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7/24/2019 CAP_01Transtorno de Déficit de AtençãoHiperatividade http://slidepdf.com/reader/full/cap01transtorno-de-deficit-de-atencaohiperatividade 1/12 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE 23 ções também foi considerada típica em crianças com disfunções cerebrais mínimas. Todos esses sintomas possuem semelhança notável às descrições de casos que Still (1902) fazia em suas palestras para corro- borar sua hipótese de haver um defeito no controle moral e na inibição volitiva em crianças sem retardo intelectual. Wender teorizou que esses seis domínios de disfunções poderiam ser mais bem explicados por três déficits principais: (1) uma experiência me- nor de prazer e dor, (2) um nível geralmente alto e mal-modulado de ativação e (3) extroversão. Como conseqüência do primeiro déficit, as crianças com disfunções cerebrais mínimas seriam menos sensí- veis a recompensas e punições, tornando-se menos suscetíveis a influências sociais. Acreditava-se que o nível geralmente elevado e mal-modulado de ativa- ção configuraria um aspecto da falta de inibição. A hiperatividade, é claro, era a demonstração consu- mada desse nível elevado de ativação. Os problemas com falta de atenção prolongada e distração eram conjeturados como aspectos secundários da ativa- ção elevada. A reatividade emocional exagerada, a baixa tolerância a frustrações, a propensão à raiva e os ataques temperamentais resultavam da baixa modulação da ativação. Esses três déficits principais, então, criavam uma cascata de efeitos na ecologia so- cial mais ampla dessas crianças, resultando em inú- meros problemas interpessoais e dificuldades com o desempenho escolar. Como Still (1902), Wender atribuía um papel proeminente ao construto da pouca inibição. Ele acreditava que o construto explicava as dificuldades em ativação e os problemas de atenção que ocor- riam por causa dela, assim como a emotividade excessiva, a baixa tolerância a frustrações e o tem- peramento explosivo dessas crianças. Dessa forma, surpreende bastante que a inibição deficiente não tenha sido um sintoma primário nessa teoria, no lugar da ativação elevada e da baixa modulação da ativação. Todavia, ao contrário da tentativa de Still de criar uma teoria, Wender não falou muito sobre os pro- cessos normais de desenvolvimento com relação às três principais áreas de déficit e, assim, não es- clareceu de forma mais precisa o que nelas pode dar errado para dar vazão a essas características das disfunções cerebrais mínimas. A exceção foi sua dis- cussão de uma sensibilidade menor aos processos razoavelmente bem-compreendidos do reforço e da punição. Conforme observado antes, acreditava-se que um patamar acima do normal para o prazer e para a dor criava essas sensibilidades a conseqüên- cias comportamentais. Na perspectiva atual, a teoria de Wender também não é clara sobre diversas questões. Por exemplo, como os três déficits primários explicariam as difi- culdades com a coordenação motora que ocorrem juntamente com a hiperatividade em sua categoria de problemas de controle motor? É questionável que o nível elevado de ativação que se dizia cau- sar a hiperatividade também causasse esses déficits motores. Também não está claro como os déficits de desempenho acadêmico em leitura, matemática e escrita poderiam surgir a partir dos três déficits primários do modelo. Também não está claro por que o construto de extroversão precisou ser sequer proposto, se aquilo que Wender queria dizer com ele era uma inibição social reduzida. Esse modelo pode ser explicado de forma muito parcimoniosa pelo déficit em inibição comportamental já postu- lado. O significado do termo “ativação”, conforme usado por Wender, não é especificado de forma muito clara. Ele se refere ao comportamento exces- sivo, em cujo caso a hiperatividade já seria suficien- te? Ou refere-se ao nível de excitação do SNC, em cujo caso amplas evidências subseqüentes mostra- ram não ser o caso (Hastings e Barkley, 1978; Ro- senthal e Allen, 1978)? Para dar-lhe crédito, Wender reconhecia a natureza abstrata do termo “ativação”, conforme empregou em sua teoria, mas o mante- ve porque acreditava que se pudesse usá-lo para incorporar a hiperatividade e a hipoatividade em crianças. Todavia, nunca ficou claro como isso po- deria se dar. Finalmente, Wender não distinguiu os sintomas de suas conseqüências (comprometimen- tos). Os sintomas seriam as manifestações com- portamentais diretamente associadas ao próprio transtorno, ou a partir deste, como impulsividade, desatenção, distração e hiperatividade. Já as conse- qüências seriam os efeitos desses comportamentos sobre o ambiente social, como conflitos interpes- soais na família, baixo desempenho educacional, rejeição dos colegas e propensão a acidentes, para citar apenas alguns. Com a vantagem de poder olhar para trás, das pesquisas realizadas nas décadas passadas, desde a formulação dessa teoria, também fica evidente que Wender estava combinando os sintomas do TDO (e mesmo do TC) com os do TDAH para formar um único transtorno. Still (1902) fez quase a mesma coisa. É compreensível, pois os casos encaminha- dos para tratamento clínico consistiam no ponto de partida dessas teorias, e muitos desses casos são

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TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE23

ções também foi considerada típica em crianças comdisfunções cerebrais mínimas. Todos esses sintomaspossuem semelhança notável às descrições de casosque Still (1902) fazia em suas palestras para corro-borar sua hipótese de haver um defeito no controle

moral e na inibição volitiva em crianças sem retardointelectual. Wender teorizou que esses seis domínios de

disfunções poderiam ser mais bem explicados portrês déficits principais: (1) uma experiência me-nor de prazer e dor, (2) um nível geralmente alto emal-modulado de ativação e (3) extroversão. Comoconseqüência do primeiro déficit, as crianças comdisfunções cerebrais mínimas seriam menos sensí- veis a recompensas e punições, tornando-se menossuscetíveis a influências sociais. Acreditava-se que onível geralmente elevado e mal-modulado de ativa-ção configuraria um aspecto da falta de inibição. Ahiperatividade, é claro, era a demonstração consu-mada desse nível elevado de ativação. Os problemascom falta de atenção prolongada e distração eramconjeturados como aspectos secundários da ativa-ção elevada. A reatividade emocional exagerada, abaixa tolerância a frustrações, a propensão à raivae os ataques temperamentais resultavam da baixamodulação da ativação. Esses três déficits principais,então, criavam uma cascata de efeitos na ecologia so-

cial mais ampla dessas crianças, resultando em inú-meros problemas interpessoais e dificuldades com odesempenho escolar.

Como Still (1902), Wender atribuía um papelproeminente ao construto da pouca inibição. Eleacreditava que o construto explicava as dificuldadesem ativação e os problemas de atenção que ocor-riam por causa dela, assim como a emotividadeexcessiva, a baixa tolerância a frustrações e o tem-peramento explosivo dessas crianças. Dessa forma,surpreende bastante que a inibição deficiente não

tenha sido um sintoma primário nessa teoria, nolugar da ativação elevada e da baixa modulação daativação.

Todavia, ao contrário da tentativa de Still de criaruma teoria, Wender não falou muito sobre os pro-cessos normais de desenvolvimento com relaçãoàs três principais áreas de déficit e, assim, não es-clareceu de forma mais precisa o que nelas podedar errado para dar vazão a essas características dasdisfunções cerebrais mínimas. A exceção foi sua dis-cussão de uma sensibilidade menor aos processosrazoavelmente bem-compreendidos do reforço e dapunição. Conforme observado antes, acreditava-seque um patamar acima do normal para o prazer e

para a dor criava essas sensibilidades a conseqüên-cias comportamentais.

Na perspectiva atual, a teoria de Wender tambémnão é clara sobre diversas questões. Por exemplo,como os três déficits primários explicariam as difi-

culdades com a coordenação motora que ocorremjuntamente com a hiperatividade em sua categoriade problemas de controle motor? É questionávelque o nível elevado de ativação que se dizia cau-sar a hiperatividade também causasse esses déficitsmotores. Também não está claro como os déficitsde desempenho acadêmico em leitura, matemáticae escrita poderiam surgir a partir dos três déficitsprimários do modelo. Também não está claro porque o construto de extroversão precisou ser sequerproposto, se aquilo que Wender queria dizer com

ele era uma inibição social reduzida. Esse modelopode ser explicado de forma muito parcimoniosapelo déficit em inibição comportamental já postu-lado. O significado do termo “ativação”, conformeusado por Wender, não é especificado de formamuito clara. Ele se refere ao comportamento exces-sivo, em cujo caso a hiperatividade já seria suficien-te? Ou refere-se ao nível de excitação do SNC, emcujo caso amplas evidências subseqüentes mostra-ram não ser o caso (Hastings e Barkley, 1978; Ro-senthal e Allen, 1978)? Para dar-lhe crédito, Wender

reconhecia a natureza abstrata do termo “ativação”,conforme empregou em sua teoria, mas o mante- ve porque acreditava que se pudesse usá-lo paraincorporar a hiperatividade e a hipoatividade emcrianças. Todavia, nunca ficou claro como isso po-deria se dar. Finalmente, Wender não distinguiu ossintomas de suas conseqüências (comprometimen-tos). Os sintomas seriam as manifestações com-portamentais diretamente associadas ao própriotranstorno, ou a partir deste, como impulsividade,desatenção, distração e hiperatividade. Já as conse-qüências seriam os efeitos desses comportamentossobre o ambiente social, como conflitos interpes-soais na família, baixo desempenho educacional,rejeição dos colegas e propensão a acidentes, paracitar apenas alguns.

Com a vantagem de poder olhar para trás, daspesquisas realizadas nas décadas passadas, desde aformulação dessa teoria, também fica evidente que Wender estava combinando os sintomas do TDO (emesmo do TC) com os do TDAH para formar umúnico transtorno. Still (1902) fez quase a mesmacoisa. É compreensível, pois os casos encaminha-dos para tratamento clínico consistiam no pontode partida dessas teorias, e muitos desses casos são

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co-mórbidos para ambos os transtornos (TDAH eTDO). Contudo, posteriormente, acumularam-seevidências suficientes para mostrar que o TDAHe o TDO não são o mesmo transtorno (August eStewart, 1983; Hinshaw, 1987; Stewart, deBlois e

Cummings, 1980).

A emergência dos déficits de atençãoNessa época, desenvolveu-se um desencanta-

mento pelo foco exclusivo na hiperatividade comoa condição sine qua non para esse transtorno (Wer-ry e Sprague, 1970). Acontecimento significativonessa época foi o discurso presidencial de VirginiaDouglas para a Canadian Psychological Association(Douglas, 1972). Ela argumentou que os déficits ematenção prolongada e controle dos impulsos erammais prováveis do que apenas a hiperatividade paraexplicar as dificuldades observadas nessas crianças.Esses outros sintomas também eram consideradosas principais áreas em que os medicamentos esti-mulantes usados para tratar o transtorno causavamimpacto. O artigo de Douglas também teve outrasformas de importância histórica. Sua ampla e de-talhada bateria de medidas objetivas para váriosdomínios comportamentais e cognitivos, que atéentão não havia sido usada em pesquisas sobre oTDAH, permitiu que ela excluísse ou incluísse váriascaracterísticas antes consideradas típicas para essascrianças na tradição clínica e científica. Por exemplo,Douglas verificou que as crianças hiperativas nãotinham necessária e uniformemente mais dificul-dades de leitura ou aprendizagem do que as outrascrianças, não perseveravam em tarefas de aprendi-zagem de conceitos, não manifestavam problemasauditivos ou de discriminação entre esquerda e di-reita e não tinham dificuldades com a memória decurta duração. Mais importante, ela e Susan Camp-bell demonstraram que as crianças com hiperativi-dade nem sempre se distraíam mais do que criançasque não eram hiperativas e que os problemas com aatenção poderiam surgir em condições em que nãohouvesse distrações significativas.

A equipe de pesquisa da Universidade McGilldirigida por Douglas demonstrou repetidamenteque algumas das principais dificuldades das crian-ças hiperativas estavam em testes que avaliavam a vigilância e a atenção prolongada, como o teste dedesempenho contínuo (CPT). Esses resultados seconfirmaram muitas vezes nos 30 anos seguintes depesquisas que usaram esse teste (Corkum e Siegel,1993; Frazier, Demaree e Youngstrom, 2004). Algu-

mas variações do teste foram padronizadas e comer-cializadas para o diagnóstico do transtorno (Con-ners, 1995; Gordon, 1983; Greenberg e Waldman,1992). Douglas comentou o grau extremo de varia-bilidade que essas crianças apresentavam durante

os testes de desempenho – característica que pos-teriormente seria considerada um dos aspectos quedefine o transtorno. A equipe da McGill (Freibergs,1965; Freibergs e Douglas, 1969; Parry e Douglas,1976) também observou que as crianças hiperativastinham níveis normais ou quase normais de atençãoem condições de reforço contínuo e imediato, masque seu desempenho decaía muito com a introdu-ção de reforço parcial, particularmente em protoco-los de reforço abaixo de 50%. Campbell, Douglas eMorgenstern (1971) também demonstraram proble-

mas substanciais com o controle dos impulsos e coma dependência dos estilos cognitivos de crianças hi-perativas. Assim como George Still 70 anos antes,Douglas comentou a associação provável entre défi-cits no controle de impulsos/atenção e deficiênciasno desenvolvimento moral que encontrava em seussujeitos, particularmente nos anos da adolescência. A pesquisa da equipe da McGill demonstrou haverbastantes melhoras nessas deficiências de atençãodurante o tratamento com medicação estimulante,assim como as pesquisas de outros laboratórios da

época (Conners e Rothchild, 1968; Sprague, Barnese Werry, 1970).Por fim, outras observações de grande significân-

cia foram as de uma colega de Douglas, Gabrielle Weiss, em seus estudos de seguimento (ver Weisse Hechtman, 1986): embora a hiperatividade des-sas crianças muitas vezes diminua na adolescência,seus problemas com falta de atenção e impulsivida-de persistem. Em suas próprias investigações de se-guimento, outras equipes de pesquisa (Mendelson, Johnson e Stewart, 1971) identificaram essa persis-tência das deficiências e um risco de maior desajusteacadêmico e social, que foram mais bem substan-ciados pelos estudos rigorosos realizados nas duasdécadas seguintes (ver Barkley, Fischer, Edelbrock eSmallish, 1990; Barkley, Fischer, Smallish e Fletcher,2002; Brown e Borden, 1986; Gittelman, Mannuzza,Shenker e Bonagura, 1985).

O modelo de Douglas paraos déficits de atenção

Douglas (1980a, 1980b, 1983; Douglas e Petters,1979) elaborou, refinou e substanciou seu modeloda hiperatividade, que culminou na visão de que

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ter aumentado nos anos seguintes. Ainda assim, ointeresse público gerado pelos primeiros relatoslevaram a uma investigação no congresso sobre ouso de medicamentos psicotrópicos para criançasem idade escolar. Ao mesmo tempo, alegava-se que

a hiperatividade era um “mito” criado por profes-sores e pais intolerantes e um sistema educacionalinadequado (Conrad, 1975; Schrag e Divoky, 1975).

O ambiente como etiologiaQuase simultaneamente ao ataque contra “dro-

gar” as crianças em idade escolar por problemascomportamentais, houve outro acontecimento sig-nificativo nessa década: a crença crescente de que ahiperatividade era resultado de causas ambientais.Não é apenas coincidência que isso tenha ocorrido

ao mesmo tempo em que os Estados Unidos viamum aumento no interesse popular por alimentos na-turais, consciência da saúde, ampliação da expecta-tiva de vida por meio de manipulações ambientais,teoria psicanalítica e behaviorismo. Visão extrema-mente popular era que as reações tóxicas ou alér-gicas a aditivos alimentares, como corantes, con-servantes e salicilatos (Feingold, 1975), causavamcomportamentos hiperativos. Afirmava-se que maisda metade de todas as crianças hiperativas havia de-senvolvido suas dificuldades por causa de sua dieta.

Poderia-se ter um tratamento efetivo se as famíliasdessas crianças comprassem ou fizessem alimentosque não contivessem as substâncias agressivas. Essa visão se tornou tão disseminada que grupos de paisorganizados ou “associações Feingold”, compos-tas principalmente de pais que defendiam a dietaFeingold, se estabeleceram em quase todos os es-tados norte-americanos, e foi proposta legislação(embora não tenha passado) na Califórnia, exigin-do que todos os alimentos vendidos em bares deescolas fossem preparados sem essas substâncias.Realizou-se um número considerável de pesquisas(ver Conners, 1980, para uma revisão), e as maisrigorosas mostraram que as substâncias tinhampouco ou nenhum efeito sobre o comportamentodas crianças. Em 1980, criou-se um comitê nacional(National Advisory Committee on Hyperkinesis andFood Additives, 1980) para revisar essa bibliografia,que concluiu, com mais firmeza do que Conners,que as evidências existentes claramente refuta- vam as afirmações de Feingold. Entretanto, foramnecessários mais de 10 anos para que essa noçãoperdesse a popularidade e fosse substituída pelahipótese igualmente infundada de que o açúcar re-finado tinha mais responsabilidade pela hiperativi-

dade que os aditivos alimentares (para revisões, verMilich, Wolraich e Lindgren, 1986; Wolraich, Wilsone White, 1995).

Todavia, a ênfase em causas ambientais espalhou-se para outras fontes possíveis além da dieta. Block

(1977) sugeriu a noção vaga de que o avanço tec-nológico e mudanças culturais rápidas resultavamem um “ritmo” mais rápido na sociedade, causandomaior excitação ou estimulação ambiental. Essa exci-tação ou estimulação interagiria com uma predispo-sição para a hiperatividade em certas crianças, fazen-do com que se manifestasse. Acreditava-se que essateoria explicava a incidência aparentemente crescen-te de hiperatividade em culturas desenvolvidas. Rosse Ross (1982) fizeram uma excelente crítica da teo-ria e concluíram que havia evidências insuficientes

em seu favor e algumas que a contradiziam. Poucasevidências sugeriam que a hiperatividade estivessecrescendo em incidência, embora sua identificaçãopudesse estar entre as crianças. Também não haviaevidências de que sua prevalência variava em funçãodo desenvolvimento da sociedade. Pelo contrário,Ross e Ross propuseram que os efeitos culturais so-bre a hiperatividade têm mais a ver com a coerênciaou incoerência de demandas e padrões estabeleci-dos pelas importantes instituições de culturaliza-ção para o comportamento e desenvolvimento dascrianças. Essas visões culturais determinavam o pata-mar de desvio que seria tolerado em crianças, alémde exagerar uma predisposição à hiperatividade emcertas crianças. Culturas consistentes terão menoscrianças diagnosticadas com hiperatividade, pois mi-nimizam as diferenças individuais entre as crianças etêm expectativas e conseqüências claras e coerentespara o comportamento, em conformidade com asnormas esperadas. As culturas inconsistentes, poroutro lado, terão mais crianças diagnosticadas comhiperatividade, pois maximizam ou enfatizam as di-ferenças individuais e têm expectativas e conseqüên-cias ambíguas para as crianças, com relação à condu-ta apropriada. Essa hipótese intrigante ainda não foiestudada, mas, com base nela, pode-se propor umahipótese igualmente instigante em favor dos efeitosopostos das influências culturais: em culturas con-sistentes e muito conformadoras, o comportamentohiperativo pode ser consideravelmente mais comumnas crianças, pois elas não conseguem se conformarcom essas expectativas sociais, ao passo que cultu-ras inconsistentes e pouco conformadoras podemtolerar o comportamento diferente em maior grau,como parte da maior variedade de expressões com-portamentais que estimulam.

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Uma visão ambiental diferente – de que a criaçãoinfantil inadequada e de que o controle inadequadodo comportamento das crianças levam especifica-mente à hiperatividade – foi promovida por escolasde psicologia/psiquiatria em pólos diametralmente

opostos. Psicanalistas (Bettelheim, 1973; Harticollis,1968) e behavioristas (Willis e Louvaas, 1977) pro-mulgaram essa visão, ainda que por razões muito di-ferentes. Os psicanalistas alegavam que os pais quenão tinham tolerância a comportamentos negativosou hiperativos em seus bebês reagiam com respos-tas parentais excessivamente negativas e exigentes,dando vazão a níveis clínicos de hiperatividade. Osbehavioristas enfatizavam o baixo condicionamentode crianças ao controle dos estímulos por meio deordens e instruções que abriam caminho para deso-

bediência e comportamento hiperativo. Ambos osgrupos identificaram as mães como especialmenteimportantes na etiologia dessa conexão causal, eambos tiveram o apoio de estudos que observaramassociações entre interações negativas entre mães efilhos e a continuação da hiperatividade até o final dainfância (Campbell, 1987) e da adolescência (Barkley,Fischer et al., 1990).

Todavia, esses dados correlacionais não compro- vam a causa. Não provam que má criação ou inte-rações negativas entre pais e filhos possam causarhiperatividade; mostram apenas que esses fatoresestão associados à sua persistência. Também podeser que a gravidade da hiperatividade produza res-postas maternas mais negativas, e que essa gravidadeesteja relacionada com a persistência do transtornoao longo do tempo. Em favor dessa interpretação,existem estudos dos efeitos de fármacos estimulan-tes sobre as interações entre as mães e seus filhoshiperativos que mostram que o comportamento ne-gativo e diretivo das mães diminui bastante quandose usa medicação estimulante para reduzir a hipera-tividade dos filhos (Barkley, 1989b; Barkley e Cun-ningham, 1979; Barkley, Karlsson, Pollard e Murphy,1985; Danforth, Barkley e Stokes, 1991). Além disso,estudos de seguimento mostram que o grau de hi-peratividade na infância indica a própria persistênciaainda na infância e na adolescência, separadamentede sua associação com o comportamento materno(Barkley, Fischer et al., 1990; Campbell e Ewing,1990). Devido à sua grande contribuição hereditáriapara o TDAH, também é provável que o comporta-mento mais negativo, impulsivo, emotivo e desaten-to das mães com seus filhos hiperativos ocorra emparte por causa do TDAH das próprias mães – fatorque nunca foi levado em conta na análise desses da-

dos ou na interpretação dos resultados nessa área.Contudo, o contexto familiar ainda se mostraria im-portante para prever o resultado para crianças hipe-rativas, embora o mecanismo de sua ação não tenhasido especificado (Weiss e Hechtman, 1986). Além

disso, o treinamento parental no controle do com-portamento infantil começou a ser cada vez maisrecomendado como terapia importante (Dubey eKaufman, 1978; Pelham, 1977), apesar da ausênciade estudos sobre a sua eficácia na época (Barkley,1989a).

A aprovação da Lei 94-142Outro acontecimento muito significativo foi a

aprovação da Lei 94-142, em 1975, tornando obri-gatórios os serviços de educação especial para difi-

culdades físicas, de aprendizagem e comportamen-tais de crianças, além dos serviços já existentes pararetardo mental (ver Henker e Whalen, 1980, parauma revisão dos precedentes legais que levaram aessa lei). Embora muitas de suas recomendaçõesestivessem previstas na seção 504 da lei de reabili-tação de 1973 (Public Law 93-112), foram os incenti- vos financeiros aos estados, associados à adoção daLei 94-142, que provavelmente tenham estimuladoa sua implementação imediata e ampla por todoseles. Programas para dificuldades de aprendizagem,

perturbações emocionais-comportamentais, trans-tornos da linguagem, deficiências físicas e motorasdeveriam ser proporcionados a todas as crianças ne-cessitadas em todas as escolas públicas dos EstadosUnidos.

O impacto total da ampla disponibilidade des-ses programas de tratamento educacional sobre ascrianças hiperativas ainda não foi completamenteavaliado, por diversas razões. Em primeiro lugar, ahiperatividade, por si só, era omitida nos critériosiniciais para dificuldades comportamentais e deaprendizagem que garantiam o direito a classes es-peciais. As crianças com essas dificuldades em geraltambém precisavam ter outra condição, como umadificuldade de aprendizagem, um atraso na lingua-gem ou um transtorno emocional, a fim de recebe-rem serviços educacionais especiais. É difícil avaliaros efeitos dos recursos educacionais especiais sobrea hiperatividade, devido a essa confusão de trans-tornos múltiplos. Somente depois da aprovação doIDEA em 1990 (e de um memorando subseqüentede 1991), o Departamento de Educação dos Esta-dos Unidos e sua secretaria de educação especialdecidiram reinterpretar essas regulações, permitin-do então que as crianças com TDAH recebessem

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educação especial para o TDAH em si, dentro dacategoria de “outros problemas de saúde” do IDEA.Em segundo lugar, os serviços obrigatórios existiamhavia apenas pouco mais de uma década quandocomeçaram a ser publicados resultados de estudos

de longa duração iniciados no final da década de1970. Esses estudos (p. ex., Barkley, Fischer et al.,1990) sugeriam que mais de 35% das crianças comTDAH tinham algum tipo de colocação educacionalespecial. Embora a disponibilidade desses serviçospareça ter reduzido a porcentagem de crianças comTDAH que repetiam uma série por causa de seusproblemas acadêmicos, em comparação com estu-dos de seguimento anteriores, as taxas de suspen-são e expulsão da escola não diminuíram de formanotável em comparação com as taxas de antes de

1977. Uma análise mais cuidadosa dos efeitos daLei 94-142 e, especialmente, de sua reautorizaçãomais recente como IDEA deve ser feita antes que sepossa julgar a sua eficácia para crianças portadorasde TDAH.

A ascensão da modificação comportamental Essa ênfase crescente em intervenções educa-

cionais para crianças com transtornos do compor-tamento e da aprendizagem foi acompanhada poruma grande quantidade de pesquisas sobre o uso

de técnicas de modificação comportamental nocontrole de comportamentos perturbadores nasala de aula, particularmente como alternativa àmedicação estimulante (Allyon, Layman e Kandel,1975; O’Leary, Pelham, Rosenbaum e Price, 1976).Baseadas em grande parte no uso bem-sucedidocom crianças com retardo mental, as tecnologiascomportamentais foram ampliadas a uma variedadede transtornos da infância – não apenas como trata-mentos potenciais para seus sintomas, mas tambémcomo formulações teóricas sobre suas origens. Em-

bora os estudos tenham demonstrado uma eficáciaconsiderável dessas técnicas no controle de com-portamentos desatentos e hiperativos, elas não ob-tiveram o mesmo grau de melhora comportamentalque os estimulantes (Gittelman-Klein et al., 1976)e, assim, não os substituíram como tratamento deescolha. Entretanto, havia a opinião crescente deque as drogas estimulantes nunca deveriam serusadas como intervenção única, mas combinadascom intervenções de treinamento parental e com-portamentais na sala de aula a fim de proporcionaruma abordagem mais ampla de tratamento para otranstorno.

Desenvolvimentos na avaliaçãoOutro marco dessa época foi a adoção dissemi-

nada das escalas de avaliação para pais e professoresdesenvolvidas por C. Keith Conners (1969), para aavaliação de sintomas de hiperatividade, particular-mente durante estudos de medicação estimulante.Por pelo menos 20 anos, essas escalas simples deitens comportamentais seriam o “padrão de ouro”na avaliação da hiperatividade de crianças para pes-quisas e tratamentos farmacológicos. As escalas tam-bém viriam a ser usadas para monitorar respostas aotratamento durante testes clínicos. Foram coletadosdados normativos de grande escala, em particularpara a escala dos professores, e estudos epidemioló-gicos ao redor do mundo se basearam nessas escalasa fim de avaliar a prevalência da hiperatividade em

suas populações. Seu uso levou a prática do diagnós-tico e avaliação dos efeitos do tratamento da simplesimpressão clínica a um modelo em que se empre-gavam pelo menos algumas medidas estruturadas,semi-objetivas e quantitativas do desvio comporta-mental. Mais adiante, essas escalas foram criticadaspor confundirem hiperatividade com agressividade,questionando se as observações de pesquisas ba-seadas nessas escalas resultavam de característicasopositoras, desafiadoras e hostis (agressivas) da po-pulação ou de sua hiperatividade (Ullman, Sleator e

Sprague, 1984). Todavia, a adoção disseminada dasescalas de avaliação nessa época marca uma viradahistórica no uso de métodos de avaliação quantitati- vos que podem ser testados cientificamente e ajudara determinar os padrões de desenvolvimento e des- vio das normas.

Também significativa durante essa década foi atentativa de estudar o impacto socioecológico docomportamento hiperativo/desatento. Essa linhade pesquisa visava avaliar os efeitos de uma criançacom hiperatividade sobre as interações familiares.

Iniciada originalmente por Campbell (1973, 1975),essa linha de investigação dominou as minhas pró-prias pesquisas na década seguinte (Barkley e Cun-ningham, 1979; Cunningham e Barkley, 1978, 1979;Danforth et al., 1991), em especial as avaliações dosefeitos de medicamentos estimulantes sobre essasinterações sociais. Esses estudos mostraram que ascrianças hiperativas eram muito menos obedien-tes e mais opositoras durante as interações com ospais do que crianças sem hiperatividade, e que suasmães eram mais diretivas, mandonas e negativas doque as de crianças que não eram hiperativas. Essasdificuldades aumentavam substancialmente quando

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a situação mudava de brincadeiras livres para exi-gências de tarefas. Estudos também demonstramque o uso de medicação estimulante resultou emmelhorias significativas na obediência das criançase reduções no controle e diretividade das mães. Si-

multaneamente, Humphries, Kinsbourne e Swanson(1978) relataram efeitos semelhantes de medica-mentos estimulantes, que sugerem que grande par-te do controle e comportamento negativo dos paisera resultado, e não a causa, do baixo autocontrolee desatenção das crianças. Ao mesmo tempo, Carol Whalen e Barbara Henker da Universidade da Cali-fórnia-Irvine demonstraram interações conflitantesparecidas entre crianças hiperativas e seus profes-sores e colegas, assim como efeitos semelhantes demedicamentos estimulantes sobre essas interações

sociais (Whalen e Henker, 1980; Whalen, Henker eDotemoto, 1980). Essa linha de pesquisa cresceusubstancialmente na década seguinte e foi ampliadapor Charles Cunningham e outros, incluindo estu-dos das interações com os colegas e dos efeitos deestimulantes sobre essas interações (Cunningham,Siegel e Oxford, 1985).

O foco na psicofisiologia A década de 1970 também foi notável pelo grande

aumento no número de estudos e pesquisas sobre

a psicofisiologia da hiperatividade em crianças. Fo-ram publicados diversos estudos que mensuravama resposta cutânea galvânica, a aceleração e desace-leração da freqüência cardíaca, vários parâmetros doEEG, eletropupilografia, respostas evocadas médiase outros aspectos da fisiologia. Muitos pesquisadoresinvestigam as evidências de teorias sobre a super ousubexcitação do SNC em teorias da hiperatividadebaseadas em especulações da década de 1950 acercada superestimulação cortical e das idéias de Wendere Douglas (ver discussão anterior) com relação à

excitação anormal no transtorno. A maioria dessesestudos tinha problemas metodológicos sérios, eradifícil de interpretar e contraditória em seus resulta-dos. Duas revisões influentes da época (Hastings eBarkley, 1978; Rosenthal e Allen, 1978) foram muitocríticas à maioria das pesquisas, mas concluíram que,se houvesse qualquer coerência entre os resultados,as crianças hiperativas poderiam apresentar umaresposta eletrofisiológica lenta ou sub-reativa à es-timulação. Essas revisões rejeitaram a crença na su-perestimulação do córtex cerebral como a causa dossintomas na hiperatividade, mas não conseguiramdemonstrar a existência de um mecanismo neuro-

fisiológico específico para a sub-reatividade obser- vada. Possíveis avanços nas contribuições da psico-fisiologia para se entender a hiperatividade aindaesperam por aperfeiçoamentos na instrumentação,na definição e no diagnóstico do transtorno, junta-

mente com avanços na análise computadorizada demedidas eletrofisiológicas.

O interesse emergente pela disfunçãocerebral mínima/hiperatividade em adultos

Finalmente, a década de 1970 deve receber o cré-dito pela emergência do interesse clínico e da pes-quisa pela existência de disfunções cerebrais míni-mas ou hiperatividade em pacientes clínicos adultos.O interesse inicial pela disfunção cerebral mínimaadulta pode ser rastreado ao final da década de 1960,aparentemente como resultado de dois aconteci-mentos. O primeiro foi a publicação de vários estu-dos de seguimento que demonstram a persistênciade sintomas de hiperatividade/disfunções cerebraismínimas até a idade adulta em muitos casos (Men-delson et al., 1971; Menkes, Rowe e Menkes, 1967),e a segunda foi a publicação, por Harticollis (1968),dos resultados de avaliações neuropsicológicas epsiquiátricas de 15 pacientes adolescentes e adultosjovens (idades entre 15 e 25) atendidos na clínicaMenninger. O desempenho neuropsicológico des-

ses pacientes sugeria a existência de lesões cerebraismoderadas. Seu perfil comportamental sugeria mui-tos dos sintomas que Still (1902) identificou inicial-mente nas crianças que estudou, particularmenteimpulsividade, hiperatividade, concretude, instabili-dade de humor e propensão a ter comportamentosagressivos e depressão. Alguns dos pacientes pare-ciam ter apresentado esse comportamento de formauniforme desde a infância. Usando a teoria psicana-lítica, Harticollis especulou que essa condição nasciade um defeito precoce e possivelmente congênito

no aparato do ego, em interação com pais ocupados,ativos e bem-sucedidos.No ano seguinte, Quitkin e Klein (1969) publi-

caram um estudo sobre duas síndromes comporta-mentais em adultos que podem ter relação com asdisfunções cerebrais mínimas. Os autores estudaram105 pacientes do Hospital Hillside em Glen Oaks,Nova York, em busca de sinais comportamentais de“organicidade” (lesão corporal), síndromes com-portamentais que pudessem ser consideradas “in-dicativos” de lesões do SNC e possíveis resultadosde EEGs ou de testes psicológicos ou aspectos dequadros e históricos clínicos que possam diferen-

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ciar esses pacientes de pacientes com outros tiposde psicopatologias adultas. A partir do grupo inicialde 105 pacientes, os autores selecionaram aquelesque tinham um histórico infantil que sugerisse le-sões no SNC, incluindo comportamento hiperativo

e impulsivo precoce. Os sujeitos foram divididos emtrês grupos, com base nos perfis comportamentaisatuais: aqueles que apresentavam comportamentosocial inadequado e retraimento ( n = 12), os quetinham comportamento impulsivo e destrutivo ( n = 19) e um grupo “limítrofe”, que não se encaixavabem nesses outros dois grupos ( n = 11). Os resul-tados indicaram que quase duas vezes mais pacien-tes nesses três grupos do que no grupo-controleapresentaram anormalidades no EEG e limitaçõesem testes psicológicos que indicavam organicidade.

Além disso, o histórico precoce de comportamentohiperativo-impulsivo-desatento foi um forte indi-cativo da colocação do adulto no grupo impulsivo-destrutivo, implicando um curso persistente dessepadrão comportamental da infância à idade adulta.Dos 19 pacientes do grupo impulsivo-destrutivo, 17haviam recebido diagnósticos clínicos de transtor-nos do caráter (tipos emocionalmente instáveis),em comparação com apenas 5 no grupo socialmenteinadequado (que receberam diagnósticos dos tiposesquizóides e passivos dependentes).

Os resultados foram interpretados como con-flitantes com as crenças comuns à época de que ocomportamento hiperativo-impulsivo tende a desa-parecer na adolescência. Em vez disso, os autoresargumentam que algumas dessas crianças continua- vam a ter essa síndrome comportamental específicaaté o começo da idade adulta. Quitkin e Klein (1969)também discordaram da hipótese psicanalítica deHarticollis, de que uma criação perfeccionista e exi-gente por parte dos pais causava ou contribuía paraessa síndrome, pois nem todos os seus pacientesimpulsivos-destrutivos tiveram esse tipo de criação.De acordo com a crença original de Still de que oambiente familiar não poderia explicar a síndrome,os autores levantaram a hipótese “de que esses paisintensificavam a dificuldade, mas não eram necessá-rios para a formação da síndrome impulsiva-destru-tiva” (Quitkin e Klein, 1969, p. 140) e de que “outrosautores podem ter exagerado o papel do ambientepsicossocial de causar a doença” (Quitkin e Klein,1969, p. 141). Acreditava-se na adequação de um tra-tamento com um conjunto bem-estruturado de de-mandas e procedimentos educacionais, assim como

no medicamento fenotiazina.Mais adiante nessa década, Morrison e Minkoff(1975) também argumentavam que o transtorno da

personalidade explosiva ou síndrome do descontro-le episódico da idade adulta pode ser uma seqüelada síndrome de hiperatividade da infância, sugerin-do também que os medicamentos antidepressivospodem ser usados para o seu controle. Isso corro-

bora uma sugestão feita por Huessy (1974), em cartaao editor de um jornal, de que os antidepressivose os estimulantes talvez sejam os melhores medica-mentos para o tratamento de adultos com hiperci-nesia ou disfunções cerebrais mínimas. No entanto,a primeira avaliação realmente científica da eficáciade estimulantes para adultos com disfunções cere-brais mínimas deve ser creditada a Wood, Reimherr, Wender e Johnson (1976), que usaram um métododuplo-cego e controlado com placebo para avaliar aresposta ao metilfenidato em 11 de 15 adultos com

disfunções cerebrais mínimas, seguido por um testeaberto com pemolina (outro estimulante) e com osantidepressivos imipramina e amitriptilina. Os au-tores verificaram que 8 dos 11 indivíduos testadoscom metilfenidato tiveram uma resposta favorável,ao passo que 10 dos 15 testados no teste abertoapresentaram uma resposta positiva aos estimulan-tes ou aos antidepressivos. Nas décadas de 1970 e1980, outros pesquisadores também defenderam aexistência de um equivalente adulto para a hiper-cinesia infantil ou disfunções cerebrais mínimase a eficácia de usar estimulantes e antidepressivospara o seu controle (Gómez, Janowsky, Zetin, Hueye Clopton, 1981; Mann e Greenspan, 1976; Packer,1978; Pontius, 1973; Rybak, 1977; Shelley e Riester,1972). Mesmo assim, não foi até a década de 1990que o público leigo e o campo profissional da psi-quiatria adulta começariam a reconhecer seriamenteo equivalente adulto do TDAH infantil de um modomais amplo e a recomendar tratamento estimulanteou antidepressivo nesses casos (Spencer et al., 1995; Wender, 1995), e, mesmo então, essa visão tinha osseus críticos (Shaffer, 1994).

O trabalho de Pontius (1973) realizado nessa dé-cada é historicamente notável por sua proposiçãode que muitos casos de disfunção cerebral mínimaem adultos que apresentavam comportamento hi-perativo e impulsivo podem ocorrer por disfunçõesdo lobo frontal e do caudado. Essa disfunção leva-ria a “uma incapacidade de construir planos de açãoantes de agir, de criar um objetivo para a ação, demanter esse objetivo em mente por algum tempo(como a idéia principal) e de persegui-lo por açõessob a orientação construtiva desse planejamento”(Pontius, 1973, p. 286). Além disso, se a disfunçãocerebral mínima adulta surge a partir de uma disfun-ção nessa rede frontal-caudado, ela também estaria

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associada à incapacidade de “reprogramar uma ati- vidade e mudar dentro dos princípios de ação sem-pre que necessário” (Pontius, 1973, p. 286, ênfase nooriginal) Pontius também mostrou que, de fato, osadultos com disfunções cerebrais mínimas apresen-

tavam déficits que indicavam disfunções nessa redecerebral. Essas observações se mostrariam bastanteproféticas 20 anos depois, quando as pesquisas de-monstraram o tamanho reduzido da rede pré-fron-tal-caudado em crianças portadoras de TDAH (Cas-tellanos et al., 1996; Filipek et al., 1997) e quando asteorias sobre o TDAH argumentaram que os déficitsneuropsicológicos associados a ela envolviam as fun-ções executivas, como o planejamento, o controledo comportamento por informações representadasmentalmente, o comportamento regrado e a fluên-

cia e flexibilidade da resposta, entre outras (Barkley,1997a, 1997b).

A visão predominante em 1979 A década de 1970 encerrou com a visão predo-

minante de que a hiperatividade não era o único oumais importante déficit comportamental observadoem crianças hiperativas, mas que a pobre capacida-de atencional e o baixo controle de impulsos eramigualmente (senão mais) importantes para explicaros seus problemas. As lesões cerebrais foram relega-das a um papel extremamente pequeno como causado transtorno, pelo menos no campo da hiperati- vidade/disfunção cerebral mínima infantil. Todavia,outros mecanismos cerebrais, como a subexcitaçãoou sub-reatividade, deficiências em neurotransmis-sores (Wender, 1971) ou imaturidade neurológica(Kinsbourne, 1977), eram considerados promisso-res. Surgiram grandes especulações sobre possíveiscausas ou fatores ambientais, particularmente a die-ta e a criação infantil. Assim, as terapias mais reco-mendadas para a hiperatividade não eram apenas osmedicamentos estimulantes, mas programas edu-cacionais amplamente disponíveis, modificação docomportamento na sala de aula, controle alimentar etreinamento parental em habilidades de controle in-fantil. Começava então a emergir uma compreensãomaior dos efeitos das crianças hiperativas sobre a suaecologia social imediata e do impacto da medicaçãoestimulante para alterar esses conflitos sociais.

Entretanto, permanecia a grande discrepância en-tre as visões norte-americana e européia do transtor-no: os profissionais norte-americanos continuavam

a reconhecer o transtorno como mais comum, emnecessidade de medicação e mais provável de serum déficit de atenção, ao passo que os europeus

continuavam a enxergá-lo como incomum, definidopor hiperatividade grave e associado a lesões cere-brais. As crianças que eram diagnosticadas na Amé-rica do Norte como hiperativas ou com déficits deatenção provavelmente seriam diagnosticadas com

TC na Europa, onde o tratamento seria psicoterapia,terapia familiar e treinamento parental em controleinfantil. A medicação seria menosprezada e poucousada. Contudo, a visão de que os déficits de aten-ção eram tão importantes no transtorno quanto ahiperatividade começava a encontrar o seu lugar nastaxonomias européias (p. ex., aClassificação Inter-nacional de Doenças , nona revisão [CID-9], WorldHealth Organization, 1978, publicado pela Artmed).Finalmente, houve um certo reconhecimento nadécada de 1970 de que havia equivalentes adultos

para a hiperatividade ou disfunção cerebral mínimainfantil, que poderiam ser indicativos de disfunçõesfrontal-caudado, e que esses casos respondiam aosmesmos tratamentos farmacológicos que haviamsido sugeridos anteriormente para o TDAH na infân-cia (os estimulantes e antidepressivos).

O PERÍODO DE 1980 A 1989O aumento exponencial em pesquisas sobre a

hiperatividade característico da década de 1970continuou igual na década de 1980, tornando a hi-peratividade o transtorno psiquiátrico infantil maisbem estudado da época. Mais livros foram escritos,conferências realizadas e artigos científicos apre-sentados durante essa década do que em qualqueroutro período histórico anterior. Essa década setornaria conhecida por sua ênfase em tentativas dedesenvolver critérios diagnósticos mais específicos,pela conceituação e diagnóstico diferencial da hipe-ratividade em comparação com outros transtornospsiquiátricos e, mais adiante na mesma década, porataques críticos contra a noção de que a incapacida-de de manter a atenção era o principal déficit com-portamental no TDAH.

A criação de uma síndrome de TDA Um fato que marcou o começo dessa década foi

a publicação do DSM-III (American Psychiatric Asso-ciation, 1980) e sua reconceituação radical (a partirdo DSM-II) do diagnóstico de reação hipercinéticada infância para TDA (com ou sem hiperatividade).

Os critérios para o TDA são apresentados no Quadro1.1. Os novos critérios diagnósticos eram notáveisnão apenas por sua maior ênfase na desatenção e

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impulsividade como aspectos definidores do trans-torno, mas também por sua criação de listas de sin-tomas muito mais específicas, um ponto de corteexplícito para os sintomas, diretrizes específicas paraa idade de início e duração dos sintomas e exigên-cia de exclusão de outras condições psiquiátricasda infância como explicação para os sintomas. Essetambém foi um afastamento radical dos critérios daCID-9 estabelecidos pela Organização Mundial daSaúde (World Health Organization, 1978) em suaprópria taxonomia de transtornos psiquiátricos in-

fantis, que continuava a enfatizar a hiperatividadeglobal como a marca do transtorno.

Ainda mais controversa foi a criação de subtiposde TDA, baseados na presença ou ausência de hi-peratividade (+H/-H), nos critérios do DSM-III. Naépoca em que esses subtipos foram formulados, ha- via poucas pesquisas empíricas sobre essa questão.Sua criação na nomenclatura oficial dos transtornospsiquiátricos, no final da década de 1980, deu inícioa numerosos estudos e pesquisas sobre sua existên-cia, validade e utilidade, juntamente com a busca

QUADRO 1.1 Critérios diagnósticos do DSM-III para transtorno de déficit de atenção com esem hiperatividade

A criança apresenta, para sua idade mental e cronológica, sinais de desatenção, impulsividade e hiperatividade inadequadosa seu nível de desenvolvimento. Os sinais devem ser relatados por adultos do ambiente da criança, como pais e professores.Como os sintomas geralmente são variáveis, podem não ser observados diretamente pelo clínico. Quando os relatos de pro-fessores e pais são conflitantes, deve-se considerar primeiramente os relatos do professor por causa de sua maior familiarida-de com as normas adequadas à idade. Os sintomas geralmente pioram em situações que exigem aplicação pessoal, como nasala de aula. Os sinais do transtorno podem estar ausentes quando a criança se encontrar em uma situação nova ou em umasituação em que esteja só ela e um avaliador.

O número de sintomas especificados é, para crianças entre as idades de 8 e 10 anos, a idade máxima de encaminhamen-to. Em crianças menores, formas mais graves dos sintomas e um número maior destes geralmente estão presentes. O opostoé verdadeiro para crianças maiores.

A. Desatenção . Pelo menos três dos seguintes:com freqüência não consegue terminar tarefas que começa( 1 )com freqüência parece não escutar( 2 )distrai-se facilmente( 3 )tem dificuldade para se concentrar em trabalhos escolares ou outras tarefas que exijam atenção prolongada( 4 )tem dificuldade para se ater a uma atividade lúdica( 5 )

B. Impulsividade. Pelo menos três dos seguintes sintomas:com freqüência age antes de pensar( 6 )muda excessivamente de uma atividade para outra( 7 )tem dificuldade para organizar o trabalho (isso não se deve a limitações cognitivas)( 8 )precisa de muita supervisão( 9 )fala com freqüência na classe( 10 )tem dificuldade para esperar a sua vez em jogos ou situações de grupo( 11 )

C. Hiperatividade. Pelo menos dois dos seguintes sintomas:corre ou escala objetos excessivamente( 12 )tem dificuldade para ficar sentado ou se mexe excessivamente( 13 )tem dificuldade para permanecer sentado( 14 )mexe-se excessivamente durante o sono( 15 )sempre está “saindo” ou age como se “movido por um motor”( 16 )

Início antes dos 7 anos.D.

Duração de pelo menos seis meses.E.

Não se deve a esquizofrenia, transtorno afetivo, ou retardo mental grave ou profundo.F.

Nota : Os critérios apresentados são para transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Todas as características do transtorno de déficitde atenção sem hiperatividade são as mesmas, exceto pela ausência de hiperatividade (critério C). American Psychiatric Association (1980).Copyright 1980 da American Psychiatric Association. Reimpresso sob permissão.

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de outras maneiras potencialmente úteis de subti-par o TDA (disseminação situacional, presença deagressividade, resposta a drogas estimulantes, etc.).Embora os resultados às vezes fossem conflitantes,a tendência nesses estudos era de que as crianças

com TDA –H fossem diferentes de crianças com TDA+H em alguns domínios importantes da adaptaçãoatual. As crianças com TDA –H eram caracterizadascomo mais sonhadoras, hipoativas, letárgicas e defi-cientes em realizações acadêmicas, mas substancial-mente menos agressivas e menos rejeitadas por seuscolegas (Barkley, Grodzinsky e DuPaul, 1992; Carl-son, 1986; Goodyear e Hynd, 1992; Lahey e Carlson,1992). Infelizmente, essas pesquisas chegaram tardedemais para que fossem consideradas na revisãosubseqüente do DSM-III.

Nessa revisão (DSM-III-R, American Psychiatric Association, 1987), cujos critérios são apresentadosno Quadro 1.2, somente foram estipulados os crité-

rios diagnósticos para TDA +H (agora renomeadoTDAH; ver “O TDA se torna TDAH”, a seguir). O TDA –H não era mais reconhecido oficialmente como umsubtipo do TDA, mas foi relegado a uma categoriacom pouca definição, o TDA indiferenciado. Essa re-

organização estava associada a uma advertência deque muito mais pesquisas sobre a utilidade dessaabordagem de subtipagem seriam necessárias antesque se pudesse identificar seu lugar na taxonomia. Apesar da controvérsia que surgiu sobre esse rebaixa-mento do TDA –H, foi um gesto prudente por partedo comitê criado para formular os critérios. Na épo-ca, o comitê (no qual trabalhei) tinha poucas pesqui-sas disponíveis para orientar suas deliberações sobrea questão. Simplesmente, não havia nenhum indica-tivo de o TDA –H ter um tipo semelhante ou quali-

tativamente diferente de déficit de atenção que fariadele um transtorno psiquiátrico da infância distinto.Em vez de simplesmente continuar a conjeturar so-

QUADRO 1.2 Critérios diagnósticos do DSM-III-R para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade

Uma perturbação de pelo menos seis meses, durante os quais pelo menos oito dos seguintes critérios estejam presentes: A.mexe com as mãos ou pés ou agita-se no assento (em adolescentes, pode se limitar a sentimentos subjetivos de( 1 )inquietação)tem dificuldade para permanecer sentado quando lhe pedem( 2 )distrai-se facilmente com estímulos externos( 3 )

tem dificuldade para esperar a vez em jogos ou situações de grupo( 4 ) freqüentemente responde questões antes de serem concluídas( 5 )tem dificuldade para seguir instruções de outras pessoas (não devida a comportamento de oposição ou falta de( 6 )compreensão), p. ex., não termina deverestem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas( 7 )muda com freqüência de uma atividade para outra( 8 )tem dificuldade para brincar em silêncio( 9 )costuma falar excessivamente( 10 )costuma interromper os outros, p. ex., metendo-se nos jogos de outras crianças( 11 )parece não ouvir o que está sendo dito( 12 )perde itens necessários para tarefas ou atividades na escola ou em casa (p. ex., brinquedos, lápis, livros, tarefas)( 13 )muitas vezes envolve-se em atividades fisicamente perigosas sem considerar as conseqüências possíveis (não para( 14 )

o propósito de buscar emoção)

Obs.: Os itens anteriores são listados em ordem descendente de poder discriminatório, com base nos dados de um teste decampo nacional sobre os critérios do DSM-III-R para transtornos comportamentais diruptivos.

Início antes dos 7 anos.B.

Não satisfaz os critérios para transtorno global do desenvolvimento.C.

Critérios para gravidade do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade:Leve: há poucos ou nenhum sintoma além dos exigidos para o diagnóstico e apenas comprometimentos mínimos ou nenhumno funcionamento escolar e social.

Moderado: há sintomas ou comprometimentos funcionais intermediários entre “leve” e “grave”.Grave: há muitos sintomas além dos exigidos para fazer o diagnóstico, bem como comprometimentos globais do funciona-mento em casa e na escola e com os amigos.

Nota : American Psychiatric Association (1987). Copyright 1987 American Psychiatric Association. Reimpresso sob permissão.

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bre a natureza do subtipo e sobre como ele deveriaser diagnosticado, o comitê suspendeu o conceitotemporariamente até que houvesse mais pesquisaspara o comitê que o sucedesse orientar a sua defi-nição. Algo notável na construção do DSM-III-R foi a

ênfase na validação empírica de seus critérios diag-nósticos por meio de um teste de campo, que orien-tasse a seleção de itens para a lista de sintomas e oponto de corte recomendado naquela lista (Spitzer,Davies e Barkley, 1990).

O desenvolvimento de critériosdiagnósticos de pesquisa

Ao mesmo tempo em que os critérios do DSM-IIIpara o TDA +H e o TDA –H ganhavam reconheci-mento, outros pesquisadores tentavam especificarcritérios diagnósticos de pesquisa (Barkley, 1982;Loney, 1983). Minhas próprias iniciativas nesse senti-do foram motivadas pela abordagem bastante idios-sincrática e variável de diagnóstico que vinha sendousada na prática clínica até aquela época, pelos cri-térios vagos ou pouco especificados usados nos es-tudos publicados e pela falta de especificidade nostextos teóricos sobre o transtorno até 1980. Tambémhouve a consideração mais pragmática de que, comoum jovem cientista que tentava selecionar criançashiperativas para pesquisas, eu não tinha critériosoperacionais ou consensuais disponíveis para tal.Portanto, criei uma definição mais operacional dahiperatividade, ou TDA +H. Essa definição não ape-nas exigia as queixas usuais dos pais e professoressobre a desatenção, impulsividade e atividade exage-rada, como também estipulava que esses sintomasdeviam: (1) ser inadequados para a idade mental dacriança, conforme mensurados por escalas padroni-zadas de avaliação do comportamento infantil; (2)ser relativamente globais dentro da jurisdição dosprincipais cuidadores na vida da criança (pais/casa eprofessores/escola); (3) ter se desenvolvido até os 6anos; (4) ter durado pelo menos 12 meses (Barkley,1982).

De maneira concomitante, Loney (1983) e seuscolegas haviam começado uma série de estudos his-toricamente importantes que diferenciariam os sin-tomas da hiperatividade ou TDA +H dos da agressi- vidade ou problemas de conduta (Loney, Langhornee Paternite, 1978; Loney e Milich, 1982). Após usaruma abordagem científica/estatística para desen- volver critérios diagnósticos de pesquisa, Loney de-

monstrou que uma lista relativamente curta de sinto-mas de hiperatividade poderia ser separada de modocientífico de uma lista também curta de sintomas de

agressividade. Pontos de corte derivados cientifica-mente para essas avaliações de sintomas, que seriamfeitas pelos professores, poderiam criar esses doisconstrutos semi-independentes. Esses construtos semostraram bastante úteis para explicar grande parte

da heterogeneidade e discordância entre os estudos.Entre outras coisas, estabeleceu-se que muitas dasconseqüências negativas da hiperatividade na ado-lescência e na idade adulta na verdade se deviamà presença e ao grau de agressividade co-existentecom a hiperatividade. As crianças puramente hipera-tivas demonstraram ter problemas cognitivos subs-tanciais com a atenção e a atividade exagerada, aopasso que as crianças puramente agressivas não. Ob-servações anteriores de psicopatologias familiaresmaiores em crianças hiperativas também mostraram

ser função principalmente do grau de agressividadeou transtornos da conduta coexistentes nas crianças(August e Stewart, 1983; Lahey et al., 1988). Alémdisso, a hiperatividade foi associada a sinais de retar-dos neurológicos e de desenvolvimento ou imaturi-dade, ao passo que a agressividade era mais provávelde ser associada a desvantagens ambientais e disfun-ções familiares (Hinshaw, 1987; Milich e Loney, 1979;Paternite e Loney, 1980; Rutter, 1989; Werry, 1988; Weiss e Hechtman, 1986). A necessidade de estudosfuturos para especificar com clareza a formação desuas amostras ao longo dessas duas dimensões ha- via ficado óbvia, e o debate acirrado com relação àhiperatividade ser separada ou simplesmente umsinônimo de problemas da conduta foi resolvidopela importante descoberta da semi-independênciadessas duas dimensões comportamentais e seus di-ferentes correlatos (Ross e Ross, 1982). Essas des-cobertas também levaram ao fim do uso comumdo Índice de Hiperatividade de 10 itens de Connerspara identificar crianças como hiperativas. Mostrou-se que muitos desses itens na verdade avaliavam aagressividade em vez da hiperatividade, resultandoem amostras de crianças com transtornos mistos(Ullmann et al., 1984).

O movimento louvável rumo a uma maior clare-za, especificidade e definição operacional de crité-rios diagnósticos continuaria ao longo dessa década,com pressão exercida dentro do campo por especia-listas (Quay, 1988a; Rutter, 1983, 1989; Werry, 1988)para demonstrar que os sintomas do TDAH pode-riam distingui-lo de outros transtornos psiquiátricosda infância – um teste crucial para a validade de umaentidade diagnóstica –em vez de continuar simples-mente a demonstrar diferenças para com a popula-ção sem o transtorno. O desafio não seria cumpridocom facilidade. Eric Taylor (1986) e seus colegas na