e o falo estoforacluidos, e como se desarma o campo da realidade.

    Ento, a norma ou o paradigma da neurose no funciona na psicose e, portanto, sedesarma, desmorona o campo da realidade. O referente do estatuto de dficit simblicoda psicose , para Lacan, o desencadeamento. o momento em que se verifica essedficit, isso que falta: falta-lhe o Nome do Pai, falta-lhe o falo.

    Para dar conta da estrutura psictica neste texto, Lacan se atm ao momento dodesencadeamento, ao desmoronamento do imaginrio, da queda do campo da realidade.

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    E, depois, no esquema I d conta de como se reconstri de algum modo esse campo que j vimos na primeira aula.

    Por outro lado, tambm altura de De uma questo preliminar..., a clnicapsicanaltica abordada por Lacan como uma clnica da pergunta. Vocs lembram que,

    j no Seminrio 3, h um captulo sobre a pergunta histrica, em que Lacan diz que setrata da pergunta sobre o feminino na histeria, da pergunta sobre a existncia na neuroseobsessiva, e da pergunta sobre o pai na psicose. Porm, esta ltima pergunta, a do

    psictico, uma pergunta distinta das perguntas histrica ou obsessiva, j que umapergunta sem sujeito que pergunte.

    De todo modo, Lacan pensa a clnica com os referentes da pergunta, ento estuda asdistintas estruturas clnicas em referncia a isso. Por exemplo, a neurose como uma

    pergunta acerca da morte ou acerca da mulher, que so os dois significantes que no tmexistncia simblica. Lembrem que Freud j dizia que no h inscrio no inconscientedo sexo feminino nem da morte. Justamente isso que no se inscreve o que insistecomo pergunta na neurose, na neurose histrica, a pergunta sobre o que ser umamulher, na neurose obsessiva, sobre existncia.

    Mas Lacan, tambm no Seminrio 3, vai chegar concluso de que na psicose se tratada pergunta sobre o pai, uma pergunta que na psicose no tem resposta ainda que naneurose sim, para isso conta com o significante Nome do Pai. Na psicose, justamente,est foracludo o significante do Nome do Pai, que viria ao mesmo lugar que vm naneurose esses significantes que esto foracludos, que so a mulher e a morte.

    Na psicose est foracludo o Nome do Pai, portanto uma pergunta que no temresposta para o psictico, no h como responder o que um pai. Eventualmenteresponder atravs de um delrio. No caso de Schreber, vai responder o que um paiinventando uma nova humanidade, na qual vai ser a mulher de Deus pai.

    O que Lacan vai dizer que se bem que haja pergunta na psicose, uma pergunta semsujeito, que se faz sozinha. E, por isso, o tratamento do psictico no pode ser como ode um neurtico.

    Seguimos com o contraponto entre os dois paradigmas. Temos a questo da clnica da

    pergunta e temos a outra questo de que no paradigma Joyce h uma equivalncia dostrs registrosque ainda no desenvolvemos e depois vamos ver.

    Mas, no paradigma Schreber, temos apenas imaginrio e simblico, isto , a estruturapsictica abordada somente desde estes registros. Alm disso, uma poca na qual huma primazia do simblico sobre o imaginrio, porque para Lacan a esta altura tudo

    passa pelo fato de que falta o Nome do Pai. E como falta o Nome do Pai (simblico),isso tem efeitos no imaginrio, ou seja, vai faltar tambm o falo e a realidadedesmorona.

    Tnhamos visto tambm que, no suplemento de 1966, Lacan agrega a noo de objeto a,mas na realidade, no momento em que Lacan constri o paradigma Schreber e pensa seu

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    tratamento possvel, s conta com esses dois registros, sem levar em conta o queacontece com o registro real, portanto, a esta altura temos uma concepo limitada daestrutura psictica.

    O fato de que a estrutura psictica seja pensada apenas em termos de imaginrio e

    simblico, faz com que Lacan, no Seminrio 3, proponha que o que faz que uma psicosepossa se manter sem desencadear a compensao imaginria do dipo ausente. Acompensao imaginria do dipo ausente se apresenta a esta altura como a nica

    possibilidade por parte de um psictico de evitar o desencadeamento. E, por qu?Porque Lacan conta apenas com imaginrio e simblico, ento diz que se falta estesimblico, o psictico vai compens-lo com um imaginrio. Essa a noo que ele tem.

    Ento, vai colocar que a psicose no desencadeadaa que ele vai chamar pr-psicoseconsiste em uma compensao imaginria do dipo ausente, e essa compensao vaitomar a forma de identificaes imaginrias. No sei se vocs lembram, mas noSeminrio 3 Lacan desenvolve toda a questo do como se em relao ao caso de um

    paciente que fazia tudo o que fazia seu amigo, at que uma garota se joga para ele eno para seu amigoe a se desencadeia sua psicose.

    Desta maneira, a psicose no desencadeada se reduz a certa acepo da pr-psicose, isto, a uma psicose que em qualquer momento se desencadeia, porque mal amarrada,

    porque sustentada em identificaes imaginrias. Da a advertncia que tanto se ouve altura do paradigma Schreber, que : Cuidado se tomarem um pr-psictico emanlise, porque pode desencadear! Se bem que Lacan proponha no retroceder ante a

    psicose, est todo o tempo percebendo o problemtico de sua abordagem pelapsicanlise.

    A outra questo ou consequncia do paradigma Schreber que no vo poder encontraruma grande explicao de em que consiste a pr-psicose ou como funciona realmente aestrutura dessa compensao imaginria do dipo ausente, j que quando ele realmenteesclarece com luxo de detalhes o que a estrutura psictica, se serve do momento dedesencadeamento. a que Lacan desenvolve toda sua fineza de clnico, por exemplo,no caso de Schreber.

    Enfim, todos esses estudos que ele faz das psicoses se baseiam no desencadeamento,mas pouco sabemos do antes, da pr-psicose; por exemplo, do que foi a estrutura deSchreber antes de que desencadeasse.

    Por outro lado, o prprio desencadeamento pensado de uma s maneira. Se vocslerem De uma questo preliminar..., no desencadeamento da psicose se trata da

    irrupo de Um-pai no real. Lacan diz a que o sujeito entra em oposio simblica aum parceiro imaginrio e precisa buscar esse lugar terceiro, necessita do Nome do Pai,no conta com ele, ento, se encontra com Um-pai no real. A sequncia a seguinte:irrupo de Um-pai no real, iniciativa do Outro, desmoronamento do imaginrio. Lacan

    dizia algo assim como: Busquem esta configurao quando se desencadeia a psicose,busquem esse Um-pai no real. Ao ponto de que anos atrs, em Buenos Aires, nas

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    supervises de casos de psicose se escutava sempre a pergunta: onde est o pai no real?Tinha-se que situ-lo, sendo esta na realidade uma indicao de Lacan. Na pgina 559de De uma questo preliminar... Lacan diz: Busque-se no comeo da psicose esta

    conjuntura dramtica. Desta maneira, o desencadeamento sempre a irrupo de Um-pai no real, porque a lgica esta, o sujeito se encontra com um buraco no simblico e,nesse mesmo lugar em que falta esse significante, irrompe Um-pai no real.

    A outra questo que j mencionamos a soluo para esse desencadeamento, e a mesma a possibilidade de produzir uma metfora delirante que venha suprir a metfora

    paterna que falta. No se trata aqui de uma verdadeira suplncia. Lembrem que amaneira em que se restabelece o campo da realidade na psicose falida, no sentido deque fica sempre essa abertura ao infinito dos quatro vrtices. Portanto, no chega a secumprir a mesma funo que cumpre a metfora paterna, o que leva ao novodesencadeamento da psicose em Schreber. Porm, isso no se encontra a essa altura,

    algo que ns podemos pensar agora. Para Lacan nesse momento de seu ensino a soluo que a metfora delirante venha suprir a metfora paterna que falta. A ltima questo altura do paradigma Schreber a questo da transferncia. O texto se chama De umaquesto preliminar a todo tratamento possvel da psicose, ttulo com o qual est

    dizendo que para saber qual a manobra da transferncia com o psictico h que levarem conta tudo isso.

    Ento, qual foi a orientao que se tomou, pelo menos em Buenos Aires, a partir de Deuma questo preliminar... para o tratamento da psicose na psicanlise lacaniana?

    Tomou-se a orientao de apoiar o paciente na construo da metfora delirante desde a

    posio de secretrio do alienado, que era uma posio que Lacan props no Seminrio3 para o analista. O analista como secretrio do alienado impulsionando o psictico aescrever algum tipo de escritoao estilo das memrias de Schreberque viria cumprira funo de reestabelecer o campo da realidade e de conseguir produzir uma metforadelirante que venha suprir a metfora paterna faltante. O que levou s vezes a tentativasmuito foradas por parte dos praticantes da psicanlise, de provocar que o sujeito delirecada vez mais, para ver se chegava a armar a metfora delirante questo que quasenunca se conseguia e produzia grande frustrao.

    Alm disso, o que se verificava em muitos casos que quanto mais deliravam, maisenlouqueciam, e mais descompensados ficavam, ento, no necessariamente delirar oscurava ou solucionava algo. Efetivamente, havia um oco a, j que o que Lacan haviadito era isso. Da a importncia de ir buscar o paradigma Joyce, onde se abre um

    panorama muito mais amplo para pensar o tratamento da psicose.

    2. O Real da Estrutu ra do Ser Falante

    Agora vamos entrar no paradigma Joyce, levando em conta que neste paradigma se tratado n borromeano, onde os trs registros so equivalentes. Os referentes deste

    paradigma vo ser o Seminrio 22 e o 23, j que a Lacan alcana uma mxima

    conceituao do n. Se querem entender bem as questes que vamos formular hoje,seria muito importante que leiam um artigo de Fabian Schejtman que esclarece muito a

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    lgica dos ns, e que meu ponto de partida em tudo que formularei na continuidade arespeito das psicoses.

    Vou expor o central da lgica dos ns, para poder situar depois as consequncias nocampo das psicoses e o contraponto com o paradigma Schreber.

    Na altura do Seminrio 23 Lacan j chegou a sua clebre formulao a relao sexualno existe, isto , a inexistncia da relao sexual. Que quer dizer a inexistncia da

    relao sexual? Quer dizer que h algo que no anda na estrutura humana, e isso queno anda est ligado ao fato de que somos seres de linguagem, que h algo que estfalhado, e isso que est falhado se manifesta no campo da sexualidade. Emconsequncia, toda sua elucubrao em relao aos ns se encaminha no sentido deexplicar algo disso, algo do real da estrutura do ser falante.

    Da leitura dos ltimos seminrios de Lacan podemos concluir que, no campo do n, a

    questo de que a relao sexual no existe se manifesta no fato de que no ser falante noexiste o n borromeano de trs. O n borromeano de trs um n de trs crculos que seenodam de maneira tal que se soltamos um, qualquer deles, se soltam os trs, isto ,nenhum est enodado ao outro. Uma forma que Lacan tem de definir o n borromeano, que so crculos que se enodam de no enodar-se, porque na realidade no se enodam,nem se tocam, mas esto uns enganchados aos outros de modo tal que se cortamos umse soltam os outros.

    Portanto, o n borromeano de trs no existe. O n borromeano de trs seria a estruturase a relao sexual existisse, mas como a relao sexual no existe, como h algo queest falhado por estrutura no ser falante, sempre h lapsos do n. O n borrommeano detrs est falhado sempre, inclusive nas neuroses. Neste ponto encontramos umadiferena com o paradigma Schreber, j que no paradigma Joyce o dficit generalizado. Com o lapso generalizado do n fica em evidncia que estamos todos emdficit, que todos viemos ao mundo mal feitos, com lapso do n, j que o n

    borromeano de trsque seria se a relao sexual existisse - no existe.

    O assunto, e o que vai fazer a diferena entre diferentes estruturas clnicas, de quemaneira solucionado o lapso do n. A esta altura, para Lacan j no se trata mais da

    clnica da pergunta como no paradigma anterior, no qual as diferentes estruturasclnicas se diferenciavam pela pergunta seno que a clnica diferencial uma clnicadiferencial da soluo. Conforme a soluo que o sujeito encontra ao lapso do n, vaiser neurtico, psictico ou o que for. E nesta clnica da soluo, o que se inverte comrespeito ao paradigma Schreber, que a norma j no a neurose, seno que a norma a psicose. A estrutura pensada a partir da psicose, por isso Lacan pensa o n a partirdo caso Joyceque ele considera como uma psicose.

    No ponto 2 do captulo VI do Seminrio 23 Lacan faz referncia a um caso de umaapresentao de paciente este caso foi publicado ao final da edio pirata do

    Seminrio 23 com o ttulo Uma Psicose Lacaniana em que se trata de um homemque testemunha at que ponto as palavras lhe so impostas. Lacan comenta em

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    referncia a esta apresentao: ...sexta-feira passada teve um caso seguramente deloucura que comeou com o sinthoma palavras impostas, pelo menos assim que o

    paciente mesmo articula essa coisa que parece o mais sensato na ordem de uma

    articulao que podemos dizer ser lacaniana. E aqui vem a pergunta: Como que no

    sentimos todos que palavras das quais dependemos nos so de algum modo impostas?.E de algum modo isto que Lacan vai desenvolver. E observa que a questo no tantosaber por que este tipo est louco, seno saber por que um homem normal no se dconta de que a palavra uma praga, de que a palavra uma forma de cncer da qual oser humano afligido. Como que chegamos a no sentir isso? Lacan inverte a

    pergunta, questionando como que no somos todos psicticos, como que no nosdamos conta de que as palavras se impem a ns que justamente o que certadimenso da psicose testemunha. O psictico est mais prximo do que realmente aestrutura do ser falante como afetado pela linguagem. Deste modo, se inverte a

    perspectiva da neurose como norma, e se trata muito mais de como nos arrumamos, os

    que no somos psicticos, justamente para no perceber todo o tempo esse real daestrutura.

    A possibilidade dos trs registros e de pensar seu enodamento vai ampliar notavelmenteas possibilidades para pensar as psicoses no desencadeadas, assim como osdesencadeamentos e as solues. Tambm passamos do que altura do paradigmaSchreber a psicose, pluralizao das psicoses, isto , possibilidade de pensardistintos enodamentos segundo o tipo de psicose de que se trate.

    altura do paradigma Schreber os referentes so o esquema R e o esquema I e uma

    teoria das psicoses que generaliza para todos os casos aquilo que encontramos em umsingular caso de esquizofrenia paranoide. altura do paradigma Joyce, temos, pelocontrrio, distintas possibilidades de enodamento, que vo dar distintas estruturas

    psicticas possveis.

    Faamos um breve parntese para nos deter em como Lacan considera a essa altura asneuroses. No seminrio 23 Lacan considera que o lapso do n na neurose consiste emque os trs crculos se soltem. O que Lacan prope que um quarto termo, a realidade

    psquica (que neste momento far equivalente ao dipo, isto , ao Nome do Pai), o quevir suplementar o registro do simblico enodando borromeanamente o imaginrio, osimblico e o real.

    no captulo I, ponto 3 da verso estabelecida do Seminrio 23 que Lacan desenvolve

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    esta verso do n neurtico, cuja particularidade consiste em ser borromeano. Que querdizer borromeano? Quer dizer que se se corta qualquer dos quatro crculos, sejam os trs

    que se distribuem entre os trs registros R, S e Iou aquele mais obscuro que viria aser osinthomapai, qualquer que cortemos se soltam os quatro.

    O texto de Schejtman formula, ento, uma questo fundamental na clnica: a diferenaentre a neurose e a psicose altura do Seminrio 23 consiste em que as psicosesimplicam reparaes do lapso do n que no so borromeanas, de modo que o prprioda estrutura psictica que as solues no so borromeanas, isto , que o enodamentoque conseguem no faz com que ao cortar um crculo se soltem todos os demais.

    3. Plural izao das Psicoses. Os Tratamentos Possveis

    Vamos ento pluralizao ou diversidade das psicoses. No Seminrio 23 podemosencontrar claramente distinguidas duas formas de psicose, que so a esquizofrenia e a

    paranoia.

    Comearei hoje por uma observao mnima, j que j vamos ver mais detalhadamentecomo o n em cada tipo de psicose, e tambm em diferentes momentos de uma mesma

    psicose e, finalmente, que tipos de soluo so encontrados (se que isso ocorre)quando percorrermos os casos que vo ser apresentados nas diferentes aulas. Hoje dareisimplesmente um esboo de panorama geral, distinguindo, sem desenvolver demais, adiversidade de psicoses desde a perspectiva do paradigma Joyce.

    Em primeiro lugar, podemos deduzir do Seminrio 23 que na esquizofrenia o registroimaginrio se solta: o paradigma Joyce, j que a partir dos desenvolvimentos de Lacan

    podemos diagnosticar Joyce como um esquizofrnico, levando em contaisto o quedepois vou desenvolver que a psicose de Joyce nunca se desencadeou. Quem, sim,desencadeou uma psicose foi sua filha Lcia. Joyce pde, mediante uma manobra, daqual Lacan dar conta no Seminrio 23, impedir que o registro imaginrio se solte,conseguiu fazer uma fantstica suplncia do Nome do Pai. Porm, de todo modo, aestrutura nodalainda que no desencadeada uma esquizofrenia.

    Na esquizofrenia o lapso faz que se solte o imaginrio, enquanto o simblico e o realficam enganchados o situamos, ento, como interpenetrao entre simblico e real.

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    Isto explicaria as alucinaes verbais e todos os fenmenos elementares das psicoses;enquanto o desligamento do imaginrio daria conta da derrubada do imaginrio. Na

    psicose acontece o que no acontece nas neuroses, nas quais no h interpenetrao deregistros, j que todos se enodam com todos borromeanamente.

    No caso de Joyce o desligamento do imaginrio no se produz, j que ele consegueevit-lo por meio de uma suplncia, de um sinthoma que reparar o lapso do n. Asoluo de Joyce do lapso do n uma reparaosinthomticado mesmo. O que Lacanvai conceber que Joyce se faz um Nome Prprio a expensas do Nome do Pai, se fazum Nome Prprio atravs de sua escritura, de seu desejo de ser famoso e de serestudado pelos universitrios. Esta uma meta para ele, no se trata s de escrever. Se

    bem que Schreber tambm escreva, no o faz no campo da literatura, seu escrito sinteressa aos psicanalistas, com o que seu Nome Prprio se sustenta em suaenfermidade mesma.

    Enquanto Joyce interessa a muitos, em especial aos estudiosos da literatura, que aquem estava dirigida sua obra. assim como Joyce escreveu, publicou sua obra e fezum nome. Com esse trabalho constri um ego que vai dar brilho a seu Nome Prprio,apesar de sua carncia do Nome do Pai. Esta seria ento a correo do lapso do n emJoyce, que no a nica correo possvel na esquizofrenia:

    Esta uma das solues possveis, e por isso que so to diferentes as esquizofreniasentre si. A soluo Joyce corrige o lapso do n onde se havia produzido. O ego corretorvem colocar um fecho no lugar que se soltou. uma reparao sinthomtica queconsegue reter o imaginrio, sem por isso tornar borromeano o enodamento.

    H algo que importante levar em conta outra questo central do texto de Schejtman,j vou desenvolv-lo com mais detalhese o fato de que no o mesmo corrigir olapso do n no mesmo lugar que se produziu que corrigi-lo em outro lado. Se sesoluciona no mesmo lugar que se produziu o lapso, eu aventuro da minha parte ahiptese de que mais eficaz a soluo, de que umsinthomamais slido e de que temmenos efeitos secundrios.

    Pergun ta: Como se expl icar ia o sin toma catatnico com esta concepo do

    imaginrio que se desprende?

    O sintoma catatnico poderia dar conta justamente do momento do desprendimento doimaginrio, quando o sujeito no conta com nenhuma soluo. Trata-se a do sujeito

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    totalmente afetado pelo real, totalmente estupefato, invadido pelo real da linguagem. Asada do sintoma catatnico daria conta justamente do incio, por parte do sujeito, dealgum movimento na via da soluo.

    O outro n que encontramos no Seminrio 23 o da paranoia. Este n muito

    particular, j que no toma a forma de algo que se solta, seno totalmente ao contrrioe isso muito clnicomuito mais que h algo que est muito agarrado.

    Ento, em Lacan o n da paranoia este:

    Trata-se de um n de trs, porm, no lugar de tratar-se de um enodamento borromeanolembremos que o n borromeano de trs no existe encontramos uma continuidadeentre os trs registros.

    Podem encontrar a referncia no captulo 3, ponto 3 do Seminrio 23, onde Lacan diz:o sujeito enoda a trs o imaginrio, o simblico e o real, s que suportado por sua

    continuidade. O imaginrio, o simblico e o real so uma s e mesma consistncia e

    nisso que consiste a psicose paranoica.

    Se vocs querem imaginar isto, tm que pegar trs rodelas e depois costur-las ougrud-las no ponto de cruz. H continuidade porque ao estarem grudados em um pontode cruz se pode passar de um crculo para o outro sem soluo de continuidade, o queno ocorre nas demais apresentaes do n que abordamos. Esta parece ser a nica

    modalidade da estrutura que se enoda de trs e no de quatro.

    Proporei a vocs agora minha ideia de como podem ser concebidos os ns da parafrenia,da melancolia e da mania a partir de certas referncias de Lacan. Trata-se de uma

    proposta minha baseada na leitura de Lacan.

    Quando formos ver um caso de parafrenia vou comentar para vocs a referncia que voucitar agora. do ano de 1975 aproximadamente. Trata-se de uma apresentao de

    pacientes a cargo de Lacan, na qual entrevista a Srta. B, que pelo que eu saiba no estpublicada em nenhum lugar. Eu conto com uma verso datilografada da Biblioteca do

    Centro Descartes. Deste caso de parafrenia, Lacan diz que psiquiatricamente se poderiadiagnosticar como uma parafrenia imaginativa. Quando ele comea a conceitu-lo

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    psicanaliticamente, coloca que o registro do real se vai por sua conta, isto , que se soltao registro do real.

    No caso da Srta. B, por exemplo, Lacan diz que ela s um vestido, sem nenhum corpopara por debaixo. Que um puro semblante sem nenhum real que o lastre, j que, aosoltar-se o real, ficam interpenetrados imaginrio e simblico, o que faz justamente adimenso do semblante. Teremos j a oportunidade de verific-lo no caso de parafreniaque apresentaremos em uma das aulas.

    Por outro lado, esto a melancolia e a mania. Ponho-as junto, mas tambm as distingo.Nesta oportunidade meu texto de referncia Televiso. Proponho que em ambas sesolta o registro simblico, ficando interpenetrados real e imaginrio. A diferena queencontro que na melancolia o real gira sobre o imaginrio, isto , que o real arrasacom o imaginrio, enquanto na mania o imaginrio arrasa com o real.

    De modo que dentro da clnica da interpenetrao entre os registros real e imaginrioteramos diferenas, j que no tm as mesmas consequncias clnicas que o realavassale a imagem narcsica, que a desintegre (como ocorre na melancolia) ou que oimaginrio, a imagem inflada e completa, arrase com todo real.

    Insisto em que se trata simplesmente de uma formulao inicial.

    Comeamos por desenvolver a riqueza que nos oferece a diversidade dos distintos tiposde psicoses. Dedicaremos agora uma ateno ao que ocorre com as psicoses nodesencadeadas, e tambm com a diversidade de desencadeamentos, solues e

    tratamentos possveis que se abrem com o paradigma Joyce.

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    Comearemos pelas psicoses no desencadeadas.

    altura do paradigma Schreber, a psicose no desencadeada a chamada pr-psicose,que uma compensao imaginria do dipo ausente. Como dizamos anteriormente, setrata de uma psicose que est sustentada com alfinetes. Em funo disso, se o trabalho

    analtico faz com que caiam as identificaes, a estrutura, que est sustentadaunicamente nelas, se desencadeia.

    Com a nova concepo da estrutura se abre muito o campo, j que altura do paradigmaJoyce possvel formular que as psicoses no desencadeadas sustentadas emidentificaes imaginrias, seriam s uma das tantas solues possveis ao lapso

    psictico do n. Isto abre a uma clnica diferencial das psicoses no desencadeadas, jque no o mesmo que nos chegue anlise um sujeito cuja psicose no estdesencadeada, mas que s conta com identificaes imaginrias para no desencadear,ou outro sujeito que conta com outras solues que tambm lhe trazem problemas e

    por isso que vem para anlise solues que no so identificaes imaginrias. diferente o tratamento em cada caso, distinta a forma em que se pode intervir etampouco se trata do mesmo risco de desencadeamento.

    Isto abre, por exemplo, a perspectiva de estar tratando psicanaliticamente uma psicoseno desencadeada acreditando que uma neurose (o que mais que possvel que ocorra,dada a extrema dificuldade que coloca o diagnstico transferencial entre neurose e

    psicose no desencadeada) e que a estrutura, contudo, no se desencadeie. J que talveza soluo conseguida por este sujeito no seja o como se, no sejam as identificaes

    imaginrias (ao menos, no somente), com o que talvez possa se servir do discursoanaltico.

    por isto que nas duas ltimas aulas do seminrio vamos fazer um contraponto entre aspr-psicoses e o que eu chamo as psicoses sinthomadas, que so psicoses queconseguiram realmente resolver o lapso do n no lugar onde se produziu, e que, de todaforma, podem se consultar igualmente. Dou-lhes como exemplo o caso de uma paciente

    psictica que atendo h anos, que conseguiudesde a infnciasolucionar sua psicosecom uma obesidade e uma fobia. Agora ela faz tratamento justamente por estaobesidade e esta fobia que so absolutamente rgidas mas de fato a mesma

    obesidade e a mesma fobia so o que a sustenta. Neste caso possvel trabalhar sobre asidentificaese lhe vem muito bem, porque pode de algum modo colocar certo limitea uma espcie de empuxo que faz com que cada vez coma mais ou que cada vez possasair menos de sua casa sem que se desencadeie nada, ao contrrio, j que ela estmuito bem sustentada nessas duas patas que so sua fobia e sua obesidade.

    A outra questo o desencadeamento. Desde a perspectiva do paradigma Schreber, cadavez que desencadeia uma psicose h uma irrupo do Um-pai no real, h uma catstrofeno imaginrio, e isto tem que ser algo muito franco, algo muito evidente. Isto levou aque em Buenos Aires acontecesse que muitos casos de psicose fossem considerados

    neurticos, j que no era possvel detectar este desencadeamento franco, descrito emDe uma questo preliminar..., j que no se encontrava esse Um-pai no real, no se

  • 5/26/2018 Cap III-A Estrutura Psicotica e Seu Possivel Tratamento -Nieves Soria Dafunchio

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    encontrava essa catstrofe no imaginrio. Este um problema que foi muito trabalhadono campo freudiano, dando lugar ao texto A Psicose Ordinria.

    Desde a perspectiva borromeana, uma psicose pode no necessariamente ter umdesencadeamento to evidente. Abre-se a perspectiva clnica, o que obriga a uma

    rigorosidade maior na hora de fazer o diagnstico diferencial, j que muitos casos queaparentemente so casos de neurose desde o paradigma Schreber, desde o paradigmaJoyce se verificam como psicose.

    Tenhamos em conta, por outro lado, que a forma de derrubada do imaginrio s prpria do desencadeamento esquizofrnico, porm que em outros tipos dedesencadeamentocomo o parafrnico, o manaco ou o melanclicono costumamosencontrar esses fenmenos elementares que Lacan descreve com tanta preciso noSeminrio 3, j que o que se solta nesses outros tipos clnicos outro registro.

    Depois se encontra a questo da soluo. A metfora delirante passa a ser uma soluoexcepcional, ao alcance de muito poucos e no das mais eficazes. Digo ao alcance demuito poucos porque se vocs levam em conta todo o trabalho de anos que Schreberlevou para poder chegar a uma metfora delirante e o comparam com os resultados dotrabalho (que muitas vezes no querem ter) dos pacientes psicticos que escutamhabitualmente, concordaro comigo em que uma soluo por demais rara. Porm,alm de ser uma soluo excepcional pouco eficaz, j que uma soluo imaginrio-simblica que no toca o real. De fato, Schreber mesmo, no momento da soluo de seudelrio, no momento final do delrio, necessita recorrer a uma prtica de travestismo

    diria para poder de algum modo integrar o real de seu corpo a essa soluo delirante. Eisso o que demonstra que o real fica de fora da soluo: o fato de que todos os diastenha que trabalhar seu corpo frente ao espelho, vestindo-se de mulher.

    Desde o paradigma Joyce no se trata, ento, de propor construir a metfora delirante.No se trata de ajudar o paciente a delirar. Se o paciente delira por sua conta, que o faa,porm a orientao no alentar nem muito menos forar esse tipo de soluo. Com aperspectiva borromeana se abrem como possveis outros recursos, talvez mais eficazesque no se encontravam altura do paradigma Schreber. assim como vai haver muitassolues possveis, que vo fazer justamente com que o tratamento possvel da psicose

    tambm se diversifique. Podemos falar, ento, dos tratamentos possveis.

    Vai ser muito diferente o tratamento de um psictico para outro, segundo que tipo depsicose se trate, de que registro se tenha soltado. No o mesmo como se vai abordarum sujeito que se encontra ante a tarefa de reconstruir o lao imaginrio, ou se se tratade que reconstrua o lao com o real, j que, por outro lado, a via de entrada estruturano a mesma.

    Por exemplo: se a um sujeito se lhe soltou o simblico, no vamos poder entrar pelosimblico no contamos com esse registro vamos ter que entrar seguramente pelo

    imaginrio, ento vamos ter que ter intervenes pelo lado do sentido, pelo lado da

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    consistncia, etc. Mas se a algum se lhe solta o imaginrio, ento, sim, vamos poderentrar pelo simblico, pela escritura, pela letra, etc.

    Com isso, abre muito a perspectiva dos tratamentos.