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Capítulo I O “campo” do movimento LGBT em Campinas e as disputas políticas locais O primeiro coletivo político de que se tem notícia a discutir a homossexualidade em Campinas, o grupo Expressão, surgiu em 1995. Período denominado por Facchini (2005) de “terceira onda” do movimento LGBT brasileiro, marcado pela institucionalização dos movimentos sociais e pela maior relação com Estado, principalmente no que diz respeito à promoção e avaliação de políticas públicas. O grupo em questão era responsável pela edição de um jornal, “O Babado”, que circulava, principalmente, nos espaços de sociabilidade homossexual da cidade. Em 1998, a partir de uma cisão interna do Expressão, surge o grupo Identidade, o grupo ativista LGBT mais antigo em atividade de Campinas. Divisões posteriores do Identidade deram início a três outros grupos da cidade: Mo.Le.Ca. (Movimento Lésbico de Campinas); E-Jovem, uma rede jovem LGBT presente em diversos estados brasileiros; e o Aos Brados!!, grupo ativista LGBT que discute questões ligadas à periferia e à negritude. O objetivo deste capítulo é apresentar a trajetória dos grupos ativistas LGBT de Campinas, enfatizando seu surgimento a partir do Identidade e os motivos que levaram os ativistas a criar grupos segmentados: um coletivo de mulheres lésbicas, um coletivo de LGBT negros e da 1

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Captulo IO campo do movimento LGBT em Campinas e as disputas polticas locais

O primeiro coletivo poltico de que se tem notcia a discutir a homossexualidade em Campinas, o grupo Expresso, surgiu em 1995. Perodo denominado por Facchini (2005) de terceira onda do movimento LGBT brasileiro, marcado pela institucionalizao dos movimentos sociais e pela maior relao com Estado, principalmente no que diz respeito promoo e avaliao de polticas pblicas. O grupo em questo era responsvel pela edio de um jornal, O Babado, que circulava, principalmente, nos espaos de sociabilidade homossexual da cidade.Comment by aluno.profile: Inserir refEm 1998, a partir de uma ciso interna do Expresso, surge o grupo Identidade, o grupo ativista LGBT mais antigo em atividade de Campinas. Divises posteriores do Identidade deram incio a trs outros grupos da cidade: Mo.Le.Ca. (Movimento Lsbico de Campinas); E-Jovem, uma rede jovem LGBT presente em diversos estados brasileiros; e o Aos Brados!!, grupo ativista LGBT que discute questes ligadas periferia e negritude.O objetivo deste captulo apresentar a trajetria dos grupos ativistas LGBT de Campinas, enfatizando seu surgimento a partir do Identidade e os motivos que levaram os ativistas a criar grupos segmentados: um coletivo de mulheres lsbicas, um coletivo de LGBT negros e da periferia e um grupo preocupado com a juventude LGBT. Alm disso, procuro tambm expor alguns dos momentos importantes em que os coletivos da cidade estiveram em conjunto para disputar entre eles, e com o executivo municipal, a politica local, buscando, dessa maneira, garantir polticas especficas para LGBT. Comment by Vincius Zanoli: RefTrata-se de um captulo eminentemente descritivo, baseado na reconstruo da trajetria por meio de anlise documental e de entrevistas, e na apresentao de alguns dos momentos de interao entre os grupos que foram observados durante o perodo de trabalho de campo. Dessa maneira este captulo se configura como substrato emprico a ser retomado nos captulos posteriores, tanto no que diz respeito comparao com outros dados etnogrficos, quanto no que tange discusses tericas que sero realizadas mais adiante.

O movimento LGBT em Campinas

Expresso - Grupo de Defesa dos Direitos dos HomossexuaisAs informaes sobre o Expresso so escassas. Como apontam as entrevistas, os membros que depois viriam a fundar o coletivo frequentavam um grupo de vivncia no mbito do Programa Municipal de DST/Aids, o Conviver. Em outubro de 1995, depois de uma palestra oferecida por Luiz Mott um importante antroplogo e militante do Grupo Gay da Bahia (GGB) na Unicamp, frequentadores do Conviver criaram o Expresso, organizao que tida como a primeira do movimento LGBT no municpio. Alm disso, o grupo era tambm responsvel pela edio d O Babado. Sobre a criao do Expresso, comenta Joo:O primeiro grupo se chamou Expresso. O nome era Expresso, Grupo de Defesa dos Direitos dos Homossexuais. O Expresso foi fundado em Outubro de 1995, a partir da reunio de alguns militantes que participavam (...) de um grupo chamado Conviver, era um grupo mais de vivncia, voltado ao Programa Municipal de DST/Aids. Ento no era um grupo exatamente de militncia, de luta. Embora algumas dessas pessoas tenham se tornado, depois, militantes de grupos de luta contra a Aids (...), numa palestra quando o Mott veio pra Campinas, na Unicamp, e ele fez um bate papo com essas pessoas e essas pessoas resolveram fundar um grupo. Ento esse foi o Expresso, que foi formalizado em Outubro de noventa e cinco (Entrevista com Joo, julho de 2011).

Nenhum de meus interlocutores soube informar, ao certo, quando o Expresso deixou de existir. Tambm no consegui contato com nenhum ativista que teria se mantido no grupo depois da criao do Identidade. Posso informar, apenas, que na atualidade o grupo no existe.

Por um novo coletivo de homossexuais: o surgimento do IdentidadeO motivo da ciso do Expresso que resultou na fundao do Identidade est ligado prpria edio do jornal O Babado. Um setor do grupo Expresso, que viria mais tarde a fundar o Identidade, considerando que deveria dialogar mais com as lsbicas[footnoteRef:2], decidiu que a capa do jornal de maro de 1998 deveria estampar um casal de mulheres, sendo que o foco principal da edio seria voltado para essa temtica, visto a proximidade do 8 de maro. Entretanto, contrariando negociaes prvias, o contedo do jornal foi modificado sem aviso, pela parcela do grupo considerada majoritria no Expresso, de modo a minimizar o enfoque dado s lsbicas na edio. Isso causou grande revolta no setor da organizao ativista que viria, depois, a se tornar Identidade. Ainda que, de ltima hora, o jornal tenha sido editado da maneira inicialmente prevista, essa situao causou um desgaste entre os integrantes do grupo. Esse evento narrado por Joo[footnoteRef:3], ex-ativistado Expresso que fundou o grupo Identidade: [2: Todas as categorias micas e pequenas citaes de falas de entrevistados em entrevistas informais aparecem nesse trabalho em itlico.] [3: Os nomes de todos os entrevistados foram modificados com o objetivo de resguardar suas identidades.]

(...) ns [o setor que fundou, posteriormente, o Identidade] propusemos que a capa do jornal fosse uma foto de duas mulheres, uma foto de lsbicas e que o foco maior do jornal fosse esse. Fomos atrs de entrevista com Vange Leonel, com Angela R R, na poca com muitas dificuldades tecnolgicas, a gente no usava tanto internet, etc e tal. Mesmo assim, tanto... mais a Vange Leonel do que a ngela foi atenciosa, respondeu a entrevista, foi super legal, e o... mas as pessoas que cuidavam da produo do jornal no ramos ns, era um outro setor do grupo. E eles sacanearam. A foto ia ser uma foto de homem e a entrevista nem ia constar no jornal. A gente brigou muito, pegamos o material e levamos na marra. (...). Isso gerou um mal estar muito grande. Eles, o setor majoritrio no grupo, por achar que eles tinham sido atropelados e ns, por acharmos que eles tinham dado um golpe na gente (Entrevista com Joo, julho de 2011).

Em decorrncia desse episdio, foi realizada uma reunio para a discusso do ocorrido. Nela, muito descontentes com o que apontaram como um carter mais festivo e menos preocupado com questes polticas do Expresso, os integrantes do setor que props a edio voltada para lsbicas notificaram os demais membros de sua sada.Essa parcela do grupo, que acabara de romper com o Expresso, passou ento a se reunir com um chamado: por um novo coletivo de homossexuais. Buscando agregar pessoas para formar uma nova organizao militante. No dia 19 de maio de 1998, o estatuto foi registrado em cartrio e o Identidade passou ento a existir oficialmente.O evento que deu origem ao Identidade, ou, no jargo antropolgico, seu mito de fundao, ou seja, a disputa em torno da edio d O Babado, no pode ser visto como um momento isolado que causou por si s a ciso do grupo. Ao olhar para o que, segundo os ativistas que deixaram o Expresso, foi o motivo que os levou a fazer isso, isto , o carter mais festivo e menos preocupado com questes polticas do grupo, vemos que esse evento expressa uma tenso pr-existente, que diz respeito prpria concepo de poltica de duas parcelas da organizao militante. Deste modo, o Identidade foi fundado em decorrncia de uma diferena na concepo do que seria o papel de um movimento social e do que seria poltica, o que tornou a coexistncia de faces vistas como antagnicas impossvel dentro de um mesmo grupo, levando essa parcela crtica da atuao do Expresso a fundar um novo coletivo de homossexuais.O Identidade, como coletivo caracterstico da terceira onda, se estrutura como uma organizao no governamental (ONG), ainda que seja crtico a esse formato e que seus ativistas se considerem como um movimento social. Essas duas caractersticas aparecem nos discursos de seus ativistas como antagnicas: enquanto o papel de um movimento social seria contestar o Estado e cobrar dele, uma ONG funcionaria mais com um brao do Estado que cumpre funes que so deixadas de lado pelos rgos estatais. Esse carter institucionalizado do Identidade se expressa pelo seu registro em cartrio, pelas reunies peridicas realizadas em sua sede que at meados de 2012 se localizava no centro de Campinas, e pela elaborao de projetos para concorrer a verbas em editais pblicos no decorrer de sua histria[footnoteRef:4]. [4: O grupo se encontra, atualmente, sem sede.]

Ainda no que diz respeito institucionalidade do grupo, cabe ressaltar que o Identidade se divide em coordenadorias. De acordo com seu site, as coordenadorias eram as seguintes: de formao, de negritude e diversidade sexual, feminista, sade, comunicao, travestis e transexuais, alm de administrao e finanas. Alm disso, as coordenaes seriam ocupadas por membros registrados do grupo, eleitos em assembleia ordinria, pelo prazo de dois anos. No entanto, a maioria dos integrantes considera essa diviso mera formalidade, e salienta que, na realidade, a ligao com essa ou aquela coordenadoria mais fluida. Todavia, cabe ressaltar aqui, que a existncia de coordenadorias e de eleies para a escolha dos coordenadores ressalta a institucionalidadedo Identidade, uma vez que s membros registrados podem escolher os coordenadores. Estabelecendo uma distino entre aqueles que seriam, de fato, ativistas do grupo, e aspirantes ou visitantes.Na atualidade, apesar das diversas crticas tecidas a essa entidade por seus integrantes[footnoteRef:5], o grupo filiado Associao Brasileira de Lsbicas, Gays[footnoteRef:6], Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), rede nacional de organizaes LGBT criada em 1995, que se define como a maior rede LGBT da Amrica Latina[footnoteRef:7]. [5: As crticas do grupo ABGLT esto ligadas ao seu formato institucionalizado, bem como suposta falta de cobrana por parte da instituio em relao ao Estado.] [6: A palavra gay aparece neste trabalho se referindo a homens homossexuais.] [7: Informaes retiradas do sita da ABGLT: http://www.abglt.org.br/port/index.php Acesso em: 23.fev. 2012.]

Identidade e Mo.Le.Ca: da ciso reaproximao

Apenas dois anos aps sua fundao, em 2000, o Identidade passa por um processo de fisso, do qual surge o Mo.Le.Ca. (Movimento Lsbico de Campinas). O coletivo foi fundado por algumas das mulheres que frequentavam o Identidade, mas que sentiam necessidade de um espao onde as discusses fossem voltadas para sua especificidade enquanto lsbicas. Num primeiro momento, Identidade e Mo.Le.Ca se distanciaram, em decorrncia da prpria ciso, encontrando-se principalmente por ocasio da organizao da Parada, atividade na qual, segundo os entrevistados, ficava clara adivergncia ideolgica entre os dois grupos. O passar dos anos, contudo, assistiu a uma reaproximao lenta e gradual entre as duas organizaes, sendo que, no fim da existncia do Mo.Le.Ca, ambos passaram a dividir a mesma sede no centro de Campinas. Em meados de 2010, a coordenadora do Mo.Le.Ca. nica fundadora que ainda permanecia no grupo at ento solicitou apoio das mulheres que integravam o Identidade para ocupar vagas remanescentes na direo do grupo lsbico, que tinha sua existncia formal ameaada pela falta de quadros. No perodo em que foi realizada a pesquisa, os dois grupos compartilhavam no apenas a sede, como integrantes. Em campo, o termo reabsoro ou absoro foi utilizado para definir o processo que levou o Identidade a dividir a sede e seus membros. Mateus, ativista que tem posio de liderana e que, apesar de no militar no Identidade desde a fundao participa h muito tempo, comenta sobre esse processo de reaproximao entre os dois grupos:

Com o Mo.Le.Ca, foi uma crescente, a aproximao, lenta, gradual, mas foi crescente, no teve muitos altos e baixos. (...). ... agora, no final, com o Mo.Le.Ca., agora o Identidade e o Mo.Le.Ca., a gente praticamente assim, assinava documentos, assinava cartas pblicas, sem ler coisa um do outro, de tanto que a gente tava (...) harmonizado o discurso. Mesmo quando a gente comeou a ficar mais ps-identiariozinho, sabe ... eu lembro da Ana achar isso estranho, n, porque ela tem a coisa da identidade lsbica muito forte, mas no rechaou o grupo, no rolou isso. Se abriu, foi pro dilogo, ... foi legal assim, no teve problemas, a gente fez oficinas, tentando explicar para elas como que a gente pensava e tal, elas participaram, no sei se concordaram com tudo e tal. (...). ... e como a gente tinha uma militncia feminina, ou de mulheres, ... no Identidade, e a gente j tava com um discurso bem tranquilo, prtica a de dois trs anos de aproximao sem conflitos, grandes conflitos, foi fcil a gente chegar na concluso de: vamos dividir a sede, vamos nos ajudar. Elas tinham dinheiro, tinham financiamento, conseguiam se manter, a gente tava precisando. (entrevista com Mateus, julho de 2011)

Na sequncia, quando pergunto a ele se os dois grupos esto se tornando uma coisa s. Ele responde:

No tenho dvida disso, na ltima eleio do Mo.Le.Ca, a Ana fez uma eleio com a gente, teve uma... o lance ... ns no queremos mais ... garantir a sobrevivncia do Mo.Le.Ca., puxando reunio, precisando escrever projeto, viabilizando projetos, prestando contas, ns no queremos mais isso, elas falaram. A a gente falou: olha, mas ns no queremos que o Mo.Le.Ca., morra, que a histria do Mo.Le.Ca. morra. (...) A as meninas do grupo foram para a reunio do Mo.Le.Ca., de comum acordo com a Ana e assumiram a coordenao do grupo, junto com ela, ela ainda t, ento voc vai ver a relao de coordenadores do Mo.Le.Ca., metade, meninas do Identidade. Os dois grupos so uma coisa s hoje, n, a gente toma decises... as reunies do Mo.Le.Ca.... no existe assim convocao pras reunies do Mo.Le.Ca. mais, se o Identidade vai lanar uma carta pblica, o Mo.Le.Ca. j assina junto. (entrevista com Mateus, julho de 2011)

Portanto, no decorrer de suas trajetrias, Identidade e Mo.Le.Ca., ao poucos, voltaram a se tornar um mesmo grupo. Passando primeiro a dividir a mesma sede, depois, voltaram a trabalhar juntos, para, por fim dividirem os mesmos membros. Ainda que, formalmente, existam duas entidades distintas, todos os entrevistados que militam no Identidade apontaram para essa reabsoro. Afirmando que ambos os grupos seriam uma coisa s. A coordenadora do Mo.Le.Ca. e uma de suas fundadoras tambm afirma essa absoro. No entanto, chama ateno para a necessidade de que, uma vez que exista o grupo, suas ativistas, ainda que sejam tambm ativistas de um grupo misto, utilizem o espao do Mo.Le.Ca. para a discusso de questes da especificidade lsbica.Voltando fundao do Mo.Le.Ca., necessrio, ainda, ressaltar que, apesar de uma parte das mulheres terem deixado o Identidade para compor o Mo.Le.Ca., o primeiro seguiu sendo um grupo misto e no perodo da pesquisa contava com uma presena marcante de pessoas trans, travestis e lsbicas. Foi o carter misto do Identidade que possibilitou o convite para que ativistas do mesmo passassem a ocupar tambm posies no grupo de lsbicas, visto que o estatuto deste ltimo reserva posies na diretoria apenas para mulheres. Sobre isso, Ana, coordenadora do Mo.Le.Ca., declara:

E eu no gostaria, por exemplo, de... quer dizer, eu acho que nem pode pelo estatuto, no estatuto s mulheres podem participar da coordenao. Ento no tem como o Mateus assumir um cargo dentro do Mo.Le.Ca. Se no tiver uma mulher, no tem como ter o Mo.Le.Ca. Mas tambm no adianta ter s o nome l, proforma, n, de fachada. E a vai fazer uma atividade sobe l o...pra falar no microfone em nome do Mo.Le.Ca., no d. A gente precisa justamente da visibilidade da mulher, porque foi justamente o que fez... foi esse ponto que deu o surgimento do Mo.Le.Ca., porque pras mulheres sobrava pouco espao de visibilidade. (entrevista com Ana, junho de 2011)

Essa tenso entre lsbicas e gays, que levou uma parcela do Identidade a formar o Mo.Le.Ca., uma tenso presente no movimento LGBT brasileiro. MacRae (1990) relata um momento em que um grupo de mulheres deixa o Somos para fundar seu prprio grupo em decorrncia da necessidade de um espao de discusso que nas palavras das dissidentes do Somos assim como entre aquelas que fundaram o Mo.Le.Ca. fosse voltado para as especificidades das questes lsbicas. Muitas dessas mulheres, por fazerem parte de grupos compostos majoritariamente por homens, o que muito comum em grupos identificados como mistos, acabavam se sentindo menos visibilizadas e contempladas nas discusses, portanto, ocupando um lugar hierarquicamente inferior no movimento (MACRAE, 1990; SIMES, FACCHINI, 2009).Comment by Vincius Zanoli: RefUm primeiro lugar de tenso que foi possvel perceber no desenrolar da trajetria do Identidade, est relacionado a assimetrias de gnero no interior de um movimento pautado pela questo da sexualidade. Outros temas que envolvem mudanas e delimitam disputas e debates no interior do grupo dizem respeito ao modo como articular um discurso poltico em torno da sexualidade e s estratgias relacionadas menor ou maior institucionalizao do grupo.Tratei nesta seo do surgimento do Mo.Le.Ca, das relaes desse grupo com o Identidade, e da reabsoro do primeiro por parte do segundo. Na prxima apresento surgimento dos dois outros grupos LGBT existentes em Campinas: o Aos Brados!! e o E-Jovem. Ambos foram fundados por ativistas que, de algum modo, estiveram ligados ao Identidade, e, de certa maneira, tambm com o Mo.Le.Ca. Esses grupos seguem na mesma tendncia da criao do grupo de lsbicas, se no caso das fundadoras do Mo.Le.Ca., um grupo misto parecia desprivilegiar as mulheres, para as fundadores do Aos Brados!! e do E-Jovem, outas questes se pautavam. Para o primeiro, faltava voz para a periferia dentro do movimento, por isso o nome, Aos Brados!!, para o segundo, faltavam as discusses especificamente voltadas para problemas de adolescentes e jovens LGBT. Aps apresentar a criao dos dois outros grupos a pautar a cena poltica LGBT campineira da primeira dcada dos anos 2000, retomo a trajetria do Identidade, tomando por foco as variaes em seu iderio poltico, bem como suas relaes com outros atores sociais, que delimitam fases em sua trajetria.

Periferia e negritude LGBT em Campinas: nasce o Aos Brados!!Chamarei aqui a militante fundadora do Aos Brados!! que, ainda hoje, se mantm ativa no grupo de Fernanda. Fernanda uma mulher lsbica e negra filiada ao PT (Partido dos Trabalhadores) e ligada CUT (Central nica dos Trabalhadores). Ela personagem importante para falar da trajetria do Aos Brados!! porque sua histria pessoal se confunde com a do grupo.Fernanda milita no movimento LGBT de Campinas desde a poca do grupo Expresso, contudo, j havia tido contato com o movimento LGBT de So Paulo por meio do grupo CORSA, estudado por Facchini (2005). Fernanda foi, em conjunto com outros ativistas, uma das fundadoras do grupo Identidade. no Identidade que ela e sua companheira, plantam as razes do que viria a ser o Aos Brados!!. Em 1998, ano da fundao do Identidade, essas duas ativistas criam o Jornal Aos Brados. Segundo Fernanda, o material era um zine[footnoteRef:8] preocupado com a veiculao de questes relacionadas populao LGBT. Seu pblico alvo eram, principalmente, outros ativistas da cidade que no estavam diretamente relacionados com o movimento poltico em torno dos direitos de LGBT. Um dos locais de distribuio do jornal era o Conselho Municipal de Sade de Campinas. O material do jornal, de acordo com Fernanda, seria menos chocante para pessoas de fora do movimento LGBT que diferentres materiais distribudos por outros ativistas naquele perodo. [8: Zine uma abreviao dos termos em ingls fanzineou magazine (revista). Os zines so, geralmente, trabalhos de publicao autnoma e de baixa circulao, sua reproduo costuma ser feita via fotocpia.]

Fernanda e sua parceira, pouco tempo depois da fundao do Identidade, rompem com o grupo e passam apenas a editar o jornal e a distribu-lo nos eventos em que participavam. Segundo Fernanda, em decorrncia do forte impacto gerado pelo jornal, pessoas que estavam margem e que no se sentiam ouvidas pelo movimento LGBT em Campinas comearam a interpel-la, questionando-a em relao formalizao de um grupo ativista que pudesse reuni-las.No dia 2 de Setembro de 2002 formalizada a criao do grupo Aos Brados!! A vivncia digna da homossexualidade. Dentre as atividades realizadas pelo grupo no momento posterior sua fundao, alm da distribuio do jornal, meus interlocutores destacam a organizao de caravanas de nibus para levar pessoas para a Parada de So Paulo.A ideia central do grupo seria, segundo Fernanda, defender a comunidade homossexual na vivncia diria da sexualidade. O jornal teve importante papel na atuao do Aos Brados!!. O financiamento da compra de papel era realizado a partir da venda de latas de alumnio recolhidas por membros do grupo e por pessoas que viviam nas comunidades onde o grupo realizava aes sociais. Esse dinheiro tambm era utilizado para financiar outras atividades da organizao. A impresso do jornal era feita, gratuitamente, por pessoas ligadas ao Sindicato dos Metalrgicos de Campinas.Preocupados em no serem conhecidos apenas como organizadores de festas, em decorrncia da organizao de caravanas Parada, o grupo passou tambm a disputar os processos polticos da cidade. Envolvendo-se nos disputas locais em torno das polticas LGBT que foram delineadas no municpio na primeira dcada dos anos 2000. Essas disputas sero retomadas mais adiante neste captulo.Cerca de trs anos depoisda fundao, o grupo passou a se organizar a partir de colegiados. Esses colegiados eram responsveis por discutir questes e bandeiras consideradas as centrais. O Aos Brados!! conta, assim, com quatro colegiados temticos: o colegiado da juventude, da sade, da valorizao da negritude e das mulheres. Alm desses, existe um colegiado gestor. Os colegiados seriam grupos formados por alguns membros que discutem suas questes de interesse, pautadas pelos temas citados acima. Depois de discutidas as questes nos colegiados temticos, a discusso levada ao colegiado gestor que responsvel por gerenciar as aes do grupo.A organizao nunca mudou de sede. Suas reunies e atividades so desenvolvidas geralmente aos fins de semana, na subsede da CUT em Campinas, na regio central da cidade. O grupo conta com uma pequena sala, equipada com uma escrivaninha e alguns arquivos, contudo, nos fins de semana, como a subsede se encontra vazia, as reunies so realizadas em uma sala central, ampla, com espao para todos os ativistas.No que diz respeito aos militantes, a maior parte deles pode ser identificada como preta ou parda. O nmero de pessoas que se identificam como mulheres e como homens relativamente o mesmo. Existe tambm um grande nmero de mulheres lsbicas e jovens gays que trabalham como drag queens, isto , vestem-se com roupas tidas como femininas, utilizam maquiagem e peruca e dublam msicas em casas noturnas ou realizam outros tipos de shows. No que diz respeito idade dos membros, o grupo mais heterogneo, o membro mais jovem que conheci em campo tinha pouco menos de dezoito anos, enquanto a militante mais velha passava dos cinquenta anos.Em sua trajetria, o Aos Brados!! j foi responsvel pela organizao do Concurso de Talentos da Comunidade Padre Anchieta, no distrito de Nova Aparecida, prximo da divisa de Campinas com Hortolndia. A comunidade composta basicamente por antigas ocupaes de terra e habitaes populares. Atualmente, esse evento organizado por drag queens da prpria comunidade. O evento consiste em um concurso para escolher a melhor jovem drag queen do ano. Apesar de deixar de organizar o concurso de talentos, o Aos Brados!! participa todos os anos do evento.Alm de se manter responsvel pela organizao de caravanas que levam pessoas at as Paradas do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro e de So Paulo, atividade que ajuda na manuteno financeira do grupo, o Aos Brados!! organiza tambm atividades na cidade. Seus ativistas so, atualmente, responsveis pela organizao do Pedala Bich@ - a pedalada da diversidade, evento que faz parte da programao oficial do Ms da Diversidade Sexual de Campinas. Esse evento realizado em duas partes, a primeira um passeio de bicicleta pela regio central da cidade, a segunda uma srie de shows de drag queens, mpb e hip-hop no Largo do Rosrio, praa na regio central da cidade.O grupo realizou tambm em 2013, na Fazenda Roseira, uma casa de cultura africana de Campinas, a I Feijuka da Diversidade. Assim como o Pedala Bich@, a atividade congregou diversos artistas, alm de msicos cantando os mais variados ritmos mpb, hip-hop, jazz, samba, reggae houve apresentao de drag queens com show de humor e dublagem. Dentre as apresentadoras encontravam-se, no s artistas consagradas no meio local, como tambm recm-ganhadoras do prmio de melhor drag do concurso de talentos da Comunidade Padre Anchieta.Alm dos grupos j citados, campinas sede tambm de uma rede nacional de jovens LGBT, o E-Jovem, tema da prxima seo desse captulo.

Juventude LGBT e internet: e-jovem.com e a rede E-JovemNo que diz respeito ao E-Jovem, tive pouco contato com os membros do grupo e as entrevistas foram impossibilitadas, no momento, pela mudana para So Paulo do ativista fundador do e de seu esposo, que presidente nacional da rede E-Jovem. Uma entrevista detalhada sobre o grupo foi preparada, mas no pode ser executada at o momento da primeira verso desse captulo preparada para o exame de qualificao. Apesar de no possuir informaes que explicitem os motivos que levaram criao do E-Jovem, a partir de uma anlise de alguns materiais dos quais tive acesso e de conversas informais que mantive com o fundador do grupo e seu marido, trago informaes relevantes acerca dessa organizao.O E-Jovem teria surgido primeiramente como um site, o e-jovem.com, em 2001, voltado para jovens LGBT, o site traz discusses diversas sobre juventude e homossexualidades, como a relao com a famlia, com a escola, com amigos, e tambm especificamente sobre a sexualidade de jovens LGBT, como a preveno de Doenas Sexualmente Transmissveis, o uso de preservativos e explicaes sobre virgindade, masturbao e sexo. Notcias sobre militncia LGBT, poltica, direitos, e outras tambm esto disponveis no site.Em 2004, o que se originou como um site se formaliza enquanto um grupo de militncia LGBT que, mais tarde, se torna uma rede internacional. Surge ento, em 2004, o grupo E-Jovem de Adolescentes Gays, Lsbicas e Aliados. Um dos criadores do grupo viveu em Campinas at meados de 2013, quando ento se mudou para So Paulo, casado com uma famosa drag queen da cidade, o ativista em questo tinha papel importante nas disputas locais. Como apontei anteriormente, devido sua mudana repentina no mesmo momento que dei incio elaborao das entrevistas, ainda no tive a oportunidade de entrevista-lo. No entanto, mais de um ativista com quem tive contato ressalta sua passagem por outros grupos da cidade, como o Identidade.Segundo o site do E-Jovem, a rede que j se caracterizava como nacional passou a ser internacional, alm de possuir membros em todas as cinco regies do pas, o E-Jovem atua tambm em alguns grupos em Portugal e em pases da frica. O grupo se define enquanto uma rede de adolescentes e jovens ativistas no combate homofobia e hebifobia, este ltimo o preconceito contra jovens.A rede se organiza por E-grupos, que seria um grupo E-jovem de determinada cidade. Existem regras para formalizar a existncia de um grupo, que tem membros prprios e presidentes. Encontros nacionais da rede acontecem periodicamente, neles os membros dos diversos E-grupos escolhem o presidente da rede.O grupo que deu origem ao E-jovem conhecido hoje como E-Camp, o E-Jovem de Campinas. At pouco tempo, a presidente do grupo era tambm presidente da rede E-Jovem. Atualmente o grupo parece passar por uma reestruturao resultante da mudana, para So Paulo, da presidente do grupo e do idealizador do e-jovem.com.Dentre as aes organizadas pelo grupo esto: a Mostra de Arte LGBT de Campinas, o show de talentos, onde jovens drags que participaram da Escola Jovem LGBT, se apresentam. Essas atividades fazem parte do calendrio oficial do Ms da Diversidade Sexual de Campinas que organizado pela Comisso da Parada do Orgulho LGBT da cidade e realizado com apoio da Prefeitura Municipal.Alm disso, o E-Jovem foi responsvel pela criao da Escola Jovem LGBT de Campinas. A Escola uma iniciativa do grupo em parceria com o Governo do Estado de So Paulo, por meio do Programa Ponto de Cultura[footnoteRef:9], do Ministrio da Cultura. A escola, segundo seu idealizador, tinha como objetivo combater a homofobia e as altas taxas de suicdio entre jovens e adolescentes gays. Os cursos oferecidos variavam entre: defesa pessoal, maquiagem, atuao, drag queen, dublagem, jornalismo, entre outros. A parceria entre o Estado de So Paulo e o grupo acabou em 2013. [9: O programa promove o estmulo s iniciativas culturais da sociedade civil j existentes, por meio da consecuo de convnios celebrados aps a realizao de chamada pblica.A prioridade do programa so os convnios com governos estaduais e municipais, alm do Distrito Federal, para fomento e conformao de redes de pontos de cultura em seus territrios.Atualmente, as redes estaduais abrangem 25 unidades da federao e o Distrito Federal. J as redes municipais esto implementadas, ou em estgio de implementao, em 56 municpios. Fonte: . Acesso em 21.03.2014.]

Apresentados os grupos que de alguma maneira surgiram a partir do Identidade e que tiveram papel importante nos processos polticos locais, retomo agora a trajetria do Identidade, apresentando-a em fases. Essa anlise da trajetria do grupo ser importante para discusses que sero realizadas nos captulos ulteriores. Ressalto ainda, que o detalhamento em sua trajetria se explica pela proeminncia do grupo em questo nos processos polticos que analiso adiante.

Da ao pela cidadania homossexual luta pela diversidade sexual: a radicalizao do grupo Identidade

A histria do Identidade marcada por variao no iderio poltico e nas estratgias utilizadas pelo grupo. Alm dessa variao, h outra que diz respeito aos membros mais atuantes no grupo em diferentes momentos. Tais variaes delimitam fases na trajetria do Identidade.Essas fases, identificadas nas entrevistas dos membros da organizao ativista, dizem respeito maneira pela qual o grupo se organiza e como se relaciona com os demais atores sociais presentes no campo (SWARTZ, 1967; SANTOS, 1977), ou seja, so mudanas tanto no iderio poltico quanto no modo de atuao. Comment by Vincius Zanoli: RefA variao de integrantes no grupo mostrou-se relacionada s mudanas no iderio e nas estratgias do grupo. O grau de renovao de quadros fica patente ao observarmos que apenas um dos membros do grupo est presente no Identidade desde sua fundao. As fases ressaltadas aqui foram aquelas que adquiriram relevncia a partir das falas, se no de todos, da maioria dos entrevistados.O incio da primeira fase pode ser datado do momento posterior estruturao do grupo, em 1998. As discusses iniciais resultaram na existncia formal do Identidade, que passou a atuar contra a discriminao e o preconceito por orientao sexual e identidade de gnero, organizando manifestos e atuando pelo recurso a vias jurdicas, processando estabelecimentos comerciais.A segunda fase foi marcada pela execuo de projetos e pela atuao na organizao da Parada LGBT local. Nesse perodo, os recursos vindos desses projetos ajudavam a manter o grupo funcionando, alm de colaborar para sua atuao cotidiana, apoiando atividades como a organizao da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Dentre os projetos, podem ser ressaltados o de preveno de DST/Aids e o Cidadania na Pista. O primeiro foi realizado com travestis nas zonas de prostituio do municpio de Campinas. O segundo projeto visava criar um espao onde travestis que no militavam no Identidade pudessem se relacionar com integrantes do grupo fora dos locais de prostituio e do mbito das aes visando a preveno de doenas sexualmente transmissveis.O fato de que um grupo misto execute projetos voltados apenas para um de seus segmentos j seria algo diferenciado em relao ao que comumente ocorre no movimento LGBT. No entanto, para alm de misto, o Identidade um grupo que valoriza esse fato e se quer misto. Ao contrrio do que se poderia imaginar, a atuao voltada exclusivamente para um segmento reconhecido como o mais vulnervel no obedecia a razes de ordem prtica. A etnografia e as entrevistas deixaram patente que tais projetos e, em especial o Cidadania na Pista, era revestido de uma importncia dupla: trazia mais travestis para o convvio do grupo, conferindo-lhe o carter misto to desejado, e colaborava para as discusses ps-identitrias que surgiram no grupo. Nesta segunda motivao, as travestis apareciam por si s associadas a uma possibilidade de questionamento de identidades postas em caixinhas:

(...) ento esse foi um momento importante, eu acho que foi a que o Identidade comeou a olhar de uma forma mais...no sei se eu posso dizer radical, mas de uma forma um pouco menos identitria sobre as experincias. Por qu? Enquanto no tinha travesti, tinha gay, tinha lsbica, mas no tinha travesti, o tema no atingia de uma forma to drstica a questo do corpo, da transformao e tudo que isso causa. O estigma era discutido de outra forma, famlia de outra forma, tudo era discutido de outra forma. Porque eu acho que a experincia das travestis escancara uma discusso que est para alm do que se vivia at aquele momento com a experincia dos gays, n. (...) Esse momento foi importante, porque eu tambm acho que consolidou a ideia inicial do grupo de ser misto n, de ter diferentes experincias, isso foi um marco importante e eu vivi. (Entrevista com Duquesa, maio de 2011)

Outro foco importante da atuao do grupo nesse perodo foi a luta por polticas pblicas locais para LGBT. Um ano antes do incio da organizao da Parada, em 2000, o PT, representado por Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT[footnoteRef:10], venceu as eleies para o executivo municipal, tomando posse no ano seguinte, em 2001. partir dessa gesto que a prefeitura passa a fazer uso de uma ferramenta de gesto, o Oramento Participativo (OP). A atuao do Identidade e dos demais grupos ativistas LGBT de Campinas e seus desdobramentos nas disputas polticas locais, ser retomada mais adiante nesse captulo. [10: Apesar de Toninho tomar posse em 2001, neste mesmo ano o ento prefeito de Campinas foi assassinado e toma posse, a vice-prefeita IzaleneTiene, tambm do PT .]

A convivncia entre diversas matrizes ideolgicas de esquerda, com diferentes graus de radicalidade, que se faziam sentir no grupo, trazia em si tenses que o levaram a outra fase. Depois de um perodo atuando como ONG, uma parcela do grupo, aquela que continuou no Identidade aps as discusses das quais tratam este pargrafo, passou a questionar esse formato. A preocupao desses integrantes dizia respeito aos impactos que o financiamento dos projetos por rgos ligados ao Estado poderiam causar sobre a autonomia da organizao. Foram organizadas reunies sobre o papel do grupo e seu formato, em que se discutiu se deveriam atuar como ONG ou como movimento social.Discusses relacionadas autonomia do movimento LGBT no so novidade em sua trajetria. Autores como MacRae (1990), de la Dehesa (2007) e Simes e Facchini (2009) demonstram em seus trabalhos como essa j era uma questo em voga desde o surgimento do ento denominado Movimento Homossexual Brasileiro (MHB). Segundo Rafael de la Dehesa os autonomistas eram crticos burocratizao que a relao com partidos polticos acarretaria ao movimento, uma vez que viam os partidos polticos como extenso do Estado. Essa burocratizao iria contramo da ruptura com a disciplina social, estratgia do movimento para a liberao homossexual.Comment by aluno.profile: refNesse processo, a maioria dos integrantes concordou que o grupo passou por experincias negativas na relao com o Estado mediada por projetos, como cobranas e exigncias, tidas como indevidas, na prestao de contas, alm da limitao na possibilidade de crtica ao Estado, gerada pelo recurso execuo de projetos apoiados financeiramente por verbas pblicas. Decidiu-se, desse modo, que os projetos deveriam ser deixados de lado para que a atuao se voltasse mais para o formato de movimento social. Nesse momento, a parcela de integrantes que acreditava se o modelo ONG mais interessante para atuar deixou o Identidade:

Ser ONG acabava trazendo uma srie de prejuzos tambm pro grupo, principalmente porque o sistema de ONG no Brasil, se voc no uma ONG extremamente estruturada, que tem quatro ou cinco projetos, dez pessoas trabalhando dentro de uma ONG e sendo algum que faa as discusses que a ordem [isto , a classe dominante ou o Estado] quer que voc faa, voc no consegue se manter. Porque um projeto financiado pelo governo no paga todas as contas do grupo, voc precisa se manter de uma outra forma tambm. Quando a gente viu isso, que a gente tava comeando a se endividar e que a gente no podia bater panela pra criticar, por exemplo, o Estado porque ele era nosso financiador. No, pera, para, ns somos movimento social. Fizemos uma discusso profunda sobre o papel de um grupo de militncia enquanto movimento social. O nvel de autonomia que a gente precisava ter e a a gente abandonou essa histria de ser ONG por um bom tempo, e a vem uma outra fase, uma terceira fase do grupo que a gente ficou sem sede. (Entrevista com Mateus, julho de 2011)

O perodo que se segue a terceira fase pode ser considerado o mais radical do grupo. Essa radicalizao fica evidente na mudana da prpria definio dada ao grupo. Antes desse processo, o nome j havia passado por uma mudana: de Grupo de Ao pela Cidadania Homossexual para Grupo de Ao pela Cidadania de Lsbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Bissexuais. Essa primeira mudana tinha por foco um carter descritivo em relao diversidade do sujeito poltico que compe o grupo e na visibilidade das diferentes demandas e identidades. Num primeiro momento, os ativistas acreditavam que o termo homossexual abarcava todos os militantes, porm, depois de algum tempo, o grupo acreditou que as caixinhas termo do qual se utilizam para se referir s diversas identidades polticas abarcadas pelo movimento deveriamestar definidas no nome do grupo:

Quando o Identidade foi fundado se usava ainda a ideia de homossexual para vrios grupos que abrangiam uma possiblidade maior. Quando houve a mudana para grupo de ao para a cidadania LGTTB, tinha a ideia de diversidade sexual, s que, principalmente as travestis defenderam que tivesse as letras porque elas queriam a afirmao da identidade delas. E naquele momento se pensou que aquilo era correto e se optou por aquela denominao (Entrevista com Joo, julho de 2011).

Esse processo do Identidade acompanhou tendncias presentes no movimento em mbito nacional a partir do final dos anos 1990, a multiplicao e explicitao de categorias que compem seu sujeito poltico (FACCHINI, 2005; FACCHINI; FRANA, 2009; FACCHINI, 2009; SIMES; FACCHINI, 2009). A definio mais recente do Identidade, no entanto, Grupo de Luta pela Diversidade Sexual. Nota-se claramente uma radicalizao na mudana do termo ao para luta, mudana que est diretamente relacionada discusso e crtica feita pelo grupo ao modelo de ONG e s relaes que tenderia a estabelecer com agncias estatais. Segundo os ativistas, o abandono de noes como ao e cidadania se deve ao carter burgus das idias por traz desses conceitos. Luta, por sua vez, os aproximaria de movimentos tidos por eles como contestatrios e transgressores.Comment by aluno.profile: Inserir Ref aquiA mudana no nome ocorreu em 2008, entretanto ela um sinal das discusses que j vinham ocorrendo no grupo antes disso. Outro sinal claro da discusso travada no coletivo a substituio das categorias ligadas s identidades, organizadas hierarquicamente LGTTB, que se diferenciava por trazer o L no incio e o B no final num momento em que a maior parte dos grupos mistos em So Paulo se referia como LGBT , pelo termo diversidade sexual, que dilui essas categorias tidas como identitrias.A adoo do termo diversidade sexual est ligada aos debates em torno das teorias ps-identitrias. Esse termo ps-identitria no de uso corrente na academia, tratando-se de uma apropriao, por parte do grupo, do conhecimento acadmico. As entrevistas apontam que a utilizao est ligada crtica a noes que tomam identidades como fixas e entre as principais inspiraes tericas do grupo estaria Judith Butler, filsofa norte-americana. No entanto, importante ressaltar que os ativistas do grupo enfatizam o carter emprico da crtica fixidez das identidades: foi a partir de experincias que vieram da vivncia do grupo que comearam a se questionar sobre a suposta fixidez e procurar pesquisas e estudos sobre o tema. Essa perspectiva se tornou cada vez mais presente com o processo de radicalizao do grupo, impactando inclusive o modo como o grupo se denomina.A denominao do grupo passa por mudana no perodo entre 2007 e 2008. Tal denominao continua sendo Identidade, mas, no prprio logotipo (figura 2), algumas letras aparecem invertidas (o primeiro E, o N, o primeiro D e o A), o que tambm uma aluso crtica da noo de identidade. Esse logotipo difere bastante do usado anteriormente pelo grupo (figura 1), onde a palavra identidade aparece sem inverso e as categorias aparecem organizadas hierarquicamente.

Figura 1 - Logotipo antigo do grupoFigura 2 - Logotipo atual do grupo

Os entrevistados apontaram ainda uma quarta fase se delineando. Tal fase estaria relacionada aos debates realizados no grupo sobre a retomada da execuo de alguns projetos em parceria com o Estado, atravs dos editais de DST/Aids. importante ressaltar, no entanto, que os ativistas entrevistados enfatizam a manuteno de uma relao crtica em relao ao Estado a despeito dos apoios que obtenham. Portanto, o que o Identidade pretendia no era voltar ao formato de ONG, mas buscar uma maneira de executar alguns projetos, que permitam sustentar financeiramente o grupo, sem deixar de agir como movimento social, ou seja, sem abandonar as manifestaes e as crticas s instituies pblicas.Essa quarta fase, talvez, tenha sido a mais rpida pela qual o grupo passou. A inteno do Identidade em se manter a partir de algumas parcerias com o Estado por meio dos projetos foi minada por uma diminuio do oferecimento, por parte do Estado, de verbas para ONGs. Essa diminuio das verbas foi atestada em entrevistas, que apontaram uma diminuio drstica no financiamento, o que levou o grupo a repensar sua atuao.O grupo, nesse perodo, continuou a agir por maneiras institucionais, como processar agressores e estabelecimentos homofbicos por meio das leis: Lei Municipal 9809/1998 e a Lei Estadual 10948/2001. A primeiradispe sobre a atuao da municipalidade, dentro de sua competncia, nos termos do Inciso XVIII, do Artigo 5, da Lei Orgnica do Municpio de Campinas, para coibir qualquer discriminao, seja por origem, raa, etnia, sexo, orientao sexual, cor, idade, estado civil, condio econmica, filosofia ou convico poltica, religio, deficincia fsica, imunolgica, sensorial ou mental, cumprimento de pena, ou em razo de qualquer outra particularidade ou condio. A segunda dispe sobre as penalidades a serem aplicadas prtica de discriminao em razo de orientao sexual e d outras providncias. Foi, tambm, responsvel pela organizao de algumas manifestaes, como um beijao contra a discriminao que um casal de alunos teria sofrido por parte de um funcionrio da franquia de fast food McDonalds, em loja localizada no Centro de Campinas. Alm disso, continuou a organizar manifestaes na Parada do Orgulho da Diversidade Sexual de Campinas, como j vinha fazendo nos anos anteriores. Apresentei at agora o surgimento e a trajetria dos grupos ativistas municipais que estiveram no incio dos anos 2000 envolvidos em processos polticos locais. Todos os quatro grupos continuam existindo na atualidade, mesmo que o E-Camp parea estar um pouco desarticulado e que o Mo.Le.Ca. seja agora um grupo que coexiste com o Identidade. Nas sees seguintes, me ocupo da apresentao de alguns dos processos polticos nos quais estiveram envolvidos as organizaes ativistas das quais tratei at aqui.

Disputando a poltica LGBT local

Como apontei na seo anterior, em 2001, com a posse do novo prefeito eleito no ano anterior, Toninho do PT, tem incio o processo de criao do Oramento Participativo de Campinas. No modelo escolhido pela administrao municipal, o OP seria composto por um conselho com representantes da sociedade civil. Tal conselho era dividido em eixos temticos e em quatorze regionais. Os eixos temticos eram os seguintes: sade, assistncia, cidadania, cultura e esporte, desenvolvimento econmico, educao e gesto. Algumas dessas temticas eram divididas, ainda, em categorias ou subcategorias.

Wampler (2008:67) define o Oramento Participativo brasileiro como

uma instituio participativa de amplo alcance, cuja iniciativa coube a governos municipais e a ativistas da sociedade, movidos pela esperana de criar processos oramentrios pblicos, abertos e transparentes, que permitissem aos cidados se envolverem diretamente na seleo de resultados especficos de polticas pblicas.

Segundo este autor, esse tipo de instituio participativa foi utilizado pela primeira vez por um governo do PT, na prefeitura de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no ano de 1989. Mais de dez anos antes de ser utilizado por uma gesto, tambm petista, em Campinas. Apesar de ter sido inaugurado no Brasil pelo PT no perodo entre 1989 e 2004, todas as cidades com mais de cem mil habitantes governadas por esse partido adotaram o OP , o autor chama ateno para o fato de que por volta de 2001, praticamente dois teros das novas adoes do OP ocorriam em cidades que no eram administradas pelo PT (Idem, ibidem; itlico do original).Apesar de ser uma poltica participativa pautada nos movimentos sociais, um deles havia ficado de fora, o movimento LGBT. Segue-se a isso, um perodo de mobilizao do movimento local para que a questo LGBT fosse alocada no OP, o que se deu a partir do eixo temtico dedicado a questes de cidadania, junto aos negros, idosos, jovens, portadores de deficincia e mulheres.Esse processo foi marcado por negociaes entre os grupos ativistas LGBT da cidade e representantes do executivo municipal. Segundo os entrevistados, nas negociaes, foi necessrio demonstrar a vulnerabilidade e a violao de direitos que sofriam os LGBT enquanto grupo social. A partir da, com a integrao, ainda que trabalhosa, dos grupos homossexuais ao OP, seus representantes poderiam propor e avaliar polticas pblicas municipais. A dificuldade em conseguir que as demandas fossem atendidas ressaltada por Lucas, ex-ativista do grupo Identidade que atua hoje como gestor pblico no municpio:

Sempre difcil n, mas a gente entrou. Porque assim, em primeiro lugar que a gente no tinha sido... ns no havamos sido convidados, e a a gente fez as defesas, enfim, as nossas justificativas de que ramos um grupo social vulnervel, um grupo social que tava... que tinha vulnerabilidades especficas, que tinha direitos violados e tudo mais, n (Entrevista com Lucas, fevereiro de 2012, grifos meus)

Interessante notar que os homossexuais apaream aqui como um segmento vulnervel da populao local. Alm de a vulnerabilidade ser requerida como pr-requisito para a produo de polticas pblicas, temos aqui, novamente, o impacto das conexes ativas (DOIMO, 1995) na produo da linguagem que ativistas passam a lanar mo. De acordo com Facchini (2009), as noes de segmentos populacionais e de vulnerabilidade esto entre os termos em torno dos quais se do a interlocuo entre movimento social e Estado nos anos 2000, num contexto marcado por intensa segmentao de polticas pblicas e de sujeitos polticos.Comment by aluno.profile: RefComment by Vincius Zanoli: RefComment by aluno.profile: RefCom a alocao dos homossexuais na temtica cidadania do OP, o movimento ficou incumbido de escolher um conselheiro para representar a causa na cidade. Na votao para os representantes, membros da sociedade civil organizada escolhiam uma das temticas ou subtemticas com a qual se identificavam, Aps a escolha, indicavam quem desejavam que fosse seu representante no conselho do OP. Fernanda, que editava o jornal Aos Brados, foi a escolhida para representar o movimento LGBT no conselho.Uma vez implementado o Oramento Participativo, representantes do movimento LGBT apresentaram sua primeira proposta. A criao de um Disque-Defesa Homossexual (DDH) que recolheria denncias de homofobia. No ano seguinte, em 2002, esse projeto foi aprovado e como resultado das negociaes do movimento com a Secretaria de Assuntos Jurdicos (SAJ) da cidade rgo responsvel pela criao do servio proposto ao OP os representantes do movimento LGBT, depois de alguma disputa, indicaram um ativista do grupo Identidade para coordenar o servio, Lucas. A disputa na coordenao foi entre os nomes de Fernanda (Aos Brados!!) e Lucas (Identidade).Ainda entre os anos de 2001 e 2002, os representantes do movimento LGBT de Campinas se reuniram no Museu de Imagem e Som (MIS) para discutir os projetos que seriam apresentados ao OP. Depois de aprovado o Disque-Defesa Homossexual, as discusses giravam em torno da proposio do CR e da indeciso em relao ao lugar do DDH caso o CR fosse aprovado: se seria um servio separado ou se passaria a integrar os servios prestados pelo Centro de Referncia. Para melhor compreenso de tal acontecimento pelo leitor, trago o depoimento de Mateus:

Nas reunies do prprio movimento, eu me lembro de uma, Nossa Senhora, horas, horas, horas e horas e horas, muita gente, muita gente, assim. Sei l, 40 pessoas, l no Museu da Imagem e Som, o MIS. O MIS ainda no estava, ainda no tinha passado por essa reforma, estava aos cacos. E eles emprestaram uma sala pra gente fazer a reunio e eu lembro que as pessoas estavam reunidas em grupos de temas, ento tinha uma galera discutindo projeto de educao, outra galera discutindo projeto de sade e tal, tal. , o Joo e a Maria comandaram um pouco essa reunio, ... separando as pessoas a partir do interesse delas, ento olha eu quero esse tema, mas tambm atravs do local de trabalho que elas tinham, relacionado a esse tema e tal. Quem era enfermeiro foi pensar um pouco a sade, saca? Entendeu? E a, eu fiquei, na de cultura, cultura, s que eu lembro que a mesa com os, na poca, os cacuras, as velhas de guerra, as cabeas: Joo, Maria, Lucas, eles ficaram numa... eles ficaram responsveis pelo projeto do Centro de Referncia e do Disque-Defesa. E a o pau comeu, era difcil... foi muito difcil organizar, amenizar, orquestrar as vontades... as ideias que as pessoas tinham pros espaos. O Joo pode dizer melhor, mas o que eu me lembro que as... as coisas... a soluo... ... comeou a surgir quando algum props que o Disque-Defesa fosse um servio em separado em relao ao Centro de Referncia. A eu tenho as mi... bom, eu fico pensando, porque n? Que isso... aplacou os nimos, eu acho que tem muitas razes, mas certamente uma delas que... p, a voc tem dois gestores, n? Bom, a voc tem duas pessoas disputando espao, e voc tem mais espao pra ela. Bom, se a Maria no fosse ficar na coordenao do Centro de Referncia, o Lucas ficaria e ela ia pra outro, sabe? Eu acho que tinha um pouco disso, mas tambm no s numa disputa do tipo esse lugar tem que ser meu, no tem que ser s seu, mas de... ns precisamos ter mais gente l. Ento se voc tem dois gestores, melhor do que ter um (Entrevista com Mateus, novembro de 2011).

A fala de Mateus evidencia que o debate em torno da unificao ou no das duas polticas, DDH e CR, estava ligado a um desejo de parcela dos debatedores de possibilitar o acesso de mais de um ativista maquina estatal. Naquele momento, se valorizava que fosse possvel ter mais ativistas que pudessem fazer a interlocuo com o poder estatal a partir de dentro do prprio Estado.Foi a partir dessas reunies no MIS que se iniciou o processo de escrita do projeto do Centro de Referncia de Campinas. Ainda em 2002, o movimento LGBT apresentou ao OP o projeto, aprovado no mesmo ano, de criao do CR, que ofereceria assistncia social, jurdica e psicolgica a LGBT. A escrita do projeto envolveu ativistas do Identidade, do Mo.Le.Ca., o fundador do E-Jovem e de ativistas que, mais tarde, fundariam Aos Brados!!. As discusses realizadas no MIS levaram a certo consenso sobre a importncia do CR, o que fez com que os ativistas elegessem a proposio do servio como prioritria.A implementao do CR foi demorada, o que em conjunto com as dificuldades no processo de negociao desgastaram as relaes dos ativistas, principalmente os que faziam parte do Identidade, com o Estado, representado pela Secretaria de Assuntos Jurdicos (SAJ). O principal ponto de tenso foi a demanda do movimento por indicar todos os funcionrios da nova poltica. Na negociao, o movimento pde indicar a advogada, que era integrante do Mo.Le.Ca. Alm disso, Lucas, o coordenador do DDH, se tornou tambm coordenador do CR, o que resultou na incorporao do DDH nova poltica. Os demais funcionrios foram contratados atravs de edital da prefeitura.Essas tenses tm incio com uma retrica acusatria. Os ativistas acusavam o CR de andar com as prprias pernas, o que no deveria ser feito, visto que a criao da poltica s foi possvel graas a eles. Do outro lado, funcionrios do CR acusavam os ativistas de no estarem preocupados em dialogar na criao de polticas, mas em dizer o que deveria ou no ser feito. Essas tenses entre Estado e movimento tornaram o duplo pertencimento institucional insustentvel para Lucas, que acabou por se desligar da atuao no grupo Identidade. O desligamento de Lucas e sua trajetria enquanto ativista sero retomados no prximo captulo.Lucas se manteve no cargo de coordenador do CR at o ano de 2010, quando, com a criao da Coordenadoria de Polticas para Diversidade Sexual (CPDS), foi convidado a coorden-la pela equipe do ento prefeito Dr. Hlio, do PDT (Partido Democrtico Trabalhista). Em 2013, no entanto, com a posse do novo prefeito eleito no ano anterior, Jonas Donizette do PSB (Partido Socialista Brasileiro), Lucas foi exonerado do cargo, que atualmente encontra-se vacante.Alguns meses depois da exonerao de Lucas, com o cargo de coordenador da CPDS ainda em vacncia, o Identidade convocou uma reunio com o movimento LGBT para que fosse discutido o que seria feito com relao falta de um coordenador. A reunio aconteceu na sede do CR, no dia sete de Abril de 2013.Nessa primeira reunio estavam presentes alguns usurios do CR, a psicloga e o advogado, alm de ativistas do E-Jovem e do Identidade. O Identidade tinha duas intenes com a reunio: a primeira era mostrar aos demais ativistas presentes, com base na trajetria de Lucas que detalharemos no prximo captulo que o movimento tinha um direito histrico ao cargo, e, portanto, teria o direito de escolher um representante; a segunda inteno era, justamente, apresentar Mrcia, uma ativista travesti do grupo que atualmente trabalha na CADS SP, como a pessoa mais indicada para ocupar a coordenao.Comment by aluno.profile: Rever aqui.A estratgia do grupo Identidade foi criticar Lucas enquanto gestor, apontando que os problemas na relao da CPDS com o movimento LGBT foram causados pela gesto de Lucas. Dessa maneira, apontar Mrcia, militante que tem boas relaes com os diversos grupos da cidade, se mostrava estratgica. A reunio foi pautada por crticas a Lucas e sua gesto, por parte do Identidade e pela defesa de Lucas por parte de Clara, a psicloga do CR. Clara ressaltou que a CPDS, alm de no existir legalmente por no ter sido formalizada , era composta apenas por seu coordenador, Lucas, o que acarretava em excesso de trabalho para ele.Apesar de Mrcia no ter relaes muito tensas com nenhum dos outros grupos da cidade, o E-Jovem, que ligado ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil), partido que faz parte da coligao que venceu as eleies para o executivo municipal em Campinas, tambm tinha interesse em indicar Laura, uma famosa drag queenda cidade, que era tambm, presidente da rede nacional E-Jovem e do E-Camp.A inteno dos ativistas do Identidade era que aquela reunio resultasse na indicao de uma (ou um) ativista, cabe ressaltar que o interesse era que Mrcia fosse essa ativista, para ocupar a CPDS. Depois de muita disputa, ativistas do E-Jovem convenceram os demais de que outra reunio, que fosse convocada publicamente seria necessria para indicar um representante dos ativistas de Campinas para compor a CPDS.A reunio seguinte aconteceu no dia 14 de Abril. Havia um nmero maior de pessoas em comparao reunio anterior. Os ativistas se encontraram na sede do Centro de Testamento de AIDS (CTA) do Programa Municipal de DST/AIDS de Campinas. Dentre os participantes da reunio havia membros do Aos Brados!!,e do E-Jovem e do Identidade. Havia, tambm, pessoas que, mais tarde, identifiquei como frequentadores da Praa Bento Quirino, espao de sociabilidade LGBT de Campinas. Alm disso, alguns dos presentes se apresentaram como militantes independentes.A reunio teve incio com Mrcia abdicando de sua candidatura. Depois de muita discusso foram para votao os nomes de Luana, Cludio, Jlio, Laura e Fernanda. Luana uma empresria GLS local que, segundo os entrevistados, tem ligao com o PSB, partido do atual prefeito da cidade, Jonas Donizette. Cludio ex-militante do Identidade, do Aos Brados!! e tambm participou mais de uma vez da organizao do Ms da Diversidade Sexual de Campinas, suas relaes, principalmente com o Aos Brados!! e o Identidade so tensas, tendo sido convidado a se retirar de ambos os grupos. Jlio militante do Identidade e advogado do CR, mas no tem apoio nem dos funcionrios do CR, nem do membros do Identidade. Laura, como comentado anteriormente, era, naquele perodo, presidente da rede nacional E-Jovem e do E-Camp. Fernanda membro fundadora do Aos Brados!! e a nica fundadora que se manteve no grupo.Passado muito tempo, Laura desistiu de sua candidatura em favor de Fernanda, que foi eleita, por maioria dos votos. Ficou decidido, ainda, que um grupo de trabalho seria composto para pressionar a prefeitura para que o cargo fosse logo ocupado por algum.Alm desses espaos de interlocuo diretamente vinculados abertura de canais institucionais de dilogo do executivo municipal com Campinas, ou da tentativa do movimento em dialogar com o Estado, havia ainda, outros espaos em que os grupos trabalhavam em conjunto e disputavam entre si. A organizao da Parada do Orgulho LGBT Municipal e um frum municipal que congregava as diversas organizaes do movimento LGBT.Pouco depois da metade da dcada de 2000, em decorrncia do que apontado pelos ativistas como dificuldade no dilogo, o frum se dissolveu. Ademais, o grupo Identidade, algum tempo depois da dissoluo do frum, deixou tambm a organizao da Parada, o que parece ter intensificado o conflito entre os grupos. Alguns membros da Comisso da Parada alegam ter sido abandonados pelo Identidade. Essa dificuldade no dilogo est ligada prpria maneira dos ativistas do grupo de pensar sua ao poltica e suas relaes com os demais grupos.No que diz respeito ao iderio poltico dos grupos ativistas LGBT da cidade e de suas relaes entre si e com o executivo municipal, tomo por base reflexes elaboradas por Ruth Cardoso (1983, 1987), Ana Maria Doimo (1995) e Regina Facchini (2005, 2009). Essas autoras ressaltam a necessidade de se pensar os movimentos sociais tendo em vista os contextos em que esto inseridos, dando nfase, dessa maneira, s conexes ativas. Isto , s relaes que os grupos ativistas estabelecem com os demais atores envolvidos em sua rede de relaes. A anlise aqui proposta sugere pensar de que maneira as relaes dessa gama de atores, dispostas em rede (Strathern, 1996a) no interior de processos polticos, acabam por criar e recriar fronteiras, convenes, papis e significados acerca de categorias micas que aparecem no discurso de gestores e ativistas, tais como: Estado, movimento social, ONG, poltica, autonomia.Portanto, como apontei no incio deste captulo, diferenas nas concepes de alguns ativistas acerca do significado de poltica, do papel de uma ONG ou de um movimento social, da maneira pela qual as discusses devem ser guiadas, ou ainda, nas prioridades acerca de quem deve ser privilegiado nessas polticas que resultaram no surgimento, a partir do Expresso dos quatro grupos ativistas LGBT que atuaram em Campinas a partir da dcada de 2000.Essas diferenas nas concepes e nos significados levou os ativistas a trabalhar cada vez mais em separado, encontrando-se apenas nos momentos de disputa poltica institucional, ou se unindo na organizao de manifestaes e atos contra a homofobia. No prximo captulo, apresento a trajetria de dois atores sociais: Lucas e Mara. O primeiro, como vimos, era ativista ligado ao Identidade, passou a ser ativista e gestor pblico para, em seguida, se tornar apenas gestor. Mara por sua vez, nunca havia tido contato com o movimento LGBT, depois de passar em um concurso para ser assistente social do CR, passa a ser coordenadora do servio e, alguns anos depois, se torna representante dos homossexuais no OP. Apresentadas as trajetrias, retomarei as discusses realizadas nesse captulo acerca do iderios polticos dos grupos e das transformaes nas convenes acerca das categorias micas que aparecem na falar de meus gestores, principalmente aquelas que dizem respeito a o que concebem como Estado e o que pensam ser o papel do Estado.22