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Julho de 2005 • Ano 2 • nº 12 do desenvolvimento R$ 8,90 ApontoZ.com Julho de 2005 • Ano 2 • nº 12 desafios desafios Economistas debatem roteiro para expansão econômica de longo prazo. Reformas, o papel do Estado, a inovação e os incentivos aos investimentos fazem parte da agenda Crescimento Sustentado WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS “A democracia é uma aventura da humanidade” CORRUPÇÃO Estudo inédito do Ipea aponta irregularidades em 73% das prefeituras brasileiras Edição de aniversário www.desafios.org.br Capadesafios12 vale 06/07/05 11:41 Page 1

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12desafios

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Economistas debatem roteiro para expansão econômica de longo prazo. Reformas, opapel do Estado, a inovação e os incentivos aos investimentos fazem parte da agenda

Crescimento Sustentado

WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS“A democracia é uma

aventura da humanidade”

CORRUPÇÃOEstudo inédito do

Ipea aponta irregularidadesem 73% das

prefeituras brasileiras

Edição de aniversário

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4 Desafios • julho de 2005

Aristides MonteiroDesafios da questão regional

Ademir AssunçãoFome (zero) de literatura

Mauro Borges LemosEm busca de um grande salto à frente

Fernanda De NegriQuem precisa temer a China

Jorge Abrahão de CastroComo avaliar os gastos sociais no Brasil

Adilson de OliveiraImpasses nacionais do setor elétrico

Claudio FerrazPrefeitos reeleitos tendem a ser mais corruptos

Luana PinheiroPor um Orçamento mais feminino

desafiosdo desenvolvimento

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28

38

46

56

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Entrevista Wanderley Guilherme dos SantosA democracia ainda é jovem

Política econômica Em busca do elixir do crescimentoÉ preciso ir além dos fundamentos para atingir a expansão sustentada

Comércio internacional Muralha chinesaAs dificuldades de vender manufaturados para a China

Economia Incentivo à competiçãoVai começar a discussão da nova lei de defesa da concorrência

Corrupção Praga mundialEstudo inédito aponta irregularidades em 73% do municípios

Metas do Milênio O direito à vidaBrasil precisa investir ainda mais no combate à mortalidade materna

Tecnologia Limites para inovarCresce na indústria nacional o interesse pela contratação de pesquisadores

Melhores práticas Fiscais da saúde dos alimentosEmpresa de Botucatu é exemplo de certificadora de produtos orgânicos

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34

36

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54

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Sumário

Artigos

18

Giro

Estante

Circuito

Indicadores

Cartas

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86

Seções

Getty

Imag

es

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Guan

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6 Desafios • julho de 2005

desafiosdo desenvolvimento

Há um ano, nascia Desafios. Foram 12 edições de informação e

debate sobre o desenvolvimento econômico sustentado, com inclusão

social, conservação ambiental e fortalecimento da inovação científica e

tecnológica brasileira. Doze entrevistas, 87 matérias e 67 artigos

mostraram os mais diferentes ângulos e a diversidade de opiniões sobre

os temas relevantes da agenda pública nacional, com o rigor e a

independência característicos do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea). E sempre com foco no leitor.

A parceria solidária do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (Pnud) foi fundamental para a realização do

trabalho. A revista contou também com o apoio do Instituto Uniemp,

do Banco Interamericano de Desenvolvimento e de um conjunto

valioso de anunciantes e leitores, sem os quais o projeto não teria

decolado. Por fim, é preciso agradecer aos colegas do Ipea, pela

receptividade e pelo apoio constantes, que tornaram viável a tarefa.

A todos, o nosso reconhecimento.

O tema da capa desta edição especial de Desafios trata do futuro da

economia do Brasil. Quatro renomados economistas do Ipea e Luiz

Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade de Campinas, participaram

de uma mesa-redonda produzida especialmente para debater o assunto.

Fica o lembrete: os fundamentos macroeconômicos não bastam para

garantir o desenvolvimento de longo prazo. Inovação tecnológica,

fortalecimento do papel do Estado, reformas como as da Previdência e

a fiscal são itens que não devem sair da pauta se o interesse é crescer de

forma constante e socialmente justa. Ainda no campo econômico,

Desafios traz opções de leitura como a reportagem “Muralha chinesa”,

que apresenta as dificuldades para exportarmos produtos com maior

valor agregado, e “Incentivo à Competição”, sobre os principais

pontos a serem alterados na nova lei de defesa da concorrência.

Uma contribuição ao debate sobre corrupção. Esta foi a intenção

da equipe que participou da apuração da matéria especial sobre o tema,

que traz opiniões de especialistas e um estudo inédito do pesquisador

do Ipea, Claudio Ferraz, sobre o desvio de verbas em prefeituras

brasileiras. Ainda, vale a pena ler a entrevista com o professor e cientista

político Wanderley Guilherme dos Santos, que fala de mobilização

social, desenvolvimento e os riscos da democracia em tempos

de crise como a atual. Bom proveito!

Maysa Provedello, Editora-Chefe

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

Carta ao leitorwww.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

RedaçãoEDITORA-CHEFE Maysa Provedello

EDITORES Andréa Wolffenbüttel e Ottoni Fernandes Jr.

EDITORAS ASSISTENTES Clarissa Furtado, Lia Vasconcelos e Marina Nery

COLABORADORES Cláudia Costa (redação),Andrea Marques, Doryan Dornelles,Ricardo B. Labastier (fotografia), Orlando (ilustração), Ivana Gomes (revisão)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Evangelista

ARTE Rafaela Ranzani

CAPA ApontoZ.com TRATAMENTO DE IMAGEM E FINALIZAÇÃO Inovater

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71) 9988-4211• e-mail: [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • e-mail: [email protected] GERAIS • Ponto de Vista Comunicação MarketingTel. (31) 3281-7363 • e-mail: [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (41) 3019-3717 – Fax (41) 3019-3716 • e-mail: [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • e-mail: [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • e-mail: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

RedaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFTel.: (61) 315-5188 Fax: (61) 315-5031

Circulação e PublicidadeRua Urussuí, 93, 13° andar, CEP 04542-050 – São Paulo, SPTel./Fax: (11) 3073-0722

Administração Instituto UniempAv. Paulista, 2198, conjunto 16 – CEP 01310-300 – São Paulo, SPTel.: (11) 2178-0466 Fax: (11) 3283-3386

Assinaturas TeletargetTel.: (11) 3038-1479 Fax: (11) 3038-1415 • [email protected]

Atendimento ao Jornaleiro LM&X - Tel.: (11) 3865-4949

Impressão Gráfica e Editora Pallotti

Distribuição Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações

Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaMinistério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoOrganização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

Tiragem: 20.000 exemplares

JORNALISTA RESPONSÁVEL • Maysa Provedello

Patrocínio Apoio

carta ao leitor 11 04/07/05 12:46 Page 6

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Prêmio

Oportunidade para pesquisadores

Monitordas reformas

O Congresso está em reces-so durante o mês de julho

8 Desafios • julho de 2005

GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

Os investimentos das empre-sas brasileiras no exterior deramum salto surpreendente entre2003 e 2004. Saíram de um pata-mar de 240 milhões de dólarespara 9,47 bilhões em apenas umano, o que representa crescimentode quase 4.000%. Os númerosacompanham uma tendência dospaíses em desenvolvimento, segun-do estudo elaborado pela Confe-rência das Nações Unidas para oComércio e o Desenvolvimento(Unctad). O levantamento mostrouque os investimentos externos des-ses países cresceram 6,1 vezes de1990 a 2003 (de 131 bilhões dedólares para 929 bilhões), quaseo dobro do ritmo de expansão dosinvestimentos dos países industria-lizados, que foi de 3,5 vezes. Omaior impulso veio das empresasasiáticas, cujas aplicações diretasno exterior aumentaram mais de12 vezes nesse período. Em 2004,o Brasil respondeu por 30% dosinvestimentos estrangeiros realiza-dos por América Latina e Caribe,seguido pela Argentina, com 11%,e pelo México, com 7,5%.

Já estão abertas as inscriçõespara o 2.º Prêmio Ipea-Caixa, quetem o objetivo de incentivar as pes-quisas nas áreas de desenvolvimen-to econômico, social e financeiro. Oprêmio é fruto da parceria entre oInstituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) e a Caixa EconômicaFederal, e distribuirá de 2 mil a 20

mil reais aos melhores trabalhos. Ostemas são Mercado de Trabalho,Emprego e Informalidade, Sistemasde Financiamento e Oferta de Cré-dito. Existem duas categorias dife-renciadas de premiação: para estu-dantes de graduação e para profis-sionais.Os dois primeiros colocadosterão suas pesquisadas publicadas

pelo Ipea. O prazo para entrega dasmonografias se encerra em 15 deagosto para os trabalhos enviadosvia carta registrada e em 22 deagosto para os remetidos via en-comenda expressa (Sedex). Outrasinformações podem ser obtidas nosite do prêmio: ww.ipea.gov.br/ipea-caixa/premio.htm.

A produção nacional de vinhos começa a ser observada com atençãopelos mais famosos viticultores do mundo, os franceses. Depois que aregião do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, inovou em relação aos paí-ses do Novo Mundo criando a primeira Indicação de Procedência de vinhosdo Brasil, o Rio Grande do Sul recebeu a visita de dois enólogos franceses.Florent Girou e Etienne Besancenot desenvolvem um estudo internacionalsobre o terroir, conjunto de fatores naturais e humanos que condicionam aqualidade do vinho. É a primeira vez que o Brasil é incluído nesse tipo delevantamento, dos quais normalmente só participam, pela América Latina,a Argentina e o Chile, tradicionais produtores e exportadores de vinho. Osvinhedos da Serra Gaúcha também estão presentes num documentárioelaborado pelos mesmos pesquisadores e na última edição da maior feiramundial de vinhos, a Vinexpo, ocorrida em Bordeaux, na França, no mês pas-sado. Jorge Tonietto, pesquisador da área de Zoneamento e Agroclimato-logia da Embrapa Uva, foi convidado a fazer uma palestra sobre os avançose a experiência brasileira no desenvolvimento da produção de vinhos dequalidade de origem controlada.

Investimentos

Alémdas fronteiras

Viticultura

Os franceses estão de olho...

Qual a influência que a possi-bilidade de reeleição tem sobre acondução da economia? Um estudoelaborado pelo Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada (Ipea), emconjunto com a Universidade deBrasília e o Senado Federal, apli-cou um modelo matemático paraavaliar o efeito que a possível re-novação do mandato teve sobre osprefeitos no pleito de 2002. Par-tindo de fórmulas desenvolvidaspor estudiosos norte-americanos ebrasileiros, a pesquisa concluiuque, em relação às despesas o go-vernante tende a controlar os gas-tos públicos, pois sua chance dereeleição diminui à medida que amáquina administrativa consomemais, porém geralmente ele au-menta os investimentos, principal-mente as obras. Notou-se que oeleitor condena quem gasta muitoe premia quem investe, confirman-do a intuição de que obras públicascativam o eleitorado. O governantetambém sabe que pode influir emsua probabilidade de reeleição pormeio da política fiscal, o que criaum incentivo ao gasto excessivo emanos eleitorais. Por outro lado, elepercebe o custo futuro desse com-portamento, o que faz com queaqueles que têm mais chance deser confirmados no cargo apliquempolíticas mais austeras.

Política

O custo do voto

Fotos Divulgação

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História

Fazendo a América

Indústria farmacêutica

Maria-milagreira

Desaf ios • julho de 2005 9

Meio ambiente

A guerra dos pneusA decisão do governo de proi-

bir a importação de pneus usados,tomada durante reunião da Câmarade Comércio Exterior no fim do mêspassado, dificilmente vai conseguirpôr um ponto final na velha polêmi-ca que envolve o tema. Primeiro, háum entrave regional: a sentença doTribunal Arbitral do Mercosul con-tinua obrigando o Brasil a receberpneus usados do Uruguai. Depois,há a reação de além-mar: a UniãoEuropéia (UE) imediatamente ape-lou à Organização Mundial do Co-mércio contra as barreiras brasi-leiras à entrada de pneus usados. Oproblema é que, a partir de 2006,os países da UE não poderão maisdepositar as carcaças em aterrossanitários, e muitos procuram solu-

cionar o problema exportando oscerca de 80 milhões de pneus quesão jogados fora todos os anos.Teoricamente, o Brasil não permitea importação de pneus usados, mas,como não há lei específica, diver-sas liminares autorizaram as tran-

sações, cujos volumes não paramde crescer. A Associação Brasileirado Segmento da Reforma de Pneusreclama da quebra de contrato ealega que o setor será prejudicado,colocando em risco cerca de 1,6mil empresas e mais de 80 mil em-pregos. Independentemente da en-trada dos estrangeiros, o Brasil ain-da não conseguiu equacionar oproblema internamente. Os pneussão resíduos de difícil eliminação,não são biodegradáveis e sua quei-ma libera substâncias tóxicas e can-cerígenas.Além de servir de criató-rio para mosquitos transmissoresde doenças tropicais, como a den-gue.Todos os anos, aproximadamen-te 175 mil toneladas de pneus sãodescartadas no país.

Aché, o maior laboratório far-macêutico nacional, acaba de lan-çar o primeiro medicamento total-mente desenvolvido no Brasil, des-de a descoberta do princípio ativoaté a chegada às prateleiras dasfarmácias.O antiinflamatório Ache-flan, produzido com a erva-baleei-ra, tem uma história inusitada. Háalgum tempo,Victor Siaulys, presi-dente do Conselho de Administra-ção do Aché, machucou-se duranteuma partida de futebol na praia.Um caseiro da região ofereceu umungüento à base da planta, tam-bém conhecida como maria-mila-greira, para aliviar a dor. Diantedos efeitos rápidos e positivos, oexecutivo sugeriu um estudo maisaprofundado sobre os poderes cu-rativos da substância. Foi assimque, sete anos depois, o remédiochegou ao mercado. Foram consu-midos cerca de 15 milhões dereais em pesquisas, mas o presi-dente do laboratório, Eloi Bosio, es-tá confiante no retorno. “O lança-mento do Acheflan vai revolucio-nar o mercado farmacêutico na-cional.As perspectivas são inúme-ras, especialmente neste momen-to, quando pesquisadores do mun-do todo buscam novas opções deantiinflamatórios. Quebramos umparadigma.Temos a patente inter-nacional do medicamento e já fo-mos, inclusive, procurados por la-boratórios estrangeiros.”

O primeiro mapa a registrar ocontinente americano foi arremata-do por 1 milhão de dólares em lei-lão realizado pela Christie’s de Lon-dres. O obra do cartógrafo alemãoMartin Waldseemüller data de 1507,apenas 15 anos depois da famosaviagem de Cristóvão Colombo, e éuma peça determinante na história

da cartografia porque, até então,ainda eram usados os mapas elabo-rados pelos gregos antigos. Foi em1505 que o duque francês de Lore-na, René II, pediu a um grupo de es-tudiosos para criar um novo traçadodo mundo, baseado nas observaçõesde Américo Vespúcio. Existem maistrês exemplares conhecidos do ma-

pa de Waldseemüller. Um deles estána Universidade de Minnesota, nosEstados Unidos, e os outros dois embibliotecas públicas da Alemanha,em Munique e em Offenburg.Há ain-da um mapa muito maior, de 1515,comprado pela Biblioteca do Con-gresso de Washington por 10 mi-lhões de dólares em 2003.

2002 2003 2004 2005*

(*) De Janeiro a maioFonte: Secex

Importação de pneus usados

(em mil toneladas)

80

70

60

50

40

30

20

10

0

23,3

39,1

70,8

41,3

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10 Desafios • julho de 2005

A r i s t i d e s M o n t e i r oARTIGO

lançamento, pelo Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), dos da-dos de Produto Interno Bruto (PIB)dos municípios entre 1999 e 2002

trouxe evidências de um quadro de concentraçãoprodutiva no espaço nacional que resiste às mu-danças. As desigualdades entre regiões (e esta-dos), depois de uma fase de salutar diminuição(1970-1985), passaram a apresentar um padrãode oscilações sem que seja possível definir umatendência inequívoca de aumento ou redução.

As capitais dos estados continuam sendo oscentros produtivos mais importantes em cada es-tado. Os municípios de São Paulo, Rio de Janeiro,Brasília, Manaus (estes dois últimos são novosnos primeiros lugares do ranking ) e Belo Ho-rizonte são as cinco áreas mais ricas do país. Osmaiores PIBs per capita estão nos municípios-sede de indústrias petroquímicas, sendo os maisimportantes São Francisco do Conde (BA),Triunfo (RS), Quissamã (RJ), Carapebus (RJ),Rio das Ostras (RJ) e Paulínia (SP).

Tais constatações não configuram reais novi-dades e são a pura expressão do esforço da etapadesenvolvimentista brasileira, que consolidou aindustrialização no período 1930-1980, especial-mente no caso dos municípios detentores deplantas petroquímicas – construídas pelo Esta-do via instrumentalização do gasto da Petrobrasou de suas subsidiárias.

A análise das estruturas setoriais no espaçonacional fornece pistas adicionais do movimen-to de concentração/desconcentração produtiva.As disparidades na agropecuária tendem, de fa-to, a reduzir-se com a maior ocupação das áreasde fronteira (Centro-Oeste, Norte e nos cerradosirrigados do Nordeste) para produzir grãos ex-portáveis. No entanto, a agricultura paulista dealto valor agregado aumentou sua parcela do PIBsetorial. Resultado que, em termos líquidos, re-duziu o impacto da desconcentração em direçãoàs áreas de fronteira.

Na indústria o quadro é menos claro. Houvedesconcentração no conjunto da indústria detransformação, com a parcela de São Paulo cain-do de 58,2% do total nacional em 1970 para

49,5% em 1998. As regiões Nordeste e Sul, quedetinham, respectivamente, 5,7% e 12,0% doPIB da indústria de transformação em 1970,atingiram os percentuais de 8,3% e 19,4% em1998. Também houve ganho relativo para as de-mais regiões do país. No entanto, quando a aná-lise desce a níveis mais detalhados, por ramos deatividade da indústria, os dados apontam umareconcentração em São Paulo daqueles que ge-ram maior valor adicionado.A participação pau-lista no total nacional aumentou nas seguintes in-dústrias: gráfica, informática, eletrônica e comu-nicações, alimentos bebidas e minerais não-metálicos.A desconcentração de São Paulo parao resto do país ocorreu, principalmente, em fu-mo e couro/calçados.

Esse panorama pouco claro acerca das forçasque movem as disparidades espaciais, entretanto,somente adquire maior relevo quando se observaa incapacidade da ação governamental de coor-denar a expansão das estruturas produtivas paraalcançar um desenvolvimento equilibrado re-gionalmente.As reformas econômicas, devotadaspara a inserção virtuosa do país nas correntes in-ternacionais de comércio e de investimento,postasem prática na última década, não deram o resul-tado esperado. A performance da economia na-cional e regional revelou-se fraca no último perío-do (1990-2002), caracterizado pelas reformas li-berais, em comparação com o período desenvol-vimentista com intervenção estatal (1960-1989).

Aristides Monteiro é pesquisador do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea)

Desafios da questão regional

“A indústria

paulista de alto

valor agregado

aumentou sua

parcela no PIB

setorial, movimento

na contramão da

desconcentração

industrial mais geral”

O

1960-1989 1980-1989 1990-2002

Norte 0,71 3,48 0,02

Nordeste 3,47 1,49 1,76

Sudeste 3,46 0,41 1,04

Sul 4,20 1,85 1,21

Centro Oeste 4,00 2,41 3,11

Brasil 3,64 1,00 1,29

Fonte: IBGE. Elaboração do autor

Taxas Anuais de Crescimento do PIB per capita

Divu

lgaç

ão

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12 Desafios • julho de 2005

As pol ít icas governamentais inf luem menos na v ida das pessoas nos ENTREVISTA

reforma política, em fase de discussão no Congresso bra-sileiro, diminuirá o poder dos eleitores, que já participampouco. É por opiniões como essa que o cientista político

Wanderley Guilherme dos Santos é considerado polêmico. Es-tudioso da democracia e dos ciclos autoritários do Brasil, discorresobre temas como mobilização social e participação civil. Lembraque a democracia é uma aventura recente da humanidade, comriscos elevados, mas também com muitas promessas de ganhospara a população.

P o r M a y s a P r o v e d e l l o , d o R i o d e J a n e i r o

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A democracia ainda é jovem

Fotos Andrea Marques/Fotonauta

Entrevista 02/07/05 17:08 Page 12

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Desaf ios • julho de 2005 13

países desenvolv idos, mas podem ser cruciais para a população nos países mais pobres

“Eu sou um intelectual pequeno-bur-guês,apartidário, de esquerda”, se autode-fine Wanderley Guilherme dos Santos, comum sorriso um tanto quanto desafiador nocanto da boca. Nascido no Rio de Janeiro,estudou Filosofia na antiga Universidadedo Brasil, hoje Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ), e concluiu o cursono final dos anos 50. Na década seguinte,depois de ter sido afastado do cargo deprofessor do Instituto Superior de EstudosBrasileiros (ISEB) pela ditadura militar,foi cursar pós-graduação na Universi-dade de Stanford, nos Estados Unidos, deonde voltou para dar aulas e coordenarpesquisas na Universidade Cândido Men-des e no Instituto Universitário de Pes-quisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).

Em 47 anos de vida acadêmica, es-creveu 15 livros e centenas de artigospara jornais e revistas. É um dos mais im-portantes teóricos brasileiros na área deciências políticas e desenvolveu três ín-dices utilizados em estudos acadêmicose políticos, para avaliar competição elei-toral, renovação parlamentar e estabili-dade governamental. Foi um dos autoresdo livro Brasil – Estado de uma Nação,publicado em 2005 pelo Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea), respon-sável pelo tema “participação e cidada-nia”, juntamente com Argelina Figueire-do, também cientista política, da Univer-sidade Estadual de Campinas.

Em seus livros costuma aliar históriacom sociologia e antropologia, de formabem-humorada e quase sempre provoca-tiva. Exprime seu lado mais opinativo epolêmico nos artigos para jornais e re-vistas.“É onde milito.Tenho um bom his-tórico acadêmico, produzi bastante, souorgulhoso do que fiz. Mas também tenhominhas opiniões e, nessa medida, eu soupolêmico, porque como cidadão defendoposições”, diz.

Longe da torrede marfim

Desafios – O mundo vive hoje uma espécie de

questionamento global sobre a democracia. Re-

centes pesquisas de opinião feitas na América

Latina revelam certo saudosismo dos regimes

ditatoriais, pois o sistema democrático não teria

resolvido a questão econômica. A democracia

está em risco?

Santos – Há uma discrepância entre oque as pessoas esperam para sua vidapessoal, como resultado do exercícioinstitucional da democracia, e aquiloque efetivamente cabe a cada um denós na vida democrática. Essa discre-pância entre expectativas e realizaçõespessoais não é um fenômeno estrita-mente brasileiro. Existe atualmente emtodo o mundo.A cada mês é publicadoum livro sobre o tema, nos EstadosUnidos ou na Europa. É o fenômenoda insatisfação popular com a demo-cracia, com os políticos. Mas essas pes-quisas lidam com alto grau de subje-tividade e seus resultados dependemdo momento que o país está vivendoquando são feitas.Se a fase é boa,apon-tam que a democracia é benéfica. Issoestá muito ligado às promessas implí-citas no sistema democrático, queanunciavam um futuro paradisíaco emcomparação com o passado oligárqui-co e de monarquia absolutista.

Desafios – Então a confusão se dá no campo da

percepção do que as pessoas esperam da

democracia?

Santos – É preciso lembrar que os teó-ricos clássicos originais da democracialiberal prometiam o céu na terra, emcontraponto ao purgatório do sistemaoligárquico e ao inferno da monarquiaabsolutista. Ao longo do tempo a de-mocracia passou a ser considerada umestado da natureza, o que não aconte-cia no sistema oligárquico ou no siste-ma absolutista. Quando as pessoasprojetam um modelo democráticoideal, fazem a comparação com o queexistia há 20 anos e não com o sistemapolítico anterior. Eventualmente, pode-ria estar melhor. E aí reclamam e têm

toda a razão, pois desejam um mundomelhor, que a democracia não é capazde garantir. Assim como durante operíodo em que todo mundo era fa-vorável à democracia o que havia debom na sociedade não era responsa-bilidade das instituições democráticas.

Desafios – Existe uma tendência de confundir

regime político com condição econômica?

Santos – As instituições políticas exis-tem para administrar os conflitos so-ciais de forma ordenada e permitir al-ternância no poder de maneira regular,com a aceitação dos resultados por to-das as partes. Implica participação li-vre e competição igualitária, tantoquanto possível.Mas a democracia nãopode fazer mais nada, não aumenta arenda de ninguém. Um Congressoaberto também não aumenta a rendade ninguém, mas ao funcionar livre-mente permite que alguém proponhaum projeto de distribuição de rendaque poderá ser bem-sucedido, depen-dendo de uma série de condições. Asinstituições democráticas asseguramque os conflitos sejam resolvidos pelavontade majoritária. Há certo equívo-co historiográfico no tratamento dademocracia.

Desafios – Por quê?

Santos – Porque ele é muito recente. Noinício do século XX a democraciainstitucionalmente universalizada, comdireito de voto para todos, homens emulheres, sem a necessidade de ser ri-co, só existia na Nova Zelândia e naAustrália. Demorou muito tempo atéque outros países alcançassem o direi-to universal de participação, sem res-trição de renda, raça ou gênero. Em1924, as mulheres votaram pela pri-meira vez na Inglaterra. Na Suíça, apopulação votou pela primeira vez em1970, ou seja, praticamente ontem.

Desafios – Existe um mau uso do termo demo-

cracia por parte dos políticos?

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ções e a criação de organizações não-governa-

mentais. Como se deu esse movimento?

Santos – Uma das razões da forte ex-pansão do movimento de mobilizaçãosocial organizado foi a competição reli-giosa entre a igreja católica e as protes-tantes. A igreja católica deteve duranteséculos aquilo que podemos chamarde “monopólio das comunicações” enão se preocupava muito com ospoderes locais, com as classes maisbaixas. Com a entrada dos protes-tantes, sobretudo aqueles com deno-minações mais populares, a igreja ca-tólica mudou, passou a se organizar.Asduas igrejas fortaleceram a participa-ção popular. Também surgiram outras

crônicas e trágicas em nações como anossa. Tem uma carga elétrica monu-mental, que não encontramos, porexemplo, na Suécia. Por isso me preo-cupam as comparações de percepçãopolíticas feitas pelas pesquisas deopinião em diferentes países, que per-guntam se as pessoas estão contentescom a democracia. É difícil comparar,e os resultados podem ser perversos eequivocados.

Desafios – O Brasil viveu, desde a década de 80,

um período de abertura democrática. A socie-

dade brasileira participou desse processo de

forma ativa, não só por meio do voto, mas de

outras maneiras organizadas, como as associa-

Santos – Na tentativa de conseguirvotos, os políticos prometem realizaruma série de coisas que não têm comocumprir, e os eleitores acreditam que aresponsabilidade pela não-realizaçãoé de toda a classe política e das insti-tuições políticas. Mas isso faz parte dojogo.A democracia é uma experiênciamaluca na história da humanidade.Imagine só poder se auto-administrar,sem a interferência de um rei, de umaelite ou dos mais ricos. Mesmo na épo-ca dos teóricos como John Locke, quefoi um dos pais do governo liberal, ademocracia era limitada, pois paravotar era preciso ter renda. Hitler eMussolini alcançaram o poder pelovoto. São patologias das quais a de-mocracia não está livre, implícitas emsua forma de ser.

Desafios – Existe alguma diferença na forma

como os habitantes de países desenvolvidos e

em desenvolvimento encaram a política?

Santos – Acredito que sim. A insatis-fação com a democracia e com a po-lítica pode significar coisas diferentesnos países em desenvolvimento ou nosdesenvolvidos. Para quem vive nospaíses desenvolvidos a forma de fun-cionamento do governo é irrelevantepara a vida das pessoas, a não ser emcasos extremos, como uma guerra. Aturma não se importa se o governo temuma política assim ou assado. Deixamas coisas acontecerem porque a eco-nomia caminha de forma indepen-dente e as taxas de sobrevivência dasclasses mais baixas já estão garantidas,não dependem das políticas de gover-no. Isso não acontece nos países po-bres, onde as pessoas precisam das ini-ciativas governamentais para viver.Precisam de segurança social. Todosprestam atenção em tudo o que é feitopelo governo, em todo o momento. Enão apenas a população pobre, mastambém o empresariado, que depen-de de políticas de governo, como a decâmbio, de exportação, de tarifas deimportação, de taxas de juro. Por isso,a política, que tem relações iguais nomundo inteiro, adquire dimensões

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forças, ligadas a sindicatos corpora-tivos, como advogados, médicos. Hou-ve um acúmulo de material de base.

Desafios – Os brasileiros são pouco participa-

tivos politicamente? Poderiam ser mais ativos?

Santos – Existe um tipo de mistério quefaz com que uns participem mais doque outros. Mas eu tenho uma hipó-tese. Acho que é algo ligado ao custodo fracasso da participação. Uma pes-soa, para participar de uma organiza-ção, seja para criá-la, seja meramentepara ser membro, tem de investir tem-po, cumprir tarefas. E também corre orisco de fracassar nas suas intenções.O custo de fracassar é baixo num paísdesenvolvido, com estruturas demo-cráticas e políticas realmente sólidas.Quem fracassar em sua participaçãopolítica voltará para sua vida normal.Mas, num país como o nosso, quandoalguém participa de uma organizaçãopolítica, além de investir tempo, di-nheiro, corre o risco de ser discrimi-nado, de ser preso, de perder benefí-cios. Por isso, as pessoas acabam cal-culando muito bem se vale a penaentrar nisso ou não. Eu acho que anossa participação política é a que po-demos ter, igual à do Uruguai, à doChile ou à da Argentina.

Desafios – Em outras palavras, é baixa?

Santos – É baixa porque nosso índicede constitucionalidade efetiva é redu-zido, ou seja, é limitada a capacidadede exercício dos direitos constitucio-nais, independentemente da latitudegeográfica, do estado civil, do gênero,da renda ou do nível educacional. NoBrasil, na vida real, só alguns têm di-reitos constitucionais, não todos. Amá distribuição dos direitos constitu-cionais é pior do que a má distribui-ção de renda.

Desafios – A falta de eqüidade quanto aos direi-

tos constitucionais é o que nos leva ao pódio das

desigualdades sociais?

Santos – O fato de a desigualdade nãose mover no Brasil é um enigma queprecisa ser desvendado. É inegável que

nos últimos 50 anos o país se transfor-mou de maneira profunda em termosmateriais. Apesar disso, as distânciasentre as pessoas permanecem as mes-mas. O analfabetismo vem sendo re-duzido no Brasil desde 1940 à taxamédia de 5 pontos percentuais pordécada, mas o número de analfabetoscontinua péssimo. As distâncias nãomudam. A inércia social e a falta demobilização das pessoas prejudicadastambém ajudam a situação a ficarcomo está. Se todo mundo quisessemudar, talvez fosse diferente.

Desafios – Em sua opinião, o Brasil será sempre

o “país do futuro”?

Santos – Acho muito difícil que nóscheguemos a esse ponto se a idéia defuturo significar que o Brasil terá umacapacidade econômica e tecnológica

igual à dos Estados Unidos. Mas se oideal for de uma nação com perfilpróprio acho que estamos no cami-nho. Nós estamos sempre no futuro eno presente. Eu aprecio muito e achoextraordinário o que o povo brasileirofez nos últimos séculos, pois o Brasiltinha uma renda per capita inferior àde Honduras no início do século XX.

Desafios – Mas falhamos na distribuição desse

crescimento...

Santos – É o enigma do Brasil quecresce, mas continua imóvel na distri-buição da riqueza. Não existe exemplode país que tenha tido tanta transfor-mação econômica e social e manteve a

“O voto é um direito

constitucionalmente

garantido no país, que será

retirado com o voto elitista,

por legenda, porque não se

votará mais num candidato”

desigualdade estável no último século.

Desafios – Quais os riscos políticos e democráti-

cos que o país enfrenta com a atual crise vivida

pelo governo Lula com as acusações de paga-

mento de parlamentares da base aliada no Con-

gresso Nacional?

Santos – A meu ver, existem vários ris-cos, como o de impedimento do presi-dente, bem como de uma inoperâncialegislativa, ou seja, o governo continua,porém produzindo pouco. Existemforças interessadas em anular o poderdo presidente da República e impedirsua reeleição. Há um grande risco de ogoverno passar o próximo ano e meiosem aprovar o que precisa, dada a suafragilidade.

Desafios – É necessário aproveitar o momento

para fazer a reforma política?

Santos – Eu acho que essa tolice de in-ventar uma reforma política é umaforma de oligarquização, de limitar aparticipação da população, que já éreduzida. O voto é uma das formasnobres que ela tem para participar eserve para julgar o desempenho dospolíticos. Tanto assim que a taxa derenovação dos políticos, devido a der-rotas, é bastante elevada no Brasil. Ovoto é um direito constitucional-mente garantido no país, que será reti-rado com o voto elitista, por legenda,porque não se votará mais num can-didato. Quem definirá os escolhidosserá a oligarquia partidária. Com ovoto por legenda haverá espaço paraos candidatos dos movimentos ne-gros, dos movimentos feministas, dosmovimentos dos homossexuais, dosmovimentos dos marginalizados davida? Como eles seriam escolhidos?Como eles fariam parte da lista dospartidos e estariam entre os primeiroslugares dessas listas?

Desafios – Mas existe um problema sério quanto

à f idelidade partidária, que é um tanto quanto

escandaloso, não?

Santos – Sim, é um horror, mas issopode ser resolvido com mudanças nalegislação eleitoral. d

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16 Desafios • julho de 2005

A d e m i r A s s u n ç ã oARTIGO

m uma cultura cada vez mais dominadapela imagem, a literatura se converteunuma espécie de prima pobre das artes.Até mesmo nas políticas públicas que es-

tão sendo criadas vemos grandes investimentos,inclusive de estatais, em cinema, teatro, músicae dança. Em literatura, ainda, quase nada. No en-tanto, a literatura trabalha diretamente com oidioma de uma comunidade. Quer dizer: com amoeda corrente para nos comunicar com o ou-tro, para nos fazer entender e tentar entender omundo. Portanto, tem papel fundamental emqualquer sociedade.

O enfraquecimento da criação, da difusão edo acesso à produção literária, é fácil notar, des-camba rapidamente para uma anestesia geral epara uma incapacidade crítica e seletiva do públi-co. Especialmente nos dias de hoje, em que esta-mos expostos a uma avalanche de lixo veiculadopela televisão e pelos meios de comunicação emgeral, é fundamental que o poder público com-preenda e assuma sua responsabilidade de incen-tivar as iniciativas artístico-culturais e garanta oacesso do público a elas.

Uma política cultural eficiente para a literatu-ra terá, necessariamente, de enfocar dois eixos: oda criação e o da leitura.A despeito da produçãoliterária de altíssima qualidade, o Brasil é um paísde poucos leitores. Há um hiato, uma distância,entre os dois pólos. Produz-se boa literatura noBrasil, mas o público não toma conhecimento,não tem acesso. É preciso, então, urgentemente,aproximar essas duas pontas do mesmo fio.

No final de 2004 o governo Lula anunciou adesoneração de todos os impostos da cadeia pro-dutiva do livro e propôs,em contrapartida,que osgrandes editores contribuíssem com 1% de seu fa-turamento bruto para a criação do Fundo Nacionaldo Livro.Houve concordância geral.Um passo im-portantíssimo: é fundamental que esse Fundo se-ja de fato criado e que os recursos sejam bem apli-cados nos dois pólos, o da leitura e o da criação.

O Projeto de Lei do Livro, da Leitura e das Bi-bliotecas,encaminhado ao Congresso Nacional,éuma ótima iniciativa para o estabelecimento depolíticas públicas,mas ignora o principal agente da

cadeia produtiva: o escritor. O inciso “d”do artigo18 estabelece entre as atribuições do ConselhoNacional do Livro e da Leitura,a ser criado,a tare-fa de “propor às instâncias competentes, políticas,programas de promoção da indústria edito-rial como estratégia de desenvolvimento econô-mico e social, e promover ações de incentivo àcomercialização e exportação de livros (gri-fos do autor),como atividades de potencial econô-mico”.É evidente que a indústria editorial tem essepapel de desenvolvimento econômico,mas,ao nãomencionar, em nenhum artigo do Projeto de Lei,o incentivo à criação literária,o texto peca ao trans-formar a literatura numa mera questão de merca-do.É como se fossem criadas políticas para a agri-cultura sem a participação dos agricultores.

Atentos a essas falhas, um grupo de 180 escri-tores de vários estados do país entregou às autori-dades do Ministério da Cultura, em novembro de2004,o manifesto Temos Fome de Literatura,comcinco reivindicações e dez propostas básicas parao estabelecimento de políticas públicas para a li-teratura, e não apenas para o livro. O manifesto,entre outros itens, reserva amplo apoio à propos-ta do governo Lula de criação do Fundo Nacionaldo Livro e da Leitura (reivindicando a inclusão dotermo “literatura”) e propõe que 30% dos recur-sos sejam aplicados em projetos independentesde criação literária: produção de revistas, CDs,jornadas literárias, bolsas de criação, caravanas deescritores pelas universidades e colégios de todoo país, intercâmbio com outros países etc.

No momento em que se discute a implanta-ção do Plano Nacional do Livro e da Leitura, éimportante que o poder público tenha claro a ne-cessidade do fomento à leitura, mas também àcriação literária, e não apenas ao seu produto, olivro. Livro pode ser qualquer um. Literatura sãooutros quinhentos. Isso é fundamental para quetenhamos um país não apenas de leitores, mas debons leitores. E uma literatura forte, que possa seombrear com qualquer outro país do planeta.

Ademir Assunção é poeta, escritor e jornalista, autor dos livros Zona Branca

e Adorável Criatura Frankenstein, entre outros. Lançará em agosto o CD Rebelião

na Zona Fantasma. Integra o Movimento Literatura Urgente

Fome (zero) de literatura

“Na a implantação do

Plano Nacional do

Livro e da Leitura, é

importante que o

poder público tenha

clara a necessidade de

fomento à leitura, mas

também à criação

literária, e não apenas

ao livro. Livro pode ser

qualquer um. Literatura

são outros quinhentos”

EJuve

nal P

erei

ra

Artigo_Ademir 02/07/05 17:12 Page 16

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18 Desafios • julho de 2005

Mesa-redonda no

Instituto de Pesquisa

Aplicada debate um roteiro

de mudanças para

sustentar a

expansão da economia

brasileira e as

reformas que

ainda são necessárias

POLÍTICA ECONÔMICA

o completar um ano de existência, a revista Desafiosvolta a debater um tema que faz parte permanentementede sua pauta: como alcançar o crescimento econômicosustentado,que impulsione o desenvolvimento humano

e permita reduzir as desigualdades sociais.Com essa finalidade,foirealizada uma mesa-redonda no escritório do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea),no Rio de Janeiro,no dia 22 de junho,com a participação dos pesquisadores da instituição, João AlbertoDe Negri, Marcelo Piancastelli, Fábio Giambiagi e Regis Bonelli, eo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)LuizGonzaga Belluzzo. A coordenação dos trabalhos coube a PauloLevy, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea.

Ficou evidente que a sustentabilidade do crescimento econô-mico não depende apenas de fatores no campo da economia, co-mo o aumento da taxa de investimento, mas de um arranjo insti-tucional que dê segurança aos investidores. Embora o Estado jánão tenha um papel tão determinante para sustentar a expansão

Em busca do elixir do

da economia, como nos anos 60 e 70 do século passado, não podedeixar de ser um ator de primeira linha, especialmente para me-lhorar a qualidade de seus gastos, que libere recursos para inves-tir na área social e em infra-estrutura. A reforma do sistemaprevidenciário brasileiro também foi foco de intensa preocu-pação, sobretudo porque o aumento da expectativa de vida dapopulação pode agravar o déficit do Instituto Nacional de Se-guridade Social (INSS), que cresceu nos últimos anos.A questãoda inovação tecnológica também esteve no centro das discus-sões, com o reconhecimento de que as empresas progrediramnesse campo, mas que ainda é preciso um impulso mais forte porparte do Estado, pois pode contribuir decisivamente para o au-mento da produtividade da economia. Outro ponto que mere-ceu atenção dos participantes foi a necessidade de revisar o pactofederativo que resultou da Constituição de 1988, com a redistri-buição de responsabilidades entre governo federal, estados e mu-nicípios. Boa leitura!

A

crescimento P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r. , d o R i o d e J a n e i r o

GettyImages

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Levy – A revista Desafios, em sua primei-ra edição, há quase um ano, buscava dis-cutir qual era a agenda de prioridades paragarantir um processo de crescimento eco-nômico sustentado. Partia do pressupos-to de que a estabilidade econômica era es-sencial para promover o desenvolvimen-to econômico. A matéria de capa da pri-meira edição colocava a necessidade de al-gumas reformas do ponto de vista macro-econômico, entre elas a Reforma da Previ-dência, a Reforma Tributária, a Reformado Judiciário e a Reforma Trabalhista, bemcomo a definição do marco regulatório dosetor de infra-estrutura. Além disso, amatéria enfatizava, apoiada num trabalhode Armando Castelar, do Ipea, intitulado“Agenda pós-liberal de desenvolvimento”,a necessidade de reformas microeconômi-cas, entre as quais a Lei de Inovação, a Leide Falências e a Lei das Parcerias Público-Privadas. Vamos retomar várias dessasquestões com o objetivo de apontar quaissão os desafios atuais para chegar ao cres-cimento sustentado.

Bonelli – Quero começar usando uma ex-pressão que está num trabalho recente quefiz com Edmar Bacha. É uma identidadeque mostra que a taxa de crescimento doestoque de capital, que é uma variável fun-damental para assegurar o crescimentoeconômico, depende de cinco coisas: dataxa de poupança doméstica corrente, ex-cluindo-se a variação de estoques; da utili-zação da capacidade instalada; da produti-vidade do capital; dos preços relativos daformação bruta de capital fixo (isto é, emrelação ao deflator do Produto InternoBruto); e da taxa de depreciação, sendoque esta quase não varia com o tempo.Meu ponto é o seguinte: se para o futurorepetirmos a taxa de poupança de 2004 esupusermos que nem a produtividade docapital, nem a utilização de capacidade,nem os preços relativos do investimentovariem, o crescimento do PIB ficará limi-tado a apenas 2,2% ao ano.

A questão que se coloca então é: o quedeve ser feito para acelerar a acumulação decapital e, portanto, o crescimento econô-mico? A taxa de investimento foi de 19,6%do PIB no ano passado.Ela já chegou a 27%

em 1989, mas isso retrata um fenômenoque parece estar associado à hiperinflação.Nos últimos anos ela tem oscilado entre18% e 21% do PIB. Assim, sem aumentoda produtividade nem dos preços dosbens de investimento – e mantidos os de-mais parâmetros – o PIB crescerá os 2,2%anuais que mencionei.

Mas vamos supor que a produtividadede capital não mude muito a médio prazo,embora suspeitemos que ela possa me-lhorar se a economia crescer acelerada-mente. A utilização de capacidade não po-de, obviamente, crescer além de certo pon-to. Aliás, já atravessamos 2004 com níveisde utilização bem altos em relação aos anosanteriores. Vamos supor também que aoferta de emprego aumente 2,2% ao ano,que é a taxa de aumento da população emidade ativa. Se, por exemplo, a taxa depoupança subir quatro pontos percen-tuais, para 23,5% do PIB, e os preços rela-

Cresce utilização da

capacidade instalada (em %)

Ano Indústria

1990 89,0

1991 89,4

1992 87,6

1993 91,0

1994 93,0

1995 95,5

1996 94,4

1997 95,7

1998 94,4

1999 93,6

2000 95,2

2001 94,4

2002 92,8

2003 93,5

2004 95,5

Fonte: Fundação Getúlio Vargas,Conjuntura Econômica/Regis Bonelli

tivos da formação de capital diminuírem20%, poderemos crescer praticamente até6% anuais. O que esse exemplo nos mostraé que tudo depende de mudanças nessasvariáveis-chaves. Assim, cabe à políticaeconômica atuar para aumentar a taxa depoupança e diminuir o preço dos bens deinvestimento para que se consiga aceleraro crescimento econômico para além dasbaixas taxas médias dos anos recentes.

Giambiagi – Vivemos uma situação para-doxal no Brasil, pois existe uma configu-ração inédita de condições estruturais parasustentar o crescimento econômico a umataxa razoável,ao mesmo tempo em que im-pera certo pessimismo quanto à conjuntu-ra econômica. Há décadas o país não des-fruta de uma situação fiscal tão boa, esta-mos conseguindo superávits externos de2% do PIB, embora deva diminuir umpouco neste ano.A inflação está estabiliza-da.No entanto,existem dois preços que es-tão fora do lugar, a taxa de câmbio e a taxade juro, mas vale considerar que o câmbiovai deslizar para uma situação mais próxi-ma do equilíbrio. Além disso, a taxa do-méstica de poupança aumentou, o que éum dos requisitos para a economia crescera uma taxa mais acelerada,e passou de 15%do PIB em 1999 para 23% do PIB em2004. Esse processo está associado a umaredução concomitante do consumo total,somando famílias e governo,que passou de81% do PIB em 1999 para 74% em 2004.

Piancastelli – A redução do custo do in-vestimento é essencial para assegurar ocrescimento econômico sustentado e estánaturalmente associada ao equilíbrio fis-cal do Estado. Mas até agora os resultadosfiscais positivos ainda não contribuírampara a redução da taxa de juro.A situaçãofiscal, analisada pelo resultado opera-cional, é favorável. Mas existe uma distor-ção que é pouco comentada: o governogasta de forma ineficiente, especialmenteno caso das transferências obrigatóriaspara estados e municípios, por exemplo,para saúde, educação, saneamento e ou-tras obras públicas. Estamos falando de47% do Imposto de Renda (IR) e do Im-posto sobre Produtos Industrializados

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pesquisa e desenvolvimento.É possível queesse valor em termos reais tenha caído em2003 devido ao ambiente macroeconômi-co e às incertezas de 2002 e 2003,o que po-de gerar impactos negativos ao longo dotempo. Outro fator a ser considerado, paraanalisar as condições de sustentação docrescimento econômico, é o aumento dasexportações pelas companhias. Pode estarsurgindo uma visão empresarial diferencia-da em comparação com o modelo do em-presário que só pensava no mercado exter-no quando a demanda doméstica caía. Oque eu quero trazer aqui como contribui-ção é a hipótese de que talvez tenha surgi-do no Brasil,ao longo da década de 90,umavisão empresarial diferenciada sobre as ati-vidades econômicas. Diferente do empre-sário mais acomodado,mais voltado para omercado doméstico, que cresceu no perío-do de substituição de importações, olhan-do o mercado externo só no momento emque se restringia a demanda doméstica.

Fizemos um estudo no Ipea que mostraum retrato bem atualizado da indústriabrasileira, classificando as empresas deacordo com suas estratégias competitivas.Não foram separadas por setor, por tama-nho ou por valor de produção. No primei-ro grupo, estão as que inovam e tentam di-ferenciar seus produtos.Em 2000 represen-tavam 1,7% das indústrias, mas respon-diam por 26% do faturamento industrial epor 32,5% do total de empregos. No se-gundo grupo, estão 21% do total das em-presas, responsáveis por 62,6% do fatura-mento, que são eficientes e produtivas, masespecializadas num produto mais padro-nizado. O restante são as empresas que nãoinovam nem diferenciam produtos.Assim,o fortalecimento da inovação tecnológica,com incentivos fiscais e custo adequado doinvestimento, pode ser um fator de extre-ma importância para garantir o cresci-mento sustentado.

Belluzzo – Quero partir do que foi expos-to pelo Bonelli e discutir a relação entretaxa de poupança e investimento, poisdesde que me tornei keynesiano tenhouma obsessão pelo tema. Até porque ossistemas capitalistas mais avançados sediferenciam de uma economia natural na

De Negri – Bonelli mostrou a importânciados investimentos voltados para a amplia-ção da capacidade instalada do setor pro-dutivo e seu impacto sobre o crescimentoeconômico, mas seria preciso considerar oinvestimento que as empresas estão fazen-do em pesquisa e desenvolvimento em ino-vação tecnológica.A inovação tecnológicatorna a produção industrial e a atividadeprodutiva mais flexíveis. Assim, os indi-cadores de utilização de capacidade insta-lada podem estar sendo interpretados combase em parâmetros do passado. Talvez anova flexibilidade de produção garantidapela inovação não esteja sendo captada.

Em 2000, as empresas instaladas noBrasil investiram 3,7 bilhões de reais em

(IPI). Não há nenhum controle de comoesses recursos são utilizados. Assim, devehaver um controle mais eficiente do gastopúblico para a política econômica fun-cionar como indutora do crescimento e ogoverno contribuir para a elevação da taxade poupança. Esse é um ponto crítico dopaís.Atualmente, o governo federal execu-ta 388 diferentes programas, quando eramapenas 76 em 2000.Além disso, existem 4mil ações de governo, ou seja, aquele itemespecífico do Orçamento que pode con-sumir centenas de milhões de reais e nãotemos noção de como isso beneficia de-terminadas parcelas da população. Semcontar as transferências para estados emunicípios por meio de convênios quechegam a 28 mil a cada ano, mas o gover-no federal só controla 50 por mês.

Para sair da armadilha fiscal e chegar aum sistema tributário mais eficiente, nósteremos de passar pelo rearranjo federati-vo e pela discussão da repartição da recei-ta entre os três níveis de governo, o quenão é um problema trivial por razõeshistóricas. O deputado Delfim Netto dizque toda vez que esse assunto volta para oCongresso a emenda costuma sair pior doque o soneto, porque em toda discussãofederativa as transferências para estados emunicípios só aumentam.Além disso, taistransferências nunca estão vinculadas àprodutividade, ao desempenho do gastopúblico, ao aumento de investimentos emuito menos a soluções de problemascríticos na área urbana, na área metropoli-tana. Por isso, eu olharia com certa cautelaas afirmações sobre nossa estabilidade fis-cal, porque ela ainda é frágil, especial-mente pelo lado do gasto.

Existe outro fator que pode limitar ocrescimento econômico sustentado. Nos-sas reservas de moeda externa não bastampara que o país enfrente com tranqüili-dade crises e incertezas no cenário inter-nacional. Também vale a pena refletir so-bre a afirmação do Giambiagi de que o au-mento da poupança interna está sendofeito à custa da redução do consumo dafamília e do governo.Acho que é um para-doxo, pois o aumento do investimentopúblico é importante para sustentar ocrescimento econômico.

“Cabe à política

econômica atuar para

aumentar a taxa

de poupança e diminuir

o preço dos bens

de investimento”

Regis Bonelli, economistae pesquisador associado do Ipea

Fotos: Doryan Dornelles/Fotonauta

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medida em que o crédito é capaz de criarliquidez, de criar poder de compra mais àfrente. Enfim, vários fatores podem esti-mular o aumento da taxa de investimen-to.Vamos voltar aos anos do milagre eco-nômico brasileiro, de 1969 a 1973, quan-do a taxa de investimento chegou a 30%do PIB e a participação da poupança ex-terna era relativamente modesta. Um fatorelevante foi a reforma do sistema finan-ceiro, feita com base no modelo norte-americano, com a especialização e seg-mentação das instituições bancárias. Aomesmo tempo foi feita uma reforma fiscalde alguma profundidade. Do meu pontode vista, a inovação financeira foi muitoimportante para que a economia reto-masse o crescimento.A expansão da ofer-ta de crédito permitiu uma ampliaçãobrutal da demanda por bens duráveis, oque estimulou o aumento da taxa de in-vestimento. Mesmo se eu estiver errado naminha avaliação da causalidade, ainda so-bra a questão de como mobilizar a pou-pança no sentido de transformá-la em in-vestimento. É necessário todo um apare-lho financeiro para fazer essa transforma-ção. Em seu recente livro, o economistaJoseph Stiglitz coloca a questão mais oumenos assim: “Olha, eu não estou aquidiscutindo a poupança nem o investimen-to agregado, mas sim como que é que vocêtransforma uma coisa na outra”.

E nesse departamento o Brasil tem umproblema crônico. O que fizemos no pas-sado foi contornar esse problema de algu-ma maneira. Os bancos públicos garan-tiam o investimento de longo prazo ou en-tão recorreríamos à chamada poupançaexterna, que na verdade é um financia-mento. Se quisermos um crescimento eco-nômico sustentado, temos de colocar napauta a reforma do sistema financeiro,com ampliação do papel do mercado decapitais, que hoje é muito restrito.A ques-tão da estrutura do sistema de financia-mento no Brasil é antiga e durante muitosanos não pôde ser enfrentada por causa dainflação. Recentemente, quem impediu asmudanças foi a política cambial e mone-tária adotada a partir dos anos 90, comtaxas de juro reais muito altas.

Também temos o problema da vulne-

rabilidade externa. Concordo inteiramen-te com Piancastelli. Precisamos aumentarnossas reservas de moeda estrangeira.Vejao caso dos países asiáticos, que mantêmreservas altas para estabilizar o câmbio eter taxas de juro baixas. Isso é fundamen-tal na economia dos dias de hoje, que émuito mais integrada, muito mais interna-cionalizada.

No ponto de vista da estrutura produ-tiva, sobretudo à industrial, tenho uma di-vergência com De Negri, pois houve certoavanço, mas nossa estrutura produtiva in-dustrial se diferenciou muito pouco, comexceção da agroindústria e da produção deenergia renovável, mas esse progresso nãopode ser alcançado à custa do meio am-

biente. Concordo com Piancastelli quantoao problema da qualidade do gasto públi-co e à necessidade de um novo pacto fede-rativo. Não há nenhuma possibilidade dedesenvolver um país de maneira equilibra-da sem recorrer ao investimento público.Em 1970, o investimento público, contan-do as empresas estatais, representava de11% a 12% do PIB e hoje é da ordem de 3%do PIB.O capitalismo contemporâneo nãopode funcionar sem a presença do Estado.

Fernandes – Peço que vocês analisem oimpacto da taxa de juro na produtividadedo capital e na taxa de poupança.

Bonelli – A taxa de juro, no nível que está,tem efeito nocivo sobre a produtividadedo capital e sobre a taxa de investimento.Mas é difícil determinar os canais atravésdos quais esse efeito se transmite para aprodutividade do capital.

Giambiagi – A taxa de juro é obviamentedeterminante do investimento, mas tãoimportante quanto seu valor é sua tendên-cia futura. Em 2000, a taxa de juro real erade 11% anuais e ainda assim conseguimosum bom crescimento econômico, pois omercado e os investidores percebiam quea taxa estava caindo. Acho fundamentalpara impulsionar o investimento que ha-ja uma sinalização de que a taxa de juroreal será progressivamente declinante aolongo de vários anos, ainda que a veloci-dade de redução seja considerada inade-quada por alguns. Temos de repetir com adívida pública o que conseguimos com aredução do endividamento externo, quecaiu com particular intensidade depois de2003. Temos de atingir uma situação deequilíbrio fiscal, com déficit nominal ze-ro, incluindo o pagamento dos juros dadívida pública. Acho que isso será possí-vel em 2008 e nesse cenário os juros ten-derão a declinar e atingir a taxa real de 6%ao ano até o final da década.

Piancastelli – Cada 0,25% de aumento dataxa Selic (taxa básica de juro do BancoCentral) faz crescer de 2,5 bilhões a 3 bi-lhões a dívida líquida do setor público. Arelação entre a dívida interna líquida e o

“A taxa de juro

é obviamente determinante

do investimento, mas

tão importante

quanto seu valor é

sua tendência futura”

Fábio Giambiagi, economistado BNDES cedido ao Ipea

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mico dependerá cada vez mais do investi-mento privado, o que exigirá um marcoregulatório que dê confiança aos investi-dores. Quero propor que na próxima ro-dada o foco seja concentrado no papel doEstado como promotor do desenvolvi-mento e, em particular, na questão daconstrução de marco regulatório.

Bonelli – Antes de analisar a questão maisestrutural, quero lembrar que às vezes nosesquecemos que estamos num regime decâmbio flutuante. A taxa de câmbio é de-terminada principalmente pelos fluxos decomércio exterior, pagamento de juros edividendos, investimentos e financiamen-tos, do que propriamente pelo capital es-peculativo de curto prazo. Nos últimosanos, as empresas brasileiras aumentarammuito as exportações, em parte devido àdesvalorização cambial até o ano passado,e chegamos a ter superávit em transaçõescorrentes da ordem de 2% do PIB. Maisrecentemente o câmbio se valorizou, espe-cialmente em relação ao dólar norte-americano. Isso não é necessariamenteruim, pois criamos alguma gordura nosúltimos dois anos. Deveríamos aproveitaressa conjuntura para buscar aumentar im-portações e investimentos e absorver pou-pança externa daqui para a frente.A valo-rização do real em pelo menos 20% no úl-timo ano vai ter um efeito no comércio ex-terior, uma diminuição do saldo comer-cial. Isso vai acabar se refletindo no câm-bio, que, afinal, é flutuante. O que incomo-da não é tanto o sistema de câmbio flu-tuante, mas sim o câmbio variar muito.Todo mundo sabe que o câmbio já estevemuito favorável à atividade exportadora,mas agora não está tanto. Ainda assim, oBrasil tem espaço para aumentar expor-tações e importações. É possível tambémganhar espaço nas negociações interna-cionais e beneficiar-se de uma maior in-serção internacional pelo aumento de ex-portações e importações.

Voltando ao papel do Estado, concor-do que a qualidade do gasto é ruim, maspor outro lado é mais fácil falar do que fa-zer, tendo em vista as dificuldades deaprovação de diversas medidas que sabe-mos ser necessárias. O ideal seria recom-

de grandes proporções na política mo-netária e cambial que causou efeitos nataxa de câmbio.

Levy – Até agora demos mais destaque àsquestões de curto prazo, do ponto de vistadas perspectivas de crescimento sustenta-do da economia. Existe um conjunto depreocupações na busca de políticas quesão centrais para incentivar o processo dedesenvolvimento. Por exemplo, o papel doEstado como estimulador do desenvolvi-mento. Mas sabemos que a capacidade deinvestimento do Estado é hoje bastantelimitada em comparação com a década de70. Isso significa que o crescimento econô-

PIB só cairá se houver uma combinaçãode maior esforço de ajuste fiscal, maior efi-ciência da economia e crescimento acele-rado do PIB. Países como a Irlanda com-binaram os esforços fiscais com um bomfuncionamento da economia real e assimalcançaram crescimento acelerado do PIB.No Brasil, temos outro problema, que tor-na mais difícil reduzir a taxa de juro real,que é a estrutura do setor financeiro, comos cinco maiores bancos respondendo por70% da atividade.Atualmente, esses ban-cos conseguem cobrir seus custos apenascom a cobrança de tarifas bancárias e to-do o lucro vem das operações de crédito,seja com o Tesouro Federal, seja com o se-tor privado. Essa estrutura de mercado éaltamente prejudicial e contribui para amanutenção da taxa de juro elevada.

De Negri – Concordo que a taxa de juroestá exacerbada, mas minha preocupaçãofundamental é com a taxa de câmbio. Co-mo as duas andam juntas, uma sinaliza-ção no longo prazo pode significar a re-dução de investimento em setores que sãogeradores de dívidas externas e isso podeter implicações do ponto de vista de mé-dio e longo prazo.

Belluzzo – Em todo país com abertura fi-nanceira, os investidores têm a alternati-va de manter sua riqueza em moeda localou em moeda estrangeira. Atualmente asaplicações em reais, no Brasil e no exte-rior, são da ordem de 40 bilhões de reais.Se a taxa de juro baixar rapidamente, po-de haver um rearranjo muito forte desseportfólio de investimento e uma parte ex-pressiva pode se mover para uma moedaestrangeira de reserva. Fomos colocadosnessa armadilha pela política econômica,que fixou metas de inflação muito rígidas,colocou a taxa de juro lá em cima e per-mitiu a desvalorização do real. Isso não éum jogo de Playmobil, que você monta edesmonta como quer, mas a reversibili-dade tem custos. Se os juros caírem, a taxade câmbio real vai se mover para um ní-vel muito mais favorável e terá efeito ne-gativo sobre a inflação. Não tenho nenhu-ma objeção à gestão fiscal do governo,mas temo que tenham cometido um erro

“Deve haver um

controle mais eficiente

do gasto público para

a política econômica

funcionar como indutora

do crescimento”

Marcelo Piancastelli, economistae diretor de Finanças Públicase Economia Espacial do Ipea

Fotos: Doryan Dornelles/Fotonauta

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por o gasto em favor do investimento eminfra-estrutura, que está muito deprimi-do. É preciso também reconhecer queexistem delicados problemas de regulaçãoe insegurança jurídica a serem tratadospara que o setor privado aumente os in-vestimentos em infra-estrutura.

Uma pequena correção: eu não disseque a poupança deva preceder o investi-mento. Não acho que a gente precise deter-minar a relação de causalidade aqui. O quenão está em dúvida, para mim, é que asinstituições são causa e conseqüência doinvestimento. Não dá para esperar que to-das as coisas estejam no lugar para que oinvestimento aconteça. Será preciso umpouco mais de ousadia, o que não implicaabandonar a tarefa de construir um mar-co regulatório adequado. Como alguém jádisse antes de mim, é como se precisásse-mos consertar o Jumbo durante o vôo.

Giambiagi – No meu ponto de vista, osprincipais objetivos para a alocação dosgastos públicos nos próximos anos deve-riam ser quatro. Em primeiro lugar, oataque à pobreza extrema. Em segundo lu-gar, a redução da desigualdade. Em ter-ceiro lugar, a ampliação do potencial parao crescimento futuro, ou seja, para que opaís cresça nos próximos 20 anos a taxasanuais mais próximas de 4% a 5%, do quede 2,5%. Em quarto lugar, a contenção daviolência urbana, dada a magnitude queessa questão tem assumido, principal-mente no Rio de Janeiro e em São Paulo,onde o problema é mais dramático. Mas,para alcançar esses objetivos, será precisomexer na estrutura dos gastos públicos e,especialmente, fazer a reforma do sistemaprevidenciário. O Instituto Nacional daSeguridade Social (INSS) é uma das insti-tuições mais criticadas do país, mas aomesmo tempo uma das mais democráti-cas, pois tem prejuízo com três dos maio-res agrupamentos humanos do Brasil,quando comparamos o valor que arreca-da com o valor dos benefícios que paga.Leva prejuízo com a classe média, quecontribui durante longo período de tem-po, mas se aposenta cedo, tendo uma ex-pectativa de vida muito parecida com ados países desenvolvidos. Leva prejuízo

com os pobres, que se aposentam poridade, mas só precisam contribuir para oINSS durante 12 anos. E, finalmente, levaprejuízo com os excluídos, que recebem obenefício mensal de um salário mínimo apartir de 65 anos e, assim, deixam de serexcluídos sem nunca terem contribuídopara a Previdência. Deveríamos caminharrumo a uma reforma da Previdência queaumente de maneira gradual a idade deaposentadoria, passando por um períodode carência. Temos de aprovar uma refor-ma da Previdência que comece a vigorardentro de alguns anos, com a adoção deuma idade mínima para aposentadoria, de60 anos para os homens e 55 para as mu-

lheres, igual à que já vigora no caso dosfuncionários públicos federais e paraquem se aposenta pelo INSS. Mas a refor-ma deve prever que essa idade mínima au-mente gradativamente ao longo do tem-po, pois também cresce a expectativa devida das pessoas.Além disso, será precisoampliar o período de contribuição para aPrevidência, pois a regra atual determinaque aumente seis meses a cada ano parachegar a 15 anos em 2011. Temos de au-mentar o tempo de contribuição para 25anos, mantendo a regra de aumentar seismeses a cada ano, mas estendendo o pe-ríodo de transição até 2031. Também seránecessário aumentar a idade mínima paraque as mulheres se aposentem, procuran-do conciliar as mudanças demográficascom a necessidade de pagar a dívida socialpara com as mulheres, devido à dupla jor-nada de trabalho. É comum nos países de-senvolvidos que as mulheres se aposentemmais cedo do que os homens, mas não háaposentadoria por tempo de serviço. Issosignifica que as mulheres se aposentamcom 60, 62 ou 63 anos, enquanto no Brasila idade média é 52 anos.

Bonelli – Acho que a sua proposta de refor-ma da Previdência deveria ser suavizada,pelo menos quanto à garantia de um bene-fício mensal às pessoas portadoras de defi-ciências e aos idosos que comprovem nãopossuir meios para prover a própria ma-nutenção, como prevê a Constituição. Issofunciona como uma necessária rede deproteção social para uma parte da popu-lação muito pobre. Podemos até discutir seesse benefício deveria ser igual ao saláriomínimo. Acho mais importante garantirque seja corrigido por um indicador liga-do ao custo de vida, e não ao salário mí-nimo.Também temos de lembrar que hou-ve um razoável achatamento do poder decompra das pessoas. Quem se aposenta ce-do não necessariamente fica vivendo daaposentadoria. Muita gente tenta buscaroutra colocação, outro emprego, até mes-mo no setor informal. Isso é só para qua-lificar um pouco seus comentários, com osquais concordo no geral.

Piancastelli – É preciso ter uma estratégia

“Se quisermos um

crescimento econômico

sustentado, temos

de colocar na pauta a

reforma do sistema

financeiro”

Luiz Gonzaga Belluzzo, economista,professor titular aposentado da

Universidade Estadual de Campinas

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quanto à necessidade de criar mecanismoscompensatórios que impeçam o aprofun-damento dos graves desequilíbrios sociaisentre as regiões brasileiras. Quem foi aPortugal ou Espanha há 20 anos e voltouagora percebe as vantagens dos mecanis-mos compensatórios, pela qualidade dainfra-estrutura. Os trens portugueses ouespanhóis eram deploráveis, ficavam mui-to abaixo da qualidade do sistema ferro-viário francês. Tudo mudou.

Também chamo a atenção para o fato deo Brasil ser o único país do mundo em queos municípios são uma entidade federativa,são contemplados na Constituição. Daí aenorme multiplicação dos municípios, da-do o atrativo dos repasses federais (leia re-

portagem sobre corrupção nos municípios na

pág. 51). Precisamos repensar essa questãofederativa seriamente.Talvez os municípiosde determinada região devessem ser agru-pados em função de uma vocação comum,que receberia os recursos federais.

Quanto ao problema da PrevidênciaSocial, acho que deveria servir como umimportante fator de redistribuição de ren-da, sobretudo num país com tanta desi-gualdade social.Eu fui francamente a favorda cobrança da contribuição dos inativosno meio da minha comunidade, que nãoera propriamente a favor, mas acho que omodelo previdenciário bismarkiano,inspi-rado no exemplo da Alemanha do séculoXIX,está esgotado.É um modelo pelo qualvocê recebe benefícios porque contribui.Tenho notado que o financiamento dos sis-temas previdenciários europeus está re-caindo cada vez mais em cima de impostosgerais,por causa de fenômenos como o en-velhecimento da população, o aumento daexpectativa de vida e o desemprego. Nóstambém teremos problemas,no longo pra-zo,de manter o modelo previdenciário bis-markiano,por causa do aumento da expec-tativa de vida e do crescimento mais lentodo número de empregos,pois quem está fi-nanciando os aposentados é quem está tra-balhando agora.

Giambiagi – Não conheço em detalhes areforma do sistema previdenciário eu-ropeu, mas faz sentido que se migre pro-gressivamente para um modelo que au-

de financiamento da inovação no Brasil.O pessoal do BNDES me procurou quan-do fui secretário de Ciência e Tecnologiade São Paulo. Queriam ajudar as empresasde base tecnológica que surgiam nas in-cubadoras existentes nas regiões de Cam-pinas e São Carlos. Mas o banco não tinhaestrutura, formas de avaliação de risco pa-ra atender a esse tipo de demanda. OEstado não pode abrir mão desse papel. Éassim que funciona em todo o mundo.Onde tem inovação tem a atuação diretaou indireta do Estado. Na Europa, existemfundos nacionais e da União Européiapara financiar a pesquisa e o desenvolvi-mento nas indústrias.

Concordo também com Piancastelli

de longo prazo para reformar o sistemaprevidenciário,pois o déficit deverá chegara 39 bilhões em 2005. Além disso, a buscade uma construção institucional que ga-ranta o crescimento sustentado exigirá umareforma do sistema tributário, que en-volverá a estrutura federativa do país. AConstituição foi aprovada há 17 anos, einúmeros artigos que se referem à questãofederativa ainda não foram regulamenta-dos. Será preciso enfrentar o problema dosdesequilíbrios regionais, pois assusta ovazio econômico do Norte, do Nordeste eum pouco do Centro-Oeste. Temos deaprender com o exemplo da União Euro-péia, que foi muito bem-sucedida ao mu-dar o padrão de desenvolvimento econô-mico de países como Espanha, Grécia,Portugal e Irlanda.Os países desenvolvidostambém têm regiões deprimidas, mas nãopretendem igualar o padrão da atividadeeconômica, mas sim criar uma rede socialpara minimizar as diferenças.

De Negri – É fundamental cobrir o déficitda Previdência, mas temos de atuar emvárias frentes. Na questão do comércio ex-terior, é evidente que salário, taxa de juroe câmbio influem no desempenho das ex-portações. Mas é importante levar emconta que um terço das exportações bra-sileiras, excluindo as commodities, é feitopor empresas que inovam e diferenciam,e seus produtos são colocados em seg-mentos mais estáveis do mercado interna-cional, menos sensíveis às variações docâmbio.A política econômica deveria ser-vir para potencializar a atuação externadessas empresas, fortalecendo investimen-tos em tecnologia e qualificação da mão-de-obra. A Medida Provisória do Bem,editada no mês passado, funciona nessadireção, mas talvez seja necessário mudaros mecanismos de financiamentos doBanco Nacional do DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) para forta-lecer as empresas e as atividades que sãoinovadoras, porque representam a únicafonte de financiamento de longo prazodisponível no Brasil.

Belluzzo – Concordo com De Negri e achofundamental criar um sistema adequado

“O fortalecimento da

inovação tecnológica pode

ser um fator de extrema

importância para

garantir o crescimento

sustentado”

João Alberto De Negri, economistae pesquisador do Ipea

Fotos: Doryan Dornelles/Fotonauta

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mente o financiamento por meio de im-posto, especialmente por causa do aumen-to da expectativa de vida da população.No entanto, temos de manter os trêsregimes atuais, com a aposentadoria portempo de contribuição, a aposentadoriapor idade e a garantia de benefícios assis-tenciais, mas com requisitos diferentes,com aumento gradativo da idade de apo-sentadoria e do tempo de contribuição.Faço questão de ressaltar que concordoem gênero, número e grau com os argu-mentos de Bonelli, pois assegurar o be-nefício assistencial aos idosos faz parte doprocesso civilizatório, já que esse mecanis-mo de solidariedade serve para distinguiruma sociedade mais civilizada de outraque está em estágio mais primitivo. Masacho que a idade mínima para receber es-ses benefícios deveria aumentar progres-sivamente para 70 anos, o que tambémserviria para incentivar uma maior for-malização do emprego.

Levy – Vamos partir para uma rodada fi-nal, voltando ao tema dos fatores que po-dem assegurar a sustentabilidade do cres-cimento econômico.

Bonelli – Eu gostaria de retomar o tema daminha intervenção inicial de outro ângu-lo. Acho que os pontos fundamentais dodebate sobre a sustentabilidade do cresci-mento podem ser descritos com uma fór-mula resumida pela economista DanyRodrik num trabalho recente. Para ele,existem três variáveis fundamentais queafetam o crescimento econômico. Primei-ro, de forma positiva, temos a taxa de re-torno social do capital em sentido amplo,de modo a incluir capital humano, capitalfísico, tecnologia, empreendedorismo e re-cursos naturais. Em segundo lugar, tam-bém positivamente, a maneira como esseretorno é apropriado pelo setor privado:quanto maior a margem de apropriação,mais alto o crescimento. E em terceiro,negativamente, o custo de financiar a acu-mulação. Eu acredito que o retorno socialdo capital no Brasil – a produtividade so-cial, por assim dizer – é muito alta. Isso éótimo, mas grande parte desse retornonão é apropriada pelo setor privado por

vários motivos, com destaque para a ele-vadíssima carga tributária e para o fato deque os direitos de propriedade não sãobem protegidos devido à incerteza jurídi-ca. O custo do capital no Brasil, que todomundo concorda que é muito alto, tam-

bém afeta negativamente o crescimento.Ou seja, das três variáveis fundamentaispara o crescimento, duas jogam contra nocaso do Brasil. Todo o esforço da políticaeconômica visando ao crescimento delongo prazo deveria concentrar-se na su-peração dessas nossas limitações.

Piancastelli – Acho interessante a afir-mação do De Negri sobre o potencial ex-portador das empresas que inovam, masestamos muito atrás das empresas depaíses asiáticos ou da Irlanda por causada deficiência de nossa estrutura de edu-cação, das altas taxas de juro e do câmbioinstável. Também temos de repensar o pa-pel das exportações de commodities agrí-colas, como soja e açúcar, pois existemlimites ambientais para a expansão daprodução. Quando vendemos soja no ex-terior estamos exportando terra, água eproteínas. No caso do açúcar produzidoem São Paulo ou no Paraná estamos ex-portando terras de alta qualidade e sa-carose. Conseguimos ganhos enormes deprodutividade na produção de soja ouaçúcar, mas, pensando na preservaçãoambiental, seria recomendável limitar aprodução.

De Negri – Não precisamos apenas expor-tar ou continuar exportando bens inten-sivos em recursos naturais, pois existeenorme potencial para colocar no exteriorprodutos com maior densidade tecnoló-gica. Será preciso criar mecanismos deequalização das taxas de juro e de segurode crédito para as empresas inovadoras.

Belluzzo – Nessa questão da inovação e daexportação, o Brasil é muito parecido comos Estados Unidos, um país que ataca emtodas as áreas do ponto de vista de seucomércio exterior, pois é um grande ex-portador agrícola e um grande exporta-dor de manufaturados. No caso das ex-portações de commodities agrícolas, aindaserá preciso um grande esforço inovadorpara que não continuemos a exportar so-mente água ou terra. Será preciso incorpo-rar novas áreas de produção, sem agressãoao meio ambiente, e desenvolver novasvariedades.

Brasil poupa mais (em %)

Ano Taxa de poupança

1995 19,7

1996 18,0

1997 17,7

1998 17,2

1999 15,9

2000 17,8

2001 17,4

2002 19,2

2003 21,0

Fonte: IBGERelação entre poupança e renda disponível bruta.

Mudança de tendência(em %)

Ano Taxa de investimento

1990 20,7

1991 18,1

1992 18,4

1993 19,3

1994 20,8

1995 20,5

1996 19,3

1997 19,9

1998 19,7

1999 18,9

2000 19,3

2001 19,5

2002 18,3

2003 17,8

2004 19,6

Fonte: IBGERelação entre formação bruta de capital fixo e produto interno bruto.Taxa a preços correntes

d

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26 Desafios • julho de 2005

M a u r o B o r g e s L e m o sARTIGO

epresentantes da área econômica do go-verno insistem que a atual política ma-croeconômica é a única via para o cres-cimento sustentado da economia bra-

sileira, mas ela é suficiente apenas para garantiruma expansão do Produto Interno Bruto (PIB)da ordem de 3% para este ano e não superior a4% em 2006 e 2007. E só será possível atingir es-sas taxas se não houver nenhum choque externona economia brasileira,como os que aconteceramapós o Plano Real de 1994.O cenário aponta,por-tanto,para uma reduzida taxa de crescimento sus-tentado, inferior ao produto potencial. O PIBbrasileiro cresceu à taxa média anual de 7%, des-de 1945 até o início dos anos 80, e pode ser con-siderada como o nível de crescimento potencialdo país. O aumento do PIB projetado pelas au-toridades econômicas para os próximos anos, en-tre 3% e 4%, pode servir para romper o ciclo deestagnação, mas será insuficiente para reduzir odesemprego e os fatores estruturais crônicos desubdesenvolvimento do país. A adequação daatual política econômica deve ser questionada,pois existe um hiato entre o crescimento poten-cial da economia,determinado pelos recursos físi-cos e humanos disponíveis,e a taxa prevista de ex-pansão do PIB. A supressão desse hiato é umacondição necessária para transformar a agenda decrescimento em agenda de desenvolvimento.

O grande equívoco da política econômica dogoverno não é a perspectiva de curto prazo emdetrimento da visão de longo prazo,mas o fato denão contemplar o desenvolvimento econômicoque deveria supor,entre outras coisas,a eliminaçãodo desemprego involuntário e a redução da de-sigualdade. Desde os anos 90 essa questão voltoua ocupar papel de destaque na literatura eco-nômica e o que está em jogo é a opção da políticaeconômica do governo aferrada à visão tradi-cional, ao “paradigma da convergência”, em con-traposição ao “paradigma do grande salto”.

O paradigma da convergência tem comopressuposto a lei dos retornos marginais decres-centes, segundo a qual os países pobres, combaixa dotação de capital relativa ao trabalho,garantem uma taxa mais elevada de retorno do

capital e assim, no longo prazo, seus níveis derenda per capita tendem a convergir para aque-les dos países mais ricos. No entanto, a conver-gência pode não ocorrer se alguma variável afe-tar negativamente a renda per capita, a taxa deretorno do capital, por exemplo, a política ma-croeconômica e a corrupção, bem como a pro-dutividade do trabalho, que sofre a influência dabaixa escolaridade.

Tais variáveis possuem sérias limitações paraexplicar os problemas do desenvolvimento e amaioria delas encontra-se no chamado proble-ma da “galinha e do ovo”. Imagine as gangues deNova York no século XIX,Al Capone na Chicagodos anos 20 do século passado e o sucesso econô-mico do “capitalismo estatal” da China contem-porânea. É fácil perceber que desenvolvimento,população e instituições interagem e não sãoprocessos de causa e efeito.

A proposta da política econômica do gover-no é “arrumar a casa”para depois trilhar o cami-nho do desenvolvimento, seguindo a cartilha doparadigma da convergência. O suposto falaciosonessa teoria é que é possível eliminar os obstácu-los do crescimento sem mirar diretamente nosdesafios do desenvolvimento, desconhecendoque o problema do subdesenvolvimento decorrede uma ampla falha de coordenação e, portanto,de expectativas. Não existe determinismo para ofuncionamento do mercado e a própria estraté-gia de desenvolvimento é o melhor meio de per-seguir o crescimento sustentado, que exige umesforço concentrado de investimentos comple-mentares, dentro de uma política de “um grandesalto à frente”. Para isso, a política econômicadeve mudar na direção de uma estratégia do de-senvolvimento.

Mauro Borges Lemos é professor da Universidade Federal de Minas Gerais

e Secretário Executivo da Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em

Economia (Anpec)

Em busca de um grande salto

“O grande equívoco

da política econômica

do governo não é

apenas a perspectiva

de curto prazo, mas o

fato de não contemplar

o desenvolvimento

econômico”

RDivu

lgaç

ão

Artigo_Mauro 02/07/05 17:16 Page 26

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COMÉRCIO INTERNACIONAL

Muralha chinesaO Bras i l expor ta bas i camen te p rodu tos p r imár i os para a Ch i na e não conseg ue

romper as barreiras e vender manufaturados de al to valor agregado, o que pode levar

a um déf ic i t no comérc io com o g igante or ienta l em 2006

P o r A n d r é a W o l f f e n b ü t t e l , d e S ã o P a u l o

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centro de gravidade dos negóciosmundiais está se deslocando doAtlântico, onde se manteve nosúltimos três séculos, para o Pa-

cífico. A afirmação não é de um alto fun-cionário do Partido Comunista da China,mas sim do ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, em artigo pu-blicado no jornal The Washington Post, emmeados do mês passado. A guinada co-meçou há três décadas,mas se tornou irre-versível quando o país mais populoso domundo decidiu entrar no jogo capitalista epassou a crescer aceleradamente. Em 34anos, a China saiu de um sistema fechadopara a situação atual: atrai volumes cres-centes de investimentos e controla cerca de11% de todo o comércio do planeta. Em2004,os chineses importaram cerca de 400bilhões de dólares, mais de quatro vezes ovolume total das exportações brasileiras nomesmo período. E qual foi a fatia dessaimensa demanda que coube ao Brasil?Aproximadamente 1,5%, o que representaalgo em torno de 5,5 bilhões de dólares.

A dimensão do nosso quinhão podeparecer modesta,mas corresponde rigoro-samente à nossa participação no comérciomundial. O que preocupa não é o valor dafatura, mas a descrição das mercadorias.Um olhar sobre nosso comércio com aChina dá um banho de água fria no orgu-lho brasileiro de ter conseguido elevar o va-lor agregado da pauta de exportações (veja

gráfico na pág. 30). O modelo café e cana-de-açúcar foi mesmo deixado para trás,mas seu lugar foi ocupado pela dupla soja eminério de ferro, pelo menos quando setrata da China. No ano passado, esses doisprodutos representaram 65% de todas asnossas vendas para o mercado chinês.Seguidos por outros com nível de indus-trialização semelhante, que são pasta demadeira, óleo bruto de petróleo e fumo.Nos primeiros cinco meses de 2005, o ce-nário se alterou levemente, mas o padrãosoja-ferro respondeu por metade das ven-das para a China (leia tabela ao lado). Se es-se é um perfil atípico para o Brasil, comoexportador,também é estranho para a Chi-na, como importadora. No ano passado,para cada dólar gasto pelos chineses na im-portação de produtos primários foram

Nesse período, outros fornecedores ocu-param o espaço que poderia ser do Brasil”,conta Charles Tang, presidente da Câmarade Comércio e Indústria Brasil-China.Ape-sar do tempo perdido, ele acredita que te-mos todas as condições para colocar nos-sos produtos industrializados nos contêi-neres que partem para a China. Comoexemplo, menciona o caso de um fabri-cante de torneiras e chuveiros elétricos queacaba de fechar uma grande venda. Não setrata exatamente de um produto de altatecnologia, sobretudo para um país que seenvaidece de ser um dos fornecedoresmundiais de aeronaves.Ainda por cima, opróprio Tang admite que um comérciodesse tipo não tem muito futuro com aChina. Se houver mesmo uma grande de-manda, em pouco tempo os chineses es-tarão fazendo seus próprios chuveiros. Porisso recomendou que o fornecedor bra-sileiro registre a patente na China e poste-riormente faça uma joint venture com umaempresa chinesa para fabricar os chuveirospor lá mesmo.

Desobediência “A China não cumpre osacordos com a Organização Mundial doComércio (OMC) e impõe dificuldadespara forçar as empresas a se instalarem lá.Isso aconteceu com a Embraer. E, na horada compra, ela privilegia as multinacionaisque têm operações na China”, acusa Mau-rício Mesquita Moreira,economista do De-partamento de Integração do Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento (BID),em Washington. Na interpretação dele, oacesso brasileiro ao mercado chinês de pro-dutos de alto valor agregado é muito im-provável. Em primeiro lugar porque, deacordo com Moreira, a China faz questãode adquirir tudo no estado mais primáriopossível.Mesmo o Chile,tradicional forne-cedor de cobre, sofre porque os chineses serecusam a importar cobre refinado.“E osobstáculos não acabam depois que se con-segue fechar o contrato”, alerta Moreira,“pois a distribuição é muito complexa e sóquem conta com o apoio do governo con-segue atingir o mercado interno.Uma pro-va disso é que mesmo as montadoras insta-ladas na China são proibidas de possuir re-vendedoras e obrigadas a lidar com inter-

Dez produtos mais exportadospara a China(participação, em %)

1 grãos de soja 29,8

2 minérios de ferro não aglomerados 14,4

3 óleo de soja em bruto 7,8

4 minérios de ferro aglomerados 6,1

5 pasta química de madeira 4,6

6 óleos brutos de petróleo 3,9

7 fumo não manufaturado 1,9

8 prod. semimanufaturados de ferro 1,8

9 madeiras serradas/cortadas 1,5

10 óleo de soja ref inado 1,3

total dos dez primeiros 73,1

EM 2004

1 grãos de soja 24,4

2 minérios de ferro não aglomerados 18,7

3 óleos brutos de petróleo 6,8

4 pasta química de madeira 4,5

5 minérios de ferro aglomerados 4,1

6 fumo não manufaturado 2,3

7 óleo de soja em bruto 1,7

8 pedaços comestíveis de galos/galinhas 1,6

9 máquinas-ferramentas para estampar 1,4

10 madeiras serradas/cortadas 1,3

total dos dez primeiros 66,8

NOS PRIMEIROS CINCO MESES DE 2005

Fonte: Secex

consumidos 3,5 dólares na aquisição deprodutos industrializados estrangeiros. Epor que será que o Brasil não consegueaproveitar melhor o mercado chinês paravender produtos com maior valor agregado?

Como costuma acontecer com as ques-tões relativas à China,a resposta não é sim-ples.Porém,entre as diversas interpretaçõeshá um ponto em que todos concordam: oBrasil é um descobridor tardio da China,até mesmo comparado com outros paíseslatino-americanos, como o Chile e o Mé-xico.“Para dar uma noção do descaso,antesda feira Brasil-China de 2002, o últimoevento de promoção ao comércio entre osdois países aconteceu em 1986. Foram 16anos sem nenhuma iniciativa brasileira.

O

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4,2%

4,1 %

4%

3,9%

1,2%

1,1%

0,3 %

30 Desafios • julho de 2005

O governo chinês quer atrair investimentos industriais e cria obstáculos para que empresas

mediários chineses.”Por tudo isso,ele apos-ta que a pauta das exportações brasileirasdeve continuar sem grandes alterações.

Além das dificuldades geradas pela polí-tica chinesa,existem os problemas inerentesà realidade nacional.Muitos acreditam quea competitividade da indústria brasileiranão é suficiente para avançar no mercadochinês.“Não há como competir com a taxade juro de 2% ao ano que vigora na China”,diz Alexandre Barbosa,diretor da Prospec-tiva,consultoria brasileira especializada emassuntos internacionais.“A política de jurosbrasileira, somada à carga tributária, limitanossa opção em vender commodities, en-quanto a China só pensa em se industriali-zar”,conclui.Para alguns,essa opção não foideterminada exclusivamente pelo Brasil,mas contou com forte influência da própriaChina.Nos longos anos em que a economia

chinesa cresceu e o mercado nacional nãopercebeu, quem definiu o perfil das nossasrelações comerciais foram os chineses.“Nãofomos nós que vendemos soja e minério deferro, foram eles que compraram”, declaraRoberto Teixeira da Costa, fundador emembro do Centro Brasileiro de RelaçõesInternacionais (Cebri). O governo federaltenta mudar o perfil das relações comerciaiscom a China e no ano passado levou paraPequim uma comitiva de 400 empresários,junto com o presidente Lula.Também con-cedeu status de economia de mercado àChina, com a óbvia esperança de conquis-tar maior simpatia dos importadores.Mesmo assim, estamos longe de conseguirmudar as regras do jogo comercial chinês.

Quem tiver a curiosidade de levantar onome dos maiores fornecedores para aChina vai se deparar com um quadro sinto-

mático.Em primeiro lugar está o Japão,emsegundo Taiwan e,em terceiro,a Coréia doSul. São eles que abastecem os chineses demáquinas e equipamentos.“A ascensão daindústria chinesa provoca efeitos em cadeiaem toda a Ásia”, indica Ricardo Mendes,diretor adjunto da Prospectiva, que esteverecentemente na China para efetuar pes-quisas. Ele projeta um cenário negativopara o Brasil como exportador de produ-tos industrializados para a China.“Pode serque consigamos avançar em bens interme-diários,tais como couro,celulose e alimen-tos, mas é improvável que cheguemos avender bens de capital. O máximo devemser autopeças,ramo em que somos bastantecompetitivos.” Mas, para Mendes, o con-trário pode e deve acontecer,isto é,que pro-dutos chineses venham a substituir simi-lares brasileiros tanto no mercado interno

Mais da metade das exportações brasileiras para a China estão concentradas em commodities

Menos da metade das exportações brasileiras para o mundo estão concentradas em commodities

7%62% 17% 10% 3% 1%

13%40% 8% 19% 12% 8%

Commodities primárias Intensivo em trabalho e recursos naturais Baixa intensidade tecnológica Média intensidade tecnológica Alta intensidade tecnológica Não classif icado

Fontes: Secex e Unctad, elaboração do Ipea

Perdas para o mercado chinês em 2002(sobre o total das exportações)

Comunidade Andina

Mercosul

Brasil

Colômbia

Chile

América Central

México

Fonte: Dados da Contrade, cálculos do BIDA China começa a exportar veículos para o Oriente Médio, mercado abastecido pelo Brasil

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Desaf ios • julho de 2005 31

brasileiras exportem produtos de alto valor agregado para abastecer seu mercado interno

como no externo.A título de alerta,ele lem-bra que a China começou a exportar car-ros para o Oriente Médio,tradicional clien-te brasileiro. Um cálculo do BID com baseem dados do Comtrade, órgão da Organi-zação das Nações Unidas para o comérciode commodities, mostra que o Brasil já ha-via registrado, em 2002, uma perda de 4%de seu mercado exterior para a China (veja

gráfico na pág. 30).

Lógica Esse pessimismo, porém, não écompartilhado por todos os especialistas.Renato Amorim, membro do ConselhoEmpresarial Brasil-China,acha que é com-plicado, mas não impossível, tirar proveitodo crescimento chinês.A maior dificuldadeé que não basta chegar lá e vender,é precisoentender a lógica produtiva deles,saber in-serir-se em algum ponto da cadeia e,acimade tudo, oferecer algo em troca. Todas asempresas teriam de ser um misto de expor-tadoras e investidoras. O modelo mais co-mum é o que exporta matéria-prima,usa amão-de-obra chinesa para montar o pro-duto, compra de volta, agrega a marca bra-sileira e vende novamente.Algumas indús-trias estão fazendo isso com sucesso.São oscasos da Caloi e da Gradiente. O problemaé que para levar a cabo uma operação desseporte é preciso muita desenvoltura no mer-cado internacional,e poucas empresas bra-sileiras transitam com tanta familiaridadepor cenários tão distantes.“Falta ao Brasilpreparo institucional para lidar com a Chi-na”, lembra Amorim.

Um estudo elaborado pelo Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) tra-çou o perfil do seleto clube formado pelascerca de 1.000 empresas industriais queconseguiram superar a muralha da China.Elas têm aproximadamente 900 emprega-dos, receita média de 290 milhões por anoe exportam 10% desse faturamento. Tam-bém apresentam índices de produtividadee de eficiência superiores às demais expor-tadoras,um quadro que demonstra ser pre-ciso profissionalismo para chegar ao mer-cado chinês, porém não necessariamentealta capacidade de inovação.A mesma pes- O Brasil é o principal fornecedor de ferro para o setor de construção civil da China

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32 Desafios • julho de 2005

Estudo mostra que 90% das exportações para a Ch ina foram de bens padron izados

quisa apontou que 90% das vendas foramrealizadas por empresas especializadas embens padronizados e só os restantes 10%foram efetuados por firmas que inovam ediferenciam seus produtos.

Possibilidades A pesquisadora FernandaDe Negri, autora do estudo, constatou queas indústrias que já vendem para paísesasiáticos têm maior probabilidade de en-trar no mercado chinês,assim como as em-presas de capital estrangeiro, que têm 7%mais chance de exportar para a China doque suas congêneres domésticas.Essa van-tagem,entretanto,nem sempre é aproveita-da, já que muitas vezes as multinacionaisdefinem suas estratégias comerciais em ter-mos globais e não necessariamente a sucur-sal brasileira é escolhida para vender para aChina. O estudo do Ipea também destacaum detalhe importante: quase todos osgrandes exportadores brasileiros já têmacesso à China, porém muitas vezes for-necendo produtos com menor valor agre-gado do que os vendidos para outros mer-cados, mesmo para países desenvolvidos.Isso reforça,de certa forma, a noção de quequem determinou a composição da nossapauta de mercadorias foram os comprado-res, e não os vendedores.

Mesmo diante de tantos obstáculos, o

governo brasileiro permanece otimista econfiante em sua política comercial em re-lação à China. Ivan Ramalho, secretário deComércio Exterior do Ministério do De-senvolvimento,Indústria e Comércio Exte-rior, acredita que “soja e minério de ferro jáocuparam o espaço disponível,agora é a vezde novos produtos suprirem as necessi-dades da crescente demanda chinesa”. Pa-ra mostrar que está certo,ele aponta algunscasos.No ano passado,o Brasil não vendeunenhuma máquina-ferramenta para a Chi-na,mas em 2005 foram comercializados 28milhões de dólares.A exportação de com-pressores dos cinco primeiros meses desteano alcançou 26 milhões de dólares, maisdo que o dobro do valor de 2004.O mesmoaconteceu com máquinas de terraple-nagem, cujas vendas até maio chegaram a5,6 milhões de dólares. Para Ramalho, asperspectivas também são muito boas paraaparelhos elétricos,de telefonia,tintas e ver-nizes. Os números não chegam a ser im-pressionantes, mas podem, de fato, repre-sentar uma tendência.

O que preocupa otimistas e pessimistassão outros números que não dão margema dupla interpretação.Apesar do volume decomércio entre as duas nações ter registra-do aumentos constantes e significativosdesde 1999,o saldo da balança favorável aoBrasil começou a declinar no ano passado.Em 2003, a vantagem brasileira foi de 2,4bilhões de dólares, no ano seguinte caiupara 1,8 bilhão e, em maio deste ano, esta-va em 200 milhões (veja gráfico ao lado).Asexportações brasileiras para a China du-rante os cinco primeiros meses deste anoforam ligeiramente inferiores às dos cincoprimeiros meses do ano passado.Em com-pensação, as importações cresceram 60%.As projeções indicam que o saldo da ba-lança deve alcançar, no final do ano, 500milhões de dólares. Portanto, além de di-versificar e melhorar a pauta de suas expor-tações,o Brasil tem outro desafio pela fren-te: garantir, ainda que à custa de commo-dities,que 2006 não passe para a história co-mo o ano em que o prato da balança come-çou a pesar favoravelmente à China.

Fluxo de comércio entre Brasil e China(em US$ bilhões FOB)

0,7 0,9

1,3

1,62,5

4,5 2,2

5,4 3,7

2 1,8

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005*

1,1 1,2

1,9

Exportações Importações

Saldo da balança comercial com a China(em US$ bilhões)

-1,9

5,7

9,7

23,9

17,4

2,1

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005*

-1,4

Fonte: Secex (*) De janeiro a maio de 2005

A China compra produtos eletroeletrônicos dos países asiáticos, principalmente Japão e Coréia do Sul

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34 Desafios • julho de 2005

F e r n a n d a D e N e g r iARTIGO

dificuldade encontrada pelos empre-sários brasileiros em vender seus pro-dutos no mercado chinês não pareceser o único grande desafio colocado

pela China à indústria brasileira. O crescimentoda penetração de produtos chineses no merca-do brasileiro, especialmente em alguns setores,tem despertado preocupações e originado pres-sões pró-proteção por parte de alguns segmen-tos do empresariado brasileiro. Além disso, acompetitividade chinesa também pode oca-sionar perdas aos produtos brasileiros em ter-ceiros mercados.

Em um quadro complexo como esse, onde asperdas e os ganhos, muitas vezes, não são dis-tribuídos de modo uniforme entre os diferentessegmentos da sociedade, as alternativas nuncasão simples e, muito menos, consensuais. Umadas alternativas, aventada como uma forma deminorar os eventuais prejuízos das importaçõeschinesas à produção doméstica, é a adoção desalvaguardas específicas contra a China. Entre-tanto, o impacto das vendas chinesas na eco-nomia doméstica merece algumas qualificações,especialmente em se tratando de avaliar onde, defato, existe a necessidade de implementação deeventuais medidas de proteção.

Mesmo nos setores mais prejudicados pela in-vasão chinesa, os impactos das importações des-se país na produção doméstica são muito hete-rogêneos. Em alguns produtos, o crescimento dasimportações provenientes da China reflete umaperda de mercado de outros países nas impor-tações brasileiras. Ao que tudo indica, nesse ca-so, a produção doméstica não estaria sendo pre-judicada pela China. Esse é o caso de produtoscomo brinquedos, máquinas para escritório eequipamentos de informática, artefatos têxteis,tecidos e artigos de malha, peças interiores dovestuário, acessórios do vestuário, entre outros.

Existem, entretanto, produtos em que o cres-cimento das vendas chinesas no mercado inter-no ocasionou um aumento das importaçõesbrasileiras dos mesmos. Nesse caso, além de des-locar outros países do mercado brasileiro, a Chi-na também pode trazer prejuízos aos produtores

domésticos. Entretanto, mesmo aí cabe umaqualificação a mais: em alguns desses produtos,as importações significam uma parcela muito pe-quena de tudo que se produz internamente, o quenão sustentaria o argumento de que as impor-tações da China pudessem ocasionar perdas sig-nificativas à produção brasileira. Esse é o exem-plo do setor de calçados, que, apesar do elevadomarket share chinês nas importações brasileiras,possui um baixo coeficiente de importação. Emrelação a esse setor e a outros, fortemente expor-tadores, uma boa parte do problema não está emsalvaguardar, dos produtos chineses, o mercadointerno, mas sim em garantir a sua competitivi-dade em terceiros mercados.

Por fim, existem produtos nos quais é possí-vel, à luz das informações atuais, identificar umsério risco representado pela China para a pro-dução doméstica. Nesses produtos, é elevada aparticipação da China nas importações brasi-leiras, assim como é elevada e crescente a parti-cipação das importações na produção total. Esseé o caso da tecelagem de algodão e de fios e fila-mentos sintéticos, dos artefatos de cordoaria, dosartigos para viagem e artefatos de couro, das pi-lhas e baterias, das lâmpadas e dos equipamen-tos de som e vídeo.

Esses produtos são, entretanto, uma parcela,e não a totalidade dos setores prejudicados pelasimportações chinesas. Portanto, dadas a comple-xidade e as dificuldades impostas pela relação en-tre Brasil e China, especialmente para a indús-tria, e dados os mais diversos interesses envolvi-dos, é necessário analisar com cuidado todas asalternativas disponíveis. Não se trata de rejeitar,a priori, a adoção de salvaguardas, mas sim deavaliar onde essa medida seria ou não necessária,a fim de tratar o problema com a complexidadeque ele merece.

Fernanda De Negri é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea)

Quem precisa temer a China

“Os impactos das

importações da

China na produção

brasileira são muito

heterogêneos. Às vezes

refletem a perda de

mercado de outros

países. Mas, para

determinados

produtos, ocasionaram

de fato maiores

importações”

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36 Desafios • julho de 2005

J o r g e A b r a h ã o d e C a s t r o *ARTIGO

investigação do financiamento e dosgastos públicos sociais envolve a análisedas fontes e usos de recursos monetá-rios à disposição do Estado para pro-

porcionar o bem-estar social. Essa tarefa é útil àadministração pública e à sociedade, pois podeauxiliar na busca de soluções para os relevantesproblemas sociais do país. É também tarefa com-plexa, devido à magnitude das demandas sociais,à competição por recursos limitados e às diferen-tes opções teóricas e metodológicas.

Esse importante tema faz parte da agenda depesquisa do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), com base em duas perspectivasanalíticas. A primeira, mais abrangente, preocu-pa-se com o binômio financiamento-gasto social,a partir do conceito de Política Social,baseado emcertos princípios normativos conjugados aos di-reitos estabelecidos e às necessidades mais pre-mentes da população brasileira. Essa abordagemdifere do mero agrupamento de dados orçamen-tários acerca de instituições ou de funções de gas-to tidas como “sociais”, sem a prévia definição deum critério claro sobre o que se entende por “so-cial”. Um dos principais resultados dessa aborda-gem macro foi a produção de um indicador ma-cro-econômico-social – o Gasto Social Federal(GSF) –, que se propõe a ser tão importante paraas decisões públicas e privadas quanto outros in-dicadores macroeconômicos e fiscais conhecidos,como a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP).Tem como objetivo analisar de vários prismas aimportância da área social na agenda do governo.Por exemplo, se o GSF for comparado ao gastopúblico total, permitirá medir a importância dapolítica social na ação estatal. Se for analisado poráreas, indicará os ajustes realizados “por dentro”do conjunto da política social. Existem outrosprismas de análise do GSF, como sua compara-ção com o crescimento do produto per capita,quepode sinalizar o comprometimento relativo atri-buído às políticas sociais frente às diversas opçõesde políticas públicas.

A segunda perspectiva analítica, adotada naspesquisas do Ipea, é mais focalizada na avaliaçãodo impacto das políticas ou dos gastos sociais so-

bre indivíduos e famílias. Por exemplo: que valo-res o gasto público social agrega na composiçãoda renda das famílias? No Brasil, a principal difi-culdade para responder a esse tipo de perguntaderiva da insuficiente disponibilidade e quali-dade das informações; por isso existem poucostrabalhos publicados. Entretanto, há atualmentemuita expectativa em torno dos resultados damais recente Pesquisa de Orçamento Familiar(POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE), que pode ser muito útil na men-suração do impacto das políticas públicas paraindivíduos e famílias.

Na questão do financiamento e do gasto so-cial, destacam-se três desafios, que deveriam serlevados em conta numa futura agenda de pes-quisa do Ipea.

a) Tendo em vista que algumas áreas de políti-cas sociais têm esquemas descentralizados de fi-nanciamento e gestão, há que se investigar aquestão federativa para aprofundar a compreen-são do gasto social nas três esferas de governo.Isso envolve, entre outras coisas, a montagem deum banco de dados consolidado e confiável.

b) Admitindo-se que o bem-estar social e odesenvolvimento humano sejam aspirações dasociedade brasileira tão legítimas e arraigadasquanto a consolidação da estabilidade macro-econômica, seria importante a elaboração deconceitos e indicadores que refletissem, de algu-ma forma, ambos os tipos de objetivos de políti-ca – ou seja, os macroeconômicos e os sociais.Exemplo: a inclusão, no conceito de DLSP, de“ativos e passivos sociais”, de modo que um dosprincipais objetivos da política fiscal – a manu-tenção da relação dívida/PIB em trajetória sus-tentável – leve em conta aspectos sociais.

c) É, também, relevante o desenvolvimento demetodologias de avaliação de resultados e im-pactos dos gastos sociais para indivíduos efamílias.

*Jorge Abrahão de Castro é gerente de pesquisa da Diretoria de Estudos

Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e escreveu este artigo

em conjunto com Maurício Mota Saboya Pinheiro, coordenador de f inanças

públicas do Ipea

Como avaliar os gastos sociais no Brasil

“O indicador do Gasto

Social Federal

(GSF) pode ser tão

importante para as

decisões públicas e

privadas quanto

outros indicadores

macroeconômicos e

fiscais conhecidos, como

a Dívida Líquida do

Setor Público (DLSP)”

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Artigo_Jorge 02/07/05 17:31 Page 36

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38 Desafios • julho de 2005

Governo federa l

apresenta projeto

de le i para tornar ma is

ág i l o s istema

de defesa da

concorrênc ia , que inc lu i

a necess idade de

aprovação prév ia

em operações de compra

ou fusão de empresas

ECONOMIA

Entre os principais itens tratados notexto atual, estão pontos como a necessi-dade de autorização prévia para fusões ouaquisições em casos que possam resultarem abuso de poder econômico, como, porexemplo, a criação de uma grande holdingempresarial que detenha quase todo omercado de um mesmo tipo de produto e,por isso, exerça uma espécie de mono-pólio. Também estão incluídas algumasmudanças nos órgãos federais de controleda defesa da concorrência. A última mu-dança nos mecanismos para evitar abusos

m tese, a concorrência entre asempresas deveria servir, por si só,para proteger os consumidores eevitar abusos de poder econômi-

co. Mas o mercado capitalista é imperfeitoe praticamente todos os países precisamlançar mão de mecanismos específicospara coibir práticas de caráter monopo-lista e que, na ponta, lesam os consumi-dores. O Brasil não é diferente e, por isso,há alguns anos está em gestação nos cor-redores dos órgãos ligados ao assunto noâmbito federal uma nova rodada de ajus-tes para calibrar e tornar mais eficientes asleis que garantem o funcionamento dosistema de defesa da concorrência.A idéiasaiu do papel recentemente e está forma-tada em um projeto de lei que nos próxi-mos meses será submetido a uma consul-ta pública para, posteriormente, tramitarno Congresso Nacional.

Incentivo àE

P o r C l á u d i a C o s t a , d e B r a s í l i a

de poder econômico ocorreu há 11 anos efoi um período marcado por fusões eaquisições de empresas que transforma-ram o panorama da competição.

Participaram da elaboração do docu-mento vários especialistas no tema, dis-tribuídos em órgãos como o ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica(Cade), a Secretaria de AcompanhamentoEconômico (Seae) e a Secretaria de Direi-to Econômico (SDE). Também contoucom a colaboração de técnicos do Insti-tuto de Pesquisa Econômica Aplicada

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A fusão das cervejarias Brahma e Antarctica para criação da Ambev, em 2000, foi um dos casos mais polêmicos

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(Ipea), da Confederação Nacional daIndústria (CNI) e do Instituto Brasileiroda Concorrência, Consumo e ComércioInternacional (Ibrac).“Essa reforma é im-portante porque procura racionalizar e a-gilizar os processos que analisam os casosde abuso de poder econômico, pois ficouevidente que a autorização para a comprade empresas, ou mesmo para a fusão, emcertos segmentos da economia deve serdada antes de o negócio ser efetuado, enão depois, como é feito atualmente noBrasil”, explica Ronaldo Seroa, pesqui-

sador do Ipea. A Lei Federal n.° 8.884, de1994, atribui a três órgãos a responsabili-dade de analisar os processos de abuso depoder econômico – Cade, Seae e SDE.Pretende prevenir ou punir infrações con-tra a ordem econômica. A meta é moni-torar quaisquer caminhos encontradospelas empresas para praticar preços abu-sivos, que configurem a cartelização domercado, como, por exemplo, a criação debarreiras para a entrada de novos com-petidores, acertos entre os supostos con-correntes para dividir o mercado ou a

combinação antecipada dos preços queserão praticados. Outra maneira de lesaro consumidor é a venda casada de mer-cadorias. Por exemplo, um distribuidor deguaraná só vende sua marca a um deter-minado supermercado se o dono comprartambém sua cerveja. Para coibir tais prá-ticas, o sistema brasileiro de defesa da con-corrência atua de forma repressiva e podeimpor multas que chegam a 30% do fatu-ramento da empresa.

A proposta de alteração da legislaçãoé ambiciosa, uma vez que o sistema atualé lento e redundante, o que, sem dúvida, éuma característica prejudicial numa eco-nomia marcada por intensos movimentosde capitais e trocas de controle acionário.Além disso, não tem o poder de evitar omovimento de concentração, mas podeimpor sua anulação posterior, o que, naprática, é muito mais difícil, por causa dasrepercussões econômicas.

Em linhas gerais, o funcionamento dosistema de defesa da concorrência se di-vide em órgãos ligados aos Ministérios daFazenda e da Justiça.A SDE, do Ministérioda Justiça, é a porta de entrada para quais-quer processos a serem analisados. Ela osencaminha à Seae, do Ministério da Fa-zenda, para pareceres relativos aos im-pactos econômicos das operações e só apartir daí elabora o seu próprio parecer.Apenas então o assunto será encaminhadoao Cade, que é o órgão que tem o poder detomar decisões sobre os temas relativos àconcorrência no Brasil.

No Cade, um relator é escolhido alea-toriamente, como nos tribunais, entre ossete participantes – são seis conselheiros eum presidente, que não é conselheiro, to-talizando sete membros no plenário –, quefica com a incumbência de preparar o pro-cesso, com a ajuda de uma equipe técnica,para discussão em sessões plenárias. Osconselheiros são especialistas com conhe-cimento de direito ou economia,indicadospelo governo,e com mandato de dois anos,que pode ser renovado por igual período.Para serem nomeados, precisam ser apro-vados no Senado e, portanto, não podemser afastados por razões políticas. O ritualque leva à decisão final de um processo é omesmo para todos os casos que passam pe-

competiçãojulgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)

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F icou ev idente que a autor i zação para compras ou fusões de empresas, em cer tos

sair chamuscados e o governo gastar tem-po e dinheiro para defender, na Justiça, de-cisões tomadas pelo Cade. “O compradorfaz uma aposta ao pagar um alto preçopara comprar uma empresa, de olho nu-ma receita de caráter monopolístico.Quando o Cade diz não, isso significa umdano privado porque ele já pagou umpreço pelo qual não vai vender. Mas paraa sociedade é um ganho”, diz Seroa, doIpea. Na opinião de José Carlos Busto, ad-

assumir a Garoto, o que desvalorizaria onegócio num leilão de venda. No entanto,Lúcia Helena Salgado, pesquisadora doIpea e que já foi conselheira do Cade, lem-bra que várias grandes empresas estran-geiras demonstraram interesse em entrarno mercado brasileiro, especificamentepara comprar partes da Garoto, garantin-do a concorrência desejada pelo Cade.

No atual sistema de análise posterior àfusão ou aquisição, investidores podem

A primeira lei de defesa da concorrência(antitruste) foi criada no Canadá em 1899, masfoi o modelo norte-americano, baseado noSherman Act, de 1890, que se espalhou pelomundo e serviu de inspiração para varios paí-ses, inclusive para a criação do ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica (Cade)brasileiro, em 1962. A grande expansão eco-nômica norte-americana, na segunda metadedo século XIX, impulsionada pelo desenvolvi-mento das comunicações e das linhas de trans-porte, gerou economia de escala e foi acom-

panhada por uma onda de fusões e aquisições.O Sherman Act foi aprovado para coibir

abusos que pudessem prejudicar os consumi-dores. Proibiu contatos, combinações e conspi-rações que restringissem o comércio, e previamultas e até prisões para quem desrespeitassea lei. Nos Estados Unidos, o processo contraabusos do poder econômico corre no Judiciá-rio, enquanto no Brasil os trâmites são admi-nistrativos, a exemplo do formato adotado pelaUnião Européia. É verdade que no Brasil um atode abuso de poder, como formação de cartel,

O exemplo dos Estados Unidos

lo sistema, sejam eles de abuso de podereconômico ou de análise de uma aquisição.

Na avaliação de Elisabeth Farina, pre-sidente do Cade, o sistema é lento e com-plexo. “O problema é que há dois secre-tários, um deles é cargo de confiança doministro da Fazenda e o outro do ministroda Justiça, e um presidente de uma autar-quia, o Cade.Assim, é grande a chance dehaver certa disputa entre os três ou entreas equipes técnicas.A Seae faz um parecersobre um ato de concentração, que é re-feito na SDE, atrasando o processo, que,ao chegar ao Cade, ainda pode ser alonga-do se for interesse de uma das partes. Nofinal, um mesmo trabalho pode ter sidofeito três vezes”, explica Farina.

O projeto de lei que acaba de ficar pron-to altera três pontos fundamentais paratornar a defesa da concorrência mais efi-ciente: exige aprovação prévia para certasaquisições e fusões entre as empresas,unifi-ca os três guichês por onde atualmentetramitam os processos e aumenta o man-dato dos conselheiros do Cade de dois paraquatro anos, sem direito a recondução. Naopinião de Seroa, a análise prévia dasaquisições e fusões é o ponto crucial da re-forma, pois em certos casos de fusões ouaquisições a solução de um conflito podedemorar dois anos e acaba saindo quandoos negócios já estão consolidados.

O prazo não está fora do padrão inter-nacional da União Européia ou dos Esta-dos Unidos, onde é preciso autorizaçãoprévia da autoridade de defesa da concor-rência para fazer o negócio. No Brasil, aocontrário, o Cade pode decidir pela dis-solução da transação, quando já está con-solidada, como aconteceu na aquisição dafábrica de chocolates Garoto pela Nestlé em2002 (leia quadro na pág.42).Depois de doisanos em tramitação, o Cade não autorizoua negociação e determinou que a Nestlévenda a Garoto.A Nestlé entrou com recur-so na Justiça, o que fará o processo arras-tar-se ainda por um tempo imprevisível.Há analistas de mercado que dizem ser difí-cil encontrar um comprador, pois a Nestléadquiriu também segredos industriais ao

Reunião geral do Cade, em dezembro do ano passado, que vetou a compra da fábrica de chocolates Garoto

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vogado do Instituto Brasileiro da Concor-rência, Consumo e Comércio Interna-cional (Ibrac), a indefinição gerada pelaanálise posterior ao negócio prejudica aatração de novos investimentos para opaís.“O caso Nestlé-Garoto reforça essainsegurança. Houve um investimentomuito grande que está sendo impedido.Do jeito que é feito não há segurança ins-titucional, o que pode desincentivar inves-timentos”, diz. Entre os países com econo-

mia aberta, apenas Brasil, Colômbia eUzbequistão analisam os casos de fusãodepois de realizados os negócios, informaFarina, do Cade.

Outro caso que se arrasta no Cade é oda petroquímica Braskem, empresa criadaem 2001, como resultado da compra daCopene pelo grupo Odebrecht.A aquisiçãofoi contestada por outras empresas do pó-lo petroquímico de Camaçari, na Bahia,sob a argumentação de que o negócio ge-

segmentos, deve ser dec id ida antes do negóc io ser efetuado, e não depo is

raria inadequada concentração na pro-dução de insumos básicos para toda acadeia produtiva.A decisão não aconteceu,apesar de toda a parte técnica já estar con-cluída. É preciso um quórum mínimo decinco membros para votar o caso em ple-nário e somente quatro estão disponíveis:dois conselheiros se declararam impedidosde votar por problemas éticos, pois já ti-nham trabalhado anteriormente em umadas empresas; e o Senado, por sua vez, nãovotou o nome apresentado pelo governopara substituir um conselheiro cujo man-dato expirou.“Se o Cade julgasse os casospreviamente, o governo não poderia de-morar tanto para nomear outro conse-lheiro”, explica Cleveland Prates, o conse-lheiro do Cade cujo mandato expirou.

O caso Braskem também ilustra a ne-cessidade de alongar o mandato dos con-selheiros de dois para quatro anos, comoprevê o projeto.“A ampliação do manda-to dos conselheiros bloqueia possíveis in-tervenções políticas, dá mais tempo aosconselheiros que acompanham os proces-sos e solidifica o conhecimento, o quecontribui para o amadurecimento do sis-tema.A análise prévia cria incentivos parauma avaliação mais rápida e a fusão dostrês órgãos é importante porque fortalece

Em ritmo aceleradoProcessos julgados pelo Cade

1994 17

1995 19

1996 134

1997 518

1998 332

1999 396

2000 663

2001 711

2002 602

2003 581

2004 782

2005* 269

*Até junhoFonte: Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pela Nestlé

Sergio Lima/Folha Imagem

pode levar à prisão, mas, para isso, é precisoque alguém acione o Ministério Público paraque o caso tramite na Justiça.

Um dos episódios mais famosos da históriada defesa da concorrência nos Estados Unidosfoi o desmembramento da gigante de telefoniaAT&T, determinado pela Justiça em 1982.A em-presa chegou a dominar 82% do mercado deserviços telefônicos, mas teve de ser divididaem sete empresas regionais, que ficaram co-nhecidas como Baby Bell.

Um exemplo mais recente foi a decisão deimpedir a compra do ramo de fabricação deônibus e caminhões da sueca Scania pela suaconcorrente Volvo, em 2000, baseada na Lei de

Competição Européia. O argumento da Comis-são Européia era que o negócio reduziria acompetição em vários países da Europa. AMicrosoft, que detém o monopólio em sistemasoperacionais para microcomputadores, foi mul-tada recentemente em 600 milhões de dólarespela União Européia pela prática de vendacasada do Windows com o programa MediaPlayer.Além disso, a corte européia determinouque a Microsoft desenvolva um sistema opera-cional compatível com outros programas. Noano passado, o Cade também condenou umaprática ilegal da Microsoft do Brasil, que ofe-receu o monopólio de distribuição de seu sis-tema operacional à empresa TDA, em Brasília.

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Embora o novo pro j e to de l e i es te ja sendo fes te jado por espec i a l i s tas , há quem

reguladoras”, explica Seroa.O setor financeiro também ficaria fora

da esfera de decisão do Cade, pois atos deconcentração nesse setor são de respon-sabilidade do Banco Central, embora exis-ta polêmica sobre o assunto. “O BancoCentral entende que foi criado por uma leicomplementar, que é superior à lei ordi-nária que definiu o sistema de defesa daconcorrência, mas o Cade tem compreen-são diferente”, explica Salgado, do Ipea. Noentanto, já existe decisão sobre o tema,de 1988, quando a Advocacia-Geral daUnião arbitrou que era de competência doBanco Central a decisão sobre um possívelato de concentração de poder econômicoquando a Zurich Brasil Seguros adquiriu26% do capital social da Brasmetal In-dustrial, que era a empresa holding de umgrupo que incluía a Finasa Seguradora. Naépoca, o Cade entendia que o caso era desua responsabilidade.

uma segunda instância, de caráter revisio-nal,para onde seguiriam apenas os proces-sos que os conselheiros pedissem para re-ver.“Essa diretoria-geral poderia rejeitar ca-sos em que ficasse evidente que uma com-pra ou fusão não causaria nenhum impactoeconômico. Hoje todos os casos que en-tram no sistema têm de seguir seu curso atéo final,o que desvia esforços que poderiamser concentrados nos processos realmentecomplexos”, defende Farina.

Polêmica A Seae, do Ministério da Fazen-da,continuaria a existir e teria responsabi-lidade sobre os casos de concentração nossetores regulados, como o elétrico e o detelecomunicações, porque a lei que criou oPlano Real estabelece que todas as tarifas deserviços públicos em regime de concessãodevem ficar sob supervisão desse órgão.Assim,“a Seae funcionaria como uma es-pécie de agência que controla as agências

o sistema institucionalmente e aumenta agovernança”, resume Seroa. Uma soluçãopara o problema da eventual falta de quó-rum seria a existência de suplentes dosconselheiros, ponto que pode ser intro-duzido no curso da tramitação do proje-to no Congresso Nacional.

Na proposta do governo, os técnicosque hoje trabalham na Seae, na SDE e noCade passariam para uma nova diretoria-geral, baseada no Ministério da Justiça,com um diretor que seria nomeado pelogoverno, mas dependeria de uma apro-vação do Senado, como nos casos dos pre-sidentes das agências reguladoras. Caberiaa essa diretoria-geral toda a instrução dosprocessos, da investigação às análises ju-rídica e econômica.Além disso, teria o po-der de não autorizar uma operação de com-pra ou fusão e poderia punir desvios deconduta no processo concorrencial. O ple-nário do Cade passaria a funcionar como

Ultrafértil x Fosfértil A Ultrafértil, subsidiária da Petrobras priva-tizada em junho de 1993, foi arrematada pela Fosfértil, outra empresaprivatizada que foi comprada pelo consórcio de empresas misturado-ras de fertilizantes Fertifós. As empresas do grupo Fertifós passarama controlar cerca de 50% da oferta de fertilizantes básicos nitrogena-dos e fosfatados. Em 1997, o Cade aprovou a operação, mas exigiu queo grupo se comprometesse a fornecer matéria-prima às companhiasconcorrentes por cinco anos.

Colgate x Kolynos A Colgate adquiriu parte dos negócios mundiaisde saúde bucal da American Home Products, que incluía a pasta den-tal Kolynos, vendida no Brasil. A fusão resultou em concentração de78,1% do mercado brasileiro de cremes dentais. Para aprovar o negó-cio, o Cade exigiu que a Colgate retirasse a marca Kolynos do merca-do por cinco anos, para que as outras marcas concorrentes se conso-lidassem.

Brahma x Antarctica Em julho de 1999, o Cade começou a anali-sar a fusão da Companhia Antarctica Paulista com a CervejariaBrahma, que resultou na criação da Companhia de Bebidas dasAméricas (Ambev).A operação gerou concentração que variava de 65%

a 92%, dependendo da região. Em março de 2000, o Cade aprovou onegócio, mas determinou a venda de cinco fábricas de cerveja, da mar-ca Bavária, e uma reforma no sistema de distribuição da empresa.

Nestlé x Garoto Em novembro de 2002, a compra da Garoto pelaNestlé foi submetida ao Cade. Em abril deste ano, numa decisão inédi-ta, o órgão determinou, por unanimidade, que o negócio seja desfeitopor concentrar mais de 60% do mercado de todos os tipos de choco-late e 88% do mercado de coberturas de chocolate. No mês passado,a multinacional decidiu entrar na Justiça contra a determinação dosintegrantes do Cade.

Cartel da gasolina em Florianópolis O processo foi aberto em ju-lho de 2000 para investigar a formação de cartel por postos de com-bustíveis, seus administradores e o Sindicato do Comércio Varejista deCombustíveis Minerais de Florianópolis. Com base em evidências co-mo gravações de conversas telefônicas, notas fiscais, pesquisas depreços, fotografias e notícias da imprensa, foi comprovada a formaçãode cartel em Florianópolis e no município de Biguaçu. O Cade aplicoumulta de 10% do faturamento de cada posto e de 15% do faturamen-to aos administradores, e multou o sindicato em 400 mil reais.

Destaques do Cade

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Embora o projeto de lei esteja sendofestejado por especialistas, há quem du-vide que o Cade tenha estrutura para jul-gar casos em tempo hábil, pois não estariaaparelhado para fazer a análise técnica porcausa da falta de quadros. Isso poderiagerar uma fila de processos aguardandoautorização para fechar um negócio e em-perrando a economia.“Se não houver agi-lidade institucional será pior para o país,pois ninguém vai querer apresentar umaproposta de fusão sabendo que pode de-morar anos para ser analisada. A análiseprévia é ideal, mas ela tem sido criticadaporque ela pressupõe um quadro de fun-

cionários maior e ágil, o que não é o casodo Brasil”, afirma César Matos, professorda Universidade de Brasília (UnB). O pro-jeto de lei prevê a criação de um plano decarreira para o Cade, mas o ceticismo écompreensível, porque a lei que deu ori-gem ao órgão também incluía essa pro-posta.“O plano de carreira é muito impor-tante porque segura o funcionário, o queé fundamental numa área muito especiali-zada, que necessita de memória e agili-dade, além de exigir um conhecimentomultidisciplinar”, afirma Busto.

A realidade é bem diferente, pois os trêsórgãos envolvidos na defesa da concorrên-

cia – Seae, SDE e Cade – não têm fun-cionários de carreira e seus quadros sãoformados por funcionários comissionadoscedidos por outros órgãos do governo oucontratados, mediante concurso, por doisanos. No total, são 190 funcionários, quejulgaram 663 casos em 2000,enquanto nosEstados Unidos foram avaliados 456 pro-cessos, com um quadro de 1.804 pessoas,informa Farina.A diferença é maior aindaquando se olha o orçamento dos órgãos.Os norte-americanos contam com 147 mi-lhões de dólares por ano, e o Cade commodestos 10,7 milhões de reais.

Benefícios Pode até parecer uma con-tradição, numa economia de livre merca-do, a proposta de fortalecer a estrutura dedefesa da concorrência para julgar inicia-tivas do setor privado, mas o objetivo dareforma é justamente garantir a manu-tenção da concorrência, para que produ-tos e serviços cheguem ao consumidorcom variedade, melhor qualidade e o me-nor preço possível. Enfim, pode haver umconflito, por exemplo, entre o sistema dedefesa da concorrência e o fortalecimentode grupos econômicos para competir noexterior, como pretende a política indus-trial do governo, adverte Matos, professorde economia da Universidade de Brasília(UNB). Para ele, a lógica econômica justi-ficaria a fusão da Varig com a TAM, mas,se a operação tivesse sido realizada, pode-ria haver o veto do Cade.

Nessa hipótese prevaleceria a lógica deque o sistema de defesa da concorrência éfundamental para garantir que os benefí-cios da economia de mercado sejam usu-fruidos pelos consumidores.“Um eficientesistema de defesa da concorrência tem im-pacto muito grande no desenvolvimentoeconômico e na distribuição da riqueza,pois garante que os benefícios do cresci-mento e das melhorias tecnológicas sejamcompartilhados entre todos”, sustentaSalgado, que foi conselheira do Cade.Como o mercado é imperfeito, é dever doEstado zelar para que a desejável concor-rência prevaleça.

d u v i d e q u e o Cade t e n ha e s t r u t u ra p a ra j u l g a r o s c a sos em tempo h áb i l Ra

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Elizabeth Farina, em seu gabinete, na sede do Cade (ao alto); funcionários da Chocolates Garoto ouvem

Ivan Zurita, presidente da Nestlé, comunicar a decisão do Cade

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A d i l s o n d e O l i v e i r aARTIGO

epois de longo período de expansão sobo regime de monopólio estatal, o setorelétrico foi reformado para dar espaçoao investidor privado e criar ambiente

para a concorrência. Com essas mudanças, pre-tendia-se restabelecer condições para a expansãoda oferta, garantindo o suprimento do mercadocom tarifas módicas. No entanto, há um senti-mento de decepção com os resultados da refor-ma. As tarifas não param de crescer e o risco deum novo racionamento de eletricidade continua,infelizmente, no nosso horizonte. Onde erramos?

É consensual que o regime monopolista es-tatal se esgotou. A Constituição de 1988 elimi-nou as fontes vinculadas de financiamento seto-rial e determinou a obrigatoriedade de licitaçãodas concessões de serviços públicos. Por outrolado, a regulação por um órgão independente eo livre acesso às linhas de transporte são carac-terísticas dos sistemas elétricos modernos. O er-ro não deve ser buscado no Operador Nacionaldo Sistema (ONS), na Agência Nacional deEnergia Elétrica (Aneel) ou na procura de novasfontes de financiamento.

O ONS tornou-se importante fonte de trans-parência das condições operacionais do sistema,permitindo à sociedade monitorar as condiçõesde suprimento.A Aneel desempenha papel simi-lar no plano econômico-financeiro ao oferecer aopúblico explicação para o comportamento doscustos setoriais. O financiamento da expansãonecessariamente terá de vir essencialmente defontes privadas, já que o ajuste fiscal é condicio-nante da economia brasileira na sua etapa atual.Resta a introdução da concorrência, consideradapor alguns analistas a raiz do avatar da reforma.

É importante ter claro que os aumentos tari-fários do setor elétrico são, na sua essência, de-correntes de opções de políticas governamentaisque independem da reforma propriamente dita.Os contratos iniciais dos geradores com as dis-tribuidoras fixaram preços bem abaixo dos cus-tos de expansão. Tal desenho tarifário foi ideali-zado para evitar o impacto inflacionário de umasubstancial e brusca elevação das tarifas elétricasna infância do Plano Real. Portanto, as tarifas

elétricas iriam necessariamente crescer por umbom tempo.Além disso, foi adotado um indexa-dor (IGP-M) para os reajustes tarifários que é in-congruente com o IPCA, índice utilizado paracontrolar o comportamento da inflação.Mais ain-da, têm sido recorrentes as elevações de impostose encargos incidentes sobre os serviços elétricos.Em síntese,a introdução da concorrência no mer-cado elétrico não pode ser responsabilizada pe-los aumentos tarifários. Pelo contrário, a concor-rência, se tornada efetiva, poderia ter sido um fa-tor determinante na contenção desses aumentos.

A introdução da concorrência em um sistemaelétrico com as características do brasileiro é bas-tante complexa. O sistema é de base hidrelétrica,tendo sido estruturado para operar de forma coo-perativa. Para garantir a confiabilidade de supri-mento, é indispensável uma forte ampliação dacomponente térmica do sistema (como ficou pa-tente no período de racionamento!). Porém, omercado de gás natural foi estruturado para ope-rar em regime competitivo.Essa assincronia regu-lamentar (cooperação entre hidrelétricas e com-petição entre termelétricas) criou um impasse: astérmicas recusam-se a assumir o risco hidráulicodo sistema hidrelétrico.Como resultado,a econo-mia brasileira segue convivendo com o risco doracionamento e sem o benefício da mitigação tari-fária que um sistema hidrotérmico, articulado embase competitiva, pode oferecer.

A solução para o dilema reside na obrigação deas hidrelétricas ressarcirem a sociedade pelo ônusque provocam ao esgotar seus reservatórios. Paratanto,basta estabelecer uma sistemática de preçospara a energia retirada dos reservatórios que sejafunção crescente do risco de racionamento. Aadoção de um regime de preços claro,transparentee objetivo para a energia retirada dos reservatóriosoferecerá o sinal necessário para a articulaçãocompetitiva dos mercados da eletricidade e doshidrocarbonetos.

Adilson de Oliveira é engenheiro químico, doutor em Desenvolvimento

Econômico pela Universidade de Grenoble - França. Atualmente é professor titular

do Instituto de Economia da UFRJ

Impasses nacionais do setor elétrico

“A solução para o

dilema reside na

obrigação de as

hidrelétricas ressarcirem

a sociedade pelo ônus

que provocam

ao esgotar seus

reservatórios.

Para tanto, basta

estabelecer uma

sistemática de preços

para a energia retirada

dos reservatórios”

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Subornos, desv ios de verbas e fraudes provocam perdas econômicas mund ia is de

1 tr i l hão de dólares por ano. Organizações internacionais procuram meios de detectar,

controlar e punir os responsáveis pelo rombo. Aqui e em todo o planeta

CORRUPÇÃO

ropina,caixinha,pedágio.É tudo suborno,um dos tiposmais comuns de corrupção. Pode envolver burocratas,como Maurício Marinho, dos Correios brasileiros, fil-mado quando recebia uma propina de 3 mil reais. Mas

não é prerrogativa dos países em desenvolvimento, pois em 1976o príncipe consorte da Holanda, Bernardo, casado com a rainhaJuliana,foi acusado de receber 1,5 milhão de dólares da Lockheed,fabricante norte-americana de aviões,que disputava uma concor-rência para fornecer caças para a aviação daquele país. A comis-são que investigou o caso não conseguiu obter provas,mas o prín-cipe caiu em desgraça e foi proibido de usar títulos militares. Nadécada de 90, na Itália, a operação Mãos Limpas constatou queGiulio Andreotti,cinco vezes primeiro-ministro,se beneficiava deligações perigosas com a máfia. Mesmo o respeitado presidentefrançês Valéry Giscard d’Estaing não conseguiu preservar sua re-putação depois das acusações de ter recebido diamantes de pre-sente do ditador da República Centro-Africana, Jean-BédelBokassa, em troca de apoio político. O mal também afeta o setorprivado, como aconteceu na empresa de energia norte-americanaEnron, cujas práticas contábeis prejudicaram os acionistas. No fi-nal das contas, a sociedade arca com o prejuízo, pois o custo dacorrupção acaba embutido no preço dos bens e serviços ou no au-mento de tributos pagos aos governos.

A praga da corrupção provoca perdas econômicas da ordemde 1 trilhão de dólares anuais,segundo estimativa do Banco Mun-dial. E os danos são proporcionalmente maiores para os pobres,como lembrou o secretário-geral da Organização das Nações

Unidas (ONU), Kofi Annan, no final de 2003, quando foi assina-da a Convenção da ONU que se tornou o primeiro instrumentoglobal de combate à corrupção. No meio do fogo cruzado queatingiu o governo federal, por causa do escândalo do “mensalão”,o presidente Lula tratou de ratificar a Convenção da ONU e pas-sar um sinal para a sociedade. Foi o 26.º país a fazer a ratificaçãoe faltam apenas mais quatro para que ela entre em vigor.

Mutirão É crescente a mobilização internacional para combater acorrupção e o suborno.A iniciativa pioneira coube à Câmara In-ternacional de Comércio, organização sediada em Paris, que em1977 lançou um conjunto de regras sobre o que as empresas de-veriam fazer para debelar a corrupção. Em 1997 foi a vez daOrganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OECD, da sigla em inglês) adotar o primeiro instrumento paracombater o suborno em negócios internacionais. Todos os 30membros da OECD assinaram a convenção que criminaliza essetipo de procedimento e que teve a adesão de seis países não mem-bros,entre eles o Brasil.O Banco Mundial,por sua vez,só concedefinanciamentos para obras de infra-estrutura em que as regras detransparência e controle de corrupção sejam claramente cumpri-das. Em janeiro deste ano, um grupo de empresas da área de mi-neração, metalurgia e construção civil aproveitou a assembléia doIV Fórum Econômico Mundial,em Davos,na Suíça,e lançou umainiciativa para coibir as práticas de suborno e extorsão. Petrobrase Petróleos Ipiranga são as empresas brasileiras incluídas nas 67que subscreveram a iniciativa,em cooperação com a Transparência

mundialPraga

P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a

P

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O corrupto compara os benefícios que terá ao praticar atos i l ícitos com o risco de ser

Internacional e o Instituto de Governança de Basiléia, na Suíça.Para Geraldine Joslyn Fraser-Moleketi, ministra de Serviços

Públicos e Administração da África do Sul e uma das palestrantesdo IV Fórum Global de Combate à Corrupção, realizado emBrasília no começo de junho, o movimento global anticorrupçãoavançou,“mas trata-se de um processo relativamente recente, quesó se formalizou na última década.Até então, era uma caracterís-tica líquida e certa dos negócios realizados no mundo”. Para aministra, o fortalecimento surgiu em razão de três tendênciasmundiais: o interesse maior pela democracia, o crescimento docrime organizado e a globalização.

Apesar do esforço internacional para atacar a corrupção, ain-da não existe uma definição universalmente aceita para o termoe a legislação para combatê-la varia de um país para outro. Oobjetivo da Convenção da ONU é justamente buscar um padrãocomum para prevenir e combater a corrupção. Tirar proveito deum cargo ou do poder público para um ganho privado é adefinição mais comum no aparelho de Estado. Para DanielKaufmann, diretor de governança global do Banco Mundial, adefinição é imprópria, pois o ônus do conceito recai apenas so-

bre os funcionários públicos, desconsiderando o papel dos cor-ruptores.Além disso, supõe que todos os atos legais não são cor-ruptos,“o que nem sempre corresponde à realidade”.

Percepção Também é muito difícil mensurar o fenômeno, porquea maioria dos dados usados pelo Banco Mundial e por outros ór-gãos que se dedicam a estudar o assunto, como a TransparênciaInternacional, são baseados em pesquisas que lidam com a per-cepção da corrupção e não com provas concretas sobre o assun-to. Como os corruptos não costumam passar recibo de suastransações, é difícil medir com precisão o tamanho do problema.A maioria dos estudos baseia-se em questionários endereçados aempresários e entidades,como as agências de classificação de riscode mercados. Nas consultas, as pessoas são incentivadas a dizer sejá presenciaram episódios de corrupção e se acreditam que oproblema existe. Assim, pode acontecer que a divulgação de ca-sos e escândalos, mesmo que resultem de ações para coibir a cor-rupção, faça aumentar a percepção para esse tipo de crime e pio-rar a classificação de um país no ranking mundial.

“O problema de todas essas medições é que elas não têm base

O dilema do financiamentode campanhas

Quando o assunto é combater a corrupção, o financiamentodas campanhas eleitorais está no foco do debate. Durante o IVFórum Global de Combate à Corrupção, realizado em junho, emBrasília, um painel discutiu o tema, especialmente as vantagens edesvantagens do financiamento público ou privado de campanhaspolíticas. No caso do financiamento público foram levantados osriscos de má distribuição dos recursos. Essa alternativa tambémnão impede que empresas continuem a financiar as campanhasilegalmente, com o uso do caixa-dois. Além disso, em países po-bres o financiamento público das campanhas pode desviar recur-sos destinados a programas sociais. No caso do financiamento pri-vado, não há como impedir que o doador venha a exigir contra-partidas nas decisões políticas dos candidatos eleitos.

Uma opinião interessante foi a de Craig Donsanto, do De-partamento da Justiça dos Estados Unidos, que considerou a in-fluência do setor privado sobre a política, por meio do financia-mento de campanhas, uma contingência do sistema democráticorepresentativo que não pode ser impedida, mas apenas minimiza-da. Para controlar o abuso de influência do poder privado, ele de-fende a limitação das contribuições das empresas, o estabeleci-mento de um teto para os gastos totais com campanhas políticase a redução do tempo de duração da propaganda eleitoral.

Manifestação dos funcionários dos Correios: subornos na estatal foram o estopim

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empírica. Eu poderia antecipar praticamente todas as conclusõesdos estudos do Banco Mundial. O ranking acaba refletindo váriospreconceitos, de que a América Latina, por exemplo, é mais cor-rupta do que os Estados Unidos e de que os países nórdicos sãopraticamente livres desse mal”, afirma Fernando Limongi, pro-fessor do departamento de Ciência Política da Universidade deSão Paulo (USP). Para ele, o problema deve ser muito maior doque o noticiado nos Estados Unidos, por exemplo, onde o sistemade financiamento político de campanhas é extremamente frágile sujeito a troca de favores entre as grandes indústrias e o gover-no. (leia o quadro na pág. anterior).“O que acontece nos países maisdesenvolvidos é que a imprensa acoberta fatos. Assim como naFrança, onde o presidente durante anos teve outra família e issonunca foi divulgado, inúmeros casos de corrupção podem estarescondidos e a impressão que temos é que é um país livre dessetipo de coisa”, diz.

Um dos poucos consensos sobre o tema é que a corrupçãofunciona como outras escolhas econômicas: o corrupto comparaos benefícios que terá ao praticar atos ilícitos com o risco de serdescoberto e punido – por exemplo, pena de prisão ou de ter seus

bens tomados pela Justiça.“No Brasil, a chance de alguém sercondenado por corrupção é mínima. Do ponto de vista estatís-tico ou econômico, acaba sendo um excelente negócio”, diz LucasRocha Furtado, procurador do Ministério Público junto aoTribunal de Contas da União (TCU).

Conjuntura “A corrupção não acontece porque as pessoas são más,existem causas objetivas que estão no arcabouço institucional eadministrativo do país. Para combatê-la é importante identificarquais são as vulnerabilidades no processo decisório que favore-cem atitudes incorretas e tentar limitar esses problemas. Por issoseria necessário que a administração pública se conhecesse me-lhor”, avalia Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da organi-zação não-governamental Transparência Brasil. Para diminuir acorrupção, é necessário fazer reformas institucionais, como aaprovação de uma emenda constitucional para que o cumpri-mento do Orçamento federal seja obrigatório, propõe Abramo.Atualmente, o Orçamento é elaborado pelo Executivo e aprova-do pelo Congresso Nacional, mas os recursos nem sempre vãopara os lugares previstos. José Antônio Moroni, do Instituto deEstudos Sociais e Econômicos (Inesc), concorda, pois “o Orça-mento federal virou um meio de barganha entre Executivo e Le-gislativo.As emendas parlamentares, por exemplo, acabam sendoum instrumento de pressão sobre o Executivo.As constantes mu-danças no Orçamento reduzem a transparência dos dados e docontrole pela sociedade”.

Na avaliação de Abramo, outro problema no Brasil é o excessode cargos de confiança no governo federal,que chegam a 19,2 mil,ante 5 mil nos Estados Unidos, por exemplo.“Eu gostaria de saberquem são esses milhares de pessoas,o cargo que elas ocupam e porquem foram indicadas,mas não temos acesso a essa lista”, afirma.Para ele, o escândalo recente dos Correios é um exemplo do riscode corrupção associado aos cargos em comissão, já que o ex-dire-tor de administração da estatal Antônio Osório Batista foi um dosnomes indicados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), emtroca do apoio político ao governo.No entanto,não há garantia deque o servidor aprovado em concurso será mais honesto do queaquele nomeado. Jorge Hage, subcontrolador-geral da União, porexemplo, defende essa tese lembrando que o subordinado deBatista nos Correios,o ex-chefe do Departamento de Contrataçãoe Administração de Material dos Correios Maurício Marinho, éum servidor de carreira. Nem sempre os cargos de confiança sãoocupados por pessoas alheias à empresa. Em diversas estatais, osestatutos limitam o acesso de profissionais externos a um númerobastante restrito, cerca de um ou dois, como, por exemplo, noBanco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. Em outros casos,como no Banco Popular, ninguém de fora pode ser nomeado.

Reconstrução O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ar-gumenta que a corrupção acontece quando as instituições públi-

descoberto e punido. No Brasil, a chance é pequena, e a corrupção, um excelente negócio

de uma série de denúncias de corrupção

Celso Junio/AE

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No Bras i l , há 19,2 mi l cargos de conf iança no governo federa l , ante 5 mi l nos EUA

cas estão enfraquecidas, ficando mais suscetíveis à pressão pri-vada.“Por isso, o combate eficaz à corrupção implica na recons-trução das instituições, no aperfeiçoamento da integração entreelas e na transparência da gestão”, afirma. Uma alternativa,propõe Lucas Furtado, procurador do TCU, é controlar melhoros atos em que o gestor público tem discricionariedade, ou seja,pode agir com ampla liberdade.“Quando tal poder é exercidopara a liberação de recursos públicos e não há acompanhamen-to e fiscalização sistemáticos, aumenta muito a chance de cor-rupção.” Para Abramo, da Transparência Brasil, falta um órgãototalmente independente e autônomo para diagnosticar e punircasos de abuso de poder.

No formato atual, a Controladoria Geral da União (CGU) temo papel de examinar e auditar as contas dos ministérios e das pre-feituras, mas não tem poder de sanção sobre os outros órgãos dogoverno. Os relatórios produzidos pela CGU são encaminhadosaos ministérios e ao TCU para que sejam tomadas providênciasadministrativas, mas nada garante que as determinações serão

cumpridas. Em alguns casos, as conclusões da CGU vão para oMinistério Público (MP) ou para a Advocacia Geral da União,que têm a responsabilidade de propor ações penais ou civis. OTCU também opera com certas restrições, pois pode punir irre-gularidades no setor público, mas os acusados têm a possibilidadede recorrer ao Poder Judiciário e obter decisões favoráveis.

Já a punição penal depende sempre da proposição de ações pe-lo MP,baseadas em inquéritos policiais.Nesse ponto,aparece maisum problema.Promotores e delegados de polícia raramente traba-lham em parceria, o que dificulta a obtenção de provas que sejamaceitas pelos juízes.Marcelo Mendroni,promotor do estado de SãoPaulo,conta que,em 1975,a Alemanha mudou seu código penal edeu ao promotor de justiça a responsabilidade de dirigir os inquéri-tos.Todos os países da Europa seguiram o exemplo a partir da dé-cada de 80 e,segundo Mendroni,tiveram com isso uma grande re-dução na criminalidade e na corrupção.“Aqui,o MP fica absoluta-

mente à mercê da polícia, e muitasvezes os inquéritos não trazem pro-vas suficientes”, diz.

Nas raras vezes em que há umacooperação maior, como no casodas forças-tarefas da Polícia Federal(PF) em conjunto com o MinistérioPúblico e a Receita Federal, o resul-tado são operações bem-sucedidasde desmonte de redes de corrupção.O problema é que a PF não tem es-trutura nem poder para investigartodo tipo de crime e se concentranos crimes classificados como fe-derais.Para Sílvio Marques,tambémdo MP paulista, existe pouco diálo-

go entre o MP e os órgãos de administração, como o Conselho deControle de Atividades Financeiras (Coaf),responsável por acom-panhar operações financeiras suspeitas.Vencidas todas essas difi-culdades, as ações começam a correr, mas surge então outro obs-táculo: a possibilidade de inúmeros recursos contra as decisões daJustiça, permitidos pelos códigos de processo civil e penal.

O exemplo chileno mostra que é possível ter sucesso no comba-te à corrupção. O Chile está entre os países com avaliação positi-va no ranking do Banco Mundial por tomar diversas providên-cias: reduzir o número de cargos preenchidos por indicação políti-ca de 3,5 mil para 700; aprovar lei sobre financiamento público decampanhas eleitorais; melhorar as normas sobre licitações; e in-centivar as compras eletrônicas pelo governo. No Brasil, o presi-dente assinou, em maio passado, um decreto obrigando que to-das as compras governamentais de valor inferior a 650 mil reais se-jam feitas pela internet.Além disso, os chilenos podem controlarpela internet como estão votando os parlamentares,o que aumen-ta a consciência política e o controle da sociedade.

Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil (acima); Fernando Limongi, professor de Ciência Política da USP

Heito

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Epitacio Pessoa/AE

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CORRUPÇÃO

governo federal transfere anualmente cerca de 35 bilhõesde reais a 5.560 municípios brasileiros para que realizemobras públicas ou executem programas nas áreas desaúde, educação, saneamento. Boa parte dessa bolada

acaba desviada, muitas vezes em benefício dos prefeitos. Foi poressa razão que a Polícia Federal prendeu, em maio, oito prefeitosde cidades do interior de Alagoas. Agora já é possível estimar otamanho do rombo provocado por práticas corruptas.Estudo iné-dito do economista Claudio Ferraz, pesquisador do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que foi detectado al-gum tipo de corrupção na máquina administrativa em 73% dosmunicípios fiscalizados pela CGU nos primeiros nove sorteios,referente aos recursos federais repassados entre 2001 e 2003. Em54% dessas prefeituras ocorreram práticas ilegais durante a rea-

lização de licitações e 48% das cidades sofreram algum tipo dedesvio de recursos públicos.Em 7% dos casos foram encontradosindícios de superfaturamento de contratos.Até hoje,a maior partedas pesquisas sobre corrupção se apóia na percepção que as pes-soas têm sobre a existência do problema. Não foi o caso do estu-do de Ferraz, baseado em informações reais coletadas por audito-rias realizadas, de maio a dezembro de 2003, pela ControladoriaGeral da União (CGU) em 376 municípios com população infe-rior a 450 mil habitantes. Os municípios, escolhidos por sorteio,foram visitados por equipes de 10 a 15 inspetores, que avaliaramo emprego de recursos federais repassados aos prefeitos.

As diversas estratégias para burlar a lei que regula as licitaçõespúblicas e para favorecer empresas ou pessoas ficaram evidentesno estudo de Ferraz, feito em conjunto com Frederico Finan, ela-

Pesqu isador do Ipea

comprova irregular idades

no uso de d inhe iro

púb l ico em 73% dos

mun ic íp ios aud i tados

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Operação Gabiru da Polícia Federal, que decretou a prisão de oito prefeitos e quatro ex-prefeitos

Marco Antônio/AE

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borado como parte da tese de doutorado que defenderá na Univer-sidade da Califórnia - Berkeley, dos Estados Unidos. Entre os pro-blemas encontrados estão a criação de empresas fantasmas e a si-mulação de processos de licitação, nos quais essas firmas eramvencedoras, como nas cidades de Eldorado dos Carajás, no Pará, ePorto Seguro,na Bahia.Também são usuais as licitações não com-petitivas,em que apenas uma empresa participa,quando a lei exigepelos menos três participantes para qualquer projeto acima de 80mil reais por ano. Em Itapetinga, na Bahia, o aviso da licitação pa-ra compra de merenda escolar era feito apenas uma hora antes doprazo final e assim vencia sempre a empresa do irmão do prefeito.

Auditoria A pesquisa também identificou que em 67% dos casoshouve administração ineficiente dos recursos federais destinadosa programas ou obras específicas.Em algumas cidades onde deve-ria funcionar o programa Saúde da Família, a maioria das pessoasentrevistadas nunca foi visitada por um médico. Em Capelinha,Minas Gerais,o Ministério da Saúde transferiu 321,7 mil reais parao Programa de Atenção Básica e os auditores da CGU compro-varam a existência de recibos de compra falsos no valor de 166 mil

reais e que a mercadoria jamais entrou nos depósitos da prefeitura.“Com o uso dos relatórios das auditorias da CGU, con-

seguimos criar indicadores sobre o tipo de corrupção mais co-mum e as áreas em que ela acontece. Verificamos, por exemplo,que mais de 50% dos casos de irregularidade acontecem nas áreasde saúde e educação, setores que foram descentralizados durantea década de 80”, diz Ferraz. De acordo com a pesquisa, 27% doscasos ocorrem na educação, 25% na saúde, 7% em obras de sa-neamento e 4% em recursos destinados ao apoio à agricultura.

A cada mês a CGU sorteia 60 municípios nos quais é anali-sado detalhadamente como foram usados os recursos repassa-dos pelo governo federal. Uma equipe de 10 a 15 auditores visi-ta cada cidade, verifica comprovantes de despesas e também en-trevista os usuários de programas sociais, como a Bolsa Família,o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-mental e de Valorização do Magistério, ou o Programa de Aten-ção Básica, do Ministério da Saúde.As obras públicas feitas comrepasses federais são verificadas minuciosamente.Assim foi pos-sível descobrir que houve superfaturamento na construção denove quilômetros de estrada na cidade baiana de São Francisco

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Ma is de 50% dos casos de i rregu lar idades nas gestões mun ic ipa is acontecem nas

Praça da Matriz de Ribeirão Bonito (acima), onde a mobilização social conseguiu afastar um prefeito corrupto; merenda escolar (no alto): pesquisadores detectaram

Filip

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do Conde.A construtora Mazda foi contratada sem licitação por5 milhões de reais para fazer a estrada, mas subcontratou outraempreiteira, que recebeu 1,8 milhão pela obra. Também foi com-provado que a construtora Mazda fez a doação de um aparta-mento avaliado em 600 mil reais à família do prefeito municipal.

Controle O objetivo inicial do estudo de Ferraz era verificar se areeleição dos prefeitos resultava em mais irregularidades. Apósavaliar os 376 relatórios de auditoria, Ferraz conclui que a cor-rupção é 23% mais alta nos municípios em que os prefeitos foramreeleitos, comparado com municípios similares onde os prefeitosestão no primeiro mandato.A importância do controle externodas atividades dos prefeitos ficou evidente por que nas cidadesonde existe uma emissora de rádio ou um jornal o índice de cor-rupção não aumenta no segundo mandato do prefeito. O índicede atos irregulares também diminui quando há maior alternân-cia de poder e a concorrência entre os políticos está presente.

“De fato, sabemos que a corrupção é maior em determinadasregiões do país, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que sãomais atrasadas politicamente. Quando há a dominação de um

grupo ou oligarquia há um incentivo às atividades ilícitas”, con-firma o subcontrolador-geral da União, Jorge Hage. A dimensãocontinental do Brasil e a falta de acompanhamento e fiscalizaçãoeficiente pelos órgãos do governo federal contribuem para que osrecursos repassados sejam empregados de maneira irregular,pon-dera Hage. No entanto, ele reconhece que “o Brasil fez uma opçãocorreta pela descentralização dos programas sociais, pois os re-cursos e as normas têm de ser federais, mas a execução deve serlocal”, sustenta. Na opinião do subcontrolador, as auditorias daCGU ajudarão a reduzir os casos de corrupção.“Os prefeitos têmmedo de que possam ser sorteados e sabem que, uma vez audita-dos, a CGU descobrirá as irregularidades”, afirma.

Provas O grau de organização da sociedade local pode ser de-terminante para prevenir e combater o desvio de dinheiro públi-co, como comprova o exemplo que vem de Ribeirão Bonito, emSão Paulo. Um grupo de cidadãos, preocupados com a deterio-ração dos serviços municipais, criou em 1999 a organização não-governamental Amigos Associados de Ribeirão Bonito(Amarribo) para acompanhar a gestão dos bens públicos. AAmarribo conseguiu juntar provas de corrupção para fazer umadenúncia formal contra o prefeito eleito em 2000, que ostentavasinais de enriquecimento ilícito. Graças à iniciativa da entidade,o prefeito renunciou em 2002 e foi preso em seguida.Atualmente,está solto, mas ainda responde a ações civis e criminais. ParaAntoninho Trevisan, da consultoria BDO Trevisan, um dos fun-dadores da Amarribo, é preciso ensinar nas escolas como fun-ciona o governo e como são feitos e seguidos os orçamentos, paraque as pessoas criem consciência da importância de acompanharas contas públicas.“Um dos motivos para a corrupção é a faltade exercício da cidadania. A fiscalização é mais burocrática doque efetiva. Os Tribunais de Conta fazem apenas verificaçõescontábeis. O fraudador conhece bem os mecanismos da admi-nistração e sabe como burlar esses controles. Outro problema éque nosso sistema tributário não permite ao cidadão saber o tan-to que ele paga de imposto, porque a maior incidência é sobre aprodução, e não sobre a renda. E, para completar, temos a difi-culdade da morosidade da Justiça”, conclui Trevisan. O trabalhoda Amarribo já está fazendo escola.A diretora da entidade, LiseteVerrilo, conta que diariamente recebe pedidos de ajuda e que jáexistem 600 organizações não-governamentais inspiradas nomodelo. (C.F.)

Controladoria Geral da União www.presidencia.gov.br/cgu

Amigos Associados de Ribeirão Bonito www.amarribo.org.br

Saiba mais:

áreas de saúde e educação, setores que foram descentra l i zados na década de 80

licitações irregulares; Antoninho Trevisan, sócio da consultoria BDO Trevisan

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C l a u d i o F e r r a zARTIGO

transferência da responsabilidade pelaprovisão de bens e serviços públicos,feita aos municípios na Constituiçãode 1988, pode ter melhorado a aloca-

ção de gastos públicos, mas também aumentoua quantidade disponível de recursos para serapropriados ilegalmente por políticos locais. Emmunicípios pequenos, onde grande parte dapopulação tem baixo nível de escolaridade, ocontrole social sobre o gasto público é mais difí-cil e facilita práticas de clientelismo e corrupção.

Nesse contexto, a possibilidade de reeleição,introduzida pela reforma constitucional de 1997,pode ter aberto espaço para uma redução naspráticas corruptas por parte de políticos locais,pelo menos aqueles que buscam se reeleger. Issoé o que sugerem os novos modelos de economiapolítica. Assumindo que os eleitores têm infor-mação imperfeita sobre a capacidade e a disci-plina dos políticos, os modelos predizem quetentarão evitar atos de corrupção num primeiromandato, para assim aumentar suas possibili-dades de reeleição e, com isso, a apropriação derendas públicas por meio de práticas corruptasnum segundo mandato. No entanto, por causada inexistência de dados sobre apropriação derecursos públicos, era difícil testar se a possibi-lidade de reeleição restringia a corrupção. Sur-giu, porém, uma oportunidade de fazer essaavaliação, pois em 2003 a Controladoria Geralda União (CGU) começou a realizar auditoriasregulares em municípios para avaliar o uso derecursos repassados pelo governo federal.Meu tra-balho “Reelection incentives and political corrup-tion”, em co-autoria com Frederico Finan, ba-seou-se nos relatórios de fiscalização da CGU,no esforço de quantificar a corrupção existentenos municípios brasileiros. Medimos desvios derecursos, licitações irregulares e superfatura-mento e, assim, obtivemos medidas de incidên-cia de corrupção e proporção de recursos des-viados dos programas federais transferidos paraos municípios.

Durante a gestão 2000/2004, aproximada-mente metade dos prefeitos das cidades auditadasestava no primeiro mandato e a outra metade nosegundo, portanto não poderia ser reeleita. Usa-mos esse fato para avaliar de que forma a possi-bilidade de reeleição servia de incentivo parapráticas corruptas. Os resultados encontradosconfirmaram as predições dos novos modelos deeconomia política. Em municípios onde o pre-feito está no segundo mandato (e não pode serreeleito), há mais corrupção, na média, do que emmunicípios similares com prefeitos no primeiromandato. Isso implica que a concorrência políti-ca restringe a apropriação de recursos públicos.

Os resultados também chamam a atençãopara outro fato importante. Comparando os mu-nicípios com prefeitos no primeiro e no segundomandato, encontramos mais corrupção nos mu-nicípios onde os prefeitos foram reeleitos, porémmenos irregularidades na implementação depolíticas. Assim, pode ser que os eleitores façamuma escolha entre corrupção e eficiência na ofer-ta de bens públicos, preferindo eleger políticosmais corruptos, mas que sejam capazes de proverbens públicos, o chamado “rouba, mas faz”.

O trabalho citado acima utiliza os relatóriosprovenientes da CGU, porém não analisa o im-pacto que as auditorias produziram nos municí-pios fiscalizados. As auditorias, e sua divulgaçãopara os eleitores e órgãos responsáveis em punirprefeitos desonestos, podem criar importantesmudanças,para que políticos restrinjam sua apro-priação de recursos públicos.Analisar esse efeitofaz parte de uma agenda de pesquisa futura, po-rém as auditorias podem reduzir o nível de cor-rupção municipal graças à divulgação dos resul-tados.Mais informação sobre a atuação dos políti-cos pode fazer com que os eleitores punam nas ur-nas os prefeitos associados a atos de corrupção,permitindo a escolha de prefeitos mais honestos.

Cláudio Ferraz é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea) e é doutorando da Universidade da Califórnia - Berkeley

Prefeitos reeleitos tendem a ser mais corruptos e mais eficientes

“Em municípios

pequenos, o controle

social sobre o

gasto público é

mais difícil e isso

abre caminho

para práticas

de clientelismo

e corrupção”

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METAS DO MILÊNIO

m setembro do ano 2000, quando190 países-membros da Organi-zação das Nações Unidas (ONU)aprovaram oito metas fundamen-

tais para a diminuição da pobreza no pla-neta até 2015, eles dedicaram quase ametade delas – isto é, três – a questões li-gadas à saúde.As metas ficaram mundial-mente conhecidas como Objetivos de De-senvolvimento do Milênio (ODM) porqueforam definidas justamente no início doterceiro milênio, e as que tratam de saúdepropõem a redução da mortalidade infan-til, a melhoria da qualidade da saúde ma-terna e o combate a Aids,malária,tubercu-lose e outras doenças que atingem grandeparte da população.Ainda faltam dez anospara a data final do compromisso, masexistem divergências quanto à capacidadedo Brasil de cumprir as metas de saúde (leia

quadro ao lado). Indicadores atuais e exer-cícios feitos por especialistas no assunto es-timam que o Brasil possa alcançar algunsdos objetivos,tais como conter a transmis-são de doenças como a Aids e reduzir amortalidade infantil.

Luiz Fernando de Lara Resende,pesqui-

sador do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) e coordenador do RelatórioNacional de Acompanhamento dos Obje-tivos de Desenvolvimento do Milênio,ava-lia que as políticas de vacinação,reidrataçãooral,visitas domiciliares dos agentes de saú-de e programas de educação materna tive-ram um impacto bastante positivo nos in-dicadores brasileiros de saúde nos últimos

anos.Por isso,o país conseguiu bons resul-tados em segmentos como o de mortali-dade na infância. A taxa de óbitos infantispor 1.000 nascidos vivos menores de 1 ano,que era de 48 em 1990, estava na casa dos25,1 em 2002 e existem estimativas de quepossa chegar próxima a 16 em 2015 – a me-ta estipulada pela ONU. Resende enfatizaque para a estimativa se concretizar sãonecessários investimentos,em particular naassistência ao pré-natal,ao parto e à criançanas primeiras semanas de vida.

E se não ocorrerem tais investimentos?A situação realmente se complica,tanto quehá outros especialistas mais descrentesquanto ao cumprimento das metas, comoAna Elizabeth Reymão, coordenadora dorelatório de Saúde,que faz parte da Coleçãode Estudos Temáticos sobre os Objetivos deDesenvolvimento do Milênio, do Progra-ma das Nações Unidas para o Desenvol-vimento (Pnud).“Embora a meta do milê-nio seja reduzir o número de 48 mortesentre 1.000 nascidos vivos, registrado em1990, para 16, acredito que tal dado nãodiminua o suficiente até 2015”, analisa.

Porém, mais que dinheiro, o Brasil pre-

Exemplo mundial no combate à Aids, o Brasil desliza nos cuidados a gestantes e bebês e

se arrisca a não cumprir todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ligados à saúde

P o r M a r i n a N e r y , d e B r a s í l i a

O direito àvidaE

ObjetivoReduzir a

mortalidade

infantil

Melhorar

a saúde materna

Combater

HIV/Aids, malária,

tuberculose

e outras doenças

MetaReduzir dois terços

da mortalidade de

crianças até 5 anos,

de 1990 a 2015

Reduzir três quartos

da taxa de mortalidade

materna, de

1990 a 2015

Deter a propagação

até 2015

METAS 4 02/07/05 18:00 Page 56

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Crianças do

semi-árido, onde

a taxa médiade mortalidade

infantil é mais do que o

dobro da média nacional

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D u ra n t e a ú l t ima d é c ada , a t a x a b ra s i l e i r a d e mo r t a l i d ad e i n fa n t i l c a i u d e 4 8

cisa encontrar uma forma de combater ovelho fantasma da desigualdade a fim desolucionar seus problemas de saúde públi-ca. As extremas diferenças brasileiras trans-portam-se também para regiões geográfi-cas. O semi-árido é um exemplo nítido,mas não único, de concentração de óbitosde crianças e mães devido à falta de con-dições estruturais de educação, alimen-tação,saneamento,informação e leitos hos-pitalares, entre outros itens que envolvempolíticas públicas.Resultado? A taxa médiade mortalidade infantil nessa região é deaproximadamente 65 por 1.000 criançasnascidas vivas, mais que o dobro da médianacional, segundo o relatório “Crianças eAdolescentes no Semi-Árido Brasileiro –2003”, do Fundo das Nações Unidas paraa Infância (Unicef, da sigla em inglês).

O efeito das desigualdades faz com queo Brasil apresente aspectos sociais cons-trangedores que nos posicionam ao lado denações com as piores condições sanitárias,falta de políticas de prevenção e de atendi-mento hospitalares do planeta. Por exem-plo, há doenças infecciosas e parasitárias,como malária e tuberculose, que conti-nuam a representar problemas de saúdepública,principalmente em regiões especí-ficas. Nos últimos anos, houve queda nonúmero de exames positivos de malária,

mas a doença ainda está bastante concen-trada na Amazônia Legal,com 99% dos ca-sos na região Norte, além dos estados deMaranhão e Mato Grosso.Neste último es-tado,há uma boa notícia: uma significativaredução, de cerca de 198 mil exames posi-tivos,em 1992,para 5 mil em 2003,resulta-do de intenso trabalho de controle.

A tuberculose, que já constituía umsério problema,passou a ter suas modestastaxas de redução refreadas pela associaçãocom a Aids. Nos anos 90, as regiões maisatingidas eram Norte e Nordeste, mas oSudeste passou a concentrar 48,24% doscasos em 2001.No total,estima-se que exis-tam 85 mil novos casos e 3 mil mortes portuberculose a cada ano.

Em relação às doenças de elevada dis-seminação, o maior sucesso foi obtido naluta contra a Aids, cuja taxa de letalidadenos primeiros anos de epidemia era de100% (1995) e diminuiu para 50% (1999).“Entre os indicadores positivos para asMetas do Milênio estão justamente aspolíticas relacionadas ao combate à Aids,como, por exemplo, a boa distribuição demedicamentos”, ressalta Ana ElizabethReymão. Os números de casos de Aids es-tabilizaram-se devido às campanhas e àmobilização da sociedade, com o uso decamisinha e o não-compartilhamento de

Receita certa

A postura brasileira no combate à propa-gação da Aids é elogiada há vários anos emtodo o mundo. Em meados do mês passado, ojornal norte-americano The New York Timesdeclarou que o Brasil é um exemplo a ser se-guido por tratar, em suas políticas, o assuntode forma direta.“O Brasil tem o melhor pro-grama anti-aids entre os países em desen-volvimento”,afirma o editorial.Entre os admi-radores das iniciativas brasileiras para otema está o vocalista da banda de rock irlan-desa U2, Bono Vox, que declarou recente-mente em Bruxelas, durante um evento públi-co, que a liderança brasileira na quebra depatentes e no uso de medicamentos gené-ricos para os tratamentos contra o vírus HIVdeve ser seguida.“Eu observo a América doSul principalmente pela forma como a regiãolida com a Aids, porque o que aconteceu noBrasil foi uma ótima liderança em relação aosmedicamentos genéricos”, disse o cantor eativista global.

As taxas de mortalidade por Aids, noBrasil, começaram a cair em 1995.Após a in-trodução da política de acesso universal aotratamento anti-retroviral,observou-se impor-tante queda na mortalidade até a estabiliza-ção em cerca de 6,3 óbitos por 100 mil em2000 em todo o país, embora a tendência te-nha sido bem mais evidente na região Sudes-te e entre os homens.

O Brasil registrou o primeiro caso deAids em 1980. Na época, ainda existia o con-ceito de grupo de risco,mas atualmente atin-ge indiscriminadamente homens e mulheres.Até 2003, haviam sido diagnosticados cercade 310 mil casos de Aids no país, com maiorconcentração nas regiões Sudeste e Sul,84%entre 1980 e 2003. Durante esse mesmoperíodo,a transmissão heterossexual cresceuassustadoramente, saltando de 17,4% para56,1% em 2002, com aumento da incidênciaem mulheres. Muito do sucesso brasileiro nocombate à Aids se deve à decisão de produzirmedicamentos genéricos, em laboratóriosgovernamentais,e distribuí-los gratuitamenteaos pacientes via Sistema Único de Saúde.

Bebê na UTI Neonatal do Hospital das Clínicas em São Paulo, uma das mais bem equipadas do país

Sommer Andrey

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p a ra 25 , mas p r e c i s a c h ega r a 16 p a ra a t i n g i r o p ad r ão e s t i p u l ado p e l a ONU

seringas.“O Brasil tem sido referência notratamento de Aids no mundo todo”,enfa-tiza Resende,para quem o Objetivo 6 (Aids)será atingido (leia quadro na pág. 58).

Vida real Histórias como a da dona-de-casa Francineide Silva mostram que oBrasil é um país de contrastes – nos pro-blemas e nas soluções.Aos 26 anos, ela deuà luz a pequenina Gabriella, que nasceu,com apenas 38 centímetros de compri-mento e pouco mais de 1 quilo de peso, al-guns dias antes de completar o sétimo mêsde gestação. No dia 12 de abril, ao olharpara a filhinha, tão indefesa, com dreno nopulmão esquerdo, Francineide conta quesó sabia chorar. Ela não tinha noção deque, nos dois meses seguintes, a filha cor-ria sério risco de transformar-se em maisum número na estatística de 25,1 criançasmortas com menos de 1 ano de idade por1.000 nascidas vivas. O Japão, um exem-plo de estatísticas positivas no campo dainfância, apresenta números bem dife-rentes: 3,2 óbitos por 1.000 crianças nasci-das (2000). Já o Chile registra 7,8 óbitospor 1.000 nascidos vivos (2002).

É bem verdade que a mortalidade infan-til – no primeiro ano de vida –, na média,decresceu no Brasil nas últimas duas dé-cadas, porém ainda apresenta graves pro-blemas no período neonatal. Dois terçosdas mortes até o primeiro ano de idadeocorre até os 27 dias de vida, isto é 16,4óbitos por 1.000 nascidos vivos. Um con-traste em relação ao período pós-neonatal(de 28 a 364 dias de vida), com 8,5 óbitospor 1.000 nascidos vivos. Essa concen-tração no período neonatal é o grande de-safio das próximas décadas. “Conclui-seque as políticas públicas precisam se de-dicar às causas da mortalidade infantil rela-cionadas às condições da gestante, do par-to e do recém-nascido”, informa AdsonFrança, coordenador do Pacto Nacionalpela Redução da Mortalidade Materna eNeonatal.Logo,a tendência da mortalidadeneonatal deverá ser um dos aspectos priori-tários para que seja atingida a meta de2015.A situação melhora ao analisar-se as

crianças até 5 anos graças às maciças cam-panhas de vacinação e técnicas de pre-venção. O caso do sarampo é emblemáti-co. Principal causa de mortalidade na in-fância até a primeira metade da década de80, a doença provocou, somente em 1980,3 mil óbitos de crianças com menos de 5anos. Esse número caiu para 400 em dezanos, depois que a cobertura nacional porvacina contra sarampo passou de 79% paraexcepcionais 100% em 2000.

As políticas públicas tiveram impactotambém na queda das taxas de mortalidadena infância causadas por diarréias e in-fecções respiratórias agudas. Foram asbem-sucedidas campanhas do “soro ca-seiro”– que orientaram os pais a fazer a rei-dratação oral – as grandes responsáveispela diminuição de 59% na mortalidadepor doença diarréica e de 45% por in-fecções respiratórias em menores de 5 anosde idade, entre 1990 e 2001.

Mas infecções respiratórias e diarréiasainda contribuem muito – além,é claro,dascondições de atendimento hospitalares –para aumentar os óbitos no período neona-tal. Os mais atingidos são os nascidos combaixo peso e os prematuros. Ambas ascondições ocorreram com a pequeninaGabriella. A mãe, Francineide, estava emsua casa, no Guará, cidade-satélite doDistrito Federal, quando acordou no meiode uma poça de sangue. “Pronto, perdiminha filha”, pensou. A partir de então,correu para o hospital e quase passou porum procedimento médico incorreto,o quesó não aconteceu porque ela aprendeu,du-rante o pré-natal, que precisava de uma ul-tra-sonografia para saber se o bebê estavabem, ao contrário do que dizia a médica,que só de auscultar a barriga declarou queela havia perdido a filha.

Exemplo do país de contrastes, a mãeque recebeu informação de qualidade nãotinha,porém,infra-estrutura à disposição.“O hospital não estava equipado com amáquina de ultra-sonografia e saímos atrásde outras unidades”, lembra. Ela não sabiaque, naquele momento, entrava para maisum grupo estatístico, aquele que aponta a

crianças maiores, até 5 anos, lembrandoque, conceitualmente, elas são contabi-lizadas no que chamamos de Taxa deMortalidade na Infância, ao contrário daTaxa de Mortalidade Infantil, que se refereapenas às crianças com menos de 1 ano.Nadécada de 90,caíram bastante as mortes de

8 jeitosde mudar o mundo1. Erradicar a extrema pobreza e a fome

2. Atingir o ensino básico universal

3. Promover a igualdade de gênero

e a autonomia das mulheres

4. Reduzir a mortalidade infantil

5. Melhorar a saúde materna

6. Combater o HIV/AIDS, a malária

e outras doenças

7. Garantir a sustentabilidade ambiental

8. Estabelecer uma parceria mundial

para o desenvolvimento

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No Mato Grosso, o número de exames pos i t i vos de ma l á r i a ca i u de 198 m i l , em

freqüente peregrinação de gestantes por di-versos hospitais até conseguir atendimen-to.“A inexistência de leitos e de um sistemade referência formalizado para o partoobriga as mulheres a perambular em buscade vagas”, afirma França.

Maternidade A morte de uma mulher emconseqüência de gravidez, aborto ou partofoi durante muito tempo considerada umafatalidade. Mas hoje está bastante claro queesse tipo de óbito pode estar diretamenteligado à deficiência da qualidade dos ser-viços de saúde.“Os índices de mortalidadematerna são uma vergonha nacional,pois amaior parte deles,talvez 80%,é evitável.Issoé uma agressão aos direitos humanos”,destaca França.

Os cálculos dos indicadores referentes àmortalidade materna são bastante pro-blemáticos tanto no Brasil quanto em todoo mundo, pois apresentam sérios desviosno momento da notificação dos óbitos.“Naverdade,o sistema de indicadores do Brasilestá entre os melhores do mundo,mas ain-da tem falhas em alguns pontos, como nocaso da mortalidade materna,que depende

de um diagnóstico preciso da causa doóbito e de sua notificação às autoridades desaúde por parte do médico”, adverte Re-sende, do Ipea. Contudo, ainda assim, eledefende ser viável alcançar o objetivo, de-pendendo da constância do nível de inves-timento nos próximos anos.“Precisamostrabalhar para obter indicadores mais con-sistentes que permitam um correto acom-panhamento do problema e o estabeleci-mento de uma adequada atuação”,adverte.

A professora Reymão concorda. “Hámuita dificuldade em identificar as causasde óbitos de mulheres”, alerta. Em outraspalavras, o índice de mortalidade maternaé alto no Brasil, mas, na prática, é aindamaior porque as estatísticas sofrem uma es-pécie de desvio devido a um tipo de sub-registro de mortes, como o preenchimentoinadequado da declaração de óbito. Tantoé que vários institutos utilizam técnicaspara aproximar os números oficiais da rea-lidade.Os dados calculados nos sistemas deinformação do Ministério da Saúde in-dicam a taxa de aproximadamente 50 mor-tes para 100 mil nascidos vivos.A esses da-dos se aplica um fator de correção, o que

eleva a referida taxa para 74,5 óbitos por100 mil nascidos vivos.

No caso de Francineide Silva, quando amédica informou que sua criança estavamorta no ventre, houve um erro de diag-nóstico.A pequenina Gabriella tinha ape-nas 29 semanas de gestação quando veio aomundo.“Foi um sufoco na UTI”, lembra amãe. Mesmo com uma cesariana, a meni-na sofreu hemorragia cerebral de terceirograu e o parto colocou em risco a vida deFrancineide.

O pré-natal realizado pela dona-de-casatotalizava cinco consultas.“Na década de90,o pré-natal computou 2,2 consultas,emmédia, número que subiu vertiginosa-mente para 5,1 em 2003.É uma vitória,umsalto quantitativo. Só que ele não veioacompanhado de um salto de qualidade. Ébom lembrar que a Organização Mundialde Saúde (OMS) preconiza um mínimo deseis consultas”, alerta França. “No Brasil,faz parte do cotidiano das gestantes consul-tas rápidas, sem exames clínicos e labora-toriais adequados, além da falta de identi-ficação da gravidade do risco gestacionalpara acompanhamento apurado, predis-

No início do ano, os jornais noticiaram oelevado índice de mortes de crianças indígenasem aldeias do Mato Grosso do Sul provocadaspor desnutrição. Os indicadores da FundaçãoNacional de Saúde (Funasa) foram apresentadospelo seu Diretor de Saúde,Alexandre Padilha:“Onúmero de óbitos de crianças indígenas com até5 anos idade na região de Dourados (MS) em2005 foi reduzido 57% em relação a 2004”.Pela estatística oficial, morreram 28 criançasde janeiro a abril de 2004, número que caiu pa-ra 16 no mesmo período de 2005.

A elevada proporção acabou levando àcriação de uma Comissão Externa da Câmarados Deputados para averiguar in loco a situa-ção. A relatora da Comissão, a deputada Per-pétua Almeida (PcdoB-AC), ficou estarrecidacom o que encontrou.“São 11 mil indígenas detrês etnias em apenas 3,5 hectares, e os núme-

ros de mortes divulgados pela imprensa e aque-les informados pela Funasa nem sempre coinci-dem”, destaca ela. Segundo Perpétua,“os indí-cios apontam para o mau uso dos recursos pú-blicos na saúde local”. A Comissão Externa en-caminhou o relatório com sugestões de atitudesa serem tomadas pelos órgãos públicos, princi-palmente pela Fundação Nacional do Índio(Funai) e pela Funasa.

Por um lado, a situação é grave – em 2004,a taxa de mortalidade infantil indígena naregião atingiu o número de 60,54 por 1.000nascidos vivos, 2,4 vezes a estatística nacional,que já é preocupante –, mas, por outro, o escân-dalo no início do ano na imprensa motivou umasérie de políticas em prol da nutrição das crian-ças indígenas.“Desde abril não registramos ne-nhuma morte de criança indígena”, comemoraAlexandre Padilha.

A fome dos filhos da terra

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1992, para 5 mi l em 2003, resul tado de intensos trabalhos e campanhas de controle

pondo-as ao óbito materno e neonatal.”Não é de espantar que as taxas de mor-

talidade materna nas regiões em desen-volvimento tenham sido 20 vezes maioresque nas regiões desenvolvidas – diferençade 440 mortes para 20 óbitos em cada 100mil nascidos vivos (Unicef, 2000). Ascausas diretas mais freqüentes de óbitomaterno são as doenças hipertensivas(eclâmpsia e pré-eclâmpsia, entre outras),hemorragias e infecção puerperal.As cau-sas indiretas são doenças prévias da mãeque são desenvolvidas ou agravadas nagravidez.“Os profissionais de saúde muitasvezes não pedem nem mesmo o exame deurina,capaz de identificar infecções ascen-dentes, que podem levar à ruptura da bol-sa amniótica e ao parto prematuro, umadas principais causas de óbito neonatal noBrasil”, informa França.

É paradoxal que a mulher,ao trazer uma

nova vida ao mundo, acabe perdendo aprópria. Mas, quando sofreu a cirurgia deemergência para que Gabriella nascesse,Francineide só pensava na saúde da meni-na.“Meu maior desespero foi pensar que elanunca viria para os meus braços”, recorda.A sorte dela é que, depois da peregrinação,havia finalmente chegado a um hospitalpúblico de primeira linha, o Hospital Ma-terno-Infantil de Brasília (HMIB), com amaior Unidade de Terapia Intensiva infan-

til da América Latina – 44 leitos – e premia-do pelo Unicef como Hospital Amigo daCriança. Foram dois meses de luta para obebê após o nascimento, mas tudo acaboubem. No último dia 10 de junho, acompa-nhamos a alta de Gabriella, que finalmentepôde conhecer sua casa. E o que é melhor:sem seqüelas. Se o país se comprometer amelhorar os indicadores de saúde e cum-prir os Objetivos do Milênio,o final será fe-liz para quase todos.

Mortalidade materna

Ocorre durante a gestação e até

42 dias após o parto, causada exclusivamente

pela gravidez, segundo a Organização

Mundial de Saúde (OMS)

Mortalidade infantil

• Neonatal precoce (até 6 dias de vida)

• Neonatal tardio (de 7 a 27 dias)

• Pós-neonatal (de 28 a 364 dias)

• Infância (menores de 5 anos)

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Francineide Silva, com sua filha Gabriella: final feliz depois de erros de diagnóstico e peregrinação por hospitais

Ricardo Labastier

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64 Desafios • julho de 2005

L u a n a P i n h e i r o *ARTIGO

Orçamento de um país parece ser, àprimeira vista, um instrumento de po-lítica econômica neutro em relação àsdesigualdades entre homens e mulhe-

res. Envolve agregados financeiros, receitas e des-pesas e não comporta, usualmente, nenhumamenção particular a mulheres ou a homens. En-tretanto, essa aparente neutralidade encobre uma“cegueira em relação ao gênero”, pois o Orça-mento nacional normalmente ignora os papéissocialmente diferenciados, as responsabilidadese as capacidades de homens e mulheres. Alémdisso, geralmente passa por cima dos diferentesimpactos que as políticas econômicas exercemsobre os homens e as mulheres do país.

A discussão do Orçamento incluindo o gê-nero aponta caminhos para desvendar como épossível estabelecer um vínculo estreito entrepolíticas governamentais de igualdade de gêneroe como o governo poderia levantar e alocar re-cursos para tanto. Existem muitas experiênciasque buscam estabelecer vínculos entre o resulta-do desejado de maior igualdade de gênero e aelaboração e execução do Orçamento. Pode-seincluir a perspectiva de gênero nos processos deavaliação da eficácia dos serviços prestados(identificando para quem foram os gastos dosprogramas, a quem eles beneficiaram). É possí-vel verificar se o gasto público é direcionado paramulheres, se é alocado de modo a alterar as de-sigualdades entre homens e mulheres. O ideal se-ria acompanhar os diferentes estágios do cicloorçamentário. Mas, em geral, é melhor começarpela avaliação se o Orçamento se traduziu empolíticas e programas promotores da igualdadede gênero e se beneficiou mulheres pobres.

Recentemente, tem havido crescente preocu-pação com a avaliação e o monitoramento dosresultados das políticas públicas, bem como seusimpactos na sociedade. Nesse sentido, ao proporum conjunto de iniciativas orçamentárias comperspectiva de gênero, será preciso analisar osgastos públicos e identificar seus impactos sobreas mulheres, comparados aos efeitos sobre oshomens. Não estamos propondo um Orçamentoseparado para a mulher, mas sim que tenha uma

perspectiva de gênero.A questão é identificar se osresultados são distribuídos de forma justa, se sãoadequados para atingir os objetivos de igualdadede gênero e se as atividades desenhadas são igual-mente apropriadas para mulheres e homens.

No entanto, programas voltados para as mu-lheres trazem benefícios imediatos para elas, maspodem provocar alguns problemas, pois quasesempre pressupõem que a mulher deva assumira responsabilidade em relação às crianças e, tam-bém, pelo trabalho não-remunerado necessáriopara a sobrevivência de famílias e comunidades.

Outro problema de programas voltados para opúblico feminino é que,para funcionar,se apóiam,em grande medida,no trabalho não-remuneradodas mulheres.

A análise do Programa do Copo de Leite, dedistribuição de leite para famílias pobres no Peru,mostrou que seu êxito depende em larga medi-da do trabalho não-remunerado de mulheres.Com base no cálculo das horas que as mulherespobres dedicavam ao programa, ficou evidenteque, se elas recebessem pagamento proporcionala um salário mínimo pelo trabalho desenvolvi-do, haveria um acréscimo de 20% no custo final.Isso significa que o trabalho não-remuneradodas mulheres proporcionava um subsídio ao go-verno igual a 20% do valor do programa. Esse éum exemplo do tipo de análise específica a serutilizado quando se contemplam as dimensõesdo Orçamento com perspectiva de gênero.

A integração da perspectiva de gênero na po-lítica orçamentária tem dimensões tanto deigualdade quanto de eficiência e, portanto, con-tribui para um planejamento mais eficaz dessapolítica. Um Orçamento favorável à questão degênero criaria um círculo virtuoso, no qual apolítica, por si só, contribuiria para a redução dadesigualdade entre os sexos, estimulando e ofe-recendo melhores condições de trabalho para asmulheres.

* Luana Pinheiro é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea). Artigo escrito com a colaboração de Vera Soares, coordenadora do

Programa de Desigualdade e Raça do Fundo de Desenvolvimento das Nações

Unidas para a Mulher (Unifem)

Por um Orçamento mais feminino

“O Orçamento nacional

parece, à primeira

vista, ser neutro sob

o aspecto de seus

impactos sobre os

diferentes sexos, mas

normalmente ignora

os papéis socialmente

diferenciados de homens

e mulheres”

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resce no Brasil a consciência deque é necessário investir empesquisa para garantir aumentode produtividade na atividade

econômica e produzir um salto tecnológi-co. O exemplo do agronegócio brasileiro,que conquistou padrão de excelência emescala mundial, sustentado pelo desen-volvimento tecnológico, comprova quevale a pena trilhar esse caminho. Mas ain-da há um longo percurso pela frente, espe-cialmente no setor industrial, pois as em-presas instaladas no país investem poucoem pesquisa e desenvolvimento (P&D)voltados para a inovação tecnológica. E orisco de perder espaço para outros paísesé grande, como já lembrava na década de30 o físico neozelandês Ernest Rutherford,um dos pioneiros da física nuclear:“A ciên-cia está destinada a desempenhar um pa-pel cada vez mais preponderante na pro-dução industrial.E as nações que deixaremde entender essa lição serão inevitavel-mente relegadas à posição de nações es-cravas: cortadoras de lenha e carregadorasde água para os povos mais esclarecidos”.

De maneira ainda tímida, o Brasil co-meça a perceber esse risco.Depois de apro-var a Lei de Inovação, no final do ano pas-sado, o governo editou em junho uma me-dida provisória com incentivos fiscais paraque as empresas contratem engenheiros ecientistas voltados para a inovação tec-

nológica e a pesquisa aplicada. Até então,o tema P&D ficava praticamente restritoao ambiente acadêmico. Dos 123 mil cien-tistas e engenheiros brasileiros, 72% es-tavam nas universidades e 23% nas empre-sas privadas, em 2001, como revelou Car-

los Henrique de Brito Cruz, diretor cientí-fico da Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo (Fapesp), em seu ar-tigo “A universidade, a empresa e a pesqui-sa que o país precisa”. Nos Estados Unidos,a relação é inversa: 79% de quase 1 milhãode cientistas e pesquisadores estão na ini-ciativa privada e 13% estão no ambienteacadêmico. A Coréia do Sul, que investiupesadamente em pesquisa aplicada nos úl-timos 25 anos, tem 100 mil cientistas e en-genheiros trabalhando nas empresas.

“Essa deficiência causa profundos da-nos à capacidade de competir da empresabrasileira, uma vez que a inovação tec-nológica é criada muito mais na empresado que na universidade, cuja missão es-pecífica é educar profissionais e gerar co-nhecimentos fundamentais”, sustentaBrito. O estudo “Inovações, padrões tec-nológicos e desempenho das firmas indus-triais brasileiras”, do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), comprova asconseqüências da concentração dos es-forços de pesquisa no ambiente acadêmi-co: de um universo de 72 mil empresascom mais de dez funcionários, apenas1,7% do total promove inovações tec-nológicas e diferencia seus produtos.A boanotícia é que, segundo o estudo, as empre-sas de capital nacional têm realizado maioresforço de P&D interno do que as estran-geiras (leia mais na seção Indicadores).

66 Desafios • julho de 2005

TECNOLOGIA

C

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

Apenas 23% dos 127 mil cientistas e engenheiros existentes no país trabalham em empresas

privadas, mas novos incentivos procuram mudar esta realidade

Metas ambiciosaspara a formação depesquisadores

Mestres titulados

1987 3.647

1990 5.737

1995 9.265

2000 18.373

2003 27.630

2010* 45 mil

Doutores titulados

1987 868

1990 1.302

1995 2.528

2000 5.335

2003 8.094

2010* 16 mil

Fonte: Capes/MEC* Projeção

Limites para inovar

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Desaf ios • julho de 2005 67

Funcionário da Lupatech, em Caxias do Sul (RS), confere especificação de peça em linha de produção

Divulgação

Divulgação

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68 Desafios • julho de 2005

de inovação da indústria nacional.É funda-mental que as empresas aproveitem os ta-lentos da academia.Esse movimento aindaé embrionário no Brasil, mas está come-çando”, acredita. Por outro lado, também éimportante que os cientistas e engenheirosque trabalham no setor privado acompa-nhem a produção científica acadêmica. Aparticipação em congressos e seminários,éum meio de atualização constante e perma-nente. Foi o que fez Ristow, e com bons re-sultados. “Continuo em contato com oscolegas da UFSC e aproveitei muito embenefício da empresa.A patente registradapela Lupatech no exterior deve muito a es-sa troca”, afirma.

Diferencial “A vantagem de ter pesquisa-dores na empresa é inovar em processos eprodutos permanentemente para criar umdiferencial, o que é obrigatório para quemdeseja competir no mercado internacional.O momento é bom.As indústrias nacionaisestão despertando para isso”, confirmaNestor Perini, presidente da Lupatech, queacabou de receber a primeira parcela, de40%,dos 8 milhões de reais aprovados pelaFinanciadora de Estudos e Projetos (Finep)para a implementação de seu Centro dePesquisa e Desenvolvimento. Quinze dos1,1 mil funcionários da companhia serão

Um bom exemplo vem da Lupatech,empresa de metalurgia e mecânica fina, deCaxias do Sul, que já trazia o gene da ino-vação desde quando foi fundada, em 1980.Lá, a presença de cientistas e engenheirosenvolvidos com pesquisa e desenvolvi-mento foi crucial para a obtenção da pa-tente mundial de um sistema usado noprocesso de moldagem por injeção de pósmetálicos e cerâmicos. Waldyr Ristow Jú-nior, gerente de tecnologia da empresa,conta que começou a trabalhar na com-panhia em 1993 com a missão de coorde-nar a transferência de tecnologia que aLupatech acabara de adquirir da Parma-tech, da Califórnia. Era uma das técnicasmais avançadas na área de metalurgia paraa fabricação de ferramentas de precisãousadas na montagem de circuitos integra-dos na indústria de informática.“Eu já ti-nha terminado o mestrado e o doutoradona Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC), onde estava há 15 anos, e queriater uma experiência na indústria. Queriatransformar conhecimento em riqueza”,diz. Com essa convicção, Ristow desistiude ir para uma universidade na Inglaterra,continuar sua pesquisa em engenharia demateriais, e optou pela Lupatech.

“Dentro da universidade, as pessoas fi-cam limitadas e não conhecem os projetos

deslocados para trabalhar nesse Centro.Apesar de ser um bom sinal, o mero

despertar das empresas não basta. Paragerar e alimentar um círculo virtuoso é im-perativo criar estímulos para que a indús-tria contrate cientistas e engenheiros alta-mente qualificados. Confiante no poten-cial de demanda, a Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Ensino Superior(Capes), ligada ao Ministério da Educação(MEC), estabeleceu a meta de formar 45mil mestres e 16 mil doutores por ano apartir de 2010 (leia tabela na pág. 66). Aproposta é ambiciosa, mas pode ser atingi-da, como revela o crescimento do númerode cursos de pós-graduação, que subiu de673 em 1976 para 2,9 mil em 2004, con-forme o levantamento da Capes. “O au-mento de demanda por pessoal qualifica-do tem relação direta com a crescente ne-cessidade de inovação por parte das em-presas”, acredita João Alziro Herz da Jor-nada, presidente do Instituto Nacional deMetrologia, Normalização e QualidadeIndustrial (Inmetro). Para ele, a necessi-dade de competir no mercado interna-cional impõe que as empresas nacionaisagreguem valor em seus produtos pormeio da inovação em ciência e tecnologia.

Na opinião de Brito Cruz, da Fapesp, acapacidade tecnológica da empresa brasi-

Roberto Roriz Brito tem apenas 26 anos, masjá faz parte de um time que ganha destaque noBrasil: engenheiros que fazem pesquisa e desen-volvimento em empresas privadas. O jovem enge-nheiro de manufatura trabalha há 18 meses na fi-lial brasileira, em Limeira, da TRW, uma das maio-res multinacionais fornecedoras de peças e sis-temas automotivos do mundo.Para ele, a realidadeestá mudando e as empresas buscam cada vezmais seus profissionais nas salas de aula das uni-versidades. Durante a graduação, na Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp),Brito fez um pro-grama de intercâmbio por um ano e meio naEscola Politécnica de Turim, na Itália.

Lá, teve a oportunidade, por meio de um con-vênio entre a própria universidade e a empresa,detrabalhar durante seis meses na Fiat e conta queficou impressionado com a relação que as empre-sas mantêm com as universidades locais.“O apoiomútuo é muito grande. As empresas realmenteaproveitam a infra-estrutura das universidadespara desenvolver projetos conjuntos e procuram a

Da Fiat, em Turim, para a TRW, em Limeira

Marcos Peron/Virtual Photo

O governo c r i ou i ncen t i vos f i s ca i s para que as empresas i n v i s tam em pesqu i sa

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Longo caminho a percorrer

(patentes depositadasnos Estados Unidos, 2000)

Desafios • julho de 2005 69

leira é limitada.“Tem qualidade, mas pou-ca tecnologia.”O estado, segundo ele, ape-sar de grande investidor e financiador deP&D no país, ainda não criou mecanis-mos de apoio à pesquisa na empresa.

Waldyr Ristow Jr. foi trabalhar na Lupatech para coordenar transferência de tecnologia

academia em busca de solução de problemase de profissionais”, relata.

Ao retornar ao Brasil e começar a trabalharconstatou que a realidade por aqui era diferen-te, mas já está em processo de mudança.“Abusca por qualidade que a competição no mer-cado internacional exige é, em muitos casos, aresponsável por essa transformação”, afirmaBrito, que também aponta outro fator indutorimportante: a proximidade física das empresascom as universidades locais,como é o caso daTRW,que tem várias parcerias com a Unicamp.Ele cursa o mestrado na Unicamp, no que re-cebe apoio integral da empresa onde trabalha.

Dados do Ministério da Ciência e Tec-nologia (MCT) indicam que o gasto pú-blico com pesquisa e desenvolvimento em2000 foi equivalente a 0,58% do ProdutoInterno Bruto (PIB), enquanto os dispên-dios empresariais representaram 0,42% doPIB. O gasto total em P&D foi, portanto,de 1% do PIB, o que significou cerca de 11bilhões de reais, pouco em relação aospaíses mais desenvolvidos, que investemde 2% a 3% do PIB.“Ciência e tecnologiarepresentam investimentos de alto risco ede longo prazo. Muitas vezes o setor pri-vado não tem como arcar esse custo sozi-nho. A instabilidade econômica tambémnão ajuda”, afirma Brito Cruz.

Encomendas Para mudar essa realidade, énecessário um programa de incentivo àrealização de P&D dentro das empresaspor meio, por exemplo, de uma política deencomendas tecnológicas e contratos porparte do governo, incentivos fiscais e apoioà infra-estrutura de pesquisa.A política in-

dustrial, científica e tecnológica do gover-no federal procurou dar uma resposta aesse desafio.O ponto de partida foi a Lei deInovação, aprovada no final de 2004, queprevê incentivos fiscais para investimentoem P&D e para a contratação de profes-sores.A medida provisória editada em ju-nho procurou materializar as promessas,pois prevê um mecanismo de subvenção de50% dos gastos na contratação de mestrese doutores para trabalhar nos departamen-tos de P&D da iniciativa privada, entremuitas outras medidas.Os recursos viriamdo Ministério da Ciência e Tecnologia(MCT), como explica Francelino Lamy deMiranda Grando, secretário de Política deInformática e Tecnologia do MCT. “A me-dida provisória propõe um programa debolsas para estimular a fixação de mestrese doutores nas indústrias, para enfrentar ograve problema da inexistência no Brasil deuma cultura de inovação como fator decompetitividade nacional e internacional.Acredito que por causa da subvenção pelo

164.795

52.891

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Estados Unidos

Japão

Alemanha

Reino Unido

Canadá

França

Coréia do Sul

Itália

Israel

Austrália

Cingapura

Espanha

China

Rússia

Brasil

México

Argentina

Chile

Fonte: Institute for Scientific Information

Divulgação

e d e s e n vo l v imen to , p o i s o p a í s d e s t i n a a p e n a s 1% do P IB a e s s a s a t i v i d ad e s

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A d emanda po r p e squ i s ado r e s em C&T pode ge ra r mudanças n a u n i ve r s i d ade

panorama mundial da ciência.Alguns in-dicadores refletem com clareza o efeito dapolítica nacional de formação de recursoshumanos para ciência e tecnologia e da ab-sorção dessas pessoas pelas universidades.De acordo com o Institute for ScientificInformation (Instituto de InformaçãoCientífica), dos Estados Unidos, o númerode artigos publicados pelo Brasil em pe-riódicos científicos internacionais indexa-dos cresceu de um patamar histórico emtorno de 2 mil por ano na década de 80para exatos 11.285 trabalhos em 2002, oque representa 1,55% do total mundial. Éum resultado vistoso, mas a Coréia do Sul,cuja universidade é mais voltada para apesquisa tecnológica, superou o Brasil,pois seus cientistas publicaram 15.643 ar-tigos em 2002,ou 2,14% do total.Até 1996,a produção de artigos por cientistas daCoréia do Sul ficava muito atrás da pro-dução brasileira, no entanto a curva se in-verteu depois daquele ano, o que indicanão haver contradição entre um direciona-mento tecnológico das universidades e suarepresentação acadêmica.

menos 1.000 doutores sejam contratadospelas empresas já no ano que vem”, prevêGrando.Ele afirma ser possível que em cin-co anos 40% de todos os mestres e doutoresformados anualmente estejam trabalhandonas indústrias nacionais.A estimativa é queo governo abra mão de 1,5 bilhão de reaisneste ano com as isenções tributárias anun-ciadas, que permitirão também lançar co-mo despesa o dobro do valor que as empre-sas investirem em P&D,com a conseqüenteredução do Imposto de Renda a pagar.

Ajustes O sistema de ensino universitáriobrasileiro também terá de promover ajus-tes para atender a uma demanda amplia-da de pesquisadores na área de tecnologiaaplicada. Na opinião de Guilherme AryPlonski, diretor da Associação Nacionalde Pesquisa, Desenvolvimento e Enge-nharia das Empresas Inovadoras (Anpei),os cursos de mestrados profissionais sãomuito importantes, dirigidos para neces-sidades específicas de determinados se-tores industriais. É o caso do mestrado emEngenharia Aeronáutica que o InstitutoTecnológico da Aeronáutica (ITA), de SãoJosé dos Campos, em São Paulo, promovecom financiamento da Embraer. JorgeAlmeida Guimarães, presidente da Capes,reconhece a necessidade de mudanças.“Após-graduação é recente e ainda não hou-ve no país a consolidação do conceito deque a universidade é, por excelência, a ge-radora de recursos humanos qualifica-dos.”Uma das formas de estreitar o víncu-lo entre universidades e empresas seriafornecer bolsas e subsídios salariais paraque doutorandos concluam suas teses tra-balhando em centros de pesquisas de in-dústrias, defende Gina Paladino, diretoraexecutiva no Paraná do Instituto EuvaldoLodi, braço da Confederação Nacional daIndústria (CNI).

Até agora, faltou incentivo para que asempresas brasileiras investissem empesquisa e desenvolvimento e buscassemmaior contato com a universidade,que nãofaz feio em sua vocação acadêmica, pois opaís tem ocupado cada vez mais espaço no

A história muda de figura quando ainovação tecnológica é usada como parâ-metro. Uma maneira internacionalmentereconhecida para medir a intensidade deinovação de um país é contar o número depatentes registradas em mercados compe-titivos, principalmente nos Estados Uni-dos. Nos anos 80, Brasil e Coréia do Sulregistravam anualmente quantidades se-melhantes de patentes nos Estados Unidos:em 1980 o Brasil depositou 53 pedidos depatentes, e a Coréia do Sul, 33. O jogo co-meçou a virar em 1985, quando o númerode patentes coreanas passou a crescer ex-ponencialmente, fruto de um pesado in-vestimento empresarial em P&D. Para daruma idéia, enquanto o Brasil registrou 220pedidos de patentes nos Estados Unidosem 2000, a Coréia do Sul depositou 5.705pedidos (leia quadro na pág. 69).

Para superar as dificuldades estruturais– concentração da atividade de pesquisa edesenvolvimento no ambiente acadêmicoe institutos de pesquisa e baixo investimen-to empresarial, entre tantos outros –, nãobasta azeitar a relação universidade/em-presa nem é suficiente que as indústriascontratem mais cientistas e engenheiros.Ogrande desafio é criar um ambiente que es-timule a empresa a investir em conheci-mento,com reflexos em ganhos de compe-titividade, desenvolvimento e riqueza. d

Bruno Rocha Radicchi

Francelino Grando do MCT: bolsas para fixar

mestres e doutores nas indústrias

Esta matéria é a terceira de uma série deseis. Elas abordam temas que serão discu-tidos na 3ª Conferência Nacional de Ciên-cia, Tecnologia e Inovação (CNCTI), mar-cada para outubro, em Brasília. Mais in-formações sobre a conferência estãodisponíveis na internet, no endereçowww.desafios.org.br/conferencia

Apoio

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MELHORES PRÁTICAS

á alguns anos, consumir alimentos orgânicosera coisa de alternativos, de hippies. Mas apreocupação com a saúde, uma vez que o serhumano é aquilo que come, fez a venda de ali-

mentos orgânicos crescer 30% ao ano no Brasil, e aárea dedicada a esse tipo de agricultura, pecuária oufruticultura já atingia 811 mil hectares em 2003, comexpansão de 200% desde 2001, segundo dados doMinistério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Nossupermercados dos grandes centros urbanos bra-sileiros, já existem espaços exclusivos para produtosorgânicos, do pó de café à carne bovina. Mas o grandemercado para os alimentos orgânicos produzidos noBrasil são os países europeus, os Estados Unidos e oJapão, que consomem açúcar, café, soja, suco de laran-ja e frutas tropicais.A produção brasileira de orgâni-cos está estimada em 130 milhões de dólares anuais ecerca de 85% é exportada. No entanto, os produtoressó conseguem colocar seus produtos nas gôndolas dossupermercados dos países desenvolvidos depois quepassaram por rigorosos testes.

Quem garante a origem e a qualidade dos produtosorgânicos são as empresas certificadoras,que rastreiamtodas as fases do processo,do cultivo ao empacotamen-to, e asseguram que os alimentos são produzidos semo uso de agrotóxicos, adubos químicos, hormônios de

O Inst i tu to B iod inâmico é a pr inc ipa l empresa que atesta a qua l idade dos produtos

alimentosFiscais da saúde dos

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e B o t u c a t u

H

A equipe que trabalha na sede do Instituto Biodinâmico, em Botucatu, no interior de São Paulo

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crescimento ou antibióticos. Mudas ousementes modificadas geneticamente tam-bém são proibidas,a produção tem que serfeita sem agredir o meio ambiente, e mais:exigem respeito aos direitos sociais dos tra-balhadores.No Brasil,o consumidor de ali-mentos orgânicos deve procurar na emba-lagem um selo que ateste a sua qualidade,assegurando que não foram produzidoscom emprego de substâncias inadequadase em desacordo com os padrões éticos.

Existem no Brasil 24 empresas quefazem a certificação de alimentos orgâni-cos, mas somente sete têm credenciamen-to de certificadoras do exterior e podemgarantir os produtos orgânicos exporta-dos. Segundo o MDA, a maior das certifi-cadoras brasileiras é o Instituto Biodinâ-mico (IBD), com sede em Botucatu, noestado de São Paulo, e sua trajetória é umsímbolo da modernização da agricultura

orgânica brasileira. Nasceu em 1986, paradivulgar a agricultura biodinâmica noBrasil (leia quadro na pág. 76), fez suas pri-meiras certificações de lavouras de cacaue café em 1990 e hoje é a única das empre-sas nacionais credenciada para atribuir se-lo de qualidade orgânica de acordo comos padrões adotados nos Estados Unidos,na União Européia e no Japão.

Logo na sala de entrada da sede doIBD, na frente da Praça São José, domina-da por uma pequena e graciosa igreja, es-tão expostos em uma prateleira os produ-tos das empresas que receberam o selo dequalidade orgânica da instituição – dasembalagens do açúcar Native, uma marcapioneira, a um travesseiro feito com fibrasorgânicas. Também pode-se encontrarvinho orgânico produzido no Vale do SãoFrancisco, no Nordeste, diversas varieda-des de pinga e até mesmo camarão orgâni-

co. Mas o centro nervoso das atividades daempresa está numa sala dos fundos, ondecinco funcionários controlam as ativi-dades dos 40 inspetores do IBD, que ope-ram em diversas regiões do Brasil. Todosreceberam treinamento em Botucatu edominam o rigoroso manual que define oque pode ser feito e o que é proibido naprodução de alimentos orgânicos. Logoque um candidato a receber o selo de qua-lidade orgânica se inscreve no IBD, uminspetor é enviado à propriedade. Amos-tras da terra são encaminhadas a um la-boratório certificado de acordo com ospadrões europeus para verificar se estãocontaminadas com resíduos de adubosquímicos ou agrotóxicos. “O inspetortambém examina a condição das matasciliares, a proteção dos mananciais e se osfilhos dos trabalhadores freqüentam a es-cola, entre as centenas de itens que deve

da agr icu l tura orgân ica bras i le i ra , um negóc io em processo de prof iss iona l i zação

Sommer Andrey

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Produtores orgân icos que vendem para os ex igentes mercados do Pr ime iro Mundo

avaliar”, explica Alexandre Harkaly, vice-presidente executivo da certificadora.

Resíduos Com tanto rigor, a transição pa-ra a atividade orgânica não é imediata.Relações trabalhistas têm de mudar e osresíduos do sistema tradicional deposita-dos no solo têm de ser eliminados, o queexige um período de transição de 12 me-ses para as culturas anuais e 18 meses paraas perenes, como as frutíferas, segundo in-forma Harkaly. Na Europa, o período detransição pode durar até três anos. O can-didato a produtor orgânico paga uma taxade matrícula, que varia de 300 a 5 milreais, de acordo com o faturamento dapropriedade ou empreendimento, e umaanuidade, além da taxa para cada certifi-cado de venda de produção, que pode serde até 1% do valor da fatura. Entre os3.141 produtores certificados pelo IBD,90% são produtores de pequeno porte,que ocupam 30% da área total inscrita noinstituto. Essa realidade faz com que oIBD, apoiado pela Associação Brasileira deAgricultura Orgânica (AAB), estimule aformação de grupos de produtores. Jáexistem 106 grupos inscritos no IBD, quearcam com o custo de matrícula e certifi-cação e assim diminuem as despesas paracada associado, explica Jorge Vailati, ge-rente de certificação do IBD. Cada um dosprodutores matriculados é visitado pelomenos uma vez por ano pelos inspetores,que usam até mesmo equipamentos degeoposicionamento (GPS, da sigla em in-glês), por exemplo, para demarcar a po-sição de colméias colocadas em áreas na-tivas e assegurar que não existam culturasconvencionais, aditivadas com agrotó-xicos, a menos de 3 quilômetros de distân-cia. A comprovação é feita com o uso defotos da região tiradas por câmaras fo-tográficas instaladas em satélites.

O relatório de inspeção passa por umarigorosa triagem na sede do IBD, ondeexiste uma equipe de 25 pessoas, queacompanha desde as inspeções até as ven-das de lotes de produtos orgânicos.A cadatransação é emitido um certificado, mes- Jorge Vailati com produtos certificados e a sala de controle dos inspetores

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mo que seja 1 quilo de semente de sojaorgânica enviada como amostra a um im-portador da Europa. A maioria dos pro-dutos com o selo IBD vai para os super-mercados dos países desenvolvidos. Ocontrole de qualidade dos relatórios feitospelos inspetores é de responsabilidade dodepartamento chefiado por Jackson TeruoOta, que entrou no IBD em 1999, logo de-pois de ser formar na Escola de AgronomiaLuiz de Queiroz,em Piracicaba,no interiorde São Paulo. Se não atender ao padrão in-ternacional, o inspetor poderá ser cha-mado para a realização de um curso de re-ciclagem ou ter sua atividade suspensa.

Os inspetores acompanham todo opercurso dos alimentos, do local de pro-

Desaf ios • julho de 2005 75

dução até o processo de embalagem final,pois as certificadoras têm a responsabili-dade de permitir o rastreamento dos pro-dutos até sua origem. O inspetor respon-sável pelo projeto informa a quantidade deproduto orgânico disponível em cada lotee as vendas são acompanhadas até que oestoque acabe. Um certificado de tran-sação é emitido para cada operação e es-pecifica quem vendeu, qual quantidade ea origem, e quem é o comprador, contaKarin Lapetura, responsável por essa áreano IBD. Quando o produto é industria-lizado, todo o processo, até a embalagem,é monitorado pelo IBD, que garante aqualidade ao colocar seu selo no produto.As maiores exigências vêm dos importa-

dores da Europa, dos Estados Unidos e doJapão.“Quem vende para esses mercadostem de contar com a possibilidade de nãoreceber pelos primeiros lotes entregues,pois o IBD garante a qualidade orgânica,mas o comprador pode não aceitar o lote,como aconteceu com uma carga de caféenviada a Portugal, porque o transporta-dor sujou a sacaria e o produto acabousendo vendido como convencional”, con-ta Harkaly.

Modernização Não há espaço para ama-dorismo, mas os produtores orgânicos quevendem para os exigentes mercados doPrimeiro Mundo conseguem preços quepodem ser 50% superiores ao conven-cional, como no caso do café e do açúcar,avalia Harkaly. O mercado de orgânicosestá em processo de modernização e osprodutores que exibem muito entusiasmoe pouca organização tendem a voltar parao processo convencional, pois na pro-dução orgânica o custo é maior, é precisoaprender novas técnicas, a assistência é es-cassa e cuidados com apresentação dasmercadorias são essenciais. Os própriosnúmeros atestam essa mudança. O vo-lume de projetos matriculados caiu de 712em junho de 2003 para os atuais 681, masa quantidade dos que mereceram o selo dequalidade orgânica do IBD passou de 334para 396 no mesmo período, informaVailati. Somente no ano passado, 90 pro-jetos foram desqualificados ou desistiramde batalhar pelo selo orgânico.

Embora o mercado de orgânicos mar-che para a profissionalização, o idealismoainda está presente no IBD e convive coma mais moderna tecnologia. Harkaly con-ta que pensaram em comprar na Europaum software de 150 mil dólares para inte-grar todo o processo interno, da análisedos relatórios aos certificados de transa-ção, mas acabaram por contratar o desen-volvimento no Brasil. Seus funcionários efundadores são adeptos da agriculturaorgânica, do conceito de sustentabilidadeambiental e dos princípios do comérciojusto, em que os direitos sociais de todos

con s eg uem p r e ço s 50% supe r i o r e s ao s c o n ve n c i o n a i s , c omo no c a so d o c a f é

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2

3

4

5

Não usar adubos químicos solúveis,agrotóxicos, sementes ou mudasgeneticamente modificadas.

Usar adubação orgânica sob a forma de resíduos, como estercocurtido, vermicomposto de minhocas, compostos fermentados,biofertilizantes enriquecidos commicronutrientes e cobertura morta.

Usar defensivos naturais, comobiofertilizantes enriquecidos,enxofre, calda bordalesa e caldasulfocálcica.

Fazer a rotação e a combinação deculturas. Implantar sistemasagroflorestais, com consórcio deculturas perenes e temporárias.

Respeitar o meio ambiente e os direitos sociais dos trabalhadores.

Princípios da agriculturaorgânica

Fotos Sommer Andrey

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76 Desafios • julho de 2005

O IBD é f i l iado à Federação Internac iona l dos Mov imentos de Agr icu l tura Orgân ica,

A sede do Instituto Elo, no bairro de De-métria, em Botucatu, atesta o sucesso da agri-cultura biodinâmica. Há 20 anos, o lugar eraum areião, coberto apenas por capim raquíti-co. Hoje árvores frondosas sombreiam o prédioonde são realizados cursos para transmitir osconceitos de biodinâmica, que se baseia nosprincípios filosóficos do humanista científicoRudolph Steiner, formulados na década de 20do século passado. A agricultura biodinâmicase inspira na antroposofia e propõe que a ter-ra enfraquecida pelo uso intensivo de agrotóxi-cos, pela monocultura e pelo desmatamentoseja tratada como um organismo vivo, paraproduzir alimentos mais saudáveis preenchidospelas forças vitais da natureza. Marcos Ber-talot, diretor do Instituto Elo e economista for-mado pela Universidade de Campinas (Uni-camp), foi um dos pioneiros na criação da fa-zenda Demétria, onde chegou em 1985, e do

Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural(IBDR), o precursor do Instituto Biodinâmico.

“Nossa missão é formar multiplicadoresdos conceitos da agricultura biodinâmica”, de-fine Bertalot,“e 1,5 mil pessoas já fizeram nos-sos cursos desde que demos a partida, em1987.”O curso básico envolve quatro módulosde seis dias,com carga horária de 270 horas deaula, e aborda desde os cuidados com a terraaté a comercialização e a responsabilidade so-cial dos agricultores biodinâmicos. Em todas asetapas, as aulas práticas são oferecidas na es-tação experimental da Associação Brasileira deAgricultura Biodinâmica (Abab) ou na fazendaDemétria.Uma pousada e um restaurante, com amarca Café Some, funcionam no complexo edu-cacional do Instituto Elo, com capacidade paraabrigar 36 alunos. Mas também estão abertospara a população do bairro ou para os turistas.

Agora, o Instituto Elo se prepara para des-

centralizar suas atividades e vai levar seuscursos para agricultores familiares, em con-vênio com o Ministério do DesenvolvimentoAgrário.“A idéia é fazer cursos de quatro diasabordando todas as frentes temáticas da biodi-nâmica”, informa Bertalot.

Quem já atua no campo são os consultoresda Abab, que dá consultoria aos agricultores or-gânicos.A entidade também é responsável pelapesquisa e divulgação dos princípios da agri-cultura biodinâmica. Além de capacitar os pe-quenos produtores rurais,os consultores estimu-lam a formação de cooperativas ou grupos paracompartilhar recursos, explica o engenheiroagrônomo Pedro Jovchelevich,gerente-geral daAbab. Um dos casos mais bem-sucedidos, contaJovchelevich, foi a qualificação de 60 pequenosprodutores rurais da Chapada Diamantina, naBahia. O treinamento começou em 2001, comrecursos da Associação Beneficente Tobias e doServiço Brasileiro de Apoio às Micro e PequenasEmpresas (Sebrae) e apoio do Ministério doDesenvolvimento Agrário, e deu bons resultados.

Prova do sucesso

Marcos Bertalot é um dos pioneiros e hoje dirige o Instituto Elo. A agrônoma Deborah Hermínio pesquisa sistemas agroflorestais, nos quais determinadas árvores são

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Desaf ios • julho de 2005 77

ent idade sed iada em Bonn, na A lemanha, que reúne 650 assoc iados em 100 pa íses

que também distribuía lucros para todosos trabalhadores. Após retornar para oBrasil, recebi um bônus de 800 francossuíços como participação pelos meus 12meses de trabalho”, lembra Harkaly.

Liderança De volta ao Brasil, em 1983,surgiu a oportunidade de praticar tudo oque aprendeu num sítio de 25 hectares, deterra arenosa, baixa fertilidade, coberta porcapim barba-de-bode, nos arredores deBotucatu.A fazenda Tranca Ferro havia si-do adquirida em 1974 pela AssociaçãoBeneficente Tobias, de São Paulo, para sero primeiro projeto de agricultura bio-dinâmica no Brasil. Harkaly e Marcos Ber-talot (leia quadro na pág. 76) assumiram aliderança do projeto, que, em 1986, rece-beu o nome de Instituto Biodinâmico deDesenvolvimento Rural (IBDR) e pro-movia cursos de biodinâmica, editavapublicações e usava a fazenda como es-tação experimental para as técnicas queprocurava propagar. Novas áreas foramcompradas pela Associação Tobias emuitos adeptos do movimento antroposó-fico adquiriram propriedades em volta dafazenda, que hoje constituem o bairroDemétria, onde moram 400 pessoas numaárea de 120 hectares.

A atividade de certificação ganhou es-paço. Em 1995, o IBDR recebeu o creden-ciamento da Federação Internacional dosMovimentos de Agricultura Orgânica(Ifoam, da sigla em inglês), entidade comsede em Bonn, na Alemanha, que reúne650 associados em 100 países. Em 1996 oinstituto foi credenciado pela Demeter In-ternacional, também na Alemanha, a dar acertificação de produto biodinâmico. Noentanto, as regras dos credenciadores “exi-giam dedicação integral dos credenciadose havia um conflito de interesses com aatividade de consultoria em agriculturabiodinâmica”, explica Vailati.Assim, o IB-DR foi desmembrado em três entidades em1999: as atividades de consultoria e pes-quisa passaram a ser realizadas pela Asso-ciação Brasileira de Agricultura Biodinâ-mica (Abab), o trabalho de formação de

os trabalhadores envolvidos são respeita-dos. O carioca Harkaly, filho de pai hún-garo e mãe inglesa, já criticava os profes-sores quando estudava Agronomia na fa-culdade Luiz de Queiroz, onde se formouem 1980. “Eu cresci numa casa com oquintal dentro da Floresta da Tijuca e nãoconcordava quando os professores pro-punham o uso de defensivos agrícolasproibidos no Primeiro Mundo.”Assim quese formou, Harkaly tomou o rumo daInglaterra, onde foi estudar AgriculturaBiodinâmica na Universidade de Sussex.Adepto do movimento antroposófico,criado por Rudolf Steiner, na Áustria, nadécada de 20 do século passado, Harkalyfoi praticar o que aprendeu numa peque-na propriedade de 17 hectares na provín-cia de Ementhal, na Suíça.“As vacas eramordenhadas manualmente, não havia tra-tores, e a terra, que vinha sendo tratada hámuitos anos como um organismo vivo,retribuía o cuidado, pois a produção ga-rantia uma vida próspera ao proprietário,

Os agricultores conseguiram a certificação pa-ra produtos orgânicos, formaram uma coopera-tiva neste ano e produzem cerca de 1.000 sa-cas de café orgânico por safra, que são comer-cializadas pela Companhia Orgânica de Café.

Desde que começou a funcionar de manei-ra independente,há seis anos,a Abab já deu con-sultoria a 1.000 agricultores, com apoio de 40consultores independentes.A Abab também pro-duz e comercializa preparados biodinâmicos, fei-tos com plantas medicinais, minerais e esterco,usados para revitalizar a terra ou para pulveriza-ção, que ajudam no desenvolvimento das raízesdas plantas. Uma das frentes de pesquisa daAbab em Botucatu, explica a engenheira agrô-noma Deborah Hermínio, envolve os sistemasagroflorestais,em que determinadas árvores sãoplantadas em conjunto com culturas anuais. Nu-ma das áreas experimentais na fazenda Demé-tria, destinadas à pesquisa, a leguminosa guan-du foi plantada em consórcio com a cana-de-açúcar, pois ajuda a extrair da atmosfera o ni-trogênio vital para o crescimento das plantas.

plantadas junto a culturas anuais, dividindo o mesmo terreno

Fotos Sommer Andrey

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A Austrá l i a é o ma ior produ tor mund ia l de orgân icos, com uma área p lantada de

Usda e da Ifoam. Conseguir o credencia-mento não foi tarefa fácil, detalha PaulEspanion, agrônomo alemão de Colônia,que está no IBD desde 1998.“O processode credenciamento na Ifoam durou doisanos. Inspetores estiveram aqui e fizeramauditorias na sede e em nossas atividadesde campo”, relata Espanion. A empresapreparou um rigoroso manual de proce-dimentos, com normas para todas as fasesda produção de orgânicos. Além disso, aIfoam realiza auditorias anuais aqui noBrasil. A responsabilidade das empresascertificadoras é maior, pois as normas declassificação de produtos orgânicos va-riam de um lugar para outro. “O uso deenxofre em alimentos é permitido naUnião Européia, mas proibido nos Esta-dos Unidos”, conta Vailati.

O quadro de inspetores do IBD inclui

agrônomos, veterinários, engenheiros flo-restais e de alimentos. São profissionaisautônomos, que recebem por horas de tra-balho, mas todos passam por um rigorosocurso de formação em Botucatu, com du-ração de dez dias, no qual aprendem asnormas e os procedimentos de certifi-cação por produto. Na fase seguinte, ocandidato tem de bancar seus custos paraacompanhar um inspetor experiente du-rante algumas visitas. Uma vez aceito nosquadros do IBD, as três primeiras ins-peções são monitoradas pelo veterano.Anualmente participam de reuniões e re-ciclagem em Botucatu. O manual de qua-lidade do IBD é minucioso. Entre cente-nas de itens, define áreas mínimas de pas-tos para bovinos, determina que a quali-dade da água usada seja monitorada, co-bra obediência ao Código Florestal Bra-

técnicos nesse tipo de disciplina foi assum-ido pelo Instituto Elo. Outra vantagem damudança foi a criação de uma empresa decertificação moderna e eficiente, cujos re-sultados ajudam a manter a Abab e oInstituto Elo.A atividade de certificação foiseparada e assim surgiu o IBD na sua for-ma atual.

Manual Em 2002, o IBD deixa o bairroDemétria, instala sua sede no centro deBotucatu e recebe o credenciamento doDepartamento de Agricultura dos EstadosUnidos (Usda, da sigla em inglês) paraprodutos orgânicos.Ao mesmo tempo, fazparceria com certificadoras do Japão paraa concessão do selo orgânico japonês.Somente duas outras certificadoras emação no Brasil, uma norte-americana eoutra argentina, têm credenciamento do

Ota (acima, à esquerda) zela pela qualidade dos relatórios, Paul Spanion responde pelos credenciamentos e Lapetura (lateral, inferior) pelo controle de vendas

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sileiro, não permite trabalho infantil e quetrabalhadores recebam menos de umsalário mínimo. As normas são pertinen-tes, até porque os consumidores dos paí-ses desenvolvidos, especialmente da Eu-ropa Ocidental, querem ter certeza de queos direitos sociais dos trabalhadores estãosendo respeitados e que os princípios dasustentabilidade ambiental são praticadosnas propriedades orgânicas.

Selo verde Em contrapartida, os produ-tos orgânicos conseguem preços mais al-tos do que os convencionais e passam ater acesso a um mercado mundial da or-dem de 23 bilhões de dólares anuais e quecresce a taxas de 15% ao ano.Atualmente,o Brasil exporta cerca de 110 milhões dedólares por ano, ou 85% da sua produçãoorgânica total, calcula Harkaly, do IBD.Para ele, há espaço para avançar, desdeque os produtores se tornem mais profis-sionais. O mercado mais maduro é o daAlemanha, onde a produção de alimen-tos orgânicos começou há cerca de 80anos. O governo criou um selo verde em2001, que já está estampado em 25,4 mildiferentes produtos.A rede de supermer-cados Rewe decidiu criar lojas exclusivaspara produtos orgânicos e já existem 450restaurantes especializados nesse tipo dealimentação apenas em Berlim, informaEspanion, do IBD.

A Austrália é o maior produtor mundi-al de orgânicos, com uma área de 11,3 mi-lhões de hectares, segundo o levantamen-to da Fundação de Agricultura e EcologiaSoel da Alemanha.A Argentina fica com osegundo posto, com 2,8 milhões de hec-tares, quase 3,5 vezes superior à área plan-tada no Brasil.A Argentina está mais avan-çada porque estabeleceu uma legislaçãopara produtos orgânicos alinhada com asnormas européias há 15 anos, explica Vai-lati, do IBD, e assim teve mais tempo paramontar uma estrutura profissional de pro-dução e distribuição. Além disso, criouuma entidade específica para promover asvendas externas de orgânicos, resultado deuma parceria entre o governo e os produ-

tores.A lei brasileira que normatiza a pro-dução de orgânicos foi aprovada somenteem dezembro de 2003, mas ainda não foiregulamentada. Existe a Câmara Setorialpara Agricultura Orgânica, integrada porrepresentantes da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa), dosministérios da Agricultura, Saúde, MeioAmbiente e Desenvolvimento Agrário,bemcomo de organizações não-governamen-tais, empresas certificadoras e produtores.Harkaly, do IBD, calcula que as consultaspúblicas para discutir os marcos regula-tórios devem começar até o final deste ano.

Supermercados Enquanto o governo nãodefine as regras do jogo, grandes redes desupermercados em operação no Brasiltratam de ampliar o espaço de venda deprodutos orgânicos. São, atualmente, oprincipal ponto-de-venda de orgânicos etomaram o lugar das lojas de produtos na-turais. O Carrefour, por exemplo, lançou amarca Terra Ativa, específica para produ-tos orgânicos, inicialmente para vender acarne bovina de uma fazenda do grupo emMato Grosso e a uva produzida em Pe-trolina, na zona de agricultura irrigada dorio São Francisco,em Pernambuco,lembraArnaldo Eijsink, diretor de agronegóciosdo Carrefour Brasil. Atualmente, a linhatambém comercializa orgânicos de outrosprodutores, desde que atendam aos pa-drões de qualidade definidos pelo Carre-four. Uma pesquisa feita com clientes darede de supermercados de capital francês,em outubro do ano passado, mostrou queexiste uma forte demanda potencial pelosorgânicos. Por isso, 40 lojas situadas emgrandes centros urbanos passam por umprocesso de padronização do espaço des-tinado aos orgânicos.“O cliente encontrarátodas as opções em um único espaço, dasfrutas aos industrializados”, informaEijsink. A principal motivação dos con-sumidores é a busca de alimentos sau-dáveis,pois “a procura cresce quando saemnotícias sobre a febre do frango na Ásia ousobre a doença da vaca louca”.

Para Willian La Torre, diretor da Di-

visão de Alimentos do Centro de Vigi-lância Sanitária da Secretaria de Estado daSaúde de São Paulo,a contaminação de ali-mentos, especialmente frutas e hortaliças,por doses excessivas de agrotóxicos decorreda falta de controle da venda desses produ-tos. Harkaly, do IBD, avalia que o contin-gente de consumidores brasileiros que op-ta pelos orgânicos aumenta diariamente,conscientes dos efeitos danosos e cumula-tivos da ingestão de resíduos de pesticidas,fungicidas e outros produtos químicos nosalimentos convencionais que comem.Exis-te uma forte demanda potencial por or-gânicos, que somente será atendida se essemercado assumir contornos mais profis-sionais. E não bastam boa vontade e dedi-cação dos produtores, é preciso que as es-colas de Agronomia divulguem a agricul-tura orgânica, os diversos níveis de gover-no invistam em pesquisa e desenvolvimen-to e garantam assistência técnica aos pro-dutores,adverte Harkaly.É tarefa para maisde uma geração.

11,3 milhões de hectares, e a Argentina vem em seguida, com 2,8 milhões de hectares

Instituto Biodinâmicowww.ibd.com.br

Associação Brasileira de AgriculturaBiodinâmicawww.biodinamica.org.br

Instituto Elo de Economia Associativawww.elo.org.br

Associação de Agricultura Orgânicawww.aao.org.br

Planeta Orgânicowww.planetaorganico.com.br

Associação Mineira de Defesa do Ambiente(Amda) - Agroecologiawww.amda.org.br/interna_acoes_agroecologia.asp

Federação Internacional dos Movimentos deAgricultura Orgânica (Ifoam)www.ifoam.org

Organic Farming Research Foundation (OFRF)www.ofrf.org

Organic Trading and Information Centrewww.organicfood.com

Saiba mais:

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segundo volume de Brasil em De-senvolvimento trata do “projetonacional”. São 15 trabalhos di-vididos em cinco partes: o Brasil

no mundo, o planejamento, a educação, otrabalho e, como consolo para o não-de-senvolvimento, a solidariedade. José LuísFiori trata dos espaços em disputa peloBrasil num cenário mundial em mudança.Ele faz boas digressões históricas, mas re-vela recaídas acadêmicas ao falar de “utopiaglobalitária”e ao interpretar o mundo nãoa partir dos dados da realidade, mas atra-vés de modelos oferecidos por colegas uni-versitários. Países como o Brasil teriam deaceitar o “imperialismo voluntário da eco-nomia global”ou correr o risco de enfren-tar uma “luta duríssima”contra as institui-ções do consenso de Washington. Ele acha,por exemplo, que a era FHC fez o Brasilretroceder à situação do século XIX (até1930) e que a atual coalizão de esquerda do“projeto popular de democratização dodesenvolvimento”pode ter sucesso se mo-bilizar o povo e obrigar as elites a se volta-rem para dentro.

O diplomata Clodoaldo Hugueney tra-ta da coerência entre as agendas interna eexterna de desenvolvimento, mas os argu-mentos não diferem muito do discurso ofi-cial do Itamaraty.A “agenda do desenvolvi-mento”, empurrada sobretudo por Brasil eÍndia, combina inserção moderada nos cir-

cuitos globais com uma demanda por no-vas formas de distributivismo Norte-Sul.Ele parece favorecer as posições da ONGsdo Fórum Social Mundial, mas concedeem que o único princípio válido é o de umenlightened self-interest. É o que vêm prati-cando a China e a Índia, muito pragmáti-cas nesse sentido.

A parte sobre planejamento traz con-tribuições de Eli Diniz (sobre sua dimen-são político-democrática), de Hélio Jagua-ribe (um determinismo fatalístico sobre aschances do Brasil na nova ordem imperial),de Cândido Grzybowski (as utopias con-traditórias do Fórum Social Mundial) e deIvan da Costa Marques (sobre a tentativa declonagem de computadores Apple pelaUnitron, nos anos 80). Apenas esta últimatraz algo concreto,ao discutir as relações en-tre propriedade intelectual e políticas públi-cas, mas ainda assim pratica o velho ma-niqueísmo dos colonizadores-colonizadosao tratar das possibilidades de inovação tec-nológica nesta nossa “periferia”.

Simon Schwartzman prega um saltoqualitativo na educação como condiçãopara a superação do atraso. A ineficiênciainstitucional é um fato, como confirmaVanilda Paiva:“Errar é um luxo que já nãonos podemos permitir”.A despeito da im-portância do problema, o Brasil persiste noerro, e isso não tem nada a ver com a cha-mada “privatização do ensino superior”.

Na parte seguinte, João Saboia traça umquadro do que seria um mercado de tra-balho desejável, feito de oito condiçõesideais do lado da oferta e da demanda demão-de-obra. A evolução foi positiva emalguns aspectos (escolarização, mas aindaprecisa melhorar) e negativa em outros(desemprego, o que requer crescimento).Marcelo Neri se ocupa da questão da desi-gualdade no Brasil, uma das maiores domundo. O quadro é trágico e basta citar:“Amaior parte das políticas adotadas não mi-ra nos desvalidos; as que miram não acer-tam o alvo; quando acertam, não propor-cionam efeitos duradouros”.

A última parte, sobre a solidariedade, éalgo impressionista, recomendando auto-gestão e cooperativas para uma economiacomplexa como a brasileira.É como aplicarband-aid em feridos graves: pode até con-fortar a consciência dos aplicantes,mas nãoajuda muito os assistidos.Curioso que numlivro que trata de instituições e políticas,re-sultante de um seminário conduzido já nonouveau régime, nenhum trabalho tenhafeito uma avaliação do papel do Estado esuas “políticas desenvolvimentistas”, a des-peito de a expressão figurar em nove entredez discursos dos dirigentes de plantão.Tal-vez porque o balanço não seria muito oti-mista, evidenciando os passos erráticos doLeviatã econômico, um personagem que sesitua entre o bêbado e o equilibrista.

Paulo Roberto de Almeida

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Balanço das políticas de desenvolvimento

Brasil em Desenvolvimento (2 volumes) – Instituições, políticas e sociedadeAna Célia Castro,Antonio Licha, Helder QueirozPinto Jr. e João Saboia (orgs.)Civilização Brasileira, vol. 2, 392 p., R$ 62,00

ESTANTElivros e publicações

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riado em 1988 com o objetivo deoferecer propostas concretas paraa modernização da sociedadebrasileira, o Fórum Nacional, or-

ganizado pelo Instituto Nacional de AltosEstudos (Inae) com apoio do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea), con-grega cerca de cem dos principais economis-tas, sociólogos e cientistas políticos do país.O fórum promove anualmente um encon-tro em que temas como modernidade e po-breza, estabilização, crescimento e reformassão debatidos. Os principais estudos apre-sentados são publicados.

Como resultado do XVI Fórum Nacio-nal (2004) foi lançado o livro Economia doConhecimento,Crescimento e Inclusão Social,que aborda questões como a utilização dosnovos mecanismos de mercado de capitaispara viabilizar o crescimento sustentado eexamina como, com uma nova política in-dustrial e tecnológica, será possível assegu-rar superávits na balança comercial. A pu-blicação traz textos dos economistas AfonsoCelso Pastore, Antonio Barros de Castro eRaul Veloso, do representante do BancoMundial no Brasil, Vinod Tomas, do em-presário Eugênio Staub, do antropólogoRubem César Fernandes e dos ministrosMárcio Thomaz Bastos e Nelson Jobim.

Lia Vasconcelos

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Irmãos distantes

Foco nainclusão social

uarani, tupiniquim, xavante eticuna, entre outras etnias,povoam o primeiro livro dacoleção Áreas de Inovação, lan-

çada pelo Programa de Gestão Pública eCidadania da Fundação Getulio Vargas(FGV). Impressa em papel reciclado ecolorido, a obra apresenta 14 iniciativasbem-sucedidas no difícil caminho de re-cuperação da cultura e da qualidade devida das tribos indígenas. Os projetos es-tão espalhados por todos os cantos desteimenso país, desde o extremo norte, nafronteira com a Venezuela, até a regiãoSul, no Paraná, como se pode ver numdos numerosos mapas explicativos. Etambém abrangem diversas áreas deatuação, tais como saúde, habitação,meio ambiente e economia. Mas todostêm um ponto em comum: o resgate daidentidade perdida de populações indí-genas brasileiras. Seja por meio de esco-las bilíngües, seja pelo uso de medica-mentos naturais, seja pelo cultivo deplantas nativas, os programas seleciona-dos pela FGV procuram mostrar que épossível reencontrar a harmonia e obem-estar ainda que passados cincoséculos do maior choque cultural (e físi-co) que alguma civilização já sofreu.

Para que o leitor perceba a dimensãoe a importância das ações, há breves per-fis de cada uma das etnias envolvidas.Assim, o livro deixa de ser uma obra ex-clusivamente voltada para a gestão pú-blica e se torna um pequeno compêndiode história nativa do Brasil. Todas as ini-ciativas foram premiadas pelo Programade Gestão Pública e Cidadania da FGV,criado em 1996, que laureia as inovaçõespostas em prática não só por governosestaduais e municipais, como também aspromovidas pelas lideranças dos povosindígenas. Das 14 experiências relatadas,apenas três foram organizadas por go-vernos formais, todas as restantes sãofruto do trabalho de organizações repre-sentativas dos índios, muitas vezes com

apoio de entidades internacionais, comoa norueguesa Rainforest Foundation e afamosa World Wildlife Fund (WWF),nascida na Suíça. Conhecer os projetospublicados no livro é uma viagem aoprofundo Brasil, muito distante da reali-dade das grandes capitais, porém con-vivendo com problemas parecidos: fo-me, falta de atendimento à saúde, alcoo-lismo, degradação do meio ambiente, máqualidade da educação, enfim os malesque cercam a pobreza. Porém, esses gru-pos, isolados cultural e territorialmente,e com pouquíssimos recursos, mostra-ram que a vontade de superar os obs-táculos, muitas vezes, é a única condiçãonecessária para fazê-lo. O próximo nú-mero da coleção será dedicado aos con-sórcios municipais e ainda não tem datapara ser lançado.

Andréa Wolffenbüttel

Texto integral disponível na Internet no endereço http://inovan-

do.fgvsp.br/conteudo/publicacoes/publicacao/indigena/index.cfm

Economia do Conhecimento,Crescimento e Inclusão SocialJoão Paulo Reis Velloso (coordenador),José Olympio Editora, 2004, 756 p., R$ 75,00

Na Trilha da Cidadania Iniciativas para a promoção dos direitos das comunidades indígenasPrograma Gestão Pública e CidadaniaHélio Batista Barboza e Silvia Craveiro (orgs.)Fundação Getulio Vargas, 2004, 212 p.Distribuição gratuita

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Células-tronco

Coração ligado

Neurociência

Arquitetura misteriosaO funcionamento da mente hu-

mana permanece como um dosgrandes mistérios para a ciência.Agora, uma equipe de pesquisado-res da fabricante de computadoresIBM e da Escola Politécnica Federalde Lausanne, na Suíça, anunciouque vai construir um modelo com-putacional detalhado dos circuitosdo neocórtex, que constitui 85% damassa cinzenta. O projeto ganhou onome de Cérebro Azul porque vaiutilizar o supercomputador BlueGene, da IBM, para fazer as simu-lações em nível molecular buscan-do desvendar os processos do pen-samento, da percepção e da me-mória.Além de descobrir como tra-

balha a mente, os cientistas espe-ram entender mais sobre as falhasque provocam o autismo, a es-quizofrenia e a depressão. A expe-riência será feita no Instituto Cé-rebro e Mente, instalado dentro daEscola Politécnica, que conta coma maior base de dados do mundosobre a microarquitetura do neo-córtex. Durante dois anos, os estu-diosos confeccionarão um modelotridimensional recriando os pro-cessos eletroquímicos que ocorremno interior do cérebro. “Estamoslançando a mais ambiciosa pesqui-sa já realizada no campo da neuro-ciência”, garante Henry Markran,um dos coordenadores do projeto.

Desde o mês passado o Brasil está pro-movendo o maior estudo mundial de tratamen-to de problemas cardíacos com células-tronco.Seiscentos pacientes vão receber doses desuas próprias células-tronco, extraídas damedula, processadas e injetadas no coração. Oobjetivo da pesquisa é desenvolver nova tera-pia contra doenças como infarto agudo domiocárdio, isquemia crônica, cardiomiopatiadilatada e mal de Chagas. Os trabalhos são

coordenados pelo Instituto Nacional de Car-diologia Laranjeiras (INCL), do Rio de Janeiro,e envolvem 33 unidades em nove estados. Deacordo com Antônio Carlos Campos de Carva-lho, chefe do Departamento de Ensino e Pes-quisa do INCL, caso a pesquisa demonstre aeficiência da terapia, o Sistema Único deSaúde poderá passar a aplicar o novo trata-mento. Os resultados serão divulgados em, nomínimo, três anos.

CIRCUITOciência&inovação

Software

Estrada musicalQuase todas as pessoas já se

imaginaram, pelo menos uma vez,com a batuta na mão, regendo umaorquestra. Um novo software, de-senvolvido pela Universidade daCalifórnia, vai permitir que qual-quer um conduza um grupo de mú-sicos profissionais. Não é neces-sário saber ler a partitura, mas épreciso ser bom motorista. Issomesmo. O programa substitui abatuta e o pentagrama pelo volan-te e pelos pedais de um carro, fa-zendo com que o usuário “dirija”amúsica. A pesquisadora ElaineChew, que idealizou o programa, épianista. Ela queria que todospudessem vivenciar as mesmasemoções sentidas por um músicoao interpretar uma melodia.“Nemtodo mundo consegue tocar uminstrumento, mas quase todos con-seguem dirigir um carro.Utilizandoessa interface familiar, é possíveltornar acessível a não-especialis-tas as sensações experimentadaspor músicos de alto nível”, dizChew.A peça utilizada na primeiraversão do software é a DançaHúngara n.º 5, de Brahms, esco-lhida por intercalar trechos degrande velocidade com outros deextrema leveza. O programa só de-verá chegar ao mercado dentrode dois anos. Aqui no Brasil, oLaboratório de Sistemas Integrá-veis da Universidade de São Paulotambém desenvolveu um softwaredestinado a aproximar os leigosao universo da música. No casoespecífico, os pequenos leigos. Oprograma Editor Musical, confec-cionado em 2002, como uma de-fesa de mestrado em engenhariaelétrica, introduz as crianças, pas-so a passo, no mundo da músicaclássica e permite que elas com-ponham peças musicais com baseem escolhas bem simples. Quemquiser brincar é só acessar o sitewww.edumusical.org.br.

Proteção química

Vestido para matar

O Centro de Ciências e Enge-nharia Biomolecular, do Laborató-rio de Pesquisas da Marinha norte-americana, anunciou a criação deum novo revestimento para roupascapaz de destruir pesticidas e ou-tros agentes químicos.Ao contráriodos tecidos protetores existentes,nos quais a borracha ou outro pro-duto sintético é ensanduichado en-tre camadas, o novo material banhacada uma das fibras individual-mente antes que elas sejam teci-das. O resultado são roupas maisleves, mais seguras e não sujeitasa vazamentos. O revestimento ativoé uma película extremamente fina,com cerca de 500 nanômetros deespessura, contendo enzimas quedestroem toxinas químicas. Alémdas roupas, a nova criação servirápara filtros de purificação de águae equipamentos para limpeza devazamentos químicos.

Fotos divulgação

Circuito12 02/07/05 18:47 Page 82

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Astronomia

Planetas mais alémO Brasil acaba de formalizar

sua participação na missão espacialfrancesa Corot, cujo nome deriva dasiniciais das palavras Convection,Rotation et Transit planetáires.O ob-jetivo do empreendimento é o estu-do das vibrações das estrelas e a lo-calização de planetas fora do sis-tema solar, especialmente os telú-ricos. A parceria inclui a presençade cientistas brasileiros nas equipesde desenvolvimento de software e deinterpretação das informações. Umdos compromissos do Brasil serácoordenado pelo Instituto Nacionalde Pesquisas Espaciais (Inpe) e con-

sistirá na recepção de dados do ar-tefato espacial por uma antena lo-calizada em Alcântara (MA), funda-mental para o melhor aproveitamen-to da missão.“Antes, iríamos obser-var 40 mil estrelas; agora, serão 60mil, o que aumenta ainda mais achance de descobrirmos planetas”,ressalta o presidente do Comitê Co-rot-Brasil, Eduardo Janot, do Institutode Astronomia, Geofísica e CiênciasAtmosféricas (IAG) da Universidadede São Paulo (USP). A outra antenade recepção estará em Madri, na Es-panha. O lançamento do telescópioCorot está previsto para julho do

ano que vem. Ele deve manter con-tato com a Terra por, pelo menos,dois anos e meio. As instituiçõesbrasileiras ligadas ao projeto são oInpe, o Observatório Nacional, oLaboratório Nacional de Astrofísi-ca, as universidades federais deSão Paulo (USP), do Rio Grande doNorte (UFRN), de Minas Gerais(UFMG), do Rio de Janeiro (UFRJ),de Santa Catarina (UFSC), do RioGrande do Sul (UFRGS), e as uni-versidades estaduais de Feira deSantana (UEFS) e de São Paulo(Faculdade de Engenharia de Gua-ratinguetá/Unesp).

Robótica

Mão amiga

De todos os desafios enfrenta-dos pela indústria de robôs, o de-senvolvimento de um equipamentoque possa substituir a mão humanaé o maior deles. No mês passado, abritânica Shadow Robot Companyanunciou que está colocando àvenda a Dexterous Hand (“mão ha-bilidosa”, em inglês), um complexorobô, apresentado há quatro anos,mas que só agora conseguiu serproduzido em escala comercial. Amão artificial é acionada por mús-

culos de ar, também comercializa-dos pela Shadow, e controlada porválvulas pneumáticas. A principalaplicação do invento é no setor dereabilitação humana, mas ele tam-bém pode ser usado em pesquisase na indústria, tanto na linha demontagem quanto no teste e manu-seio de produtos perigosos. Em suahome page, a fabricante informaque só tem condições de fornecerum número pequeno de mãos e nãofaz menção nenhuma ao preço.

Pirataria

Combate legalParceria entre o governo fede-

ral e a Sun Microsystems, criado-ra da linguagem Java, apresentauma proposta diferente de com-bate à pirataria: capacitar jovenscomo técnicos em software livre.De acordo com levantamento real-izado pelo governo, a maioria dosque utilizam programas piratassão pequenos comerciantes ouusuários domésticos. Eles apelampara o recurso ilegal por causado alto preço das licenças, pordesconhecimento em relação aosoftware livre e por falta de profis-sionais para dar suporte ao sis-tema operacional GNU/Linux. Como projeto “Técnico Cidadão – Re-de Livre de Jovens Empreendedo-res contra a Pirataria”, o governopretende formar profissionais quereduzirão a pirataria legalizandoos computadores de seus clientescom softwares livres. Na primeirafase serão abertas 500 vagaspara estudantes interessados, dis-tribuídas entre São Paulo (200),Rio de Janeiro (100), Brasília(100) e Porto Alegre (100).

Química

Nada se perdeAs milhares, talvez milhões,

de garrafas plásticas de refrige-rante que são jogadas fora diaria-mente podem ter um fim mais no-bre: ser transformadas em óleo lu-brificante de altíssima qualidadepara automóveis.Os pesquisadoresda Universidade do Kentucky, tra-balhando em parceria com fun-cionários da Chevron, antiga Che-vronTexaco, conseguiram um pro-cesso comercialmente viável paraaproveitamento das embalagensconhecidas como PET (polietilenotereftalato). De toda a matéria-pri-ma que eles utilizaram, 60% pôdeser transformada em um produtoadequado à lubrificação de mo-tores e transmissões de veículos.O maior feito dos estudiosos foiconseguir provar que o óleo fa-bricado com plástico tem o mes-mo nível de qualidade daqueleque é extraído do gás natural. Osresultados da experiência serãopublicados na próxima edição deEnergy & Fuels, informativo edita-do pela Sociedade Norte-Ame-ricana de Química.

Em um ano,

o acesso das

classes D e E

à Internet subiu

de 7% para

11%, conforme

pesquisa do Ibope

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Argentina Brasil Colômbia Peru Bolívia

Um triste retrato

Bolívia

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

84 Desafios • julho de 2005

A Bolívia empossou seu novo presidente de-pois de mais uma renúncia, a segunda em um pe-ríodo de três anos. Um dos mais pobres paísesda América Latina, ela é responsável pela ter-ceira maior plantação de coca do mundo, per-dendo apenas para Colômbia e Venezuela. Os“cocaleros” costumam ter papel relevante nascrises políticas e muitos analistas os conside-ram “massa de manobra”do narcotráfico. O pro-blema se repete ciclicamente porque o governo

não encontra uma alternativa de trabalho para apopulação. A recente descoberta de uma reser-va gigante de gás natural, em vez de melhorara situação, acabou trazendo novos protestosdaqueles que não aceitam a exploração por paí-ses estrangeiros. Mesmo assim, a balança co-mercial boliviana se salva graças ao gás natu-ral, que é vendido, sobretudo, para o Brasil.Vejaabaixo alguns números que resumem o quadrosocioeconômico do nosso vizinho.

É a palavra formada pelas iniciais daexpressão em inglês Earnings BeforeInterest Rates, Taxes, Depreciation andArmotization. Em português seria LucroAntes dos Juros, Imposto de Renda,Depreciação e Amortização, por issoalguns economistas apreciadores da língua nacional preferem chamar o indicador de Lajida, mas o nome que vingou foi mesmo Ebitda. Como é fácildeduzir, ele aponta a geração operacionalde caixa da empresa, isto é, o quanto acompanhia gera de recursos apenas coma sua atividade, sem levar em consideraçãoos efeitos financeiros e tributários.O indicador surgiu no mercado norte-americano na década de 70 e logoganhou notoriedade porque servia paramedir quanto tempo seria necessáriopara que uma empresa, com grande volume de investimento em infra-estrutura,viesse a prosperar.Ao desconsiderar osjuros dos recursos financiados e a depreciação dos ativos, era possível projetar o desempenho futuro do negóciolevando-se em conta só a operação dafirma. Com o passar dos anos, o Ebitdapopularizou-se e, atualmente, é considerado o melhor indicador paraavaliar simplesmente o fluxo de caixa dasempresas. Porém, há quem critique oEbitda como principal bússola para osinvestidores, sobretudo depois do escândalo da WordlCom, que admitiu termaquiado seu balanço jogando despesasoperacionais na conta de investimentosde capital, exatamente para manipular oresultado do Ebitda. Mesmo assim, asempresas e os analistas continuam dandoimportância e destaque ao indicador.

O que é?

EBITDA

População em 2004

8,9 milhões

64% da população

estava abaixo da linha

de pobreza em 2004

A Bolívia responde por

9% da área de cultivo

de coca no mundo

0,512

6,702

0,548

0,58

0,605

0,635

0,670,681

0,844

0,7

0,68

0,66

0,64

0,62

0,6

0,58

0,56

0,54

0,52

0,5

10

9

8

7

6

5

Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)

Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI)

Fonte: Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC) Fonte: Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC)

Fonte: Organização Mundial do Comércio

Evolução do IDH IDH de países selecionados

Evolução do PIB Comércio exterior (2004)

Área de plantação de coca Produção de cocaína

Índi

ce d

e D

esen

volv

imen

to H

uman

oU

S$

bil

hões

(pr

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es)

60

50

40

30

20

10

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Mil

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300

250

200

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50

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Índi

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uman

o

1975 1980 1985 1990 1995 2000 2002

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

1991

1993

1995

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2001

2003

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

0,90

0,85

0,80

0,75

0,70

0,65

0,60

0,775 0,7730,752

0,681

7,375

7,917

47,9 47,2 48,645,8

21,8

19,9

220240 240

200

70 60 60

23,6

8,476

8,249

8,356

8,056

8,2048,593

9,3611,986

1,595

0,391

Exportações Importações Saldo

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Desaf ios • julho de 2005 85

Quem inova fatura mais

Indústria

As empresas que inovam mais faturam mais,pagam melhor e apresentam vantagens competiti-vas. Essa é a principal conclusão de um amplo es-tudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea) traçando o perfil da indústriabrasileira em relação à inovação tecnológica. O te-ma está dividido em 17 capítulos que analisam des-de a quantificação das firmas quanto à estratégia

de inovação adotada até as conseqüências dessapostura em relação ao mercado exterior, à geraçãode empregos e à localização das empresas.Os grá-ficos e as tabelas mostrados abaixo foram extraídosdo primeiro capítulo da pesquisa, chamada “Inova-ções, padrões tecnológicos e desempenho das fir-mas industriais brasileiras”, organizada pelos dire-tores José Alberto De Negri e Mário Sérgio Salerno.

REPARE: as empresas que inovam e diferenciam seus produtos são apenas 1,7% do universo pesquisado, porém respondem por maisde um quarto do faturamento total. Já as empresas que fabricam produtos padronizados são 21,3% do grupo, detêm mais de 52% dofaturamento e são responsáveis por quase a metade dos empregos. As empresas que não diferenciam seus produtos e têm produtivi-dade menor são a imensa maioria, 77,1%, mas geram somente 11,5% do faturamento.

REPARE: as empresas que inovam empregam mais, faturam mais, pagam melhores salários, e seus trabalhadores têm produtividademais alta, estudam mais e permanecem mais tempo no emprego.

Inovam e diferenciam produtos Fabricam produtos padronizados

Critérios de classificação das empresas

• Firmas que inovam e diferenciam pro-dutos são aquelas que realizaram inova-ção para o mercado e obtiveram acrés-cimos acima de 30% no preço de suasexportações quando comparadas comas demais exportadoras brasileiras domesmo produto.• Firmas especializadas em produtospadronizados são aquelas cuja estraté-gia competitiva impõe que o foco desua atuação seja a redução de custos,em vez da criação de valor, como nacategoria anterior. Inclui as exportado-ras que não estão no grupo anterior eas não-exportadoras que apresentameficiência igual ou maior do que asque exportam. Tendem a ser atualiza-das do ponto de vista operacional, dagestão da produção, gestão da quali-dade de conformação e logística, quesão imperativos para a sustentação decustos baixos.• Firmas que não diferenciam produ-tos e têm produtividade menor: todasas empresas que não se enquadram nascategorias anteriores. De um modo ge-ral, engloba as tipicamente não-expor-tadoras, menores, que podem, inclusive,inovar, mas são menos eficientes nosmais variados sentidos.

Estratégias competitivas

adotadas pelas firmas na

indústria brasileira (2002)

Inovam e diferenciam produtos 545,9 135,5 74,1 1.254,64 9,13 54,09

Especializadas em produtos padronizados 158,1 25,7 44,3 749,02 7,64 43,90

Não diferenciam produtos e têm produtividade menor 34,2 1,3 10,0 431,15 6,89 35,41

Características da indústria de acordo com suas estratégias de inovação

Setores com maior número

de empresas que inovam (2000)

Em que aplicam seus recursos as

empresas industriais que inovam (2000)

Participação no número de empresas,

no faturamento e nos empregos para cada

categoria de empresas industriais (2000)

Produtividade Escolaridade Número Faturamento média do Remuneração média dos Tempo médio

médio de médio trabalhador média empregados no empregoEstratégia empregados (R$ milhões) (R$ mil) (R$/mês) (anos) (meses)

Fonte:“Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras”, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Part. no número de empresasPart. no faturamento total das empresasPart. no número de empregos

Inovam e diferenciam produtosEspecializadas em produtos padronizadosNão diferenciam produtos e têm produtividade menor

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Per

cent

ual

Mecânica

Química

Eletrônica

Material de transporte

Material elétrico

Metalurgia

Têxtil e calçados

Agroindústria

Aquisição de máquinas e equip.

P&D interno

Aquisição de outros conhecimentos

Introdução da inovação

Treinamento

Aquisição de P&D externo

Participação do setor nas empresas inovadoras Percentual de faturamento

Não diferenciam produtos e têm produtividade menor

1,7

25,9

13,221,3

62,6

48,7

77,1

38,2

77% 21%

2%

11,5

26,2%

1,19%

0,63%

0,35%

22,5%

12,9%

8,1%

6,9%

5,4%

5,1%

4,3%

9,43%

3,06%

2,64%

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Fiquei muito entusiasmadacom a reportagem sobre o Parquedos Idosos. É a primeira vez quevejo uma iniciativa que leva asério o Estatuto do Idoso. Sólamento que a iniciativa beneficieapenas uma pequena parcela dapopulação e justamente aquelescom melhores condições socioe-conômicas.

Julieta CamposPediatra

Campinas – SP

Quero propor que Desafiosfaça o que quase nenhum órgãode imprensa faz: acompanhar odesenrolar dos assuntos que apre-senta.A revista mostra muitas ini-ciativas do governo, mas eugostaria de saber se as boas in-tenções se transformam, de fato,em resultados concretos. Sugiroque, daqui a um ano, seja feita no-vamente uma reportagem sobre aRede Brasil de Tecnologia paraverificar se os contratos foramcumpridos e se houve realmentesubstituição de importações.

Bernardo Negrão LaraAdministrador

de empresasRio de Janeiro – RJ

Estou gostando muito da sériede reportagens sobre os Objetivosdo Milênio. Sei que muitos criti-cam as metas por achar que dei-xaram de lado questões impor-tantes, mas acho que elas já atingi-ram o alvo simplesmente por terchamado a atenção para os pro-blemas e por ter estimulado aspessoas a cobrar dos governantesatitudes para mudar a situação. Seconseguirmos cumprir os Obje-tivos, não teremos um país per-feito, mas seguramente teremosum país muito melhor.

Georgina Maurícia FreitasProfessora

João Pessoa – PB

Parabéns pela inteligente entre-vista com a professora Berta Be-cker, na edição de junho de 2005.Finalmente pude ler opiniões coe-rentes e inteligentes sobre a con-servação e a não-preservação daAmazônia, com sua exuberantefloresta, habitada por gente. Es-tamos cansados de opiniões depessoas que propõem o preserva-cionismo como solução. São po-bres de idéias. Só criticam e proi-bem. Excelente trabalho!

Raimar da Silva Aguiar Vice-presidente da

Federação das Indústrias doEstado do Amazonas (Fieam)

Manaus – AM

A reportagem “Promessas eIncertezas” reflete bem o imbro-glio em que o governo se meteucom a mal conduzida privatizaçãodo setor elétrico. Agora, qualquererro poderá ser fatal e nos deixaràs escuras.

Mércio Roberto Carrilho Curitiba– PR

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

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86 Desafios • julho de 2005

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.org.br

EnqueteDesafios perguntou aos leitores que visitam sua home page

se eles acham que a exploração sustentável é o caminho paraconservar a floresta Amazônica, assunto abordado em nossaedição passada. Leia algumas respostas.

A questão não é simples as-sim. Uma vez iniciada a explo-ração sustentável,o mercado de-mandará mais e mais produtosditos sustentáveis, o que vai setornar novamente um mercado.Até agora, pouco se sabe a res-peito desse possível efeito futuro.Aí entra a importância da valo-ração econômica do meio am-biente, e não essa que é feitaatualmente,com viés puramenteeconomicista. O importante éenfrentar o problema como faz aprofessora Berta, e não tratar otema como um tabu, como fa-zem os adeptos da conservaçãoda natureza a qualquer preço.

Carla Maria Teixeira São Paulo – SP

Concordo com a sra. BertaBecker quando diferencia con-servar de preservar a florestaAmazônica. E é preciso conser-var, explorar sem destruir, pois,se o Brasil não o fizer de formaque obtenha retornos para opróprio país, o chamado inves-timento interno, tem muitagente a fim de fazê-lo de formadestrutiva.

Kelly Franciane ZaninBady Bassit – SP

Diante das dinâmicas esta-belecidas e implementadas peloatual estágio do sistema capi-talista é necessário que a socie-dade como um todo se empe-nhe na educação das comuni-dades amazônicas e na sistema-tização de ações que direcio-nem o desenvolvimento sus-tentável das comunidades ribei-rinhas como meio de garantir asobrevivência humana e natu-ral da nossa região.

Helio Pena BaioMelgaço – PA

Sim, a exploração sustentávelé o caminho para a conser-vação da floresta Amazônica.Essa exploração deve incluir,além de produtos de madeira, oturismo ecológico em basesque não impactem o meio am-biente. Porém, deve-se tambémvalorar os serviços ambientaisque a floresta fornece ao mun-do, de forma a desenvolvermecanismos que garantam re-cursos para a preservação dosecossistemas concomitante-mente ao bem-estar das popu-lações amazônicas.

Nelson Luiz WendelBrasília – DF

CARTAS 02/07/05 18:50 Page 86