Cap11

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11..,POEMA PEDAGGICO13311.Lricatos resfriados. Comportadamente sentados em bancos e cercas, com as mos entre os joelhos, eles examinavam objetos muito acima do seu campo de viso, como telhados, cumes de rvores, o firmamento.Eu compartilho a sua perplexidade infantil, compreendo a sua melancolia - a tristeza de pessoas que nutrem um respeito total pela justia. Concordo com Toska Soloviv: a troco de que Matvi Bielkhin no estar amanh na colnia? Ser que no era possvel zar a vida mais sensatamente, para que Matvi no fosse embora, e no casse sobre Toska essa grande dor, irremedivel e injusta? E seria o Toska o nico que Matvi abandonava, e era Matvi o nico que ia embora?Partem: Burn, Karabnov, Zadrov, Krinik, Vierchniv, Glos, Nstia Notchvnaia, e cada um dxa dzias de pequenas razes; e Matvi, Semin e Burn so homens de verdade, to deliciosos de serem imitados, e sem os quais ser preciso recomear a vida desde o princpio. .No eram s estes os sentimentos que acabrunhavam a colnia. Tambm para mim, e para cada colonista, era evidente que a colnia fora colocada num cadafalso e que sobre ela se erguia um pesado machado, para decapit-Ia.Os prprios rabfakianos tinham o aspecto de quem est sendo preparado para ser oferecido em sacrifcio a "muitos deuses da necessidade e do destino". Karabnov no saa do meu lado, sorria e dizia:- A vida feita dum jeito que nunca est tudo certo. Ir para o rabfak, isto uma felicidade, pode-se dizer como um sonho realizado, sabe l o diabo. Mas, na realidade, talvez nem seja assim. Pode at ser que a nossa felicidade esteja acabando aqui e agora, porque d pena deixar a colnia, tanta pena... Se ningum estivesse vendo, eu levantava a cabea e uivava, ai, como eu ia uivar... quem sabe assim me aliviava um pouco. No h verdade no mundo.Do canto do gabinete, Vierchniv nos fita com um olhar irado:- A verdade uma s: gente.- Falou! - ri Karabnov. - E tu, como , j procuraste a verdade entre os gatos?- Nnnno, no se trata disso... se trata, que-a gente tem que ser boa, seno, vvvai pro diabo qualquer vvverdade. Se oPouco depois do casamento de lga, desabou sobre ns uma calamidade h muito aguardada: chegara a hora de nos despedirmos dos colonistas que iam estudar no rabfak. Embora falssemos do rabfak ainda desde os velhos tempos, e se preparassem para o rabfak todos os dias; embora no sonhssemos com coisa alguma mais do que em termos "rabfakianos" prprios, e no obstante tudo isso fosse uma coisa alegre e triunfante, chegou o dia das despedidas, e todos sentiram um aperto no corao. Lgrimas assomaram aos olhos, e deu medo: era a colnia, ela vivia, trabalhava, ria, e agora de repente alguns se dispersavam, e era como se ningum esperasse por isso. Eu tambm acordei naquele dia com uma opressiva sensao de perda e inquietude.Aps o desjejum, todos puseram roupas limpas, prepa. raram no jardim mesas festivas, no meu gabinete, a brigada da bandeira retirava o estandarte do seu forro, e os tocadores penduravam os tambores nas suas barrigas. Mas todos esses sinais de festa no conseguiam apagar as chamas da tristeza.Os olhos azuis de Ldochka desde cedo estavam vermelhos de chorar, as garotas soluavam francamente nas suas camas, e lekaterna Grigrievna as consolava inutilmente, mesmo porque ela prpria mal conseguia conter a emoo. Os rapazes estavam srios e silenciosos, Lpot parecia um homem taciturno, os pequenos, postados em linhas desusadamente severas, pareciam pardais sobre arames, e nunca eles tiveram tan- 134A. S. MAKARENKOsujeito for um canalha, sabe, ele vai perturbar mesmo no socialismo, isto eu compreendi hoje.Olhei atentamente para Nikoli:- Por que hoje?- Porque hoje, as ppppessoas esto como no espelho. E eu no sei, tudo era trabalho, e cada dia era... assim, de trabalho, e tudo mais. Mas hoje que se vvvv. Gorki escreveu certo, eu no entendi antes, isto , entendi mas no dei importncia: ser gente, um homem. Isto no para qualquer canalha. verdade: existem quaisquer pessoas, mas existem tambm homens-gente.Com palavras como essas os rabfakianos encobriam seus ferimentos frescos, ao deixarem a colnia. Mas eles sofriam menos que ns, porque na frente deles brilhava o luminoso rabfak, enquanto diante de ns no havia nada de luminoso.Na vspera, os educadores reuniram-se ao anoitecer diante da minha porta, em p ou sentados no degrau da soleira, apertando-se uns contra os outros, tmidos e pensativos. A colnia dormia na noite tpida, quieta, estrelada. O mundo me parecia um maravilhoso xarope de complexssima composio: saboroso, empolgante, mas no d para entender do que feito, no se sabe que nojeiras esto diludas nele. Em momentos assim o homem atacado por besourinhos filosficos, e quer compreender bem depressa as coisas e os problemas incompreensveis. E se amanh partem "para sempre" os seus amigos, que ele arrancou com certa dificuldade da inexistncia social, neste caso o homem tambm levanta os olhos para o firmamento sereno e se cala, e por momentos lhe parece que os lamos, tlias, salgueiros prximos lhe sugerem sussurrando as solues corretas do problema.Assim tambm ns, em grupo impotente, cada um por si e todos juntos, pensvamos calados, escutvamos o sussurrar das rvores e mirvamos os olhos das estrelas. Assim se comportam os selvagens aps uma caada fracassada.Eu pensava junto com todos os outros. Naquela noite, a noite da minha primeira verdadeira "licenciatura", pensei uma poro de tolices. Na poca, no falei a ningum a respeito delas; aos meus colegas, parecia que eram s eles que fraquejavam, mas que eu estava firme como um carvalho, inabalvel e cheio de fora. Eles provavelmente at sentiam vergonha de demonstrar fraqueza na minha presena.--- .TPOEMA PEDAGGICO13~Eu pensava que a minha vida era dura como a de um forado e injusta. Que eu sacrificara a melhor parte da minh~ vida s para que meia dzia de "contraventores" pudessem ingressar no rabfak, que no rabfak e na cidade eles estarc expostos a novas influncias, fora do meu controle, e quem sabe como tudo isso terminar. Quem sabe todo o meu traba.lho e sacrifcio resultaro simplesmente num intil cogulo dt:energia infrutiferamente desperdiada? . . .E eu pensava tambm outra coisa: por que tamanha injustia? . .. Pois se eu realizei uma boa obra,. uma coisa que mil vezes mais difcil que cantar uma romana numa festa de clube, at mais difcil que desempenhar um papel numa boa pea, mesmo que no no Teatro de Arte de Moscou... Por que ali os artistas so aplaudidos por centenas de pessoas, por que os artistas voltaro para casa com a sensao da ateno e da gratido humanas, e por que eu fico, na escurido da noite, angustiado, enfurnado numa colnia perdida entre os campos, por que no me aplaudem ao menos os habitantes de Gontcharvka? Pior ainda: volta e meia me vem ao pensamento que gastei com o "dote" dos rabfakianos a quantia de mil rublos, que tais despesas no esto previstas em nenhum oramento, que o inspetor do Departamento de Finanas, quando eu o procurei com a requisio, me fitou seca e reprovadoramente e disse:- Se tem vontade, pode gastar, mas tenha em mente que a despesa garantida pelo seu salrio.Sorri ao lembrar-me dessa conversa. No meu crebro imediatamente comeou a funcionar toda uma instituio:num dos gabinetes, algum muito esquentado compunha uma terrvel filpica contra o inspetor, no compartimento contguo algum desabusado disse alto: "No ligue!", e ao lado, curvado sobre as mesas, uma ral subserviente calculava em quantos meses ser preciso descontar-me os mil rublos. Essa instituio trabalhava conscienciosamente, apesar de no meu crebro trabalharem tambm outras instituies. No prdio vizinho tinha lugar uma sesso solene: no palco sentavam-se nossos educadores e rabfakianos, uma orquestra de cem instrumentos trovejava a Internacional, e um sbio pedagogo pronunciava um discurso.Pude sorrir de novo: o que de aproveitvel podia dizer o sbio pedagogo? Ser que ele viu Karabnov de pistola na mo,~136POEMA PEDAGGICO137A. S. MAKARENKO\assaltante na grande estrada, ou Burn no beiral duma janela alheia, Burn o "fenestrista", cujos amigos foram fuzilados nos parapeitos das janelas? Ele no os viu.- Em que pensa o tempo todo? - pergunta-me lekaterna Grigrievna. - Pensa e sorri?- Estou numa sesso solene - respondo.- D para perceber. Mas diga-nos, entretanto, como ficaremos agora sem o ncleo?- Ah, eis aqui um novo departamento da futura cincia pedaggica: o departamento do ncleo.- Que departamento?- Estou falando do ncleo. Se houver coletivo, haver ncleo.- Depende da espcie de ncleo. - Um assim, como ns precisamos. E preciso ter uma opinio melhor sobre o nosso coletivo, lekaterna Grigrievna.Ns aqui nos preocupamos com o ncleo, mas o coletivo j destacou um ncleo e a senhora nem percebeu. Um bom ncleo se multiplica pela diviso, anote isso no seu bloco, para a futura cincia da educao.- Est bem, vou anotar - assente cordata lekaterna Grigrievna.No dia seguinte, todo o corpo educacional no demonstrava quaisquer emoes e a solenidade teve lugar numa atmosfera severamente oficial. Eu no queria agravar o estado de esprito e atuava como num palco, representava um homem jubiloso a festejar a realizao dos seus melhores desejos.Ao meio-dia, almoamos nas mesas festivas e, surpreendentemente, rimos muito. Lpot representava em personagens o que acontecer com os nossos rabfakianos dentro de uns sete, oito anos. Mostrava como morre tuberculoso o engenheiro Zadrov, e junto ao seu leito os mdicos Burn e Vierchniv repartem os honorrios recebidos; chega o msico Krinik e pede o pagamento antecipado pela marcha fnebre, seno ele no vai tocar. Mas nas nossas risadas e nas brincadeiras de Lpot destacava-se em primeiro plano no uma alegria autntica e viva, mas uma vontade bem dominada.- A As tres horas, entramos em formao e trouxemos as bandeiras. Os rabfakianos ocuparam os lugares no flanco di-reito. Antn chegou da cocheira, guiando Molodits, e os garotos carregaram a carroa com as bagagens dos que partiam.A ordem foi dada, rufam os tambores, e a coluna marchou para a estao. Meia hora depois, samos das areias fofas do Kolomk e subimos aliviados para o capim mido e forte de um amplo caminho pelo qual passavam antigamente trtaros e cossacos do Dniper. Os tambores aprumaram as costas, e os bastes nas suas mos danaram mais alegres e graciosos.- Aprumar-se, cabeas altas! - exigi eu, severo.Karabnov, em pleno movimento e sem falsear o p, voltou-se e descobriu um raro talento: num simples sorriso, ele me mostrou o seu orgulho, e alegria, e amor, e a confiana em si mesmo, em sua formosa vida futura. Zadrov, marchando ao seu lado, compreendeu imediatamente o seu movimento, apressou-se como sempre a disfarar a emoo, apenas faiscou os olhos vivos pelo horizonte e levantou a cabea para o topo do mastro da bandeira. E de repente Karabnov entoou bem alto uma cano briosa:"Estende-te, tapete, baixinho, Achega-te, cossaco, pertinho" .As fileiras, animadas, entraram em coro. Minha alma sentiu-se como no primeiro de maio na praa. Percebi claramente que eu e os colonistas tnhamos a mesma sensao: de repente tudo ficou importante, sublinhado o principal: a Colnia Gorki despede os seus primeiros "graduados". Em sua honra tremula o estandarte de seda, e rufam os tambores, e baloua harmoniosamente a coluna em marcha, e o Sol, corado de alegria, cede o caminho, recuando para o poente, como que cantando conosco uma boa, uma astuta cano, na qual por fora aparece um cossaco apaixonado, mas, de fato, um destacamento de rabfakianos que parte para Khrkov, por ordem de ontem do conselho de comandantes, "o stimo destacamento misto sob o comando de Alexandr Zadrov".Os rapazes cantavam com deleite e me espiavam de soslaio:estavam contentes por eu tambm me alegrar com eles.Atrs de ns h muito se erguia uma coluna de poeira, e logo reconhecemos o cavaleiro: era lia V ronova.Ela saltou do cavalo e me ofereceu:- Monte. A sela boa, de cossaco. E eu que quase me atrasei!-I"'"138POEMA PEDAGGICO139A. S. MAKARENKOE que general sou eu? - falei. - Que monte o Lpot, ele agora um SCC. * - Correto - disse Lpot e, encarapitando-se no cavalo, saiu frente da coluna, de mo na cintura e cofiando um bigode inexistente.Foi preciso dar ordem de "descansar", porque lga precisava falar e tambm Lpot fazia os colonistas rirem demais.Na estao, o ambiente era solene-tristonho e alegre-despreocupado. Os estudantes subiam nos vages e olhavam orgulhosos para a nossa formao e para o pblico emocionado com a nossa chegada.Depois do segundo sinal, Lpot fez um breve discurso:- Olhem l, filhotes, no nos envergonhem. Shrka, segure eles na rdea curta. E no esqueam de entregar este vago a um museu, com uma inscrio assim: neste vago seguiu para o rabfak Semin Karabn.Voltamos para casa pelos campos, por picadas estreitas, passarelas, valetas e arroios que era preciso atravessar pulando. Por isso os rapazes se juntaram em grupinhos de amigos, e, ao lusco-fusco, abriam-se mutuamente os coraes, expondo-os sem qualquer gabolice. Gud falou:- Pois eu no vou para nenhum rabfak. Vou ser sapateiro e fazer boas botas. Ser que isto pior? No, no pior.Mas pena que os rapazes foram embora, no uma pena?Nodoso e slido nas suas pernas tortas, Kudlti olhou severo para Gud:- De ti, mesmo um sapateiro sair ruim. Na semana passada me pregaste um remendo, e noite ele j tinha cado.Um sapateiro desses, pra falar verdade, pior que um mdico. Mas um bom sapateiro pode ser at melhor que um doutor. noite, na colnia, reinava um silncio fatigado. Somente logo antes do toque de recolher chegou o comandanteplanto Ossdchi, trazendo Gud, embriagado. Alis, ele estava menos bbado que lrico e carinhoso. Sem dar ateno para a indignao generalizada, Gud, parado na minha frente, falava em voz mansa, olhando para o meu tinteiro:- Eu bebi, porque assim era preciso. Sou um sapateiro, mas tenho uma alma, no tenho? Tenho. Se tantos rapazes se foram para sabe l o diabo onde, e Zadrov tambm, eu posso suportar isso assim? Eu no posso suportar isso. Fui e bebi, com o dinheiro que eu mesmo ganhei. No consertei as solas do moleiro? Consertei. Foi o meu dinheiro que eu gastei pra beber.Esfaqueei algum? Ofendi? Mexi com alguma menina? No mexi. E aquele ali berra, vamos ao Antn! Ento vamos. E quem esse Antn? Antn... quer dizer que o senhor, Antn Seminitch? E quem ele? Uma fera? No, no uma fera.Ser que ele um homem assim... violento? No, no violento. Ento, que que tem? Eu vim. ordens! Aqui est, diante do senhor, Gud, um mau sapateiro.- Tu podes escutar o que eu vou dizer?- Posso. Posso escutar o que o senhor vai dizer.- Ento, escuta. Fazer botas, uma coisa necessria, uma coisa boa. Tu sers um bom sapateiro, e sers diretor de fbrica de calados, mas somente se deixares de beber, se no beberes.- Sim, mas e quando se vo embora tantos de ns?- D no mesmo.- Quer dizer ento que eu fiz mal em beber, acha o senhor?- Fez mal.- No d para consertar mais? - Gud deixou pender a cabea. - Ento me castigue.- Vai dormir, no vou te punir desta vez.- Eu no disse? - falou Gud aos circunstantes, mediuos com um olhar de desprezo e bateu continncia maneira colonista:- Entendido, ir dormir.Lpot tomou-o pela mo e levou-o cuidadosamente para o dormitrio, como se fosse uma concentrao da tristeza colonista.Meia hora mais tarde, no meu gabinete, Kudlti comeou a distribuio dos sapatos para o outono. Ele tirava da caixa, amorosamente, os sapatos novos, fazendo os colonistas . passarem por destacamentos, segundo a sua lista. Freqentemente algum gritava da porta:- Quando que vais troc-Ios? Estes aqui esto apertados.(*) Secretrio do Conselho de Comandantes. (N. T.)140A. S. MAKARENKOKudlti respondia, respondia, depois ficou bravo:- Mas eu j falei vinte vezes, no vou trocar nada hoje, vou trocar amanh. Mas que cabeudos!Sentado minha mesa, um fatigado Lpot aperta os olhos e diz a Kudlti:- Camaradas, sejam mutuamente corteses para com os compradores.12.OutonoNovamente se aproximava o inverno. Em outubro, cobrimos os interminveis brti* de beterrabas, e Lpot props no conselho de comandantes:- Deciso: suspiro de alvio.Os brti eram umas valas compridas e fundas, de uns vinte metros cada. Shere preparara para o inverno mais de uma dezena dessas valas, e ainda afirmava que isso era pouco, que era preciso gastar a beterraba com muita precauo.As beterrabas tinham de ser arrumadas nas valas c,om tanto cuidado, como se fossem aparelhos de tica. Shere era capaz de ficar em cima do destacamento misto at o anoitecer, insistindo:- Por favor, camaradas, no as joguem assim, peo encarecidamente. No esqueam: se jogarem com fora e machuc~rem uma s beterrabinha, nesse lugar se instalar uma gangrena, e da ela vai comear a apodrecer e esse apodrecimento se estender por toda a burt. Por favor, camaradas, mais cuidado.Cansados da monotonia do trabalho "beterrabal", os colonistas no perdiam ocasio de aproveitar o tema indicado por Shere, para descansar e se divertir um pouco. Eles esco-(*) Burt: monte de hortalias coberto de palha, em camadas, para defesa contra o gelo; plural: brti. (N. T.)