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desafios Novembro de 2004 • Ano 1 • nº 4 www.desafios.org.br do desenvolvimento SALÁRIO MÍNIMO Será que ele funciona no combate à pobreza? JOVENS INFRATORES Uma experiência de sucesso na reintegração de adolescentes à sociedade R$ 8,90 ApontoZ.com Brasil dividido Metade dos trabalhadores vive na informalidade Novembro de 2004 • Ano 1 • nº 4 desafios Capa.qxd 10/30/04 8:59 Page 1

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desafiosNovembro de 2004 • Ano 1 • nº 4 w w w . d e s a f i o s . o r g . b r

do desenvolvimento

SALÁRIO MÍNIMOSerá que ele funciona nocombate à pobreza?

JOVENS INFRATORESUma experiência desucesso na reintegração deadolescentes à sociedade

R$ 8,90

Apon

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com

BrasildivididoMetade dos trabalhadores vive na informalidade

Novem

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• Ano 1 • nº

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desafios

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4 Desafios • novembro de 2004

Ariel de CastroO primeiro passo

Sérgio MoreiraNem tudo é APL

Ricardo CarneiroA insustentável trajetória do investimento

Luciana AciolyPolíticas para o investimento externo direto

Augusto JucáExportando tudo aquilo que nunca será

Elcyon Caiado Rocha LimaNobel em Ciência Econômica de 2004

desafiosdo desenvolvimento

08

16

26

32

44

50

56

64

Economia Brasil divididoMetade dos trabalhadores brasileiros vive na informalidade

Debate O papel do salário mínimo no combate à pobrezaUma mesa-redonda debate políticas públicas no Brasil

Entrevista Silvio MeiraA experiência do Porto Digital de Recife, em Pernambuco

Desenvolvimento Regional Alianças para o progressoCaracterísticas e vantagens dos Arranjos Produtivos Locais (APL)

Gestão de Conhecimento Catálogo de pesquisaA Plataforma Lattes desperta o interesse internacional

Comércio Exterior Jogo de interessesAcordo entre União Européia e Mercosul depende da rodada de Doha

Meio Ambiente Uma onda no arO mundo já negocia créditos resultantes da redução da emissão de poluentes

Prêmio Ipea-Caixa 2004 Talentos reconhecidosEstímulo ao debate sobre desenvolvimento sustentado

Melhores Práticas Uma chama de esperançaOs bons resultados do trabalho desenvolvido no Jardim Ângela, em São Paulo

24

42

49

55

62

67

Sumário

Artigos

08

Giro

Circuito

Estante

Indicadores

Cartas

06

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82

Seções

Paul

o Ja

bur

26Le

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lar

32

Rica

rdo

B.La

basti

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orvo

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Anto

nio

Gaud

erio

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hapr

ess

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Desaf ios • novembro de 2004 5

www.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoREPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR GERAL Luiz Henrique Proença Soares

DIRETOR Ottoni Fernandes Jr.

RedaçãoEDITORES Andréa Wolffenbüttel, Maysa Provedello

EDITORES ASSISTENTES Clarissa Furtado, Lia Vasconcelos, Pedro Ivo Alcântara

COLABORADORES Edmundo Machado de Oliveira, Eliana Simonetti,Maria Helena Tachinardi, Mônica Teixeira, Paulo Roberto Almeida (redação),Leo Caldas, Paulo Jabur ,Ricardo Labastier, Samuel Iavelberg, SommerAndrey (fotografia), Luiz Roberto Malta (Revisão)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Sugino • ASSISTENTE DE ARTE Rafaela Ranzani

CAPA ApontoZ.com TRATAMENTO DE IMAGEM E FINALIZAÇÃO Inovater

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71)9988-4211• email : [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • email : [email protected] GERAIS • Ponto de Vista Comunicação MarketingTel. (31) 3281-7363 • email : [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização LtdaTel. (41) 3019-3717 – Fax (41) 3019-3716 • [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • email : [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização LtdaTel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • email: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

RedaçãoSBS Quadra 01 - Edifício BNDES sala 801, CEP 70076-900 Brasília – DFTel. (61) 315-5188 Fax (61) 315-5031

Circulação e PublicidadeAv. Paulista, 777, 15° andar, CEP 01311-100 São Paulo -SPTel. (11) 3145-1953, Fax (11) 3145-1954

Administração Instituto UniempAv. Paulista, 2.198 – conjunto 161, CEP 01310-300, São Paulo – SPTel: (11) 288-0466 Fax: (11) 3283-3386

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Atendimento ao Jornaleiro LM&X - Tel. (11) 3865-4949

Impressão Globo-Cochrane Gráfica e Editora

Distribuição Dinap SA Distribuidora Nacional de Publicações

Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaMinistério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoOrganização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

Tiragem: 30.000 exemplares

DIRETOR RESPONSÁVEL • Ottoni Fernandes Jr.

desafiosdo desenvolvimento

O núcleo temático desta edição de Desafios do Desenvolvimentoé a informalidade na economia brasileira. Nas contas do ministério daPrevidência Social nada menos do que 53% dos brasileiros ocupados,inclusive pequenos empresários, não têm vínculo com o sistema pre-videnciário. É um contingente de 40 milhões de pessoas. Não encon-tram vantagens em buscar os benefícios previdenciários, fogem daelevada carga tributária, não conseguem atender às exigências buro-cráticas para legalizar suas atividades. Muitas vezes simplesmente nãoconseguem emprego formal

Existem meios de combater este fenômeno. O arranjo produtivolocal é uma delas. Eles são formas de cooperação entre empresasnuma mesma cidade ou região, e podem servir de fio condutor paraatraí-las para o mundo institucional da formalidade econômica,como mostra a reportagem da página 32, feita a partir da cidade deJaraguá, em Goiás, um pólo de confecção, como vários que existemno interior do país.

Um estágio avançado de uma arranjo produtivo local é o PortoDigital do Recife, que reúne empresas do setor de produção de soft-ware e teve seu berço dentro da Universidade Federal do Pernambuco.A gênese e a perspectiva deste cluster tecnológico estão contados naentrevista de Silvio Meira, um dos idealizadores do Porto Digital.

Fiel ao seu compromisso de provocar o debate sobre temas rele-vantes para o desenvolvimento do Brasil, Desafios doDesenvolvimento de novembro convidou um grupo de economistaspara discutir uma questão polêmica: o salário mínimo funcionacomo instrumento para combater a pobreza, ou deve servir apenascomo piso regulador do mercado de trabalho? Como garantiraumentos reais para o salário mínimo sem provocar um sériodesajuste financeiro e atuarial no sistema previdenciário?

A sustentabilidade ambiental é o tema da matéria da página 56,que narra o esforço para reduzir o aquecimento da atmosfera ter-restre, provocado pela emissão de gases que causam o efeito estufa.Conseqüência da acelerada industrialização planetária, este processopassou a ser combatido a partir da assinatura do Protocolo deQuioto, em que foi estabelecido um compromisso de redução dasemissões de gases danosos à atmosfera. O acordo multilateral de com-bater o efeito estufa gerou um mercado que, estima-se, movimentará10 bilhões de dólares anuais em 2010, através da compra e venda decréditos de carbono. O Brasil poderá ficar com cerca de 10% destemercado, graças a projetos ambientais que retiram dióxido de car-bono da atmosfera e reduzem o aquecimento global.

Finalmente, chamamos a atenção para a matéria “Uma chama deesperança”, que começa na página 68. Ela mostra os bons resultadosobtidos por um trabalho desenvolvido junto a jovens infratores noJardim Ângela, um bairro repleto de problemas localizado na periferiade São Paulo. Boa leitura.

Ottoni Fernandes Jr., diretor de redação

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redaçãoSBS Quadra 01 Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília – DFVisite nosso endereço na Internet: www.desaf ios.org.br

Carta ao leitor

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6 Desafios • novembro de 2004

GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

Desde o mês passado, o Sena-do é o palco de uma guerra deinteresses envolvendo o Ministé-rio da Saúde, o Ministério daAgricultura e a bilionária indús-tria do fumo. Está nas mãos dossenadores a decisão de ratificarou não a participação do Brasilna Convenção Quadro para oControle do Tabaco. O acordofoi firmado em 2003 pelos 192países membros da OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS), maspara entrar em vigor precisa serconfirmado pelos congressistas.O Brasil já pratica boa parte dasações estipuladas pela Conven-ção, tais como campanhas de es-clarecimento sobre os malefícios

do fumo e limitações à publici-dade. Porém outros itens enfren-tam sérias resistências. É o casodo aumento do preço do cigarro(o brasileiro é o sexto mais bara-to do mundo), e da elevação dostributos. Mas nenhuma das exi-gências provoca tanta reaçãocomo as restrições ao plantio detabaco. O Ministério da Agricul-tura teme por um milhão de em-pregos, sobretudo de pequenosagricultores. Isso sem mencionarque o Brasil é o segundo maiorexportador mundial de tabaco,cuja indústria responde por ele-vadíssimas contribuições tribu-tárias. O campo de batalha estáarmado.

As administradoras de car-tões de crédito devem informara seus clientes não só os valoresdos encargos cobrados, mastambém o porquê dos números.O Supremo Tribunal de Justiçaconsiderou que a administra-dora tem procuração do clientepara providenciar os fundospara a cobertura de despesas e,como qualquer procurador, es-tá obrigada a prestar contas.Além dos valores, o cliente temo direito de conhecer as institui-ções envolvidas nos processosde financiamento.

Direito do consumidor

Com as devidasexplicações

A Gaspetro, empresa do gru-po Petrobras ligada ao ramo degás, não consegue disfarçar a sa-tisfação diante da surpreendenteaceitação dos usuários brasilei-ros ao gás natural. Na aberturada Rio Oil & Gás, ocorrida emoutubro no Riocentro, foi anun-ciado o recorde histórico deconsumo de gás natural no país,que passou a marca de 35 mi-lhões de metros cúbicos por diaem agosto. A expectativa é deque os números não parem decrescer, já que as conversões decarros ao gás natural veicular(GNV) também deram um sal-to em setembro: foram registra-das dezoito mil adaptações,quando a média é de quatorzemil mensais. O Brasil já detém asegunda maior frota de veículosa gás. Conta com aproximada-mente 770 mil, perdendo ape-nas para a Argentina, com 1,2milhão. A conseqüência é queas vendas do GNV aumentamcerca de 35% a cada ano. Nesseritmo, a Gaspetro espera que osinvestimentos realizados no se-tor resultem num aumento dequatro bilhões e meio no PIBaté 2015, e que respondam porduzentos mil empregos.

Energia

A todo gás

Saúde

Cortina de fumaça

Profissionais ligados às artesganharam um fundo de pen-são. O Cultura Prev, que seráadministrado pelo Petros, fun-do de pensão dos funcionáriosda Petrobras, é fruto de açãoconjunta dos ministérios daPrevidência Social e da Cultu-ra. Estima-se que existam nopaís cerca de dois milhões deartistas, e uma centena de orga-nizações ligadas à categoria jámanifestou interesse. O primei-ro a preencher a ficha de ade-são, como era de se esperar, foio ministro Gilberto Gil.

Previdência

Fundo depensão artístico

Gastronomia

Acarajé nota dez

Os turistas que visitam Salva-dor não precisam mais correr ris-cos para desfrutar as delícias daculinária local. Uma parceria en-volvendo a Agência Nacional deVigilância Sanitária, a Confede-ração Nacional da Indústria, oSesc, o Senai e o Senac resultou nacriação de um selo de qualidadepara os acarajés oferecidos nas

ruas da capital. A certificação en-volve curso teórico com treina-mento de manipulação de ali-mentos e noções de higiene, alémde visitas de consultores aos pon-tos de venda para ver se as liçõesestão sendo bem aplicadas. Atéagora, 120 “baianas de acarajé”receberam o selo de qualidade,porém apenas noventa consegui-

ram mantê-lo. O sucesso do pro-grama pode ser medido pelo ta-manho da fila de novos preten-dentes. Nada mais do que 680baianas estão aguardando a vezde receber nota dez para seusquitutes.

Marisa Viana/Bahiatursa

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Construção Civil

Casa de bem com a Natureza

Desaf ios • novembro de 2004 7

Depois de cinco meses de seurelançamento, o Índice de Recla-mações de Usuários de Planosde Saúde, calculado pela Agên-cia Nacional de Saúde, já per-mite ver quais são as operadorasque mais trazem dores de cabeçaa seus clientes. O índice é calcu-lado proporcionalmente ao nú-mero de associados e dividido

em três faixas: empresas com atédez mil clientes, entre dez mil e50 mil, e acima de 50 mil clien-tes. A faixa das maiores opera-doras responde por cerca de66% do mercado. O gráfico a-baixo apresenta as prestadorasdesse grupo que apareceram en-tre os três maiores alvos de quei-xas de maio a setembro.

Planos de saúde

A prova de fogo da ANS

O banco de DNA de espécies da flora brasileira,mantido pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro,foi o quarto colocado na categoria meio ambientedo Prêmio Mundial de Tecnologia (WorldTechnology Awards), promovido pela bolsa ele-trônica Nasdaq, pela rede de televisão CNN, pelasrevistas Time e Science, e pela gigante da área desoftwares, Microsoft – todas dos Estados Unidos.Inaugurado em junho do ano passado, o primeiro

banco de DNA do Brasil armazena amostras deplantas ameaçadas de extinção e também de outrasespécies importantes dos ecossistemas nacionais.O objetivo, além da preservação dos genes, é per-mitir que substâncias possam ser obtidas mesmoque a vegetação não exista mais na Natureza. Obanco de DNA foi construído com o apoio daAliança do Brasil, que doou quatrocentos mil reaispara o projeto.

Engenharia Genética

Prêmio internacional a banco brasileiro de DNA

O Laboratório de EficiênciaEnergética em Edificações(LabEEE), ligado à UniversidadeFederal de Santa Catarina, de-senvolveu projeto de uma casatotalmente voltada para a inte-gração com o meio ambiente eeconomia dos recursos naturais.O projeto arquitetônico buscousoluções para a máxima eficiên-cia energética, aproveitando oscontrastes entre inverno e verão,típicos da capital catarinense. Deacordo com cálculos iniciais,suas características podem tra-zer uma economia de energiaque varia entre 35% e 64% secomparada a uma construçãoconvencional. Todos os compo-nentes aplicados na obra são debaixo impacto ambiental e mui-tos são frutos de reciclagem. Fo-ram explorados, sempre que

possível, materiais que podemser usados em sua cor natural,dispensando o uso de tintas. Oabastecimento de água contacom três depósitos, um paraágua potável, um para água dechuva e o terceiro para água jáutilizada, a ser tratada e usadanovamente. Esse sistema devegerar uma redução de 46% noconsumo de água limpa. Para fi-nalizar, nos jardins da casa, serãoplantadas 194 espécies nativasde plantas e mil e quinhentosmetros quadrados de grama. Oprojeto do LabEEE ganhou oconcurso “Melhor Prática emConstrução Sustentável”, pro-movido pelo Sinduscon de SãoPaulo, pelo Instituto de Arquite-tos do Brasil e pela ONG Inicia-tiva Internacional pelo Am-biente Construído Sustentável.

Monitordas reformas

Em mês de eleições, os parla-mentares estão mais interessa-dos em acompanhar o que acon-tece em seus próprios redutosdo que em dar expediente noCongresso. Nas duas casas, sóhouve cinco sessões deliberati-vas e praticamente nenhum te-ma de peso foi abordado, excetoa lei dos transgênicos. Das 19medidas provisórias que tranca-vam a pauta da Câmara, só cin-co foram apreciadas. A maiorpreocupação com esse ritmo,além da paralisia das reformas,é a possibilidade de atraso noOrçamento da União. Ninguémquer enfrentar o Ano Novo semsaber quanto poderá gastar.

Fotos Divulgação

Fonte: Agência Nacional de Saúde

Planos de Saúde que apareceram nos primeirostrês lugares do índice de reclamações da ANS

Caixa Assist Advogados/RJ 4 vezes jun/jul/ago/set

Unimed/São Gonçalo, Niterói e Paulistana 3 vezes mai/jun/jul

Plano de Saúde Ana Costa/Santos-SP 2 vezes jun/jul

Golden Cross 2 vezes ago/set

Esmale Assist Int/Maceió-AL 1 vez mai

Interclínicas/SP 1 vez mai

Sul América Cia de Seguros 1 vez ago

Caixa Assis Servid Cedae/RJ 1 vez set

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8 Desafios • novembro de 2004

ECONOMIA

les habitam um mundo de tons cinzentos. Procuramsobreviver no improviso, escapar das armadilhas daburocracia e do pagamento de impostos. São camelôs,barraqueiros, donos de fábricas de fundo de quintal.

Alguns resvalam para a ilegalidade, vendem cigarros e remédiosfalsificados, CDs piratas ou uma miríade de coloridos badu-laques que enfeitam as ruas de qualquer cidade. São também osdiplomados que dão consultoria ou atuam como personal trai-ners. Tem de tudo no mundo da informalidade. O Brasil é umdos campeões nesse território. Nada menos do que 52,6% dosbrasileiros que praticam alguma atividade remunerada gravitamem ambientes informais. Em 2002 eram 36,3 milhões de pes-soas, entre 69,1 milhões de trabalhadores que recebiam algumtipo de pagamento. Os dados estão em estudos do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feitos com base em infor-mações do Instututo Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). O problema é crescente, especialmente nas regiões me-tropolitanas, e dentro delas no setor de serviços.

As estimativas indicam que nesse ambiente circulem de 10%

a 15% do Produto Interno Bruto (PIB). Uma pesquisa feita peloServiço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas(Sebrae) em 1997 revelou a existência de 9,5 milhões de empre-sas informais, ocupando 12,9 milhões de pessoas: 86% perten-ciam a trabalhadores autônomos e 14% tinham até cincoempregados. Em dezembro será divulgado um novo levanta-mento com as mesmas características. Há grande curiosidade arespeito dos resultados: será que o universo informal continuaem expansão?

Segundo Lauro Ramos, pesquisador do Ipea e especialistaem mercado de trabalho, o crescimento da informalidade noBrasil resulta de uma re-acomodação da economia. Em 1991, aindústria respondia por 22,2% das vagas de trabalho nas regiõesmetropolitanas (conforme a Pesquisa Mensal de Emprego). Em2002 a indústria era responsável por apenas 15,9% dos empre-gos do IBGE. Em contrapartida, o setor de serviços teve a suaparticipação aumentada de 35,7% para 42,8% do total dosempregos em 2002. Isso ocorreu porque a indústria deu umsalto de produtividade e passou a produzir mais com menos

BrasildivididoMa i s da me tade dos t raba l h ado res

bras i le i ros v i ve na in forma l idade. Sa iba

por que isso é um prob lema e o que se

está fa zendo para reso lvê- lo

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r * , d e B r a s í l i a

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Desaf ios • novembro de 2004 9

gente. Ao mesmo tempo, terceirizou atividades, muitas paraempresas de serviços de limpeza, segurança ou alimentação.

Os dados de Ramos indicam que o setor industrial não ape-nas está empregando menos, também é nele que se registra omaior crescimento da informalidade. Em 1992, 33% da mão-de-obra industrial era composta por trabalhadores sem carteiraassinada ou por pessoas que trabalhavam por conta própria.Em 2002 já eram 36% (veja tabela ao lado). Já no setor de servi-ços houve uma pequena queda no grau de informalidade, quepassou de 53,5% em 1992 para 52,4% em 2002. O SistemaSimples, implantado em 1996, que facilitou a abertura de em-presas, já atraiu 2,8 milhões de microempresas para a lado for-mal da economia.

Há mais.“Embora tenha ocorrido um significativo aumentoda informalidade ao longo da década de 1990, os diferenciais desalários observados entre os trabalhadores formais e informaiscaíram de forma expressiva”, diz Ramos. O aumento da escola-ridade dos trabalhadores sem carteira assinada pode ser umaexplicação para a aproximação dos rendimentos: em 1984, ape-

1992 1997 2002

Brasil 51.9 52.7 52.6

Industria 33.0 35.6 36.3

Serviços 53.5 52.3 52.4

Metropolitano 38.3 41.6 45.0

Não metropolitano 58.5 58.1 56.4

Região Nordeste 68.6 68.4 67.8

Região Sudeste 42.7 44.7 45.2

Região Sul 47.4 47.0 46.4

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/Lauro Ramos (Ipea)* (sem carteira+por conta própria)/(protegidos+sem carteira+conta própria+empregadores)Trabalhadores protegidos=com carteira + estatutários

Cresce a informalidade no BrasilTrabalhadores informais sobre o total - em %*

Contraste: o comerciante informal em plena atividade da antiga sede do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro

Paul

o Ja

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nas 17% dos trabalhadores sem carteira tinham mais de 11anos de escolaridade e em 2000 essa proporção subiu para 26%.

Um estudo da consultoria McKinsey publicado em junhorevela que o maior grau de informalidade está no setor agro-pecuário. Ali, 90% da mão-de-obra não têm vínculo empre-gatício. O menor nível de informalidade é o do setor de veículosautomotores, que ostenta um índice de apenas 9%. O levanta-mento foi feito com base nos dados da Pesquisa Nacional porAmostras de Domicílio (Pnad) de 2002.

A investigação dos números é reveladora. Mais instigante ain-da é a pesquisa dos casos concretos. Nela descobre-se que hágente de todo o tipo nesse lado pouco conhecido da economiabrasileira. Que a riqueza é imensa. E que pertencer ou não ao seg-mento informal não é necessariamente uma opção.Leandro Diasde Oliveira é um estudante de 17 anos de idade. Cursa o segundoano do ensino médio e não pensa em fazer faculdade.Ajuda o paina loja de material de limpeza que a família tem numa garagemdo Jardim Nakamura, na zona sul da capital paulista. O negóciofoi aberto há oito anos, quando o pai perdeu o emprego. Leandroe seu pai manipulam produtos químicos em galões sem qualquersegurança. Qual sua perspectiva de futuro? Permanecer comoestão. Cuidando da sobrevivência a cada dia.

Sem alternativa Da mesma forma o vendedor de cocos queatua bem em frente à antiga sede do Ministério do Trabalho, nocentro Rio de Janeiro, pode não ter escolhido essa atividade,mas apenas ter conseguido escapar, por essa via, de uma épocade penúria depois de entrar para a lista de cortes de uma indús-tria qualquer. A dona da pequena confecção em Jaraguá, Goiás,(leia reportagem na página 32), não teve alternativa senão ficarna informalidade por não conseguir cumprir as regras para aabertura de uma empresa, arcar com os pesados encargos tri-butários ou desvendar uma complexa legislação entronizadasobre a Consolidação das Leis Trabalhistas – um cartapácio

com 985 artigos que tem de 61 anos de idade.Pesquisa feita pelo Sebrae em fevereiro, junto a 1.049 empre-

sas informais, aponta que a principal causa para permaneceremnessa condição é a elevada carga tributária (75,2% das respos-tas). Depois vêm as barreiras burocráticas (15,6%) e a falta deacesso ao crédito (9,2%). Sobram razões para a definição doinimigo principal, pois a carga tributária no Brasil passou de25% do PIB em 1992 para 34,6% em 2002, 36,11% em 2003 e,a se confirmarem as projeções feitas pelo Instituto Brasileiro dePlanejamento Tributário (IBPT), fechará 2004 na marca dos38% do PIB. Do lado dos trabalhadores existe um descasamen-to entre as contribuições para a Previdência e os benefíciospotenciais que o sistema previdenciário oferece.

Menos oxigênio A informalidade é um problema para o país porvárias razões. Primeiro porque quem trabalha sem registro vivesem qualquer rede de proteção. Não tem direito a férias, décimoterceiro salário nem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.Depois, porque uma empresa não investe na capacitação de umtrabalhador que não tem vínculo com seu negócio – o que numaperspectiva mais larga prejudica a competitividade da economiado país como um todo. Em terceiro lugar porque empresas epessoas que vivem na informalidade não pagam impostos, o queprejudica as contas públicas e dificulta investimentos ne-cessários para o bem comum. E também porque embora nãocontribuam, os trabalhadores informais têm direito a assistênciamédica e a aposentadoria – uma despesa que está sendo cobertapor um número cada vez menor de trabalhadores e empresasformais. A perda de arrecadação tributária e previdenciária éapenas uma das conseqüências fiscais danosas da informali-dade. Diante da evasão, o Estado tem de buscar reforço de caixa.Uma das alternativas é cobrar mais do setor que já paga impos-tos como manda o figurino – o que tira oxigênio da economia.

A busca de soluções para o problema é uma tarefa do gover-no e da sociedade e o primeiro passo para cumpri-la é identi-ficar suas causas.“Existem duas visões sobre o setor informal.Aprimeira delas parece entendê-lo como a utilização de recursosilícitos. Para ganhar alguma vantagem competitiva, peranteuma legislação não muito boa, onde as regras mudam, a socie-dade não se sente suficientemente convencida de que deve en-quadrar o informal, o sujeito que emprega o dumping ou algumoutro recurso ilícito”, explica Ricardo Paes de Barros, pes-quisador do Ipea. Quem defende esta visão, acredita que oproblema se resolve arrumando as leis e combatendo a burla àlegislação.“A segunda visão identifica várias vantagens em umapessoa optar por ser informal. A ela faltaram oportunidades,como educação, acesso ao crédito ou até mesmo herança fami-liar. Neste caso, a informalidade tem raízes em coisas que oEstado deixou de fazer”, diz Barros.

De acordo com o relatório da McKinsey, a opção pela infor-

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A carga t r i bu tár i a bras i l e i ra já bate nos 38% do P IB e es t imu la a i n forma l i dade

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/Lauro Ramos (Ipea)Trabalhadores protegidos=com carteira + estatutários

Evolução do número de trabalhadoresPor categoria (em milhões)

1992 2002 Variação

Protegidos 24.0 29.5 22,8%

Sem carteira 14.4 18.9 31.3%

Por conta própria 14.1 17.4 23.4%

Empregadores 2.4 3.3 37.5%

Total 54.9 69.1 25.8%

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O governo federal enviará um projeto de leicomplementar ao Congresso Nacional simplifi-cando a vida do empresário individual com fatu-ramento anual de até 36 mil reais, para incen-tivar sua formalização. Entre outras medidas, ogoverno isenta o empresário de pagar todos osimpostos federais, desde a Contribuição para oFinanciamento da Seguridade Social (Cofins)até o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

Haverá uma alíquota única de 1,5% sobreo faturamento a título de contribuição previ-denciária patronal. Com o objetivo de formali-zar as relações de trabalho desses pequenosnegócios, o projeto de lei estabelece que a alí-

quota de contribuição para o Fundo de Ga-rantia do Tempo de Serviço (FGTS) será fixadaem 0,5%, desde que haja concordância ex-pressa do empregado.

Por fim, o projeto prevê um regime previ-denciário especial que dá ao empresário aopção de contribuir para a Previdência comuma alíquota de 11% sobre o piso de contri-buição, que hoje está em um salário mínimo,em vez dos 20% atualmente em vigor. No en-tanto, caso desejem ter uma base de contribui-ção maior, os segurados podem continuar re-colhendo de acordo com a alíquota vigente.

As mudanças incluem a criação de uma

sistema automatizado de apoio ao empresário,que permitirá o pagamento unificado de todosos impostos e contribuições, em agências ban-cárias de instituições oficiais, postos do Se-brae e prefeituras.Além disso, o governo fede-ral sugeriu aos estados e municípios, como in-formou a Ministro da Fazenda,Antonio Palocci,que sejam reduzidos tributos que incidem so-bre essas empresas. A idéia seria limitar a tri-butação estadual em 1,5% do faturamento, ouem até 45 reais mensais, e a municipal em 2%do faturamento, com limite de 60 reais men-sais. Alguns estados já reduziram suas alíquo-tas voluntariamente.

Proposta de mudança na legislação

Reflexos da informalidade numa barraca de óculos no centro do Rio de Janeiro

Paul

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malidade está relacionada ao alto custo do cumprimento dasleis, que estimula as empresas menos produtivas a permanecerna informalidade. Também está associada a empreendimentosligados ao contrabando ou à falsificação. Exigências de controlede qualidade ou padrões fitossanitários também são um vi-goroso incentivo para reforçar o terreno da informalidade. Fi-nalmente, é cada vez mais comum a opção pela informalidadepara não cumprir exigências trabalhistas, previdenciárias ourelacionadas à segurança do trabalho. “O pequeno empresárionão paga os encargos trabalhistas porque eles pesam relativa-mente mais em seu faturamento do que no de uma grande em-presa”, diz Ricardo Tortorella, economista e consultor daUnidade de Políticas Públicas do Sebrae Nacional. O custo totalda folha de pagamentos pode chegar a 70% da receita brutapara uma pequena confecção formalizada enquanto não passade 3% na indústria automobilística. Da mesma forma, o custorelativo da assistência à saúde e da segurança no trabalho émuito mais pesado para as pequenas empresas.

Em conjunturas de retração da oferta de trabalho os próprios

funcionários se tornam cúmplices do processo. Aceitam víncu-los sem carteira assinada ou através de cooperativas. Segundo oeconomista José Márcio Camargo, professor titular do Depar-tamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC)do Rio de Janeiro, o trabalhador não se interessa pelo registroem carteira, especialmente se recebe salário perto do mínimo,pois terá direito a receber uma aposentadoria correspondenteao mínimo quando chegar aos 65 anos de idade quer tenha sidoregistrado em carteira quer não. E de qualquer maneira temacesso ao Sistema Único de Saúde. Deixa de ter direito ao segu-ro desemprego, ao seguro acidente de trabalho e ao seguro ma-ternidade, mas não precisa abrir mão de uma parte de sua recei-ta em favor da Previdência Social.

Justiça Do lado dos pequenos empresários, não pagar os direi-tos trabalhistas e seus respectivos encargos sai mais barato,“atéporque se o empregado recorre à Justiça sempre é possível fazerum acordo e conseguir um desconto”, lembra Armando Cas-telar, pesquisador do Ipea. A tendência à informalidade é maior

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A f o l h a d e p a g a m e n t o r e p r e s e n t a 7 0 % d a r e c e i t a b r u t a d e u m a p e q u e n a

O estudante paulista Leandro Dias de Oliveira, de 17 anos, que ajuda o pai na loja de material de limpeza da família: sem perspectiva de cursar uma faculdade

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c o n f e c ç ã o f o r m a l i z a d a e n ã o p a s s a d e 3 % n a i n d ú s t r i a a u t o m o b i l í s t i c a

nas épocas de aperto, quando os empresários aceitam corrermaior risco porque não conseguem fazer face aos encargos for-mais. “Nos momentos de recuperação econômica, evitamriscos como multas trabalhistas ou sanitárias”, diz Ramos.

A face mais perversa, e por que não dizer perigosa, da situa-ção é o envolvimento com atividades ilegais ou semi-legais. Avenda de cigarros falsificados ou contrabandeados, por exem-plo, movimentou cerca de 1,9 bilhão de reais em 2001 (ou 25%do faturamento do setor formal) e o governo deixou de arre-cadar 1,3 bilhão de reais, segundo as contas dos fabricantes le-gais. No segmento de vestuário, a atividade cinzenta faturacerca de três bilhões de reais ao ano, quase 8% do faturamentosetorial, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria doVestuário (Abravest). Nos cálculos do setor farmacêutico, 20%dos medicamentos vendidos no país são falsificados e podemcolocar em risco a vida dos usuários – um negócio de cerca detrês bilhões de reais ao ano.

Um dos movimentos consistentes para enfrentar o problemafoi o lançamento do Simples, que teve sucesso justamente por

sua descomplicação. A tentativa de flexibilizar a legislação tra-balhista com a Lei 9.601 de 1998, que instituiu o banco de horase contratos temporários já não foi tão bem sucedida.“O bancode horas deu certo nas grandes empresas, onde foi usado paraevitar demissões nos períodos de recessão”, diz Ramos. Já oscontratos especiais, com menores encargos trabalhistas, podemser considerados um fracasso, como aponta o economista JoséPastore. Isso porque dependem de negociações das empresascom sindicatos, de acordos coletivos e da apresentação de fartadocumentação para os fiscais do Ministério do Trabalho.

Especial A rota da simplicidade foi escolhida pelo governo fe-deral ao propor ao Congresso um regime especial para empre-sas com faturamento de até 36 mil reais por ano.Ao anunciar asmedidas, no final de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula daSilva reconheceu, que “fica mais barato correr da polícia do quecumprir as exigências formais”, para abrir uma empresa. Alinha geral das mudanças foi anunciada num evento, mas até ofinal de outubro nada tinha sido dito a respeito do detalhamen-to das medidas e nem sobre o conteúdo do Projeto de Lei Com-plementar. Entretanto, só o fato de o assunto estar sendo venti-lado já é um avanço. E quando a proposta governamental (leia o

quadro na página 11) for debatida no Congresso, a questão es-tará na ordem do dia. O resultado, por mais mudanças que hajano projeto original, deverá incluir a redução de encargos tribu-tários e facilitar os trâmites burocráticos para empresas de me-nor porte. A questão, como lembra Castelar, é que assim comoo Simples, esta nova lei apresenta um problema estrutural pre-ocupante: condena as empresas a permanecerem pequenas,funcionando como um inibidor do crescimento, na medida queestabelece um teto de faturamento para os que pretendamgozar dos benefícios.

Na opinião de Camargo, o projeto anunciado em setembro éum avanço na rota da formalização da economia, mas não ésuficiente. Também é preciso simplificar as leis trabalhistas e re-duzir os impostos que pesam sobre empreendimentos com ou-tras dimensões. Ele acha que a flexibilização das leis não devediferenciar empresas pelo tamanho, mas definir um arcabouçoem que a livre negociação seja a pedra de toque. “Hoje, quemtem uma empresa calcula de antemão o valor do descanso se-manal remunerado, o décimo terceiro salário, férias e possíveiscustos indenizatórios. Só depois estabelece o salário dos trabal-hadores, de forma a compensar os gastos”. Um processo de livrenegociação entre sindicatos setoriais ou regionais fixaria ossalários, já incorporando todos os atributos atuais, sem a inter-venção da Justiça do Trabalho. O resultado seria “o fortaleci-mento dos sindicatos, que passariam a negociar também com aspequenas e médias empresas”, diz.Ao reduzir os encargos sobreas remunerações, outra conseqüência será a simplificação doprocessamento da folha de pagamento, reduzindo seus custos.

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Se 20% das empresas i n forma is forem forma l i zadas o P IB crescerá do is pontos

governamental; foco setorial; reformas estruturais; e responsa-bilização, coordenação e transição”. Portugal elegeu a luta con-tra a informalidade como o principal componente de sua agen-da de reformas para colocar o padrão nacional de produtivi-dade na média dos países da União Européia.A Rússia escolheucomo prioridade o combate à sonegação e à corrupção. Aodefinir que a “exclusão econômica da parcela mais pobre dapopulação” era devida à dificuldade para abrir empresas e àintensa burocracia, que impediam a formalização, o Peruimplementou um programa que o destaca entre os países emdesenvolvimento. O registro de empresas foi unificado, o queviabilizou a abertura de um negócio em apenas um dia (anteseram necessários 300), com redução do custo da operação de1,2 mil dólares para 174 dólares. No Brasil, um empreendedorleva em média 155 dias para legalizar seu negócio (leia repor-

tagem publicada na Desafios do Desenvolvimento n.2). A Espa-nha optou por atacar a frente fiscal. Criou uma poderosa basede dados unificada, simplificou a tributação para micro e pe-quenos empreendimentos e criou de um órgão central paracombater a evasão fiscal. Resumo da ópera: elevação de 75% daarrecadação junto às empresas de micro e pequeno porte.

Como se vê, os resultados podem ser compensadores. Se oBrasil conseguir atrair mais empresas para a formalidade, a ten-dência é de que elas busquem aumentar a sua eficiência e produti-vidade.A economia brasileira ganhará.A estimativa da McKinseyé de que o PIB brasileiro poderia crescer dois pontos percentuaispor ano se apenas 20% das empresas que atualmente estão nainformalidade fossem incorporadas à economia formal.

* Com Andrea Wollfenbuttel, de São Paulo, e Edmundo de Oliveira, de Brasília.

Reforma Não houve consenso na negociação da reforma traba-lhista no Fórum Nacional do Trabalho, que reúne trabalha-dores, empresários e governo. As centrais sindicais até aceitamdiscutir, mas não abrem mão de direitos como o abono sobre ovalor das férias e o décimo terceiro salário. A multa de 40%sobre o valor do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço(FGTS) pode ser objeto de negociação. Segundo Paulo Pereirada Silva, Presidente da Força Sindical, a carga tributária, e nãoos direitos trabalhistas, é a principal causa da informalidade.Para ele uma das saídas seria passar a cobrar os encargos daPrevidência Social sobre o faturamento e não sobre os salários.Luiz Marinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores(CUT), também é irredutível quanto à flexibilização dos di-reitos adquiridos.

Tortorella, do Sebrae, é favorável a um regime trabalhista es-pecial para as empresas de menor porte. Exigências como a ga-rantia de assistência à saúde, ou regras de segurança de trabalho,poderiam ficar por conta de associações, com uma substancialredução de custos para cada participante. A luta contra a infor-malidade, diz,“também exige mudanças nas regras para abertu-ra e fechamento de empresas e a modernização dos controlesgovernamentais”. Além de criar um cadastro tributário únicopara unificar as três esferas do poder, será necessário integrar asbases de dados da Secretaria da Receita Federal, do Ministériodo Trabalho e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Requisitos Experiências de outros países mostram o impactopositivo de programas consistentes de combate à informali-dade. Segundo o estudo da McKinsey, são quatro os requisitospara uma iniciativa desse porte ser bem sucedida: “prioridade

Feira de importados em Brasília: convívio do formal com o informal

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O s dados do IBGE mos t ram que 94% da popu l a ção b ras i l e i r a com DEBATE

m seus 60 anos de existência, o salário mínimo sempreprovocou acaloradas discussões no Brasil, especial-mente quando se aproxima a data em que o Congressotem que definir o seu valor para os doze meses

seguintes. Mas qual deve ser o papel do salário mínimo: com-bater a pobreza, regular o mercado de trabalho? Qual será oimpacto de aumentos reais em seu valor sobre as contas públi-ca, especialmente sobre o sistema previdenciário? Para debateressas questões, Desafios do Desenvolvimento organizou umdebate, no dia 15 de outubro, com a participação de MárcioPochamnn, Secretário do Trabalho da Prefeitura Municipal deSão Paulo, José Márcio Camargo, professor do Departamento

O papel do salário mínimono combate à pobreza

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d o R i o d e J a n e i r o • F o t o s d e P a u l o J a b u r

de Economia na Pontifica Universidade Católica de São Paulo ecom os pesquisadores do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), Fábio Giambiagi, Guilherme Delgado e Ri-cardo Paes de Barros. Ottoni Fernandes Jr, Diretor de Redaçãode Desafios do Desenvolvimento, atuou como moderador.

Na discussão vieram à tona alguns dados. O salário mínimojá não tem tanta importância no mercado de trabalho. Dos 76,3milhões de brasileiros com idade superior a 14 anos que consti-tuíam a população ocupada em 2002, segundo a PesquisaNacional por Amostra de Domicílio (Pnad), 6%, cerca de 4,6milhões de pessoas, recebiam o salário mínimo. No entanto, eleafeta diretamente a vida de 14,1 milhões de aposentados e pen-

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Da esquerda para a direita: Fábio Giambiagi, José Márcio de Camargo, Guilherme Delgado, Márcio Pochmann e Ricardo Paes de Barros

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ma i s de 14 anos de i d ade r ecebe ma i s que o sa l á r i o m í n imo

escolaridade ou muito numerosas. Em praticamente todos ospaíses em que foi constituído, seu papel tem sido o de evitar quetrabalhadores em setores de baixa produtividade tenham umaremuneração muito menor do que os trabalhadores emprega-dos em setores de maior produtividade. Assim, o salário míni-mo deve ser voltado para a nova pobreza: trabalhadores demaior escolaridade, famílias monoparentais, trabalhadoresnascidos nas metrópoles que têm uma enorme dificuldade deinserção profissional. Entre as pessoas pobres das regiões me-tropolitanas, 31,5% são empregados com carteira assinada,enquanto para o total do Brasil 17,5% são considerados pobrestendo carteira assinada. Outra mudança que deve ser feita éestabelecer o mínimo como o valor necessário para um indi-viduo satisfazer suas necessidades básicas – não para umafamília, como foi definido na Constituição de 1988. Nesse sen-tido, o salário mínimo deve ser o elemento central na cons-trução de uma sociedade menos desigual e de um mercado detrabalho mais homogêneo.

Delgado – O salário mínimo surgiu dentro do conjunto deregras de política social que constitui a Consolidação das LeisTrabalhistas (CLT), no período Vargas. Tinha como realizar ajustiça distributiva pela via do mercado de trabalho. Mas oaumento da informalidade fez mudar o seu caráter. A popu-lação economicamente ativa do setor formal, assalariada ou decontrato público, correspondia a 53,7% do total em 1982 e em2000 caiu para 40,7%. Assim, o salário mínimo é o parâmetrode vinculação dos assalariados aos direitos sociais da CLT, aomercado de trabalho e no mercado informal assalariado, servecomo um sinalizador salarial. Continua, portanto, a terimportância do ponto de vista distributivo.

Fernandes – Quer dizer que o mínimo ainda serve de referênciapara o setor informal?

Delgado – Sim, ainda serve de referência para os assalariados dosetor informal. No entanto, é bom lembrar que conforme aPesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2003,um quarto da força de trabalho se define como auto-ocupada epara essa gente o salário mínimo não tem efeito distributivo enem serve de sinalizador. Mas a realidade é que existe um exce-dente de mão-de-obra, especialmente nas áreas de baixa remu-neração, e assim o salário mínimo tem o papel de resguardar adistribuição de renda a um nível básico, evitar distorções aindamaiores.

Camargo – Em sua origem, nos anos 40, num país que nãotinha meios de comunicação desenvolvidos, a regionalizaçãodo valor do salário mínimo era uma forma de se dizer ao traba-lhador do Nordeste que o salário de São Paulo era em média

sionistas, pois o artigo 201 da Constituição estabelece no inciso4 que: “Nenhum benefício previdenciário será inferior aosalário mínimo”.

Devido a essa vinculação constitucional, aumentos reais têmimpacto sobre o equilíbrio orçamentário do sistema dePrevidência. No período de 1995 a 2004, o salário mínimo teveum aumento real de 52% (deflacionado pelo Índice de Preçosao Consumidor Ampliado) e contribuiu decisivamente para oaumento das despesas do Instituto Nacional do Seguro Social(INSS): eram de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1988e devem atingir 7,3% do PIB neste ano.

Paes de Barros – Quem vive em famílias com renda mensal percapita inferior a 146 reais no Brasil pode ser considerado pobre,e quem vive em famílias com renda mensal per capita inferior a73 reais mensais é extremamente pobre (veja quadro na pág. 20).Apesar desses números parecerem baixos, 14% da populaçãobrasileira vive em família com renda per capita abaixo de 73reais e 34% vivem com renda per capita abaixo de 146 reais. Issoquer dizer que 25 milhões de brasileiros são extremamentepobres e 58 milhões de brasileiros são pobres. Assim, o papelprimordial da política social brasileira tem que ser a redução dapobreza. Mesmo as famílias contempladas com Bolsa Famílianão conseguem sair da extrema pobreza. Uma mulher com doisfilhos recebe 80 reais mensais da Bolsa Família, ou seja, 27 reaisper capita, muito abaixo dos 73 reais que definem a linha deextrema pobreza. Diante dessa realidade, considero que apolítica de salário mínimo é anacrônica e totalmente ineficazno combate à pobreza. Assim, salário mínimo não pode serpensado como uma política de combate à pobreza, mas apenascomo uma forma auxiliar de regulamentação do mercado detrabalho.Vale, entretanto, ressaltar que o salário mínimo podeter importância informacional. Neste caso, não necessitaria sercompulsório, mas funcionaria como valor de referência.

Pochmann - O salário mínimo foi introduzido em 1940 e teveduas políticas até os dias de hoje.A primeira durou até 1964.Atéo golpe militar, o salário mínimo era o elemento central naconstituição da sociedade salarial no Brasil e um parâmetro dehomogeneização salarial. Seu valor era definido por comissõestripartites (empresários, trabalhadores e governo), de umamaneira participativa. Depois de 1964, ele deixou de ser o ele-mento central da construção de uma sociedade salarial, perdeusua relação com o custo de vida, com a sobrevivência, e deixoude haver vínculo entre o seu reajuste e a inflação passada.Virouum instrumento para enfrentar a inflação e para o ajuste dasfinanças públicas. Construir uma política de salário mínimoimplica em olhar para a frente e ter uma política de médio elongo prazo. Nessa ótica, o salário mínimo não deve servir ape-nas para enfrentar a velha pobreza, em famílias de baixíssima

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A r epe rcu ssão dos deba tes em to rno dos r ea j u s te s anua i s do va l o r do sa l á r i o

50% maior de que o seu. Assim, para aumentaro padrão de vida, o nordestino deveria ir paraSão Paulo, onde faltava mão-de-obra. Isso deuorigem a um fluxo migratório muito forte emdireção exatamente aos lugares onde estava-secriando o mercado de trabalho, nas grandescidades que estavam em processo de industria-lização. Mas no mundo de hoje, o salário míni-mo tornou-se totalmente anacrônico. Servemuito mais para uma política de previdênciasocial do que para uma política de mercado detrabalho, até porque não tem sentido ummesmo salário mínimo em todo o país. Mesmoos países pequenos da Europa têm váriossalários mínimos. Os Estados Unidos têm umsalário mínimo nacional e salários mínimosregionais. Assim, a única relação entre o saláriomínimo e a pobreza refere-se ao fato de ele sero piso para o pagamento dos benefícios daPrevidência, especialmente as aposentadorias.Será esta a forma mais eficaz e eficiente de re-solver o problema da pobreza no país? Do meuponto de vista, é a forma menos eficaz e efi-ciente de resolver o problema. Na verdade, foicriada uma situação no Brasil em que as pes-soas são pobres quando são crianças, são po-bres quando são adolescentes, são pobresquando são adultas, e deixam de ser pobres aose aposentar aos 65 anos de idade, quando pas-sam a receber um salário mínimo. Isto é obvia-mente um despropósito do ponto de vista depolítica social. De fato, o salário mínimo temum conteúdo informacional para o mercadode trabalho. Esse efeito seria amplificado se seuvalor fosse regionalizado.

Giambiagi – Atualmente, o aumento do valor real do saláriomínimo parece ser, para a opinião pública, sinônimo de políticapública de combate à pobreza. Mas ao menos do ponto de vistada redução da desigualdade parece não ter funcionado, pois de1995 para cá o salário mínimo teve um aumento real acumula-do de 58% e o coeficiente de Gini não se alterou. O objetivo deuma política pública de combate à pobreza deve ter algumas pri-oridades: reduzir a desigualdade social e a miséria, garantir umcrescimento sustentável de 4% a 5% anuais e combater a insegu-rança urbana. Uma política de aumento real do salário mínimoé totalmente ineficaz para atingir esses objetivos

Paes de Barros - Meu ponto básico aqui é tentar demonstrarque a utilização da política de salário mínimo para reduzir a

pobreza é anacrônica, por já podermos contarcom várias alternativas que são muito maiseficazes. Um aumento de 10% nos rendimen-tos de trabalhadores com carteira assinada efuncionários públicos que ganham próximodo salário mínimo provocaria um incrementona renda de todas as famílias brasileiras da or-dem de 700 milhões de reais ao ano, mas ape-nas 300 milhões serviriam para aumentar a ren-da das famílias pobres (veja quadro na pág. 20).Caso esses 700 milhões de reais, ao invés deserem utilizados para aumentar o salário mí-nimo, fossem utilizados para aumentar obenefício básico da Bolsa Família, pratica-mente 100% dos recursos chegariam aos ver-dadeiramente pobres. Na realidade, quandodamos aumentos reais do salário mínimoestamos cobrando um imposto indireto dosempresários e transferindo parcialmente ovalor para os trabalhadores pobres, pois só41% desse imposto indireto chegará aos ver-dadeiramente pobres. Com os cadastros depobres existentes é possível transferir recursosdiretamente para quem precisa e o BolsaFamília é só uma das alternativas. O micro-crédito para as famílias pobres é outro instru-mento, bem como a reforma agrária.

Pochmann - A política do salário mínimo éum instrumento de política pública de com-bate à pobreza. Mas o salário mínimo não temo dom de acabar com as mazelas da pobreza,num ambiente de desestruturação do merca-do de trabalho em que a cada ano é menor aparticipação dos assalariados no total da po-pulação ocupada. Ainda assim, um aumento

real de 10% reduziria em 1,7% o contingente de trabalhadorescom carteira assinada que vivem na pobreza. Isso pode serimportante, porque após quase 10 anos de queda no empregoformal, desde 1999, com a mudança do regime cambial, voltoua crescer de forma importante o emprego com carteira assina-da. De 1999 a 2002, por exemplo, o emprego formal no Brasilcresceu 17,1%. No entanto, a massa de rendimento cresceu ape-nas 1,6%. Ou seja, os postos de trabalho que estão em expansãono Brasil pagam salários muito reduzidos e nós estamos falan-do aqui de trabalho com carteira assinada.

Delgado – Para mim, o salário mínimo é um instrumento deenfrentamento da pobreza, mas ele influi em várias instituiçõesno próprio mercado de trabalho e na esfera pública e da políti-

“O salário mínimo é um

instrumento de combate à

pobreza porque é parte

de uma política de Estado,

fundada em direitos

sociais permanentes, algo

bem diferente da Bolsa

Família, que é uma política

de governo e pode ser

transitória”

Guilherme Delgado, Pesquisador do Ipea

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m ín imo exp l i ca-se por e le ser v i r de parâmetro para os benef íc ios da Prev idênc ia

ca social. No entanto, precisamos definir con-ceitos com precisão, pois existe uma políticasocial de Estado e uma política social de go-verno. A política social de Estado é aquela queestá fundada em direitos sociais permanentesfinanciados pelo orçamento público. Delafazem parte o INSS, o Sistema Único deSaúde, o Seguro Desemprego, os benefícios daLei Orgânica da Assistência Social, que têmenorme importância no combate à pobreza.Dentro dela o salário mínimo é fundamental,especialmente na Previdência Social. A outracoisa são as políticas de governo. Bolsa Famíliaé tipicamente um instrumento de governo epode mudar de mandato para mandato. Ogoverno Lula tem a sua Bolsa Família, o gover-no Fernando Henrique tinha a sua linha depobreza e a sua forma de atendimento. O go-verno Itamar tinha outra. Cada governo mudao atendimento e o foco. Como a pobreza é umproblema estrutural, pode ser uma calami-dade depender apenas de políticas de governo.

Fernandes – Mas, a Bolsa Família não é impor-tante no combate à pobreza?

Delgado - O Bolsa Família representa apenas3% do orçamento da Seguridade Social, o queé insignificante do ponto de vista do gastosocial, mas ganha grande evidência na mídia.São os programas de Estado que concentramos gastos sociais e, além disso, têm permanên-cia e segurança jurídica. O salário mínimo dá asegurança de que os pobres vão receber aquelebenefício e não o benefício que o tecnocrata deplantão estabelecer. Não podemos separar aquestão da luta contra a pobreza da questão dos direitos sociais.Direitos sociais têm que ter garantia contra ajustes da política. Osalário mínimo é uma condição essencial para a execução deuma política social de seguridade, para que o aposentado, opensionista, o titular do benefício assistencial de prestação con-tinuada tenham a sua remuneração independente de um inde-xador burocrático.

Camargo – Concordo que uma política social de Estado é algofundamental. Só não entendo por que os idosos têm mais direi-tos a benefícios do que as crianças brasileiras. Do total da po-pulação com até 15 anos de idade, 60% são pobres, enquantomenos de 10% dos idosos são pobres. Gastamos 3% do orça-mento federal com programas de transferência de renda e se

gasta 12% do Produto Interno Bruto todos osanos com a Previdência Social, num país emque apenas 6,75% de população são idosos. Emetade desse gasto é em subsídios para osaposentados, isto é, déficit público. Por que aspolíticas de Estado favorecem os idosos e nãoas crianças? O que está acontecendo atual-mente é simples: os jovens, os trabalhadores,são taxados para sustentar os idosos. O SistemaPrevidenciário custa 12% do PIB, o que corres-ponde a um terço da carga tributária do país,para sustentar 6,75% da população – os idosos.Se essa é uma escolha do país, precisamos terclareza do que foi escolhido. O salário mínimopode ser eficaz para outras coisas, mas não paracombater a pobreza. Para isso, é política errada.Além disso, aumentos reais do mínimo fazemcrescer a informalidade e aumentar o desem-prego. Eu preferiria ter uma política de Estadoque gastasse 12% do PIB com programas tipoBolsa Família, que induzisse as crianças aficarem na escola, e 3% do PIB com sistema deaposentadoria. Aliás, como faz a Coréia há 40anos. Por uma razão bem simples, 50% dascrianças são de famílias pobres e 80% delas nãocompletam o ensino fundamental. Assim, da-qui a 30 anos cerca de 40% da população nãoterá completado o ensino fundamental. Comoserá possível oferecer emprego de boa quali-dade para trabalhadores que não têm nem seisanos de estudo? A política de Estado que foiescolhida pela Constituição de 1988 está en-calacrando o Brasil, estamos produzindo sis-tematicamente mais pobreza.

Giambiagi – Concordo que no passado, osalário mínimo estava muito baixo e que sua elevação foiimportante. Mas daqui em diante, quais são as políticas maiseficazes para combater a pobreza? Quando analisamos arelação entre os gastos públicos da Previdência com a porcen-tagem da população com idade superior a 60 anos, vemos que oBrasil tem um perfil característico. É um dos únicos países quetêm proporcionalmente menos idosos e que gastam mais de10% do PIB com aposentadorias. Aumentar o valor real dosalário mínimo para quem está na ativa pode ser uma políticaeficaz para combater a extrema pobreza, mas só funcionará senão for estendido aos aposentados. Já no caso daqueles queestão na ativa, aumentos reais do salário mínimo provocarãoaumento na informalidade, se forem muito grandes. Hoje, umafamília pode aceitar um aumento de 10 ou 20 reais no salário

“A política do salário

mínimo é a menos eficaz

para combater a pobreza.

No Brasil, as pessoas são

pobres quando crianças,

adolescentes ou adultas, mas

deixam de ser pobres ao se

aposentar aos 65 anos de

idade, quando passam a

receber um salário mínimo”

José Márcio de Camargo, professor titular do Departamento de Economia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e

Sócio da Tendências Consultoria

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Ho j e h á m a i s d e 1 4 m i l h õ e s d e i d o s o s a p o s e n t a d o s n o B r a s i l . Mu i t o s d e l e s

informalidade está vinculada a rendimentos maiores.

Paes de Barros – É evidente que não podemos esperar tudo dapolítica de salário mínimo, da mesma forma, não podemosesperar tudo de uma política de microcrédito. A questão é se apolítica de salário mínimo tem alguma função no combate àpobreza no país. Existem diversas formas de combater apobreza. O Brasil está numa encruzilhada. Aumentar o BolsaFamília é pelo menos três vezes mais eficiente do que um au-mento do salário mínimo e o aumento do salário família é atéduas vezes mais eficiente (veja quadro abaixo) do que gastos coma Previdência. Além disso, o aumento real do salário mínimonada mais é do que uma taxação de lucros e rendimentos docapital e uma transferência de renda para os trabalhadores. Ogoverno tem nas mãos, portanto, a possibilidade de, no mesmoano, aumentar os impostos sobre capital e fazer uma transferên-

mínimo pago a uma empregada doméstica, mas não acompa-nharia o reajuste se ele dobrasse.

Pochmann – Quanto à questão da Previdência, verificamosque há uma correlação muito direta entre o aumento dosalário mínimo e o aumento da receita previdenciária. Nosanos de 2000 e de 2004, quando houve crescimento econômico,as receitas e despesas da Previdência tiveram idêntica varia-ção, mas nos períodos de baixo crescimento econômico eaumento real do mínimo. Quando esses dois fatores coincidi-ram, houve uma desconexão entre os aumentos do mínimo eas receitas e despesas previdenciárias. Entre 1992 e 2002, omínimo aumentou 99% e a informalidade cresceu 35,1% paraquem ganha salários mais baixos, mas para trabalhadores comrendimentos na faixa de renda de 10 a 15 salários mínimos, ainformalidade aumentou 178%. Então, o que parece é que a

Situação atual (2002) 657.6 42.8

Impacto de 10% de aumento

no rendimentode empregados com carteira

e funcionários públicos próximos ao mínimo 658.2 0.7 42.5 0.3 42

Impacto de 10% de aumento nos benefícios

previdenciários próximos ao mínino 660.0 2.4 42.2 0.6 24

Impacto de 10% de aumento no rendimento

dos empregados com carteira e funcionários públicos

e nos benefícios previdenciários próximos ao mínimo 660.7 3.1 41.9 0.9 28.0

Impacto de 10% de aumento em todos

os benefícios previdenciários 668.9 11.3 42.1 0.7 6.0

Impacto de aumento no benefício

básico do Programa Bolsa Família

em R$ 17,5 por família ao mês 658.6 1.0 41.8 1.0 100.0

Impacto do salário família (R$ 13,48) 659.8 2.3 41.7 1.1 47.0

SimulaçõesRenda total

das famílias

O Impacto sobre a

renda total das famílas

Insuf iciência de renda

das famílias pobres

Impacto sobre a

insuf iciência de renda

das famílias pobres

Impacto sobre a

insuf iciência de renda

das famílias pobres

como porcentagem do

impacto sobre a renda

de todas as famílias

Sensibilidade da pobreza e da extrema pobreza a mudanças no salário mínimo

e no benefício básico do Programa Bolsa Família (em bilhões de reais)

Fonte: Ricardo Paes de Barros/ Ipea

20 Desafios • novembro de 2004

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Desaf ios • novembro de 2004 21

cia para os trabalhadores. Como existe o víncu-lo entre o salário mínimo e o piso dos benefí-cios da Previdência, a única maneira do gover-no impor esse imposto é ele também pagaruma parte da conta.

Delgado – Em 15 anos, o número de beneficia-dos pelo Regime Geral da Previdência quasedobrou, pois passaram de 12 milhões para 22milhões. A taxa de atendimento aumentouexpressivamente em função da maturação dosdireito adquiridos na antiga CLT. Nos anos 60e 70 houve um assalariamento crescente, então30, 35 anos depois, houve uma maturaçãodesses direitos. A Previdência Rural tambémteve um impacto enorme na redução dapobreza. Mas para a força de trabalho que estádesempregada ou no mercado informal, aBolsa Família não funcionará. É preciso terprogramas para a reestruturação desses mer-cados, dessas relações de trabalho, com ele-vação da produtividade econômica da base dapirâmide. Uma parte muito grande da Popu-lação Economicamente Ativa continuará ex-cluída do mundo do assalariamento formal,talvez para sempre. Mas ela não precisa estarexcluída da economia, nem precisa estarexcluída da política pública.

Paes de Barros – Você acha que o salário mí-nimo real deve continuar aumentando naeconomia brasileira de hoje?

Delgado – Dentro de certos parâmetros sim. Épreciso estabelecer a trajetória em que o cresci-mento do salário mínimo seja compatível coma estabilidade fiscal. E até agora tem sido assim,ou seja, o orçamento da seguridade social comportou osaumentos do salário mínimo que foram introduzidos no gover-no anterior.

Fernandes – Giambiagi, por favor, fale sobre a sustentabilidadede aumentos reais para os aposentados e o impacto sobre odéficit da Previdência.

Giambiagi – Nos próximos vinte anos gostaríamos que o PIBcrescesse em torno de 4% ao ano. Dois em cada três benefi-ciários da Previdência recebem um salário mínimo. Se a econo-mia crescer 4% a cada ano e dois terços dos beneficiáriostiverem aumento real, a proporção do PIB gasta com benefícios

previdenciários e assistenciais vai crescer maisdo que 4%. E então teremos um sério desequi-líbrio. Em 1988, ano em que Constituição foiaprovada, os gastos com benefícios da Previ-dência representavam 2,5% do PIB. Hoje essegasto é de mais de 7% do PIB. Aumentos reaisdo salário mínimo ferem a sustentabilidadefiscal, o que gera desequilíbrios, a não ser quea carga tributária continue aumentando paracobrir esses gastos. E a carga tributária passoude 25% do PIB em 1994 para 37%do PIBatualmente. De 1997 a 2003, em função doajuste macroeconômico, o rendimento médioreal dos trabalhadores caiu 23%. Nesse qua-dro, faz sentido os aposentados terem rece-bido aumentos reais, devido ao aumento dosalário mínimo? De outro lado, temos queestabelecer no País a cultura de que o aposen-tado recebe uma aposentadoria em função desua contribuição enquanto estava na ativa.Atualmente, esta regra está sendo ferida,porque a pessoa contribui com 100, se apo-senta com 100 e depois passa a receber 110,120 ao longo do tempo. Isso é uma impro-priedade do ponto de vista atuarial e dos prin-cípios do regime que deveriam reger um sis-tema de aposentadoria.

Fernandes – Outros países funcionam destamaneira?

Giambiagi - No Brasil as pessoas recebem umbenefício assistencial ao se aposentarem poridade, mesmo sem ter contribuído para aPrevidência, o que não existe em outros paí-ses. Tal fato cria um incentivo errado, nummomento em que estamos discutindo formas

de aumentar o grau de formalidade da economia. Por que umapessoa com rendimentos próximos de um salário mínimo vaise formalizar e passar a contribuir para a Previdência se oEstado lhe garante uma aposentadoria de um salário mínimoaos 65 anos, independente de contribuição prévia? Acho que ogoverno deveria sinalizar claramente para população oseguinte: não existe benefício gratuito. Benefício previdenciárioserá dado para quem contribuir e benefício assistencial serádado com algum tipo de pedágio, por exemplo, quem não con-tribui para a Previdência receberá a aposentadoria de umsalário mínimo aos 70 anos e não mais aos 65. Nos últimos dezanos o salário mínimo e o piso previdenciário tiveram umaumento real acumulado da ordem de 50%, algo sem paralelo

v i ve ram na pob re za a t é começa rem a r ecebe r o bene f í c i o , q ue é pago a todos

“É anacrônico usar a

política do salário mínimo

para reduzir a pobreza.

Existem alternativas muito

mais eficazes, como

a Bolsa Família ou o

Microcrédito, ou o aumento

do salário-família para

os trabalhadores

que recebem até 1,5

salário mínimo”

Ricardo Paes de Barros, Pesquisador do Ipea

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22 Desafios • novembro de 2004

C omo i n s t r umen to d e p o l í t i c a s o c i a l , o s a l á r i o m í n imo, a t u a lmen t e , b e n e f i c i a

sumo dos idosos. É claro que um trabalhadorque já poupa 30% de sua renda todo o mêsnão vai poupar mais. Por isso a taxa depoupança voluntária no Brasil é tão baixa. Ataxa de poupança voluntária na Coréia é 25%do PIB, mas lá não se paga quase nada dePrevidência Social.

Fernandes – Está na hora de voltar a adotarsalários mínimos regionais?

Pochmann - O Brasil tem salário mínimonacional desde 1983, como vários países. Namaior parte dos países que adotam um saláriomínimo, ele tem caráter nacional.Aqui, a con-trapartida da unificação do salário mínimo foia redução do seu valor real. Em 1957, o saláriomínimo equivalia a 2,7 vezes a renda per capi-ta do Brasil e em 2000 equivalia a apenas 30%da renda per capita. Houve no Brasil umadrástica redução da renda do trabalho emcomparação à renda nacional. Até o regimemilitar, a renda do trabalho representava emtorno de 55% da renda nacional e passou para36% em 2002. Nos Estados Unidos, a renda dotrabalho representa em torno de 70% do PIB.Na medida em que o salário mínimo perdepoder aquisitivo, o trabalhador perde partici-pação na renda nacional, ou seja, o saláriomínimo não é um instrumento suficiente pararecompor a necessária reestruturação do mer-cado de trabalho. A informalização crescenteda economia não é causada pelos aumentosreais do mínimo, até porque acontece princi-palmente nas maiores remunerações.Acreditoque a questão do custo do trabalho é funda-mental na decisão de formalizar ou não umtrabalhador. A formalização vai depender dehaver mercado para a produção dos bens e

serviços das empresas, vai depender do custo fiscal. Por exemplo,no setor automobilístico cerca de 33% do preço do automóvel écomposto por impostos, enquanto a massa de rendimentosrepresenta em torno de 3%.Acho difícil que uma medida volta-da exclusivamente para a questão do salário seja suficiente parafortalecer a formalidade, especialmente pelo fato de que os pos-tos de trabalho que mais vêm crescendo no Brasil não são as-salariados. Nos últimos 10 anos, de dez ocupações abertas nopaís, sete estão associadas a quatro ocupações: trabalho domés-tico, trabalho ambulante, limpeza e conservação, e segurança.São esses os postos de trabalho que o Brasil vem gerando.

no mundo, porque na imensa maioria dospaíses o aposentado mantém a renda que tinhana aposentadoria ou em muitos casos até temuma pequena perda, coisa que não defendo,pois acho que deveria haver uma proteção emrelação à inflação. Mas aumentos reais para asaposentadorias assistenciais não existem emnenhum outro país.

Camargo – Poucos trabalhadores contribuempara a Previdência Social e a razão é simples:por que contribuir todos os meses com 10%do salário para receber uma aposentadoria, di-gamos, de três salários mínimos aos 65 anos, seao não contribuir receberá uma aposentadoriade um salário mínimo? Essa é uma das razõespelas quais há tanta informalidade hoje noBrasil. A Coréia tem quase a mesma porcen-tagem de idosos na população e gasta 3% doPIB com Previdência Social. Com 6,75% deidosos, o Brasil gasta 12% do PIB com aposen-tadorias. Está claro que existe um erro monu-mental de alocação recursos no Brasil e nãoexiste sustentabilidade fiscal nesse jogo. Hoje oproblema fiscal do País se chama PrevidênciaSocial. Se o sistema da Previdência fosse equi-librado, teríamos um superávit fiscal de 3% doPIB nominal. Para piorar a nossa políticaprevidenciária tem um viés pró-idoso e anti-criança, pois 30% da população brasileira temmenos de que 15 anos e gastamos com edu-cação apenas 3,6% do PIB. Existem quasecinco vezes mais crianças do que idosos comoproporção da população e gastamos com elas25% do que gastamos com idosos.

Fernandes – Aumentos reais do mínimo te-riam impacto sobre a informalidade?

Camargo – Certamente. O sistema de previdência socialbrasileiro é excessivamente caro. Paga-se 30% da folha desalários para sustentar o sistema e ele ainda dá prejuízo.A maiorparte dos estudos que eu conheço mostra que quase todo oimposto sobre a folha de pagamento é, no final das contas, pagopelos trabalhadores, ou seja, quando se põe 30% de impostosobre o salário, quem recolhe esse imposto é o empresário, masquem paga é o trabalhador, sob forma de redução de salário. Otrabalhador brasileiro, enquanto está na ativa, é forçado apoupar 30% da sua folha todo mês, através de um imposto paraa Previdência. O governo arrecada esses 30% e financia o con-

“Discutir a vinculação

dos benefícios da

Previdência ao salário

mínimo só tem

sentido se discutirmos

quanto custa para um idoso

viver. Precisamos

saber se as

aposentadorias pagas

atualmente são suficientes

para que os aposentados

vivam dignamente”

Márcio Pochmann, Secretário do Trabalho daPrefeitura Municipal de São Paulo

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Paes de Barros - Estou convencido de que apolítica de salário mínimo não é suficiente ediscuto se é necessária. Saber qual o valor mí-nimo que as pessoas precisam para viver é fun-damental para o Estado. Então deveria ser umapolítica de Estado que todo o brasileirorecebesse esse mínimo. E isso não tem nada aver com a política de salário mínimo porquenão tem a ver com a capacidade produtiva daspessoas. É função do Estado garantir a rendamínima para as pessoas viverem, mas não éfunção do Estado obrigar o empresário aaumentar o salário mínimo. Usar o saláriomínimo como uma política de distribuição derenda e de combate à pobreza é um equívoco.Aestatística mostra que somente uma pequenaparcela dos trabalhadores que ganham osalário mínimo é pobre. Aumentar o saláriodeles, na verdade, não reduz a pobreza. É pre-ciso aumentar os rendimentos dos outros, osverdadeiramente pobres.

Delgado – A despesa previdenciária é comple-tamente previsível, mas a receita não é umavariável perfeitamente previsível dentro doquadro fiscal que temos hoje. Primeiro porquea dívida ativa com a Previdência é monumen-tal e não pára de crescer. No atual ambiente derecuperação econômica será possível aumen-tar a receita previdenciária, com a contribuiçãodos formais e informais. E existe um contin-gente de 27 milhões de com idade ativa quedeveria estar contribuindo com a Previdência enão está.

Fernandes – Mas se a valor dos benefícios previdenciáriossuperar as receitas, quem vai pagar a conta no futuro?

Delgado – Em 2003 a despesa de Regime Geral da Previdência foide 113 bilhões de reais e a receita, a partir da contribuição deempregados e empregadores, foi de 85 bilhões de reais. Então anecessidade de financiamento da Previdência foi de 1,5% do PIB,num ano péssimo como foi 2003. O que está em discussão nessemomento é a extensão do regime de inclusão previdenciária paraos trabalhadores informais urbanos, para incluir os 27 milhõesde pessoas que estão fora da Previdência e sem proteção. Issocustaria algo em torno de nove bilhões de reais por ano.A políti-ca social concreta, aquela que aprovada no Congresso vira lei ese transforma em gastos. Não se faz políticas sociais assim, emcima de jogos puramente numéricos. Resultam de acordos

políticos, de negociações, de regulamentações.

Camargo – Quero falar da informalidade, queé muito alta no Brasil. O que uma pessoaganha sendo formal? Ela paga 30% do saláriotodos os meses para ser formal. Ganha seguroacidente, seguro maternidade e seguro de-semprego, que eventualmente poderá usu-fruir. E o empresário, o que ele ganha quandoé formal? Fundamentalmente, mais acesso acrédito. Mas com as taxas de juros da ordemde 200% ao ano, qual a vantagem de ter aces-so a crédito? Melhor é não pagar imposto. Ocusto da formalização no Brasil é alto e o be-nefício é muito baixo. A segunda coisa impor-tante é que o salário mínimo é extremamenteineficiente como política de combate à po-breza, mas é uma política de mercado de tra-balho que pode ser muito eficiente. Final-mente, a razão pela qual a política social bra-sileira tem um viés pró-idoso e anticriança, ésimples: criança não vota e os idosos votam.Conseqüentemente, do ponto de vista políti-co, é muito bom dar dinheiro aos idosos. Tiraras crianças da pobreza não produz muitoganho político no curto prazo.

Fernandes – Volto à questão, dá para garantiraumentos reais para os aposentados?

Giambiagi – A despesa do Instituto Nacionalde Seguridade Social passou de 2,5% do PIBem 1988 para quase 7,5% do PIB, e de 1994até hoje, isso coincidiu com o aumento da

carga tributária e com o aumento da dívidapública em relação ao PIB. O aumento da dívida pública já setornou muito perigoso. Eu posso concordar que há margempara um aumento da arrecadação do INSS com a redução deinformalização. Mas se o salário mínimo continuar tendoaumentos reais ao longo do tempo e isso for repassado para opiso previdenciário, a despesa do INSS em relação ao PIBcrescerá indefinidamente. Isso não pode acontecer, é inviável.

Delgado – Na minha opinião é perfeitamente possível daraumentos reais para o salário mínimo sem que isso compro-meta o equilíbrio fiscal da Previdência, na condição de umcrescimento da economia de 4% ao ano. Também será neces-sário evitar a evasão das contribuições de empresas, cobrar osdevedores e implementar um forte programa de inclusão denovos contribuintes que hoje estão na informalidade.

ma i s o s b ra s i l e i r o s c om i d ad e s u p e r i o r a 65 a n o s d o q u e a s c r i a n ç a s

“As políticas públicas

devem ter quatro grandes

objetivos: reduzir a

desigualdade; combater a

pobreza extrema; elevar o

potencial de crescimento; e

diminuir a violência. O

aumento real do salário

mínimo não ataca nenhuma

dessas questões”

Fábio Giambiagi, pesquisador do Ipea

d

Desaf ios • novembro de 2004 23

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A r i e l d e C a s t r oARTIGO

pós 14 anos de Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA), o Estado e a so-ciedade brasileira ainda estão dando osprimeiros passos para a aplicação efe-

tiva das medidas sócioeducativas previstas. Umrelatório elaborado pela Associação Nacional dosCentros de Defesa da Criança e do Adolescente(Anced) e pelo Fórum Nacional das Entidadesde Defesa dos Direitos da Criança e do Adoles-cente, encaminhado ao Comitê dos Direitos daCriança da Organização das Nações Unidas(ONU), define que “o modelo institucional deaplicação e execução de medidas socioeducati-vas no Brasil continua dissonante do ideal derespeito à dignidade do adolescente autor de atoinfracional”. Afirma ainda que os dados oficiaisexistentes sobre as medidas em meio aberto sãofrágeis. Com relação à privação de liberdade,sabe-se, conforme mapeamento realizado peloIpea entre setembro e novembro de 2002, quenaquele período havia 9.555 adolescentes cum-prindo a medida socioeducativa de internação nopaís, um número baixo para uma população de23, 3 milhões de adolescentes. De acordo com olevantamento, 71% das unidades de internaçãosão irregulares. Os principais problemas sãofalta de projeto pedagógico, tortura, maus-tra-tos, falta de capacitação dos funcionários e am-biente arquitetônico prisional inadequado.

Segundo o relatório encaminhado à ONU, háuma constante violação do princípio da excep-cionalidade da medida de internação, aplicadaindiscriminadamente. O documento ainda afir-ma que, de acordo com a Febem de São Paulo, de30% a 40% dos internos do estado teriam con-dições de estar em Liberdade Assistida (LA). Noinício de outubro o Comitê da ONU divulgousuas considerações preliminares, condenando asituação brasileira com relação ao cumprimen-to da Convenção Internacional dos Direitos daCriança, que tem 15 anos, e das regras mínimasestabelecidas pela Organização para adolescen-tes privados de liberdade.

O primeiro passo para superar as mazelas éum diagnóstico da aplicação das medidas emmeio aberto no Brasil.Atualmente existem expe-

riências positivas e eficazes, pautadas na lei, massão exemplos isolados que precisam se tornaruma política de Estado – o que não será possívelcom redução orçamentária.A privação de liber-dade tem demonstrado ser a maneira mais carade tornar as pessoas piores. Enquanto se gastampor mês, na internação, até sete mil reais, na Li-berdade Assistida é possível fazer um bom traba-lho com menos de 200 reais mensais por ado-lescente. Os índices de reincidência nos bonsprogramas de LA e Prestação de Serviços à Co-munidade (PSC) não ultrapassam 5%, enquan-to na internação registram-se até 40%.

Atualmente, 26 mil adolescentes em conflitocom a lei cumprem medidas socioeducativas emmeio aberto no Brasil, mas mesmo sob a tutela doEstado, muitos deles continuam sendo margina-lizados e seguem condenados a terminar a vidanuma Febem, num presídio ou num cemitérioda periferia. Diante desse quadro, está sendoapresentado o Plano Nacional de AtendimentoSocioeducativo, cuja primeira medida é padro-nizar o atendimento. Algumas questões impor-tantes estão estabelecidas, como a necessidadede um plano de atendimento individual; a ins-crição obrigatória dos programas; a participaçãodo defensor em todas as etapas do processo; apreferência de julgamento dos recursos ju-diciais; e a obrigatoriedade de os adolescentes fi-carem próximos à residência de seus pais.

O ECA é claro quando trata da responsabili-dade da família, do Estado e da sociedade emgarantir os direitos das crianças e dos adoles-centes, inclusive dos infratores. Se esses direitosfossem garantidos sequer teríamos infratores.Se temos, cabe-nos buscar sua ressocialização ereeducação. O primeiro passo, ainda que tardio,pode garantir a vida digna e a inclusão social demilhares de adolescentes e o estancamento dodesperdício de vidas.

Ariel de Castro, advogado, Conselheiro Nacional do Movimento Nacional de

Direitos Humanos, vice- presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua de São

Bernardo do Campo e Guarulhos, colaborador do Centro de Justiça Global, foi

coordenador do GT para a Implementação do ECA da OAB-SP.

O Primeiro Passo

“Atualmente,

26 mil adolescentes

em conflito com a lei

cumprem medidas

sócioeducativas em

meio aberto no Brasil.

Muitos deles continuam

marginalizados e

seguem condenados

a terminar a vida

numa Febem, num

presídio ou num

cemitério da periferia”

A

24 Desafios • novembro de 2004

Arqu

ivo P

esso

al

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26 Desafios • novembro de 2004

O Brasil é competente na produção de softwares para governo eletrônico,

Desafios – O fato de não ser uma empresa

lucrativa signif ica que o Cesar perde dinheiro?

Meira – A única equação que o Cesarrespeita é a de que a receita menos adespesa tem de ser maior do que zero.Isso nos dá a possibilidade de gene-ralizar soluções que sejam úteis paraum nicho de mercado.Assim, fazemosum contrato com uma empresa noqual está previsto que poderemosvender a solução para outras.Dessa for-ma o custo do projeto do cliente ori-ginal cai. Se esse processo dá certoaumentamos o grupo de pessoas en-volvidas no projeto: vendedores, estra-tegistas, gente de operações, de contro-le de qualidade, de design. Vira umaunidade de negócios, uma companhiavirtual capaz de desenvolver projetoscorrelatos e que um dia sairá do Cesar,ao atrair investimentos de terceiros, evirará uma empresa independente.

ENTREVISTA

oucos sabem que em Recife, capital pernambucana e do frevo, há um pólo de produção desoftware que reúne cerca de 200 empresas, 79 delas no Porto Digital, um arranjo produtivolocal. O setor já representa 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de Pernambuco e a meta é

atingir 10% em 2015. O Porto Digital nasceu ancorado no Centro de Estudos e Sistemas Avançadosdo Recife (Cesar), entidade sem fins lucrativos que fatura 28 milhões de reais por ano e atrai talentosda Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).A origem do pólo remonta a 1985, quando quatropesquisadores retornaram do exterior com canudos de doutores e sonharam transformar a UFPEnum centro de excelência com padrão mundial. A história foi contada por Silvio Meira, um dosresponsáveis pela revolução, na seguinte entrevista concedida a Desafios do Desenvolvimento.

p o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d o R i o d e J a n e i r o

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Cald

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itula

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Triunfo da persistênciaSilvio Meira

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sistema f inanceiro, varejo, mobilidade e gestão empresarial

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Silvio Meira tem o olhar de um so-nhador que enxerga longe e busca com per-sistência o seu objetivo. Usa vários chapéus,do de cientista-chefe do Centro de Estudose Sistemas Avançados do Recife (Cesar), aode presidente do conselho de administraçãodo Porto Digital do Recife e da Rede deInformações do Terceiro Setor. Escreve arti-gos para diversas publicações, é professortitular de engenharia do software da Uni-versidade Federal de Pernambuco e faz pa-lestras no Brasil e no exterior. Entre janeiroe fevereiro assume a função de batuqueirodo Maracatu Nação Pernambuco.

A família de Meira é um bom exemplode mobilidade social empurrada pela edu-cação. O avô era analfabeto. O pai comple-tou o ginásio e fez carreira como gerenteda Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasi-leiro (Sanbra). Meira cursou engenhariaeletrônica no Instituto de Tecnologia da Ae-ronáutica (ITA) de São José dos Campos, nointerior de São Paulo, e tem doutorado emcomputação pela Universidade de Kent, na ci-dade britânica da Canterbury.Tem um irmãocom doutorado em psicologia cognitiva pelaUniversidade de Berkeley na Califórnia, ou-tro, médico, mestre em cirurgia pela UFPE euma irmã pedagoga. Aos 49 anos, ele temuma idéia fixa: fazer do Recife o principalpólo brasileiro de produção de software.

Muitos chapéuse uma idéia fixa

Desafios – Quantas empresas foram criadas

nos oito anos de existência do Cesar?

Meira – Até hoje criamos 30 empresase umas 20 sobreviveram.A taxa de so-brevivência é de 66%. Como faltaminvestidores de risco essas empresascrescem organicamente, pois já nas-cem com clientes e uma estrutura mí-nima. O crescimento estrutural é len-to, mas elas apresentam diferencial deperformance significativo e atraemcapital humano sofisticado. A maioriadas empresas sobreviventes usou fi-nanciamento da Finep, como a Neu-rotech e a InForma.

Desafios – Uma das empresas nascidas no

Cesar foi o Radix, que até hoje é um portal de

buscas na internet muito utilizado. O Radix che-

gou a atrair capital de risco.

Meira – Esse foi um caso muito espe-cial. Na época da bolha da internet, em1999, o grupo Opportunity quis se en-volver neste processo,ao saber de nossaproposta de funcionarmos como fa-bricantes de empresas. O Opportunityqueria construir um engenho de buscapara a internet brasileira, mas não tí-nhamos nada disso na UFPE ou noCesar. Tínhamos de encontrar uma so-lução inovadora. Enquanto conversá-vamos sobre o empreendimento deslo-camos um grupo de jovens que faziamestrado e doutorado para desenvol-ver o engenho de busca e acabamosmontando um dos primeiros no mun-do usando tecnologia Java. O Radix vi-rou empresa e depois foi separado emduas partes: a de gerenciamento dedados foi para a Datasul e a parte deengenho de busca e desenho de sites foipara o Ibest, que hoje é da Brasil Te-lecom. O Opportunity, o Cesar e ospesquisadores envolvidos foram remu-nerados com a venda da empresa.Além do resultado financeiro, foi mui-to importante a valorização da marcado Cesar como engenharia, processo emarca, a partir da divulgação do inves-timento e da venda do Radix.

Desafios – Em que medida o Porto Digital do

Recife é diferente de outros pólos de tecnologia

existentes no Brasil?

Meira – As empresas brasileiras daárea de tecnologia da informação têm,em média, cinco funcionários. Hoje,no Recife Antigo, temos 79 empresasinstaladas com uma média de 20 pes-soas em cada uma. Nossa meta é che-gar a 200 empresas em 2015, com 100funcionários cada uma. E o Porto Di-gital é um sistema local de inovação,um parque tecnológico urbano, en-volvido no processo de recuperação edesenvolvimento de uma das áreashistóricas mais importantes do Recife.

Desafios – Qual a sua função atual no Cesar?

Meira – Sou um consultor, atuo comocientista-chefe, encarregado de inovara inovação. O Cesar é um instituto deinovação que chega no mercado atra-vés das empresas que cria. Dentro delehá um grupo responsável por inovar ainovação. Nossa missão é realizartransferência auto-sustentável de tec-nologia entre a sociedade e a universi-dade. Partimos da constatação de quenão existia no Brasil capital de riscodisposto a investir em empresas detecnologia, o que tornava inviável ocaminho da universidade para a em-presa. O caminho inverso era impos-sível porque a universidade não estavainteressada no mercado e nem estavaequipada para atender às suas deman-das. Assim havia espaço para umaempresa intermediária, uma fábricade soluções para o mercado, um gru-po de engenharia que deveria ter ven-dedores. Contratamos um superin-tendente de mercado que veio de umbanco. Ele contratou outros vendedo-res e o gerente de engenharia. Assimfoi montada a fábrica de software.Com o lastro dos professores do Cen-tro de Informática da UFPE pudemosoferecer soluções para problemas dasempresas, a preços de mercado e demaneira inovadora.

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Desafios – Como foi que isso tudo começou?

Meira – Em 1974 foi criado o Centrode Informática da UFPE. Em 1985,um conjunto de doutores voltou doexterior. Poderíamos ter ido trabalharonde quiséssemos. Quando acabei omeu doutorado recusei um empregomilionário no Texas para desenvolversoftwares de prospecção de petróleo.Recusei universidades na Inglaterra eEstados Unidos. Resolvemos voltarpara Recife e fizemos um plano de 15anos, até 2000, para a área de ciênciada computação. A proposta era me-lhorar o curso de pós-graduação, criarum doutorado, colocar 20 doutoresno centro e estar entre os dez melho-res cursos de pós-graduação no Bra-sil. Mandamos os melhores para fazerdoutorado no exterior. Em 1992 tí-nhamos um mestrado de grau A, umagraduação com as mesmas cadeirasdo Instituto de Tecnologia do Massa-chusetts e um doutorado em funcio-namento. Até agora foram defendidas55 teses de doutorado e 600 de mes-trado. Atingimos as metas oito anosantes do planejado. Aí aconteceu que,em 1993, 75% dos alunos da gradua-ção deixaram Recife, pois formáva-mos capital humano mas não haviaoportunidade de trabalho, embora Re-cife tivesse duas das mais antigas em-presas de software do Brasil. Começa-mos a refletir sobre nosso papel na so-ciedade. Deveríamos ser um elementode desenvolvimento econômico? Eentão veio a idéia de criar o Cesar.

Desafios – Como o pessoal da UFPE reagiu à

criação do Cesar?

Meira – Nós viramos tudo de cabeçapara baixo e sofremos muita oposi-ção. Ainda tem gente na universidadeque resiste ao Cesar, apesar de termosdoado 1,5 milhão de reais para o Cen-tro de Informática nos últimos doisanos, enquanto o governo federal in-vestiu apenas 100 mil reais.

Desafios – O objetivo do Cesar era absorver

os talentos formados na região?

Meira – Era muito maior. Do alto de

Desafios - Quanto foi investido para a

montagem do Porto Digital e qual foi o papel

do estado e do município nesse empreendi-

mento?

Meira – O Porto Digital foi criado em2000 e o governo do Pernambucoinvestiu 33 milhões de reais, basica-mente em infra-estrutura. É um pólotecnológico, mas preferimos chamá-lo de Sistema Local de Inovação. APrefeitura do Recife dá um descontode 60% no Imposto sobre Serviços(ISS) porque tem interesse em atrairnovas empresas e aumentar a arreca-dação a médio prazo. Quem estabe-lece as metas de crescimento não sãoas empresas individualmente, masuma negociação em conjunto atravésdo Núcleo de Gestão do Porto Digital(NGPD), que negociou com fornece-dores para obter vantagens para asempresas. Por exemplo, a Telemar fezum contrato com o NGPD que per-mite uma redução de até 40% dos cus-tos de comunicação. As ligações entrecelulares das empresas instaladas noPorto Digital têm custo zero. O NGPD,que também negocia contratos comfornecedores, cuida das marcas, daimagem, do marketing e da atração denegócios e empresas. As empresas cui-dam de capacitação, qualificação, fer-ramentas, métodos e receitas.

Desafios – Qual é o faturamento das empresas

do Porto Digital e qual a meta para 2015?

Meira – Prefiro falar em números rela-tivos. Hoje as empresas do Porto Di-gital representam entre 1,5% e 2% doPIB de Pernambuco e queremos che-gar a 10% do PIB em 2015, o que im-plicaria um faturamento por funcio-nário em torno de 100 mil dólares, umvalor que corresponde ao das grandesempresas de serviço de classe mundial.

Desafios – Qual a origem do pessoal que tra-

balha no Cesar e no Porto Digital?

Meira – Vem principalmente do Nor-deste, mas também de outras regiões.A UFPE não forma, nem sozinha iráformar, nunca, o capital humano parao Porto Digital. Seu vestibular é muito

seletivo, com 17 candidatos por vaga,aceitando 100 pessoas por ano e for-mando 60. Recife tem outras 12 esco-las superiores de informática que ofe-recem 1.000 vagas anuais. E a cidadeestá numa localização estratégica, a 90minutos de João Pessoa e a três horasde Campina Grande, Natal e Maceió.Num raio de três horas encontram-se40% da população e 40% de todos osgrupos de pesquisa do Nordeste. Exis-te nessa área uma ótima oferta de capi-tal humano. Mas o Cesar contrata gen-te de Manaus a Porto Alegre, passan-do pela Suíça e pelos Estados Unidos.

Desaf ios – Qua n t a s p e s s o a s t r a ba l h am

no C e s a r ?

Meira – Hoje são 330 funcionários eaté o final do ano serão contratadosmais 60. Cerca de 260 têm formaçãouniversitária. Mas não damos tantaimportância aos títulos. O Diretor deEngenharia de Design, que é um dosmelhores do Brasil, só tem curso se-cundário. Buscamos pessoal realmen-te criativo. Temos a preocupação dedescobrir o que as pessoas sabem fa-zer e não os diplomas que elas têm.Um diploma de graduação na área dedesenvolvimento de software temvida útil de cinco anos e se a pessoanão estiver num programa contínuode reciclagem o conhecimento adqui-rido fica desatualizado rapidamente.

“Criamos uma fábrica

de empreendimentos,

um gerador de

empresas. Como não

temos fins lucrativos,

os dirigentes, que são

professores, não

são remunerados”

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nossa ingenuidade e arrogância naépoca, coisa de jovens, tentamos con-vencer empresas e pessoas que tinhamde mudar a forma de contratar enge-nheiros, conduzir projetos. Não deumuito certo, pois havia uma disso-nância entre o que o mercado pensavae o que nós pensávamos. Tínhamos decriar um lugar que tivesse nossa cara.Durante três anos montamos o proje-to conceitual, estudamos o que estavasendo feito em outras universidades

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no Brasil e no exterior. Ficou claro quese os mais empreendedores entre ospesquisadores criassem as suas empre-sas para absorver o pessoal que saía doCentro de Informática iríamos des-truí-lo, pois mestres e alunos sairiamda universidade. Resolvemos entãocriar uma fábrica de empreendimen-tos em que os professores não seriamremunerados enquanto dirigentes. As-sim surgiu o Cesar em 1996: uma as-sociação civil sem fins lucrativos, cuja

política e estratégia é feita por asso-ciados, professores da universidade,mas que é conduzida por executivosprofissionais, segundo as regras domercado.

Desafios – Para o Brasil virar um pólo expor-

tador de sof tware será necessário que as em-

presas tenham certif icação internacional, a

exemplo das concorrentes da Índia, o que dá

uma certa garantia para quem compra os

serviços. Em que pé está a busca de certif i-

cação das empresas do Porto Digital?

Meira – O Cesar foi um dos pri-meiros, no Brasil, a receber o certifi-cado CMM (Capability MaturityModel) nível 2, que é uma garantia deperformance do seu processo de pro-dução de software. O CMM é umprocesso incremental, como uma es-cadinha que vai de um até cinco. Anota um seria como garantir que vocêpode levantar vôo com um avião. Anota cinco é quando você tem acapacidade trocar o motor do aviãoenquanto o aparelho está voando.Vo-cê troca o motor, troca o piloto, o pas-sageiro de um lado para o outro, e oavião continua no ar.

Desafios – A Índia está mais adiantada nesse

processo de certif icação?

Meira – A maior vantagem da Índianão está na certificação, mas em suadiáspora tecnológica de proporçõesgigantescas. Os indianos enviarambons profissionais para os países de-senvolvidos, especialmente para aInglaterra e os Estados Unidos. Quan-do o Netscape foi lançado em 1995,como navegador na internet, cerca de40% dos programadores eram indi-anos e a metade deles tinha dou-torado. A Índia é um fornecedor decapital humano para o mundo quefala inglês há pelo menos meio século.Na Inglaterra, por exemplo, é muitodifícil você entrar num hospital e nãoencontrar um indiano trabalhandocomo médico. Nos Estados Unidoseles estão na engenharia. Esses enge-nheiros e programadores indianos jáestavam nos Estados Unidos quando

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Depende do dinheiro do Fundo de Universaliza-

ção dos Serviços de Comunicação (Fust), que

está parado nos cofres federais?

Meira – Há soluções sendo desen-volvidas em vários níveis de governo.A Prefeitura de São Paulo tem umbom programa de telecentros. O go-verno do Pernambuco tomou a inicia-tiva de interligar 184 cidades numarede digital que ele mesmo paga. OFust deveria aprofundar e fomentaressas iniciativas locais. O Ceará, porexemplo, pode dizer que não desejater microcomputadores nas escolasestaduais, mas sim televisores digitais,para transmitir aulas interativas. OFust deveria contribuir para criar umacultura digital diversificada, popular,nacional, com peculiaridades locais.

Desafios – Iniciativas como o Porto Digital

podem reverter a situação econômica de Per-

nambuco, que vem cedendo lugar para a Bahia

ou para o Ceará?

Meira – Bahia e Ceará crescerammuito mais do que Pernambuco des-de a década de 80. E acho que o PortoDigital pode mudar essa tendência.Muitos grupos locais, especialmenteos que vieram do açúcar e do álcool,investiram pesadamente em São Pau-lo ou no Mato Grosso mas mantive-ram os centros de decisão em Per-nambuco. Estamos conversando comvários deles sobre investimentos naárea de informação.

as empresas de lá resolveram terceiri-zar serviços de programação para aÍndia. Assim, o determinante da ter-ceirização para a Índia foi a capaci-tação e qualificação. A certificação foiuma conseqüência.

Desafios – De que forma a Lei de Inovação

que está tramitando no Congresso mudará a

relação entre universidade, centros de pesquisa

e empresas?

Meira – Essa lei está aí para resolverum problema bem específico, isto é, ode idas e vindas de pesquisadores quesão empregados de universidades ecentros de pesquisa do setor público,para transformar os resultados desuas pesquisas em laboratórios emempreendedorismo e fazer com queos centros de pesquisa participem doresultado econômico. A Lei da Ino-vação passa ao largo do papel da esco-la superior privada no desenvolvi-mento e disseminação de resultadocientifico e tecnológico, quando 72%das matrículas nas universidades es-tão no setor privado. É óbvio que a le-gislação deveria contemplar o papeldas universidades privadas, como o-corre nos Estados Unidos, onde ogoverno federal banca os investimen-tos em base tecnológica no setor pri-vado.Aqui é um anátema colocar fun-dos públicos em centros de pesquisaou empresas privadas.

Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recifehttp://www.cesar.org.br

Porto Digital do Recifehttp://www.portodigital.org

Centro de Informática da UFPEhttp://www.cin.ufpe.br

Rede de Informações para o Terceiro Setorhttp://www.rits.org.br

Site pessoal de Silvio Meirahttp://www.meira.com

Saiba Mais:

Desafios – E quais as chances de o Brasil vi-

rar um pólo exportador de sof tware, como pre-

tende a política industrial do governo federal?

Meira – Eu morro de medo quandodeclaramos uma coisa como priorida-de estratégica, pois a tendência daspessoas é achar que não é preciso maisse preocupar com o assunto. Mas atéagora não vi nada de prático paratransformar o projeto em realidade.Quando o Brasil diz que quer desen-volver uma televisão digital e colocaapenas 80 milhões de reais em doisanos nessa idéia, estamos mandandoum recado errado para parceiros ecompetidores. Essa quantia é insufi-ciente para um projeto de longoalcance. É certo que temos oportuni-dades únicas em software, mas nãovejo como virarmos um pólo expor-tador, a curto prazo, pois a políticaacaba sendo feita por cientistas, nogoverno federal, cujo DNA não com-bina com o mercado. Cientista não sa-be vender e acaba decidindo pelo au-mento do número de bolsas. Seriamelhor montar uma grande agênciade investimento para estimular asempresas que já exportam, mas nãotêm financiamento para montar es-truturas de vendas no exterior.A Índiafaz isso. Exporta 12 bilhões de dólares(cinqüenta vezes mais do que nós) etem um mercado interno de dois bi-lhões (um quarto do nosso). Teríamosde criar, para o software nacional, es-quemas como o que financia as ven-das da Embraer.

Desafios – Em que setores o Brasil já tem pa-

drões de excelência para exportar sof tware?

Meira – Na área de governo eletrôni-co, em sistemas que precisam fazerum número alto de transações em cur-to espaço de tempo, como o caso daseleições e do imposto de renda. No sis-tema financeiro também somos líde-res, somos bons em varejo, em mobili-dade, em aplicações embarcadas, emsistemas de gestão empresarial.O Brasilé muito grande e muito competente.

Desafios – Qual o segredo da inclusão digital?

d

“Para o Brasil

se tornar exportador

seria melhor montar

uma agência

de investimento para

empresas que

já vendem para fora

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DESENVOLVIMENTO REGIONAL P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e J a r a g u á •

Mara Cristina

Tomás, dona

da confecção

Mara Brasil,

que está

tentando

formalizar

a sua empresa

de confecção

de jeans

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As caracter íst icas e as vantagens dos Arran jos

Produt i vos Loca is (APL) que se mu l t ip l i cam pe lo

pa ís e promovem d istr ibu ição de r iqueza

33

Alianças

F o t o s d e R i c a r d o B . L a b a s t i e r / S o r v o

para o progresso

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34 Desafios • novembro de 2004

Os arran jos prec isam se empenhar em melhorar os padrões de qua l idade de seus

ovens, adultos que já trabalharamna roça ou na cidade, donas-de-casa, aposentados. Na cidade deJaraguá, no interior de Goiás, to-

das essas pessoas hoje fazem a mesmacoisa: jeans. Jaraguá emprega famíliasinteiras na área de confecção, que pro-porciona ocupação para a grande maio-ria da população, de 31 mil habitantes.No fundo de cada casa, em toda portinhade comércio, existe algum negócio rela-cionado à produção de roupas. No co-meço, eles funcionavam totalmente nainformalidade, mas agora já existe ummovimento para legitimá-los. Mara Cris-tina Tomás, por exemplo, está em proces-so de formalização de sua empresa, aMara Brasil. E o crescimento do setor étamanho que hoje Jaraguá enfrenta umproblema: está difícil encontrar mão-de-obra especializada. Costureiros e cos-tureiras com domínio do ofício são dis-putados a ferro e fogo pelos empresárioslocais.

Cenas de Jaraguá: anúncio procura costureira, mão-

de-obra disputadíssima, acima; à direita no alto a

produção de jeans e, abaixo, os tanques de tratamen-

to de afluentes da Toque Final Lavanderia

J

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A cidade é um exemplo do que vemsendo chamado no Brasil de arranjos pro-dutivos locais (APL), ou cluster, em inglês.São aglomerações de empresas de ummesmo setor, numa mesma localidade,com algum grau de cooperação entre osagentes. Também entra no conceito deAPL a governança, ou seja, algum tipo deliderança que oriente as pessoas a açõescomuns. Nos APL geralmente estão pre-sentes instituições de apoio como coope-rativas, sindicatos, universidades, bancosde fomento e órgãos de governo.

Crescimento Os primeiros clusters estru-turados surgiram na Itália na década de1980 (leia o quadro na página 37). A no-vidade é que o governo brasileiro estádescobrindo seu potencial para impulsio-nar o desenvolvimento das regiões e tam-bém para melhorar a competitividade das

empresas, principalmente as de pequeno emédio porte. Em um país tão grande, umapolítica de apoio a empreendedores orga-nizados pode significar a diminuição dasdesigualdades regionais e a promoção docrescimento.

O governo já identificou 460 arranjosdesse tipo que surgiram mais ou menosespontaneamente e se encontram em di-ferentes estágios de organização. Temosarranjos como o de produção de sapatosem Franca ou o de moda íntima em NovaFriburgo, que já têm qualidade e expor-tam seus produtos. Há também arranjoscomo o de Jaraguá, que começam agora ase desenvolver. Os clusters já identificadossão apenas aqueles em que atua algumainstituição governamental. É provável queexistam muitos outros, surgidos do em-preendedorismo da comunidade.

A pesquisadora do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea), LenitaTurchi, que coordena uma pesquisa sobrearranjos intensivos em mão-de-obra nointerior do país, explica que ainda existemmuitos desafios a enfrentar em arranjosem formação, o de Jaraguá entre eles,como a poluição ambiental causada pelaslavanderias de jeans e a baixa remunera-ção dos trabalhadores. Na questãoambiental, começam a surgir soluções nacidade de Goiás. Lindomar José Rabelo,dono da Toque Final Lavanderia, montouum sistema de tratamento de efluentes. Elereclama dos 10 mil reais de custos men-sais, mas tem um fila de clientes entre osdonos de confecção e agora os proprie-tários das outras 15 lavanderias de Jaraguájá começam a terceirizar com ele o trata-mento das águas poluídas, que são levadasaté a Toque Final em caminhões pipa.Segundo Turchi, as empresas de Jaraguátransitam da informalidade para a forma-lidade e isto constitui um exemplo de umarranjo que conseguiu, por enquanto,fazer essa transição. “Mas ainda falta me-lhorar os padrões de qualidade do produ-to, agregando inovação e design, garantircondições de trabalho mais adequadas eganhar novos mercados”, diz.

p rodu tos , garan t i r cond i ções de t raba l ho adequadas e ganhar novos mercados

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IDH Um dos benefícios mais evidentesdos APL é que eles empregam muita gente,aumentam e distribuem renda nas cida-des. Com mais trabalho e dinheiro circu-lando, a conseqüência é uma melhora naqualidade de vida. O Índice de Desenvol-vimento Humano (IDH) de algumas lo-calidades em que existem APL reflete essefenômeno. O IDH é medido em umaescala de 0 a 1, em que 1 significa o nívelmais alto de desenvolvimento humano.Jaraguá é uma das cidades de Goiás emque o IDH mais avançou nos últimos dezanos. Sua pontuação passou de 0,63 para0,72. No agreste nordestino, uma regiãoseca e tradicionalmente pobre, um outroarranjo de produção de jeans levou acidade de Toritama a saltar do 34 º lugarno ranking de IDH dos municípios per-nambucanos para o 11º lugar. “Uma dasvantagens dos APL é que eles possibilitamque se busque a convergência dos interes-ses com o objetivo de melhorar a situaçãodo local”, diz Rodrigo Souza, gestor deAPL da Unidade de DesenvolvimentoSetorial do Serviço Brasileiro de Apoio àsMicro e Pequenas Empresas (Sebrae), deBrasília.

A eficiência das empresas tambémtende a ser beneficiada pelos arranjos, oque pode aumentar a competitividade. Aproximidade geográfica é positiva nessesentido. Por estarem reunidos no mesmolugar, os empresários do arranjo acabamdesfrutando de vantagens como a espe-cialização da mão-de-obra, menor custode deslocamento, concentração de forne-cedores e reconhecimento pelo mercado.São fatores com os quais as pequenas em-presas isoladas não podem contar. Outroponto decisivo para a competitividade é apossibilidade de haver cooperação. Asempresas podem se juntar para fazer com-pras de insumos, reduzindo o custo, oupara atuar em atividades comuns de logís-tica, desenvolvimento tecnológico, mar-keting, entre outras.“A principal razão daexistência dos clusters é que por meio dacolaboração o inteiro acaba se tornandomaior do que a soma das partes”, diz o

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O s A P L emp r e g am mu i t a g e n t e , a um e n t am e d i s t r i b u em r e n d a n a s c i d a d e s .

nanciamento. “O governo condicionou ofinanciamento à criação de uma associa-ção para que a máquina fosse usada portodos.A partir daí, a cooperação cresceu ehoje a região é um dos maiores pólos defruticultura do país”, diz.

No caso de Jaraguá, apenas nos últi-mos anos a Associação Comercial e In-dustrial passou a ter mais força e a estimu-lar a articulação entre os empresários. Otrabalho, que envolveu a organização deuma feira anual de vendas e prevê açõescomo criação de centrais de compras,entre outras medidas, foi visto de maneiratão positiva que o ex-presidente da Asso-ciação, Lineu Olímpio de Souza, se elegeuprefeito da cidade.

Apoio As possibilidades de ganhos com acooperação são inúmeras. Um dos maio-res benefícios ocorre de maneira natural,sem grande esforço. É a difusão do conhe-cimento, que tende a circular muito maisrápido em APL do que quando as empre-sas estão isoladas. Nas conversas na igreja

que acontece é que, para haver atividadescomuns de forma organizada, é necessárioque existam lideranças fortes com credi-bilidade perante a comunidade.

Cooperação Para Mansueto Almeida,pesquisador do Ipea e autor do trabalhoArranjos Produtivos Locais e o Papel doGoverno Federal no Fomento às PequenasEmpresas,“a não existência de uma coope-ração mais ativa entre as empresas de umcluster não deve ser vista como algo estáti-co, mas sim como um desafio para ogoverno identificar de que forma isto podeser estimulado”. Almeida cita o caso doarranjo de fruticultura da região de Petro-lina (PE) e Juazeiro (BA), nas margens doRio São Francisco. Ali se produzia mangapara exportação mas, para atender àsexigências do mercado externo, era pre-ciso processar a fruta em uma máquina delavagem, de custo alto. Os produtores pro-curaram o governo, por meio da Coope-rativa de Desenvolvimento do Vale do SãoFrancisco (Codevasf), para conseguir fi-

diretor de Política Regional e Programasde Ação para Inovação da União Européia(UE) Mikel Landabaso, que tem sua baseem Bruxelas, na Bélgica.

A cooperação, no entanto, não impedeque exista também concorrência. E é atébom que ela ocorra, pois esse é um dosprincipais estímulos para as inovações. Oproprietário da confecção Complemento,de Jaraguá, Luciano de Castro, diz que aAssociação Comercial e Industrial dacidade trabalhou muito nas reuniões coma idéia de que a concorrência está do ladode fora da cidade, uma vez que os produ-tos são vendidos para todas as regiões dopaís, principalmente para o Norte e Nor-deste. “Aqui tem muito coleguismo, masainda estamos tentando melhorar a coo-peração para desenvolver o setor e a cida-de.” Não é fácil lidar com o dilema entrecooperação e concorrência. O segredo pa-ra o sucesso dos APL é encontrar essemeio termo, o que os teóricos chamam deco-opetition, em uma junção das palavrasinglesas para cooperação e competição. O

SETOR REGIÃO/CIDADES PÓLO ESTADO

Fruticultura Petrolina/Juazeiro Bahia/PernambucoGesso Araripina PernambucoConfecções (moda íntima) Nova Friburgo Rio de JaneiroConfecções Brasília Distrito FederalRochas ornamentais Cachoeiro do Itapemirim Espírito SantoConfecções Goiânia GoiásMadeira e móveis Paragominas ParáConfecções (bonés) Apucarana ParanáMetal-mecânico Serra Gaúcha Rio Grande do SulCouro e calçados Franca São PauloMóveis Ubá Minas Gerais

Plano Piloto

O Grupo de Trabalho Permanente, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior, escolheu 11 APL para testar a metodologia de açãointegrada das 23 entidades governamentais que tratam do tema. São eles:

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C om ma i s t r a b a l h o e d i n h e i r o c i r c u l a n d o , a q u a l i d a d e d e v i d a m e l h o r a

Como tudo começou

A aglomeração de pessoas em torno deum mesmo negócio já existe no mundo há vá-rios anos, mas os Arranjos Produtivos Locais(APL) como instrumento de políticas regio-nais só surgiram nas teorias acadêmicas apartir da década de 1980.

O mais conhecido exemplo desses agru-pamentos está numa região do centro da Itá-lia chamada de Emilia Romagna, carente daassistência do governo e das grandes cor-porações e esquecida por todos até meadosda década de 1970, quando começou a lide-rar o crescimento do país, atingindo recor-des seguidos de exportação. Os estudiososdo desenvolvimento econômico decidiram aexaminar o caso. Descobriram uma enormequantidade de pequenas e médias empresas,agrupadas de acordo com suas atividades,produtos reconhecidos pelo nome das re-giões, a exemplo do queijo Parmigiano-Reggiano (parmesão), do presunto de Parmae do azeite balsâmico de Modena.

O interessante é que essa nova fórmulapôs em xeque a idéia de que apenas grandesempresas teriam condições de produzir emgrande escala e, portanto, de competir nomercado mundial. Esse pressuposto guiava aspolíticas de desenvolvimento, ou seja, acredi-tava-se que para resolver o problema de umaregião pobre bastava levar para lá uma gran-de empresa e, a partir daí, o mercado promo-veria o desenvolvimento. Na Europa, o resulta-do dessa política foram as “catedrais nodeserto”, grandes empresas em locais remo-tos que não multiplicavam riqueza.

O caso italiano coincidiu com a crise domodelo fordista de produção em massa. “Apartir da década de 1980 os ciclos de vidados produtos ficaram mais curtos e a deman-da começou a ser menos estável. As grandesempresas que adotavam o antigo modelo nãotinham flexibilidade para se adaptar. As pe-quenas se adaptam mais facilmente às mu-danças. Só que não podem estar isoladas”,diz Mansueto de Almeida, pesquisador doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea).

O empresário Luciano Castro: argumentação em favor da cooperação

A empresária Renata de Oliveira, que gostaria de formalizar seu negócio

Rodrigo de Souza, do Sebrae: convergência de interesses

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desde a década passada”, afirma.O suporte tecnológico de universi-

dades ou centros de pesquisa pode ser odiferencial de APL que se situam em áreasmais competitivas ou de alta tecnologia. OPorto Digital do Recife (leia entrevista na

página 26), de produção de software, só setornou realidade a partir da existência deum núcleo de formação de pessoal espe-cializado na Universidade Federal doPernambuco (UFPE). A capacidade deinovar e adequar custos para exportarcalçados, do APL de Novo Hamburgo noRio Grande do Sul, foi impulsionada peloapoio das universidades da região e pelacriação de um centro de pesquisas tecno-lógicas da indústria calçadista.

Entidades como Sebrae, Senai, Asso-ciação de Promoção às Exportações doBrasil (Apex), entre várias outras, já des-cobriram esse potencial dos APL há al-gum tempo. A Federação das Indústriasde São Paulo (Fiesp) apóia, há um ano,cinco APL paulistas e obteve resultadossurpreendentes. “Já conseguimos um in-cremento de produtividade de 32% emIbitinga (produtora de artigos de cama,mesa e banho), de 42% em Rio Preto (fa-bricante de jóias) e de 13% em Mirassol(onde se produzem móveis)”, conta o ge-rente de projetos na área de competitivi-dade da Fiesp, Renato Corona.

O trabalho de entidades como oSebrae e a Fiesp está bem focado no forta-lecimento do capital social. O Sebrae, noseu site, explica a importância do apoioaos APL citando a convergência de duasfortes correntes do pensamento contem-porâneo: “por um lado, a que enfatiza anoção de capital social como um conjuntode recursos capazes de promover a melhorutilização dos ativos econômicos pelosindivíduos e pelas empresas; por outro, aque privilegia a dimensão territorial dodesenvolvimento e que insiste na idéia deque a competitividade é um atributo doambiente, antes mesmo de ser um atributoda firma”. No mesmo sentido, o diretor daFiesp explica que a entidade começou otrabalho com os APL com o objetivo

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Para haver at i v idades comuns de forma organ i zada entre empresas é necessár io

ou no bar o assunto é sempre o mesmo.São trocados conhecimentos, conselhos eapoio. Apesar de difícil de se medir, odesenvolvimento proporcionado por essaajuda mútua, chamada pelo cientistapolítico da universidade norte-americanaHarvard, Robert Putnam de “capital so-cial”, é muito maior do que quando elanão existe. Como explica o economistaWilliam Easterly, no livro O Espetáculo doCrescimento, o conhecimento é essencialpara o crescimento econômico e suadifusão tem duas características impor-tantes. A primeira é que é sempre muitodifícil manter um conhecimento impor-tante só para si. A segunda é que não secria nada quando não existe uma baseconsolidada de conhecimento. Assim, osAPL podem ter mais facilidade em criarinovação do que as pequenas empresasisoladas. Em Jaraguá, por exemplo, todosjá sabiam quais eram os problemas damáquina que corta os moldes. Isso crioucondições para que um marceneirohabilidoso criasse uma máquina adaptadaàs necessidades dos usuários.

Europa Por tudo isso, a União Européia jáapóia os APL há algum tempo. Um traba-lho sobre o tema escrito por Landabasoexplica que existem pelo menos duas con-seqüências positivas do capital social paraas firmas e as localidades. Primeiro, eleacelera o processo de troca e criação deconhecimento e inovação. Segundo, reduzsignificativamente os custos de transaçãodas firmas. Para Landabaso, o papel dosetor público é a criação de condiçõespara um sistema eficiente de inovação emnível regional em que o desenvolvimentodos clusters seria apenas uma parte. “Aju-dar as firmas a se relacionar entre elas etambém com os produtores de conheci-mento, por meio das universidades e esco-las profissionalizantes, por exemplo, assimcomo coordenar diferentes políticas eatores institucionais é provavelmente amelhor maneira de o setor público inter-vir, como tem sido demonstrado em umgrande número de regiões européias

A produção de roupas começa com o corte do teci-

do, que então é costurado. Às vezes a peça recebe a

aplicação de bordados. Depois é lavada, limpa dos

restos de fios, recebe os botões e está pronta para

ser embalada.

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maior de incrementar vendas e reduzircustos, “mas agora isso já transcende apreocupação com o incremento da pro-dutividade e estamos trabalhando paradesenvolver o capital social, que é a auto-confiança dos empresários, a confiançaentre eles e a confiança no governo. Essastrês coisas são os pilares da cooperação”.

Competitividade O incentivo aos APL noBrasil também faz parte dos interesses doBanco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), que atua em toda a AméricaLatina. O especialista do Fundo Multila-teral de Investimentos (Fumin), adminis-trado pelo BID, Claudio Cortellese, expli-ca que o Fumin está apoiando algumasiniciativas-piloto com conglomerados,num trabalho conjunto com o Sebrae. Pa-ra ele, utilizar o conceito de cluster para apromoção da competitividade pode serútil porque permite concentrar as ações

que ex is tam l i deranças for tes com cred ib i l i dade perante a comun idade

nos aspectos essenciais que limitam ocrescimento de várias empresas. “Entre asmedidas que permitiriam o aumento dacompetitividade está o desenvolvimentodas capacidades tecnológicas das empre-sas. O investimento para isso é muito altoe,principalmente quando se pensa nas pe-quenas e médias empresas, fica claro quequando os investimentos acontecem noâmbito de um território, num cluster,podem ser mais eficientes”, diz. Para ele, éimportante que a política para o setorpriorize os setores em que o país tem maischances de ser competitivo. “É precisoconcentrar-se nas numerosas oportuni-dades que o Brasil claramente tem paradesenvolver seu sistema produtivo”, dizCortellese.

O trabalho com APL, como explica oprofessor José Cassiolato, coordenador daRede de Pesquisa em Sistemas Produtivose Inovativos Locais (Rede Sist), compõe as

políticas industriais mais modernas domundo.“As políticas industriais atuais têmse voltado para os arranjos. São políticasdescentralizadas e com foco na inovação.Os acordos da Organização Mundial doComércio (OMC) favorecem isso, já querestringem os instrumentos de inter-venção do Estado em uma política indus-trial mais tradicional. Assim, as exceçõessão as políticas regionais, as políticas tec-nológicas e as de meio-ambiente.”No Bra-sil, o apoio aos APL faz parte da PolíticaIndustrial, Tecnológica e de ComércioExterior (PITCE), lançada em marçodeste ano pelo governo.

Quando foi elaborado o Plano Pluria-nual (PPA) de 2004 a 2007, identifica-ram-se inúmeras ações do governo emcurso. Para 2004, onze entidades haviamprevisto investimentos de 1,8 bilhão dereais, segundo dados do Grupo de Tra-balho Permanente (GTP) de Promoção

Jeans, o tecido que movimenta a vida na cidade goiana de Jaraguá

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E s t á em d i s c u s s ã o a p r o p o s t a d e uma p o l í t i c a d e a p o i o g o v e r n ame n t a l a o s

de Arranjos Produtivos Locais. O GTPfoi criado no início de 2003, quandoficou claro para o governo que era pre-ciso unir esforços, evitando a superpo-sição de ações e de recursos para ummesmo objetivo e criando uma políticaúnica para o tema. O GTP é coordenadopelo Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior (MDIC) ereúne 23 entidades, sendo doze minis-térios, que têm algum tipo de envol-vimento com o tema.

Políticas Uma conferência organizadapelo grupo em agosto deste ano levantouas necessidades e os desafios para umapolítica nacional sobre o assunto. Um dosprincipais pontos do debate foi exata-mente a dificuldade em se estabelecer umapolítica nacional única para o setor, já quecada APL tem características singulares.Existem alguns problemas comuns àmaioria dos arranjos brasileiros, como aescassez de financiamento, o baixo inves-timento em tecnologia, a dificuldade deacesso ao mercado tanto externo comointerno, e a falta de capacitação empresa-rial e dos trabalhadores.Além, é claro, dosentraves que dificultam o crescimento emtodos os setores: juros altos, carga tri-

O caso do arranjo produtivo de Jaraguá,cidade de Goiás que se especializou na confec-ção de roupas de jeans, é interessante porquemostra de que maneira os empreendedores des-cobrem sua vocação, como ela se desenvolve ecomo, afinal, os agentes produtivos constatam,empiricamente, que a união faz a força.

Lá pelos idos de 1980, Jaraguá era uma ci-dade goiana como tantas outras: vivia da agro-pecuária e passava por dificuldades, já que asfazendas não absorviam toda a mão-de-obra e ostrabalhadores rurais migravam para o centro ur-

bano. A tendência era de aumento da pobreza,inchaço da cidade e vários outros males comunsem situações semelhantes. Mas a chegada deuma família de onze irmãos, que aprendera alfa-iataria com o pai, mudou a história. Os Pereira daSilva começaram a produzir roupas para a popu-lação local e perceberam que havia demanda pa-ra seu serviço. Assim, cada irmão criou sua em-presa e o negócio se expandiu. Em pouco tempo,muito mais gente estava envolvida. Ex-funcio-nários, que aprendiam o ofício, saíam para mon-tar empresas independentes.

Desde então a abertura de novas empresasé constante. Atualmente existem cerca de 400fábricas de jeans na cidade, 178 delas formal-mente estabelecidas.A produção tem a peculiari-dade de contar com muita terceirização. As con-fecções, muitas vezes, têm apenas o tecido e odesenho da peça.Tudo o mais é feito por outros.O investimento necessário para a abertura de umempreendimento é pequeno.

Muitos recém-casados ganham de presentedos amigos os primeiros equipamentos paracomeçarem seus negócios. O serviço é quase

Vocação e união fazem a força de Jaraguá

butária pesada e infra-estrutura precária.Para evitar criar um modelo único, queacabe restringindo a criatividade, o GPTescolheu 11 APL que servirão como áreasde experimentação (veja a relação na pági-

na 36), para definir orientações que levemem conta especificidades regionais ousetoriais.

Mansueto de Almeida é um dos defen-

sores de que as soluções devem ser especí-ficas e localizadas.Ele cita o caso dos váriosclusters de calçado que existem no país,cada um com desafios diferentes.“No casodos arranjos de Vale dos Sinos (RS) e deFranca (SP), as empresas já estão bem es-truturadas e o próximo passo é investirmais em design e na exportação de marcaspróprias. Já nos clusters de Nova Serrana

Jaraguá, em Goiás, tem cerca de 400 fábricas de jeans, das quais mais da metade é informal

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comunidade e não impõe uma solução decima para baixo. Não será fácil para o go-verno federal articular a ação dos órgãosfederais com os governos estaduais e mu-nicipais e com a comunidade, atendendode maneira rápida e eficiente às necessi-dades dos arranjos. Mas se a máquina es-tatal não for excessivamente lenta e fizer asua parte, a criatividade e o empreende-dorismo do povo brasileiro ficam livrespara se manifestar.

A P L . E l a d e v e r á r e s p e i t a r a s i n g u l a r i d a d e d e c a d a c a s o

deixar de trabalhar com as empresas in-formais em APL. Segundo o diretor da Se-cretaria de Desenvolvimento da Produçãodo MDIC e coordenador do GTP, CarlosGastaldoni,“o primeiro objetivo é capaci-tar as empresas para depois exigir a for-malização”. É uma linha de ação que podedar resultados, pois empresas em estadoembrionário talvez não tenham condiçõesde arcar com o custo da formalização. Re-nata de Oliveira, de Jaraguá, é dona deuma pequena indústria de bordados.Gostaria de formalizar a sua empresa co-mo prestadora de serviços, pois a cargatributária é adequada ao seu padrão errá-tico de receitas.

Competitividade A solução encontradapelo GPT para que a política do governopossa ser eficiente em todos os casos,cuidando das demandas específicas decada um, foi propor que os atores locaisestabeleçam, em discussão com as enti-dades envolvidas,quais são as prioridades.Cada APL deverá elaborar um Plano deDesenvolvimento que contemplará as me-tas do arranjo.A partir daí o governo daráo seu apoio, sempre exigindo contra-partidas das empresas.

A idéia parece boa, já que respeita a

(MG) e Campina Grande (PB), o objetivoimediato é fazer com que as empresassaiam da informalidade e melhorem aqualidade dos produtos. É esse tipo deintervenção localizada que o governo deveseguir para estimular pequenas empresasnos arranjos em diferentes estágios”, diz.Apreocupação com a especificidade tam-bém é importante por causa do grande pe-so das lideranças locais nos APL. Luís Fer-nando Tironi, pesquisador do Ipea e coor-denador do livro Industrialização Descen-tralizada: Sistemas Industriais Locais, dizque a iniciativa pode ser do governo fede-ral, mas se não houver uma motivação dosagentes locais, não adiantará.“É necessáriolidar com situações que exigem conheci-mentos específicos e o comportamentodas pessoas, assim como o histórico da lo-calidade, influi muito em todo o processo.”

Incentivar o amadurecimento dosAPL, tendo como primeiro passo a for-malização das atividades, pode ser a chavedo sucesso. Em Toritama, por exemplo,97% das empresas são informais. EmJaraguá, muitas se formalizaram, mas asempresas que terceirizam a produção dasconfecções, fazendo acabamentos, borda-dos e outros serviços, são quase todasinformais. O governo diz que não irá

sempre feito nas casas. A exceção são as lavan-derias, que exigem maior capital.

Nos primeiros anos do arranjo,os comercian-tes de Jaraguá vendiam suas mercadorias para oscaminhoneiros que passavam na vizinha rodoviaBelém-Brasília.Assim, atingiram mercados distan-tes, no Norte e Nordeste do país. Durante a déca-da de 1980, a qualidade da confecção das indús-trias de Jaraguá foi melhorando e, em meados dadécada de 1990, os produtos já eram considera-dos muito bons. O problema é que, de maneira ge-ral, não tinham marca própria.A cidade vivia prin-

cipalmente da falsificação de produtos similaresaos de marcas nacionais famosas, como Zoomp eFórum. O sucesso alcançado com base na pira-taria e na informalidade não durou muito tempo.“Quanto mais o mercado de Jaraguá se expandia,mais agentes externos ao município, especial-mente representantes comerciais, entravam narede de relações, tornando cada vez mais frágeisos laços de confiança e controle”, explica LenitaTurchi, pesquisadora do Ipea.

No ano de 2000 a cidade sofreu um grandenúmero de calotes de compradores.Terezinha Di-

vina Batista começou sua pequena confecção, aRosa d’Ouro,em 1982,com seu marido,Antônio El-cides Batista. Quando ainda era informal, levoumuito prejuízo ao receber cheques sem fundo semter como acionar o sistema judiciário.A Rosa d’Ou-ro sobreviveu, mas outras empresas foram à falên-cia. Além disso, as donas das marcas que vinhamsendo copiadas descobriram a origem da falsifica-ção, fizeram denúncias e a fiscalização chegou aJaraguá. Hoje, a maioria das confecções da cida-de é formalizada e seu projeto é transformar Jara-guá no maior pólo de produção de jeans do país.

Site do MDIC:

http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/s

dp/proAcao/arrProLocais/arrProLocais.php

Site da RedeSist

http://www.sinal.redesist.ie.ufrj.br

Ou leia o livro:

Industrialização Descentralizada: Sistemas

Industriais Locais

Coordenador: Luís Fernando Tironi

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),

2001

Saiba mais sobreAPL pela internet,nos seguintesendereços:

d

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S e r g i o M o r e i r aARTIGO

oje, no Brasil, há em marcha umprocesso de convergência das institui-ções governamentais na formulaçãodas estratégias de abordagem, na

escolha dos focos prioritários e na implemen-tação de ações nos aglomerados produtivos, emtodo o país, com o objetivo de construir umambiente amigável à produção. Esse processode convergência extrapola o âmbito governa-mental, englobando atores do mercado e do ter-ceiro setor. É uma novidade extremamente po-sitiva quando se conhece a crônica incapaci-dade de coordenação e alinhamento entre osdiferentes níveis de governo ou mesmo entreinstituições de um mesmo governo.

A partir da década de 1980, o Brasil passou aconviver com taxas de crescimento medíocres,insuficientes até para a geração de postos de tra-balho que acompanhassem a expansão inercialda população economicamente ativa (PEA).Ainda que submetidas a um ambiente macro-econômico adverso, comunidades desenvolve-ram-se por vezes à revelia dos governos e atémesmo ao arrepio da lei. Não são poucos osexemplos bem-sucedidos de comunidades,espalhadas por todo o território nacional, queforjaram com suas próprias forças a transfor-mação radical, para melhor, de suas realidades.Se foi assim na adversidade de um ambientehostil à produção, podemos considerar umaperspectiva bastante otimista para o futuro se,de fato, funcionar o esforço coordenado demúltiplas instituições trabalhando com foconos arranjos produtivos locais (APL)1.

Mas há um problema monumental a enfren-tar: temos poucos APL quando consideramosque ao menos 90% dos brasileiros não estãoinseridos em aglomerações produtivas eleitas.São os empreendedores e as empresas formaisde setores geograficamente difusos, os empre-endedores e os trabalhadores da economia in-formal e os excluídos sociais, para os quais nãoforam concebidas estratégias consistentes deinclusão produtiva.

Quantos APL existem no Brasil? Não sesabe; depende do conceito que se adote. O

Sebrae, uma das primeiras instituições a incor-porá-los como prioridade, trabalha em cerca de150 territórios. Já os mais rigorosos, aqueles queidealizam os APL mais próximos da definiçãodos clusters dada por Michael Porter, conside-ram que não alcançamos nem uma dezena dearranjos evoluídos. Paulo Haddad, um dos pio-neiros na investigação desta matéria, adota umconceito bem mais generoso e elástico, denomi-nando-os arranjos incipientes ou potenciais declusters de sobrevivência, o que amplia substan-cialmente o universo de localidades e setoresprodutivos a serem atingidos.

As políticas de priorização dos APL são tãonecessárias quanto insuficientes e, sobretudo,não se constituem por si só numa estratégia dedesenvolvimento para o país, a menos que nãose tenha aprendido com os equívocos monu-mentais cometidos num passado não tão dis-tante, dos tempos “de primeiro fazer crescer obolo para só depois dividi-lo”. A ênfase exclusi-va ou excessiva nos APL constitui-se numa sériaameaça ao desenvolvimento deles próprios. Amobilidade populacional que caracteriza oBrasil demonstra que não é possível manter“ilhas” de prosperidade isoladas do resto dopaís. Os mais antigos exemplos seriam as mega-lópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro.Mais recentemente, em menor escala, mas emgrande proporção, Petrolina, Joinville e Brasíliacomprovam o poder de atração exercido pelospólos dinâmicos.

Para o desenvolvimento do país e para obom futuro dos APL, impõe-se criar políticasde inclusão produtiva tão poderosas quanto àdos APL, focadas nos segmentos amplamentemajoritários da PEA, mas que estão distantesdos setores mais dinâmicos da economia.

Sergio Moreira é assessor do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento

1. Conforme a definição proposta pela RedeSist (Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivose Inovativos Locais sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio deJaneiro), arranjos produtivos locais (APL) são aglomerações territoriais de agenteseconômicos, políticos e sociais com foco em um conjunto específico de atividadeseconômicas que apresentam vínculos mesmo que incipientes.

Nem tudo é APL

“A mobilidade

populacional que

caracteriza o Brasil

demonstra que não

é possível manter

‘ilhas’ de prosperidade

isoladas do

resto do país”

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A Plataforma Lattes, banco de

dados sobre pesquisa científ ica

criado há cerca de cinco anos no

Bras i l , desper ta o interesse

internacional

GESTÃO DE CONHECIMENTO

uando precisou encontrar umconsultor que pudesse avaliarum projeto venezuelano naárea de saúde, com possibili-

dade de desenvolvimento de patentesem interferon, uma proteína produzidapelo organismo que é usada no trata-mento de hepatite C e alguns tipos decâncer, Rebecca De Los Rios, assessorade pesquisa em saúde da OrganizaçãoPan-Americana da Saúde, baseada emWashington, levou uns poucos cliquesde mouse para descobrir o nome dabrasileira Erna Geessien Kroon, quetinha 21 patentes registradas no Institu-to Nacional de Propriedade Intelectualna área de virologia.

O engenheiro eletricista e pesquisadorCarlos Eduardo Guarenti Martins viveuexperiência semelhante. Precisava mon-tar uma relação de especialistas que pu-dessem vir a trabalhar na promoção depalestras, de treinamento e de futurasparcerias da indústria de motores elétri-cos WEG, de Jaraguá do Sul, SantaCatarina. Em apenas quatro horas, sem seafastar do computador, ele reuniu empouco mais de 50 páginas nome, perfil epublicações dos integrantes dos princi-

de pesquisaCatálogo

Roberto Pacheco, do Grupo Stela, e a equipe que está desenhando a expansão da Plataforma Lattes

Q

p o r L i a Va s c o n c e l o s , d e B r a s í l i aEduardo Marques/Tempo

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pais grupos de pesquisa em máquinaselétricas no Brasil.

Histórias de sucesso como essas,contadas no livro ainda não publicadoPlataforma Lattes: uma biografia, daUniversidade Federal de Santa Catarina(UFSC), são freqüentes e só foram pos-síveis graças a um conjunto de sistemasde informação, bases de dados e portaisvoltado para auxiliar na gestão do conhe-cimento relativo à produção científicabrasileira – justamente a PlataformaLattes. Ela é a principal fonte de registrosde ciência e tecnologia do país, com 447mil currículos (veja quadro ao lado) e 20mil grupos de pesquisa cadastrados. Parase ter uma idéia, uma rápida pesquisaindica que existem hoje no Brasil 162grupos de pesquisadores que estudamtransgênicos, 54 cujo objeto é a educaçãofundamental e 245 grupos que trabalhamcom saúde pública.

Vitrine Em apenas cinco anos de ativi-dade a plataforma, fruto da parceria entregoverno e universidades, é ao mesmotempo vitrine e espelho da produção tec-nológica, científica e artístico-cultural dopaís. Nela são registrados por profes-sores, pesquisadores, estudantes, gestorese demais interessados em ciência, tec-nologia e inovação, currículos, grupos depesquisa e projetos, formando uma enor-me base integrada de informação. O site éaberto e o acesso às informações, gratui-to. A plataforma venceu neste ano o Prê-mio E-Gov, iniciativa do Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão, des-tinado aos melhores serviços oferecidospor órgãos governamentais por meio dainternet, na categoria governo para cida-dão, e está sendo exportada para outrospaíses. A premiação é merecida, pois aPlataforma Lattes serviu como instru-mento para que a comunidade científicacompartilhasse informações, evitandoações repetitivas.

O próximo passo, no planejamentodo Ministério da Ciência e Tecnologia(MCT), é a expansão desta plataforma

com uma interface que servirá de suporteà integração entre empresas, universidadese centros de pesquisa.Isso se dará por meioda Plataforma Dumont (em homenagema Santos Dumont), cujo projeto pilotodeverá ir ao ar no início de 2005, com aparticipação de 16 empresas voluntárias.Elas informarão suas necessidades de ca-pacitação especializada, oportunidades epráticas de colaboração, problemas tec-nológicos e também avaliarão os gargalosdas cadeias produtivas em que atuam.Além disso, o projeto contará com oacesso às bases Lattes mas com uma con-figuração de consulta e apresentação deresultados especificamente projetadapara a melhor compreensão do empre-sário. “Em vez de apresentar o resuméacadêmico, a plataforma Dumont deverádar ênfase à experiência na interaçãocom empresas e na liderança de equipes.

O crescimento donúmero de currículosregistrados*

Fonte: Grupo Stela

1999

44.192

2000

89.962

2001

107.904

2002

231.309

2003

312.266

2004

447.000

*dados de setembro de cada ano

A distribuição dos doutores por áreas de atuação

Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq)

Ciência da C

omputação

3%

Outros 54%

Psicologia3%

Geociências3%

Economia

3%

Engenharia elétrica5%

Educação 5%

Física 5%

Química 6%Ag

rono

mia

6%

Med

icin

a7%

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Não foi à toa que o Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) fez uma homenagem a Cesar Lattesao batizar o conjunto de sistemas de infor-mações, bases de dados e portais voltadospara a gestão de ciência e tecnologia comseu nome. Lattes é um dos mais importantescientistas brasileiros e desempenhou papeldefinitivo na catalisação dos esforços quelevaram à criação do Conselho Nacional dePesquisa, CNPq, em 1951.

Nascido em 1924, em Curitiba, CesareMansuetto Giulio Lattes, filho de imigrantesjudeus italianos, é conhecido mundialmentecomo um dos responsáveis pela descobertado méson pi, a partícula subatômica que ga-rante a coesão do núcleo do átomo. O feitomarcou o início da física de partículas ele-mentares ou física de altas energias. Assimque se formou, o cientista trabalhou com fí-sica teórica na Universidade de São Paulo,mas essa área não o satisfazia, e ele decidiuse dedicar à física experimental.

Em 1946 foi trabalhar na Universidadede Bristol, na Inglaterra, onde já estava o fí-sico italiano Giuseppe Occhialini, que haviaconhecido no Brasil. No laboratório, Occhia-lini pesquisava novas partículas em um ace-lerador sob o comando do britânico CecilPowell. Lattes propôs que substituíssem o a-celerador por raios cósmicos, que continham

muito mais energia. Essa radiação poderiaregistrar rastros das partículas em chapasfotográficas com bórax, um composto doelemento químico boro. Occhialini ia passarférias nos Pireneus, uma cadeia montanhosaeuropéia, e Lattes pediu que ele levasse al-gumas das novas chapas. De volta a Bristol,a boa nova: duas marcas eram as primeirasprovas da existência do méson pi, um bomcomeço, mas ainda insuficiente. A existênciadessa partícula havia sido deduzida em1935 pelo japonês Hideki Yukawa, mas atéaquela data nunca havia sido vista.

Lattes teve então a idéia de fazer o ex-perimento no monte Chacaltaya, nos Andesbolivianos, a 5,5 mil metros de altitude. Dei-xou as chapas na Bolívia e um mês depois,quando voltou para buscá-las, encontrou asevidências definitivas. Voltou a Bristol e foienviado a um simpósio em Birmingham paraapresentar a descoberta. Na mesma época,uma das mais importantes revistas científi-cas do mundo, a inglesa Nature, publicou umartigo do brasileiro sobre o assunto. Os no-mes de Lattes e da equipe de Cecil Powellestavam, assim, definitivamente inscritos nahistória da física. Aposentado pela Univer-sidade Estadual de Campinas, pela Universi-dade Federal do Rio de Janeiro e pelo CentroBrasileiro de Pesquisas Físicas, Lattes hojevive em Campinas, no interior de São Paulo.

46 Desafios • novembro de 2004

A n t e s q u e o s i s t e m a d a

Na outra extremidade, a comunidadetécnico-científica terá acesso aos desafioscolocados pelas empresas”, explica Ro-berto Pacheco, coordenador do GrupoStela, ligado à UFSC, um dos principaisresponsáveis pelo desenvolvimento dasplataformas Lattes e Dumont. O Minis-tro da Ciência e Tecnologia, EduardoCampos, sustenta que a Plataforma Du-mont será um espaço virtual de interlo-cução entre empresários, profissionais dosetor tecnológico, pesquisadores e técni-cos, que facilitará parcerias, “o que é es-sencial para o surgimento da inovaçãotecnológica”.

O Lattes, que foi construído com o in-vestimento de cerca de 15 milhões de reais,chamou a atenção de outros países eserve de modelo para uma rede de coo-peração internacional – a Rede ScienTI(Rede Internacional de Intercâmbio deFontes de Informação e em Gestão deCiência, Tecnologia e Inovação), ideali-zada para padronizar e compartilhar in-formações e metodologias de gestão so-bre ciência, tecnologia e inovação daAmérica Latina, do Caribe e dos paísesda Península Ibérica. A entidade foi cria-da em dezembro de 2002 em Florianó-polis, Santa Catarina, e conta com a par-ticipação de 11 países. Tudo começou em2000, quando o Centro Latino-America-no e Caribenho de Informações emCiências da Saúde, órgão ligado à Orga-nização Pan-Americana de Saúde, convi-dou o Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico(CNPq) para uma reunião com autori-dades dos governos da região para co-nhecer experiências locais em gestão dainformação.

Intercâmbio A Colômbia já usa o sistemade currículos e o diretório de grupos depesquisa traduzidos para o espanhol hácerca de um ano e meio. O Chile, há seismeses, o Peru, há quatro e a lista de paísesainda inclui Argentina, Equador, Panamá,Venezuela, Paraguai e Portugal. Uruguai,México e Cuba já manifestaram seu inte-

Homenagem merecida

Cesar Lattes e o almirante Álvaro Alberto, professor da Escola Naval e representante do Brasil na

Comissão de Energia Atômica da ONU, em 1961

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Plataforma Lattes fosse implantado os pesquisadores v iv iam afogados em formulários

resse, assim como os franceses do Obser-vatório de Informação em Ciência e Tec-nologia. Por fornecer a tecnologia e me-todologia, o Brasil tem acesso às informa-ções geradas por esses países. No encontroda criação da Rede ScienTI, Carlos Ber-nardo, representante do governo portu-guês, afirmou “que o Brasil ofereceu aPortugal a possibilidade de utilizar a Pla-taforma Lattes, permitindo-nos evitar quevoltemos a inventar a roda. Muito maisentusiasmante que a racionalidade dessacooperação, que se justifica por si própria,é a possibilidade de se poder integrar eajudar a desenvolver uma comunidade”.Afinal, a Rede ScienTI viabilizará umasérie de intercâmbios internacionais entreos países participantes. “O espírito brasi-leiro de socialização da informação em

contrapartida ao jeito de encarar a infor-mação como produto de alguns paísespossibilitou que saíssemos na frente”,acredita Geraldo Sorte, coordenador geralde informática do CNPq.

“A plataforma foi pensada dentro doCNPq no enorme esforço de informati-zação da agência de fomento. Circulavampor ano 2,5 milhões de documentos ládentro e a possibilidade de perda eragrande. Foi preciso uma profundamudança na concepção da informação”,conta Evando Mirra, presidente doCentro de Gestão e Estudos Estratégicos(CGEE) e presidente do CNPq entre1999, ano do lançamento da plataforma,e 2001. “O começo foi muito penosoporque representou uma mudança deparadigma, de cultura. Hoje, fico muito

feliz com os resultados”.Antes que a novidade fosse implanta-

da, a vida do pesquisador era muito maiscomplicada. Ele vivia afogado em mi-lhares de formulários diferentes. Desde afundação, em 1951, o CNPq exige oenvio de informações curriculares parasubsidiar as atividades de avaliação. Oformulário 168, um dos instrumentos decoleta de informação mais conhecidos daera pré-Lattes, foi criado no final dosanos 1980. A cada solicitação de apoio, ocandidato enviava pelo correio uma novaversão do seu currículo, que era recebido,codificado, datilografado ou digitado eprocessado em três cópias em papel noCNPq. A escala típica do processo era de10 mil currículos para cada edital dechamada de propostas. Doze anos depois

Geraldo Sorte, coordenador-geral de informática do CNPq: reunião com o Centro Latino-Americano e Caribenho de Informações em Ciências da Saúde

Ricardo B. Labastier/Sorvo

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A base de dados da plataforma é uma fonte de conhecimento sobre ciência e tecnolog ia

foi lançado o BCurr, versão eletrônica doformulário 168. O processamento conti-nuou o mesmo, mas em vez de papéis,milhares de disquetes chegavam ao CNPqem caixas trazidas pelos Correios. Lá, eleseram impressos e anexados aos processos.O BCurr permaneceu como principal fer-ramenta de informações curriculares até1999, chegando a uma marca de 35 milcurrículos.

Havia também o MiniCurrículo, de-senvolvido em regime emergencial paraatender o julgamento de bolsas de dou-torado. Paralelamente, outras agênciasexigiam dos pesquisadores formas dife-rentes de informação. O Ministério deCiência e Tecnologia tinha o Cadastro Na-cional de Ciência e Tecnologia (CNCT)para os cerca de 600 pedidos anuais doPrograma de Apoio Científico e Tecno-lógico. A Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior(Capes) exigia, para avaliação dos cursosde pós-graduação, o preenchimento deinformações com o aplicativo ExeCapes,até 1995, e depois com o DataCapes, tam-bém conhecido como Coleta.

Ou seja, a multiplicidade de formu-lários impunha grandes volumes de retra-balho para manter atualizados vários do-cumentos que tinham pontos em comum,mas não se comunicavam.“No começo de1999, o então ministro Luiz Carlos BresserPereira, depois de assumir o MCT e apresidência do CNPq no final do anoanterior, decidiu descontinuar todos osprojetos e elegeu a plataforma Genos,nome do Lattes antes da integração com aCapes, como plataforma nacional”, lem-bra Pacheco. Segundo ele, além de con-templar as atividades de fomento, a pla-taforma levou em conta a visão de 385consultores técnico-científicos que opina-ram sobre o que consideravam impor-tante em um currículo em ciência, tecno-logia e inovação.“É um sistema sem igualcomo fonte de informação”, diz MárioSérgio Salerno, diretor de estudos setoriaisdo Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea).

Currículos Depois da implantação do sis-tema de currículos, vários outros módulosforam incorporados à plataforma como,por exemplo, o diretório dos grupos depesquisa no Brasil, o diretório de insti-tuições e o Lattes institucional, que podeser adotado pelas instituições conformesuas necessidades.A intenção, afinal, é queessa base de dados seja usada como fontede conhecimento sobre ciência e tecnolo-gia. Além da análise do estado-da-arte dapesquisa brasileira, é possível conhecerpadrões da atividade nacional, tais comoconfiguração das redes de pesquisa, rela-cionamentos institucionais, priorizaçãode temas de trabalho, entre outros. “Por

meio da plataforma é possível acompa-nhar com transparência e rapidez paraonde estão indo os recursos das agênciasde fomento e do governo”, observa Mirra.“É uma ferramenta essencial na descober-ta e análise das redes sociais de pesquisa.Por meio dela,é possível entrar nas teias derelações e qualificá-las de acordo com suanatureza”, diz Pacheco.

Saiba mais:

Lattes: http://lattes.cnpq.br

Rede ScienTI: www.scienti.net

Grupo Stela: www.stela.ufsc.br

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Evando Mirra, presidente do CGEE

Ricardo B. Labastier/ Sorvo

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ARTIGO R i c a r d o C a r n e i r o

m olhar sobre a evolução do investi-mento na última década revela aspec-tos peculiares na sua dinâmica. Paraalém do seu baixo patamar, evidencia-

se a sua instabilidade. O padrão revelado é o deciclos de expansão com duração e variação cadavez menores, caracterizando-se assim a insus-tentabilidade. Por isso, a recente recuperação daeconomia brasileira tem ensejado um debate so-bre a perenidade da retomada, cujo requerimen-to seria a ampliação, em bases duradouras, do pa-tamar de investimentos. Para examinar essa pos-sibilidade cabe considerar os traços dessa re-cuperação e o papel da política macroeconômica.

Nos determinantes do crescimento, sobres-sai-se a centralidade das exportações líquidas, re-sultante do seu crescimento após 2002 a taxasem torno de 25% ao ano, e da contração das im-portações. A partir desse impulso engendrou-se, em 2004, a ampliação do investimento e doconsumo das famílias. O curioso não é o fato dasexportações líquidas terem implicado a eleva-ção do gasto interno, mas o seu retardamentoante um impulso de tal magnitude. Em boa me-dida isso resultou da política macroeconômicacontracionista do período 2002/2004.

Há consenso sobre a necessidade de se am-pliar o investimento para dar sustentação à in-cipiente retomada. Menos ênfase é dada a outrofator de grande relevância: o aumento do con-sumo das famílias. Um e outro expressam a im-portância do mercado interno cujo papel sobres-sai-se numa economia continental como abrasileira. Assim, para transitar para o cresci-mento sustentado é necessário substituir as ex-portações pelo investimento e pelo consumo do-mésticos, como fontes de dinamismo. Os obs-táculos ao aumento do investimento decorremda incerteza sobre a trajetória da economia as-sociada a fatores estruturais (vulnerabilidadeexterna e dívida pública) amplificados pelo ma-nejo da política macroeconômica. Num quadrode instabilidade estrutural, a política macroeco-

nômica, ao privilegiar a obtenção de taxas deinflação muito baixas e a redução da dívida pú-blica, minimiza elementos de incerteza, mas re-cria-os noutro plano.

A volatilidade da taxa de câmbio introduzuma série de inseguranças na decisão de inves-timento. Para o conjunto das atividades expor-tadoras ela significa uma ampliação na impre-visibilidade das receitas. Nos segmentos quepossuem alta competitividade, como o agrone-gócio, isso não representa maior dificuldade.Para a exportação de manufaturados, em que acompetição é mais acirrada, implica em maiorrisco e cautela na decisão de investir. No caso doinvestimento direto estrangeiro, as flutuações afe-tam, em simultâneo, as receitas e o valor do in-vestimento, tornando-o ainda mais arriscado.

Taxas de juros elevadas são um poderoso de-sestímulo à ampliação do investimento. O aspec-to principal a destacar é a noção de custo deoportunidade. No caso brasileiro oferece-se ta-xas de juros elevadas em títulos de alta liquideze baixo risco que constituem uma alternativa aoinvestimento produtivo. Ademais, os juros altosencarecem o crédito e reduzem os impactos dasantecipações de gasto sobre a demanda.

Outro aspecto da política macroeconômicadiz respeito à tentativa de reduzir a dívida pú-blica através da obtenção de elevados saldosprimários e da eliminação do déficit operacio-nal.Além do caráter contracionista dessa políti-ca, cabe assinalar o crescente sacrifício do inves-timento público, visível na deterioração da infra-estrutura, cuja ampliação constitui um dosprincipais requisitos para a assegurar o cresci-mento sustentado. Dada a natureza do setor, di-ficilmente a ampliação dos investimentos serárealizada sem uma decisiva participação pública,o que é contraditório com a atual magnitude dosaldo primário.

Ricardo Carneiro é professor do Instituto de Economia e Diretor do Centro

de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP

A insustentável trajetória do investimento

“Para transitar

para o crescimento

sustentado é

necessário substituir

as exportações líquidas

pelo investimento

e pelo consumo

domésticos, como

fontes de dinamismo”

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portou 70 mil toneladas além desse volume.A oferta formal fei-ta pelos europeus para todo o Mercosul, em setembro, momen-to do impasse nas negociações, foi de 100 mil toneladas, sendo60 mil na primeira etapa. Uma segunda etapa estaria sujeita aosresultados da Rodada de Doha da Organização Mundial doComércio (OMC). Leve-se em consideração que o Brasil produz7,3 milhões de toneladas de carne bovina e exporta 1,1 milhãode toneladas.

Negociação Em cortes de frango, a quota brasileira atual é de ape-nas 7,1 mil toneladas anuais, sendo que o Brasil destinou àEuropa, em 2003, cerca de 250 mil toneladas. Juntando-se as car-nes de peru, os volumes atingiram 300 mil toneladas. Portanto, asvendas do país para os europeus estiveram bem acima do limiteestabelecido. O Brasil produz 7,5 milhões de toneladas de carnede frango e exporta para o mundo todo 1,9 milhão de toneladas.Os europeus ofertaram aos quatro sócios do Mercosul umaquota de apenas 75 mil toneladas de carne de aves (frango, peru eoutras aves), sendo 45 mil toneladas na primeira etapa.

Qual a relevância, hoje, de um acordo entre o Mercosul e aUnião Européia, que formaria a maior zona de livre comérciodo mundo com 29 países e cerca de 700 milhões de habitantes?Depois de cinco anos de negociação, que teve seus momentos de

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COMÉRCIO EXTERIOR

setor da economia brasileira que mais lamentou o de-sacordo entre a União Européia (UE) e o Mercosul pa-ra concluir as negociações comerciais, cujo prazo fatalera o final de outubro, foi o agronegócio. É fácil enten-

der por quê. A UE é o principal mercado importador dos pro-dutos agrícolas brasileiros.Alguns itens que o Brasil exporta pa-ra aquele bloco e nos quais é altamente competitivo, como ascarnes (bovina e de frangos), o açúcar e a banana, estão sujeitosa quotas estabelecidas em níveis muito baixos. Se o Brasil, ter-ceiro maior exportador agrícola mundial, dissesse sim às pe-quenas quotas tarifárias oferecidas pela União Européia, estariaaceitando condições que impediriam o crescimento das expor-tações brasileiras, hoje bem acima dos volumes contingenciados.Além disso, o Mercosul quer que a administração das quotasfique com os exportadores e não com os importadores europeus,conforme sugere a UE.

Nas carnes, os volumes contingenciados são tão pequenos ea demanda é tão grande, que o Brasil exporta volumes acima doslimites da quota pagando as tarifas mais elevadas impostas pelaUnião Européia (a tarifa ad valorem extraquota é de quase 100%para a carne refrigerada desossada e de 176,7% para carne con-gelada desossada). O Brasil tem direito a uma quota de cinco miltoneladas anuais de carne bovina de alta qualidade na UE e ex-

interessesJogo de

O aco r do e n t r e a Un i ã o E u r opé i a e o Me r co su l d e p ende d a Rodada d e Doha

P o r M a r i a H e l e n a T a c h i n a r d i , d e S ã o P a u l o

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otimismo, esperança, perda de ambição e impasse, aumentou aimportância da conclusão de um acordo birregional de comér-cio porque se acelerou no mundo a formação de grandes blocoseconômicos e se acirrou a disputa por preferências comerciaisnaqueles mercados. Atualmente, segundo levantamento doInstituto de Estudos do Comércio e Negociações Interna-cionais (Ícone), são 298 os acordos preferenciais de comérciono mundo, sendo que 241 são intra-regionais (82 na Europa, 59nas Américas, 51 na Ásia-Pacífico e 22 na África). Os demaissão 61 acordos recíprocos inter-regionais e 23 não-recíprocos.Portanto, é inevitável a marcha em direção ao regionalismo eao bilateralismo.

Negociar, porém, não é fácil. O Brasil tem uma pauta de co-mércio com produtos agrícolas sensíveis nos grandes mercados,e competitividade em vários setores industriais, como têxteis,aço, calçados, papel e celulose. Não é simples negociar com as po-tências comerciais, que são protecionistas. O país termina 2004com duas negociações regionais fracassadas (a da Área de LivreComércio das Américas – Alca – e a do acordo UE-Mercosul),cujas conseqüências deverão ser sentidas no futuro. Sem as ne-gociações, o ritmo de crescimento das exportações brasileiraspoderá não se sustentar no futuro. É por meio das negociaçõesque se consegue redução dos subsídios domésticos, eliminação

dos subsídios à exportação, queda de tarifas e redução dos obs-táculos de ordem sanitária e fitossanitária. Deve-se levar em contaque o tempo das negociações é normalmente mais longo que odo comércio (exportações e importações). Uma rodada multila-teral ou uma rodada regional pode demorar de cinco a dez anos– e outros dez anos poderão ser necessários para a implementa-ção dos acordos.

Na reunião ministerial de Lisboa, em 20 de outubro, ficoudefinido que as negociações UE-Mercosul continuarão no pri-meiro trimestre de 2005, já com os novos Comissários euro-peus – o britânico Peter Mandelson, do Comércio, que substi-tuirá Pascal Lamy, e a dinamarquesa Mariann Fischer Boel, daAgricultura, que ocupará o lugar de Franz Fischler.

Interesse Na opinião da especialista em política agrícola euro-péia e pesquisadora do Grupo de Economia Mundial do Insti-tuto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), GéraldineKutas, o interesse da UE pelo Mercosul não vai diminuir porquemudou a Comissão Européia. “Estou convencida de que a Co-missão está buscando apoio de outros blocos nas negociaçõesda OMC e que o Brasil é um ator-chave por seu papel no G-20(grupo formado por países em desenvolvimento). Um acordocom o Mercosul ajudaria muito nesse sentido. Mas não creio que

O ministro das Relações Exteriores Celso Amorim (à dir.) e o grupo que participou da reunião entre Mercosul e União Européia, em Lisboa

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O i n t e r e s s e e u r o p e u e s t á n a a b e r t u r a d e m e r c a d o s p a r a s e u s p r o d u t o s

População 221 milhões

PIB 570 bilhões de euros

PIB per capita 2.580 euros

Área 11,8 milhões de km2

MercosulArgentina, Brasil, Paraguai e Uruguai

Exportações 2003

25,8 bilhões

de euros

15,6 bilhões

de euros

Fonte: União Européia

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Mandelson aceitará um acordo light”, analisa. Mandelson clas-sificou o Mercosul como prioridade número quatro de sua ges-tão. Ele estará preocupado com o conteúdo do acordo, mais doque com os prazos, lembra o empresário Ingo Plöger, presi-dente pelo Mercosul do Mercosur-European Business Fórum(MEBF), órgão empresarial criado em 1999 para facilitar os ne-gócios entre os dois blocos. O presidente do lado europeu é GuyDolé, presidente da Arcelor. O MEBF tentou até a última hora queos dois blocos se comprometessem com um acordo com as me-lhores ofertas já feitas até agora, e depois concluíssem as negocia-ções dentro de três a quatro meses.

Propostas Ao mesmo tempo em que o calendário pressionavapor uma definição sobre o acordo, o setor privado não queria aassinatura de qualquer documento com propostas irrisórias por-que há interesses enormes em jogo.Vários cálculos surgiram nosúltimos meses sobre os custos de oportunidades. Um deles, apedido do Itamaraty, é do pesquisador do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), Honório Kume. Seu estudo revelaque ao final de dez anos, se o acordo birregional se concretizassecom as últimas ofertas formais colocadas sobre a mesa (e com aadministração das quotas tarifárias nas mãos dos importado-res), as exportações brasileiras teriam um incremento de 649 mi-lhões de dólares, somente levando-se em consideração a primeiraetapa. O ganho seria de 393 milhões de dólares excluindo-se oetanol, produto cuja exportação para a Europa pode se ma-terializar independente do acordo.“Seria um ganho pequeno”,avalia Kume. Entretanto, segundo estimativas do Ministério daAgricultura, estão em jogo na negociação pelo menos 2,5 bi-lhões de dólares de ganhos adicionais de receita de exportaçãosomente para o agronegócio brasileiro. E o MEBF chegou àconclusão de que com a melhora do acesso a mercados para oscem produtos mais exportados, haveria o ganho anual de 2,5bilhões de dólares para o Mercosul e igual quantia para a Eu-ropa, ao final do período de implementação total do acordo.“Isso representaria um adicional de 1,5% ao PIB do Mercosul”,diz Plöger.

Prioridade O interesse do lado europeu prende-se à abertura demercados no Mercosul para seus produtos industriais, serviços,investimentos e participação nas compras governamentais. Em2002 a agricultura representou apenas 3% do total exportadopela União Européia para o Mercosul. Os principais produtosembarcados foram vinhos e demais bebidas alcoólicas, malte eazeite de oliva. Em contrapartida, a UE absorve 35% de todas asexportações agrícolas do Mercosul, que representam 48% de tu-do o que o bloco vende para os europeus.

A UE tem interesse em liberalizar todas as áreas, enquanto oMercosul é ofensivo em produtos agrícolas, mas procura defen-der setores da indústria e de serviços.“Queremos um acordo am-

i n du s t r i a i s , se r v i ços e i n ves t imen tos . O Mercosu l quer de fender esses se to res

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1999 2001 2003

Importações 2,7% 2,8% 3%

Exportações 3,3% 2,8% 1,8%

Participação dos 25 países da União

Européia no comércio exterior do Mercosul

bilhões de euros

Produtos agrícolas 13,5

Energia 0,44

Material de transporte - 1,4

Produtos químicos - 2,7

Máquinas e equipamentos - 3,5

Mercosul tem saldo positivo nos negócios

com produtos primários

Mercosul X União EuropéiaSaldo do comércio exterior

Investimentos europeus em quedaSaldo dos investimentos diretos dos 15 países da União Européia no Mercosul em bilhões de euros

2000

2001

2002

25,9

16

4,9

População 445 milhões

PIB 9.610 bilhões de euros

PIB per capita 21.100 euros

Área 4 milhões de km2

União Européia25 países membros

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Os p r odu to s ag ro i n d u s t r i a i s d o Me r cosu l s ã o um t r u n fo a s e r u s ado em Doha

O transporte de cabotagem no Mercosul está permitido ape-nas para as empresas nacionais,lembra Aznar,explicando que umnavio europeu não pode deixar mercadorias em Santos, rumarpara Buenos Aires, carregar e seguir para a Europa. Em comprasgovernamentais, diz o conselheiro comercial, “não pedimos aoMercosul que abra áreas que por políticas nacionais não podemser abertas,mas muitas das compras que ocorrem não têm produ-ção local e é preciso buscar fornecimento no exterior”. A Europapode apresentar ofertas mais baratas e beneficiar o orçamentopúblico. Nos serviços financeiros, comenta a fonte empresarial,não há regras claras de entrada e de crescimento no mercado.“Fica cada vez mais evidente a necessidade de mais Mercosul oude maior harmonização de políticas entre os quatro sócios”, pon-dera, aludindo a um dos fatores que teria pesado no fracasso danegociação birregional: a fragilidade do bloco do Cone Sul, ondeestão expostas as assimetrias entre os quatro sócios.

Precedente O embaixador brasileiro junto à União Européia,José Alfredo Graça Lima, está convencido de que o interesse doseuropeus é concluir o acordo com o Mercosul antes de a Roda-da de Doha terminar. Isso criaria o precedente das quotas tari-fárias na negociação birregional, o que legitimaria a reforma daPolítica Agrícola Comum (PAC) e ajudaria Bruxelas a negociarproteção para seus produtos sensíveis na OMC. A PAC prevê aeliminação dos subsídios à exportação, o que está sujeito agesto semelhante por parte dos EUA, e maior disciplina noapoio interno (subsídios aos produtores domésticos). Diantedessa pretendida liberalização, restaria à Europa como meca-nismo de proteção adotar quotas para os seus produtos sensí-veis. Os mesmos temas do apoio interno e dos subsídios à ex-portação estão sendo discutidos na Rodada, que também terá deadotar modalidades de acesso a mercados. Uma dessas modali-dades, para produtos sensíveis, podem ser as quotas. Portanto,no raciocínio de Graça Lima, os europeus gostariam de fixarquotas mais baixas para produtos agrícolas no acordo com oMercosul, um conjunto de países dos mais competitivos do pla-neta nesse setor. Mas se na Rodada ficarem definidos critérios eregras para quotas, interessaria ao Mercosul esperar que issoaconteça porque o bloco teria mais vantagens em matéria de pre-ferências por ser competitivo. Graça Lima vê nos produtos sen-síveis agroindustriais do Mercosul uma espécie de trunfo, quedeve ser usado da melhor maneira possível na Rodada e no acor-do com os europeus.

A importância da Rodada de Doha para o acordo UE-Mercosul cresceu. “A nova Comissão Européia terá de avaliarcomo complementar os dois processos”, diz Aznar. Para GraçaLima, se os dois blocos não forem ambiciosos na negociaçãobirregional, é melhor para o Mercosul negociar acesso a merca-dos no multilateral, que serviria de patamar para o acerto comos europeus.

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O embaixador do Brasil junto à EU, Graça Lima, está certo de que os europeus

querem fechar o acordo com o Mercosul antes de Doha

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bicioso, uma área de livre-comércio segundo a definição daOMC (que envolva ‘substancialmente todo o comércio’)”,destacaJorge Peydro Aznar, conselheiro para assuntos comerciais da Co-missão Européia no Brasil. Os europeus acharam a oferta feitapelo Mercosul inaceitável, segundo Géraldine Kutas. “A últimaoferta propõe que o volume de comércio de bens industriais paraliberalização completa seja de 77%, quando na oferta passada obloco propunha liberalizar 88%”, lembra.

A UE teve um déficit comercial de 6 bilhões de euros com oBrasil em 2003, e um saldo negativo de 10,5 bilhões de euros nointercâmbio com o Mercosul (veja quadro na pág. 52). O comércioentre os dois blocos somou 37,5 bilhões de euros no ano passa-do. No setor de serviços, a relação é equilibrada: o Brasil expor-tou 3,1 bilhões de euros para a UE e importou de lá 3,3 bilhões.

Indefinição A prioridade são os serviços financeiros, de teleco-municações e de transporte marítimo. Nesses segmentos, a UEdeseja ampliar a sua participação no Mercosul e consolidar ascondições de acesso existentes, isto é, evitar que a indefiniçãodo quadro regulatório prejudique as empresas européias no fu-turo. Elas pedem regras estáveis em relação a operações de pres-tação de serviços públicos. “Serviços pressupõem economiasmais articuladas, e é aí que se evidenciam as disparidades intra-Mercosul. Há países que não têm ainda o marco regulatório e háempresas que enfrentam problemas de seqüência das privatiza-ções por meio da gestão de contratos de concessão dos serviços.No Brasil, o marco avançou em alguns setores e está sendo revistoem outros. Em telecomunicações, o marco de operação de presta-ção de serviços e de concessão é bem definido porque o processode privatização foi completo.Já em energia,ainda existe a presençaforte do Estado”, afirma uma fonte empresarial européia.

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L u c i a n a A c i o l yARTIGO

partir dos anos 1990 o Brasil e a Chinaintroduziram mudanças nos respecti-vos marcos regulatórios para o capitalestrangeiro de modo a atrair investi-

mento direto externo (IDE). Os resultados forambastante distintos quanto à natureza e direçãoque assumiram os investimentos atraídos. No ca-so do Brasil, o IDE foi elevado nos anos 1990, masdiminuiu depois da crise de 1999. Concentrou-se nos serviços (finanças e telecomunicações) eesteve fortemente vinculado à aquisição de em-presas públicas e privadas. No caso da China oIDE, significativo e crescente, concentrou-se naatividade industrial e foi predominantementedo tipo greenfield, mais voltado para as exporta-ções. As conclusões preliminares de um estudoem andamento no Ipea1 que compara as polí-ticas adotadas no Brasil, na China e na Índiamostram que as diferenças observadas na quan-tidade, e principalmente na qualidade (contri-buição para o desenvolvimento) do investimen-to estão estreitamente relacionadas ao papel quecada país lhe atribuiu dentro de estratégias dedesenvolvimento e de integração à economiamundial.

A China enveredou por uma estratégia de de-senvolvimento que tinha como um dos seus ele-mentos centrais o marco regulatório para tratardos capitais externos, para integrar-se à econo-mia mundial através do comércio e do IDE. As-sim, a partir de 1979 o investimento direto foiautorizado em setores considerados prioritários(prospecção geológica e exploração de petróleoe gás; têxtil e vestuário e imobiliário), e na se-gunda metade dos anos 1980, os setores inten-sivos em mão-de-obra foram substituídos porsetores intensivos em tecnologia e em capital(química, maquinaria, equipamentos de trans-portes e eletrônica). Como resultado, a Chinaatraiu uma quantidade expressiva de greenfieldinvestment para a fabricação de máquinas e equi-pamentos.Na segunda metade da década de 1990

o IDE concentrou-se na indústria eletrônica e detelecomunicações.

A China foi seletiva em função dos objetivosda política industrial. A abertura da economiafoi permitida apenas na modalidade IDE (em-préstimos e portfólio foram severamente restri-tos). Foi mantida a inconversibilidade da moeda.As empresas estrangeiras foram incentivadas aexportar. E a proteção de uma taxa de câmbioreal competitiva permitiu a adoção de políticasmonetárias mais frouxas e a expansão do crédi-to. Contaram a favor do país o timing da adesãoà Organização Mundial do Comércio (OMC), aausência de endividamento externo e o seu es-tágio de desenvolvimento.

Como outros latino-americanos, o Brasiladotou nos anos 1990 uma estratégia baseada naabertura financeira que pressupunha a conver-gência das estruturas produtivas e da produtivi-dade de sua economia em direção às economiasavançadas, desde que fossem removidos todosos obstáculos ao livre movimento de capitais eimplementada a desregulamentação do merca-do financeiro. Isso engendrou um tipo de inte-gração à economia internacional via abertura daconta de capitais, em que a regulação do IDE vi-gente até os anos 1980 perdia o sentido. As mu-danças institucionais criaram uma oferta de ati-vos atraentes e contribuíram para o aumento dosinvestimentos de portfólio e de IDE em ser-viços. Na indústria de transformação, tais mu-danças (com raras exceções) liberaram os fluxosfinanceiros das filiais para o exterior. A políticaeconômica acabou dificultando as políticas demodernização industrial, em que o papel doIDE teria sido outro que não o de cobrir os défi-cits em conta corrente. Permitiria uma inserçãointernacional mais virtuosa.

Luciana Acioly é pesquisadora do Ipea

1. Inserção Externa Brasileira: Políticas de Atração de Investimento Direto Externo

Políticas para o investimento direto externo

“A estratégia adotada

pelo Brasil dificultou

as políticas de

modernização

industrial, em que o

papel do IDE teria

permitido uma

inserção internacional

mais virtuosa”

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presas que conseguem emitir menos doque permitido por suas cotas podemvender o crédito àqueles que não con-seguem, ou não desejam, limitar suasemissões. Pelo mecanismo de Implemen-tação Conjunta, qualquer país industria-lizado pode adquirir de outros unidadesde redução de emissões resultantes deprojetos destinados a diminuir a produ-ção de gases do efeito estufa, e computaras reduções em suas cotas.

O MDL, incorporado ao Protocolopor sugestão da delegação brasileira queparticipou das negociações em Quioto,ajuda os países em desenvolvimento aatingir um crescimento sustentável e, aomesmo tempo, contribui para o objetivofinal do Protocolo. Os países industriali-zados podem comprar reduções de emis-sões certificadas geradas por projetos nospaíses em desenvolvimento, e utilizá-las

para o cumprimento de suas metas. Adivisão entre países industrializados e emdesenvolvimento foi estabelecida no textodo Protocolo para determinar os que se-riam obrigados a reduzir suas emissões.No primeiro grupo estão 39 países –União Européia, Estados Unidos, Japão eIslândia, entre outros –, e no segundoestão os demais.

Por enquanto, o Brasil e outros paísesem desenvolvimento não têm compro-missos formais com a redução de emis-sões de gases de efeito estufa (leia o quadro

na página 59). Cabe aos industrializados,historicamente grandes emissores, assu-mir compromissos relativos ao controledo aquecimento global. O MDL é, por-tanto, o mecanismo que pode gerar maisoportunidades para o Brasil. “Não sabe-mos se o Brasil é competitivo nesse mer-cado. Poderá se tornar um grande expor-

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O mundo começa a negociar os créditos resultantes

da redução da emissão de po luentes antes

mesmo que o Protoco lo de Qu ioto entre em v igor

MEIO AMBIENTE

m novo mercado se delineia noplaneta: a compra e venda decréditos de emissões de carbo-no. Estimativas do Banco Mun-

dial (Bird) indicam que esse negóciopoderá movimentar 10 bilhões de dólaresem 2010. O Brasil pode ficar com até 10%desta quantia,graças às condições climáti-cas e à existência de espaço para implantarprojetos de reflorestamento,de uso de bio-massa para produzir energia e outras for-mas de retirar o excesso de gás carbônicoda atmosfera. Com a intensa industrializa-ção dos últimos 150 anos houve grandeaumento das emissões de dióxido de car-bono, metano e óxido nitroso, os princi-pais gases que produzem o efeito estufa, oaumento da temperatura da atmosfera, epodem provocar mudanças permanentese irreversíveis. O Protocolo de Quioto (leia

quadro na página 59) prevê que até 2012 ospaíses industrializados reduzam em 5% asemissões de carbono em relação a 1990. Oacordo internacional deve entrar em vigorno ano que vem, mas já proliferam pelomundo iniciativas de comercializaçãodesses créditos.O objetivo é reduzir as setebilhões de toneladas de carbono que sãolançadas todo o ano na atmosfera.

Transações Empresas da Europa e daAmérica do Norte investem em novastecnologias e na geração de energia limpaa partir de fontes renováveis. Quem nãoconseguir cumprir as metas, ou não qui-ser, poderá comprar créditos pela redu-ção de emissões em projetos de plantioou regeneração de florestas, pois as árvo-res absorvem dióxido de carbono en-quanto crescem, armazenando-o sob aforma de biomassa (no jargão técnico, aisso se denominou 'seqüestro' de carbo-no). Os mercados já operam com a lógi-ca criada pelo Protocolo e as transaçõessão feitas de acordo com três mecanis-mos previstos no documento: o Comér-cio de Emissões, a Implementação Con-junta e o Mecanismo de Desenvolvimen-to Limpo (MDL). No modelo do Comér-cio de Emissões, aqueles países ou em-

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Uma onda noar

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de exploração de

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O potenc ia l bras i le i ro de geração de projetos de seqüestro de carbono é enorme.

Álcool Outra possível fonte de renda estáno álcool combustível. A iniciativa priva-da poderia expandir a área plantada paraaumentar a produção de álcool com-bustível para os novos carros que rodamtanto com gasolina quanto com álcool.Com isso, até 2010 a emissão de cerca de28 milhões de toneladas de carbono seriaevitada, o que equivaleria a 140 milhõesde dólares, se a tonelada de carbono fossevendida a cinco dólares, média de preçoque vem sendo negociado nos EUA. Ou-tra possibilidade é investir no biodiesel,combustível renovável gerado a partir deóleos vegetais novos ou usados. A regula-mentação da substituição do diesel pelobiodiesel na proporção de 2% nos novoscombustíveis deve acontecer até o finaldeste ano. De acordo com especialistas, ouso do biodiesel evitaria que 78% das cer-ca de 2,7 milhões de toneladas de poluen-tes por metro cúbico geradas pelo dieselfossem lançadas na atmosfera, o que re-presentaria uma receita de 8,5 milhões dedólares por ano.

Critérios Os representantes da ComissãoInterministerial avaliam cada iniciativaapresentada por organizações não-gover-namentais e empresas de acordo comcinco critérios: distribuição de renda; sus-tentabilidade ambiental local; desenvolvi-mento de condições de trabalho e geraçãode emprego; capacitação e desenvolvi-mento tecnológico; e integração regionale articulação com outros setores. Até omomento a Comissão aprovou duas ini-ciativas (leia o quadro na página 60). Atramitação leva, em média, 60 dias. Apósa aprovação, os projetos são encami-nhados ao Conselho Executivo do Meca-nismo de Desenvolvimento Limpo doProtocolo de Quioto, com sede em Bonn,na Alemanha.

Os 75 projetos MDL que já foramencaminhados para o Conselho Execu-tivo do Mecanismo de DesenvolvimentoLimpo do Protocolo de Quioto vêm de 26países. A principal região fornecedora é aAmérica Latina (35), seguida pela Ásia

tador de créditos de carbono, mas Chinae Índia serão grandes concorrentes”, dizAugusto Jucá, analista de projetos do Pro-grama das Nações Unidas para o Desen-volvimento (Pnud).

“Esses países têm uma vantagem,já quetêm matrizes energéticas sujas, que depen-dem da queima de carvão mineral. Há es-paço para desenvolver muitos projetosnessa área”, diz José Miguez, coordenadorgeral de mudança global do clima doMinistério de Ciência e Tecnologia (MCT)e secretário executivo da Comissão Inter-ministerial criada para examinar os proje-tos brasileiros de venda de créditos de car-bono. Muitas oportunidades podem serencontradas no setor de energia, com asubstituição do uso do carvão mineral, oudo petróleo, por energias renováveis, ge-rando créditos de carbono. China e Índia,que usam muito carvão e petróleo, têmvantagens sobre o Brasil, visto que boaparte da matriz energética brasileira já élimpa – 27% da geração é por biomassa e14% é por hidrelétricas. Por outro lado,qualquer melhoria na geração de energiana China ou na Índia fará uma grande di-ferença nos níveis de poluição do planeta.

Energia É enorme o potencial brasileiropara projetos de seqüestro de carbono eequivalentes, por meio de novos reflores-tamentos e de soluções que emitam me-nor quantidade de gases na atmosfera.Aterros sanitários que transformam ometano em energia elétrica e a melhoriade processos internos nas indústrias sãodois exemplos. O Programa de Incentivosàs Fontes Alternativas de Energia Elétrica(Proinfa), programa coordenado peloMinistério de Minas e Energia (MME)que está em fase inicial, objetiva incen-tivar a adoção de energias renováveis pormeio da contratação de 3,3 mil MW(Megawatt) de energia gerados por fonteeólica, por biomassa e por pequenas cen-trais hidrelétricas. O MME estima quenovas fontes renováveis evitarão a emis-são de 2,5 milhões de toneladas de gáscarbônico por ano.

(29), África (6), Leste Europeu (3) e Ca-ribe (2). Apenas Brasil e Índia, hospedam27 iniciativas que representam 73 milhõesde um total de 131 milhões de certifica-dos de redução de emissão gerados pelosdos projetos.

“O risco de se estar fora desse mercadoé tão maior que todo mundo decidiuaprender a jogar o jogo antes mesmo deele começar para valer”, acredita Jucá.Muitos mercados independentes e parale-los já existem ou estão começando a seestruturar. “O esforço internacional estásendo muito grande. O número de agen-tes é considerável”, diz Marcelo Poppe,consultor do Centro de Gestão e EstudosEstratégicos, vinculado ao MCT. Paísescomo Canadá, Dinamarca, RepúblicaTcheca, França, Alemanha, Japão, Ho-landa, Noruega e a Suécia já criaram seusmercados, que prevêem reduções basea-das nos três mecanismos do Protocolo. Omaior programa nacional pertence aoReino Unido, em que as empresas redu-zem suas emissões em troca de um des-conto de 80% no valor da taxa de con-sumo de energia comercial e industrial. Agrande expectativa é o Esquema de Co-mércio de Emissões da União Européiaque entra em vigor em janeiro de 2005 eprevê que as 12 mil empresas européiasmais poluidoras reduzam suas emissões.A multa para a empresa não cumpridoradas metas será de 40 euros por toneladade carbono até 2007 e, a partir de 2008, de100 euros por tonelada. Em maio desteano a tonelada estava sendo cotada entresete e oito euros no mercado europeu.

Bolsa A Bolsa do Clima de Chicago(CCX, da sigla em inglês), que já contacom 70 participantes entre empresas co-mo Ford, Motorola e Dupont, é tambémum importante espaço de negociação. NaBolsa, a tonelada de carbono é vendidacomo qualquer outra commodity e vemsendo negociada a 1,20 dólar. Para parti-cipar, as empresas comprometem-se coma redução das emissões de gases e nãopodem se desligar até 2006, data de encer-

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Va i d e r e f l o r e s t am e n t o s a a t e r r o s s a n i t á r i o s d e b a i x o p o t e n c i a l p o l u e n t e

Saiba mais sobre oProtocolo de Quioto

Adotado por consenso na Conferên-cia das Partes, em 1997, o Protocolo deQuioto determina que os países industria-lizados que mais emitem gases de efeitoestufa reduzam suas emissões em média5% entre 2008 e 2012, em relação aosvalores de 1990. No ano que vem come-çará a rodada de negociações para defi-nir a segunda fase do acordo, que deveincluir outros países. Para que o Proto-colo entre em vigor é necessário que eleseja ratificado por pelo menos 55 inte-grantes da Convenção, incluindo paísesindustrializados que respondam por, pelomenos, 55% das emissões de dióxido decarbono de 1990.

A primeira condição já foi cumpridacom a ratificação de 122 países ao docu-mento. Depois de longa espera, a segundacondição também deverá ser satisfeita,com a aprovação do acordo pela Rússia,uma vez que sem ela os países industriali-zados que haviam ratificado o instrumen-to representavam apenas 44,2% dasemissões. A Rússia é responsável por17,4 por cento. Em outubro o parlamentorusso aprovou o acordo que foi enviadopara assinatura do presidente VladimirPutin. Com isso o Protocolo de Quioto po-derá entrar em vigor ainda em novembro.

Os Estados Unidos, responsáveis por36,1% das emissões de poluentes dospaíses industrializados, estão fora doacordo. A justificativa é a de que o custoda adesão seria muito alto: 400 milhõesde dólares e 4,9 milhões de empregos.Mas apesar da recusa do governo ameri-cano, até o momento 28 estados já desen-volveram planos de ação para a reduçãode emissões de gases. Eles contribuempara o fortalecimento do mercado de car-bono global, seja porque os mercadoslocais já interagem com o mercado inter-nacional, ou porque têm a perspectiva deinteragir no futuro.No alto, duas práticas que estão sendo combatidas: a emissão de gases e o desmatamento. Embaixo, a flo-

resta de eucalipto de Mucuri, no sul da Bahia, da Suzano (à esq.) e a floresta de pinus e eucalipto paranaense

da Klabin, ambas indústrias brasileiras de papel e celulose

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ramento das atividades da Bolsa. Alémdisso, pagam uma taxa de adesão e umataxa anual para manter a estrutura daBolsa. Desde que foi criada, em outubrode 2003, a CCX teve um aumento signi-ficativo no número de negociações. Emdezembro do ano passado, foram 30 miltoneladas em créditos de carbono. Emjaneiro deste ano o volume saltou para 80mil toneladas e em fevereiro para 400 miltoneladas.As negociações acontecem pelainternet e são bilaterais, ou seja, com-prador e vendedor conversam e chegam aum acordo.

Duas empresas brasileiras do setor depapel e celulose participam da CCX, aKlabin e a Suzano. “Credenciamos cincomilhões de toneladas de carbono e esta-mos esperando o melhor momento paranegociar”, diz André Dorf, diretor de de-senvolvimento e novos projetos da Suza-no, que espera conseguir os créditos dos39 mil hectares de florestas de eucaliptoplantados no Espírito Santo e na Bahia.“O processo de aprovação do projeto pelaCCX é muito rígido. É preciso provar que

60 Desafios • novembro de 2004

Desde a criação da Bolsa do Cl ima de Chicago, em 2003, as negociações de créditos

A Comissão Interministerial no âmbito doMecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL),relacionado ao Protocolo de Quioto, aprovou doisprojetos em junho deste ano. Ambos prevêem acaptação do gás metano liberado naturalmentede aterros sanitários privados e sua posteriortransformação em energia elétrica. Juntos, oNova Gerar, em Nova Iguaçu (RJ), e o Vega, emSalvador (BA), deverão reduzir suas emissõesem 30 milhões de toneladas de CO2 e equiva-lentes em vinte anos, podendo obter cerca de150 milhões de dólares no mercado de créditosde carbono.

No Nova Gerar, aterro com capacidade parareceber até 1,5 mil tonelada de lixo por dia, ogás será canalizado e queimado.A expectativa égerar eletricidade, reduzindo as emissões em 14

milhões de toneladas de CO2 nos próximos 21anos – 10% da energia será doada à prefeituralocal e o restante será vendido a um grande con-sumidor da região. “Entre o estudo inicial e aaprovação da Comissão Interministerial foramquatro anos”, conta Pablo Fernandez, consultorda Ecosecurities, parceira do projeto. O registrojunto ao Conselho Executivo do Mecanismo deDesenvolvimento Limpo do Protocolo de Quiotofoi pedido em setembro. Se não houver nenhumadiscrepância na documentação, a aprovação de-verá sair no começo de novembro.A partir daí, oprojeto será monitorado anualmente por umaempresa certificadora credenciada pelo Conse-lho Executivo e o comprador receberá os crédi-tos negociados.

Segundo Fernandez, as duas principais difi-

culdades foram a elaboração da metodologia ea obtenção da carta de aprovação do governobrasileiro. “A cada momento a Comissão pediaum documento e quando conseguimos a carta,vimos que vinculava a validade do projeto àaprovação do Protocolo de Quioto. Isso emperrouas negociações que já estavam sendo feitas comalguns fundos, mas é normal, já que o governoestá começando a estruturar o processo”, dizFernandez.A carta não foi alterada, mas o fundoholandês com o qual a Nova Gerar estava nego-ciando aceitou o projeto. Os créditos que serãogerados pelo aterro até 2012, equivalentes acinco milhões de toneladas de carbono, já foramnegociados.

O projeto da empresa Vega, em Salvador,também prevê captação e queima do gás meta-

Projetos aprovados

a floresta era antes uma área degradada.Aqualquer momento, a Bolsa pode solicitaruma auditoria”, explica Dorf. A Klabincredenciou a venda de dois milhões detoneladas de carbono provenientes de dez

mil hectares de florestas de pinus e eu-calipto plantados no Paraná. No total, aempresa tem 190 mil hectares de florestasplantadas e aproximadamente de 120 milhectares de área de preservação. “Demo-

Esquema efeito estufa

Radiaçãosolar

Chegana superfície

Parte é ref letida devolta ao espaço

Parte é absorvidapela atmosfera

Irradiada devolta à superfície

Absorvidapela atmosfera

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Calor irradiado da superfície

A T M O S F E R A

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ramos cerca de cinco meses para elaborarnosso projeto de seqüestro de carbono”,conta Reinoldo Poernbacher, diretor flo-restal da companhia. Segundo ele, essevolume é uma estimativa que será audita-da por uma empresa credenciada pelaCCX. “Só podemos negociar 80% dosdois milhões de toneladas até a compro-vação de que houve carbono excedente.Se o projeto não conseguir absorvertanto carbono, a Klabin arcará com adiferença.”

A Ecosecurities, empresa sediada emOxford, na Inglaterra, e fundada por umbrasileiro e um sócio norte-americano,ajuda outras companhias a criar e venderseus créditos de carbono.“Já trabalhamoscom cerca de 100 projetos em 80 países.Temos cerca de 20% do mercado mundialde créditos de carbono, que hoje gira emtorno de 700 milhões de dólares porano”, diz o sócio brasileiro Pedro Mourada Costa. O Bird administra cinco fundosque somam 500 milhões de dólares parainvestimento em créditos. “As dificul-dades foram muitas já que o mercado é

novo e as regras ainda não estão clara-mente definidas. Houve um diálogo in-tenso entre as empresas, ONGs e gover-nos para definir que tipo de projeto iría-mos aprovar”, conta Werner Kornexl,economista ambiental do Bird. De acordocom estudo da instituição, os principaiscompradores são empresas japonesas e ogoverno da Holanda, enquanto os maio-res fornecedores são a Ásia e a AméricaLatina. “O Brasil vai ter que brigar muitopor esse mercado e sempre bate aquelaincerteza: os preços da tonelada de carbo-no ainda devem subir consideravelmente,será que é hora de entrarmos nesse negó-cio?”, indaga Ronaldo Seroa da Motta,coordenador de estudos de regulação doIpea.

Processos De acordo com os especialis-tas, os projetos possuem um alto custo detransação e só valem a pena se a geraçãode certificados de emissões cobrir o gasto.A falta de uma estrutura eficiente paragarantir o fluxo de análise dos projetos éapontada como uma barreira, assim

de carbono sal taram de 30 mi l toneladas mensais para 400 mi l toneladas

no. Embora a área seja de 2,5 milhões de metrosquadrados, o espaço reservado ao aterro será de600 mil metros quadrados, que receberão cercade 850 mil toneladas de resíduos domésticos porano. Está prevista a captação e destruição de19% a 24% do metano emitido no aterro.

O aterro sanitário é, de acordo com espe-cialistas, o método de destinação do lixo maisadequado à grande maioria dos municípios bra-sileiros, uma vez que confina o lixo no menor es-paço possível, causando um mínimo de impactoambiental. Mas apenas 13,8% das cidades têmaterros, segundo a Pesquisa Nacional de Sanea-mento Básico de 2000. Isso significa que existeum grande potencial de crescimento na cons-trução e operação de aterros sanitários no paísnos próximos anos.

como a indefinição sobre o tratamentoque os créditos de carbono receberão:seriam eles commodities ou um serviçoambiental? Haveria incidência de impos-to? Como se vê, as dúvidas ainda sãomuitas, mas uma coisa é certa: ninguémquer ficar fora deste jogo em que as regrassó serão definidas depois de começada apartida.

Ministério de Ciência e Tecnologia:www.mct.gov.br/clima

Carbon Finance:www.carbonfinance.org

Carbon Sequestration Leadership Forum: www.cslforum.org

Ecosecurities:www.ecosecurities.com

Point Carbon:www.pointcarbon.com

Bolsa do Clima de Chicago: www.chicagoclimatex.com

Saiba Mais:

Vista aérea do aterro sanitário Nova Gerar, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro

Divulgação

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A u g u s t o J u c á ARTIGO

uando ainda sobreviviam sombras edúvidas sobre sua viabilidade política,a recente aprovação do Protocolo deQuioto pela câmara baixa do parla-

mento russo renova a esperança de que o mi-lênio não dispensará os mecanismos voltadospara a cooperação global.

Cria-se para os países em desenvolvimentoum mercado de exportação para o qual há com-pradores certos e desejosos. Ao reduzirem do-mesticamente as emissões de gases de efeitoestufa os países em desenvolvimento têm noProtocolo um arcabouço legal e comercial quetorna possível vender “as emissões que nuncaaconteceram”. Com sua matriz energética lim-pa, a capacidade do Brasil em competir nessemercado é menor do que a da China e a da Ín-dia, que devem se tornar os dois campeões na“exportação de créditos de carbono”. Mesmoassim, o volume de divisas para o Brasil é signi-ficativo e os setores interessados rogam que aspolíticas públicas incrementem o ambiente quese antecipa favorável. Seria atitude louvável umavez que o Protocolo estipula quantidade eperíodo fixo para a demanda de reduçõesadvindas dos países desenvolvidos.

É curioso que o Mecanismo de Desen-volvimento Limpo (MDL) se torne operacionalquando o Brasil busca nas parcerias público-privado um promotor do desenvolvimento. OMDL é um exemplo mais que perfeito da par-ceria público-privado: ganha o público com odesenvolvimento sustentável em suas três di-mensões clássicas (social, ambiental e econô-mica) e ganha o privado pela exportação de umproduto derivado de seu negócio principal. Aoinvestir na eficiência de processos produtivos, osetor privado, além dos ganhos normais dobinômio produtividade-competitividade, podelevar “de troco” os recursos da venda dos créditosde carbono. Contudo, para que sejam validadoscomo “carbonos-exportação”, as atividades quecausaram as reduções devem contribuir para o

desenvolvimento sustentável no país de origem.Sendo “desenvolvimento sustentável” um con-ceito que pode assumir significado particularem cada país, coube a cada um definir normasque legitimem os “carbonos-exportação” nomercado global.

Diante de tantos benefícios cabe perguntar:o que pode impedir o Brasil de se colocar nessemercado? Alguns pontos podem ser explo-rados:

Sendo comum o financiamento das expor-tações, não seria plausível destinar à exportaçãode créditos de carbono um tratamento seme-lhante? Além da óbvia contribuição pela ge-ração de divisas, dilata-se para o setor produti-vo a recompensa da eficiência e cria-se umambiente de aprendizado.

O segundo ponto diz respeito à capacitaçãodos setores produtivos no uso do MDL. Sendoo Protocolo inovador e pioneiro, teme-se que naausência de ações promotoras a geração decréditos de carbono concentre-se apenas nasgrandes empresas.

Por último, o Brasil pode ainda forneceruma visão empreendedora de como o Estadopode conduzir as reduções de gases de efeitoestufa com a inversão de recursos públicos.Ainda a se comprovar na prática, o Programa deIncentivo às Fontes Alternativas de EnergiaElétrica (Proinfa) indicou esse caminho queincorpora, quando cabível, o MDL nos investi-mentos públicos.

Certo é que uma visão estratégica das opor-tunidades advindas de Quioto deve prevalecersobre aquelas preocupadas apenas em taxar osativos de carbono. Apesar dos retrocessos cau-sados pelo infortúnio de 11 de setembro, oProtocolo de Quioto vem nos lembrar que estemilênio será admirável pelas novas idéias, acomeçar por essa em que a cooperação permiteexportar aquilo que nunca será.

Augusto Jucá é analista de projetos do Pnud

Protocolo de Quioto: exportando tudo aquilo que nunca será

“O Mecanismo de

Desenvolvimento

Limpo é um exemplo

mais que perfeito

da parceria

público-privado: ganha

o público com o

desenvolvimento

sustentável e ganha o

privado pela exportação

de um produto derivado

de seu negócio

principal”

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Um est ímulo para que os pesquisadores discutam PRÊMIO IPEA-CAIXA 2004

Talentos

P o r P e d r o I v o A l c a n t a r a , d e B r a s í l i a

reconhecidosão é de hoje que a discussão e análise de problemasfundamentais para que o Brasil atinja um estágio decrescimento economicamente promissor e socialmen-te sustentável permeiam os debates público, acadêmi-

co e político na sociedade brasileira. Para fomentar a busca desoluções, o Ipea, em uma parceria com a Caixa EconômicaFederal e com o apoio operacional da Escola de AdministraçãoFazendária (Esaf) e da Associação Nacional dos Cursos de Pós-Graduação em Economia (Anpec), premiaram em outubro 14monografias, entre 473 inscritas por estudantes universitários e

profissionais de diversas áreas de atuação. Os trabalhos são rela-tivos a temas ligados à realidade brasileira: A Superação das De-sigualdades, Os Desafios das Políticas Sociais e O Desafio doCrescimento Econômico.

O Prêmio Ipea–Caixa 2004 distribuiu 112,5 mil reais paraos dois primeiros colocados em cada um dos três temas, dividi-dos ainda nas categorias Estudantes de Graduação (5 mil reaispara o primeiro lugar e 2,5 mil reais para o segundo) e DemaisProfissionais (20 mil reais para o vencedor e 10 mil reais para osegundo colocado). “Esta é certamente uma das maiores pre-

N

Arquivo Ipea

Jovens pesquisadores foram incentivados pelo prêmio Ipea/Caixa a desvendarem os caminhos do desenvolvimento do país

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so luções para o desenvo l v imento econômico e soc ia l sustentado

40 anos delineando caminhos para o Brasil

Desde sua criação, em 1964, o Ipea assumiu a importantefunção de traçar rumos para o desenvolvimento econômico e so-cial sustentável do país. O instituto faz 40 anos com uma históriamarcada por trabalhos significativos integrados à própria his-tória do Brasil, entre eles a participação ativa nos dois primeirosPlanos Nacionais de Desenvolvimento (PND), entre 1972 e 1985.Desde então, o Ipea tem sido peça-chave na delimitação das for-mulações de políticas para a nação detectando problemas eapontando soluções viáveis.

Primeiramente denominado de Escritório de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Epea) e vindo a receber a denominação atualem 1990, o órgão foi criado com a idéia de se instituir um grupode trabalho composto por técnicos brasileiros de alto nível econsultores internacionais. Os trabalhos realizados por esse cor-po técnico serviram de subsídio para a construção de políticaspúblicas, a partir da implantação de um sistema contínuo de aná-lises da conjuntura e estrutura sociais e econômicas do Brasil.Hoje conta em seu quadro de servidores com 299 técnicos, emgrande parte pesquisadores, sendo que mais de 70% destes pos-suem doutorado ou mestrado.

miações em concursos de monografias do país”, diz ReynaldoFernandes, presidente da Comissão Julgadora e diretor-geral daEsaf. Além disso, foram reconhecidas com menções honrosasoutras quatro monografias consideradas de alta qualidade pelocorpo de jurados.

O Prêmio, que marcou as comemorações de 40 anos de cria-ção do Ipea, alcançou um resultado bastante positivo não ape-nas pelo elevado número de inscrições mas também pela altaqualidade dos trabalhos apresentados. Foram submetidos à ban-ca examinadora, composta por nove jurados, todos destacadosespecialistas nos campos social e econômico, trabalhos de di-versas áreas do conhecimento acadêmico provenientes de 22estados – somente Acre, Amapá, Roraima e Rondônia não tive-ram representantes. Entre os premiados, estavam autores deMinas Gerais, Ceará, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro edo Distrito Federal. “A grande representatividade demonstra aimportância desse tipo de iniciativa, que atrai pesquisadores”,diz Jorge Arbache, professor-doutor do Departamento de Eco-nomia da Universidade de Brasília (UnB) e um dos jurados.

ESSÊNCIA “Um aspecto muito positivo é que a maioria dos traba-lhos inscritos está preocupada com a essência do problema e nãosomente com questões metodológicas,como é comum acontecer”,diz Hamilton Tolosa, professor-doutor da Universidade CândidoMendes, do Rio de Janeiro, e membro da comissão julgadora. Aabordagem e a variedade dos assuntos escolhidos envolveramum bom grau de transversalidade entre vários dos tópicos relati-vos ao desenvolvimento, com bom potencial de aproveitamentona elaboração de políticas públicas locais e nacionais.

Um exemplo dessa capacidade de unir a teoria e a prática é oestudo político de Marcos José Mendes, doutor em Economia econsultor legislativo do Senado Federal, em Brasília. A pesquisafeita por ele analisa os fatores que levam os eleitores a reelegerou não os prefeitos de suas cidades. A pesquisa foi feita com aestrutura da consultoria legislativa e enviada para utilização dossenadores, além de ter sido disponibilizada ao público no sitedo Senado. Como parte da premiação, o Ipea e a Caixa vão pu-blicar nos próximos meses um livro com as monografias vence-doras. (veja resumos dos trabalhos na pág. 66)

O evento de entrega das premiações contou com a presençados ministros da Fazenda, Antonio Palocci, do secretário geralda Presidência, Luiz Dulcci, do secretário de Comunicação dogoverno, Luiz Gushiken, da secretária Especial de Políticas paraas Mulheres, Nilcéia Freire, do presidente da Caixa EconômicaFederal, Jorge Matoso, e do presidente do Ipea, Glauco Arbix,além do diretor-geral da ESAF. Na solenidade, que aconteceu nodia 14 de outubro no Palácio do Planalto, registrou-se outra boanotícia para os pesquisadores. Segundo o presidente da Caixa,Jorge Matoso, o prêmio continuará a ser concedido.“Esperamosatrair muito mais trabalhos nas próximas edições”, disse.

Comissão julgadora

Reynaldo Fernandes, Diretor Geral da ESAF

Denisard de Oliveira Alves, Professor da USP

Edmundo Machado de Oliveira, Assessor Especial do Ministério de Fazenda

José Carlos da Rocha Miranda, Secretário de Assuntos Internacionais, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

José Márcio Camargo, Professor da PUC-RJ

José Arbache Filho, Professor da UNB

Marcos Roberto Vasconcelos, Assessor daPresidência da Caixa Econômica Federal

Maria Victoria Benevides Soares, Professora da USP

Hamilton Carvalho Tolosa, Professor daUniversidade Cândido Mendes

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Eleições para prefeitos: Como são escolhidos os gestores das políticas descentralizadasAutor: Marcos José Mendes

Cerca de 2/3 dos prefeitos que se candidataram à reeleição noano de 2000, primeira em que era possível a consecução demandatos nos municípios, obtiveram sucesso nas urnas e con-quistaram mais quatro anos à frente de sua cidade. A pesquisaconduzida sobre o tema busca entender até que ponto os eleito-res reelegem seus prefeitos em função da capacidade de cadaum em gerir políticas públicas, sobretudo as de educação esaúde. Os resultados levantados apontam que, muitas vezes, osmaus gestores são exatamente aqueles que vêm sendo escolhidospela população.“O eleitor em geral não olha os resultados daspolíticas sociais. Ele observa mais a transferência de verbas dogoverno federal e os gastos em obras de grande visibilidade”,explica o pesquisador. Ou seja, se reelege quem traz mais di-nheiro federal para sua cidade independente da aplicação dadaaos recursos. Isso tudo dentro do contexto político em que, cadavez mais, a responsabilidade de efetuar e administrar os investi-mentos sociais é transferida do âmbito federal para o municipal.

O impacto do SIMPLES sobre a formalização das f irmas

Autora: Joana da Costa Martins Monteiro

Carga tributária, formalidade e informalidade. São essas as pa-lavras-chave do estudo que foi tese de mestrado da economistaJoana da Costa Martins Monteiro. É sabido que o Brasil possuiuma das maiores cargas tributárias do mundo. E quando se falaem micro e pequenos empreendimentos, o assunto é sinônimo deinformalidade. É o que evidencia a monografia:“A estrutura tribu-tária é um importante fator na decisão das firmas de entrar no se-tor informal”. O trabalho busca verificar os impactos na arre-cadação de tributos ocorridos após a implantação do Sistema In-tegrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Micro ePequenas Empresas, conhecido como Simples.“A introdução dalei do Simples teve impacto positivo sobre a probabilidade dostrabalhadores por conta própria obterem licença municipal ou es-tadual para exercer a atividade, mas esse impacto não foi unifor-me em todos os setores econômicos”, diz o estudo. O maior be-neficiado foi o setor de comércio, tendo um aumento de 19 pontospercentuais na possibilidade de as empresas se legalizarem.

Estratif icação educacional, origem socioeconômica e raça no Brasil:

as barreiras da cor

Autora: Danielle Cireno Fernandes

Como o nível educacional dos pais, o status profissional do pai,a raça, o gênero, os ambientes urbano e rural interferem na qua-lidade e na estratificação da educação? A partir dos dados da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 1988,que oferece informações sobre indivíduos que vivem na zona ru-ral ou urbana, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística, a professora-adjunta da Universidade Federal de Mi-nas Gerais, Danielle Cireno Fernandes, construiu um panoramaque responde a esta pergunta. As análises realizadas apontamque o processo de industrialização e as transformações socioeco-nômicas que ele engendra não exercem um efeito equalizadornos padrões de desigualdade da sociedade, como, por exemplo,a estratificação educacional. Nessa área, fatores como níveleducacional da mãe e do pai, posição ocupacional familiar, ra-ça, gênero e habitação em área urbana ou rural pesam muito.Uma das conclusões é que as barreiras dentro do sistema edu-cacional são fortes, resistem ao crescimento econômico e , aomesmo tempo, têm cor.

O Judiciário e as políticas públicas de saúde no Brasil: O caso Aids

Autora: Camila Duran Ferreira e co-autores

O Brasil é uma referência internacional na condução de umapolítica pública de saúde especificamente voltada para a preven-ção e o combate ao vírus HIV. Desde 1997, o governo federal, emassociação com estados e municípios, realiza a distribuição gra-tuita na rede pública hospitalar de 15 medicamentos que fazemparte dos coquetéis de medicamentos para soropositivos. Noentanto, em, alguns casos, os pacientes que necessitam de ou-tros remédios que não os fornecidos pela estrutura oficial recor-rem ao Judiciário para obtê-los do estado. A pesquisa analisoucasos dessa natureza julgados na cidade de São Paulo entre1997 e 2004. Os apontamentos mostram que a Justiça tende atratar os problemas de forma individual, sem abordar o assuntono âmbito do direito coletivo.

Os efeitos da desigualdade no crescimento

Autor: Eduardo Ziberman

Segundo a Organização das Nações Unidas, o Brasil é o quartocolocado em concentração de renda em todo o mundo. Em tem-pos de retomada de crescimento econômico, resta saber como osatuais níveis de desigualdade social encontrados no país impac-tam esse processo. Países mais igualitários tendem a crescermais que os desiguais? A monografia buscou identificar quaissão os possíveis efeitos que uma distribuição de renda perversapoderia ter no crescimento do produto per capita do Brasil e,ainda, por quais mecanismos tais efeitos se propagariam.

Resumos dos Primeiros Colocados

Leia a íntegra das monograf ias pelo

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E l c y o n C a i a d o R o c h a L i m aARTIGO

inn E. Kydland e Edward C. Prescott ga-nharam o prêmio Nobel em CiênciaEconômica em 2004 por sua expressivacontribuição ao desenvolvimento da ma-

croeconomia dinâmica em dois artigos semi-nais. No primeiro deles, “Regras versus Discri-ção: A Inconsistência dos Planos Ótimos”, de-monstraram a presença de inconsistência inter-temporal nas decisões de política econômica.No segundo,“Tempo para Construir e FlutuaçãoAgregada”, investigaram a importância doschoques de oferta, mais precisamente dos cho-ques de tecnologia, na determinação das flutua-ções de curto prazo da atividade econômica.Nesse segundo artigo desenvolveram métodosde investigação – adotando um modelo de Equi-líbrio Geral Estocástico Dinâmico – no qual sebaseia a nova teoria dos Ciclos de Negócios.

Os dois provaram que o problema de incon-sistência intertemporal surge devido ao grandeimpacto que as expectativas dos indivíduos acer-ca das políticas a serem seguidas no futuro pelogoverno têm sobre o comportamento presenteda economia. Se os indivíduos estão convenci-dos de que o governo deverá manter determina-da política, considerada ótima, então o governotem um incentivo para se desviar desta políticano curto prazo. Por exemplo, se os indivíduosacreditam que as autoridades seguirão umapolítica monetária austera no futuro, o governo,que em geral dá maior peso ao estado da econo-mia durante seu mandato, pode se sentir in-centivado a afrouxar a política monetária. Issoporque o afrouxamento provocará uma reduçãomomentânea do desemprego com inflação baixano curto prazo, já que os indivíduos não espe-ram sua aceleração. No entanto, haverá aumentoda inflação no longo prazo.

A constatação desta inconsistência inter-temporal na escolha de políticas ótimas pelogoverno teve profundo impacto, não apenas nasanálises teóricas sobre a política econômica, mastambém na explicação das causas da estagflação.A análise mostrou que uma taxa de inflação altae sustentável é perfeitamente consistente com umcomportamento racional dos governos. Pode

simplesmente indicar a incapacidade, por partedos implementadores de políticas, de se com-prometerem a seguir determinada política mo-netária. Neste contexto, fica evidente a impor-tância de se isolar as autoridades monetárias daspressões políticas e de se garantir a independên-cia do Banco Central. O insight de que a incon-sistência intertemporal é um problema em geralpresente nas decisões de política econômica pro-vocou uma maior interligação entre Economia eCiência Política ao intensificar o interesse peloestudo das interações entre as tomadas de deci-sões econômicas e as instituições políticas.

No segundo artigo, os laureados com o prê-mio Nobel desenvolveram métodos que tive-ram profundo impacto na teoria do ciclo de ne-gócios, integrando-a à teoria do crescimentoeconômico.Ao contrário das pesquisas então vi-gentes, que enfatizavam a importância dos cho-ques de demanda na explicação das flutuaçõesde curto prazo da atividade econômica, Kydlande Prescott demonstraram que os choques deoferta, e mais precisamente as inovações tecno-lógicas, podem ter um efeito importante. Elesreproduziram, adotando hipóteses realísticassobre o tamanho dos choques de tecnologia, cor-relações bastante próximas das observadas entrevariáveis macroeconômicas. Os esforços de pes-quisa que se seguiram, utilizando modelos seme-lhantes ao adotado pelos dois autores,foram clas-sificados como “modelos do Ciclo Real dosNegócios”. Ademais, ao modelarem o ciclo denegócios como resultado de um conjunto de de-cisões dos agentes econômicos, que são forte-mente afetadas pelas expectativas do que aconte-cerá no futuro, abriram espaço para os avançosque ocorreram na macroeconomia moderna.

A enorme contribuição de Kydland e Prescottao desenvolvimento da Ciência Econômica tor-nou-os justos merecedores do prestigioso prê-mio que receberam.

Elcyon Caiado Rocha Lima é pesquisador do Ipea

Referências: Kydland, Finn E., and Edward C. Prescott. 1977.“Rules rather than discretion:the inconsistency of optimal plans”. Journal of Political Economy 85 (3): 473-91.Kydland, Finn E., and Edward C. Prescott. 1982.”Time to Build and AggregateFluctuations”. Econometrica 50 (6):1345-1370.

Nobel em Ciência Econômica de 2004

“Ao modelarem o ciclo

de negócios como

resultado de um

conjunto de decisões

dos agentes

econômicos, que são

fortemente afetadas

pelas expectativas

sobre o futuro, abriram

espaço para avanços

na macroeconomia

moderna”

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MELHORES PRÁTICAS

m vez de ficar amaldiçoando a escuridão, acenda umfósforo.” A frase quase simplista de autoria anônimainspirou o padre irlandês Jaime Crowe a iniciar umapequena chama de resgate social de algumas centenasde adolescentes do Jardim Ângela, na periferia de São

Paulo – um trabalho aplaudido pelo Fundo das Nações Unidaspara a Infância (Unicef, em inglês). O bairro é grande, tem cercade 260 mil habitantes, sendo que entre 75 e 80 mil são jovenscom idade entre 14 e 24 anos. Problemas lá não faltam. Para co-meçar, boa parte das pessoas vive em áreas irregulares, de ma-nanciais da represa de Guarapiranga, o que dificulta a legaliza-ção das moradias e empreendimentos e adia investimentos depeso. Além disso, há tráfico de drogas, desemprego, miséria. OJardim Ângela ostenta marcas que assustam. É um dos bairrosmais violentos de São Paulo: na faixa etária de 15 a 24 anos, re-gistra 150,1 homicídios por 100 mil habitantes, dado mais do

Os bons resultados obtidos por um trabalho desenvolvido junto a jovens infratores no

Jardim Ângela, um bairro repleto de problemas na periferia de São Paulo

P o r M a y s a P r o v e d e l l o , d e S ã o P a u l o

F o t o s S a m u e l I a v e l b e r g

esperançaUma chama de

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que preocupante se comparado aos 29,7 homicídios por 100 milhabitantes ocorridos na Vila Mariana, bairro de classe média dacidade. Registra ainda o maior índice de exclusão social entre osbairros da capital paulista, segundo dados da prefeitura.

O projeto Redescobrindo o Adolescente na Comunidade(RAC), criado há quatro anos pela organização não-governa-mental Santos Mártires, ligada à Igreja Católica, vem con-seguindo unir metodologia simples e inovadora, parceria com acomunidade e resultados invejáveis no campo das chamadasmedidas socioeducativas em meio aberto, aquelas puniçõesalternativas aplicadas a adolescentes que cometeram crimesleves ou àqueles que estão em fase de transição entre as unidadesde internação e a liberdade. O RAC trabalha com duas modali-dades de punições desse tipo. A primeira delas é a liberdadeassistida, que prevê o monitoramento freqüente dos jovens e suaparticipação em atividades educativas. A segunda é a prestação

de serviços à comunidade. Os jovens trabalham por algumashoras em entidades locais, como bibliotecas comunitárias e es-colas, sob monitoramento dos técnicos. As atividades envolvem250 jovens, sendo 100 em liberdade assistida, 50 em regime deprestação de serviços à comunidade e outros 100 moradores davizinhança, sem qualquer problema com atos infracionais.

Índices O mais significativo indicador de que as ações do proje-to alcançam resultados positivos é o índice de reincidência dosadolescentes. Enquanto na Fundação Estadual do Bem-Estardo Menor (Febem), do estado de São Paulo, a taxa de rein-cidência no crime dos adolescentes em liberdade assistida ficana casa de 18%, no projeto do Jardim Ângela ela não passa de11%. Outros fatores apontam a melhoria de vida, como a pre-sença na escola, a procura por emprego, a interação familiar.

O RAC tem três sedes instaladas em igrejas ligadas à paró-

Vista do Jardim Ângela, um dos bairros mais violentos e pobres da capital paulista

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70 Desafios • novembro de 2004

O p r o j e t o R A C r e d u z a d i s c r i m i n a ç ã o e v i a b i l i z a a i n t e g r a ç ã o a t e n d e n d o ,

quia dos Santos Mártires e a seguinte estrutura: 21 técnicosespecializados (pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, entreoutros) e dez funcionários de apoio, além de salas para atendi-mentos psicológicos e aulas. Os juízes da zona sul da capitalencaminham para lá os adolescentes que estejam, de algumaforma, com problemas relacionados a atos infracionais. Afunção do pessoal do RAC é integrá-los às atividades de classedas escolas públicas da região (com freqüência obrigatória ecomprovada). A meta é reintegrá-los à comunidade num prazomédio de seis meses, que varia de acordo com a decisão judicial.No intuito de tornar a reintegração mais prática, o RAC tam-bém busca formas de prover conhecimentos profissionalizantesaos jovens, para que eles possam ingressar com maior facilidadeno mercado de trabalho. Para isso, mantém diversas oficinasprofissionalizantes que atendem, ainda, aos moradores locais(não infratores), interessados em aprender um ofício.

O Unicef considera o projeto um exemplo de prestação deserviços de medidas socioeducativas em meio aberto, sobretu-do por mobilizar a comunidade, as famílias e os próprios ado-lescentes a tomarem decisões sobre as ações a serem adotadas

para sua reintegração à sociedade. Também pelo método deabordagem que adota, embasado em arte e cultura, e pela ela-boração de um plano de metas, denominado “planejamento devida”, feito em conjunto por psicólogos e pelos garotos e garo-tas atendidos. O acompanhamento cuidadoso de cada planoindividual é o item que diferencia a iniciativa de outras açõessimilares. Cada técnico contratado é responsável por acompa-nhar, com uma lupa, o cotidiano, inclusive familiar, de 150 be-neficiários.“Essa opção parece simples, mas é muito sofisticadaporque inclui o adolescente no processo de decisão sobre a vidadele e está mais do que provado que isso funciona melhor doque obrigá-lo a cumprir tarefas que não dizem respeito à suarealidade”, diz Mário Volpi, encarregado de projetos do Unicef.

Avaliação O acompanhamento dos procedimentos adotados edos resultados obtidos é feito semanalmente pela Secretaria deAssistência Social da cidade de São Paulo (SAS) e, paralela-mente, pela Febem. Além de verificar os relatórios de cadajovem, os técnicos das duas entidades visitam o projeto in loco.Mensalmente, todos os responsáveis por iniciativas similares

Jovem faz movimentos de hip hop no pátio do RAC: símbolo da vida nas ruas da periferia

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a o m e s m o t e m p o , j o v e n s d a c o m u n i d a d e e a d o l e s c e n t e s i n f r a t o r e s

em São Paulo se encontram para trocar informações e receberdiretivas institucionais. Para cada adolescente em liberdade as-sistida, a Febem repassa 120 reais mensais e para aqueles queprestam serviços à comunidade a SAS destina 182 reais.

Os cursos ministrados são de pizzaiolo, cabeleireiro, técnicoem informática, hip hop, inglês, música e teatro. Cada partici-pante pode escolher uma dessas disciplinas, mas todos assistem aaulas de informática básica, matemática, português, meio am-biente e cidadania. Almoçam diariamente no RAC. Segundo opsicólogo Joel Costa, um dos fundadores e atual coordenador doprojeto, a ligação com o universo católico não impede a apro-ximação de representantes de outras religiões.“Só me lembro deum caso de pais evangélicos que não deixaram o filho partici-par”,recorda.A alimentação e a ajuda financeira para o transpor-te entraram recentemente no programa porque muitos não con-seguiam cumprir as medidas por não terem dinheiro para chegarao projeto e, não raro, rendiam pouco por não terem almoçado.

Comunidade Uma tacada de mestre do RAC, segundo especia-listas do setor social, é oferecer atividades não apenas aos jovenscom até 18 anos e com problemas com a Justiça, mas a outrosgarotos interessados, da mesma faixa etária, que moram naregião.“É uma forma interessante de não segregarem os meni-nos, que certamente já convivem com a culpa pela situação emque se encontram. Melhor mesmo é começar a integração coma comunidade dentro do projeto, para que recebam influênciaspositivas e fiquem longe da discriminação”, diz Sérgio Mindlin,presidente da Fundação Telefonica, financiadora da iniciativa.

Pela padronização do atendimentoOs bons resultados sociais do projeto

Redescobrindo o Adolescente na Comunidaderepresentam a conquista de uma metodolo-gia, mas não significam que os trabalhos alirealizados sejam facilmente transpostos parauma política pública nacional. Com um atrasode 14 anos, desde a aprovação do Estatuto daCriança e do Adolescente (ECA), em 1990, oBrasil se prepara para regulamentar e padro-nizar a aplicação de medidas alternativas pa-ra a punição a crianças e adolescentes infra-tores com até 18 anos de idade. O ConselhoNacional dos Direitos da Criança e doAdolescente (Conanda), a Secretaria Especialde Direitos Humanos e organizações da so-ciedade civil estão em pleno período de dis-

cussão de dois importantes instrumentos nes-se sentido: o Plano Nacional e o Sistema Na-cional de Atendimento Socioeducativo.

O primeiro vai regulamentar o que a leiprevê de forma a detalhar e padronizar o queserá aplicado a cada garoto e de quem serãoas responsabilidades, se do governo federal,estadual ou municipal, além da possibili-dade, ou não, de realização de parcerias coma sociedade civil. Já o Sistema padronizará oformato das penas e buscará uma maior inte-gração na prestação dos serviços aos ado-lescentes e suas famílias, no levantamentode informações e no monitoramento dos tra-balhos realizados.

A maior dificuldade em transpor os

casos bem-sucedidos de atendimento pelasparcerias entre estado, município e organiza-ções não-governamentais, hoje realizados deforma isolada, é incorporar as característi-cas do bairro ou da cidade ao estilo e àsações de atendimento. De acordo com MárioVolpi, encarregado de projetos do Unicef, aabordagem com base em arte e cultura, aadministração compartilhada com a família ea comunidade e a metodologia de planos in-dividuais de desenvolvimento são três carac-terísticas principais do RAC que podem seraproveitadas em um planejamento nacional.“Será um grande passo para a descentraliza-ção, que é muito necessária para que asmedidas sejam mais efetivas”, diz Volpi.

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72 Desafios • novembro de 2004

A fa l t a de opor tun i dade de cresc imento pessoa l é uma das ra zões i den t i f i cadas

Fonte: Susbsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – Ministério da Justiça

Radiografia das penas impostas aos infratoresCrianças e jovens cumprindo medidas socioeducativas (em meio aberto ou fechado), em janeiro de 2004

Liberdade Assistida 18.618 47%

Internação 9.591 24%

Prestação de Serviços à Comunidade 7.471 19%

Internação Provisória (aguardando julgamento) 2.807 7%

Semiliberdade 1.091 3%

Total 39.578 100%

Atividades variadas: acima, o curso de cabeleireiro, à direita, no alto, oficina de computação, e ao lado, grupo de dança

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pe l os pesqu i sadores para o aumento do número de a tos v i o l en tos en t re j ovens

gação legal cabia aos estados. Mas pouca coisa mudou com oEstatuto. Os casos mais graves de meninos e meninas em con-flito com a lei seguem sendo atendidos pelos estados, com pri-vação de liberdade em unidades de internação. No caso dasmedidas alternativas, estados, municípios e entidades da socie-dade civil, como a Santos Mártires, cuidam do assunto, porémsem qualquer tipo de padronização dos serviços prestados.“Oque se percebe hoje é que projetos mais localizados, que apro-priam as características e a atuação das comunidades onde es-tão, além de assistirem um número gerenciável de jovens, con-seguem níveis mais elevados de eficiência do que aqueles toca-dos pelos órgãos oficiais”, diz Mário Volpi.

Análise A forte presença da ilegalidade e do crime nas periferiasdas grandes cidades, associada à falta de oportunidades formaisde crescimento pessoal, são entendidas como causas do aumentodo número de atos violentos entre jovens no Brasil. As taxas dehomicídios entre indivíduos com até 24 anos em 10 regiões me-tropolitanas subiram de 69,9 a cada 100 mil pessoas, em 1993,para 103,4 em 2002 – um crescimento de 47,9% em uma década.Para se ter uma idéia do que isso representa, os assassinatos ocor-ridos em todas as faixas etárias da população brasileira passaramdos mesmos 35,8 para 49,1 – um crescimento de 37% nesseperíodo. A maior parte das vítimas é do sexo masculino. Dos19.185 jovens na faixa etária dos 15 aos 24 anos que foram víti-mas de assassinato no país, em 2002, 18.003 eram garotos.Quando é analisada a questão étnico-racial, a situação fica aindamais preocupante: a taxa de assassinatos entre adolescentesnegros é 74% (68,4 em 100 mil) superior à dos jovens brancos(39,3 em 100 mil). São assassinados 68,4 em cada grupo de 100mil garotos negros, enquanto apenas 39,3 brancos em cada gru-po de 100 mil morrem da mesma forma. Os numeros são dapesquisa Mapa da Violência IV, realizada pela Unesco.

Os dados tornam evidente a importância do investimentona prevenção dos crimes e nas condições cotidianas de vidadesse público. “A falta de condição básica de formação dosjovens que chegam aqui é tão evidente que muitos não têmqualquer noção de convívio em grupo, nunca ouviram falar emdireitos e deveres”, diz Costa. “Trabalhar com eles é fascinante.Na maior parte das vezes não possuem família estruturada, sãofrágeis, mesmo tendo cometido crimes, e é muito gratificantepoder resgatá-los e fortalecê-los.”

O jeito tímido, calmo e ao mesmo tempo risonho de Costa,36 anos, parece um ingrediente crucial para coordenar tantosfuncionários, voluntários além, é claro, dos adolescentes. Emmeio a uma ensurdecedora aula de break (dança do movimen-to hip hop), conta mansamente que gosta de rap e cita seus gru-pos prediletos. Minutos depois, no mesmo tom, coordena reu-niões de trabalho com técnicos, autoridades, faz cobranças, vi-sita parceiros e apresenta-se em seminários. Foi com esse estilo

Alguns meses de convivência em grupo, conhecimentos bá-sicos de cidadania e técnicas profissionalizantes têm mostradoaos jovens do Jardim Ângela que a vida pode ser mais do que omundo dos delitos e do medo constante. De acordo com Costa,é possível dividir o perfil de quem cumpre as medidas em trêssegmentos principais: aqueles que precisam de destaque nogrupo social em que convivem (dinheiro para consumir bensde alto valor), os usuários de drogas (que roubam para comprarsubstâncias psicoativas ilegais) e os cúmplices (que muitas ve-zes tornam-se infratores ao serem liderados por um dos dois ti-pos anteriores).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, prevê queos municípios sejam responsáveis pela aplicação das medidascorretivas e educativas aos menores infratores.Até então a obri-

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A exper i ênc i a do RAC i nd i ca que é p rec i so que os p ro j e tos soc i a i s se adeqüem

que ele superou a insegurança em adotar padrões privados deadministração e planejamento no projeto. Fechar um contratonão foi fácil, levou quase um ano. Os dois lados aprenderam aceder durante o processo.A Fundação Telefonica reviu trâmitesburocráticos e adaptou-os às possibilidades da iniciativa, quepor sua vez topou incorporar padrões profissionais de trabalhoe monitoramento de resultados.“Foi difícil entendermos o queera exatamente uma administração mais profissional, mas va-leu a pena. Hoje estamos mais maduros”, diz.

Amadurecimento O aprendizado ao qual se refere passou pormomentos curiosos, que certamente se repetem em iniciativassemelhantes, dada a necessidade de adequação ao jeito e aosinteresses da localidade onde estão inseridas. Por exemplo,quando estavam ainda na fase de elaboração, os fundadores doRAC planejaram a realização de um número maior de oficinasobrigatórias do que há hoje. O retorno era fraco em algumasdelas, havia pouca motivação. Por isso, foi feita uma pesquisadetalhada sobre os interesses e a identidade local. A partir dosresultados, o trajeto traçado no papel ficou diferente na prática.As aulas de panificação, que não empolgavam ninguém, deramlugar ao concorrido curso de cabeleireiro.A capoeira não existemais: foi substituída pela dança. O desconhecimento domundo juvenil também levou a um erro inicial, que depois foicorrigido, com relação ao hip hop. Para quem não sabe, ele é ummovimento ligado à rua e à música, composto por quatro ele-mentos básicos: o rap (palavra cantada), o disk jockey – DJ(base musical), o grafite (desenho), e o break (dança). Para ocomeço dos trabalhos do RAC, estavam planejados cursos deDJ e grafite. “Foi muito interessante, nós também aprendemoscom os meninos, que nos ensinaram que o movimento é um só,com todos esses itens”, relata Costa. Hoje, eles aprendem o ladomusical e ideológico do movimento, por meio dos quatro ele-mentos, símbolos das vidas nas ruas das periferias.

Ariel de Castro, membro da Comissão de Direitos Humanosda Ordem dos Advogados do Brasil, acredita que a iniciativaprivada precisa participar de forma mais ativa da recuperaçãode adolescentes em conflito com a lei, não apenas doandorecursos para projetos. “Não basta tratá-los com cuidados psi-cológicos, deixá-los preparados, se neles não houver inserçãoprofissional”, diz. Segundo ele, empresas de qualquer porte e detodo o Brasil podem firmar parcerias de estágio e contratar jo-vens como aprendizes.“O que o mundo nos pede, o mundo nãonos dá”, diz Daniel dos Santos, de 19 anos, que passou peloRAC em 2003 sem ter participado de qualquer atividade crimi-nosa.“Quando vamos procurar emprego, nos pedem experiên-cia e conhecimentos que não temos como conseguir se nãotivermos uma escola e a condição de aprender.” No projeto eleconheceu as técnicas de pizzaiolo e se aperfeiçoou nos conhe-cimentos do movimento hip hop. Tentou emprego sem sucesso,

Advertência“bronca”do juiz para sensibilizar e esclarecer sobre asconseqüências de uma reincidência

Reparação de danosressarcimento à vítima dos prejuízos causados

Prestação de serviços à comunidaderealização de trabalhos sob a coordenação de entidadeoficial em períodos que variam de dois a seis meses

Liberdade assistidacumprimento de atividades educativas predeterminadasem instituições oficiais ou conveniadas, com compareci-mento obrigatório, em períodos de no mínimo seis meses

Semiliberdadepermanência em unidade de internação, com autorizaçãode saída para assistir aulas e trabalhar

Internaçãopermanência em unidade oficial, em regime fechado

Punições para crianças e jovens

previstas no ECA

Daniel dos Santos: cursos de pizzaiolo e rapper

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ao j e i to e aos i n te resses das comun i dades em que es tão i n se r i dos

mas decidiu não ficar parado. É voluntário, aos sábados edomingos, sem qualquer ajuda de custo, em uma escola localque abre aos finais de semana para a comunidade.Ali ele ensinacrianças a dançar. “Eu tive sorte de não cair no crime, porqueficar de bobeira, sem fazer nada, facilita demais. Esse mundoestá muito perto da gente, por isso é preciso trabalhar, nem queseja como voluntário, sem ganhar nada.” Mas ele tem um sonhomaior, de longo prazo: quer cursar faculdade de artes plásticas etrabalhar como professor.

Eduardo (nome fictício), de 17 anos, quer ser cabeleireiro.Ele passou seis meses no RAC cumprindo liberdade assistida,determinada depois de ter sido preso por assalto e passar duassemanas em duas unidades da Febem da capital paulista.“Eu vique eu ganhava bastante coisa roubando, era um jeito fácil, maspodia perder tudo também muito rápido. Na Febem me senti

um número, um objeto.” Agora, considera que teve uma segun-da chance e quer agarrá-la, depois de conhecer novas pessoas epossibilidades.“Vou tentar, porque agora eu estou mais ligado.Sei que se eu não me cuidar não vou ter mais chances. Entãoestou fazendo o que eu posso.” Para chegar no ponto pretendi-do, ele terá de batalhar muito, ter persistência e uma boa dosede sorte, ao concorrer com milhões de outros jovens que bus-cam o primeiro emprego.

Os profissionais responsáveis pelos trabalhos, como se podenotar, não estão envolvidos numa tarefa simples. Especialmenteporque vez por outra acontece de um dos garotos que estão sendoatendidos morrer, vítima de violência – uma experiência dolorosapara os profissionais que se envolvem tão profundamente comeles. Contra tamanha escuridão, o pessoal do RAC tem sempreum fósforo à mão, para reacender a chama da esperança. d

Paulo Roberto Pinheiro, que passou pelas aulas de hip hop, hoje é instrutor

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Política Industrial

Para produzirchips em 2006

p o r M ô n i c a

T e i x e i r a

Califórnia Biotecnologia

Chegará ao fim aescassez de helicônias

As receitas de exportação doRio Grande do Norte vêm, principal-mente, do agronegócio – queresponde por 2/3 da pauta do es-tado. O campeão das exportações éo camarão produzido em cativeiro,em seguida, as culturas irrigadasde frutas – mamão, banana e me-lão. A floricultura poderá disputaressas posições se os planos dopesquisador Paulo Viegas Rodri-gues e do empresário LeonardoPessoa derem certo. Juntos, cria-ram a Biocampo – razão social Ca-lifórnia Biotecnologia Agrícola.Nascida em 2000 para produzir evender mudas de banana-leite (ba-nana-maçã, no Sudeste), a empresaagora trabalha para dar escala àcultura da helicônia (foto). As he-licônias têm grande durabilidade evalor agregado. Mas o agricultorprecisa esperar de 12 a 18 mesesantes de colher as primeiras florese a muda custa até 40 reais – o que

faz faltar helicônia para o mercadoexterno. Juntos, os produtores dehelicônias do Nordeste não con-seguem atender à demanda: umúnico importador italiano compra-ria o dobro da quantidade que a re-gião hoje é capaz de oferecer. Atecnologia que a Biocampo estádesenvolvendo pretende atender aessa expectativa de mercado. Elaencurta o intervalo até a produçãode flores, e permite produção emescala das mudas – como já mos-tram ensaios no campo e no labo-ratório. “Podemos modificar radi-calmente o cenário de mudas e flo-res para exportação no Brasil”, dizo entusiasmado Leonardo. De seupai, dono de uma tradicional fá-brica de laticínios potiguar, a Bio-campo recebeu quase todo o inves-timento até agora: 300 mil reais. Aempresa obteve, em 2002, duasbolsas RHAE, programa do CNPqque apóia o P&D de empresas.

Na lista das 57 medidas dapolítica industrial apresentadasem março último, estava a viabili-zação do Centro de Excelência emTecnologia Eletrônica Avançada(Ceitec) do Rio Grande do Sul. Lá,o governo pretende instalar umcentro de prototipagem de chips,utilizando equipamentos doadosem 2002 pela Motorola, quando aempresa desativou uma planta noestado norte-americano do Texas.A empresa também treinou pes-soal para operá-los. Para iniciar otrabalho, falta o prédio para ins-talar o equipamento – que incluiuma sala limpa, o maior investi-mento necessário. Em outubro, oMinistério da Ciência e Tecnolo-gia abriu o edital para contratar aobra. Dia 22 de novembro começao julgamento das propostas. O in-vestimento é de 5,4 milhões dereais. Como os equipamentos nãopermitem a fabricação de chipscom o tamanho e velocidade ago-ra exigidos pelo mercado, a idéiaé que no Ceitec se possa desen-volver e fabricar projetos de cir-cuitos integrados em pequena es-cala. Pretende-se também treinarmão-de-obra, o que permitiria aatração de empresas do setor pa-ra o Brasil.

No mapa da inovação

Pouco sobre nós... Um tema caro, no momento, ao

mercado de consultorias é “glo-balização das atividades de P&D”.Em setembro, a Economist Intelli-gence Unit publicou relatório, emque apresenta resultados de pes-quisa com 104 executivos de em-presas globais. Embora o Brasilseja mencionado por 11% delescomo destino possível para P&Dnos próximos 3 anos – em sexto lu-gar, à frente da França, da Repúbli-ca Tcheca, e do Japão –, o texto dorelatório nos cita apenas uma vez.Um executivo da Ericsson (“quefaz algum P&D no Brasil”, infor-mam com ligeireza) diz que, noBrasil, há custos baixos, mão-de-obra bem educada,e o incentivo daLei de Informática – o que indica arelevância de políticas públicas deestímulo à inovação.

O desinteresse relativo peloBrasil reflete a nano-atenção dedi-cada à América Latina. Por exem-plo, 65% dos executivos disseramà EIU que investiram “nada” nocontinente desde 2001.Outro estu-do, da A. T. Kearney, específico so-bre outsourcing, dá mais atençãoàs oportunidades brasileiras. Nes-sa pesquisa, ocupamos o sétimolugar na intenção de investimentoem P&D. Também na edição espe-cial da Business Week (“A Econo-mia da Inovação”, 11 de outubro de2004), quando são citadas as áreasque atraem P&D, mencionam-se Ín-dia, China, Coréia, Israel, Cingapu-ra, Rússia, e Taiwan; sobre nós, ounossos vizinhos, nem uma palavra.Há espaço para um trabalho de for-talecimento da marca Brasil – medi-da prevista na Política Industrial.

CIRCUITOciência&inovação

...e tambémsobre aAmérica Latina

Divulgação

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Para nós, daÍndia, o custo dedesenvolver tecnologia inovadora émuito, muitobaixo.A capacidade daÍndia é seu povo.Eu admiro aChina, masnosso povo émelhor.A Índia teminventividade.”

Faqir Kohli, empresárioindiano, pioneiro naexploração do mercadode software, na revistaBusiness Week

Um dos consensos sobre adificuldade brasileira de transfor-mar conhecimento em riqueza é aexistência do chamado ‘divórcio’entre universidade e setor produ-tivo.Três empresas que conhecemo valor da biodiversidade – OrsaFlorestal, Centroflora, Natura –acabam de criar, juntas, a Ybios –uma espécie de agência de casa-mentos. Yby, explica a página daempresa (www.ybios.com.br), éterra na língua tupi. A Ybios sedefine como “empresa 100% na-cional”, que pretende criar “re-des de pesquisa e desenvolvi-mento de projetos com foco nomercado”. Na prática, isso signi-fica conhecer, mobilizar e articu-lar as competências da pesquisano setor público com as necessi-dades e as competências do se-tor privado, para explorar a biodi-versidade. Dirigida por FernandoPecoraro, um administrador gra-duado em engenharia química,com Ana Lucia Assad, ex-coorde-nadora de biotecnologia do Mi-nistério da Ciência e Tecnologiacomo diretora científica, a novaempresa complementa o papel deinterface Universidade-Empresaque os recentes escritórios deinovação e patentes das universi-dades públicas vêm tentando de-sempenhar – mas no sentido in-verso. A empresa recém-fundadajá conseguiu convencer o siste-ma de avaliação do CNPq de suaviabilidade e importância: a Ybiosintegra a lista mais recente deescolhidos para receber bolsasde fomento tecnológico.

Doutorado em Política de C&T

Produtos cada vez mais complexos

Numa tipologia que definecinco graus de competência nasatividades de desenvolvimento deprodutos na indústria automobilís-tica, a engenharia brasileira está aum passo do topo – ao menos naVolkswagen e na General Motors.Os modelos Fox, da VW, lançado em2003, e Meriva, da GM, lançado em2002, foram os primeiros desen-volvidos no Brasil para os merca-dos europeu e local. Esse ineditismochamou a atenção da pesquisado-ra Flávia Consoni – que relata ocaso Meriva em sua tese de dou-torado, defendida há dois meses naUnicamp.No trabalho,a doutora Flá-via, 31 anos, define como constróisua tipologia: nos dois primeirosestágios, a engenharia local ‘nacio-naliza’ e ‘tropicaliza’ o veículo pro-jetado na matriz – por exemplo,adapta a suspensão às estradas lo-cais. Esse estágio, a engenhariabrasileira executa rotineiramente.A competência alcança o terceironível quando a fábrica faz ‘derivati-vos parciais’ – modelos que deri-vam da plataforma do modelo mun-

dial, desenhados para atender aexigências do mercado local, comoo gosto brasileiro por carros se-dan, ou por picapes. No quarto es-tágio, o modelo projetado deve serum ‘derivativo completo’. Derivativocompleto, no caso do Meriva (oprojeto mais complexo já desen-volvido pela GM no Brasil) quisdizer combinar as plataformas dosmodelos Astra e Corsa e projetarsobre essa plataforma combinadatodo o resto do carro – com odesafio adicional de fazê-lo deforma a atender às exigentes es-pecificações da Europa. O Merivainverte o fluxo usual: é a Opel,subsidiária da GM, que projetaráderivativos parciais para o modelo.O quinto estágio de competênciainclui a capacidade para desen-volver a plataforma completa nopaís. Os centros de P&D das ma-trizes cedem pouco nesse ponto.Mas isso pode mudar: o atendimen-to à fatia do mercado mundial quequer veículos compactos e baratosdeverá passar pelas subsidiáriasbrasileiras.

Outra mão de direção

Da empresa,para aUniversidade

US$ 1 bifoi o movimento da cadeiaprodutiva brasileira de florese plantas ornamentais em1997. O dado, só agoradivulgado, faz parte delevantamento pioneiro que oIBGE fez sobre o assunto.Segundo o estudo, as informações obtidas a partirdo Censo Agropecuário1995-96 mostram o grande potencial do setor.

“Divulgação

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mercado de livros para-didáticosparece ser dominado, no Brasil,por economistas (e outros espe-cialistas) teóricos, que vivem

apenas na academia e em função dos li-vros,sem contato com o mundo real da pro-dução, do comércio, da administração pú-blica e da economia internacional. Esse nãoé o caso deste livro. Antonio Dias Leite es-creve um grande livro, preenchendo os re-quisitos do text-book acadêmico, conjuga-dos às melhores qualidades do ensaismoeconômico. O autor, que foi o responsávelpela primeira estimativa de renda nacionaldo Brasil, em 1951, e que acumulou várioscargos públicos – inclusive o de ministrode Minas e Energia em dois governos –,possui credenciais acadêmicas impecáveis,além de vasta bibliografia. Ele realizou umtour de force admirável com esta obra, quemereceria converter-se em referência obri-gatória nos cursos de economia das facul-dades brasileiras de ciências humanas e deestudos sociais aplicados.

O livro tem quatro partes. A primeira,“De onde viemos, onde estamos”, é brevís-sima, situando o Brasil no contexto mun-dial, além de introduzir o leitor aos con-ceitos básicos da disciplina. A segunda,“Economia essencial”, responde à vocaçãoacadêmica do livro, com descrições doprocesso produtivo, dos fatores de pro-dução e do substrato físico da economia,ademais das interações entre micro e ma-

croeconomia. Na terceira parte,“EconomiaAbrangente”, são abordados o papel doEstado e as relações econômicas interna-cionais. O capítulo 20 condensa uma ricainformação histórica sobre nossa vulnera-bilidade externa, acoplada a uma expo-sição serena e equilibrada sobre as razões ea natureza da dependência financeira.

Na quarta parte “O Brasil chega aoséculo XXI”, mas começa com o retros-pecto a partir de 1947, com ênfase no pro-blema inflacionário e nas disparidades en-tre ritmos de crescimento. O autor assumeaqui o papel de “fonte primária”, uma vezque foi ator ou espectador de cada um dosepisódios pós-Segunda Guerra. É a teste-munha ocular transmitindo o que sabe, oque viu ou o que praticou nessas cincodécadas de sucessos e frustrações.

O mais importante para alunos e pro-fessores é que não se trata de uma análise“economicista”, pois Dias Leite sabe tra-tar, com concisão e objetividade, de pro-blemas como as reformas institucionais ea crise política, a revisão constitucional de1995 e a capacidade do país de definir suaestratégia de desenvolvimento. Uma figuraé eloqüente nessa parte, a que mede o PIBper capita do Brasil em relação ao dosEstados Unidos: saímos de um patamar de10% em 1947, atingimos um pico de quase22% em 1979, e a partir daí estamos numatendência declinante, com cerca de 13%nos anos recentes. O autor, combatente da

causa do desenvolvimento, confessa suadecepção, mas reconhece que o Brasilainda tem condições de ocupar umaposição relevante no cenário interna-cional.

O quadro social, objeto do capítulo 22,está focado na pobreza e nas desigualda-des, reconhecendo Dias Leite nosso errobásico em não dar a devida atenção ao en-sino fundamental. No que se refere àspolíticas sociais, ele também reconhece, jáno governo Lula, uma “desorganizaçãoadministrativa decorrente da criação deum lote de ministérios voltados para amesma questão social, subdividida empedacinhos” (p. 209). Lamenta o abando-no da idéia de estratégia nacional, queatribui ao governo FHC e pensa no futuro,abordando as políticas econômicas e asdificuldades do processo de desenvolvi-mento: constrangimentos externos, pro-blemas internos, a conciliação entre políti-cas “verticais” e “horizontais”, o papel doEstado e as atribuições do Banco Central(e sua política de stop and go, frustrante doponto de vista dos investimentos). DiasLeite quer “fazer com que as coisas acon-teçam”, o que não é tarefa para principian-tes. Mas os que desejarem um mapa docaminho percorrido até aqui, e uma agen-da realista dos problemas que precisam serresolvidos pelo Brasil têm um excelentemanual para o esforço de mobilização dasenergias nacionais. Teoria e prática nuncaestiveram tão bem casadas quanto nestegrande livro de menos de 250 páginas.

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

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Economia brasileira: um manual teórico-prático

A Economia Brasileira: de onde viemos e onde estamosAntonio Dias LeiteEditora Campus, 248 p., R$ 59,90

ESTANTElivros e publicações

O

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livro – uma coletânea de oitocapítulos precedidos por breve egenérica introdução –realiza umbalanço da abertura da econo-

mia brasileira ao comércio internacional eao investimento direto externo (IDE) rea-lizada nos anos 1990 para sustentar o pro-cesso de privatizações e os desequilíbriosna balança comercial que se seguiram àparidade cambial introduzida pelo planoReal. Para tanto, analisa as conseqüênciasdo IDE, os impactos da abertura sobre oconteúdo importado na indústria, ainserção internacional das grandes em-presas de capital nacional, os padrões deintegração comercial das filiais de empre-sas transnacionais, as características eimpactos das empresas estrangeiras nocomércio exterior brasileiro, o papel doMercosul no processo de internacionali-zação comercial do Brasil e o Mercosul emsi, finalizando com considerações sobrepolítica industrial.

Um problema comum em coletâneas éa heterogeneidade das contribuições. Aobra em análise não foge à regra. Ela pode-ria ser muito potencializada se houvesseuma amarração entre os capítulos – porexemplo, numa introdução ou num capí-tulo final que fizesse um balanço crítico,comparasse resultados e análises em queas discussões se repetem.

Os autores discutem a literatura queconsiderava que as transnacionais incre-mentariam as exportações e a competi-tividade da economia, sendo as impor-tações um movimento passageiro, quecessaria quando os investimentos indus-triais se concretizassem. Levantam dadosempíricos para contestar tal movimento“virtuoso”. Esse é o ponto alto do livro. Osdados mostram que o aumento do IDEnão se refletiu na taxa de investimento,pois uma parte considerável foi destinadaà compra de ativos já existentes, ao con-trário do que ocorreu na China, onde 95%do IDE foi canalizado para novos ativos. Opeso das empresas estrangeiras passou de27% para 42% do faturamento total da

indústria brasileira; as filiais de empresasestrangeiras não exportaram proporcio-nalmente mais e importaram 26% mais doque as nacionais de mesmo tamanho esetor. O processo de abertura dos anos1990 não resultou em maior presençamundial das empresas nem dos produtosbrasileiros, mas aumentou o passivo exter-no e o consumo de bens intermediáriosproduzidos alhures. Para os mercadoscentrais eram enviadas fundamentalmen-te commodities, ao passo que o Mercosulcontribuiu para melhorar a inserção deprodutos manufaturados.

Se os autores obtêm sucesso nas suasteses sobre as características e o efeito daabertura nos anos 1990, nada falam sobreo ímpeto exportador nos anos 2000, queabre um caminho alternativo de pesquisa.A desvalorização cambial e o regime decâmbio flutuante introduziram um novocenário, mas há evidências de que asempresas remanescentes saíram fortaleci-das, o que, aliado ao incentivo às expor-tações, principalmente a partir de 2003,promoveu uma forte mudança no quadroexterno brasileiro.

Mario Sergio Salerno

conceito de políticas públicasapresenta diferentes acepções,segundo seu enunciador sejaum tecnocrata governamental,

um empresário privado, um acadêmicoou um cidadão, contribuinte compulsóriodas rendas federais e usuário aleatóriodos serviços públicos, menos serviços doque públicos. O empresário rogará pragascontra o Estado regulacionista e tributa-riamente insaciável. O acadêmico formu-lará explicações para a realidade, segundoseja partidário da intervenção desse Esta-do ou um “neoliberal” convencido.

Jorge Vianna Monteiro tem vasta ex-periência em políticas públicas,sendo pro-fessor e autor de muitos livros. Este resu-me seu conhecimento teórico e práticosobre o modo de funcionamento da eco-nomia brasileira ao longo das últimas dé-cadas, oferecendo sua interpretação deum processo de erosão relativa do Estadoconstitucional e sua superação progressivapelo Estado administrativo. Da leituraconclui-se que vamos continuar afogadosnum mar de leis, decretos, MPs e outrasmedidas administrativas. Muitos já provi-denciaram suas “bóias” fiscais, pela eva-são, elisão e fuga de capitais. Talvez aindasurja algum jurista querendo “constitucio-nalizar” a economia informal. O tempora,o mores!

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

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Um balanço dos anos 1990

A Internacionalização e Desenvolvimento da IndústriaLuciano CoutinhoEditora Unesp, 349 p., R$ 42,00

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A economia (in)constitucional

Lições de Economia Constitucional BrasileiraJorge Vianna MonteiroFGV Editora, 308 p., R$ 35,00

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40% 45% 50% 55% 60% 65% 70% 75% 80% 85% 90% 95%

1 Hungria 0,244

2 Dinamarca 0,247

3 Japão 0,249

34 Índia 0,325

67 Portugal 0,385

76 EUA 0,408

90 China 0,447

93 Rússia 0,456

109 Argentina 0,522

112 México 0,546

118 Chile 0,571

119 Colômbia 0,576

120 Brasil 0,591

121 Africa do Sul 0,593

127 Namíbia 0,707

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

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Informalidade

Evolução da formalidade

por faixa de escolaridade

Tempo para abrir uma empresa

Esta edição da Desafios traça um amplopanorama da perigosa expansão da economiainformal no Brasil. Nos infográficos abaixo mos-tramos, em números, quem está migrando para a

informalidade, quais os setores que mais lidamcom esse tipo de mão-de-obra e quais asmaiores dificuldades enfrentadas pelos que que-rem operar dentro da formalidade.

O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinadogrupo.Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto,isto é, uma só pessoa detém toda ariqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobrescom os 20% mais ricos. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004,elaborado pelo Pnud, o Brasil aparececom Índice de 0,576, quase no final da lista de 127 países.Apenas setenações apresentam maior concentraçãode renda.

Alguns exemplos do Índice de Gini

O que é?

Posição

ranking mundial País Índice

Fonte: Pnud

Índice de Gini

50

45

40

35

30

25

20

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

%

0 a 3 4 a 7 8 a 11 mais de 11

Fonte: Ipea/Curi e Menezes-Filho (2004)

Fonte: McKinsey e Banco Mundial

Fonte: McKinsey e Banco Mundial

REPARE Profissionais com maior formação são os que mais migram para a economia informal

Brasil

Índia

Argentina

Colômbia

Média Mundial

México

China

Coréia do Sul

Rússia

Chile

EUA

Austrália

0 20 40 60 80 100 120 140 160

dias

2

4

28

29

33

46

51

57

60

68

88

152

Setores que mais absorvem mão-de-obra informal

Obstáculos à formalização no Brasil

Agricultura e pecuária

Serviços pessoais

Serviços domésticos

Construção

Vestuário e acessórios

Alojamento e alimentação

Lazer e cultura

Têxteis

Comércio

Móveis 51

54

56

57

59

62

71

72

79

90

Tempo para fechar uma empresa

Índia

Brasil

Chile

Média Mundial

Colômbia

EUA

Argentina

China

México

Coréia do Sul

Rússia

Austrália

0 2 4 6 8 10 12

anos

1

1,5

1,5

2,6

2,6

2,8

3

3

3,2

5,8

10

11,3

Para onde vai quem sai da

economia formal

10

09

08

07

06

05

04

03

02

01

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

%

formal para informal

Anos de esudo

formal para conta própria

formal para inatividade formal para desemprego

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Argentina 696.568

EUA 636.460

Alemanha 296.577

Paraguai 226.011

Uruguai 223.210

França 206.502

Itália 186.699

Portugal 168.513

Inglaterra 146.793

Chile 113.508

Países com maior número

de visitantes (2002)

Segurança Pública 10,26%

Limpeza Pública 10,21%

Sinalização Turística 8,30%

Comunicações 7,35%

Transporte Urbano 5,13%

Serviço de Táxi 4,20%

Diversões Noturnas 2,70%

Maiores críticas dos turistas (2002)

Rio de Janeiro 38,58%

São Paulo 20,84%

Salvador 12,76%

Foz do Iguaçu 9,28%

Recife 8,24%

Porto Alegre 7,93%

Fortaleza 7,16%

Florianópolis 6,42%

Natal 3,76%

Búzios 3,56%

Para onde vão? (2002)

Quanto gastam no Brasil

norte-americanos 106.08

chilenos 91.38

espanhóis 85.96

uruguais 85.62

argentinos 85.24

Quem gasta mais? (2002)

US$ per capita/dia

Desaf ios • novembro de 2004 81

Turismo estrangeiro

Benvindos ao Brasil!Com quatro meses de governo, o presidente

Lula lançou o ambicioso Plano Nacional de Tu-rismo, que previa um crescimento anual do setorde 15%. Em agosto deste ano, os números mos-traram que o desafio é possível, quando o a en-trada de dólares nas mãos dos turistas estran-geiros, durante o primeiro semestre, alcançou acifra de 1,6 bilhão de dólares, o que representa

um aumento de aproximadamente 46% em relaçãoao mesmo período de 2003. Porém, ainda há mui-to por fazer,o Brasil tem um imenso potencial,massó fica com 0,5% da receita mundial gerada peloturismo. Infelizmente, pelo que indicam as pes-quisas da Embratur, ainda correspondemos à ima-gem de país inseguro, sujo e sem infra-estruturapara receber visitantes estrangeiros.

De onde vêm os turistas?

Fonte de todos os dados: Embratur

90

85

80

75

70

65

60

55

50

US

$ p

er c

apit

a/di

a

1993

1994

1995

1996 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

60,53

77,10

67,83

67,57

88

86,17

África

América do Sul

América Central

América do Norte

Oriente Médio

Oceania

Ásia

Europa

Religião

Amigos/Família

Negócios/Convenções

Lazer

Educação

Saúde

Outros

19,9%

0,6%

38,8%

36,4%

0,8%

2,1%

0,7%

0,7%

Volume de turistas estrangeiros

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

6,00

5,00

4,00

3,00

2,00

1,00

0,00

milh

ões

de t

uris

tas

1,63

0,401,09

2,85

3,78

5,31

4,10

Por que os turistas vêm?

51,2%

28,3%

15,6%

15,6%0,3%

0,5% 2,6%

Indicadores.qxd 10/30/04 10:06 Page 81

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A revista Desafios do Desen-volvimento consegue destacartemas do maior interese para opaís ao tempo em que transmite oconteúdo de maneira altamenteacessível ao público não especia-lizado. Certamente será uma con-tribuição decisiva para dissemi-nar conhecimentos e informa-ções cruciais à formação de opi-niões e à constituição de consen-sos sem os quais fica muito difícilempreender as reformas de quetanto o país carece. Parabéns.

Mailson da NóbregaSão Paulo - SP

A revista Desafios do Desen-volvimento é mais uma impres-cindível contribuição do Ipea pa-ra o entendimento de nossas difi-culdades econômicas e sociais. Éum espaço para o bom debate.

Deputado Roberto FreirePresidente do Partido Popular

Socialista

Li a revista Desafios do De-senvolvimento e gostei muito,mas acho que ela deveria trazeralgumas reportagens mais leves,temas mais diversificados, sobre-

tudo na área cultural. Tambémacho que algumas vezes a lingua-gem é muito técnica, o que podeafastar o grande público. Para-béns pela iniciativa.

Laïs von WasielewskiCampo Limpo Paulista – SP

No artigo "Males sem remé-dio", da edição de outubro, napágina 57, o quadro da Tubercu-lose informa que no Brasil há 50milhões de infectados pela doen-ça. Não seriam 50 mil?

PS: A revista é muito boa,parabéns.

Jeffrey Frederico LuiJaboticabal – SP

O número está correto: 50 mi-lhões de pessoas foram infectadasno Brasil, mas nem todas desen-volveram a doença.

82 Desafios • novembro de 2004

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

Repr

oduç

ão

Li com muito interesse a re-portagem sobre estudantes ta-lentosos em Matemática, naedição de agosto de Desafiosdo Desenvolvimento e gos-taria de fazer algumas obser-vações. É bom deixar claroque,em geral, esses estudantessão bons não só na área deexatas, mas em outras maté-rias também.

Existe a Olimpíada Paulistade Matemática (OPM), quecomeçou em 1977, dois anosantes da Brasileira. Inscreve-ram-se 2.224 escolas. Quantoperguntamos quantos alunosestavam participando em ca-da escola, o numero somadohavia ultrapassado 1.500.000garotos. Foi daí que saiu a pri-meira turma brasileira para aOlimpíada Internacional deMatemática, realizada na Itália.Um dos integrantes desse gru-po é hoje professor no Insti-tuto de Matemática e Estatís-tica da USP, tendo obtido seuPhD na New York City Uni-versity. Outro é professor nu-ma Universidade do Reino U-

nido. Dois outros são médicos.A OPM tem sido uma das

atividades anuais da Acade-mia de Ciências do Estado deSão Paulo (Aciesp). Além daOPM, a Aciesp realizou atéhoje, mais de 70 simpósios deciência e tecnologia, educaçãoe filosofia e história da Ciên-cia. Publicou os respectivosanais e mais de 30 monogra-fias. Publicou ainda o Glossá-rio de Ecologia, único no país, eQuestões e Soluções da OPM.

Desde 1998 a OPM estásendo organizada e realizadapela Sociedade Paulista deMatemática, cujo Presidente éo Professor Pablo Ganassim.A OPM foi programada, demodo que os vencedores nãofossem conhecidos numa sóprova. Ela ocupa o ano escolartodo – o 1º semestre sendo aprimeira fase, quando 5 alunospor série, por escola, são sele-cionados para a 2a. fase. Nocorrente ano realiza-se a 28ªOPM. A Prova Final será rea-lizada no Instituto de Físicada USP, no dia 06 de novem-bro de 2004.

Com a contribuição demembros da Academia, man-temos um ou dois bolsistas porano. Em 1989 a Vitae– Apoio àCultura e Educação passou aoferecer recursos para manter15 bolsistas, cada um receben-do um salário mínimo. É umprograma super-modesto masjá apoiamos mais de 50 estu-dantes pobres e talentosos.

Shigueo Watanabe São Paulo – SP

Matemática

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