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Outubro de 2006 • Ano 3 • nº 27 www.desafios.org.br do desenvolvimento Dentro de seis anos, o Brasil terá de identificar todas as exportações que contenham organismos geneticamente modificados. Quanto vai nos custar esse rótulo e quanto vamos ganhar com isso desafios Outubro de 2006 • Ano 3 • nº 27 desafios TECNOLOGIA Montadoras instaladas no Brasil projetam por completo automóveis a serem fabricados aqui e lá fora HABITAÇÃO Mais de 16 milhões de famílias vivem em moradias precárias e irregulares. Muitas delas sem acesso aos serviços básicos HOLLYWOOD Produção cinematográfica nacional cresce, faz sucesso no exterior e se afirma como uma indústria R$ 8,90 Transgênicos Capa 27nova 04/10/06 15:09 Page 1

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O u t u b r o d e 2 0 0 6 • A n o 3 • n º 2 7 w w w . d e s a f i o s . o r g . b r

do desenvolvimento

Dentro de seis anos, o Brasil terá de identif icar todas as exportações que contenham organismosgeneticamente modif icados. Quanto vai nos custar esse rótulo e quanto vamos ganhar com isso

desafios

Outubro de 2

00

6 • A

no 3 • nº

27

desafios

TECNOLOGIAMontadoras instaladas no Brasil projetam por completo automóveisa serem fabricados aqui e lá fora

HABITAÇÃOMais de 16 milhões de famílias vivem em moradias precárias e irregulares. Muitas delas sem acesso aos serviços básicos

HOLLYWOODProdução cinematográf ica nacionalcresce, faz sucesso no exterior e se af irma como uma indústria

R$

8,9

0

Transgênicos

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4 Desafios • setembro de 2006

Maria da Piedade MoraisComo anda o direito à moradia no Brasil?

Debate sem fronteirasPrevidência: uma nova reforma é necessária?

Divonzir Gusso Um Brasil mal instruído

Andréa Wolffenbüttel Cinemas, televisões e urubus

desafiosdo desenvolvimento

10

16

22

28

38

46

54

Entrevista Belita KoillerO Brasil perdeu vários bondes com essa mania de comprar tecnologia pronta

Habitação Sob o teto que não protegeDezesseis milhões de famílias vivem em moradias irregulares

Indústria Mudança de marchaEngenheiros brasileiros projetam veículos fabricados aqui e lá fora

Agricultura Quanto custa o rótuloAs vantagens e desvantagens da identificação de transgênicos

Livro do Ano EducaçãoO longo caminho para a escola

Cultura Cinema nacional, indústria e comércioIndústria cinematográfica nacional cresce e se afirma

Melhores Práticas Harmonia conquistadaEmpregados assumem usina falida e garantem sustento para as famílias

21

36

45

53

Sumário

Artigos

16

Viva

Rio

/Iser

28

Marc

os B

erga

masc

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lha

Imag

em

38

Ilustr

ação

Orla

ndo

46

Divu

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Giro

Circuito

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Cartas

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Seções

Sumário27 04/10/06 10:20 Page 4

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6 Desafios • outubro de 2006

desafiosdo desenvolvimento

Esta edição de Desafios foi concluída no dia em que o Brasil soubeque o nome do próximo presidente da República só será conhecidoapós um segundo turno de votação. Independentemente do nome quesairá vitorioso das urnas no dia 29 de outubro, ele terá pela frente umasérie de desafios (sem trocadilho). Mas, entre todos, um se destaca: ode melhorar a educação prestada aos alunos. É exatamente sobre essatarefa, ao mesmo tempo estimulante e difícil, que fala a reportagem“O longo caminho para a escola”, baseada num dos capítulos do livroBrasil: O Estado de uma Nação, publicado pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea). Na entrevista deste mês, conversamoscom uma pessoa também ligada à educação, a cientista e professoraBelita Koiller, uma das três brasileiras que ganharam o PrêmioL’Oréal-Unesco para Mulheres na Ciência. Trabalhando no Institutode Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela fala comentusiasmo sobre as possibilidades do Brasil na área de computaçãoquântica, e com perceptível insatisfação sobre as condições em quedesenvolve suas pesquisas, para as quais, às vezes, chega a faltar água eluz. Outra faceta completamente diferente da tecnologia é mostrada nareportagem “Mudando a marcha”. Ela conta como as filiais nacionaisdas montadoras estrangeiras deixaram de ser meras reprodutoras dosmodelos concebidos na matriz e passaram a projetar aqui os veículos aserem produzidos no Brasil e em outros países. Prova de que ostécnicos brasileiros dominam por completo o processo de fabricaçãode automóveis. Mas essa familiaridade não se estende a todos ossetores.A matéria da capa,“Quanto custa o rótulo”, mostra asdificuldades que o país terá de enfrentar para adequar-se à novaclassificação dos transgênicos. Dentro de seis anos todos os alimentosexportados deverão indicar se contêm ou não organismosgeneticamente modificados. Por enquanto é fácil porque só dois tiposde sementes transgênicas estão autorizados no Brasil, soja e algodão.Mas onze novos tipos de cultura estão aguardando liberação e,quando isso acontecer, faltarão normas, laboratórios e investimentospara o controle de todas as vendas ao exterior. Por outro lado, algunsexemplos, também vindos do campo, nos trazem muita esperança.A reportagem da seção Melhores Práticas relata a história dostrabalhadores de uma falida usina de cana-de-açúcar na zona da mata,em Pernambuco. Com o incentivo de uma decisão inédita da Justiça,eles conseguiram obter o controle da empresa e hoje, onze anosdepois, as terras e as instalações da Usina Catende alimentam 3,5 milfamílias. Tomara que vocês gostem. Boa leitura!

Andréa Wolffenbüttel, Editora-Chefe

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

Carta ao leitorwww.desafios.org.brInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Luiz Henrique Proença Soares

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE INTERINA NO BRASIL Kim Bolduc

Revista DesafiosDIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

ASSISTENTE Mary Cheng

CONSELHO EDITORIAL Alexandre Marinho, Andréa Wolffenbüttel,Bruno Araújo, Divonzir Gusso, João Carlos Magalhães, Leonardo Rangel,Lucien Muñoz, Luiz Fernando L. Resende, Luiz Henrique P. Soares,Mary Cheng,Murilo Lobo, Pérsio Davison, Renato Villela,Yolanda Polo

RedaçãoEDITORA-CHEFE Andréa Wolffenbüttel

EDITOR Ottoni Fernandes Jr.

EDITORAS ASSISTENTES Lia Vasconcelos e Marina Nery

REPÓRTER Manoel Schlindwein

COLABORADORES Eliana Simonetti e Goretti Soares (redação), Hans von Manteuffel e Rafael Andrade (fotografia), Ivana Gomes (revisão),

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

DIRETORA ADJUNTA DE ARTE Rafaela Ranzani

ASSISTENTE DE ARTE Júlia Elias

FOTO DA CAPA Paul Taylor/Getty Images

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

REPRESENTANTES

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71) 9988-4211• e-mail: [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • e-mail: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

RedaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFTel.: (61) 3315-5188 Fax: (61) 3315-5031

Circulação e PublicidadeRua Urussuí, 93, 13° andar, CEP 04542-050 - São Paulo, SPTel./Fax: (11) 3073-0722

Administração Instituto UniempAv. Paulista, 2198, conjunto 161 – CEP 01310-300 - São Paulo, SPTel.: (11) 2178-0466 Fax: (11) 3283-3386

Assinaturas TeletargetTel.: (11) 3038-1479 Fax: (11) 3038-1415 • [email protected]

Atendimento ao Jornaleiro LM&X - Tel.: (11) 3865-4949

Impressão Prol Editora Gráfica

Distribuição Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações

Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaMinistério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoOrganização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

JORNALISTA RESPONSÁVEL • Andréa Wolffenbüttel

Patrocínio

CARTA+EXP.27 04/10/06 10:36 Page 6

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O Centro de Capacitação e In-centivo à Formação (www.cecif.org.br),formado por profissionaisvoluntários e organizações que de-senvolvem trabalhos de apoio àconvivência familiar, acaba de di-vulgar a primeira pesquisa comgrupos de apoio à adoção. Ela foifeita com base em três levanta-mentos realizados anteriormenteem anos diferentes e também pormeio de questionários. O estudochegou às seguintes conclusões:houve aumento no número de pes-soas solteiras candidatas à adoçãoe diminuição considerável dos queaceitam crianças com necessidadesespeciais. Os dispostos a adotarbuscam, preferencialmente, bebês

brancos. Em 2005, 79% das famí-lias adotaram brancos,19% pardose 2% negros. Mas houve algumaumento no índice de adoção decrianças maiores de 5 anos de ida-de.“A informação e o suporte dosgrupos de apoio têm contribuídopara a mudança de cultura. Osresultados são mais positivos doque quando a preparação ficava

restrita ao método tradicional deavaliação e habilitação dos órgãosoficiais”, diz Gabriela Schereiner,coordenadora do trabalho.Veja noquadro a disparidade entre a com-posição étnica da população e odesejo de adoção declarado pelasfamílias, que revela um cenáriocruel – um dos desafios que têm deser enfrentados nessa área.

8 Desafios • outubro de 2006

GIRO

No início dos anos 1940, as matas de araucária co-briam cerca de 20 milhões de hectares em SantaCatarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Hoje, restammenos de 500 mil hectares.A árvore, símbolo do suldo país, está à beira da extinção. Leis proibiram seucorte, mas os pinhões seguem sendo coletados e asaraucárias disputam espaço com plantações de pi-

nus, eucalipto e milho. Para evitar um desastre maior,pesquisadores do Laboratório de Ecologia de Popu-lações de Plantas da Universidade do Vale do Rio dosSinos (Unisinos) buscam identificar como os pinhei-ros nascem, crescem, vivem e morrem. Existem pa-rentes da árvore brasileira no Paraguai, no Chile, naArgentina e na Nova Zelândia.

Economia

De olho nofuturo

O último Boletim de Conjun-tura, publicado em setembro pe-lo Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea), traz algunsnúmeros que permitem imaginarcomo será 2007. Os técnicos dainstituição projetam para o anoque vem um crescimento de 3,6%do Produto Interno Bruto,ligeira-mente mais alto do que o cresci-mento previsto para 2006, que éde 3,3%. A inflação deverá ficarem 4,5%,sensivelmente acima dadeste ano,que não deve passar de3,2%. A taxa Selic de juros deveficar em torno dos 13,2%, quasedois pontos percentuais abaixo damédia de 15,4% que deverá serregistrada ao final de 2006.A taxade câmbio permanecerá estável,com o dólar cotado por volta dos2,25 reais.O saldo da balança co-mercial voltará a cair e não devesuperar os 40,1 bilhões de dóla-res, ficando longe do recorde de44,8 bilhões de dólares em 2005.O problema não está nas expor-tações, que devem crescer 3,7%,mas sim nas importações cujasprojeções indicam um salto de9,6% em relação a 2006.

Preservação

Adeus ao pinhão?

Adoção

Seleção artificial

Pesquisa Andréa Wolffenbüttel Texto Eliana Simonetti Jefferson Rudy/MMA

Composição da Desejo dos candidatos população segundo à adoção – pesquisa

Raça Censo do IBGE nacional Dif.

Branca 54% 73% +19pp

Preta 6% 2% -4pp

Parda 38% 21% -17pp

Outros 2% -2pp

Sem restrição 3% +3pp

Total 100% 100%Fonte: Cecif

GIRO 04/10/06 10:37 Page 8

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Mercado f inanceiro

Iniciativa privada

O peso da marca

Indústria automobilística I

Os argentinoschegaram

Fala-se muito, em tempos decampanha eleitoral, que o dinhei-ro foge e as bolsas param.Um rela-tório recente da revista norte-ame-ricana Venture Equity Latin Ameri-ca (publicação quinzenal da WorldTrade Executive) mostrou que ascoisas não são bem assim. HugoChavez, Evo Morales e Lula nãotêm espantado os investidores es-trangeiros.O volume de aplicaçõesem ações e investimentos de riscofoi recorde no primeiro semestredeste ano – especialmente no Chi-

le, no México, no Brasil e na Ar-gentina. Mais de 1,5 bilhão de dó-lares desembarcaram na região.Aexplicação: as ações estão subvalo-rizadas. É hora de comprar.Aten-tos a boas oportunidades de lucro,os donos do dinheiro não estãodando bola ao noticiário político.O resumo do 2006 Mid-Year Re-port (Relatório Semestral de 2006)está disponível na Internet, emwww.wtexec.com/VELA_06MY _sample.pdf, e pode ser solicitadona íntegra, on-line.

Quase metade da exportaçãoautomobilística argentina dosprimeiros oito meses deste anoteve como destino algum portobrasileiro. Mais especificamente,46,55% dos 136,7 mil carros ven-didos ao exterior desembarcaramno Brasil. Como o país vizinhoexportou 53,1% de sua produ-ção, quer dizer que um em cadaquatro automóveis fabricados naArgentina veio passear em nos-sas estradas. Isso representa umaparticipação de 5,3% no merca-do brasileiro, o dobro da regis-trada em 2004, mas ainda longedos 10% almejados pelas mon-tadoras de lá.

A empresa indiana Tata Mo-tors anunciou que já está fazendotestes em seu automóvel ultra-popular, que chegará ao consu-midor pelo preço de 2,2 mil dó-lares, o equivalente a 5 mil reais.Concebido para atender às neces-sidades das famílias mais pobres,o novo modelo terá quatro por-tas e capacidade para cinco pas-sageiros. Equipado com um mo-tor entre 700 e 800 cilindradas, ocarrinho é adaptado às precáriascondições das estradas da Índia.Os fabricantes acreditam que to-das essas características o habili-tam a fazer um grande sucessono Brasil e admitem que já estãona fase exploratória do nossomercado.A notícia foi divulgadano início de setembro pelo jornalO Estado de S. Paulo.

Atmosfera

Boa notícia vinda do céu

O buraco na camada de ozônioparou de aumentar.A informaçãofoi divulgada pelo Programa dasNações Unidas para o Meio Ambi-ente (Pnuma) e pela OrganizaçãoMeteorológica Mundial (OMM).O fato confirma o sucesso obtidopelas campanhas de redução douso de substâncias agressivas à ca-mada de ozônio,especialmente os

gases CFCs,cujo consumo em paí-ses desenvolvidos foi reduzido qua-se a zero.Mesmo assim,o ritmo derecuperação da falha na camadaestá um pouco abaixo do espera-do. Os últimos cálculos indicamque a atmosfera deverá voltar ao es-tado pré-1980 por volta de 2060 a2075, cerca de dez anos depois doque havia sido previsto em 2002.

Fonte: Venture Equity Latin América

Estudo sobre o impacto dasmarcas na produção, elaboradopelo Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea), concluique uma política mais agressivade marcas faz com que a produ-tividade das firmas industriaisseja 3% maior do que a das queoperam sem marca. No setor deserviços, a diferença é maior ain-da.As empresas que detêm mar-cas apresentaram uma produti-vidade 6,3% superior.A pesquisatambém constatou que o tempomédio gasto pelo Instituto Na-cional de Propriedade Intelectual(Inpi) para conceder registro auma marca é de 1000 dias. Po-rém,essa demora parece não afe-tar as empresas, que começam aexplorar a marca quando ela édepositada, sem esperar a con-cessão do Inpi. Para a indústria,o período analisado foi de 1996a 2002 e para a área de serviçosfoi de 1998 a 2002. A pesquisacompleta está disponível na In-ternet: www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1208.pdf.

Desaf ios • outubro de 2006 9

Divulgação Nasa

Recorde em aplicações na América Latina

Investimentoexterno em açõeslatino-americanas(em milhões de dólares)

2003

2004

2005

2006

1º semestre Ano inteiro

822

1.015

213

358

551

1.538

609

E os indianosvão chegar

Indústria automobilística II

GIRO 04/10/06 10:38 Page 9

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10 Desafios • outubro de 2006

O B ras i l p e r deu v á r i o s bondes c om essa man i a d e c ompra r aENTREVISTA

Bel

ita K

oille

rRafael Andrade

ENTREVISTA 27 04/10/06 10:40 Page 10

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Desaf ios • outubro de 2006 11

Desafios - A senhora trabalha com pesquisa

de propriedades eletrônicas, estruturais e mode-

lagem computacional de materiais. Por que esco-

lheu essa atividade?

Koiller - Eu queria trabalhar em algu-ma área da física que tivesse atividadeexperimental, que fosse próxima dasaplicações e das experimentações aces-síveis no Brasil.

Desafios - A senhora conseguiria explicar a

um leigo como é seu trabalho?

Koiller - Na verdade, trabalho com físi-ca da matéria condensada, que é a áreada física mais próxima das aplicaçõesem engenharia. Eu estudo as proprie-dades eletrônicas dos materiais.Por quealguns materiais são isolantes, as pe-dras, os cristais, por exemplo, enquantooutros são condutores e transportamcorrente elétrica, sobretudo os metais.Essa diferença é fundamental. Emboraisso já fosse familiar desde a antiguida-de – desde a Idade da Pedra o homemsabe que os materiais têm característi-

cas diferentes – foi só com o advento damecânica quântica, em 1930, que essaquestão foi respondida.Foi a partir des-se ponto que se conseguiu explicar ocomportamento dos elétrons. Esse foi oinício da física moderna da matériacondensada. É essa grande revoluçãoque a gente vive, ou sofre, até hoje de“domesticar” os elétrons.

Desafios - Colocá-los nos trilhos.

Koiller - Na primeira metade do sécu-lo XX, verificou-se que era necessárioum meio mais robusto para controlar acorrente e surgiram as válvulas. Elastambém são dispositivos que contro-lam os elétrons,só que os elétrons na suaforma despida, como nos raios, nãoem seu hábitat natural. O hábitat natu-ral do elétron são os materiais e pen-sou-se primeiro nos materiais metá-licos, nos quais os elétrons caminhamlivremente, só que os metais são mui-to lineares, a causa e o efeito são muitolineares. Para chegar aonde queríamos

t e c n o l o g i a p r o n t a . Ma s n a á r e a d e c ompu t a ç ã o q u â n t i c a t emo s c ompe t ê n c i a

esquisadora do Instituto de Física da Universidade Federal doRio de Janeiro, Belita Koiller foi uma das três cientistasbrasileiras a ganhar o prêmio L'Oréal-Unesco para Mulheres

na Ciência. Seus estudos estão voltados para duas áreas inovadoras:a computação quântica e as nanociências. Nesta entrevista, a profes-sora conta como é a vida de uma mulher que decidiu permanecer noBrasil, trabalhar com ciência e competir com os estudiosos de todoo mundo em pé de igualdade

Com o olhar sempre agitado, apesar davoz mansa, a professora Belita Koiller pareceestar o tempo todo à procura de respostas pa-ra perguntas que só ela conhece. Mas não éassim. Como ela mesma admite nesta entre-vista, sua especialidade é formular perguntas.As respostas vêm naturalmente. Foi usandoesse método estranho que a jovem, descen-dente de russos e romenos, construiu umacarreira de sucesso numa área pouco fre-qüentada por mulheres: a física quântica. Ca-rioca da gema (nasceu e cresceu em Bota-fogo), formou-se em Física pela PontifíciaUniversidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), fez doutorado na Universidade da Cali-fórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, e voltoupara o Brasil. Lecionou e pesquisou na PUC-RJ por dezoito anos, de onde saiu em 1994para trabalhar no Instituto de Física da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Coordenou a área de Física da Fundação Car-los Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Es-tado do Rio de Janeiro (Faperj) entre 1999 e2004 e foi a primeira física titular da Aca-demia Brasileira de Ciências. Casada, BelitaKoiller tem um filho que estuda Matemática naUniversidade de Nova York (NYU) e pretendeseguir a carreira da mãe.Atualmente, ela di-vide seu tempo entre a UFRJ e a UniversidadeMaryland (EUA), onde desenvolve alguns tra-balhos em parceria. Quando tem algum tempolivre, gosta de nadar, ir ao cinema e viajar pa-ra encontrar o marido, que trabalha emWashington (EUA). O que fez com os 100 mildólares do prêmio L'Oréal-Unesco? Nada. Odinheiro está guardado para comprar um imó-vel para o filho.

Uma mulherquase normal

P o r A n d r e a W o l f f e n b ü t t e l , d e B r a s í l i a

P

Ciência, substantivo feminino

ENTREVISTA 27 04/10/06 10:41 Page 11

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aprender mais e estudar mais. Semprefui interessada por essas coisas da na-tureza, além de contar com a intuição,que também ajuda.

Desafios - Como a intuição ajuda?

Koiller - Intuição é uma coisa que aju-da a resolver problemas. Você deparacom um problema concreto de movi-mento: como saber que carro vai che-gar em primeiro lugar numa corrida epor que um vai checar antes do outro?Claro que você vai fazer os cálculos,mas, antes disso, você já tem uma in-tuição, um chute. Eu era boa de chute,e isso contribui para solucionar ques-tões ligadas à física, ao contrário doque ocorre com a matemática, que éuma ciência abstrata.

Desafios - Como assim?

Koiller - A física é baseada em leis fun-damentais da natureza. A matemática,por sua vez, é construída com base empostulados,axiomas,teoremas,que são

12 Desafios • outubro de 2006

era necessário conseguir outros com-portamentos, mais inesperados, maisdiversificados. Foi quando em 1949,1950, surgiu esse dispositivo baseadoem materiais semicondutores que era opatinho feio dos materiais, não eranem uma coisa nem outra, nem isolan-te nem condutor, mas era justamenteessa coisa da intuição. Um grupo detrês pesquisadores no laboratório daBell, nos Estados Unidos, desenvolve-ram um dispositivo chamado transis-tor, o substituto das válvulas, que éuma mistura de resistor com transmis-sor. O transistor fazia a mesma coisaque a válvula, só que com elétrons con-trolados dentro dos materiais semi-condutores.

Desafios - O Prêmio L'Oréal-Unesco foi conce-

dido por um trabalho específ ico ou pelo conjun-

to da sua obra?

Koiller - Acho que as duas coisas. Re-centemente,venho desenvolvendo pes-quisas nessa área de semicondutores,

mas já com aplicações visando ao fu-turo. Estamos chegando ao extremo daescala nano, nanociência, nanotecno-logia e, nessa escala, cada átomo podefazer uma diferença. Até agora sempreestudamos o comportamento coletivodos átomos. Embora atualmente cadaelétron seja controlado pela mecânicaquântica, as funções que são manipu-ladas nos dispositivos em uso são fun-ções medidas em termos de correntes,voltagens, que são quantidades clássi-cas. No futuro, provavelmente remoto,falaremos de propriedades quânticasem escala real, ou seja, mediremos áto-mo por átomo, elétron por elétron.

Desafios - Como foi que a senhora se trans-

formou em cientista?

Koiller - Fui seguindo os estudos nor-mais, o ginásio, o científico e, sempreque começava uma matéria nova deciências, matemática, química e de-pois principalmente física, eu achavafascinante. Fiquei com curiosidade de

Fotos Rafael Andrade

ENTREVISTA 27 04/10/06 10:42 Page 12

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Desaf ios • outubro de 2006 13

criações abstratas da mente. A físicaexiste para explicar e explorar o uni-verso real, ela é concreta e tudo o queexiste obedece às leis da natureza. Tudoo que foi construído, o gravador quevocê usa, por exemplo, obedece àsmesmas leis fenomenológicas. Claroque existem várias camadas de tecno-logia numa máquina como essa, e agente quase esquece das leis da natu-reza, mas elas estão aí. É como a maçãde Newton, ela nunca vai cair paracima, sempre cairá para baixo, com amesma aceleração, na mesma veloci-dade. Para os problemas de física, pormais complexos que sejam, a intuiçãofunciona. Quando alguém me apre-senta um problema, eu não saio fazen-do contas. Meu estilo é imaginar pri-meiro como vai ser a solução.

Desafios - A senhora se lembra de algum

exemplo específ ico?

Koiller - Por exemplo, no estudo deinteração entre dois átomos dentro deum cristal. Há muito tempo esse pro-blema estava colocado e ninguém seinteressava em estudá-lo. Não sei porque intuí que o resultado seria interes-sante. Fiz o cálculo e não foi um cálcu-lo complicado, foi simples. Mas o re-sultado foi surpreendente porque aspartículas são muito mais sensíveis àmudanças de posição do que eu haviasuposto no início. As duas partículasdentro do cristal têm comportamentomuito diferente do que teriam dentrodos mesmos átomos num espaço li-vre. É importante dizer que metade dotrabalho de pesquisa em ciência é sa-ber se colocar as perguntas certas, por-que elas levarão a respostas interes-santes. Achar a pergunta é mais difícildo que achar a resposta. Costumo di-zer a meus alunos que elaborar umaprova é mais difícil do que resolvê-la.

Desafios - A senhora disse que quis trabalhar

nessa área porque havia campo aqui no Brasil.

Isso signif ica que estamos bem posicionados em

relação a esse tipo de pesquisa?

Koiller - Exatamente. É aí que eu que-ria chegar. O Brasil perdeu vários

Koiller - Eu espero que consiga, vejo jáiniciativas nesse sentido, não especifi-camente com computação quântica,mas em São Paulo a Fapesp (Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado deSão Paulo) tem conseguido progres-sos significativos na área de mapea-mento de DNA, projeto Genoma. Éimportante ter empresas incubadas,protegidas pelas agências de fomento,para colocar em prática a tecnologia.Acredito que vamos nos manter na li-derança, senão não estaria trabalhan-do. Sempre achei que uma parte im-portante da minha pesquisa é que eladê um retorno à sociedade. Não só emtermos científicos, mas também hu-manos. Parte importante nesse traba-lho da universidade é a formação derecursos humanos, são os alunos queestão se formando e podem trabalharna indústria. Tenho um aluno, porexemplo, que foi trabalhar no labora-tório de pesquisas da L'Oréal em Parise ele está fazendo pesquisa aplicada.

Desafios - Voltando à L'Oréal, como foi que a

senhora ganhou o prêmio?

Koiller - Eu fui indicada. É um prêmiosênior, prêmio mesmo, não é um in-centivo. Mas, entre os desdobramentosdesse prêmio, o que me deixou mais sa-tisfeita foi que a L'oréal resolveu fazerum programa de incentivo aqui no Bra-sil. Nesse caso, as jovens cientistas, comaté quatro anos de conclusão de douto-rado,precisam se inscrever e concorrema um programa de bolsas, em parceriacom a Academia Brasileira de Ciências.A primeira premiação foi agora, no dia21 de setembro, aqui no Rio de Janeiro.Cinco pesquisadoras ganharam 20 mildólares cada uma para desenvolver seustrabalhos. Eu acho uma maneira inte-ressante de incentivo, porque é umaforma de marketing de divulgação daempresa, é uma forma de apoio às mu-lheres e um reforço para a ciência.

Desafios - Já que estamos falando das mu-

lheres, a senhora acha que o trabalho da mulher

no mundo da ciência e da pesquisa é diferencia-

do do trabalho do homem?

bondes, perdeu o bonde da tecnolo-gia, do silício, e sempre houve essamania de comprar tecnologia pronta.Mas na área de informação e com-putação quântica, que é uma área no-va, o Brasil tem competência. E maisimportante: tem bons núcleos traba-lhando em colaboração, porque a pes-quisa científica, hoje em dia, não seconcebe isolada. É preciso trabalharem conjunto, porém em pé de igual-dade com os melhores grupos inter-nacionais. Essa é uma área na qual oBrasil pode se desenvolver e inclusiveliderar globalmente.

Desafios - Essa colaboração internacional à

qual a senhora se refere vem de outras univer-

sidades ou da iniciativa privada?

Koiller - Minha experiência pessoal écom universidades. Na verdade, comogrande parte dessa pesquisa ainda éprospectiva, ela está sendo desenvol-vida exclusivamente em universidadese laboratórios de pesquisa.

Desafios - Seus colegas de outros países tam-

bém trabalham apenas com universidades?

Koiller - Sim. É claro que a indústriaacompanha atentamente.A IBM e ou-tras indústrias que possuem laborató-rios de pesquisa estão de olho nos tra-balhos, mas ainda a fundo perdido.

Desafios - Quando a pesquisa que a senhora

está desenvolvendo agora puder ser aplicada na

indústria, o Brasil vai conseguir se manter na

dianteira? Nós não temos uma IBM…

“A indústria deveriaabsorver uma parte importante dos cientistas formados, mas ela não acredita, não investe.Prefere comprar tecnologiapronta e perde com isso.Perde em competitividade e criatividade”

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14 Desafios • outubro de 2006

tive ótimas oportunidades aqui. Já tra-balhei fora por pequenos períodos,como professor visitante, mas semprequis voltar e não me arrependo.

Desafios - E como a senhora vê as perspecti-

vas científ icas no Brasil?

Koiller - Estão melhorando como umtodo. Quer dizer, no conjunto da co-munidade científica estamos crescen-do, estamos formando mais doutores ede melhor qualidade.A ciência que estásendo feita no Brasil tem cada vez maisqualidade. O que percebo de contrastecom a minha época é que individual-mente, para cada jovem que se forma,está mais difícil encontrar uma oportu-nidade de trabalho com pesquisas. In-felizmente no Brasil as opções em ciên-cia continuam sendo, em grande parte,um sonho do acadêmico. A indústria,que deveria absorver parte importantedos cientistas formados, não acredita,não investe, prefere comprar tecnologiapronta e perde com isso.Perde em com-petitividade e criatividade. A capacida-de dos pesquisadores brasileiros já estácomprovada. Toda vez que a indústriaprecisa de soluções brasileiras,como nocaso da exploração de petróleo emáguas profundas ou dos motores bi-combustíveis, elas são produzidas deforma brilhante. Mas, lamentavelmen-te, para a tecnologia mais corriqueiranão existe essa confiança, os empresá-rios preferem não correr risco,e eu achoque essa massa que está sendo formadaestá pronta para contribuir em outrasáreas, não só na área acadêmica, masfalta no mercado de trabalho.

Desafios - A senhora acha que a Lei de Ino-

vação, que permite que as empresas abatam

uma alíquota maior do Imposto de Renda com

base nos investimentos em pesquisa e desen-

volvimento, pode mudar esse quadro?

Koiller - Ainda não sei quais serão osefeitos da Lei de Inovação, o que sei éque não existe, em ciência, uma leiequivalente à Lei Rouanet. A Lei deInovação é para quem desenvolvepesquisa ou faz uma parceria para de-senvolver uma pesquisa específica.

Koiller - Eu não gosto muito de falarsobre isso porque acho que é algo a sertratado pelas ciências sociais, mas sin-to que o trabalho da mulher cientista étão valorizado quanto o do homem. Oque eu vejo é que existem tantas ou-tras dificuldades de trabalhar no Bra-sil, mais importantes do que as queeventualmente tenha havido por euser mulher. Aqui tudo é difícil, a infra-estrutura é muito ruim, muito frágil.Ir às conferências, ter acesso às biblio-tecas on-line, tudo é muito tênue. Agente tem agora, mas não sabe se teráamanhã. Depende do orçamento, de-pende das políticas, enfim, existe umainsegurança no dia-a-dia. Tenho muitasorte de ter tido as oportunidades quetenho e tive. Em termos de mulher, oque percebo é que a carreira científicanão é tão considerada pelas estudan-tes na hora de fazer uma opção de fu-turo. Penso que isso é que precisa serestimulado.

Desafios - Se eu fosse aluna, estivesse estu-

dando e dissesse que gostaria de trabalhar com

física, a senhora me apoiaria?

Koiller - Eu diria “vai fundo, acrediteem você!” Para os bons não falta em-prego, quem tem perseverança – e issoeu acho que as mulheres têm um pou-quinho mais que os homens – nãopode se deixar abater. Se uma pessoachega ao ponto de querer, vale a penae eu acho que tem de insistir.

Desafios - A senhora estudou em Berkeley,

nos Estados Unidos, e teve oportunidade de tra-

balhar lá. Por que optou voltar para o Brasil?

Koiller - Sempre quis voltar para oBrasil. Eu fui para lá com o firme pro-pósito de voltar. E olha que era umaépoca bem diferente de hoje, tinhabastante oportunidade de trabalhonas universidades. O doutorado na-quela época era suficiente para umaposição na universidade. Hoje em diaé muito mais lento, os mercados ab-sorvem os profissionais quatro anosdepois do doutorado. Mas eu tinhacerta dose de idealismo, queria estarperto da família, dos amigos e também d

“Não existe, em ciência,uma lei equivalente à Lei Rouanet. A Lei deInovação é para quemdesenvolve pesquisa, masela não ampara quemsimplesmente decide

investir em um projeto científico realizado por terceiros”

Ela não ampara quem simplesmentequiser investir num projeto científicorealizado por terceiros. Essas bolsasconcedidas às jovens cientistas, porexemplo, não têm nenhum impactofiscal para a L'Oréal. Mas, se eles inves-tissem numa peça teatral ou num show,poderiam deduzir isso do imposto.

Desafios - Se senhora pudesse fazer um pedi-

do ao gênio da lâmpada para o seu trabalho, o

que pediria?

Koiller - Pediria infra-estrutura, ins-talações dignas, que não faltassem tan-ta água, luz.

Desafios - Quando a senhora falou em insta-

lações dignas, pensei que fossem coisas mais

sof isticadas, não água e luz...

Koiller - Seria importante um prédionovo, com paredes de alvenaria, comoo que está sendo construído para oInstituto de Física.

Desafios - Tem algum sonho específ ico que a

senhora persegue no seu trabalho, alguma meta?

Koiller - Não, não, gostaria apenas deter um ambiente para poder discutircom várias pessoas e com os estudan-tes, sem a interferência dos problemasdo dia-a-dia e da carga administrati-va. Um pouco mais de leveza.

Desafios - Nada de sonhar com o Prêmio Nobel?

Koiller - Não, não... aliás, sim. Gosta-ria que um de meus alunos ganhasse.

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HABITAÇÃO

Sobo tetoque não protege

P o r M a n o e l S c h l i n d w e i n , d e B r a s í l i a

habitação 04/10/06 10:46 Page 16

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Desaf ios • outubro de 2006 17

oucos são os brasileiros que con-tam com vários cômodos, eleva-dor privativo e segurança reforça-da na portaria.A maioria dos lares

brasileiros mal dispõe de dois quartos oude banheiro. Há milhões de pessoas que seamontoam em barracos e moram dezenasde quilômetros distantes do trabalho,o queas leva, algumas vezes, à absurda condiçãode dormir na rua e visitar a família apenasnos finais de semana,seja pela distância,se-ja pelo preço das passagens dos transportescoletivos. Em meados de setembro, o go-verno federal lançou um pacote habita-cional cujo objetivo é reverter os indica-dores deficitários,especialmente no que dizrespeito a moradias inadequadas.

Embora os dados sejam de difícil men-suração, a pesquisa Perfil Municipal, doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE), revelou a existência de 16.433favelas no país. Nelas, moram cerca de 2,3milhões de pessoas – a maioria nos 32 mu-nicípios com mais de 500 mil habitantes. Éneles que se abrigam 70% da população

favelada, em 1,6 milhão de domicílios. Es-tudiosos do Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea), tomando por base ametodologia da agência da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) para assenta-mentos humanos (UN-Habitat), estimamque 40,5% dos domicílios brasileiros apre-sentam condições precárias. Isso equivalea 16 milhões de famílias, entre as quais 12milhões têm baixa renda – ganho mensalde até cinco salários mínimos. Sem recur-sos para arcar com as despesas de um imó-

Pvel digno,os mais pobres se ajeitam na peri-feria,em favelas que,comumente,oferecemcondições insalubres, sem falar nos riscosde desmoronamento de construções emencostas. Nessas áreas não há serviços pú-blicos básicos, como água, luz, saneamen-to,escolas ou postos de saúde (leia tabela na

pág. 20).O mosaico da problemática habita-

cional no país é composto de muitos ele-mentos. Três deles: moradias inadequadas,custo excessivo dos imóveis e coabitação(mais de duas famílias sob o mesmo teto).Embora o tamanho das famílias tenhadiminuído nos últimos anos, dada a que-da da taxa de natalidade que se vem veri-ficando, o adensamento e a coabitaçãoainda são elevados – um indicador da es-cassez de oferta de moradias, e, conse-qüentemente, de seu preço elevado.

Alguns fatores contribuem para tornar asituação mais complexa. Um deles é de cu-nho legislativo.A regulação do uso do soloe os padrões construtivos encarecem os ter-renos e a construção. Segundo Diana Mot-

ta, pesquisadora do Ipea e secretária deHabitação do Distrito Federal, a soma des-ses fatores,com o monopólio do uso da ter-ra, dificulta a queda dos custos com ha-bitação. Conforme as leis vigentes, a apro-vação do loteamento de uma propriedadeleva de oito a dez anos.“A legislação federal,somada às exigências estaduais e locais, e àlentidão e complexidade dos processos deaprovação, cria um ambiente arriscado epouco atrativo para o setor privado formal.Empurra para a informalidade a oferta de

Viva Rio/Iser

Cerca de 16 mi lhões de famí l i as bras i le i ras v i vem em morad ias precár ias, em suamaior ia na per i fer ia de grandes c idades. Muitas não têm t í tu lo de propr iedade,acesso a água, lu z, esgoto, esco la ou posto de saúde. Formam uma mul t idão debrasileiros destituídos de direitos fundamenta is de c idadan ia

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solo urbano para as camadas populares”,explica George Alex da Guia, mestre emplanejamento urbano pela Universidade deBrasília (UNB). Fatores como a definiçãoda metragem mínima dos terrenos, ou dasvias, fazem com que muitos empresáriosoptem por vender lotes sem cumprir à riscao que prevê a lei.Assim,no mercado formalo setor privado atende apenas a uma peque-na parte da demanda, aquela com capaci-dade de pagamento e endividamento: geral-mente famílias com renda acima de 12salários mínimos, como constata Maria daPiedade Morais, pesquisadora do Ipea. Aimensa massa restante fica à mercê dos queoperam à margem da lei.“Pode-se afirmarque estar dentro da lei é exceção,e o que de-veria ser exceção passou a ser regra”, dizErmínia Maricato, ex-secretária executivado Ministério das Cidades e professora daFaculdade de Arquitetura e Urbanismo(FAU) da Universidade de São Paulo (USP).

Além do problema da regulação, háquestões relacionadas à estrutura do go-verno responsável pela área habitacional.Existe uma divisão entre o Ministério dasCidades, que propõe e promove progra-mas, mas não tem recursos; e a Caixa Eco-nômica Federal (CEF), agente financeiroque tem recursos,mas não pensa a questãoda habitação como um todo.“A criação doMinistério das Cidades foi um avanço,e seutrabalho não tem sido ruim considerandoas dificuldades existentes.No entanto,a to-mada de decisão sobre o destino dos recur-sos, por uma instituição com lógica com-pletamente distinta, ainda é um problemainstitucional muito grave a ser soluciona-do”, diz Eduardo Cesar Marques, pesqui-sador do Centro Brasileiro de Análise ePlanejamento (Cebrap) e diretor do Centrode Estudos da Metrópole.

O planejamento, a política habitacionale a gestão do solo urbano têm contribuídopara a exclusão.Segundo Raquel Rolnik,se-cretária nacional de Políticas Urbanas doMinistério das Cidades,a ordem urbanísti-ca,ambiental e jurídica reserva as melhoresterras aos mercados de classe média e nãopermite o acesso dos mais pobres a elas.

“Essa população acaba condenada à ilega-lidade.Condenada!”,diz,de forma incisiva.A conseqüência, conforme explica, é que avida dessas pessoas é marcada pela pre-cariedade – pela falta de condições de habi-tação e de direitos aos serviços do governo.

Meio ambiente Outra face desse mosaicose relaciona a questões ambientais – quenormalmente acompanham o crescimen-to urbano. Populações excluídas se alojamem áreas inadequadas, do ponto de vistade sua própria segurança, e também noque diz respeito à preservação do meioambiente. Há aglomerações de moradiasem beiras de rios, em regiões de manan-ciais, mangues e dunas, por exemplo. Nomunicípio de São Paulo, 1,7 milhão de

pessoas vivem em áreas de proteção demananciais,o que prejudica a qualidade daágua que abastece a cidade e põe em riscoo seu fornecimento futuro.

A pergunta natural seria: por que o go-verno investe na transferência das pessoaspara outros lugares, com melhor infra-es-trutura? A resposta está na dimensão doproblema.“Faria sentido atender com re-cursos públicos uma demanda habitacio-nal de 15% do mercado.O problema é que,hoje,essa demanda soma 70% dos brasilei-ros”, resume Rolnik. Por essa razão, atual-mente a remoção só acontece em lotea-mentos indevidamente instalados em áreasde preservação ambiental – e ainda assimconsiderando o nível de impacto sobre anatureza e o entendimento da Justiça.

18 Desafios • outubro de 2006

No munic íp io de São Pau lo, 1 ,7 mi lhão de pessoas v i vem em áreas de proteção de

Doze milhões de famílias que vivem sem serviços básicos ganham menos de cinco salários míminos mensais

Viva Rio/Iser

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Desaf ios • outubro de 2006 19

Outras medidas vêm sendo tomadas.A Secretaria Nacional de Habitação, liga-da ao Ministério das Cidades, contabiliza40 bilhões de reais investidos em moradiae saneamento desde o início de 2003. Des-se total, 29,7 bilhões de reais foram aplica-dos para atender 1,7 milhão de famílias –70% das quais com renda mensal de atécinco salários mínimos – em suas neces-sidades ligadas a construção de casas, ur-banização de favelas, reforma de imóveis,compra de material de construção e aqui-sição de terrenos. Outros 10,5 bilhões dereais foram gastos em obras de saneamen-to. Em 2006, o governo federal lançou doispacotes para facilitar a aquisição da casaprópria. Em fevereiro, liberou 18,7 bilhõesde reais de crédito e reduziu impostos so-bre material de construção.

O segundo pacote,anunciado menos detrês semanas antes das eleições de outubro,somou 8,7 bilhões de reais para emprésti-mos a juros reduzidos. Foi alvo de muitascríticas e acusado de beneficiar mais àsconstrutoras do que àqueles que precisamrealmente de casa.“E os pobres,onde ficam?Quem ganha pouco vai continuar sem po-der comprar imóvel”, reclama a secretáriado Ministério das Cidades, Raquel Rolnik.

Há sinais, entretanto, de que as iniciati-

mananciais, o que prejudica a qualidade da água e põe em risco o fornecimento futuro

vas governamentais, tomadas ao longo dosúltimos anos,começam a surtir efeito.Con-forme dados do Radar Social 2006,do Ipea,entre 2001 e 2004 houve uma redução de11,1% para 9,8% na proporção da popula-ção residente em domicílios com adensa-mento excessivo (mais de três pessoas dor-mindo no mesmo quarto).No estudo,o ca-pítulo que trata de moradia, coordenadopela pesquisadora Maria da Piedade Mo-rais,toma por base os números da PesquisaNacional por Amostra de Domicílios (Pnad).Constata que a proporção de moradores emáreas com irregularidade fundiária caiu de5,7% para 4,8%; e que a de residentes quesofrem ônus excessivo de aluguel registrouredução de 4,2% para 3,5% (veja gráficos na

seção Indicadores, na pág. 64).

Alternativas de solução Ao longo do re-gime militar, por cerca de duas décadas,usou-se transferir, para regiões periféricas,famílias de baixa renda que viviam próxi-mas ao centro de grandes cidades.A medi-da era autoritária a não contemplava neces-sidades fundamentais dessa gente. Distan-tes do mercado de trabalho, as novas áreasnão contavam sequer com serviço de trans-porte público.

Desde meados da década de 1980, com

a redemocratização, a tônica das políticaspúblicas adotadas passou a ser a adequaçãoda infra-estrutura dos locais onde as pes-soas já estão instaladas.Cuidou-se do trata-mento de esgoto e da construção de esco-las e postos de saúde em áreas de favelas. Oprimeiro programa federal de apoio a esta-dos e municípios, na questão fundiária,surgiu há poucos anos. Foi o Papel Passa-do, criado em 2003, que já destinou 15 mi-lhões de reais a governos estaduais, pre-feituras e comunidades para a regulariza-ção patrimonial e administrativa dos assen-tamentos urbanizados.

O Papel Passado também prevê a re-gularização, pelos municípios, de terrenosda União, Rede Ferroviária Federal S.A.(RFFSA) e de outros órgãos federais; alémde proporcionar, em parceria com cartó-rios, a gratuidade do registro dos imóveis.Possibilitou o início do processo de regu-larização fundiária de mais de 1 milhão dedomicílios de famílias de baixa renda, em1,2 mil assentamentos. Delas, 214 mil fa-mílias já receberam títulos definitivos depropriedade.A abrangência do programa:218 municípios de 26 estados.“A estratégiafoi não só repassar recursos diretamente,mas também promover treinamento, ca-pacitação e, sobretudo, remoção de obs-táculos à regularização plena”, esclarece asecretária Rolnik.

No âmbito municipal, o maior progra-ma de urbanização e regularização fun-diária em andamento no país é o Favela-Bairro, da prefeitura do Rio de Janeiro. Emdoze anos, atendeu 556 mil moradores de143 comunidades com todo tipo de me-lhorias: abertura e pavimentação de ruas;implantação de redes de água, esgoto edrenagem; construção de creches, praças,áreas de esporte e lazer; e canalização derios. Famílias alojadas em áreas de riscoforam transferidas e receberam título depropriedade de novas habitações. A con-tenção e o reflorestamento de encostas,além da construção de marcos limítrofes,têm conseguido evitar a expansão urbanae permitido o reconhecimento de nomesde ruas, logradouros, com a definição deSegundo estimativas do Ipea, 40,5% dos domicílios brasileiros apresentam condições precárias

Viva Rio/Iser

habitação 04/10/06 10:49 Page 19

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pladas ao passaporte para a cidadania (oendereço regular, no caso) estão as faturasde água, luz e Imposto Predial e Territori-al Urbano (IPTU).Aí a questão atinge umespectro ainda mais largo. O aumento darenda é essencial para a manutenção das

pessoas em casas que possam ser chama-das assim. E a melhor maneira de alcançaresse objetivo é a criação de postos de tra-balho.

“A aquisição de um lote de terra é aspi-ração comum, uma vez que representa se-gurança e status.Isso se verifica em todas asclasses sociais, mas principalmente nas ca-madas de menor poder aquisitivo, que al-guns anos atrás conseguiam comprar ter-renos a prestação em loteamentos periféri-cos”, diz Maria Ruth Amaral de Sampaio,professora da Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da USP.

Essa é uma face da moeda: a valoriza-ção da propriedade. A outra é a da mora-dia em condições razoáveis em imóveisalugados. Maria da Piedade Morais, doIpea, acredita nessa alternativa.“A políticahabitacional oficial esteve calcada no aces-so à casa própria, sendo que grande partedas necessidades habitacionais das famíliasé ampliação e reforma progressiva da re-sidência e moradia para aluguel de famíliasjovens”, argumenta. E cita os casos das po-líticas de habitação holandesa e inglesa,baseadas no aluguel social.

Considerando a complexidade e a ur-gência das questões habitacionais, nenhu-ma possibilidade de solução deve ser des-cartada. O que não se pode admitir é que amaioria dos brasileiros viva à margem dosserviços urbanos, dos serviços públicos,dos benefícios da vida nas cidades, enfim,da cidadania.

20 Desafios • outubro de 2006

O Fave l a -Ba i r ro, da pre fe i t u ra car i oca , a tendeu 556 m i l pessoas em doze anos

códigos de endereçamento postal (CEP).Tudo seria mais fácil se, com casa regu-

larizada e quartos suficientes para abrigara família com alguma salubridade, as famí-lias não tivessem de arcar com os custos doserviço público que recebem. Ou seja: aco-

• 7,2 milhões de domicílios é o déficit habitacional total, urbano e rural, do país.

• 58% do déficit habitacional é registrado nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Minas Gerais, Bahia e Pará.

• 5,7 milhões de pessoas despendem mais de 30% da renda no pagamento de aluguel.

• 78,5% dos residentes em favelas estão concentrados em nove regiões metropolitanas (dado referente ao ano 2000).

• 17 milhões de habitantes se alojam em moradias pequenas, com mais de três pessoas por dormitório.

• 57,7 milhões de pessoas não têm acesso a coleta de lixo, água encanada e esgotamento sanitário (dado referente ao ano 2000).

• 9,8 milhões de brasileiros vivem em domicílios construídos sem regularização fundiária.

Os números do problema

Fonte: Radar Social/Ipea e Relatório Nacional do Desenvolvimento dos Objetivos do Milênio/Ipea

d

Viva Rio/Iser

Burocracia e complicações legais dificultam a legalização de posses e favorecem o crescimento de favelas

habitação 04/10/06 10:50 Page 20

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M a r i a d a P i e d a d e M o r a i s *

Desafios • outubro de 2006 21

ARTIGO

“Pode-se afirmar

que os assentamentos

precários se

configuram como

a materialização

das violações

aos direitos humanos

e sociais básicos”

e acordo com o relatório da agência daOrganização das Nações Unidas paraAssentamentos Humanos (UN-Habi-tat), The State of the World's Cities 2006/

2007, quase 1 bilhão de pessoas moram em as-sentamentos urbanos precários no mundo. NaAmérica Latina e no Caribe, são 134 milhões. OBrasil contribui com 39% desse total, ou 52 mi-lhões de pessoas.As estimativas do Habitat apon-tam que, mantida a situação atual, até 2020 se-rão acrescidos a esse passivo brasileiro 2,7 mi-lhões de pessoas. O relatório também enfatizaque há forte correlação entre a precariedade dascondições de moradia e baixos indicadores dedesenvolvimento humano, mostrando que “olugar de moradia importa”.A existência de umaou mais inadequações habitacionais ameaça saú-de, educação e acesso às oportunidades de em-prego dos moradores: eles passam mais fome,têm menor probabilidade de conseguir empre-go bem remunerado no setor formal, possuembaixo nível educacional, são mais vulneráveis adoenças e morrem mais cedo do que a média dapopulação urbana. Assim, pode-se afirmar queos assentamentos precários se configuram co-mo a materialização das violações aos direitoshumanos e sociais básicos.

O Brasil tem ratificado os principais pactos,convenções e declarações da Organização dasNações Unidas (ONU) que incluem o direito àmoradia como parte indissociável para os direi-tos humanos (Declaração Universal dos DireitosHumanos e Pacto Internacional de Direitos Eco-nômicos,Sociais e Culturais,entre outros).No âm-bito legislativo nacional, destacam-se a inclusão,em 2000, da moradia entre os direitos sociais mí-nimos da população e a homologação do Esta-tuto da Cidade, no ano seguinte, que introduziudiversos instrumentos para garantir o direito acidades sustentáveis, o cumprimento da funçãosocial da propriedade e a regularização fundiáriade assentamentos informais. A prioridade da ti-tularidade da moradia a mulheres e idosos nos

programas habitacionais, a urbanização de fave-las, a regularização fundiária e a melhoria habita-cional em quilombos e reservas indígenas tam-bém são exemplos dos esforços empreendidospelo governo no sentido de garantir o direito àmoradia adequada.

Embora tenha ocorrido sensível melhora nascondições de moradia da população brasileiraentre 1992 e 2004 – com a proporção de pessoasresidentes em domicílios urbanos adequadospassando de 48,0 % para 60,4% –, o grau aindaé bastante desigual entre grupos socioeconômi-cos e regiões do país. O índice de adequação damoradia no Sudeste (88,5%) é mais do que o do-bro do registrado no Norte (40,4%). Entre aspessoas com renda até meio salário mínimo, ograu de adequação é de apenas 31,0%, ao passoque 78,7% da população com renda superior acinco salários mínimos vive em domicílios ade-quados. A desigualdade racial é gritante. A taxa,para os brancos, é de 70,7%, enquanto somente48,2% dos pretos e pardos apresentam condiçõesadequadas de habitabilidade. Crianças até 12anos também apresentam condições de moradiainferiores aos das demais faixas etárias.

Nesse contexto, é urgente o aumento substan-cial nos investimentos em saneamento básico ehabitação, além da revisão das políticas habita-cionais e de desenvolvimento urbano para o al-cance das metas 10 e 11 dos Objetivos de Desen-volvimento do Milênio (ODMs), e a universali-zação do direito a moradia adequada para todosos cidadãos brasileiros.

Uma versão completa desse estudo, o artigo“Monitorando o direito à moradia no Brasil”,publicado no Boletim de Políticas Sociais n.º 12,está disponível no site do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea): www.ipea.gov.br.

Maria da Piedade Morais é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econô-

mica Aplicada (Ipea). (*) Artigo escrito com a colaboração de George Alex da

Guia, mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília

Como anda o direito àmoradia no Brasil?

DDivu

lgaç

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O Brasil vira centro de excelência para projeto e desenvolvimento de novos modelos de veículos

fabricados pelas montadoras instaladas há mais tempo no país e exporta produtos e tecnologia,

como, por exemplo, o conceito p ione iro de fábr ica modular de caminhões da Volkswagen

INDÚSTRIA

Mudança de marchaLinha de montagem do Fox, o modelo compacto criado e fabricado no Brasil pela Volkswagen

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vice-presidente de engenharia da GM paraAmérica Latina,África e Oriente Médio,“oAstra sedã criado no Brasil como um de-rivativo do Astra hatch back mundial foi oembrião do Meriva, lançado em 2002, ecertificou a capacidade da GM do Brasil deser um criador mundial de veículos.” Foiesse exatamente o passo seguinte. Atual-mente,a GM executa projetos inteiramentenovos.“Agora,somos também responsáveispela criação de arquiteturas globais”, con-ta Pinheiro Neto.Neste instante, a empresaprepara os detalhes finais do lançamentodo Prisma, um sedã criado com base noCelta, que também é um projeto da equipebrasileira da GM. Para isso foi necessárioinvestir 240 milhões de dólares na moder-nização e na ampliação da fábrica no Com-plexo Industrial de Gravataí, no Rio Gran-de do Sul, que terá sua capacidade de pro-dução anual aumentada dos atuais 120 milveículos para 230 mil em 2007.

A indústria automobilística brasileiramudou de rotação na década de 1990. Osinal de partida veio no governo de Fer-nando Collor de Mello, que qualificou co-mo “carroças”os automóveis fabricados poraqui e tratou de baixar as tarifas e estimu-lar a entrada de carros importados. O cho-que da competição dos importados fezcom que as montadoras instaladas no paísesquentassem os motores e tratassem delançar novos veículos e investir no desen-volvimento local.A competição se acirrouainda mais depois que a estabilização daeconomia, em 1994, atraiu para cá novosfabricantes de automóveis e comerciaisleves, como Toyota, Honda, Renault, Peu-geot, Citroën, Nissan e Mercedes-Benz.

Foi um longo percurso desde 1892,quando Alberto Santos Dumont,então com18 anos, importou um Peugeot, o primeiroveículo motorizado a rodar no Brasil. Em1962, os engenheiros da fábrica WillysOverland,em São Bernardo do Campo,SãoPaulo, marcaram época ao participar daadaptação do novo modelo do Aero WillysItamaraty fabricado no Brasil, baseado nooriginal norte-americano. Também foi das

oucos brasileiros que viajam para aEspanha e alugam um Meriva sa-bem que o desenho e o projeto des-se monovolume compacto da Ge-

neral Motors (GM) foi feito no Brasil, em-bora seja fabricado na fábrica da Opel emZaragoza, em terras espanholas. Tambémpodem não saber que o Meriva é um dossímbolos da mudança de paradigma da in-dústria automobilística no Brasil, que pas-sou a ser um centro de competência paraprojetar e desenvolver carros que serão feitosem outros países. Por enquanto, esse mo-vimento está restrito às quatro montadorasmais antigas – Ford, General Motors,Volkswagen e Fiat –,que têm escala de pro-dução, capital humano e experiência paratrocar de marcha.As montadoras européiase japonesas que chegaram a partir da déca-da passada ainda estão na fase de adaptar àrealidade brasileira os veículos concebidosna matriz, o chamado processo de tropica-lização. Outro desenvolvimento brasileiroque deverá brilhar no exterior são os mo-tores flex fuel,capazes de funcionar com di-versos tipos de combustível.

A competência brasileira foi construídapelas montadoras mais antigas, que for-maram gerações de engenheiros e vastarede de fornecedores de peças entre as dé-cadas de 1950 e 1980, quando fabricavampor aqui automóveis que há muito tempotinham saído de linha na matriz. Foi o ca-so do Opala, da GM, que ficou em pro-dução por vinte anos no Brasil. José CarlosPinheiro Neto, vice-presidente da GM doBrasil, relembra a trajetória da empresa.“Tivemos nas últimas décadas uma fase deadaptação de novos veículos trazidos doexterior.” Como aconteceu com o Opala,que, ao ser lançado, em 1968, teve sua sus-pensão reforçada para agüentar o tranco derodar no Brasil.“Depois tivemos a fase dodesenvolvimento de derivativos de veícu-los concebidos no exterior.”Dois exemplosdesse processo são a picape baseada noCorsa, em 1994, e o Astra sedã, em 1998,surgido de modelos da Opel alemã.

Na avaliação de Pedro Manuchakian,

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e S ã o P a u l o

P

Fotos Divulgação/VW Brasil

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A abertura das importações, no começo da década de 1990, e a entrada de novos fabricantes

do para fazer os moldes das prensas que irãoestampar as peças. Em paralelo aos desig-ners, uma equipe de engenheiros projetachassi, motor, suspensão e sistemas elétri-cos. Segundo Gerson Barone, gerente deDesigner & Package da Volkswagen do Bra-sil, o processo de criação e elaboração doprojeto de engenharia de um novo auto-móvel leva cerca de 38 meses.

Foi só em 1972,dezenove anos depois dechegar ao Brasil,que a Volkswagen lançou oSP2,primeiro veículo totalmente projetadono país,recorda Barone.O carro,com linhasesportivas, não pegou, mas o modelo se-guinte criado nas pranchetas da fábrica deSão Bernardo do Campo, a Brasília, foi umdos maiores sucessos da indústria automo-bilística instalada no Brasil: cerca de 1 mi-lhão de unidades foram fabricadas entre1973 e 1981,e muitas ainda rodam na peri-feria das grandes metrópoles ou em difíceisestradas de terra do interior.A equipe bra-sileira desenhou a carroceria da Brasília,queusava o conjunto mecânico do Fusca.

Modernidade Tudo muito primitivo se com-parado com o lançamento do Fox, em ou-tubro de 2003, o modelo compacto criadoe fabricado no Brasil que a Volkswagen es-perava usar para inundar o mercado eu-ropeu e concorrer com os produtos dasmontadoras japonesas.A Volkswagen tam-bém estava de olho no mercado interno,di-recionando o Fox para um público jovem.A criação do Fox consolidou a posição daVolkswagen do Brasil como um dos cincocentros de desenvolvimento mundial ca-

pazes de projetar integralmente um novocarro, mas ainda depende da aprovação fi-nal da matriz,em Wolfsburg,na Alemanha.

Nem sempre a qualidade de um veículoé o que determina o sucesso em outros mer-cados. O Fox foi lançado na Europa emmaio de 2005,durante o Salão do Automó-vel de Leipzig, na Alemanha, mas a valo-rização do real reduziu a margem de lucra-tividade do modelo destinado à exportação.Ele deveria chegar ao consumidor final porum preço inferior a 10 mil euros (incluindoequipamentos como airbags, freios ABS evidros elétricos),mas a alta cotação da moe-da brasileira não permitiu.A meta,estabele-cida quando o real não estava tão valoriza-do,era exportar 100 mil carros por ano,masas vendas ao exterior devem ficar em 60 milem 2006,e a fábrica já anunciou que deixaráde exportá-lo em 2009,quando será substi-tuído, no mercado europeu, pelo Pólo fa-bricado na Rússia.

Mas nem mesmo a alta do real impediuque a Volkswagen Caminhões cumprissesuas metas de exportação, com vendas de185 milhões de dólares nos oito primeirosmeses do ano e crescimento de 50% sobreo mesmo período de 2005. Nesse caso, atecnologia e a inovação garantiram a van-tagem competitiva.A fábrica, instalada emResende, no Rio de Janeiro, produz cami-nhões de 5 a 45 toneladas e também chassisde ônibus.Foi inaugurada em 1997 e serviude teste, em escala mundial, de um novoconceito de fabricação de veículos, o Con-sórcio Modular, em que os principais for-necedores estão dentro da fábrica e fazem a

pranchetas da Willys que saiu, em 1968, oprimeiro carro totalmente projetado noBrasil. Ele serviu de base para a linha Cor-cel, lançada logo depois que a empresa foicomprada pela Ford do Brasil. Agora, oEstúdio de Design da Ford está instaladona fábrica de Camaçari, na Bahia, onde se-tenta profissionais conceberam o novoFiesta.“Quando os projetistas e engenhei-ros do Brasil foram para os Estados Unidospara criar e desenvolver o projeto de en-genharia do Ecosport e da primeira versãodo Fiesta, ficou evidente a competência donosso pessoal e a necessidade de criar umdepartamento de design no Brasil”, lembraJoão Marcos Ramos, gerente de estilo daFord do Brasil. O estúdio de Camaçari es-tá ligado em rede com os outros quatrocentros de projeto e desenvolvimento daFord,nos Estados Unidos,na Alemanha,naInglaterra e na Coréia do Sul.

O ponto de partida para lançar um no-vo automóvel é a reunião multideparta-mental,que envolve pessoal de vendas,mar-keting,engenharia e estilo.Após a definiçãodo público-alvo e das características físicas– volume, medidas, potência do motor –, aequipe de design começa a trabalhar,expli-ca Paulo Nakamura,gerente de estilo da Fiatdo Brasil.No começo,muito papel é jogadofora e são gastos milhares de horas de tra-balho com softwares gráficos (leia quadro na

pág. 26),modelos em escala,até que é apro-vada a “cara”do veículo.A fase seguinte já éde responsabilidade da equipe de engenha-ria, que recebe os arquivos digitais com omodelo matemático da carroceria a ser usa-

Onde estão os engenheiros que trabalham com P&D

No Brasil72,1% 4,7% 23,2%

41% 11,1% 75,1%

Empresas privadas

Empresas privadas

Institutos de pesquisa

Institutos de pesquisa

Universidades

Universidades

Na Coréia do Sul

Fonte: Finep

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para 2006.No ano que vem,entrará em fun-cionamento uma nova câmara de teste, fa-bricada na Alfa Romeo da Itália,ao custo de4,5 milhões de reais, que consegue simularas condições de rodagem dos mais diversostipos de piso. Antes de entrar em linha deprodução, os automóveis da Fiat do Brasilsão submetidos a uma elaborada rotina detestes.Começa na estrada,onde um equipa-mento grava, por exemplo, os barulhos in-ternos, produzidos pelo piso ou por qual-quer outra parte do carro.“Foi assim quedetectamos um ruído desagradável no in-terior de um Doblò.Trouxemos a gravaçãopara o laboratório e identificamos os efeitosde cada parte móvel através de um softwareespecial e descobrimos que era provocadopelo semi-eixo dianteiro”, explica o enge-nheiro João Batista Filardi, líder do setor deacústica da área de experimentação da Fiatem Betim. O passo seguinte foi simular, nocomputador, a eliminação da vibração dosemi-eixo e verificar se fazia desaparecer oincômodo som.Funcionou e o resultado foipassado para a área de engenharia, que

modificou a peça. Depois, novos testes deestrada confirmaram que o problema haviasido solucionado.

A área de experimentação contribuiutambém para a fase de desenvolvimento deum novo veículo, explica Gilmar Laignierde Souza, engenheiro que dirige a área deexperimentação da Fiat do Brasil.“Quandoestávamos adaptando o Idea para fabri-cação no Brasil, usamos nosso laboratóriode ótica para trabalhar junto com o fornece-dor e criar um sistema de faróis dianteirocompatível com a realidade brasileira, emque ruas e estradas não têm tanta ilumi-nação quanto na Europa e exigem maiorcobertura em profundidade e largura.”A câ-mara de testes óticos exigiu investimento de270 mil dólares,que incluiu a criação de umsoftware que simula as mais diferentes con-dições de iluminação e o desempenho dosfaróis, permitindo testar diversas combi-nações, conta Souza.

A Fiat do Brasil ampliou a capacidade dedesenvolvimento de produto ao cooperarcom a equipe italiana na criação e na enge-

obrigaram Ford, General Motors, Volkswagen e Fiat a investir e lançar novos modelos

montagem final, enquanto a VolkswagenCaminhões cuida do desenvolvimento e docontrole de qualidade. O sucesso da expe-riência levou a empresa a exportar a tec-nologia e serviços de profissionais brasi-leiros para montar uma fábrica em Puebla,no México, em 2004, e outra na África doSul, inaugurada neste ano.

A tecnologia e a experiência das equipesbrasileiras também foram aplicadas na im-plantação da linha de montagem da peruaSpaceFox,da Volkswagen argentina.Essa di-visão internacional de competências ficaevidente no caso da GM do Brasil,pois 40%de seus recursos de engenharia são dedica-dos ao desenvolvimento e à prestação deserviços para outras unidades do grupo,co-mo a instalação de uma nova linha de pin-tura numa planta da GM no Egito.

Na fábrica da Fiat do Brasil, em Betim,Minas Gerais,veículos produzidos em uni-dades de outros países são testados na áreade experimentação,onde trabalham duzen-tas pessoas,incluindo 87 engenheiros.O se-tor tem orçamento de 26 milhões de reais

Divulgação/Fiat

Na fábrica da Fiat do Brasil, em Betim, veículos produzidos em unidades de outros países são testados na área de experimentação

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As mon tadoras vo l t a ram a con t ra ta r t écn i cos para a á rea de desenvo l v imen to .

Na opinião de Cláudio Demaria, enge-nheiro italiano formado na Politécnica deTurim,diretor de engenharia de produto daFiat brasileira, o Brasil virou um centro dedesenvolvimento tecnológico não apenasem motores de baixa cilindrada ou emmodelos compactos, mas também em sus-pensão.Ele acredita que a aprovação da Leide Inovação e da Lei do Bem – que conce-dem benefícios fiscais às empresas que in-vestem em inovação e desenvolvimento tec-

nharia do Palio, lançado em 1996,que foi oprimeiro carro mundial da Fiat destinadoespecialmente aos mercados dos países emdesenvolvimento,com condições diferentesdas existentes na Europa.Em 1999,a equipede estilo e engenharia da Fiat criou a versãoAdventure da perua Week End. Da mesmafamília do Palio,ela abriu um novo filão nomercado brasileiro,por ser um veículo com“jeitão”de offroad.A Adventure exigiu mu-danças de estilo e engenharia, como sus-pensão reforçada e maior distância do solo.“Parece que é muito simples fabricar umcarro da linha Adventure,bastaria fazer mu-danças na parte externa,colocar um poucomais de plástico, mas implica milhares dehoras de projeto de estilo e engenharia,porexemplo, para avaliar os efeitos do aumen-to da altura em relação ao solo sobre a esta-bilidade. Isso requer redefinir muitos com-ponentes”, explica Souza, responsável pelaárea de experimentação da Fiat do Brasil.

Populares A Fiat também foi pioneira aocomeçar a fabricar no Brasil veículos commotores de baixa cilindrada. O lançamen-to do Uno Mille, em 1990, abriu um novomercado, com carros populares que es-tavam ao alcance do orçamento de con-sumidores que até então nem sonhavam em

Daniel Vicentini tem 25 anos e trabalha noCentro de Estilo da Fiat do Brasil, em Betim,MinasGerais. Ele é um dos diversos funcionários queparticiparam do processo de criação do Idea Ad-venture, lançado em setembro. Vicentini prefereusar uma caneta especial e desenhar direto na te-la do computador, o que garante mais precisão ebrilho, aplicando o software Cintiq.Outros, porém,continuam desenhando no papel. Depois que re-cebem o briefing com as características do mo-delo que devem criar ou adaptar, os 49 profissio-nais do Centro de Estilo têm muito que conversar,e alguns designers começam a trabalhar nas for-mas externas, apresentando centenas de esboços

até que seja aprovado o desenho final.Tambémsão feitos pequenos modelos em argila.No passa-do,conta Paulo Nakamura, líder de equipe do Cen-tro de Estilo, também fazíamos três ou quatro mo-delos, na escala 1:1, de isopor ou gesso.

Hoje eles só fazem uma maquete em tamanhoreal, com o emprego de uma nova tecnologia.Combase no desenho tridimensional feito no computa-dor, é elaborado um conjunto de especificações eum modelo matemático. Uma máquina fresadoracria uma carroceria em escala 1:1 usando a re-sina epóxi Cibatool. Faróis, lanternas, maçanetase rodas são aplicados e, após a pintura, fica pare-cendo um carro de verdade. Os últimos acertos

são feitos em cima desse modelo, e a versão finalé fotografada e digitalizada. Em seguida, um soft-ware chamado Bunkspeed permite manipular aimagem,alterar cores e detalhes,criar o efeito deluz refletida no carro em movimento e inseri-lanos mais diversos cenários virtuais, de uma praiaa uma avenida, ou mesmo colocá-la lado a lado,no trânsito, com um modelo concorrente.

Enquanto o exterior do carro está sendo defi-nido, outra equipe desenha todos os detalhes dointerior, dos tecidos que serão utilizados no reves-timento aos detalhes do painel. Esse processoocorre mesmo quando se trata de um modelo jáfabricado na Itália, pois ele tem de ser adaptadoao gosto do consumidor brasileiro.Dois designersde moda trabalham no Centro de Estilo de Betim e

Talento e tecnologia na criação

comprar um carro zero. O filão dos carroscom motores de 1.000 cilindradas estouroudepois de 1994, quando a inflação caiu, epassou a ser explorado por quase todos osfabricantes de automóveis e comerciais le-ves.A partir dessa fase, as grandes monta-doras instaladas no Brasil dominaram o ci-clo de desenvolvimento e produção dosmotores de baixa cilindrada e dos carroscompactos e começaram a exportar o pro-duto e a tecnologia para outros países.

Gilmar Laignier de Souza, engenheiro que dirige a área de experimentação da Fiat do Brasil

Divulgação/Fiat

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Desaf ios • outubro de 2006 27

nológico – poderá atrair novos investimen-tos para o Brasil. A Fiat já participava doPrograma de Desenvolvimento Tecnoló-gico e Industrial (PDTI) do governo fede-ral, que dá uma série de descontos em im-postos às indústrias que aplicam em pes-quisa e desenvolvimento (P&D),permitin-do até 6% dos investimentos nessas áreas.Uma especialista foi contratada para calcu-lar as vantagens da Lei do Bem e da Lei deInovação, e concluiu que o novo sistemapoderá proporcionar um retorno de,no mí-nimo, 29% das aplicações em P&D feitaspela Fiat. Não é pouco dinheiro. Em 2005,a empresa investiu 159 milhões de reais emativo fixo e outros 135,5 milhões de reaisem P&D. Os números dão uma dimensãodos ganhos que a montadora italiana terácom o novo sistema de incentivos,especial-mente porque a fábrica reverteu o quadrode prejuízos colhidos em 2003 e 2004 e al-cançou lucro líquido de 511 milhões dereais em 2005. A Fiat do Brasil está prepa-rando o pedido formal de inclusão no no-vo sistema de benefícios para quem investeem P&D, o que abrirá as portas para au-mento das linhas de pesquisa e do quadrode pesquisadores.

“A ampliação dos benefícios fiscais paraquem investe em P&D cairá como uma lu-

va para as montadoras instaladas no Brasil,especialmente no momento em que as-sumem novas responsabilidades na criaçãoe no projeto de engenharia”, avalia MarioSalerno, diretor da Agência Brasileira deDesenvolvimento Industrial (ABDI), liga-da ao Ministério do Desenvolvimento ePolítica Exterior, e responsável pela coor-denação da Política Industrial Tecnológicae de Comércio Exterior (Picte). As vanta-gens também serão extensivas às empresasde autopeças. Tanto para as estrangeiras,como a Robert Bosch do Brasil e a Mag-netti Marelli,pioneiras na fabricação do sis-tema de injeção eletrônica que permite aosveículos rodar com diferentes combustíveis;como as de capital nacional, como a Arteb,que produz faróis.

Concorrência Mas Salerno adverte que asfiliais brasileiras das montadoras terão dedisputar os novos projetos com as co-irmãsinstaladas na Rússia e na Índia, que com-petem ferozmente para assumir novos de-senvolvimentos de veículos e contam comuma força de trabalho bastante qualificadapara o projeto e a produção.

Por enquanto, o Brasil ainda tem van-tagem competitiva sobre Rússia, China eÍndia, porque a indústria automobilística

já está instalada aqui há cinqüenta anos eformou capital humano na área de enge-nharia e desenvolvimento, diz GáborDeák, presidente da Sociedade de Enge-nheiros da Mobilidade (SAE Brasil) e daDelphi América Latina, fabricante de au-topeças de origem norte-americana.“Masé preciso tomar cuidado, pois a vantagemtende a diminuir rapidamente. O câmbioatrapalha, os salários daqui são mais altose os novos competidores devem ganhar ex-periência rapidamente, como aconteceucom a Coréia do Sul”,alerta Déak.Para ele,o Brasil tem de encurtar o tempo de for-mação de um engenheiro especialista emindústria automobilística e, para isso, asempresas devem investir para que façammestrados profissionalizantes. Um bomsinal nesse sentido é que as montadorasvoltaram a contratar técnicos para a áreade desenvolvimento, como aconteceu naGM do Brasil, que já tinha 650 pessoas noCentro de Desenvolvimento e no Campode Provas e contratou 300 novos enge-nheiros e designers em fevereiro. Até o fi-nal de 2008, a GM do Brasil pretende ter1,2 mil profissionais nos setores de desen-volvimento e estilo.

De fato, apesar dos bons indícios, a in-dústria automobilística brasileira aindatem uma longa estrada a percorrer até al-cançar competidores, como a Coréia doSul, que lançou os fundamentos do mo-delo industrial exportador na década de1980, quando já tinha uma força de traba-lho bem mais preparada do que a brasilei-ra.“Brasil e Coréia do Sul formam um nú-mero semelhante de engenheiros, mas lá amaioria está empregada na indústria”,pon-dera Déak. Um estudo realizado pela Fi-nanciadora de Estudos e Projetos (Finep),órgão ligado ao Ministério da Ciência eTecnologia (MCT), mostra que 72% doscientistas e engenheiros existentes no Brasilestavam nas universidades e só 23% emempresas privadas (veja gráficos na pág. 24),enquanto na Coréia do Sul 13% se dedi-cavam a atividades docentes e 79% atua-vam nas empresas, o que ajuda a explicar aforça da indústria coreana.

A GM do Bras i l empregou 300 novos engenhe i ros e des igner s em feve re i r o

estão sempre atentos aos desfiles de moda, embusca de inspiração para definir cores, materiaise texturas do acabamento interno.Até finalizar adefinição de todos os detalhes, o processo decriação de um novo modelo pode demorar doisanos apenas na área de estilo.

A tecnologia tende a acelerar esse proces-so, como acontece no Centro de Desenvolvimentoda GM do Brasil, onde existe uma caverna virtu-al, em que computadores e um software de rea-lidade virtual permitem visualizar os diversos es-boços de carros em três dimensões. Mesmo as-sim, até chegar a esse ponto, milhares de horasde talento humano foram gastas para conceberum desenho que mereça ser virtualizado em trêsdimensões.

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Divulgação/Fiat

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AGRICULTURA

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

Iara

Vena

nzi/k

ino.

com.

br

Quanto custa o rótulo

Transgênicos 04/10/06 11:46 Page 28

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Em seis anos, o Brasil terá de identif icar, com detalhes, os produtos exportados

que contenham componentes transgênicos. Faltam laboratórios para fazer o

serviço, não se sabe ao certo o valor dos investimentos necessários para atender

à ex igênc i a e quan to e l es podem render na conqu i s ta de novos mercados .

Transgênicos 04/10/06 11:48 Page 29

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30 Desafios • outubro de 2006

A área ocupada por plantações com sementes alteradas, no mundo, aumentou mais de

cultivo de produtos agropecuáriosgeneticamente modificados já éuma realidade irreversível no pla-neta.A área ocupada por planta-

ções com sementes alteradas aumentoumais de cinqüenta vezes em uma década.Saltou de 1,7 milhão de hectares em seispaíses, em 1996, para 90 milhões de hec-tares em 21 países, em 2005 (veja o mapa,

com gráfico, na pág. ao lado). O fato, reco-nhecido,provocou a assinatura de um acor-do, o Protocolo de Cartagena sobre Bios-segurança, numa reunião realizada emCuritiba, no Paraná, em março deste ano,em que estiveram presentes representantesde 130 países. Ali, depois de muita dis-cussão,foram estabelecidos dois marcos demudança para produtos exportados quepossibilitem a adaptação dos sistemas às no-vas exigências de mercado. Nos casos emque é possível rastrear,segregar e identificaros transgênicos de imediato, os carrega-mentos voltados para o consumo humanoou animal,ou para o processamento,levama expressão “Contém organismos vivos ge-neticamente modificados (OVMs)”.Paísesque ainda não estejam equipados para rea-lizar os testes necessários estão autorizadosa gravar a expressão “Pode conter OVMs”em suas cargas, pelo prazo de seis anos, de-pois dos quais todo o carregamento deveráser claro e detalhadamente especificado.Em2010, haverá nova reunião de avaliação.

O Brasil terá de se movimentar.“Hoje,mistura-se tudo. Em breve será precisoplantar em áreas isoladas, usar colheita-deiras e silos separados, transportar emdiferentes caminhões e fazer testes em di-ferentes etapas”, diz Rubens Onofre Noda-ri, gerente de recursos genéticos do Minis-tério do Meio Ambiente (MMA). Ou seja,as práticas terão de mudar de forma radi-cal. Mais. Existem dois tipos de teste para aidentificação da presença de organismosgeneticamente modificados (OGMs). Umdeles, conhecido como teste da fita, é sim-ples e rápido.Realizado em folhas,indica se

elas são transgênicas em poucos minutos,mas não especifica variedade e quantidadedos organismos que contêm e, portanto,não satisfaz os requisitos firmados no Pro-tocolo. Custa algo em torno de 2,5 dólares.O segundo exige trabalho em laboratório.Combina análise de DNA com uma sériede ensaios de reação que indicam a quan-tidade e os tipos de OGM presentes numaamostra (de folhas, grãos ou produtos in-dustrializados). Seu custo varia de 250 a300 dólares.E o Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento (Mapa) só cre-denciou cinco laboratórios para aplicá-lo.

O

O algodão é uma das duas culturas transgênicas permitidas no Brasil

Marcos Bergamasco/Folha Imagem

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Desaf ios • outubro de 2006 31

c inqüenta vezes em uma década. Chegou a 90 mi lhões de hectares em 2005

Economia e ideologia Ainda há muita po-lêmica em torno do assunto. Os contráriosà agricultura transgênica afirmam que osOGMs podem causar impactos no meioambiente e na saúde de pessoas e animais.Os favoráveis garantem a comprovaçãocientífica da segurança dos transgênicos.As discussões têm duas faces. Uma é, porassim dizer, ideológica: reflete diferentesvisões de mundo e concepções acerca dopapel e do processo do desenvolvimentocientífico e tecnológico. A outra é econô-mica.“Penso que o debate começou com atentativa de o mercado agrícola europeu se

proteger do mercado norte-americano,muito mais produtivo. É um movimentoideológico, sem dúvida, mas no fundo nãohá polêmica: os transgênicos foram bemestudados”, afirma Elíbio Rech, pesquisa-dor da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária(Embrapa).

No encontro de Curitiba, o consensonão foi fácil. Uma das oposições mais for-tes veio do México, que acabou obtendouma concessão entendida por muitos co-mo ameaça de flexibilização: um adendoque elimina a necessidade de identificaçãodos carregamentos em casos de comércio

bilateral entre um país signatário do Proto-colo e outro não signatário. O pedido temexplicação. O México exporta, anual-mente, milhões de dólares em grãos paraos Estados Unidos, opositores ao estabe-lecimento de normas internacionais deidentificação dos carregamentos para ex-portação.Argentina e Canadá, que ao ladodos Estados Unidos são os maiores produ-tores e exportadores de organismos geneti-camente modificados, também não sãosignatários do Protocolo de Cartagena.“Aadesão impediria queixas na OrganizaçãoMundial do Comércio, caso a União Euro-péia, por exemplo, não queira comprar or-ganismos geneticamente modificados”,ex-plica Marijane Lisboa, professora de Rela-ções Internacionais da Pontifícia Universi-dade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A resistência dos países europeus e doJapão aos transgênicos é conhecida, mascomeçam a surgir, também aí, sinais demudança. Portugal e Alemanha já autori-zaram o cultivo de milho transgênico, e aComissão Européia, braço executivo daUnião Européia, liberou o cultivo de doistipos de milho,para a produção de alimen-tos, e de um terceiro, para ração animal.

Para todo gosto De qualquer forma, setrabalhar direitinho o Brasil poderá for-necer tudo que o mercado demandar:produtos transgênicos, convencionais eorgânicos (leia o quadro Níveis de Tolerân-

cia, na pág. 34). Terão de ser feitos investi-mentos, mas haverá a possibilidade deabertura de novos mercados. “Se o paísconseguir organizar sua cadeia produtiva,vai se tornar competitivo e terá credibi-lidade. A cada ano as exigências vão au-mentar, pois as pessoas estão cada vezmais preocupadas com a qualidade dosalimentos. Em dez anos, produtos trans-gênicos ou não terão de ser rastreados”,acredita Nodari, do MMA.

Um caso concreto pode servir de parâ-metro para a inferência das transforma-ções que estão por vir. É o da CaramuruAlimentos, uma das maiores empresasnacionais de processamento de grãos do

Total Industrializados Em desenvolvimento

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Fonte: Clive James, 2005.

Área global de lavouras GMMilhões de hectares (1996 a 2005)

País Área Variedade

1 EUA 49.8 soja, milho, algodão, canola, abóbora, papaia

2 Argentina 17.1 soja, milho, algodão

3 Brasil 9.4 soja

4 Canadá 5.8 canola, milho, soja

5 China 3.3 algodão

6 Paraguai 1.8 soja

7 Índia 1.3 algodão

8 África do Sul 0.5 milho, soja, algodão

9 Uruguai 0.3 soja, milho

10 Austrália 0.3 algodão

Área das lavouras geneticamente modificadas (GM)Em milhões de hectares (2005)

Fonte: Relatório do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA)

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

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O Bras i l poderá fornecer tudo que o mercado demandar : produ tos transgên icos,

Mapa indicam que a taxa de grãos geneti-camente modificados gire em torno dos17% no país. E trata-se, aí, da soja, o grãotransgênico mais disseminado no planeta.A soja tolerante aos herbicidas ocupa 60%da área plantada no mundo. Catorze dos21 países produtores, entre eles EstadosUnidos,Argentina, Brasil, Canadá, China,Paraguai, Índia, África do Sul, Uruguai,México e Espanha, são megaprodutores:cultivaram 50 mil hectares ou mais em2005, de acordo com o Serviço Inter-nacional para a Aquisição de Aplicaçõesem Agrobiotecnologia (ISAAA, na siglaem inglês), instituição formada por cen-tros de monitoramento e avaliação do usoda biotecnologia para a promoção do de-senvolvimento da agricultura. Outra infor-mação do Serviço: o valor das colheitastransgênicas deve atingir 5,5 bilhões dedólares em 2006.

Atualmente, no Brasil, só está autoriza-do o plantio de dois tipos de transgênico,ambos desenvolvidos pela gigante norte-

país.Em 2000,ela optou por não mais pro-duzir derivados de soja com ingredientesgeneticamente modificados. Segundo Ed-wirges Michellon, coordenadora de garan-tia de qualidade da Caramuru, a decisãoatendeu às exigências de clientes preocu-pados com a segurança alimentar e deu àmarca um diferencial. “Nossas exporta-ções só aumentaram desde então”, diz. Osprincipais compradores do farelo e da leci-tina de soja da marca são países europeus,Japão e Estados Unidos.A empresa tem 45armazéns, cada um com um coordenadorresponsável pela coleta e pela realização doteste da fita no campo.

Um segundo teste da fita ocorre nos ca-minhões que transportam a soja dos ar-mazéns para as cinco unidades industriais.Quando o grão é descarregado, é feito umterceiro teste.E um quarto é aplicado na fa-se de processamento. Uma amostra é en-viada para prova em laboratório a cada 12mil toneladas. No porto, a carga é submeti-da a um novo teste laboratorial, e um ter-

ceiro é realizado durante o carregamentodos navios.“Essas etapas são fundamen-tais para garantir a rastreabilidade do pro-cesso”, diz Michellon.“Os custos compen-sam porque os importadores são bonsclientes.”A Caramuru paga um bônus pa-ra que os produtores plantem soja conven-cional, além dos gastos com os testes e coma certificação das sementes. O investimen-to da empresa, em recepção, armazena-gem, aquisição de locomotivas e vagõesgraneleiros, para se adequar ao novo for-mato somou 130 milhões de reais.

Megaprodução No ano passado, o Brasil setornou o terceiro maior produtor de ali-mentos transgênicos do planeta – perdeuapenas dos Estados Unidos e da Argentina(veja tabela com o ranking dos produtores na

pág. 31).A área de plantio de soja genetica-mente modificada aumentou 88%. Foramcultivados cerca de 22 milhões de hectares,que resultaram na colheita de 53,4 milhõesde toneladas de grãos. As estimativas do

A polêmica em torno dos organismos gene-ticamente modificados (OGMs), popularmenteconhecidos como transgênicos, já fez história.Odebate público em escala mundial teve início emmeados dos anos 1990, quando ocorreram asprimeiras colheitas de grãos alterados genetica-mente. O movimento de resistência surgiu emtorno da Campanha por Segurança Alimentar(Campaign for Food Safety), movimento queagregou diversas organizações não-governa-mentais.Desde então,o número de entidades en-volvidas e as ações empreendidas se ampliou.NoBrasil, a mobilização civil teve início no final dosanos 1990,com a campanha Por um Brasil Livrede Transgênicos, abraçada por uma centena deentidades. Suas ações: publicação de cartilhasimpressas e boletins eletrônicos, eventos e man-ifestações públicas, e divulgação de resultadosde testes realizados em alimentos.

A pendenga começou em outubro de 1998,data da primeira liberação comercial do plan-tio de soja geneticamente modificada no país– um tipo de grão tolerante ao herbicida Roun-dup Ready (RR), produzido pela multinacionalMonsanto, uma das maiores empresas de bio-tecnologia do mundo. A liberação ocorreu de-pois que produtores do Rio Grande do Sul usa-ram sementes de países fronteiriços, como aArgentina, onde esse tipo de cultivo já era per-mitido, e pressionaram o governo para que suasafra pudesse ser comercializada. A autoriza-ção saiu, por medidas provisórias, para as sa-fras 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006. Aliberação definitiva, no entanto, veio acompa-nhada de algumas condições, entre elas a ne-cessidade de o agricultor assinar uma decla-ração reconhecendo o uso de OGMs e compro-metendo-se a não usar os grãos gerados em

uma próxima safra. Em relação à soja, é nessepé que as coisas se encontram em 2006, apósa aprovação e a regulamentação da Lei deBiossegurança.

O algodão Bollyard Evento 531, também daMonsanto, é outro capítulo.Seu cultivo foi libera-do pela Comissão Técnica Nacional de Biosse-gurança (CTNBio), vinculada ao Ministério daCiência e Tecnologia (MCT), também com algu-mas exigências. Uma delas: 20% de algodãoconvencional deve ser cultivado em áreas cer-cadas e isoladas para evitar contaminação.

A querela mais recente diz respeito ao plan-tio de milho transgênico – cuja autorização ain-da está em debate na CTNBio.Hoje, das 215 ins-tituições autorizadas a realizar pesquisas emlaboratório e de campo com OGMs, 126 per-tencem ao setor público, 85 à iniciativa privadae quatro a cooperativas.

Quase duas décadas de debates

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c on venc i o na i s e o rgân i c os . Mas te rão de se r fe i to s i n ves t imen tos

Soja: a produção com grãos transgênicos deve gerar 5,5 milhões de dólares em 2006

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem

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A rotulagem aumentará custos, mas o impacto dependerá do processo de amostragem,

americana Monsanto: a soja tolerante aoherbicida Roundup Ready (soja RR) e oAlgodão Bollgard Evento 531, resistente ainsetos (leia o quadro abaixo). A Associa-ção Brasileira dos Produtores de Algodão(Abrapa) estima que a área total de culti-vo no país aumente de 840 mil hectares,na safra 2005/2006, para 970 mil hectares,em 2006/2007 – mas não sabe estimar aparcela dessa produção obtida de semen-tes geneticamente modificadas.

Existe muito mais gente desejando en-trar nesse ramo.Há onze pedidos de libera-ção na fila de espera da Comissão TécnicaNacional de Biotecnologia (CTNBio),liga-da ao Ministério de Ciência e Tecnologia eresponsável pela análise e emissão de pare-ceres acerca de plantio de organismos ge-neticamente modificados. Entre os queaguardam aprovação estão o milho e o al-godão tolerantes ao herbicida glifosato e omilho resistente a insetos.

Custo No momento, a preocupação maiordos produtores é o tal acordo firmado emCuritiba, o Protocolo de Cartagena. Sim,porque como se viu no exemplo da Ca-ramuru Alimentos, toda mudança impli-ca custos. E não existem estudos que per-mitam afirmar, com segurança, qual será oinvestimento necessário, e se ele terá re-torno.“Nossa preocupação diz respeito ao

Desde 2003, vigora no Brasil o Decreto-Lein.º 4.680,que exige a informação,no rótulo,de ali-mentos e ingredientes que contenham mais de 1%de componentes transgênicos.A regulamentaçãoé uma revisão do Decreto-Lei n.º 3.871,para redu-zir o índice de incidência de organismos genetica-mente modificados a serem assinalados.Antes, aindicação no rótulo era exigida a partir de 4%.Pa-ra o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor(Idec), entretanto, a alteração ainda não é satis-fatória. O Idec tem duas reclamações nessa área.

A primeira:muitos alimentos contêm menos de 1%de ingredientes geneticamente modificados – e oconsumidor ignora a informação.A segunda: pro-dutos como bolachas, bolos, massas, chocolates,óleos, margarinas e seus derivados, que sofremprocessamento térmico mais agressivo, têm suasproteínas destruídas, o que impede a detecção deorganismos geneticamente modificados.

“No supermercado não há produtos que tra-gam o símbolo indicando a existência de OGMs,não porque eles não existam, mas porque a infor-

mação desaparece quando entra na fábrica,e nãoexiste fiscalização. A falta de fiscalização porparte do Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento (Mapa) é uma decisão política”,afirma Gabriela Vuolo, coordenadora da área deconsumidores da campanha de transgênicos doGreenpeace.

O Mapa e o Ministério da Justiça (MJ) têm aresponsabilidade de fiscalizar alimentos. Ao MJcabe fazer testes nos produtos finais.“Há trêsanos realizamos coletas anuais por amostragem,

Níveis de tolerância

O milho transgênico já está autorizado para plantio em países europeus, como Portugal e Alemanha, mas

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futuro. Caso a CTNBio autorize o cultivode novos tipos de organismos genetica-mente modificados, os testes mais com-plexos pesarão no orçamento do produ-tor”, diz Marcus Vinícius Segurado Coe-lho, coordenador de biossegurança deOGMs do Mapa.“Certamente, a decisãotomada no âmbito do Protocolo de Carta-gena vai representar aumento de custos,mas o impacto dependerá de decisões queainda precisam ser tomadas: qual e comoserá o processo de amostragem? Quantasamostras serão necessárias? Em que etapasdo transporte o teste precisará ser feito? Dequalquer maneira, os custos podem caircom o tempo, com a generalização do pro-cesso”, relativiza Rech, da Embrapa.

Muitas questões ainda estão penden-tes. O peso dos custos variará, também,conforme a localização da lavoura, as con-dições de transporte, o armazenamento.Nada disso foi ainda avaliado. O que exis-tem são estimativas.“O incremento pode-rá representar apenas 0,5% do valor de 1tonelada de grãos de soja em regiões pró-ximas aos portos. Entretanto, poderá al-cançar de 6% a 8% se as cargas passarempor vários transbordos, diferentes tipos dearmazéns e regiões mistas. Isso ocorrecom o produto do Centro-Oeste, onde se-rá necessário segregar os grãos transgêni-cos dos tradicionais”, diz o engenheiro

agrônomo José Maria da Silveira, pes-quisador do Núcleo de Economia Agrí-cola do Instituto de Economia da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp)e professor nas áreas de Microeconomia eMétodos Quantitativos.

A identificação dos carregamentos,com informações claras e precisas sobre onome da variedade e o gene modificado, éobrigatória, por força de acordo interna-cional, mas é também uma providência deinteresse nacional, fundamental para abiossegurança. Então, o dinheiro que osprodutores terão de investir adquire umcolorido diferente. Passa a compor um in-teresse difuso,de toda a sociedade.“Os gas-tos não serão muito altos e as empresasterão de arcar com isso. E os investimentosiniciais eventualmente serão incorporadosao orçamento dos empreendimentos”,afir-ma Paulo Pacini, coordenador de ações ju-diciais do Instituto Brasileiro de Defesa doConsumidor (Idec).

Está visto que, para o debate se trans-formar em algo mais produtivo, que possaresultar em ações coerentes, justificáveis eefetivas, falta ainda muita informação.Pesquisadores em agronegócios, econo-mistas e especialistas em prospectar mer-cados têm trabalho de sobra a fazer nessaárea. E há urgência. Afinal, seis anos pas-sam num piscar de olhos.

Desaf ios • outubro de 2006 35

das etapas em que serão fe i tos testes e da loca l i zação da lavoura

d

em conjunto com o Ministério Público e os órgãosestaduais de proteção ao consumidor.Não encon-tramos irregularidades”,afirma Ricardo MorishitaWada, diretor do departamento de proteção e de-fesa do consumidor do ministério.“Fiscalizamosprodutos que estão em nosso registro, comorações de origem animal e embutidos, mas nãotemos obrigação de verificar cada etapa da linhade produção. Nos testes que fazemos regular-mente, não foi detectado nenhum produto commais de 1% de componentes transgênicos”, diz

Marcus Vinícius Segurado Coelho,coordenador debiossegurança de organismos geneticamentemodificados do Mapa.

O governo do Paraná editou neste ano seupróprio decreto de regulamentação da Lei de Ro-tulagem,mais rigoroso do que o federal, já que es-tipula a indicação da presença de transgênicos emqualquer porcentagem. A Lei de Biossegurançapermite que a fiscalização seja feita numa parce-ria entre órgãos federais e estaduais.“Já solicita-mos duas vezes ao Mapa esse convênio e a per-

missão nos foi negada. O Supremo Tribunal Fede-ral (STF) barrou o decreto estadual, sob a alega-ção de inconstitucionalidade.Temos infra-estrutu-ra para a fiscalização,mas aguardamos o desenro-lar dos acontecimentos”, reclama Marcelo Silva,engenheiro agrônomo da divisão de defesa sani-tária vegetal da Secretaria de Agricultura e Abas-tecimento do governo do Paraná. Na União Euro-péia,desde 2004 o limite para não rotular um pro-duto como geneticamente modificado é 0,9%. NaSuíça, 0,1%. Na Rússia e no Japão, 5%.

Fernando Donasci/Folha Imagem

ainda não está liberado no Brasil

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36 Desafios • outubro de 2006

Tema de setembro – Previdência social: uma nova reforma énecessária?Na segunda semana do mês, às terças-feiras, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea) promove o evento “Debate sem fronteiras”, que apresenta dois pontos de vistadiversos a respeito de assuntos fundamentais para o desenvolvimento do país. Desafiospublica os artigos que resumem a posição defendida por cada debatedor.

lidez,morte,doença,maternidade,reclusão,etc. Como tal, o sistema previdenciárioapresenta um grau muito baixo de afiliados– 49,5% da população economicamenteativa (PEA) em 2004, sendo 34,6% urba-nos, 8,9% rurais ao RGPS e 6,01% fun-cionários públicos aos vários regimes.

A situação clama por mudanças profun-das no mercado de trabalho,induzindo-o areintegrar-se à economia formal, superadaa estagnação econômica.Ao mesmo tem-po, há que se incluir novas relações de tra-balho na Previdência, com alíquotas con-tributivas e simplificações tributárias com-patíveis com a natureza do setor informal.

É justificável, do ponto de vista demo-gráfico, uma regra de transição de idademínima de aposentadoria – 65 anos parahomens e 60 para mulheres – que intro-duza o limite superior em 2020. Mudançasabruptas não se justificam por critério de-mográfico-previdenciário. No curto pra-zo, a discussão de mudança abrupta trazinstabilidade,além de antecipações de apo-sentadorias, a exemplo do que ocorreu noperíodo 1997-1998, com a tramitação dareforma da Previdência, transformada naEmenda Constitucional 20/98.

É possível equilibrar as dinâmicas de des-pesa e arrecadação com gestão previden-ciária e crescimento econômico que ata-quem a raiz do problema – a filiação previ-denciária.Para o futuro,o cálculo prospec-tivo,mantendo o sistema de direitos vigente,requer basicamente o seguinte:

1. aprofundamento de reforma de gestão

do sistema previdenciário já iniciada (con-trole dos benefícios irregulares,melhoria noatendimento e na gestão dos benefícios porincapacidade, mudanças nas regras de in-clusão do trabalho informal, aperfeiçoa-mento da gestão da dívida ativa etc.);

2. estabelecimento de regra de reajustedo salário mínimo, cuja taxa de incremen-to anual siga próxima ao crescimento realdo Produto Interno Bruto (PIB);

3. crescimento contínuo do PIB na faixados 4% ou 5% a.a.;

4. forte reforço à filiação e refiliação pre-videnciária,de modo a atingir,até o final de2011, a proporção de filiação urbana de1980 (cerca de 52% de PEA no RGPS).

Esse rol de reformas, de caráter infra-constitucional, permitiria crescimento pa-ritário de despesa e arrecadação, ao redordos 8,0% a.a., mantendo estável a neces-sidade de financiamento ao redor de 2 a2,5% do PIB. Finalmente, deve-se consi-derar que o cerne do desequilíbrio decorreda crise do mercado de trabalho – altoíndice de desemprego e precarização dasrelações trabalhistas. Daí a necessidade deuma estratégia de filiação e refiliação pre-videnciária, em que crescimento econô-mico e a modificação de regras de formali-zação são fundamentais.

Guilherme Delgado é pesquisador do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea)

discussão sobre a necessidade deuma reforma da Previdência Social– leia-se do Regime Geral de Pre-vidência Social (RGPS) –,em 2007,

tem sido pautada por um pressuposto im-plícito/explícito de desequilíbrio fiscal ex-plosivo no sistema, tese sustentada por cu-rioso coro de repetição exaustiva,sem o be-nefício da demonstração fundamentada.

Em nome desse perigo difuso, propõe-se uma virtual desconstrução do sistemade seguridade social na Previdência, comidéias como desindexação do salário mí-nimo do piso de benefícios; desconstitu-cionalização das regras da seguridade; ele-vação do limite de idade para 65 anos; eredução do teto de contribuição compul-sória no RGPS até três ou cinco saláriosmínimos – esta última de conseqüênciasdeficitárias, por cortar a principal fonte doRGPS: a Contribuição dos Empregados eEmpregadores (dependendo do nível,metade ou mais da receita oriunda dessacontribuição).

A análise orçamentária do RGPS reve-la, por sua vez, dinâmicas díspares da re-ceita e da despesa no período 1995-2005,com a primeira crescendo, em média,7,3% a.a. e a segunda, em média, 4,2% a.a.Essa discrepância é responsável pelo surgi-mento de uma “necessidade” de financia-mentos no RGPS, hoje de 1,93% do PIB.

O subsistema previdenciário da seguri-dade social, como o é o RGPS, tem funçãode proteção social dos trabalhadores emsituação de risco – idade avançada, inva-

G u i l h e r m e D e l g a d o

DEBATESEM FRONTEIRAS

A previdência tem função de proteção social

A

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de fato perdeu a capacidade laboral.A ida-de de 60 ou 65 anos é uma convenção so-cial. Não vivemos num mundo descontí-nuo onde, no primeiro dia após seu sexa-gésimo aniversário, o indivíduo tem me-nor capacidade de geração de renda que nodia anterior. A própria definição de inva-lidez ou incapacidade é mutável no tempoe entre sociedades. Doenças ontem inca-pacitantes são hoje facilmente curadas.Outras enfermidades,ainda desconhecidas,surgirão. De modo semelhante, uma mo-léstia ou um acidente, que tornam alguémelegível a uma aposentaria por incapacida-de numa sociedade, podem não torná-loem outra. Em resumo, o desenho de umplano previdenciário não assume caráterestritamente técnico. É político e social,mutante no tempo e entre sociedades, emdecorrência de suas preferências, da forçapolítica dos diversos grupos de interesse,da dinâmica demográfica, do mercado detrabalho e da estrutura familiar.

Um mesmo fato socioeconômico podegerar políticas ou interpretações distintas.Cito apenas dois exemplos. A maior par-ticipação feminina no mercado de traba-lho abre duas possibilidades para o dese-nho das pensões. De um lado, como a ren-da feminina compõe parcela significativada renda familiar, as pensões deveriam serdeixadas também para os viúvos. De ou-tro lado, pode-se chegar a uma conclusãodistinta. Como cada cônjuge consegue re-tirar o próprio sustento, o segurado deve-ria optar entre receber a aposentadoria ou

o benefício de pensão. De modo seme-lhante, as tão usadas expressões “conflitode gerações”e “solidariedade de gerações”são dois lados da mesma moeda. Dependede como o observador interpreta o fato.Quando o sustento de um grupo dependede outro, pode-se dizer que isso é solida-riedade, caso um grupo mais abonado tor-ne mais confortável o menos provido; oupode se configurar num potencial geradorde conflito, caso um grupo se incomodeem sustentar o outro.

A eliminação de cenários extremosnão torna mais fácil a busca de soluçõesintermediárias. Busca ainda mais com-plexa quando nos aprofundamos e nãomais abstraímos das relações entre pre-vidência e finanças públicas, acumulaçãode capital, mercado de trabalho e dis-tribuição de renda.

Marcelo Abi-Ramia Caetano é pesquisador do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

revidência é um dos componen-tes da seguridade social. Por serum seguro, deve se financiar pormeio de contribuições, para co-

brir a sociedade de um conjunto de riscosassociados à perda da capacidade familiarde geração de renda, em função da menorcapacidade de trabalho. Como tudo na vi-da, há benefícios e custos. O benefício quea sociedade obtém se caracteriza pelo fatode o Estado assumir o pagamento de apo-sentadorias, pensões ou auxílios quandoos indivíduos, ao menos em tese, reduzemseu potencial de geração de renda. Porém,alguém tem de pagar por isso. Governosnão criam recursos do nada, apenas ostransferem de um grupo a outro.

Dois itens são fundamentais para que asociedade escolha a previdência social quedeseja: a definição precisa dos riscos aosquais pretende dar cobertura; e quanto sedispõe a pagar por isso. Os extremos re-presentam soluções menos desejáveis doque os arranjos intermediários. Poucoadianta uma previdência financeiramentesólida se ela não cobre minimamente osriscos básicos. Tampouco a ampla cober-tura, caso torne o sistema financeiramenteinviável.A grande dificuldade está em en-contrar o ponto intermediário em que cus-tos e benefícios se equilibram.

O desafio é ainda maior quando se levaem consideração a definição, tanto dinâ-mica quanto política-social de risco. Nãohá uma definição estritamente técnica oucientífica para afirmar quando uma pessoa

M a r c e l o A b i - R a m i a C a e t a n o

Conciliar benefícios e custos previdenciários

P

Desaf ios • outubro de 2006 37

debate 27 04/10/06 12:27 Page 37

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38 Desafios • outubro de 2006

Depois de garantir que todas as crianças entrem na escola, o Brasil agora enfrenta o

enorme desaf io de melhorar a qualidade da educação. Nossos estudantes, em qualquer série,

apresentam desempenho que equivale ao de um aluno europeu com cinco anos menos de

estudo. Além disso, daqueles que se matriculam no primeiro ano, apenas 57% concluem o

ensino fundamental porque muitos abandonam o colég io por desânimo ou para trabalhar

LIVRO DO ANO

nômica Aplicada (Ipea),somente 84% con-cluem a 4.ª série e 57% terminam o ensinofundamental. O funil estreita-se mais ain-da no nível médio: apenas 37% dos que in-gressaram no ensino fundamental conse-guem concluir a próxima etapa. A escola-ridade média do brasileiro, que era de 6,8anos de estudo em 2004,permanece abaixoda escolaridade obrigatória no país (leia

tabela na pág. 40). Em qualquer série, umjovem brasileiro tem um nível de competên-cias educativas que corresponde aproxi-madamente ao de um europeu médio comcinco anos a menos de estudo.O fato de to-das as crianças entrarem na escola é, semdúvida, uma grande conquista, mas é só oprimeiro passo.Agora é preciso investir in-cansavelmente em qualidade, o que incluiaperfeiçoamento dos professores,melhoriada infra-estrutura e motivação dos profis-sionais envolvidos. Ter boas escolas não ésó uma urgência social, mas também eco-nômica, já que um diploma de ensino mé-dio permite que os rendimentos médiosdessa força de trabalho sejam o dobro dosque não têm escolaridade.E o ensino supe-

rior quase triplica esse rendimento, com-parado com o médio. Essa discussão estáno capítulo dedicado à educação da publi-cação Brasil:O Estado de uma Nação,recen-temente lançada pelo Ipea.

Para muitos, o problema começou láatrás. Mais sério do que os erros do pre-sente, segundo Cláudio Moura e Castro,presidente da rede de ensino Pitágoras ecoordenadordo capítulo, foi o que deixoude ser feito durante os primeiros quatroséculos de vida do país. Se na Europa a es-cola se difundiu rapidamente a partir doséculo XVIII e quase todos os países docontinente conseguiram universalizar oacesso à educação ainda no século XIX ouno início do século XX,no Brasil a históriafoi bem diferente. Em meados do séculoXVIII, cerca de apenas um em cada 10 milbrasileiros freqüentava a escola,e em tornode 70% da população era analfabeta em1900.As razões por trás disso são fáceis deentender. Nessa época, aproximadamentedois terços da população de Portugal tam-bém era analfabeta.O cenário estava pron-to, pois o Brasil não herdou de seu colo-

quadro apresentado a seguir nãoé nenhuma surpresa,faz parte davelha e conhecida lista de maze-las sociais brasileiras. Mas não é

porque não venha encoberta com o frescorda novidade que a discussão sobre a qua-lidade da educação básica seja menos im-portante.Ao contrário, é assunto dos maisurgentes.Para começar,o Brasil ainda con-ta com um grande contingente de analfa-betos.A recém-divulgada Pesquisa Nacio-nal por Amostra de Domicílios (Pnad) de2005,do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), mostra que 10,9% dosbrasileiros com mais de 15 anos não sabemler nem escrever. Em 2002, essa taxa era de11,8%,totalizando 14,8 milhões de analfa-betos. Portanto, em três anos, apenas 213mil pessoas tiveram a chance de se alfabe-tizar.Só para ficar na América Latina,a taxade analfabetismo na Argentina era de 2,8%em 2001, e no Chile, 4,3% em 2002.

Outro aspecto particularmente impor-tante é que,apesar de virtualmente todas ascrianças com sete anos entrarem na escola,de acordo com o Instituto de Pesquisa Eco-

O longo caminho para aescolaP o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

O

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40 Desafios • outubro de 2006

Em 2005, 10,9% dos brasileiros com mais de 15 anos não sabiam ler nem escrever. Na

eqüidade, ou melhor, da falta dela. Dadosdo Ipea mostram que para os mais pobresa experiência escolar é uma imersão nummundo desconhecido e difícil porque nemos alunos de classes mais baixas, nemmuitas vezes suas famílias têm intimidadecom livros e com a língua escrita.Além dis-so, seu vocabulário é menor.

O processo desencadeado daí já é velhoconhecido: as notas fracas elevam a pro-babilidade de reprovação e acabam atra-sando a trajetória escolar, aumentando odesvio série/idade, problema bastante ca-racterístico do ensino no Brasil. O aban-dono vai começando aos poucos e acentua-se ao longo do tempo. Por exemplo, em2004 a evasão na 4ª série era de 7,4% e na8ª série passou para 14,4%. Aos 14 anos,muitos jovens começam a trabalhar e pre-cisam dividir o tempo entre o estudo e oemprego. Nesse cabo de guerra, a escolaquase sempre sai perdendo. Para manter ascrianças estudando, é preciso, de acordocom Candido Alberto da Costa Gomes,professor da área de educação da Uni-versidade Católica de Brasília (UCB), queas escolas respondam às necessidades dosalunos.“É importante ter brincadeiras, jo-gos, lazer,cultura,esporte e não letras mor-

tas para copiar continuamente do quadro-negro. Para tanto, não é preciso uma re-volução tecnológica.As coisas simples sãoas melhores e mais efetivas”, acredita.

Sobrevivência De acordo com o Ipea, osprimeiros a abandonar as escolas são osmais pobres. Resultado: a proporção dejovens pobres entre o início do fundamen-tal e seu término se reduz de dois terçospara um terço. No ensino médio, só terãosobrado 12,9% dos 20% mais pobres narede pública e 2,4% na rede privada.Ou se-ja, se a exclusão na entrada da escola di-minuiu, agora ela acontece ao longo do ci-clo escolar.A Pesquisa Nacional de Quali-dade de Educação do Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (Inep),órgão vinculado ao Minis-tério da Educação (MEC),entrevistou cer-ca de 10 mil pais de estudantes matricula-dos nas escolas públicas urbanas do paísentre 2004 e 2005. Concluiu que os seg-mentos mais pobres da população (classesC, D e E), normalmente moradores deáreas carentes, contam com o pior atendi-mento escolar. Nesses locais, geralmente asescolas são simples, pequenas e sem infra-estrutura. Já a percepção dos que residemem áreas de classe média é que contam comescolas com boa qualidade de ensino do-tadas de infra-estrutura adequada.

A realidade, entretanto, não é bem essa.Basta examinar os resultados do SistemaNacional de Avaliação da Educação Básica(Saeb), exame bienal aplicado pelo MECque testa os conhecimentos em matemáti-ca e português (leitura) dos estudantes de4.ª e 8.ª séries do ensino fundamental e de3.ª série do ensino médio. Os alunos bra-sileiros sabem muito pouco. Na prova deleitura de 2003, a média geral dos estu-dantes da 4.ª série do ensino fundamentalfoi 169,4,numa escala única que vai até 500pontos para todas as séries (leia tabela na

pág. 43). Para ter uma idéia, nesse patamarde desempenho os alunos localizam infor-mações explícitas em textos narrativos maislongos e em anúncios de classificados e re-conhecem o tema de um texto informativo

nizador uma tradição educativa.“O grandeproblema não é o que fazemos de errado,mas o que não fizemos por quatro séculos.Só há cinqüenta anos as coisas começarama acontecer e aí tudo foi feito na correria, àspressas”, diz Moura e Castro. Segundo ele,o crescimento que se deu depois de 1950 foiimpressionante, mas não conseguiu recu-perar esse atraso acumulado.

Herança As limitações foram inevitáveis epodem ser observadas ainda hoje.Somentenos anos 1990 pode-se falar que uma gran-de revolução aconteceu no ensino básico.No meio da década de 1980,86% das crian-ças de 7 a 12 anos já estavam na escola fun-damental. A expansão de matrículas co-meçou a alimentar o nível médio, que pas-sou a crescer em ritmo acelerado. Entre oinício da década de 1990 e os anos 2000, amatrícula praticamente triplicou (veja grá-

fico na pág. 44). A conseqüência imediatadesse processo é um efeito dominó quedeságua na expansão do nível superior,quetambém começou a crescer de forma ace-lerada, rompendo mais de uma década deestagnação.“O Brasil quis dar acesso à es-cola em massa rapidamente e o conteúdofoi deixado de lado”, afirma Divonzir Gus-so, pesquisador do Ipea.

Se no passado a maior dificuldade eraresolver a questão do acesso, hoje os gran-des desafios são qualitativos.Em 2004,ape-nas três estados do Norte – Pará, Roraimae Acre – apresentavam taxas de escolariza-ção inferiores a 95%, ainda que acima de92%. Na opinião de Moura e Castro, osmotores fundamentais da mudança forama abertura e a modernização da economia,fatores que geraram uma vigorosa deman-da por trabalhadores mais instruídos. Jápara o pesquisador do Ipea Jorge Abrahãoo que contou fortemente foram a redemo-cratização, a descentralização da gestão daeducação e novas fontes de financiamento,como a vinculação de recursos para a edu-cação surgida em 1983 e sacramentada naConstituição de 1988. Um dos obstáculosmais urgentes que o sistema de ensinobrasileiro precisa superar é a questão da

Anos de estudo 2001 2004

Média no Brasil 6,1 6,6

De 10 a 14 anos 3,9 4,1

De 15 a 17 anos 6,6 7,1

De 18 ou 19 anos 7,9 8,4

De 20 a 24 anos 8,0 8,7

De 25 a 29 anos 7,5 8,2

De 30 a 39 anos 7,1 7,5

De 40 a 49 anos 6,4 6,8

De 50 a 59 anos 5,0 5,6

De 60 anos ou mais 3,3 3,5

Fonte: IBGE/Pnad 2004

Média de anos de estudos segundo grupos de idade

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Desaf ios • outubro de 2006 41

mais simples.Mesmo com notas tão fracas,a média obtida em 2003 foi a primeira a su-perar a pontuação obtida no teste anterior,desde 1995,quando a metodologia passoua permitir comparações (leia quadro na pág.

42). Em 1995, a nota média foi 188,3, quecaiu para 186,5 em 1997, 170,7 em 1999 echegou a 165,1 em 2001. Os resultados de2005 ainda não foram divulgados.

Regiões O aumento da média nacional foireflexo da melhoria dos resultados no Cen-tro-Oeste e no Nordeste, principalmentenas redes estaduais. Já em matemática, namesma série, a média passou de 176,3 em2001 para 177,1 em 2003. Isso mostra queos estudantes reconhecem parte de um to-do em representações gráficas e resolvemproblemas do cotidiano envolvendo adiçõesde pequenas quantias de dinheiro. Outroparâmetro muito usado para aferir a quali-dade das escolas são os resultados do Pro-grama Internacional de Avaliação de Alunos(Pisa), exame da Organização para Coo-peração e Desenvolvimento Econômico(OCDE) do qual cerca de 250 mil adoles-centes na faixa dos 15 anos de 41 países par-ticiparam em 2003. O teste mede conheci-mentos em matemática, ciências e leitura.

Em relação a 2000,quando a avaliação tam-bém foi aplicada, os alunos brasileiros me-lhoraram ligeiramente em matemática eciências.O dado mais alarmante é que a ca-pacidade de compreensão de leitura dosalunos das classes mais altas brasileiras foiinferior ao nível obtido pelos alunos declasses mais baixas da Europa.O Brasil,ape-sar da sutil melhora, ainda teve o pior de-sempenho entre os participantes na provade matemática.Na pontuação global,HongKong, Finlândia e Coréia do Sul tiveram omelhor desempenho.Brasil,Tunísia e Indo-nésia foram os piores colocados.“O desem-penho do aluno depende da escola e de suabagagem cultural,dos estímulos que recebeem casa. Como é muito mais difícil mudaras famílias,o caminho para melhorar é pormeio das escolas”, acredita Reynaldo Fer-nandes, presidente do Inep.

Como, então, alterar esse cenário? OIpea reuniu um conjunto de propostas emum documento chamado “Agenda Ipea”.Em linhas gerais, o texto defende que sejaformado um pacto em torno da educação.A sugestão é que o governo federal tome ainiciativa de elaborar o mais rápido possí-vel – em conjunto com o Conselho de De-senvolvimento Econômico e Social,o Con-

selho Nacional de Secretários Estaduais deEducação (Consed), a União Nacional deDirigentes Municipais de Educação (Un-dime) e outras representações da socie-dade civil – um Pacto Nacional pela Edu-cação. Seria fundamental a fixação de me-tas claras e exeqüíveis. A idéia seria, por-tanto, atualizar, legitimar e monitorar asmetas que estão expostas no Plano Na-cional de Educação (PNE), aprovado em2001. Entre outras coisas, o PNE previaque em 2005 o acesso ao ensino funda-mental estivesse 100% universalizado, queaté 2003 todos os formandos do ensinofundamental teriam vagas no médio e que,em 2006, 30% das crianças de até 3 anosseriam atendidas em creches. Nessa faixaetária, entretanto, apenas 13,4% das crian-ças eram atendidas em 2004, segundo osdados mais recentes do Inep.

“Parece existir um consenso de que asescolas precisam ter qualidade. Por que,então,isso não é feito? Há problemas de ar-ticulação entre as esferas do governo e fal-ta uma tomada de decisão política paracolocar a educação na agenda do país”, dizJorge Abrahão, pesquisador do Ipea. Deacordo com ele, é preciso aperfeiçoar oregime de colaboração entre as esferas de

Argentina, a taxa de analfabetismo, quatro anos antes, era de 2,8%, e no Chile, 4,3%

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42 Desafios • outubro de 2006

O abandono va i começando aos poucos e acentua-se ao longo do tempo. Em 2004,

MEC construiu um cenário que previa me-lhoria progressiva no padrão de gasto/alunopara o período entre 2003 e 2011 e consta-tou-se que o Brasil deveria sair de um pata-mar de gastos de 4,3% do Produto InternoBruto (PIB),em 2003,para atingir,oito anosdepois, 8,1% do PIB em gastos com edu-cação pública. Esse seria o investimentonecessário para que o Brasil tivesse um ver-dadeiro choque de educação e ingressassenum novo patamar de desenvolvimentoeconômico e social. Atualmente, o gastocom educação continua na faixa dos 4%.“OPNE previa aumento do gasto com edu-cação para 7% do PIB, mas esse artigo foivetado pelo ex-presidente Fernando Hen-rique Cardoso e havia a expectativa que oatual governo derrubasse esse veto,mas nãofoi o que aconteceu”, afirma Milton AlvesSantos,assessor do programa Juventude daorganização não-governamental Ação Edu-cativa.Fazem parte ainda da agenda do Ipeaa ampliação e a continuidade do recenteprocesso de avaliação escolar,a melhoria daqualidade do ensino médio noturno, a ex-pansão da atuação do MEC na área de edu-cação infantil, a universalização progressi-va da pré-escola, a começar pelas criançasde 5 anos e,em seguida,pelas de 4 anos,e o

aperfeiçoamento dos programas de valo-rização e formação de professores da edu-cação básica.

Professores Valorização e formação deprofessores é,aliás,um dos alvos principaisdo Fundeb,que substituirá o Fundo de Ma-nutenção e Desenvolvimento do EnsinoFundamental e de Valorização do Magis-tério (Fundef).A diferença principal entreos dois é que o Fundef, em vigor atual-mente, investe apenas no ensino funda-mental,enquanto o Fundeb vai atender nãosomente o ensino fundamental (de 6/7 a 14

governo, pois diferente de outras áreas, co-mo saúde e assistência social, a educaçãonão se constituiu como um sistema integra-do.“Um dos mecanismos para garantir asolidariedade entre os entes federados seriaa criação de uma instância colegiada de de-cisão sobre políticas para a educação bási-ca constituída pelo MEC, pelo Consed epela Undime.É preciso definir e implemen-tar agendas compartilhadas entre União,estados,municípios e Distrito Federal”,ex-plica Abrahão. Otimização das ações doMEC, implementação de sistemática demonitoramento e avaliação de programase ampliação da participação social tambémfazem parte da agenda formulada pelo Ipea.Além disso, o instituto acredita que é pre-ciso haver uma reforma do padrão de fi-nanciamento e do gasto que passa pelaaprovação, pelo Congresso Nacional, doFundo de Manutenção e Desenvolvimentoda Educação Básica e de Valorização dosProfissionais da Educação (Fundeb).

Essa reforma garantiria um padrão mí-nimo de investimento por aluno, baseadoem critérios de qualidade adequados e naampliação de recursos para possibilitar ocumprimento das metas estipuladas peloPNE. Em 2003, um grupo de trabalho do

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é com-posto de um conjunto de informações a respeito da realidade educacionalbrasileira.Traz dados de regiões e das redes de ensino público e privadonos estados e no Distrito Federal por meio de um exame bienal que testaos conhecimentos em matemática e português (leitura) dos estudantes de4.ª e 8.ª séries do ensino fundamental e de 3.ª série do ensino médio. OSaeb também aplica questionários, respondidos por alunos, professores ediretores, com o objetivo de conhecer as condições internas e externas queinterferem no processo de ensino e aprendizagem. Em 2003, a avaliação,conduzida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC),descobriu que morar em cidades com menos de 200 mil habitantes naregião Nordeste, trabalhar, ter sido reprovado na escola e ter pais combaixa escolaridade são as características encontradas com mais freqüên-

cia entre os estudantes da 4.ª série do ensino fundamental que tiverambaixo desempenho no exame de língua portuguesa. Isso significa que es-ses alunos não conseguiram, com base em textos curtos, como contos in-fantis e histórias em quadrinhos, identificar a finalidade do texto, reco-nhecer elementos como o personagem principal e interpretar o texto comauxílio de instrumentos não verbais, entre outras dificuldades.

O retrato feito pelo Saeb mostra que os estudantes que estão no piorpatamar de desempenho estão, em geral, em atraso escolar e concentram-se nas escolas públicas municipais. Esses alunos também têm em comumo fato recorrente de não terem ninguém na família que os acompanhe navida escolar com regularidade e de não terem freqüentado a educação in-fantil. A região que possui o maior número de crianças nesse estágio é aNordeste, com 29,3%, seguida pela Norte, com 21,2%. Com o menor per-centual está a região Sul: 11,6%. Nas cidades com menos de 200 mil habi-

Radiografia de um problema

Ilustr

ação

Orla

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Desaf ios • outubro de 2006 43

anos) como também a educação infantil(de zero a 5/6 anos),o ensino médio (de 15a 17 anos) e a educação de jovens e adultos(EJA), esta última destinada aos que aindanão têm escolarização. Outra diferençasubstancial é em relação aos recursos. OFundef, que engloba 30,2 milhões dealunos do ensino fundamental, é 15%constituído de alguns impostos, como oImposto sobre Circulação de Mercadoriase Serviços (ICMS),de transferências de es-tados e municípios e de uma complemen-tação da União que neste ano deve ficar em313 milhões de reais. Já o Fundeb terávigência de catorze anos a partir de sua im-plantação,que se dará de forma gradual emtrês anos.Esse fundo contará com 20% dasreceitas de impostos, como ICMS e Im-posto sobre a Propriedade de VeículosAutomotores (IPVA), entre outros, dastransferências dos estados e municípios ede uma parcela de complementação daUnião. A previsão é atender 48,1 milhõesde alunos.“A União deve investir cerca de4,5 bilhões de reais nos três primeiros anose, a partir do quarto ano, a contrapartidado governo corresponderá a 10% do totalanual de recursos do fundo. Nossa expec-tativa é que o Congresso vote o Fundeb ain-

a e va s ã o e s c o l a r n a 4ª s é r i e e r a d e 7, 4% e n a 8ª s é r i e p a s s o u p a ra 1 4 , 4%

tantes, 22,3% dos alunos tiveram um desempenho abaixo da média - atin-gir o nível intermediário significa que o estudante, entre outras habili-dades, consegue distinguir o sentido metafórico do literal de uma ex-pressão, reconhecer as relações semânticas expressas por advérbios oulocuções adverbiais e por verbos, e depreender as relações de causa econseqüência implícitas no texto. Dos alunos das escolas municipais,22,8% apresentaram pior desempenho. Em 2003, as escolas municipaisconcentravam 66% dos 18,9 milhões de alunos de 1.ª a 4.ª série do ensi-no fundamental, de acordo com dados do Censo Escolar. No outro extremo,nas escolas privadas, que tinham 9% da matrícula de 1.ª a 4.ª série, 2,7%dos estudantes tiveram baixo desempenho.

A reprovação, o abandono e o conseqüente atraso escolar de alunostambém colaboram negativamente. Entre os alunos reprovados pelo menosuma vez naquele ano, 32% se situavam no pior patamar de desempenho do

Saeb. E, entre os que não foram reprovados, 12,4% ocuparam as piorescolocações. Do total de alunos que declararam ter abandonado a escolapelo menos uma vez, 32,6% estão entre os que tiveram pior desempenhona prova. Para os que não deixaram a escola, o índice é de 16,6%. Em re-lação ao atraso escolar, 19,3% dos estudantes que apresentaram um anode defasagem tiveram as notas mais baixas, taxa que fica em 11,1% entreos que não apresentaram distorção idade/série. Outro indicador que temforte impacto na aprendizagem é a escolaridade dos pais – dos estudantescujas mães nunca estudaram, 36,8% tiveram o pior desempenho. Por fim,a oportunidade de ter cursado a educação infantil também faz diferença.Entre aqueles que iniciaram a vida escolar ainda no maternal, 12,2% es-tão entre os piores colocados no Saeb. Já entre os alunos que tiveram oprimeiro contato com a escola na 1.ª série do ensino fundamental, 28,5%tiveram o pior desempenho na avaliação.

Português 1995 1997 1999 2001 2003

4ª ensino fundamental 188,3 186,5 170,7 165,1 169,4

8ª ensino fundamental 256,1 250 232,9 235,2 232

3ª ensino médio 290 283,9 266,6 262,3 266,7

Matemática 1995 1997 1999 2001 2003

4ª ensino fundamental 190,6 190,8 181 176,3 177,1

8ª ensino fundamental 253,2 250 246,4 243,4 245

3ª ensino médio 281,9 288,7 280,3 280,3 278,7

Fonte: Inep/MEC

Notas médias no exame da Saeb

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44 Desafios • outubro de 2006

O Bras i l dever i a gas tar 8 ,1% do P IB com educação, e não 4 ,3%

jetivo é formar professores de 1.ª a 4.ª sérieno nível médio. Hoje, aproximadamente 5mil professores freqüentam cursos com du-ração de dois anos que envolvem atividadestanto presenciais como a distância.A metaé formar 10 mil professores até 2007.Outroprograma é o Pró-Licenciatura, voltadopara os professores de 5.ª a 8.ª série do en-sino fundamental que não têm licenciatu-ra. O curso, oferecido por universidadescom autorização do Conselho Nacional deEducação (CNE),dura em média 3,5 anos.A meta é atingir 60 mil professores nesteano e 90 mil em 2007.

Na opinião de Moura e Castro, se osmercados começam a exigir melhores qua-lificações e, ao mesmo tempo, a educação

oferecida na escola é muito fraca, o resulta-do é a multiplicação dos programas decomplementação escolar e formação pro-fissional de todos os tipos, oferecidos poruma gama estonteante de provedores pú-blicos e privados.“Há evidência suficientepara acreditar que é perfeitamente racionalfazer cursos, pois trazem melhorias no sa-lário, na mobilidade ou, quando nada, re-duzem a probabilidade de ficar desempre-gado”,diz Moura e Castro.“No Brasil,o im-portante é ter diploma. Ele já coloca a pes-soa em outro patamar de remuneração”,afirma Fernandes,do Inep.De acordo como Ipea, os brasileiros começam a trabalharmuito cedo e param de estudar muito tar-de.Aproximadamente,50% dos que termi-nam a 8.ª série têm 16 anos ou mais e divi-dem a jornada entre trabalho e estudo. Amédia de idade no superior está acima de25 anos,o que sugere que cerca de 37% dosestudantes só começam o superior dez anosou mais depois da idade correta.E,como re-sultado do atraso dentro do ciclo acadêmi-co, há 7 milhões de alunos nos supletivos(EJA). Pelas mesmas razões, 58% dos alu-nos do superior estão em cursos noturnos.Para o coordenador do capítulo sobre edu-cação do livro Brasil: O Estado de uma Na-ção,a adoção de processos mais complexosem algum ponto do processo produtivo in-flui profundamente nas necessidades deeducação da força de trabalho.“O esforçobrasileiro para garantir qualidade na edu-cação básica significa também avanço nodesenvolvimento do país”,acredita Fernan-des, do MEC. Como bem resume Gomes,da UCB,“nenhum país chegou ao desen-volvimento sem,pelo menos,no século pas-sado ou no antepassado, universalizar umensino fundamental decente. Isso significaque a educação não é milagrosa, mas emnenhum momento pode estar alheia aogrande drama, que pode se tornar a tragé-dia da desocupação juvenil. Contentar-se-á o Brasil com a periferia, a miséria, a ex-clusão endêmica porque sua população nãoterá preparo para que o país dispute um lu-gar ao sol? Esse lugar depende, em grandeparte, da criação e do conhecimento”.

da neste ano para que possa entrar em vi-gor já no ano que vem.A votação é urgenteporque o Fundef termina em 2006”, expli-ca Francisco das Chagas Fernandes, se-cretário de Educação Básica do MEC.Segundo ele, o Fundeb deve equilibrar asdesigualdades regionais,pois a União com-plementará os estados que não atingirem onível mínimo de investimento em edu-cação – estados e municípios devem aplicar25% de seu Orçamento em educação.

Valorização Do total de recursos anuais doFundeb, 60% devem ir para os professores(pagamento de salários e oferta de cursos deformação e qualificação) e 40% para a ma-nutenção das escolas.“O problema e a solu-ção hoje em dia estão no professor.A gran-de dificuldade a vencer é valorizar e formaros professores da escola básica”, diz Abra-hão. O Censo Escolar de 2004 mostra quecerca de 17% das 835 mil funções docentesdas últimas séries do ensino fundamental(de 5.ª a 8.ª) e 8% das quase 500 mil fun-ções docentes do ensino médio são ocu-padas por professores que não possuem es-colaridade de nível superior,requisito obri-gatório para o magistério nessas etapas. OCenso também aponta que o Brasil possuicerca de 30 mil professores das séries iniciais(de 1.ª a 4.ª) sem magistério de nível médio,qualificação também exigida por lei. Paratentar corrigir essas falhas, o MEC ofereceprogramas como o Pró-Formação,cujo ob-

Fonte: INEP/MEC/DAES

1970 1975 1980 1985 1991 1997 1998 2000 2002 2004

Evolução das matrículas no ensino fundamental (em mil)

15,8

19,522,5

24,7

29,2

34,235,7 35,7 35,2

34,0

d

Ilustração Orlando

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Desaf ios • outubro de 2006 45

D i v o n z i r G u s s o ARTIGO

gráfico no fim deste artigo mostra o fi-nal da fila no conjunto de países cujosjovens foram avaliados pelo ProgramaInternacional de Avaliação de Alunos

(Pisa) nas competências de leitura. Abaixo doBrasil, apenas o México, a Indonésia e a Tunísia(375); porém, é preciso fazer uma ressalva: ne-nhum deles com a mesma ou maior proporçãode jovens situados “abaixo do nível 1”, o mínimomundialmente aceitável. Um mau estado com oqual parece que convivemos pacificamente. Epior: entre 2000 e 2003 melhorou a situação denossos dois estratos mais elevados de desem-penho e piorou a dos dois mais precários; valedizer, involuímos um pouco.

Tem a ver com pobreza? Um pouquinho sim.Afinal, o inescapável mau desempenho dos po-bres – a maioria de nossos alunos – puxa parabaixo a média.Acabrunha, no entanto, saber quetambém os brasileiros situados no nível socioe-conômico mais elevado – supostamente os querecebem mais e melhor instrução – mostramnível de letramento inferior ao da média dos eu-ropeus em geral.

Não se falará do score nem se comentará o queocorreu com o desempenho em matemática.Diriam que somos catastrofistas ou lesa-pátria.Mencione-se apenas que México, Tunísia e In-donésia, desta vez, inverteram o jogo e ficaramem melhor posição. Em alguma medida isso au-toriza dizer que o sistema educativo brasileirocarece de qualidade. Porém de modo algum seestá afirmando que qualidade é apenas obteruma boa pontuação nos testes Pisa.

Para ter qualidade, aí sim, seria preciso que osistema escolar básico fosse capaz de prover osalunos de instrução suficiente para demonstrarque podem satisfazer os acurados critérios dehierarquização do domínio de competências emleitura, ciências e matemática adotados nessecertame. Ou seja, ter muito baixo percentual dealunos abaixo do nível 1 e o máximo possívelnos níveis 2 e 3, tal como fazem os europeus ouos leste-asiáticos.

Com isso, os jovens teriam adquirido as con-dições básicas para, ao longo da vida, buscar e

processar saberes e acumular conhecimentos;por conseguinte, adquirir sólidas competênciase qualificações para o trabalho e a produção,valores e condutas para um exercício saudável devida familiar, social e política; e, por certo, ati-tudes inovadoras, tolerantes e abertas ao hojecomplexo convívio em escala planetária.

Para tanto, requer-se continuidade e persis-tência em boas políticas, criterioso planejamen-to e avaliação das ações, tanto na dimensão logís-tica quanto na curricular, oferecendo ambientesescolares propícios ao sucesso na aprendizagem,à convivência pacífica e amena e, ainda, francoacesso a oportunidades de fruição cultural e desaudável lazer.

Ao insistir em negligenciar essa qualidadeeducativa, continuaremos à margem da difícilcorrida ladeira acima que é a competição globa-lizada, no mais pedestre; e à margem da consti-tuição de sociedades democráticas, mais equâ-nimes e felizes, naquilo que mais interessa ao co-mum de nós.

Divonzir Gusso é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Um Brasil mal instruído

“Não se falará do

score nem se

comentará o que

ocorreu com o

desempenho em

matemática. Diriam

que somos

catastrofistas ou lesa-

pátria. Mencione-se

apenas que México,

Tunísia e Indonésia,

desta vez, inverteram

o jogo e ficaram em

melhor posição”

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Brasil

México

Indonésia

Tunísia

403

400

382

375

Nota média no exame Pisa

de leitura (2003)

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CULTURA

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P o r E l i a n a S i m o n e t t i , d e S ã o P a u l o

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indústria e comércio

Cinema nacional,

A produção cinematográf ica brasileira se af irma, gera empregos, faz sucesso no exterior,e começa a driblar as dif iculdades de distribuição, levando f ilmes, em circuitos alternativos,ao interior do país. Especialistas acreditam que, hoje, o país tem uma indústria de cinema

Paulo Autran em cena do filme A Máquina

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Há 2 mi l c inemas no país e 98% dos munic íp ios não contam com uma única sala de

o completar 110 anos, em 2006, ocinema brasileiro bate um recorde:o lançamento de 58 longas-me-tragens, maior marca desde 1980.

Produz filmes de boa qualidade,premiadose com repercussão internacional positiva;além de apresentar jovens talentos. No en-tanto,há dúvidas.O Brasil formou uma in-dústria sustentável; ou o desempenho dacinematografia é dependente de subsídios,que variam conforme os humores políticose a lucratividade de empresas, e pode fe-necer a qualquer momento?

Nos últimos dias,foi impossível ignorardois eventos. Um: a indicação de Cinema,Aspirinas e Urubus,de Marcelo Gomes,paradisputar uma vaga entre os concorrentes aMelhor Filme Estrangeiro da edição 2007do Oscar.O filme recebeu mais de quarentaprêmios internacionais. A Academia deHollywood revelará seus cinco escolhidosno dia 23 de janeiro (veja quadro na pág.50).Outro acontecimento rumoroso foi oFestival Internacional de Cinema do Rio deJaneiro, que, em duas semanas, mostroutrezentos filmes em vinte salas, em ar-mações de lona e na praia.A efervescênciavem ocorrendo por todo o país. Do Acre aPernambuco, do Pará ao Rio Grande doSul, acontecem festivais e mostras.

Na ponta da produção, as coisas vãobem. Na da distribuição, os dados não sãotão animadores. Muitos filmes nem sequersaem dos festivais para uma sala de exi-bição. As poucas fitas que entram em cir-cuito comercial permanecem por curtotempo e encontram público restrito. Umlevantamento feito pela Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciên-cia e a Cultura (Unesco), em 2003, mos-trou que 25% dos professores brasileirosde ensino médio (com diploma univer-sitário) estiveram, no máximo, uma veznum cinema.

“Há três questões fundamentais a en-frentar nessa área: a definição de critériosclaros de produção, já que poucos veícu-los influenciam tanto a imagem de umpaís como as indústrias culturais; a uti-lização de parte da verba investida naprodução para a criação de mercados ecircuitos alternativos de distribuição, quedemocratizem o acesso e formem pla-téias; e a transformação das aplicações in-centivadas em investimentos de riscocompartilhado”, diz Ana Carla FonsecaReis, consultora da Organização das Na-ções Unidas (ONU), que acaba de lançaro livro Economia da cultura e desenvolvi-mento sustentável (leia resenha na seção

Estante, na pág. 62). Como a tarefa é com-plexa, vamos descobrir o que vem acon-tecendo por capítulos.

Festivais e mostras Algumas informaçõessão surpreendentes. No início de setem-bro, pelo segundo ano, foi realizado emMato Grosso, em plena Chapada dosGuimarães, o Festival de Cinema Femi-nino Tudo Sobre Mulheres. Atraiu 2 milespectadores. Recebeu 96 inscrições e exi-biu 43 filmes sobre o universo feminino.O Festival de Cinema ao ar livre de PortoNacional ocorre na Praça Nossa Senhoradas Mercês, num município distante 64quilômetros de Palmas, capital de Tocan-tins. No final de setembro, além de produ-ções locais, que formaram maioria, foramexibidas ali fitas de Goiás e da Paraíba. EmPorto Velho, capital de Rondônia, o Cine-Amazônia – Festival de Cinema e VídeoAmbiental, terá sua quarta edição em no-vembro. No ano passado, 150 produçõesforam exibidas em salas e ao ar livre embairros afastados do centro.

A III Mostra Curta Pará Cine Brasil co-meça logo após o Círio de Nazaré. O esta-do, aliás, é fonte de novos talentos. Foramparaenses os dois selecionados, entre nove-centos concorrentes, na última edição do

A

Cenas de alguns dos filmes nacionais lançados em 2006: Crime Delicado, de Beto Brant; Visita Íntima, de Joana Nin; Dia de Festa, de Toni Venturi; e A Máquina, de

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exibição. Um quarto dos professores do Ensino Médio esteve só uma vez num cinema

projeto Revelando os Brasis, do Ministérioda Cultura: Mauro Souza,de São Sebastiãoda Boa Vista, com Perseverança, e JoãoLoureiro Júnior, de Santarém Novo, comO grande balé de Damiana. Há três anos oprojeto financia vídeos digitais produzidosem municípios de até 20 mil habitantes.Mais um talento descoberto neste ano: JoséEduardo Milani, formando da Universi-dade Federal de São Carlos (UFSCar), nointerior paulista, levou para casa o Kikitode melhor curta do Festival de Gramado,do Rio Grande do Sul, com Recortes. Odocumentário 500 Almas, primeiro longade Joel Pizzini, recebeu o prêmio latino-americano no Festival de Mar Del Plata.Retrata a vida dos guató, povo nômade in-dígena da região do Pantanal, tido comoextinto nos anos 1960 e redescoberto nadécada seguinte.

Explicação da diretora e produtora BiaFlecha, da Brasileira Filmes, para a vitali-dade do setor: os custos de produção caí-ram, a tecnologia acessível despertou o in-teresse dos jovens, e os caminhos para aobtenção de financiamento estão maistransparentes. Ela promoveu um concur-so, no ano passado, para publicitários: oCrieCurta. Cerca de 350 pessoas traba-lharam nas instalações de sua produtora

durante quarenta dias. Os curtas partici-param de festivais internacionais.

O gargalo da distribuição Dados do pro-jeto Cultura Livre, ligado à Fundação Ge-tulio Vargas, mostram que, em 2004, 51dos 302 filmes exibidos no país eram na-cionais – 16%. Porém, a indústria brasilei-ra ficou com 14% dos 776 milhões de reaisdas bilheterias. As disparidades que mar-cam o Brasil podem ser notadas no setoraudiovisual. Há 2 mil salas de cinema nopaís e segundo o Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), 98% dosmunicípios não têm uma única sala deexibição. E para encerrar o tema da de-sigualdade: em 2005, 2 Filhos de Francisco,de Breno Silveira, registrou audiênciaespetacular: metade dos cerca de 5 mi-lhões de espectadores de filmes nacionaissaiu de casa para vê-lo. Já O Veneno daMadrugada, de Ruy Guerra, atraiu só3.476 pessoas.

O gargalo da indústria cinematográfi-ca, dizem os especialistas, está na distri-buição. Primeiro, porque o ingresso custacaro. Depois, porque a definição acerca doque chega ao espectador está nas mãos deempresas estrangeiras. E isso não ocorreapenas no Brasil. Na última década, algu-

mas poucas companhias internacionaisdominaram 85% da distribuição mun-dial. Segundo pesquisa realizada pelaUnesco, na década de 1990, entre 98 paí-ses com produção regular, somente oitoregistravam índice de realização maior doque o de filmes importados.A Nigéria, naÁfrica, é uma exceção curiosa. Produz 1,2mil filmes por ano – o dobro dos 611 dosEUA – e não tem uma sala de cinema. Osprodutores encontraram um jeitinho dedivulgar seu trabalho, em fitas e DVDs:usam camelôs.

“É fato que cinema merece apoio, porser uma questão de soberania cultural.Ho-je, alguns filmes estrangeiros entram emcartaz, simultaneamente, em 600 salas debrasileiras, o que não deveria ser permiti-do. Mas tem de haver formas alternativasde produção e distribuição. Os recursostecnológicos mudaram muito, são maispráticos, ágeis e é natural que provoquemtransformações”, diz Claudia De Hein-zelin, consultora do Projeto Millennium,da Universidade das Nações Unidas.

Bruno Vianna, diretor de Cafuné, aca-ba de inaugurar uma moda. Seu filme teveestréia simultânea, nas salas de cinema eno site www.overmundo.com.br/blogs/cafune-para-todos, com dois finais dife-

João Falcão

Fotos Divulgação

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Em tendas ou ao ar l ivre, a produção nacional tem sido levada a um público que jamais

– e tudo isso compõe o entendimento daempresa de que cultura é um valor que deveser preservado e fomentado”, diz ElianeCosta,gerente de patrocínios da Petrobras.

“Não é sem razão o crescimento quevem se verificando no setor: são cinco anosininterruptos de fomento. A Petrobras e oBanco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social têm sido os padrinhos docinema brasileiro”, diz Toni Venturi, ex-presidente da Associação Paulista de Ci-neastas, diretor, entre outros, de Cabra-Ce-ga e do recém lançado Dia de Festa. OBNDES investirá 12 milhões de reais emProjetos Cinematográficos em 2007. Entre1995 e 2005, apoiou 264 filmes. O Minis-tério do Turismo também parece ter des-coberto o filão. Em agosto, lançou um pro-jeto para colocar os roteiros turísticos na-cionais nas telas do mundo.A Nova Zelân-dia, palco da trilogia Senhor dos Anéis, re-gistrou aumento de 400% no fluxo turísti-co depois do lançamento do filme.

Outras organizações andam colabo-rando para que a população ganhe acessoà produção audiovisual.Os Centros Cultu-rais do Banco do Brasil e da CPFL Energiapromovem sessões em suas salas.A equipe

Patrocícios Culturais Incentivados (quetem 12 milhões de reais em caixa para2007) financia filmes, mostras, oficinas efestivais. Neste ano, apresentou produçõesnacionais em sessenta cidades do interiorde Minas Gerais onde não há salas de exi-bição. Quatro filmes com sua marca es-tavam no Festival do Rio de Janeiro.“Nãohá dúvidas de que o Brasil tem uma indús-tria cinematográfica forte e criativa, comprodutos de boa qualidade – o que consi-deramos importante, dado o poder trans-formador da cultura”, diz Maria ArleteGonçalves, gerente do Instituto Telemar.

A BR Distribuidora, da Petrobras, co-memorou em setembro, em Fortaleza, amarca de 10 mil sessões, em escolas, abri-gos,asilos,grêmios esportivos e centros co-munitários, de seu Cinema BR em Mo-vimento.A Petrobras é a empresa que maisinveste em cultura no país. No setor cine-matográfico, financia elaboração de rotei-ros, produção de filmes, finalização, dis-tribuição. Isso além de feiras, mostras eações de restauro.São mais de quarenta fes-tivais em todas as regiões,todos os anos.“Ocinema é uma cadeia de produção, criapostos de trabalho, novos talentos, platéias

rentes. O Overmundo é a versão brasileirado Creative Commons – modelo de li-cenças flexíveis para obras intelectuais. Ocentro de Tecnologia e Sociedade da Es-cola de Direito da Fundação Getulio Var-gas, no Rio de Janeiro, que coordena oCreative Commons no Brasil, lançou re-centemente o OpenBusiness. Trata-se deuma associação entre Inglaterra, Brasil eÁfrica do Sul para estudar e catalogar ne-gócios com viabilidade econômica no se-tor cultural e disponibilizar o conteúdoem estruturas colaborativas. Resultados erelatos estão disponíveis no site www.openbusiness.cc, que em breve terá versãoem português.

Pelo Brasil adentro No que diz respeito àformação de novos públicos, também hámovimentos. O Instituto Telemar, ligado àempresa de telefonia, leva filmes nacionaisnuma barca que percorre o Rio São Fran-cisco: o projeto Cinema no Rio. Parte dePirapora, no interior mineiro, e chega aXique-Xique, na Bahia. Exibe onze títulosem 26 localidades. O público lota praças esomou, neste ano, 100 mil pessoas. Entreoutras atividades, o Programa Telemar de

A história do cinema é longa, rica e curiosa.Aqui ela vem resumidíssima, a título de loca-lização, no tempo, de alguns eventos.

1896 Primeira sessão de cinema realizada noBrasil, no Rio de Janeiro. O aparelho de projeçãoera uma máquina de nome Omniographo.1897 Inauguração da primeira sala de cinemafixa, o Salão de Novidades, na rua do Ouvidor, noRio de Janeiro.1898 Alfonso Segreto, de volta da França, fil-ma a baía da Guanabara – o primeiro filme fei-to no país.1913 Lançamento do primeiro longa-metragembrasileiro, O Crime de Banhados, de Francisco

Santos e Manuel Pêra.1918 Produção do primeiro desenho animado na-cional, O Kaiser, de Álvaro Martins.1929 Acabaram-se os Otários, de Luiz de Barros,é o primeiro filme sonoro nacional.1930 Fundação da Cinédia, companhia cinemato-gráfica, no Rio de Janeiro.1939 Por decreto do então presidente Getulio Var-gas, toda sala de cinema é obrigada a exibir umlonga-metragem nacional por ano.1941 Fundação da Companhia CinematográficaAtlântida, no Rio de Janeiro.1949 Fundação dos estúdios Vera Cruz, em SãoBernardo do Campo, em São Paulo.1955 Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos

Santos, é considerado o primeiro filme do Ci-nema Novo.1962 Anselmo Duarte ganha a Palma de Ouro emCannes por O Pagador de Promessas, primeiraprodução nacional indicada ao Oscar de MelhorFilme Estrangeiro.1964 Os Fuzis, de Ruy Guerra, recebe o Urso dePrata do Festival de Berlim.1968 O Dragão da Maldade contra o Santo Guer-reiro, de Glauber Rocha, recebe o prêmio de Me-lhor Direção em Cannes.1969 Criação da Embrafilme.1970 Estabelecida reserva de mercado para ocinema nacional, de 112 dias por ano, em todasas salas de exibição.

Marcos cronológicos do cinema brasileiro

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teve contato com cinema. Novas platéias são fundamentais para a consolidação da indústria

do projeto CCR Cultura nas Estradas, daconcessionária de rodovias NovaDutra,descobriu que 69% das cidades servidaspor suas estradas não possuem cinema.Criou o Cine Tela Brasil, uma tenda ondesão instaladas 225 cadeiras, equipamentode projeção, tela de 7x3 metros, som es-téreo e ar-condicionado. Exibe filmes bra-sileiros em áreas de periferia.

Estatísticas e políticas públicas No estu-do “As dimensões econômica e social daspessoas ocupadas em atividades relacio-nadas com a indústria criativa no Brasil”,a economista Maria Cristina Mac Dowell,do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea), afirma:“O setor audiovisualvem passando por grandes transforma-ções nas últimas décadas, produzindo im-pactos significativos sobre a geração depostos de trabalho e de renda”. E apresen-ta indicadores retirados da Pesquisa Na-cional de Amostra por Domicílio (Pnad),realizada em 2001 pelo IBGE,que demons-tram a importância do setor. Na fase deprodução, que requer maior participaçãode trabalhadores, concentravam-se 67%das ocupações – mais de 282 mil pessoas.

Tenda da NovaDutra, que exibe filmes brasileiros em áreas de periferia de cidades servidas por suasestradas, 69% das quais não possuem cinema

1973 Vai Trabalhar, Vagabundo, de Hugo Car-vana, vence o Festival de Taormina, na Itália, einaugura uma nova fase na chanchada brasileira.1976 Dona Flor e Seus Dois Maridos, de BrunoBarreto, registra a maior bilheteria da história docinema brasileiro, com público de 10,7 milhõesde pessoas.1980 Produção recorde de 103 longa-metragensbrasileiros.1981 Eles Não Usam Black-Tie,de Leon Hirszman,conquista o Prêmio Especial do Júri no Festival deVeneza.1984 Nunca Fomos tão Felizes, de Murilo Salles,leva o Leopardo de Bronze no Festival de Locar-no, na Suíça.

1989 Extinção da Embrafilme.1994 Aprovada a Lei do Audiovisual, que permiteo financiamento de produções cinematográficaspor empresas, em troca de isenção no pagamen-to de impostos devidos.1995 Carlota Joaquina – Princesa do Brasil, deCarla Camurati, marca a retomada do cinemabrasileiro.1996 O Quatrilho, de Fábio Barreto, é indicado aoOscar de Melhor Filme Estrangeiro.1997 O Que É Isso Companheiro?, de Bruno Bar-reto, é indicado ao Oscar de Melhor Filme Es-trangeiro.1999 Central do Brasil, de Walter Salles, recebeos prêmios de melhor filme e melhor atriz (Fer-

nanda Montenegro) do Festival de Berlim; é in-dicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro eMelhor Atriz; e recebe mais de quarenta prêmiosem outros festivais.2001 Criação da Agência Nacional de Cinema(Ancine).2002 Beto Brant dirige O Invasor, com uma novalinguagem na cinematografia brasileira. O atorprincipal, Paulo Miklos, é premiado no SundanceFestival, nos Estados Unidos.2004 Cidade de Deus, de Fernando Meirelles,concorre ao Oscar em quatro categorias.2005 Diários de Motocicleta, de Walter Salles, éindicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado ede Melhor Canção.

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A indústria cultural contribui com 3% na geração de riqueza de países em desenvolvimento

Seus rendimentos eram superiores à mé-dia do conjunto das atividades culturais etambém dos demais setores de prestaçãode serviços.

Está no Congresso, em Brasília, em re-gime de urgência, o Projeto de Lei 7193/06, do Executivo. Institui dois incentivos.O primeiro: empresas de radiodifusão e deTV por assinatura poderão dispor de par-te do Imposto de Renda devido sobre aremessa de recursos ao exterior para a co-produção de projetos audiovisuais. O se-gundo prorroga para 2016 a possibilidadede contribuintes usarem parte do Impostode Renda devido para patrocinar filmesindependentes. Cria também o Fundo Se-torial do Audiovisual, antiga reivindicaçãodos produtores, para reduzir sua depen-dência em relação aos lucros de empresasde outras áreas e possibilitar melhor pla-nejamento. Os recursos virão da Contri-buição para o Desenvolvimento da Indús-tria Cinematográfica Nacional (Conde-cine), que incide sobre veiculação, produ-

ção, licenciamento e distribuição de obrascinematográficas e videofonográficas comfins comerciais; e também sobre a remes-sa ao exterior de lucros de produtores edistribuidores de filmes estrangeiros.Além de financiar filmes, documentários,programas de televisão e obras musicais;servirá para capitalizar projetos sem liga-ção com grandes estúdios. Se entrar emvigor em 2007, poderá arrecadar 42 mi-lhões de reais.

Fomento O Relatório Mundial sobre De-senvolvimento Humano de 2004, do Pro-grama das Nações Unidas para o Desen-volvimento (Pnud), entre outras consta-tações, afirma que o comércio interna-cional de bens culturais é um dos maisdinâmicos da atualidade. Contribui com7% do PIB global e com 3% na geração in-terna de riqueza de países em via de de-senvolvimento.“Por sua dimensão de pre-servação da identidade e também por seusefeitos econômicos, os produtos culturais

contribuem para a consciência democrá-tica, a coesão social, criam emprego e ren-da. É urgente que os países em desenvolvi-mento participem da produção de con-teúdos representativos de suas histórias”,recomenda o Relatório.

Um estudo da Agência Intergoverna-mental do Conselho de Francofonia, reali-zado por Francisco d'Almeida e Marie Li-se Alleman em 2004, trata da questão nospaíses do hemisfério sul. Revela que o nú-mero de longas produzidos entre 2002 e2003 saltou 140% na África do Sul – e emquinze anos o cinema pode representar10% do PIB do país.“O desenvolvimento eo impacto econômico da indústria audio-visual dependem diretamente de políticaspúblicas de suporte”, dizem os autores. Evão além:“É de interesse de todos os esta-dos do sul evitar a abertura generalizada deseus mercados nas negociações interna-cionais”. Considerando tais recomenda-ções, até que a política brasileira tem sidodiscreta. E os resultados, alvissareiros.

Projeção na cidade de Sacramento, em Minas Gerais: 100 mil pessoas compareceram aos circuitos alternativos de exibição promovidos pelo Instituto Telemar neste ano

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A n d r é a W o l f f e n b ü t t e lARTIGO

em sempre o Brasil foi tão mal servidode salas de projeção. Na década de 1950,antes da popularização da televisão nopaís, ir ao cinema era o programa pre-

dileto de todas as classes sociais, de norte a sul.O ingresso não pesava no bolso e era na grandetela que os ídolos do rádio mostravam o rosto,para o deleite da imensa massa de fãs. Foi a épo-ca de ouro da chanchada, dos musicais e de as-tros como Oscarito, Mazzaropi e Grande Otelo.Com a chegada da pequena tela, família, vizi-nhos e amigos passaram a se reunir em tornodela e de seu irresistível fascínio. Durante al-gum tempo, as duas mídias coexistiram, mas aforça da TV foi roubando os espectadores dassalas de exibição.

Coincidentemente, surgiu no Brasil o movi-mento estético conhecido como Cinema Novo,um reflexo da Nouvelle Vague nascida na França.Os novos cineastas usavam uma linguagem in-timista, hermética e inacessível ao grande públi-co. Enquanto isso, a televisão acertava a receita dogosto de brasileiros e brasileiras. Falava a línguado dia-a-dia, tratava de temas que diziam respeitoa todos e ainda estimulava sonhos e fantasias quepermitiam o afastamento momentâneo das agru-ras cotidianas.

Com as verbas minguando, a indústria cine-matográfica nacional acabou embicando pelopior caminho: o das produções baratas, tecnica-mente pobres e de conteúdo apelativo. Duranteas décadas de 1970 e 1980, o cinema nacional foisinônimo de má qualidade, salvo raras exceções,como Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976, eEles Não Usam Black-Tie, de 1981.

Mas o fator determinante para o declínio daindústria cinematográfica nacional foi a permis-são para que emissoras de televisão produzissemas próprias teledramaturgias, ao contrário doque ocorreu nos Estados Unidos, onde a empre-sa que transmite o sinal de TV não pode ser pro-prietária dos estúdios de gravação de novelas, se-riados e filmes que serão exibidos por ela. Coma faca e o queijo na mão, a televisão abocanhouo monopólio das produções artísticas. Enquantoo cinema decaía, a operação televisiva brasileira

se tornava uma das mais competentes e lucrati-vas do mundo.

“Esse cenário só foi mudar recentemente,quando a própria televisão decidiu usar sua má-quina e suas estrelas para ganhar dinheiro no ci-nema”, diz José Eustáquio Reis, pesquisador doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)e cinéfilo apaixonado. Ele está certo.A Globo Fil-mes, braço cinematográfico da Rede Globo, équem assina as produções 2 Filhos de Francisco,Se Eu Fosse Você e Lisbela e o Prisioneiro, trêsimensos sucessos de bilheteria. A empresa tam-bém participou de Cidade de Deus, indicado aoOscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004, Ca-randiru, presente na seleção oficial do Festival deCannes de 2001, e Olga, distribuído em mais de35 países. Duas fitas em cartaz atualmente foramproduzidos pela Globo Filmes: Zuzu Angel e OMaior Amor do Mundo.

Além de injetar capital, a televisão contribuiupara a mudança da linguagem cinematográfica,outro fator preponderante para o renascimentodo Brasil nas telonas, já que os filmes de maiorsucesso de bilheteria são quase sempre os queusam a estética da telenovela, tão familiar a todosos brasileiros. Há algum problema nisso? Algunspodem torcer o nariz, mas o mais importante éque, com a televisão por trás ou não, os filmes na-cionais estão sendo rodados com o padrão de exi-gência técnica aplicado nas telenovelas, que são,reconhecidamente, as melhores do mundo; e es-tão reconquistando a confiança do espectador, is-to é, do consumidor, essencial para que o cinemasobreviva e cresça. Os tempos da Atlântida e daVera Cruz, os grandes estúdios nacionais, se fo-ram, mas parece que a primavera dá seus primei-ros sinais depois do longo inverno vivido pela in-dústria nacional de cinema.

Andréa Wolffenbüttel é editora-chefe de Desafios

Cinemas, televisões e urubus

“Fator determinante

para o declínio

da indústria

cinematográfica

nacional foi a

permissão para que

emissoras de televisão

produzissem

as próprias

teledramaturgias,

ao contrário do

que ocorreu

nos Estados Unidos”

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MELHORES PRÁTICAS

Jace

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m.br

Aos 11 anos, experiência de autogestão de usina de cana-de-açúcar, em Pernambuco,

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Harmonia conquistadagaran te sobrev i vênc i a a ma i s de 3 m i l fam í l i a s e promove educação e pesqu i sa

P o r G o r e t t i S o a r e s , d e C a t e n d e ( P E )

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No c a s o d a C a t e n d e , a J u s t i ç a d e c i d i u d e c r e t a r a f a l ê n c i a em b e n e f í c i o d o s

ernambuco já tinha perdido o tí-tulo de maior estado produtor deaçúcar do Brasil quando a UsinaCatende apresentou os primeiros

sinais de crise, na década de 1990. A pró-pria usina também já não era a maior for-necedora de cana-de-açúcar da AméricaLatina, como no passado. O estopim quelevaria à falência veio em 1993, quando 2,3mil trabalhadores foram demitidos semnenhuma garantia dos direitos trabalhis-tas. Mas o resultado da bancarrota não se-guiu o curso normal.Depois de uma inusi-tada mobilização de todos os empregados,a Justiça de Pernambuco acatou a solicita-ção de quem sairia mais prejudicado. Oque aconteceu em seguida foi uma decisãoem benefício de trabalhadores rurais e osurgimento de um modelo inédito no país,de gestão compartilhada. Estava criado oprojeto Catende-Harmonia de autogestão.

História A Usina Catende remonta ao finaldo século XIX.Localizada no município deCatende,a 142 quilômetros de Recife,zonada mata sul de Pernambuco,a usina chegoua abranger cerca de 70 mil hectares entre osestados de Pernambuco e Alagoas. Era amaior da América Latina, proprietária deuma rede ferroviária com mais de 150 qui-lômetros de extensão,com um projeto ino-vador de irrigação por meio de barragens ecanais e uma hidroelétrica capaz de for-necer energia para toda zona da mata sul doestado. Nas décadas de 1940 e 1950, mes-mo com uma área menor, ocupou o pri-meiro lugar na produção nacional de açú-car para exportação. Também foi a pri-meira usina brasileira a produzir álcool ani-dro e a instalar um laboratório químico emsuas terras. Durante o regime militar, nasdécadas de 1960 e 1970,os proprietários dausina, como a maioria dos usineiros dopaís, tinham o apoio do Instituto do Açú-car e do Álcool (IAA), com empréstimosfacilitados e formas de pagamento a perderde vista.Mas os administradores acumula-ram muitos débitos. E foi a partir desseponto que a estrutura começou a desmo-ronar. A área produtiva sofreu um grande

abalo com a remoção da linha férrea.O ob-jetivo era capitalizar a empresa por meio davenda dos trilhos.As barragens foram ater-radas e o leito dos açudes virou terra paramais plantação de cana-de-açúcar. Os ca-nais de irrigação também foram aterradospara a construção de estradas vicinais poronde circulavam os caminhões que ali-mentavam a indústria do pró-álcool.Todasessas medidas foram tentativas de mantero poderio economicamente saudável. Aprodução canavieira contava com o apoiodo poder público,que assumia os riscos depossíveis prejuízos, mas também sofria asconseqüências das políticas monetárias quefavoreciam as aplicações financeiras emdetrimento da produção industrial. Os lu-cros começaram a cair, a produção agríco-la foi descuidada e o rendimento do setorindustrial da cana encolheu.

A situação agravou-se ainda mais como fechamento do IAA, durante o governoCollor. Desprovida dos mecanismos ofi-ciais de apoio e mal gerida, a atividade en-trou em colapso. O impacto foi grande nazona rural de Pernambuco, com o fecha-mento de dezoito unidades sucroalcoolei-ras e a extinção de 150 mil postos de traba-lho. Expulsas do campo, as famílias torna-ram-se graves problemas socioeconômicosem dezenas de municípios.

Foi nesse contexto que surgiu o projetoCatende-Harmonia, após demissões emmassa ocorridas em 1993, estando a usinacom um imenso passivo público e traba-lhista, além de envolvida em fraudes naexecução de credores. Os proprietários in-gressaram com o pedido de falência na ten-tativa de manter a antiga prática de se tor-narem liquidantes de suas empresas que-bradas. Em outras usinas, esse pedido foiacatado, mas no caso da Catende a Justiçadecidiu decretar a falência em benefício dostrabalhadores,que passaram a administrara massa falida, como forma de garantir osempregos, os direitos trabalhistas e previ-denciários,e ainda tentar reverter as fraudesna transferência ilegal de parte da proprie-dade para outras empresas. Com essa me-dida, a Justiça interrompeu a relação entre

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Trabalhadores da Usina Catende acompanham

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• 48 engenhos em 26 hectares de áreade cinco municípios

• 19 mil habitantes• 3,5 mil famílias, sendo 2,2 mil

no projeto de agricultura familiar e1,3 mil no projeto de cultivo coletivo

• Parque industrial com capacidade paramoer 10 mil toneladas de casa ao dia

• A cada safra gera: 1,5 mil empregosdiretos e 1,4 mil empregos indiretos

• 980 empregos indiretos durante aentressafra

• Produz 337 mil toneladas de cana,629 mil sacos de açúcar e 18 mil

toneladas de melaço de cana• Receita de 2005: 37 milhões de reais

Catende-Harmoniaem números

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t r a ba l h ad o r e s , q u e p a s s a r am a adm i n i s t r a r a ma s s a fa l i d a

antigos credores e devedores, cabendo aquem se sentisse lesado requerer os crédi-tos judicialmente.

Virada Da noite para o dia, os empregadospassaram a gerir um patrimônio que abran-ge 48 engenhos distribuídos em cinco mu-nicípios (Catende, Palmares, Água Preta,Xexéu e Jaqueira), uma hidrelétrica, umenorme parque industrial com capacidadepara processar 10 toneladas diárias de cana,setenta unidades de transporte,entre cami-nhões, carregadeiras, tratores e outros veí-culos,uma escola e uma policlínica.O cor-po que garante a administração é formadopor um administrador judicial, nomeadopelo juiz da comarca de Catende com aparticipação dos credores trabalhistas, 48associações de trabalhadores, cinco sindi-catos,uma cooperativa e a companhia agrí-cola Harmonia.

O sistema de autogestão adotado écomposto de duas modalidades: na pri-meira, a produção de cana-de-açúcar égarantida de forma coletiva na maior áreada propriedade dos 48 engenhos. É elaque mantém os empregos, os salários e aempresa funcionando. Na segunda mo-dalidade, uma parte menor dos 26 milhectares da propriedade foi destinada àagricultura familiar, ficando a cargo dasfamílias produzirem cana-de-açúcar, pormeio do projeto Cana do Morador, e ou-tras culturas, como banana e café, além dacriação de gado e projetos em andamen-to, como piscicultura e apicultura. Nessasegunda modalidade, estão 2,2 mil das 3,5mil famílias que vivem nos engenhos. Apopulação total é de 19 mil habitantes. Oprojeto ainda gera 1,5 mil empregos per-manentes, distribuídos entre o campo e aindústria; 1,4 mil empregos indiretos no

período da safra anual e cerca de 980 naentressafra.

Elenildo Correia Penha, de 30 anos, fi-lho e neto de agricultor, com mulher e trêsfilhos, tinha 17 anos quando viu o pai serdemitido da Usina, em 1993. Ele é um doscatorze filhos da família que se viu sem des-tino.“Foi uma das maiores aflições que pas-samos.A demissão colocava em risco o fu-turo de todos nós.” Elenildo mora no En-genho Tombador,orgulha-se de ser um doscredores da usina e de fazer parte da ad-ministração. Ele está incluído no projetoCana do Morador e, junto com a família,cuida de 2,5 hectares de cana mais 1,5 hec-tare onde planta banana, café e cria abelhapara a produção de mel. Também recebesalário fixo.A cana que produz é moída nausina de forma coletiva.As outras culturasele vende pessoalmente para incrementar arenda familiar. “Hoje, além de um traba-lhador, eu me transformei num profissio-nal de conhecimento. Poder participar deuma coisa tão grande como esta já é muito.Eu posso dizer com a maior tranqüilidadeque aprendi coisas que muita gente estuda-da não sabe.Há quem diga até que eu tam-bém ensinei alguma coisa. Me orgulha ho-je ser um cidadão autogestionário, partici-pativo,dentro da economia solidária,e po-der repassar tudo isso aos meus filhos.”

A viúva Helena Andrade também gos-ta da vida que leva.O marido morreu antesde ver a autogestão acontecer.Coube a ela eaos dez filhos participar da construção donovo modelo. Professora aposentada domunicípio de Jaqueira, dona Helena hojemora apenas com uma das filhas nas terrasdo engenho Bálsamo da Linha. Os outrosfilhos vivem com as famílias em engenhosvizinhos. Na terra,ela planta cana-de -açú-car e banana.Também cria treze cabeças degado. A pequena produção seria impossí-vel em outros tempos.“Na época dos usi-neiros a gente não podia criar nem plantarnada que não fosse cana. Hoje com o meugado, eu tenho leite à vontade e ainda ven-do para os vizinhos.Aqui,todos se ajudam.A gente trabalha em mutirão de acordocom a safra de cada um. É outra vida.”

os reparos feitos nos equipamentos no aguardo da próxima moagem

Fotos Hans von Manteuffel

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O p r o j e to ge ra 1 , 5 m i l emp regos p e rmanen te s ; 1 , 4 m i l emp regos i n d i r e to s n o

não há déficit.“Quando acontece de sobraralguma coisa, a gente investe em capacita-ção dos trabalhadores”,conta.Os adminis-tradores orgulham-se de sempre cumprircom o pagamento de 100% dos emprésti-mos e, com isso, ter conquistado crédito eeliminado a desconfiança que havia no pas-sado. “Quando tudo começou, ninguémqueria emprestar dinheiro. Achavam que,se os usineiros às vezes não honravam oscompromissos, como é que simples traba-lhadores iriam fazer isso? Agora tudo mu-dou”, comemora Andrade. No último fi-nanciamento com o Banco do Brasil, elesconseguiram arrecadar verba para a com-pra de doze tratores que vão incrementar acolheita.Mesmo ainda não gerando lucrosreais, o projeto Catende-Harmonia come-mora uma conquista: em uma única safra,a usina gerou 37 milhões de reais, mais doque a soma de todo o Fundo de Participa-ção (FPM) dos cinco municípios onde elamantém os engenhos.

Investimentos Os bons frutos colhidos pe-lo projeto Catende-Harmonia não vêm

da que vem da Conab,fazemos a manuten-ção do maquinário,a recuperação do plan-tio e a compra dos insumos.São atividadesnesse período de entressafra, quando nãohá produção. Na safra, já temos o compro-misso de pagar o que a Conab antecipou, eisso temos feito com sucesso”,explica Mari-valdo Andrade,síndico e administrador dausina, simplificando o processo de pro-dução e renda.

Outra forma de garantir o replantio épor meio de financiamento bancário paraagricultura familiar.“Já estamos no quartoano de custeio e investimento do ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar (Pronaf-C) do Ministério doDesenvolvimento Agrário.O crédito é feitodiretamente para cada um dos agricultores,no projeto Cana do Morador, auxiliadospela cooperativa.“O crédito é individualporque ainda não há empresa, e sim massafalida”, explica o síndico Andrade. Nos úl-timos quatro anos, entre custeio e investi-mento eles já conseguiram operar cerca de9 milhões de reais.Andrade diz que prati-camente ainda não há lucro, mas também

Produção Na última colheita, em 2005, aUsina Catende produziu 337 mil toneladasde cana e 629 mil sacos de açúcar. Foi umperíodo difícil, no qual a seca atrapalhouparte da safra. Neste ano, a expectativa éque a produção atinja as 450 mil toneladas.O principal comprador é a Companhia Na-cional de Abastecimento (Conab), órgãoligado ao Ministério da Agricultura quegarante a compra antecipada de um terçoda produção e ainda se compromete a cor-rigir o valor de mercado na saída da safra.É o grande estímulo à gestão compartilha-da, já que os trabalhadores administramuma massa falida, que não tem personali-dade jurídica para vôos próprios. No anopassado, a negociação com a Conab gerouum montante de 7 milhões de reais.Outros30 milhões foram obtidos com vendas deaçúcar e melaço na região e em outros es-tados.Mas, para efetuar essas negociações,eles ainda não conseguiram se livrar da fi-gura do atravessador.“É uma forma de ven-da onde perdemos um pouco, mas ela énecessária, porque garante o pagamentodos salários mês a mês.Com a parte da ren-

Helena Andrade participou da construção do novo modelo de gestão. Professora aposentada, atualmente ela cria gado em suas terras e planta cana-de-açúcar

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p e r í o d o d a s a f r a a n u a l e c e r c a d e 980 n a e n t r e s s a f r a

apenas da terra.Quando o processo de au-togestão teve início,há pouco mais de umadécada, o índice de analfabetismo entre osmoradores dos engenhos da Usina Catendeera de 85%. Hoje eles comemoram a que-da para 25% e pretendem zerar esse índicenos próximos anos.

O grupo administra uma escola queabriga quatrocentos alunos, filhos de mo-radores. Cursos de capacitação são fre-qüentes. Neles, os agricultores aprendem alidar com créditos, empréstimos e a parti-cipar do gerenciamento da indústria. Tam-bém são realizados experimentos científi-cos.Em parceria com o Ministério da Ciên-cia e Tecnologia, um grupo de quarentajovens, filhos de agricultores, entre 17e 24anos, participam de estudos para o melho-ramento da qualidade da cana. Eles tentamdesenvolver um produto resistente às pes-tes que atacam a lavoura. Outro projeto dequalificação profissional na produção e naindústria,em parceria com o Ministério doTrabalho e uma associação que envolve107 jovens, pretende evitar o êxodo rural eestimular as novas gerações a ter gosto pela

terra e saber lidar com ela. O nome da as-sociação não poderia ser mais sugestivo:Puama, que na linguagem indígena signifi-ca “rosa que nasce das pedras”.“É o nossoprojeto de futuro. São eles que vão conti-nuar o nosso duro trabalho de autogestão”,diz Andrade. Na policlínica gerida pelasmulheres trabalhadoras, são realizadosatendimentos voltados para a saúde damulher e das crianças.

O secretário nacional de Economia So-lidária do Ministério do Trabalho, PaulSinger, vê o modelo, ainda em construção,em Catende como um verdadeiro desafioà democracia.“No Brasil, já existem expe-riências similares depois de Catende, masnenhuma em grande escala como acontecena usina.Algo parecido só conheço na ci-dade de Mondragon, no País Basco (pro-víncia espanhola),onde um modelo de au-togestão em grande escala existe há onzeanos e hoje é um dos principais gruposempresariais da Espanha.” Paul Singer es-pera que o exemplo de Catende seja segui-do e estimulado.“É preciso vontade políti-ca para que outras empresas consigam

seguir os caminhos traçados pela UsinaCatende. Empresas do campo, da cidade eindústrias, com maior ou menor comple-xidade.” Ele também acredita que, com aposse das terras, o processo não será rever-tido.“Acho que o crescimento será aindamaior. Hoje existe mais liberdade em Ca-tende do que em qualquer outro momen-to. É graças a esse regime democrático, queé um exemplo para todo o país. A auto-gestão dá mais do que autonomia ao tra-balhador. Oferece a possibilidade real decrescimento individual e coletivo.”

Para os administradores da Usina Ca-tende, é nesse sentido que a autogestão ca-minha, começando pela desapropriaçãodefinitiva dos 26 hectares que estão sub ju-dice.Antes eles lutam para reintegrar de fa-to cerca de oito hectares que foram repas-sados fraudulentamente a outras empresas.São entraves para o crescimento de ummodelo inédito de autogestão, que aindanão tem previsão para ter fim devido aosmuitos recursos judiciais.“Enquanto issonão acontece, a gente tem de administrarsem muita expectativa de crescimento, jáque ainda não somos uma empresa sadiapara competir no mercado. A cada trêsmeses, prestamos contas de nossas ativi-dades à Justiça,com a esperança de que embreve tenhamos a posse definitiva das ter-ras com a reforma agrária.De qualquer for-ma, só estar participando deste momentoe construindo esta história junto a todos ostrabalhadores,e ter recuperado a dignidadedas famílias, já é um fato diferenciado e im-portante para nosso estado e nosso país”,conclui, esperançoso,Andrade.

comprada pela Usina (acima)

Saiba mais:

Projeto Catende-Harmoniawww.catendeharmonia.com.br

Secretaria de Economia Solidária do Ministériodo Trabalhowww.trabalho.gov.br/empregador/EconomiaSolidaria/default.asp

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Fotos Hans von Manteuffel

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CIRCUITOciência&inovação

Desunited colors

Amazônia de dois pontos de vista

Nos dois últimos anos foram realizadas onze expe-dições científicas, com duração média de 21 dias, emdiferentes regiões do Corredor de Biodiversidade doAmapá.As incursões descobriram 23 novas espécies –principalmente de peixes. Registraram 1,7 mil espéciesde animais e vegetais, entre elas um pequeno roedoraparentemente desconhecido, que está em análise.A fal-ta de informação compromete a elaboração dos planosde manejo das unidades de conservação e a conse-qüente gestão da área. O Projeto Expedições Científicasfoi criado para suprir parte dessa carência. Contou como apoio do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnoló-gicas do Amapá (Iepa), da Secretaria de Meio Ambiente

do estado, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama) e da organizaçãonão-governamental (ONG) Conservação Internacional(CI-Brasil).

O país vem avançando. O desmatamento da Amazô-nia desacelerou 30% no ano passado. Mesmo assim, háproblemas que chamam atenção. A revista trimestralColors, da grife italiana Benetton, teve seu número 68editado em português e dedicado à Amazônia. Uma equi-pe da revista desceu o rio Negro, falou com índios, mi-neradores, religiosos e exploradores de madeira durantevinte dias. Não colecionou boas histórias: o materialmostra tragédia ecológica e dramas humanos.

Água

Bolhaspurificantes

Pesquisadores da Universida-de Abertay Dundee, no Reino Unido,desenvolveram um sistema de pu-rificação de água que utiliza tec-nologia hidrodinâmica e, assim,evita a ingestão de produtos quí-micos. Funciona da seguinte ma-neira.A água é bombeada em altavelocidade, o que provoca o surgi-mento de pequenas bolhas. Em am-biente de pressão e temperaturaelevadas, as borbulhas implodem ematam as bactérias. Para melhorara desinfecção, aplica-se ozônio –o que aumenta a produção de bo-lhas. Menos nocivo à saúde do queo cloro, o ozônio é bastante usadopela indústria alimentícia, que fi-nancia as pesquisas.

Armas I

Munições verdes?

Armas II

Munições inteligentes?

A fabricante britânica de arma-mentos BAE Systems anunciou umanovidade inusitada. Está desenhan-do e produzindo armamentos com apreocupação de respeitar o meioambiente. Entre as inovações estãobalas com carga reduzida de chum-bo, granadas que emitem pouca fu-maça e foguetes com pequeno vo-lume de produtos tóxicos. Há tam-bém veículos blindados, cujos mo-

tores emitem pouco gás carbônico,além de explosivos recicláveis. Apolítica da empresa é aprovada pe-lo ministério britânico da Defesa.Em nota oficial, o ministério susten-tou que o conceito de “muniçõesverdes”não é contraditório.A infor-mação foi publicada pelo jornalbritânico The Sunday Times e divul-gada pela agência de notícias AFP,francesa, em setembro.

O Congresso norte-americanojá liberou verba para que a IBM cons-trua um supercomputador de últimageração capaz de fazer 1 quatrilhãode cálculos por segundo, ou 1 peta-flop. O anúncio oficial explica que amáquina, apelidada de Roadrunner(algo como “maratonista”,em portu-guês), será construída no Labora-tório Nacional de Los Alamos, no es-tado do Novo México, para servir ao

Departamento de Energia dos Es-tados Unidos. A IBM, entretanto, in-forma que seu superprocessadorpoderá fazer mais: garantir segu-rança e eficiência ao arsenal de ar-mas nucleares do país sem que se-jam necessários testes de explosãosubterrânea. Mais uma vez, comoocorreu no passado, a guerra, ou omedo dela, estimula e financia o de-senvolvimento tecnológico.

Pesquisa Nair Rabelo Texto Andréa Wolffenbüttel sxc.hu

60 Desafios • outubro de 2006

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Empreendedorismo

Modelo desucesso

O Laboratório de Tecnologiade Software da Escola Politécnicada Universidade de São Paulo (Poli/USP), em parceria com a Micro-soft, criou um modelo de Fábricade Software para pequenas e mé-dias empresas: desenvolve aplica-tivos para dispositivos móveis viaInternet e gerencia o ciclo produ-tivo (definição e distribuição detarefas, padrões de qualidade eprodutividade, e testes) em pa-drões internacionais. Em 2005,ganhou o Prêmio Microsoft à Pes-quisa Acadêmica e o IBM FacultyAward, da IBM Internacional.As si-mulações sobre física para alunosdo ensino médio, que podem serconhecidas em www.labvirt.futuro.usp.br, da Fábrica de Software deObjetos Educacionais da Escolado Futuro da Poli, estiveram entreas laureadas.

Fauna

Felinos podem escapar da extinção

Ao buscar maneiras de preser-var onças e jaguatiricas – felinosselvagens brasileiros –, pesquisa-dores da Faculdade de MedicinaVeterinária e Zootecnia da Universi-dade Estadual Paulista (Unesp), emBotucatu, no interior de São Paulo,investigaram a inseminação artifi-cial, com sêmen congelado, de ga-tos domésticos.A primeira ninhada,com dois filhotes, nasceu saudável.

“Elaboramos um protocolo de con-gelamento de sêmen, indução da o-vulação e inseminação por via in-tra-uterina que poderá ser útil a ou-tros pesquisadores que trabalhamcom felinos ameaçados de extin-ção”, diz Ana Izabel Villaverde, au-tora do trabalho. Uma das vanta-gens do congelamento é a possibi-lidade de criação de um banco dematerial genético.

Gerência

O novo códigode barras

A partir de 1.º de janeiro de2010 os itens do comércio vare-jista deverão ser identificadoscom o código RSS – que ocupa ametade do espaço do código debarras e carrega mais informa-ções, permite identificação e ras-treamento individual, a distância.AAssociação Brasileira de Automa-ção (GS1 Brasil), braço de uma or-ganização mundial sem fins lucra-tivos, que estabelece padrões deautomação, vai disseminar o mo-delo no país. Distribuirá materialtécnico e promoverá encontrospara orientar empresas. Já dispo-nibiliza textos para consulta nosite www.gs1brasil.org.br.

Pesquisa

Nanotecnologia anticorrosiva e bactericida

Pesquisadores da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp), em Arara-quara, da Universidade Federal deSão Carlos (UFSCar), ambas no inte-rior de São Paulo, estão provando aversatilidade dos nanomateriais. Emparceria com a Companhia Siderúr-gica Nacional (CSN), eles criaramuma fórmula que evita a corrosão pormeio da aplicação de materiais nano-particulados de titânio nos poros degrafite do cadinho,região inferior doalto-forno da siderúrgica. Constituí-ram, assim, uma proteção em nívelnanométrico que contribui para a re-dução dos custos de manutenção e

prolonga a vida útil do equipamentopor mais dez anos. Outra parceria écom a empresa Nanox, que integra oPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (Pipe), daFundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo (Fapesp). Oscientistas desenvolveram um secadorde cabelos bactericida inserindo umapelícula transparente de material na-nométrico nas duas extremidades doaparelho. A tecnologia deverá seraplicada em outros equipamentos debeleza,como escovas e modeladoresde cabelo. Mais informações: www.nanox.com.br.

sxc.hu

1.850 gênerosde dinossaurosdevem ter habitado a Terra.Desse total, são conhecidos atualmente 527.

No início de setembro, a Orga-nização para Cooperação e Desen-volvimento Econômico (OCDE) di-vulgou previsões positivas acercada economia brasileira. Segundo aorganização, dentro de seis meseso país estará melhor do que hoje. Eisso não tem nada a ver com cam-panha eleitoral ou palpite em mesade jogos.Resulta da análise de umacesta de cinco índices, entre elesos relacionados a exportações,pro-dução e investimentos externos.Sur-preendente é que, seguindo a mes-ma equação, China e Índia se sai-rão pior – não que cheguem a en-frentar problemas, mas seu cresci-mento perderá empuxo.O Conselhode Desenvolvimento Econômico eSocial (CDES) anda preocupadocom a dificuldade dos técnicosbrasileiros em prever e analisar osindicadores econômicos do país.No seminário “Novos indicadoresde riqueza”, realizado em agosto,propôs a criação de um índice ca-paz de retratar a desigualdade nopaís – e suas variações. Pesquisa-dores formaram, assim, o Observa-tório da Eqüidade,cujo primeiro re-latório deverá estar pronto em mar-ço de 2007.

Economia

Fitaseconométricas

Circuito 27 04/10/06 13:10 Page 61

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leitor conhece a Feira do Troca, queocorre semestralmente na pequeni-na cidade de Olhos d'Água, locali-zada no coração goiano? Sabe que

existe, em Salvador, na Bahia, desde 1998,o Mercado Cultural,uma feira de produçãoautoral independente que reúne mais de 1,5mil artistas e milhares de visitantes? E oFestival de Jazz e Blues de Guaramiranga,109 quilômetros distante de Fortaleza, noCeará? Pois em 2005 turistas que foram vê-lo deixaram 3 milhões de reais na cidade.Economia da cultura e desenvolvimento sus-tentável – O Caleidoscópio da cultura, deAna Carla Fonseca Reis, lançado em outu-bro pela Editora Manole, com o apoio doInstituto Pensarte, conta casos assim, cu-riosos, desconhecidos da maioria dos bra-sileiros. Compõe um texto saboroso que,em alguns pontos, assume o seguinte tom:“Quem já teve o privilégio de visitar cidadesde nomes tão singelos como Pedralva (Mi-nas Gerais), Alta Floresta (Mato Grosso) eSalgado de São Félix (Paraíba), irá de al-gum modo reviver essa experiência. Quemnunca passou por lá terá o deleite de conhe-cê-las. Essas comunidades e mais de umacentena de outras estão representadas naCasa da Vila, uma loja de artesanato bra-sileiro instalada em uma das poucas cons-truções originais da década de 1920 aindaexistentes no bairro paulistano da Vila Ma-riana. Nesse sobrado de cômodos espaço-sos, o pinho-de-riga é pano de fundo de ta-petes e móveis feitos à mão; e o papel de pa-rede inglês emoldura uma constelação de

produtos elaborados com matérias-primasde ecossistemas regionais. A visita à SãoPaulo da época, cujos hábitos e organiza-ção familiar são refletidos na distribuiçãodos ambientes, é complementada por umaviagem às tradições e técnicas de produçãocultural do Brasil...”A reprodução se inter-rompe aqui para não roubar ao leitor o gos-tinho da obra completa.

Bem, mas se o primeiro parágrafo destetexto deixou a impressão de que se trata,aqui, de um livro informal, por assim dizer,atenção: essa é só uma de suas faces. A au-tora é administradora pública e economis-ta; trabalhou quinze anos com marketing ecomunicações, em empresas multinacio-nais, na América Latina, em Londres e Mi-lão; e atualmente, entre outras atividades, éconsultora especial em Economia Criativada Organização das Nações Unidas (ONU)e curadora da conferência Creative Clusters,do Reino Unido. Foi uma das autoras deTeorias de Gestão – de Taylor a nossos dias(1997) e escreveu Marketing Cultural e Fi-nanciamento da Cultura (2002). Sua obra éa primeira publicação brasileira a tecer umestudo abrangente sobre uma área poucoexplorada e na qual o Brasil tem potencialde sobra: a economia ou indústria cultural.Traz definições teóricas, estatísticas, análi-ses bibliográficas, citações – tudo o quecompõe um trabalho de formato acadêmi-co. Contempla, também, aspectos práticos,como estratégias empresariais e políticaspúblicas. Pode, ainda, ser lida como ummanual para o melhor aproveitamento de

oportunidades de negócios no âmbito daindústria cultural.

É de notar que há muitas questões a re-solver, na análise do estado atual da eco-nomia cultural, de medidas necessárias aseu desenvolvimento, e da avaliação deseus resultados – no Brasil, especialmente,mas também em outros países.A propos-ta de Ana Carla Fonseca Reis não é resol-ver problemas. É antes apresentá-los. Tan-to que o livro não encerra com um capítu-lo de conclusões, mas com “Consideraçõesintermediárias”.

Eliana Giannella Simonetti

Diversificado como a cultura

Economia da cultura e desenvolvimentosustentável – O Caleidoscópio da culturaAna Carla Fonseca ReisEditora Manole, 2006, 385p., R$ 60,00

O

62 Desafios • outubro de 2006

ESTANTElivros e publicações

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O imperador americano das PPPs

O esqueletochinês

uem imagina que as parcerias pú-blico-privadas (PPPs) sejam umamodernidade faria bem em revi-sar sua lição de história. Elas co-meçaram mais de um século atrás,

em pleno império, como solução à crônicafalta de capitais no Brasil para obras degrande porte.E persistiram durante a VelhaRepública. Percival Farquhar foi, segundoGauld, o “maior vulto americano da histó-ria do Brasil”, demonizado pelos naciona-listas,incompreendido pelos políticos,hos-tilizado pelos xenófobos e nada conhecidopelos atuais promotores das PPPs.Nos paí-ses vizinhos, ele seria chamado de gringoexplorador.No Brasil, foi respeitado no iní-cio de seus muitos investimentos em obraspúblicas e empreendimentos extrativistas,passou a ser temido quando adquiriu as di-mensões de um Mauá estrangeiro e foi im-piedosamente expropriado ao longo da eraVargas.Poucos sabem que a Vale do Rio Do-ce começou pelas suas mãos: a Itabira IronOre Company, que, aliás, já existia antes deele adquiri-la, em 1919.A Vale, a Acesita, aPorts of Pará – construída para exportar aborracha da Amazônia e que começou afuncionar no momento mesmo da crisetrazida pela concorrência da Malásia, em1913 – e várias outras companhias fundadaspor Farquhar foram nacionalizadas no de-correr da dura batalha que ele travou contraos demolidores do formidável império eco-nômico que foi construindo a partir de 1904.

A despeito do tom laudatório,Gauld re-constrói, além do itinerário desse imperia-lista exemplar, vários capítulos de nossahistória econômica: quase não há setores– que os militares chamariam de “estratégi-cos” – em que ele não tenha colocado oscapitais de seus associados estrangeiros:bondes, ferrovias, navegação, portos, hi-drelétricas, pecuária, processamento decarne, agricultura e silvicultura, extraçãomineral, indústrias de papel e siderurgia.Como Mauá, ele enfrentou inúmeros pro-blemas, a maior parte vinda do próprioEstado brasileiro, mesmo tendo praticadoa arte (não inusitada) de “comprar” depu-

tados e jornalistas para defender os seus in-teresses. Imperialista bizarro, Farquharapreciava mais o risco do investimento doque a cor do dinheiro; foi um verdadeiropioneiro, como seus ancestrais quacres,podendo até ser equiparado, sem nenhumexagero, aos nossos bandeirantes.

“Os brasileiros”,disse uma vez Farquhar,“chamaram minha atenção pela rapidez deraciocínio, embora estejam igualmenteprontos a chegar a conclusões apressadas.”Em 1906, ele já se queixava da “constanteflutuação da taxa de câmbio” e, no final davida,em 1952,registrava a “vã manifestaçãode esperança”,mantida durante meio sécu-lo, de que algum dirigente corrigisse a “ins-tável economia do Brasil, em perpétua in-flação”.A obra reflete o momento em quefoi escrita (1962),quando os EUA conside-ravam que o Brasil corria o risco de tornar-se uma “grande Cuba”. Gauld não escondeuma incontida admiração pelo seu herói ecerta impaciência com os nacionalistas bra-sileiros. Os editores e a tradutora estão deparabéns pela corajosa iniciativa de publicaressa obra esquecida.

Paulo Roberto de Almeida

infra-estrutura é uma face da eco-nomia chinesa nem sempre valori-zada. Os recursos inicialmente apli-cados no litoral para instalação das

Zonas Econômicas Especiais (ZEE's) per-mitiram transferências para o interior,crian-do uma economia continental integrada einserida no contexto mundial. O geógrafoElias Jabbour visitou e estudou as três maio-res obras de infra-estrutura do mundo atual:a Usina Hidrelétrica de Três Gargantas,o Ga-soduto Oeste-Leste (Xinjiang-Xangai) e aferrovia Qinghai-Tibet. Outras são apresen-tadas em detalhes.

As idéias de Ignácio Rangel sobre os me-canismos de desenvolvimento econômicoajudaram o autor a decifrar seu tema. EliasJabbour demonstra que na China os meiosde aceleração da acumulação de riqueza so-cial criados pelo capitalismo são administra-dos de forma planejada pelo Estado.O plane-jamento combina controle flexível e prag-mático dos principais instrumentos de acu-mulação, como sistemas de crédito, câmbioe finanças; descentralização administrativa;e competição no mercado de bens.Há políti-cas industriais e normas destinadas a favore-cer a formação de grandes conglomeradosnacionais, freqüentemente em associaçãocom empresas estrangeiras, na busca deapropriação tecnológica.

Carlos Campos Neto

Farquhar, o Último Titã: um empreendedoramericano na América LatinaCharles A. GauldSão Paulo: Editora de Cultura, 2006520 p., R$ 88,00

China – Infra-estruturas e crescimento econômicoElias JabbourEditora Anita Garibaldi, 2006, 256 p., R$ 30,00

Q

A

Desaf ios • outubro de 2006 63

Estante 27 04/10/06 13:15 Page 63

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Os problemas da habitação

Radar Social

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

64 Desafios • outubro de 2006

A reportagem da página 16 trata da grave si-tuação das cerca de 16 milhões de famílias bra-sileiras que vivem em moradias irregulares. Ape-sar de todas as dificuldades, os três principais in-dicadores de problemas habitacionais – irregula-ridade fundiária, acúmulo de pessoas vivendo sobo mesmo teto e altos preços dos aluguéis – vêmapresentando melhora nos últimos anos. Essaevolução se dá de forma desigual, sendo que al-

gumas regiões têm mais dificuldade com um as-pecto da questão enquanto lidam bem com outro.A edição 2006 do Radar Social, publicado peloInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),tem um capítulo dedicado exclusivamente ao temada moradia. Os dados apresentados abaixo foramretirados dessa obra, cuja íntegra pode ser aces-sada no site do Ipea, www.ipea.gov.br, no setor depublicações/livros.

O leitor já reparou que quase todos osvalores referentes às exportações sãoexpressos em US$ FOB? E já seperguntou o que significam essas trêsletrinhas após o símbolo da moeda norte-americana? Pois elas são as iniciais daexpressão inglesa Free On Board. Querdizer que o exportador é responsável pelamercadoria até ela estar dentro do navio,para transporte, no porto indicado pelocomprador. Por que free? Porque amercadoria já deve ter sidodesembaraçada na alfândega de partidae estar livre para ser levada. Essaexpressão faz parte dos chamadosIncoterms, ou seja, InternationalCommercial Terms, compilados enormatizados pela Câmara de ComércioInternacional (CCI). Existem muitos outrosque representam diferentes cláusulas decontrato de comércio exterior. CIF é asigla de Cost, Insurance and Freight.Nessa modalidade, o exportador seresponsabiliza pela entrega damercadoria no porto de destino, comdespesas de transporte e seguro pagas.Se no FOB a responsabilidade doexportador acaba quando a mercadoriaentra no navio, no CIF ela só terminaquando a carga chega ao seu destino.Inicialmente, as siglas eram usadasapenas em transações de exportação/importação por via aquática. Porém,passaram a ser aplicadas também nomercado interno. Há até as variações FOBFábrica, quando o comprador retira amercadoria na fábrica, e FOB Cidade,usada quando o vendedor leva o produtoaté a transportadora indicada pelo cliente.

O que é?

FOBIrregularidade fundiária (2004)

Estados com mais residentes comirregularidade fundiária

Percentual da populaçãobrasileira em habitaçõescom irregularidade fundiária

CE AP SP 2001 2002 2003 2004

7,3

7,1 7

5,7

5,25,1

4,8

% d

a po

pula

ção

tota

l

Estados com menos residentes comirregularidade fundiária

SE RR DF

1,5

1,4

1,4

% d

a po

pula

ção

tota

l

REPARE: estados com cidades menores ou de ocupação mais recente, como Roraima e Distrito Federal, tendem a ter menos problemas fundiários.

Adensamento excessivo – mais de duas famílias morando na mesma casa (2004)

Estados com maisresidentes comadensamento excessivo

Percentual da populaçãobrasileira que vive emadensamento excessivo

AP AM RR 2001 2002 2003 2004

30,

7

25,4

23,6

11,1

10,5

9,8 9,8% d

a po

pula

ção

tota

l

Estados com menos residentes com adensamento excessivo

RN MG RS

7,1

6,3

% d

a po

pula

ção

tota

l

REPARE: os estados que registram maiores níveis de adensamento ficam na região Norte do país.

Gasto excessivo com aluguel (2004)

Estados com maisresidentes pagandodemais pelo aluguel

Percentual da populaçãobrasileira que gastademais com aluguel

DF SP RJ 2001 2002 2003 2004

7,9

5

4

4,24,0

3,8

3,5% d

a po

pula

ção

tota

l

Estados com menosresidentes pagandodemais pelo aluguel

PA AP RO

1,7

1,7

1,6

% d

a po

pula

ção

tota

l

REPARE: os estados onde estão as três principais metrópoles do país têm mercados imobiliários mais acirrados e valores de aluguéis mais altos.

6,2

Indicadores#27 04/10/06 13:16 Page 64

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Desaf ios • outubro de 2006 65

Onde está a crise?

Indústria automobilística

O setor automobilístico foi abalado, durante os primeiros dias do mêspassado, pelo movimento grevista dentro da Volkswagen e pela ameaça daempresa de fechar a unidade de São Bernardo do Cempo, na Grande SãoPaulo, a mais antiga fábrica da montadora no país. Os funcionários protes-tavam contra 1,8 mil demissões realizadas pela companhia alemã e cruzaramos braços até a suspensão das dispensas. Ao mesmo tempo, a Fiat anunciou

que abrirá cerca de 300 novas vagas.A decisão da montadora italiana parecemais coerente com o momento vivido pelo setor. Os gráficos abaixo trazemdados extraídos dos relatórios da Associação Nacional de Fabricantes deVeículos Automotores (Anfavea) e mostram que, desde 2003, o setor automo-bilística está em franca expansão, exceto pelos investimentos e número deempregados, que não acompanham as curvas dos demais gráficos.

Produção de automóveis** durante o 1º semestre do ano

Produção total (em mil unidades) Produção das 4 maiores montadoras(em mil unidades)

Faturamento total do ano

Indústria de autoveículos (em US$ bilhões)

Vendas internas de automóveis** durante o 1º semestre do ano

Vendas internas totais (em mil unidades) Vendas internas das 4 maiores (em mil unidades)

Investimentos totais do ano

Realizados pela indústria de autoveículos (em US$ milhões)

Exportação de automóveis** durante o 1º semestre do ano

Exportação total (em mil unidades) Exportações feitas pelas 4 maioresmontadoras (em mil unidades)

Empregados

Número da empregos na indústria de autoveículos (em mil funcionários)

Fontes: Anfavea*previsão; **Considera automóveis de passageiros e de uso misto

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*

942.

6

858

.5

863

.6

1.05

2,2

1.16

1,9

1.21

8,6

2001 2002 2003 2004 2005 2006

727,

5

636,

1

585,

6 701,

8

740,

4 84

9,2

2001 2002 2003 2004 2005 2006

186,

3

187,

7 257,

0 33

1,9 402

,9

379,

8

294,5

266,0

243,7

51,7

77,397,5

230,3

285,4 275,6

165,8

268,3

408,7

Volkswagen GM Fiat Ford

Volkswagen GM Fiat Ford

Volkswagen GM Fiat Ford

2001 2002 2003 2004 2005 2006

39,6

49,2

79,6

224,2

213,7

180,7156,7 204,0

139,5

149,0

217,2

205,6

2001 2002 2003 2004 2005 2006

81,0

61,3

12,8 31,3

71,5

196,7

28,4

27,2

22,6

24,6 25

23,723

28,4

29

25,9

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*

2,539

2,092

2,335

1,7911,651

1,750

976673 739

1,050

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*

101,9

104,9

83 85,1

89,1

84,881,7

79

88,8

94,2

45,024,3

Indicadores#27 04/10/06 13:17 Page 65

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Acabo de ler reportagem “Inte-ligência solidária”, publicada naedição n.º 24, de julho passado, eachei-a muito interessante porquefoca o compartilhamento de da-dos e informações científicas, algofundamental para o país. Parabénspelo excelente trabalho.

Dora Ann Lange Canhos Campinas - SP

Gostaria de parabenizar a todospela entrevista com o humanista in-diano Kailash Satyarthi, que li re-centemente no site de Desafios.Entretanto,acredito que,por ser umindicado ao Prêmio Nobel,a entre-vista poderia ser mais contundente.

Antônio Cláudio MenezesCuritiba - PR

Caro Cláudio, o sr. Satyarthi érealmente uma figura fascinante.Infelizmente, temos os limites físicosdas páginas da revista e não foipossível prolongar a entrevista.

Parabéns à equipe de Desafios.Li a edição n.º 24, de julho desteano, e achei-a, sem dúvida, umapublicação excelente. As matériassão interessantes e bem desenvol-vidas. A qualidade da impressão,

fotos e layout geral também meparece muito boa. Particularmen-te, merece destaque, pela impor-tância e atualidade, a reportagem“Inteligência solidária”.

Jorge C. LuceroProfessor universitário

Brasília - DF

Qual a relação entre o cresci-mento do Brasil e o da Argentinaem 2005?

Ana Paula CristóvamEstudante

São Paulo - SP

Estimada Ana Paula, como am-bos os países fazem parte do mesmosubcontinente, a América do Sul, eda mesma área de livre-comércio, oMercosul, é natural que exista rela-ção entre o desempenho econômicode um e outro.Porém,talvez sua per-gunta tenha surgido porque no anopassado o Brasil registrou modestocrescimento do Produto Interno Bru-to,de 2,28%,enquanto a Argentina,inserida no mesmo ambiente exter-no,registrou um índice de 8,7%.Cer-tamente existem centenas de moti-vos e explicações para resultados tãodiferentes, mas sempre é bom lem-brar que, em 2002, a Argentina viusua economia encolher 10,89%, de-pois dos 4,41% em 2001.Portanto,oaquecimento que veio após esse de-clínio é uma simples recuperação dopatamar anterior,e não uma expan-são propriamente dita.

Gostaria de sugerir uma pautasobre transgênicos em geral.

Vera Lúcia de A. AmadoSalvador - BA

Cara Vera Lúcia, como você podever nesta edição, seu pedido já foi

atendido. Esperamos que você gosteda reportagem.

Sou assinante recente desta sur-preendente revista e também ser-vidora pública com 26 anos deprestação de serviços na Funda-ção para o Desenvolvimento deRecursos Humanos (FDRH), vin-culada à Secretaria da Adminis-tração e dos Recursos Humanos(SARH) do governo do estado doRio Grande do Sul. Gostaria desolicitar orientações sobre buscade recursos e patrocínio para o de-senvolvimento de projeto de apoioao educador de escola pública doRio Grande do Sul. Tal pedido tem

relação com os indicadores de con-sumo e apreensões de drogas apre-sentados na seção Indicadores daedição 24 de Desafios, de julhodeste ano.

Denise Muniz Ramos Funcionária pública

Porto Alegre - RS

Prezada Denise, infelizmente nãotemos condições de orientá-la, poisdesconhecemos quais seriam os pro-cedimentos adequados à busca depatrocínio para seu projeto.De qual-quer forma,aconselhamos fazer con-tato com empresas que tradicional-mente desenvolvem programas so-ciais na área de educação.

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

Repr

oduç

ão

66 Desafios • outubro de 2006

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.org.br

Enquete

Desafios perguntou aos leitores que visitam sua página na Internetse eles são a favor da existência do horário eleitoral gratuito. O re-sultado ficou quase empatado, com 52,7% dos votos reprovando apropaganda eleitoral gratuita e 47,3% aprovando. Leia abaixo al-guns dos comentários dos internautas.

Não existe horário eleitoralgratuito! A população brasileiraestá pagando para que todos oscandidatos possam apresentarsuas propostas sobre os proble-mas do país.O horário “gratuito”é um dos temas da necessária eurgente reforma política.

Bolívar Pêgo FilhoEconomista

Só por meio de debates en-tre os políticos, pela televisão epelo rádio, é que a populaçãopoderá tomar consciência daspropostas dos candidatos e as-

sim escolher seus representan-tes. Esses debates deveriam serfeitos durante o ano todo e emvários canais.

Fabiano Joel DuarteDiretor de escola

Sou a favor do horário elei-toral gratuito, mas não possoaceitar o fato de os candidatosterem tempos diferentes paraapresentar seu programa degoverno.

Juliana SartoriEstudante

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