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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO VANDER LAAN REIS GOES MEDIDAS PROVISÓRIAS E SEUS PROBLEMAS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO RECIFE – PE 2005

Capa Vander 2006 Disserta o de Mestrado.doc) · 2019. 10. 25. · RESUMO GOES, Vander Laan Reis.Medidas Provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro. 2005. 109f

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

VANDER LAAN REIS GOES

MEDIDAS PROVISÓRIAS E SEUS PROBLEMAS NO SISTEMA

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

RECIFE – PE 2005

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VANDER LAAN REIS GOES

MEDIDAS PROVISÓRIAS E SEUS PROBLEMAS NO SISTEMA

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife/Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Dr. GEORGE BROWNE REGO Área de Concentração: Direito Público Linha de Pesquisa: Neoconstitucionalismo: Direitos Fundamentais. Justiça e Processos Constitucionais

RECIFE – PE 2005

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Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Maria Siméia Ale Girão – UFAM

G593m Goes, Vander Laan Reis.

Medidas provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro / Vander Laan Reis Goes. � Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2005.

114p.; 30 cm Inclui bibliografia.

Dissertação (Mestre. Área de concentração em Direito

Público). Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco. Orientador: Prof. Dr. George Browne Rego.

1. Medidas provisórias – Brasil 2. Sistema Constitucional (Direito) – Brasil I. Título

CDU (1997): 347.6 (81) (043.3)

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Homenagem de gratidão às memórias de Umberto

Calderaro Filho e de Eduardo França Lessa,

minhas referências de vida. Calderaro, exemplo

grandioso, na Amazônia, de jornalista responsável

com seu tempo, sua gente e sua região. Lessa, pelas

orações e pela direção dada à minha formação.

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AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para que fosse alcançada

mais esta meta de minha formação profissional, especialmente minha mulher Neci e meus

curumins Raul, Beatriz e Vander Filho pelos momentos em que fui ausente.

Agradeço, e de forma especial, aos Professores Doutores George Browne Rêgo e

Vallisney de Souza Oliveira pelas orientações acadêmicas. Ao primeiro, como orientador,

pelas críticas e sugestões à dissertação, quando ainda na sua versão inicial e antes da pré-

Banca. Ao Professor Vallisney, meu co-orientador, pela paciência que teve, sugerindo e

fazendo anotações pormenorizadas, inclusive advertindo quanto ao que podia e ao que não ser

usado num trabalho dessa natureza.

Ao Professor Carlos Gomes, aposentado pela cadeira de Língua Portuguesa da UFAM,

pela colaboração na revisão deste trabalho.

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Humberto Bergmann Ávila

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RESUMO

GOES, Vander Laan Reis. Medidas Provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro. 2005. 109f. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. No presente estudo o autor discorre acerca de medida provisória, cujo uso considera desnecessário; Este ponto de vista resulta de seu labor diário como Procurador-Geral da Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, que como assessor é responsável pelo exame prévio de técnica legislativa, de legalidade e de constitucionalidade; Legislar é tarefa originária dos membros do Poder Legislativo, agentes privilegiados com função de elaborar leis socialmente justas; As medidas provisórias, na forma com vêm sendo editadas, não são bem aceitas pela sociedade civil, também por virem dos regimes de Vargas e dos Militares, adotadas com a expressão Decreto-Lei; Aponta diferenças entre Decreto-Lei e Medida Provisória, no primeiro caso a alternatividade urgência ou relevante interesse público e no segundo, cumulativamente, urgência e relevância; Traz, ainda, comentários sobre o Supremo Tribunal Federal composto por onze ministros, sediado em Brasília, com jurisdição em todo território nacional, conforme dispõe o artigo 101 da Constituição Federal; No artigo seguinte enumera as competências do STF como guardião da Constituição, especialmente quanto ao controle de constitucionalidade de leis e atos, inclusive das medidas provisórias; O resultado do estudo indica a adoção do artigo 64, §§ 1o. e 2o. da CR/88 como caminho lógico para a retirada desse instituto do sistema constitucional brasileiro pois seu uso excessivo põe em risco a harmonia entre os poderes; A adoção desse dispositivo, como é sugerido, permitiria ao Presidente da República solicitar urgência aos projetos de sua iniciativa sem índole de ato arbitrário e sem as rotineiras críticas da imprensa. Palavras-Chaves: Medidas. Provisórias. Problemas.

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ABSTRACT

GOES, Vander Laan Reis. Presidential Decrees Termed and its problems in the Brazilian constitutional system. 2005. 109 pages. Master Degree – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito de Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

In this study, the author discourses on the presidential decrees termed, the use of which he considers unnecessary; This conclusion result from his daily labor as the legislative Assembly´s Attorney for the State of Amazonas, who as an advisor is responsible for previous examination, concerning legislative technique, legality and constitutionality; To legislate is the duty prescribed to members of the legislative body, agents privileged with the task of making socially fair laws; The presidential decrees termed aren´t accepted by civil society due to their excessive use by Government and their origin in the Vargas and Military periods, during both of which they were used under the name of “act of law”; The author denotes differences between acts of law and presidential decrees termed; In the former, alternately, urgency or relevant public interest, and in the latter, cumulatively, urgency and relevance. He also comments on the Federal Supreme Court, comprised of eleven justices, its seat in Brasilia and jurisdiction over all national territory, as prescribed in article 101 of the Brazilian Constitution; Article 102 enumerates the jurisdictional competence of the Supreme Court as guardian of the constitution, especially the competence related to reviewing laws and acts as to constitutionality, including presidential decrees termed.; As a result of the study, he indicates the use of article 64, paragraphs 1 and 2, as a logical and adroit way to withdraw that institute from our constitutional system, since their excessive use offends the principle of division of political power; The adoption of article 64, as suggested, will permit that the President demand urgency for government projects, without the nature of an arbitrary act, and without the routine media criticism. Key-words: Presidential. Decrees. Termed.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………... 11

1 A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES............................................................................... 15

1.1 A clássica divisão dos Poderes........................................................................................ 18

1.2 O Legislativo segundo Montesquieu............................................................................... 20

1.3 O Legislativo visto por Loewenstein............................................................................... 21

1.4 Os Poderes na visão de Kelsen....................................................................................... 23

2 O UNIVERSO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS BRASILEIRAS............................. 26

2.1 A origem de nossa Medida Provisória............................................................................ 28

2.2 O regime jurídico-constitucional das MPs..................................................................... 30

2.3 As Medidas Provisórias nos Estados.............................................................................. 32

2.4 Arbitrariedade do Executivo ou inércia do Legislativo?................................................ 35

2.5 Os pressupostos de edição.............................................................................................. 38

2.6 A idéia de “relevância” e “urgência”.............................................................................. 39

2.7 O controle judicial das Medidas Provisórias.................................................................. 41

3 O PROCESSO LEGISLATIVO DAS MPs................................................................... 44

4 QUESTÃO INTRIGANTE, PREJUDICIAL E INCONSTITUCIONAL.................. 48

4.1 A amplitude das Medidas Provisórias............................................................................ 51

4.2 Críticas e sugestões......................................................................................................... 54

4.3 Os Princípios Constitucionais......................................................................................... 56

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5 MEDIDAS PROVISÓRIAS: NORMAS E FORMAS.................................................. 58

5.1 Natureza jurídica............................................................................................................. 59

5.2 Efeitos da extinção.......................................................................................................... 61

5.3 A posição da jurisprudência............................................................................................ 62

5.4 Formas de controle......................................................................................................... 64

5.5 Pressupostos de valoração.............................................................................................. 66

5.6 O controle judicial.......................................................................................................... 69

5.7 A dinâmica política......................................................................................................... 74

6 PRÁTICA LEGISLATIVA E POLÍTICA.................................................................... 79

6.1 O tributo a serviço dos governantes................................................................................ 82

6.2 Criação de impostos via Medidas Provisórias................................................................ 84

6.3 MPs 1.507 e 2.226, intromissão no Judiciário................................................................ 90

7 ANÁLISE DO TEMA NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS................................................... 94

7.1 Quadro das Medidas provisórias editadas...................................................................... 96

7.2 Confronto das forças políticas........................................................................................ 97

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 99

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 105

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INTRODUÇÃO

A medida provisória, prevista no artigo 62 da Constituição Federal, é uma inovação

jurídica cuja órbita de atuação deve estar circunscrita aos pressupostos de urgência e

relevância. É espécie normativa com força de lei, na verdade, que constitui exceção ao

princípio pelo qual é o Legislativo que deve cuidar da elaboração de leis. Seu objetivo é

possibilitar ao Chefe do Executivo a adoção de medidas jurídicas em face de circunstâncias

relevantes e urgentes que imponham a ação imediata do Estado, inexistindo outros

instrumentos jurídicos eficazes. A medida provisória que pode ser regulada por lei ordinária,

desde sua adoção, em 1988, tem sido usada abusivamente, em flagrante desrespeito ao

mandamento constitucional que pressupõe a existência de circunstâncias extraordinárias para

a sua edição. No caso da MP, o Executivo simplesmente a edita, passando a vigorar após a

sua publicação, diferentemente da lei delegada em que o Legislativo autoriza o Executivo,

através de Resolução do Congresso Nacional, a legislar sobre questões de seu interesse,

especificando o conteúdo e os termos de seu exercício.

Medidas Provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro, assunto

discutido e debatido no campo doutrinário com farta divulgação nos meios de comunicação, é

matéria de domínio geral, de conhecimento dos operadores e estudiosos do direito e também

de leigos. O desenvolvimento deste estudo é baseado na doutrina nacional e na jurisprudência

de nossa Suprema Corte, sem deixar de lado o enfoque histórico.

Fontes relevantes para o desenvolvimento do trabalho, além da farta bibliografia sobre

o tema, foram os artigos em jornais, em revistas especializadas e na internet, mormente

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aqueles manifestamente contrários à adoção de medidas provisórias no nosso sistema

constitucional, representativos de corrente e tendência às quais o autor se filia.

Ainda nesta parte introdutória, é importante apontar o surgimento da medida

provisória no sistema constitucional brasileiro como uma resposta à busca de um instituto que

não permitisse excessos como aconteceu com o seu antecessor, o decreto-lei, utilizado nos

governos de Vargas e dos Militares. A medida provisória teve origem na expressão

provvimenti provvisori com forza di legge, disposta na Constituição Italiana de 1947.

As medidas provisórias também sofreram forte influência da Carta anterior, ao

assegurar ao Presidente da República uma certa “função legislativa”. E como postulado

inicial, elas resultam do exercício, pelo Presidente, de competência constitucional

extraordinária e representam a expressão concreta de um poder cautelar geral deferido ao

Chefe do Executivo da União. Não resultam de delegação legislativa, como acontece com a

lei delegada, mas de um poder originário de legislar em situações excepcionais conferido pelo

Poder Constituinte Originário e condicionado às hipóteses e aos limites impostos pela própria

Constituição.

A escolha do tema, As Medidas Provisórias e seus problemas no sistema

constitucional brasileiro, deve-se ao exercício pelo autor do cargo de Procurador-Geral no

Poder Legislativo do Estado do Amazonas, onde desenvolve, na titularidade da função,

atividades relacionadas com o processo legislativo aplicado às proposituras que chegam para

exame de admissibilidade no que se refere à legalidade e à constitucionalidade, bem como

com técnicas legislativas das iniciativas, sejam elas oriundas do Legislativo, do Executivo ou

do Judiciário.

No desenvolvimento da dissertação, adotou-se uma postura de não aceitação desse

instituto no sistema constitucional pátrio pela desnecessidade de seu uso. O critério processual

aqui adotado, de inquestionável conteúdo dogmático e também descritivo, porque o assunto

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assim impõe, o que não significa renúncia, por exemplo, ao aspecto sociológico que deve

envolver o exame das matérias objeto de medidas provisórias, como sendo ações e reações

dos legisladores, se é que podemos assim considerar o parlamentar no momento que lhe é

usurpada a sua atribuição principal.

Destaque-se que as medidas provisórias fogem da atividade principal dos

Parlamentos, a produção e a elaboração de leis. E a compreensão de lei se dá necessariamente

dentro da concepção de Montesquieu e do processo legislativo previsto na vigente

Constituição.

Oferece-se uma leitura crítica de como o referido instituto vem ao nosso sistema

jurídico. Daí o necessário e imprescindível exame segundo a doutrina dominante nesse

campo.

Mostra-se que a edição de medidas provisórias pelo Executivo em número tão

elevado é inaceitável, sobretudo quando eram permitidas as reedições (antes da EC nº

32/2001). As estatísticas apontam que só nos dois governos do Presidente Fernando Henrique

Cardoso (1994 a 2002) e dois terços do de Luiz Inácio Lula da Silva foram editadas mais

medidas provisórias do que nos governos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco,

bem como que na vigência das Constituições de 1937 e 1967 (regimes Vargas e Militar) foi

adotado menor número de decretos-leis.

Há, também, críticas ao uso excessivo de medida provisória e à continuidade do seu

poder de interferência no processo legislativo, mesmo depois da ampla modificação trazida

pela EC nº 32/2001. Indica-se a adoção dos §§1º e 2º do artigo 64 da CF/88 como um

caminho lógico para retirar o referido instituto de nosso sistema constitucional.

Examina-se, ainda, a atuação parlamentar que no controle dos pressupostos

constitucionais das medidas provisórias retirou a efetividade pretendida pela referida Emenda,

acobertando inconstitucionalidade formal, no momento da apreciação das mesmas.

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O presente trabalho não tem a pretensão de abordar todos os aspectos das medidas

provisórias, mas trazer à baila o exame de alguns tópicos que cercam o tão discutido instituto.

O certo é que alguma coisa precisa ser feita para inibir a voracidade do Chefe do

Executivo Federal para reduzir as medidas provisórias ou mesmo retirá-las do sistema

constitucional brasileiro. E a preocupação do autor reside no insaciável uso desse instituto

que, inclusive, vem interferindo nas questões do Poder Judiciário. E o exemplo é a MP nº

1.507, de 19.07.1996, que criou restrição para a concessão de medidas liminares em ações

ajuizadas por servidores públicos para obtenção de reajustes salariais. Essa despropositada

intromissão do Governo foi além com a MP nº 2.226, de 04.09.2001, que gerou enorme

controvérsia entre os juristas e provocou problemas e dificuldades para os advogados que

militam na Justiça Federal vez que referido dispositivo afetava os honorários de sucumbência

dos causídicos, em caso de acordos entre demandantes e a União.

Aspecto interessante do estudo diz respeito à questão da responsabilidade do Estado –

no caso de atos legislativos – por prejuízos causados pelas medidas provisórias.

Aponta, como ponto central de seu trabalho, a adoção dos §§ 1º e 2º do artigo 64 da

Constituição Federal, como um caminho para a retirada daquele instituto do sistema jurídico-

constitucional pátrio.

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1 A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

A rotina das edições das medidas provisórias vem constituindo uma descabida

interferência do Poder Executivo nas atribuições próprias do Legislativo. Não seria demais

considerar aqui a clássica reunião das funções do Estado em três – o Executivo, o Legislativo

e o Judiciário – proposta por Montesquieu a fim de viabilizar a concepção política de

limitação do poder estatal e desse modo evitar o advento do arbítrio governamental. A partir

deste princípio, o Chefe do Executivo não poderia investir contra o indivíduo, já que ninguém

estaria obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O próprio

Executivo se encontraria sob o crivo do Judiciário e o último, por sua vez, deveria aplicar

penas e dirimir, imparcialmente, os conflitos.

Carl Schmitt1 acentuou que o poder mais sujeito ao arbítrio seria o Legislativo, pois

este possuiria a prerrogativa de criar as leis, podendo legislar conforme a vontade da maioria

detentora do poder, gerando assim a opressão sobre os grupos minoritários da sociedade.

Portanto, para se efetuar um controle efetivo sobre àqueles que fazem as leis, foi desenvolvido

o instituto do controle de constitucionalidade, obrigando o legislador a respeitar os preceitos

assegurados na Carta Magna.

Antes de abraçar a causa do nazismo, Schmitt tinha seu pensamento na esteira do

principio sistematizado por Montesquieu e defendia que os poderes não eram efetivamente

divididos ou separados, mas mostram-se distintos e coordenados, havendo a chamada

1 SCHMITT, Carl. La Defesa de la Constitucion. Trad. Manuel Sanches Garto. Barcelona: Labor, 1931. p. 157-158.

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interpenetração dos mesmos, no intuito de se viabilizar a prática governamental. É o que se

extrai da primeira lição de Schmitt.

J.J. Gomes Canotilho2 atribui a Carl Schmitt a criação da tese da ratione necessitatis,

pela qual o Presidente agia como um legislador extraordinário, expedindo medidas diferentes

das leis emanadas do Estado legislativo parlamentar, permitindo-se que um órgão executivo

expedisse medidas com forma e valor de lei, significando que teríamos atos simultâneos de

leis e execução de leis, que Schmitt denominava de medidas.

Essa “tese” de Carl Schmitt partiu da interpretação do art. 48, nº, da Constituição de

Weimar que concedia poder ao Presidente do Reich (Adolf Hittler) para decretar ordenanças

com valor de lei.

Para Lawrence H. Tribe3, já existia o entendimento pacificado pela Suprema Corte

norte-americana acerca da questão da cooperação entre os poderes, na seguinte passagem:

Conforme o entendimento firmado no início do século XX, a Suprema Corte, interpretou que a separação dos poderes não concebe cada branch como sendo autônomo, mas, deixa cada um dependente uns dos outros, assim como foi deixado para cada um funções de natureza executiva, legislativa e judicial.

Cabe lembrar que, para muitos, acontece uma certa contradição entre a teoria da

divisão dos poderes e a teoria da unidade e indivisibilidade do poder estatal, que é

visivelmente política. Georg Jellinek 4 , neste sentido, ilustraria que essas teorias foram

desenvolvidas para fundamentar o Estado constitucional e embasar a criação de um Estado

federal. A primeira teria o objetivo de conceber um tipo ideal de Estado e a segunda

pretenderia a criação pluralista do Estado composto por dualidade governamental. Assim,

2 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 664. 3 TRIBE, Lawrence H. American Constitucional Law. 2. ed. New York: Foudation Press, 1988. p. 72. Vol. 1. 4 JELLINEK, Georg. Teoria general del estado. Cidade do México: Fundo de Cultura Econômica, 2002. p. 380.

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Jellinek disserta sobre a confusão que se fez entre soberania e poder estatal, equívoco que foi

responsável por todas as críticas acerca da célebre doutrina de Montesquieu. Concluiria esse

jurista alemão que o Estado moderno foi constituído a partir das idéias jusfilosóficas dos

grandes mestres Rousseau e Montesquieu, havendo a conjugação de suas idéias de forma a

preservar a unidade do poder.

Com isso, o poder estatal seria observado como uno e indivisível, sendo mais

apropriado empregar o termo funções do Estado do que poderes estatais. Nestes termos,

Paulo Bonavides5 tece o seguinte comentário:

Visceralmente antagônico à concentração do poder, foi, portanto, o princípio fecundo de que se serviu para a proteção da liberdade o constitucionalismo moderno, ao fundar, com o Estado jurídico, o governo da lei, e não o governo dos homens, ou seja, a government of law not a government of men, conforme asseverou judiciosamente, numa locução já histórica, o insigne John Adams, dissertando acerca da Constituição americana.

A questão da governabilidade do Estado torna-se mais tormentosa a partir da criação

do welfare state, ou Estado assistencialista. Neste momento, surge um executivo fortalecido

em face da demanda de políticas econômicas que devem ser implantadas rapidamente, não

podendo aguardar o trâmite regular das leis. Desta forma, instrumentos de delegação

legislativa passam a ser conferidos aos governantes com o fito de viabilizar a implementação

de políticas públicas, ainda que aparentemente sem suprimir as prerrogativas do Legislativo.

Estes argumentos sobre a questão da governabilidade do Estado, não inibem a nossa

posição contrária ao instituto das medidas provisórias, abusivamente editadas pelo Poder

Executivo Federal, pelo fato de o Brasil não se encontrar vivendo momentos de instabilidade

institucional.

5 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 72.

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Entretanto, o Estado Social transige com a perigosa existência de um Executivo

vivamente atuante e, que geralmente busca alargar seus poderes para a realização de novas

diretrizes políticas. Neste caso, as meras leis delegadas não mais seriam suficientes para a

agilidade desejada pelo governo, que então passaria a reivindicar novas formas excepcionas

de legislar, rompendo com a harmonia entre os poderes e abrindo margem ao abuso

governamental.

1.1 A clássica divisão dos Poderes

O sistema federativo brasileiro é uma forma de organização de Estado tipicamente

republicana e presidencialista, embora existam alguns sistemas parlamentaristas unitários, nos

quais a medida provisória tem assento constitucional. Esse instituto, introduzido em nossa

vigente Constituição, foi inspirado no modelo italiano, cuja redação é idêntica igual, com

pequenas variações, conforme se verifica da leitura do artigo 77 da Constituição daquele país.

Considerando o poder como uma unidade, uma caraterística do Estado, observa-se

que muitos são levados a interpretar de forma equivocada a expressão tripartição do poder,

como se os poderes fossem estanques. Daí resultarem problemas de argumentação a respeito

das atividades estatais. A distinção se faz entre os órgãos que desempenham as funções

provenientes do poder existentes nas sociedades.

Do comportamento das sociedades, tem-se verificado, ao longo da História, a

existência de três funções básicas:

a) uma, geradora do ato geral;

b) outra, geradora do ato especial;

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c) uma terceira, solucionadora de conflitos.

As duas primeiras encarregavam-se de gerar os atos e executá-los, sendo a terceira,

destinada à solução dos conflitos entre as pessoas e entre estas e o Estado.

No chamado Estado Absoluto, essas funções foram identificadas em muitas

sociedades e em muitas oportunidades. Naquele, o exercício do poder concentrava-se nas

mãos de uma única pessoa (física) que o exercia pessoalmente ou por meio de auxiliares,

prevalecendo sempre a vontade do soberano, que se confundia com o próprio Estado, sendo

sua vontade a matriz para todas as atividades estatais.

A separação dos poderes foi resultante da diminuição do poder do soberano, no

momento em que se transmitia a uma Assembléia o exercício da função legislativa, como

forma de proteger-se de qualquer abuso. Era a independência dos órgãos, especialmente

aquele responsável pela elaboração do conjunto ordenativo, fato que afasta, em princípio, a

preponderância da vontade de uma única pessoa. Com a aplicação prática desse princípio,

verificou-se a transformação das monarquias absolutas em sistemas de governo mais

limitados, surgindo assim os regimes parlamentares.

Atualmente a interpretação literal da expressão separação dos poderes já não é motivo

de discussão, uma vez que estão bem definidos os conceitos de poder, órgãos e as funções que

desempenham.

No nosso sistema constitucional, a Carta Política de 1988, manteve em seu texto a

expressão “independentes” e “harmônicos” entre si, para a caracterização dos Poderes da

República. Esse desdobramento constitucional das funções dos poderes, tem um mínimo e um

máximo de independência de cada órgão de poder, a fim de facultar o exercício harmônico

desses poderes, de forma que, se não existissem limites, um poderia se sobrepor ao outro,

inviabilizando a desejada harmonia.

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No Brasil, como na maioria dos países livres, o poder de legislar, como regra

constitucional geral, cabe somente ao Legislativo, que é o órgão legitimado para representar o

povo na elaboração de normas jurídicas que regerão a vida da sociedade politicamente

organizada. É a chamada democracia indireta, ou representativa, na qual, em virtude da

impossibilidade óbvia de reunião de todo o povo em uma assembléia legiferante, outorga-se a

alguns indivíduos, escolhidos mediante um processo em que seja assegurada a livre

concorrência ao cargo de legislador, o poder de quando decidir e como alterar a ordem

jurídica à qual toda a sociedade se encontra submetida. Se não fosse assim, estaria evidente

que o Poder Executivo agiria com arbítrio, como acontece com as medidas provisórias,

especialmente aquelas que vêm ao nosso mundo jurídico sem os requisitos constitucionais da

urgência e da relevância.

1.2 O Legislativo segundo Montesquieu

É atribuída a Montesquieu a responsabilidade pela sistematização dessa teoria, da

tripartição de poderes, embora na lição de Aderson de Menezes6 também seja apontada, sem

discrepância, como tendo precedência nesse tema. Aristóteles (na Antigüidade), São Tomás

de Aquino (no medieval) e John Locke (na modernidade).

Busca-se aqui tentar mostrar as ofensas ao princípio da independência e harmonia

defendido por Montesquieu7, segundo o qual legislar é atribuição específica do Legislativo.

Aliás, a prática política tem mostrado que a lição de Montesquieu permanece em pleno vigor,

6 MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 245-246. 7 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis (as formas de Governo, a Federação e a Divisão dos Poderes). Tradução e notas de Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 170, 173, 174, 175, 177, 182.

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pois sempre que se concentra excessivo poder, observa-se a emergência do fenômeno do

autoritarismo. A divisão das funções do Estado garante a limitação do poder dos governantes,

principal instrumento dos cidadãos contra a usurpação do poder.

Ainda para Aderson de Menezes8 a obra De l’Esprit des Lois, escrita em 1748, era um

legítimo tratado de ciência política,

constituiu-se um grande sucesso do ponto de vista da divulgação e aceitação, pois a filosofia montesquiana se firmou, na esfera do constitucionalismo, como um princípio impostergável a prol das liberdades individual e pública.

Oportunas, quando estão em exame o aspecto do uso excessivo de medidas

provisórias e a intromissão nas atividades próprias do Poder Legislativo, as palavras de

Montesquieu9

Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Uma Constituição pode ser de tal modo que ninguém será constrangido a fazer coisas que a lei não obriga e a não fazer as que a lei permite.

1.3 O Legislativo visto por Loewenstein

Para Karl Loewenstein10, a clássica separação dos poderes estaria ultrapassada dentro

do enfoque e da nova realidade do Estado assistencialista. Segundo a sua análise, a clássica

divisão das funções do Estado não seria de todo má, muito embora a ação governamental

contemporânea exija uma direção mais unificada, que atualmente poderia ser chamada de

8 MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 247-248 9 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. op. cit., p.205 10 LOEWENSTEIN, Karl. Political power and government process. 3. ed. Chicago: [s.n], 1965. p. 49.

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liderança política. A função do governo, dentro desta hodierna perspectiva, deixa de estar

restrita à execução de leis genéricas e abstratas, que tão somente haveriam de representar a

vontade geral da nação. Agora, a legislação vem refletir o direcionamento político da nação, e

tanto o Legislativo quanto o Executivo deixam de ser funções distintas, para serem

simplesmente consideradas como diferentes técnicas de liderança.

Particularmente não poderia o autor concordar com o postulado de Loewenstein, uma

vez que independentemente de a ação governamental respeitar a diretriz política comum, a

clássica divisão das funções do Estado continua sendo relevante para a defesa das liberdades.

Temos assim que nenhum argumento deve ser substrato à mitigação ou supressão da

separação dos poderes proposta por Montesquieu. Evocando questões de relevante interesse

nacional como justificativa para o Executivo adquirir poderes extraordinários de legislar,

enfraquece-se o freio desta função, destacando as amarras jurídicas que evitam o surgimento

de governos autoritários. Assim sendo, devemos notar que os princípios da separação dos

poderes permeiam toda a estrutura governamental, já que compõe a sua base de sustentação.

Ao invocar-se estes princípios, não se está argüindo questões meramente constitucionais, mas

assegurando a construção de governos legítimos e transparentes.

Também cabe examinar como seriam as ações e reações dos legisladores, se é que se

pode assim chamar o parlamentar no momento em que lhe é usurpada a mais importante

atribuição.

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1.4 Os Poderes na visão de Kelsen

Em sua obra Teoria Geral do Direito e do Estado, Hans Kelsen11, quando conceitua

“separação dos poderes”, diz que se trata de designação de um princípio de organização

política. Ele pressupõe que os chamados três poderes podem ser determinados como três

funções distintas e coordenadas do Estado e que é possível definir fronteiras separando cada

uma dessas três funções.

Ainda Kelsen, na obra antes referida, tomando por base a Constituição Americana e a

compreensão de que a revisão judicial é uma transgressão evidente dos princípios da

separação dos poderes, sobre essa questão assim pondera:

os poderes confiados ao governo, estadual ou nacional, estão divididos em três grandes departamentos, o executivo, o legislativo e o judiciário, que das funções apropriadas a cada um desses ramos de governo será investido um corpo separado de funcionários públicos, e que a perfeição do sistema exige que linhas que separam e dividem esses departamentos devam ser amplas e claramente definidas.

O órgão legislativo, na visão de Kelsen12, tem função legislativa apenas na medida em

que esteja autorizado a criar normas gerais. Nunca ocorre na realidade política que todas as

normas gerais de ordem jurídica nacional tenham de ser criadas exclusivamente por um órgão

legislador. Na prática, o que importa é apenas a organização da função legislativa segundo a

qual todas as normas gerais têm de ser criadas pelo órgão legislativo.

11 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 385-386. 12 KELSEN, op. cit., p. 386-387

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Admite Kelsen13 a existência de funções legislativas do Executivo e do Judiciário,

mesmo que a maioria das Constituições incorporem o princípio da separação de poderes. No

primeiro caso ele se refere a que “o chefe do departamento executivo pode decretar normais

gerais no lugar do órgão legislativo, sem que desse órgão emane qualquer autorização

especial na forma de um estatuto autorizante, caso estejam vivendo circunstâncias especiais

como guerra, rebelião ou crise econômica”. Quanto à função legislativa do Judiciário, Kelsen

diz que a função legislativa ocorre

quando os tribunais são autorizados a anular leis inconstitucionais; além disso, os tribunais exercem uma função legislativa quando a sua decisão, em um caso concreto, se torna um precedente para decisão de outros casos similares; um tribunal com essa competência cria, por meio de sua decisão, uma norma geral que se encontra no mesmo nível dos estatutos criados pelo chamado órgão legislativo.

Ainda para Kelsen, a separação de poderes ocorre porque apenas as normas gerais

criadas pelo órgão legislativo são designadas como leis (leges). Logo a sua designação como

órgão legislativo é tão mais justificada quanto maior for a parte que ele possui na criação de

normas gerais.

No entanto, essa posição não é sustentada pelos fatos, pois o próprio Hans Kelsen vê

apenas duas funções básicas do Estado: a criação e aplicação do Direito. E essas funções são

infra e supra-ordenadas. Na verdade ele fala da criação e aplicação do Direito subjacente ao

dualismo do poder legislativo e do executivo, no sentido mais amplo.

Do ponto de vista da hermenêutica jurídica, registre-se a contribuição de Hans

Kelsen14, quando diz que não cabe ao jurista aplicar o direito, criando normas individuais e

concretas e na sua observação “a questão de saber qual é, entre as possibilidades que se

apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a correta não é sequer – segundo o próprio

13 KELSEN, op. cit., p.388-390 14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 368-369.

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pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não

é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito”.

O certo é que a posição de Kelsen, até mesmo considerando-se as Constituições que

consagram a rigidez da separação dos poderes, como ocorre nos Estados Unidos, considera a

participação do Executivo no processo legislativo, quer seja através do poder do veto, quer

pela possibilidade de apresentação de projetos de lei, como acontece nas democracias

européias.

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2 O UNIVERSO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS BRASILEIRAS

Neste capítulo trazemos algumas considerações sobre o Poder Legislativo,

especialmente na visão de Montesquieu. Outra abordagem diz respeito à origem da medida

provisória brasileira que sabe-se foi a Itália sua fonte inspiradora e, também, como esse

instituto acontece na Argentina, México, Uruguai e Espanha. Não se tem a pretensão de

considerar que os exemplos destes países no pertinente à medida provisória, decreto-lei e lei

delegada, aqui trazidos de forma singela e em ligeiras pinceladas, possam ser entendidos

como um estudo de Direito Comparado. São apenas ilustrações apontadas pelo o autor para

demonstrar que as medidas provisórias brasileiras apresentam-se descabidas, principalmente

na forma como vêm sendo editadas. È este o real objetivo, vejamos:

Argentina – Dos 129 artigos da vigente Constituição Argentina, especialmente no

capítulo que trata das atribuições do Poder Executivo (art. 99), não há previsão de decretos-lei

e nem de medidas provisórias. Contudo, a prática tem sancionado o costume de os expedir,

quando há uma necessidade súbita que impõe ao Executivo a realização de uma função não

prevista em lei ou delegada a esse Poder. Bielsa aduz quatro tipos de restrições ao uso do

decreto-lei na Argentina: a) somente o Poder Executivo constitucional pode legitimamente

editar decretos-lei, não se admite o exercício do poder legiferante a um governo de força; b)

não havendo uma necessidade súbita que exija imediata execução de decreto-lei que venha

satisfazê-la, não se justifica a sua expedição; c) o ato deve se revestir da forma de decreto-lei

e ser submetido ao Congresso para aprovação; d) a matéria que pode ser objeto de decreto-lei

é apenas aquela que diz respeito às funções específicas do Poder Executivo, vale dizer, não

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poderá, por exemplo, versar sobre matéria de direito privado, direito processual, criação de

impostos etc., todas essas de competência exclusiva do Congresso.

México – A Constituição mexicana outorga ao Poder Executivo o poder de expedir

decretos com força de lei em algumas situações especialíssimas, que ela própria

expressamente especifica, quais sejam, regular a estabilidade econômica do país ou em casos

de saúde pública. Nos demais casos, resta ao Poder Executivo valer-se da delegação

legislativa a ser dada pelo Congresso, em situações emergenciais, por tempo limitado e em

matérias restritas às descritas no ato da delegação;

Uruguai – A Constituição do Uruguai concede ao Presidente a possibilidade de

solicitar urgência aos seus projetos de lei, pedido esse que deverá ser justificado. Nesses

casos, decorridos o prazo estabelecido, sem que haja pronunciamento do Congresso, o projeto

é tido como aprovado. A única restrição material ao pedido de urgência refere-se às matérias

que exijam quorum qualificado, que deverão tramitar normalmente. Contudo, a limitação

mais importante é a que diz respeito à proibição de que o Presidente envie mais de um projeto

urgente de cada vez. Enquanto estiver tramitando um projeto urgente no Congresso, outro não

poderá ser enviado.

Espanha – Na Espanha, além da lei delegada, a Constituição confere ao Poder

Executivo poderes para a edição de disposições legislativas provisórias, em caso de

“extraordinária e urgente necessidade”. A forma dessas disposições assemelha-se aos

decretos-lei e possuem as seguintes vedações de caráter material, de acordo com o art. 86 da

Constituição: a) ordenamento das instituições básicas do Estado; b) direitos, deveres e

liberdades dos cidadãos; c) regime das Comunidades Autônomas; d) Direito Eleitoral geral. O

Congresso terá trinta dias para convalidá-las, derrogá-las ou transformá-las em projetos de lei

de tramitação regular. Não há qualquer referência sobre seus efeitos, no caso de não serem

aprovadas. Tendo em vista a estabilidade do regime espanhol, a concentração de poder na

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figura do rei e um modelo parlamentarista bem definido, a adoção do decreto-lei não é capaz

de gerar crises ou choques de comando entre o Governo e o Parlamento, contudo, ainda

assim, verifica-se que a sua edição é feita com cautela.

2.1 A origem de nossa Medida Provisória

No sistema constitucional brasileiro, o antecedente mais próximo da medida

provisória é o decreto-lei, oriundo do Direito italiano. A doutrina e a jurisprudência daquele

país reconheciam a validade dos decretos de urgência, que eram motivados pela absoluta

necessidade do que consideravam salus republicae suprema lex esto, levando algumas vezes à

ocorrência de abusos.

O decreto-lei representou a atividade normativa do Poder Executivo, surgido no caso

brasileiro, com a Constituição de 1937, que, em seu artigo 12, possibilitava ao Presidente da

República adotá-lo sob a forma de atividade eventual. Essa atividade normativa do Presidente

da República em forma de decreto-lei não constou de nossa Carta Política de 1946,

reaparecendo na Constituição de 1967 e EC nº 01/69, promulgada sob o regime militar

implantado em 1964, com a denominação de decreto com força de lei.

O decreto-lei é típico ato normativo primário e geral, pois representa a existência de

um poder normativo primário próprio do Presidente da República, independente de qualquer

forma de delegação.

Pondo-se, frente a frente, como que contrastando, o decreto-lei e a medida provisória,

algumas diferenças são nitidamente notadas. A primeira diferença é que o decreto-lei tinha

como pressupostos de expedição o modo alternativo, pois seu texto determinava sua adoção

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somente em caso de urgência ou de interesse público relevante. A medida provisória, por sua

vez, exige cumulativamente a urgência e relevância.

Relevante mostrar outra divergência. Teoricamente a medida provisória tem um

aspecto de abrangência superior a do decreto-lei, que por sua vez estava subordinado às

condições contidas no artigo 55 da Emenda Constitucional nº 01/1969, a seguir transcrita:

O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e

desde que não haja aumento de despesas, poderá expedir decretos-leis sobre as

seguintes matérias:

I. Segurança nacional; II. Finanças públicas, inclusive normas tributárias; e III. Criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.

O decreto-lei estava assim limitado pela não ocorrência de aumento de despesas e por

limitações materiais. Pelo atual texto constitucional, a edição de medida provisória não possui

limites, podendo, inclusive, versar praticamente sobre todas as matérias, excetuadas as poucas

vedações trazidas pela EC nº 32/2001.

Outra diferença se visualiza quanto à aprovação. O decreto-lei previa a figura do

decurso de prazo, isto é, em caso da não manifestação do Congresso Nacional, este era tido

como aprovado tacitamente. A medida provisória impõe a aprovação do Congresso Nacional.

Outro aspecto diz respeito à nulidade dos atos praticados na vigência do ato

normativo. A rejeição do decreto-lei não acarretava a nulidade dos atos praticados durante a

sua vigência. Já a medida provisória perde a sua eficácia de modo retroativo (ex tunc). Na

medida provisória é admitida a apresentação de emendas por parte do Congresso Nacional, o

que não era possível nos decretos-lei, que seriam aprovados ou rejeitados.

Foi a medida provisória italiana a fonte para a adoção da medida provisória pelo

constituinte brasileiro de 1988. A Constituição italiana de 1947, em seu artigo 77, abaixo

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transcrito, refere-se à figura da medida provisória com força de lei como provvedimenti

provvisori com forza di legge.

Art. 77 O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar decretos que tenham valor de lei ordinária. Nos casos extraordinários de necessidade e de urgência, o Governo poderá adotar, sob sua responsabilidade, medidas provisórias com força de lei. Deve, contudo, apresentá-las no mesmo dia para apreciação das Câmaras que, mesmo dissolvidas, são convocadas e devem reunir-se dentro de cinco dias. Os decretos perdem o seu poder legal desde o início, se não convertidas em lei no prazo de sessenta dias a partir de sua publicação. As Câmaras podem, contudo, regulamentar com relações jurídicas surgidas na base dos decretos não convertidos em lei.

Para Raul Machado Horta15 “há distinção entre norma e provvedimenti, esta última

significando ato particular e concreto, sendo, portanto um termo usado para indicar

provisoriedade, o que elimina a idéia de seu uso para regular uma série indeterminada de

casos futuros”.

Por essa razão, a Constituição italiana não empregou a palavra norma, pois, se assim o

fizesse, implicaria em douradora aplicação no tempo. Ainda segundo Horta16, como fonte,

temos a seguinte posição:

O modelo italiano projetou-se no Projeto de Constituição da Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte de nosso País, sob a Presidência do Senador Afonso Arinos de Mello Franco, que adotou o regime parlamentar de governo e a ele incorporou as medidas provisórias, com força de lei, reduzindo a técnica recolhida do modelo parlamentar italiano.

2.2 O regime jurídico-constitucional das MPs

As medidas provisórias brasileiras têm por objeto matérias que podem ser reguladas

por lei ordinária, diferentemente das leis delegadas (art. 68 § 1º da CF/88) pelas quais o

15 HORTA, Raul Machado. Medidas Provisórias. Revistas de Informações Legislativas, n. 107. 16 HORTA, Raul Machado. op. cit.

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Legislativo autoriza o Chefe do Poder Executivo, através de Resolução do Congresso

Nacional, especificando o seu conteúdo e os termos de seu exercício, com limitações impostas

pela Carta Magna.

Zeno Veloso17, para quem a medida provisória tem por objeto matérias que podem ser

reguladas por lei ordinária, traz contribuição expressiva sobre este instituto:

Embora não tenha a Constituição limitado, expressamente, o conteúdo material das medidas provisórias – e se trata de uma omissão gravíssima, indesculpável –, não se pode concluir, só por esta verificação gramatical – e superficial – que possa o Presidente da República editar medidas provisórias sobre qualquer matéria. Quem interpretar a Carta Magna com lógica, visão de conjunto e preocupação sistemática, tendo presente o princípio democrático e a segurança jurídica, enxergará, inexoravelmente, limitações constitucionais implícitas para a atuação, neste campo, do Poder Executivo.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001 parece que buscou criar limites

e competências, nos moldes do que prevêem as leis delegadas. Veja-se o artigo 68, § 1º, da

CF/88, que estabelece que não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do

Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal, matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

a) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de

seus membros;

b) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;

c) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Se há rigor e limites na regulamentação de leis delegadas que é uma forma

constitucional de atribuição por delegação de competência legislativa ao Poder Executivo,

adotada e de uso comum em muitos países, por que não se retirar a medida provisória de

17 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 143-146.

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nossa sistema constitucional, a qual que tem por objeto matérias que podem ser reguladas

através de lei ordinária?.

Para Clélio Chiesa18 as medidas provisórias demonstram-se inadequadas ao sistema

governamental estabelecido pela Constituição, sabidamente elaboradas para o sistema

parlamentarista de governo, confrontam o sistema presidencialista , tornando-se uma pedra de

tropeço no caminho da harmonia entre os Poderes, cujas funções são diversamente exercitadas

no Presidencialismo, de marcada independência de cada qual das funções estatais.

2.3 As Medidas Provisórias nos Estados

Das vinte e sete Constituições Estaduais e Distrital, poucas trazem a previsão de

edição de medidas provisórias. Dentre essas Cartas Estaduais que atribuem ao Chefe do Poder

Executivo a faculdade de editar medidas provisórias, temos as de Tocantins (artigo 27, § 3º),

de Santa Catarina (artigo 51), do Acre (artigo 79) e do Piauí (artigo 75, § 3º).

A doutrina não dominante, representada por Hely Lopes Meireles e José Nilo de

Castro, entende que o instituto das medidas provisórias pode ser adotado pelos Estados. A

eles, soma-se Antonio Roque Carrazza19

nada impede, porém, que exercitando seus poderes constituintes concorrentes, os Estados, Municípios e Distrito Federal, respectivamente, prevejam a edição de medidas provisórias mutatis mutandis, devem ser aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias federais.

18 CHIESA, Clélio. Medidas Provisórias (Regime Jurídico-Constitucional). 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. p. 14 19 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 157

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Carrazza20, na mesma obra, assim arremata

A partir do federalismo, chega-se à conclusão de que seja admissível a edição de medidas provisórias, obedecidos os pressupostos constitucionais por Estados e pelo Distrito Federal”. [...] O desaparecimento da vedação constitucional aos Estados de editarem decretos-lei, constante da Constituição anterior, é outro argumento ponderável.

A jurisprudência sobre medidas provisórias estaduais, do Supremo Tribunal Federal,

considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal como

modelos obrigatórios às Constituições Estaduais.

E o exemplo, recente, atual, é a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2391-8, de

13.08.2003 (medida liminar), Rel. Min. Ellen Gracie, proposta contra o artigo 51, §§ 1º, 2º e

3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, com a seguinte decisão: “As medidas

provisórias perderão a eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de

trinta dias a partir de sua publicação, devendo a Assembléia Legislativa disciplinar as relações

jurídicas delas decorrentes”. Destaque-se, por ser fundamental, a parte final da decisão

proferida na citada ADIn

É vedada a edição de medida provisória sobre matéria que não possa ser objeto de lei delegada. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória não deliberada ou rejeitada pela Assembléia Legislativa.

Como no caso da medida provisória federal, a estadual também é objeto passível de

crítica, pelo fato de que o Executivo, em nome do Estado Social, venha interferindo cada vez

mais abusivamente na seara do Poder Legislativo. E a grande preocupação está por conta de

que algumas Constituições Estaduais têm previsão de edição de medidas provisórias, embora,

na prática, pouco ainda tenha sido usado esse instrumento. Verifica-se que somente o

Executivo Federal, utilizando-se do instituto das medidas provisórias macula a harmoniosa

20 CARRAZA, op. cit, p. 159

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relação entre os poderes. Imagine-se o que aconteceria se os vinte e sete (27) governantes dos

Estados e do Distrital Federal também pudessem editar medidas provisórias?

O certo é que, considerando a média de sessenta e cinco MPs federais editadas

anualmente e hipoteticamente admitindo-se que os Governadores não seriam vorazes na

adoção desse instituto, teríamos o número anual de 1.775 MPs estaduais, o que já seria

suficiente para entulhar os tribunais dos Estados com pedidos de declaração de

inconstitucionalidade, especialmente em razão das questões políticas regionais, bem mais

acentuadas e palpáveis de acordo com as características de cada região.

É uma questão para reflexão, pois a adoção de medidas provisórias pelos Estados

pode sim ser motivo de preocupação, principalmente se forem considerados os abusos

cometidos pelo Executivo Federal nessa questão, quando, por exemplo, edita medidas

provisórias sem o timbre da urgência e da relevância.

Crê o autor que as questões da governabilidade e do Estado Social, embora atinentes

ao Poder Executivo, poderiam sim ser antes submetidas ao crivo de um Legislativo ágil e

cônscio de suas reais atribuições, tanto na esfera estadual como na federal.

Sob esses aspectos, o certo é que nenhum argumento deve ser base para a mitigação

ou supressão da separação dos poderes. Evocando questões de relevante interesse nacional

como justificativa para o Executivo adquirir poderes extraordinários de legislar, enfraquece-se

o freio desta função, desatando as amarras jurídicas que dificultam o surgimento de governos

autoritários.

Cada Poder deve ficar adstrito ao cumprimento de suas atribuições específicas, quais

sejam, executar, legislar e julgar, respeitados os contornos e os limites de intromissão

definidos como checks and balances.

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2.4 Arbitrariedade do Executivo ou inércia do Legislativo?

As questões que mais merecem a atenção dos estudiosos do direito, no tema objeto

desta dissertação, dizem respeito às reedições das medidas provisórias que aconteciam antes

da EC nº 32/2001 e suas atuais numerosas e abusivas edições, fato que tem levado os juristas

brasileiros a questionar os aspectos da urgência e da relevância dessas medidas, fundamento

utilizado pelo Chefe do Poder Executivo Federal para adotá-las.

Quando ainda eram possíveis as reedições de medidas provisórias, anteriormente à

vigência da EC nº 32/2001, buscava-se uma segunda via, uma alternativa lógica, para os

assuntos tratados por medida provisória, sem que a doutrina oferecesse uma proposta objetiva.

A referida emenda não atingiu o seu objetivo, hoje é um instrumento impotente para

conter a fúria do Executivo em editar medidas provisórias, daí porque apontamos os §§ 1o e 2o

do artigo 64 da Constituição Federal como alternativa para a apresentação de matérias de sua

iniciativa porque também permite ao Executivo pedir urgência para projeto de lei ordinária,

procedimento que igualmente trata das medidas provisórias, sem a mácula de intromissão no

Legislativo e sem as críticas da sociedade organizada.

Neste caso, o texto constitucional apontado determina que, se Câmara dos Deputados

e o Senado Federal não se manifestarem sobre a propositura, sucessivamente, em até quarenta

e cinco dias, esta é incluída na Ordem do Dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais

assuntos, para que se ultime a votação.

Assim, a adoção dos §§ 1º e 2º do artigo 64 da CF/88, para a apreciação de projetos de

leis com pedido de urgência, poderia ser o caminho mais apropriado para o universo de um

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Estado Democrático de Direito, assentado no artigo 1o de nossa Carta Magna, e com respeito

ao princípio da tripartição dos Poderes, previsto no artigo 2o do texto constitucional.

Note-se que o artigo 64, além de ser instrumento compatível com o Estado

Democrático de Direito, no caso de o Congresso Nacional não se manifestar sobre os projetos

do Executivo timbrado com pedido de urgência no prazo do §2º, serão sobrestadas todas as

demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo

constitucional determinado, até que se ultime a votação. Noutras palavras, os projetos terão

votação preferencial sobre todas as outras iniciativas. No caso das MPs, além de se

constituírem instrumento de indevida intromissão no Legislativo, não se manifestando o

Congresso Nacional no prazo do § 6º, do art. 62, ficam sobrestadas todas as demais

deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando, sem exceção. Aqui ocorre o

“trancamento das pautas”, objeto de críticas da imprensa.

Por esse modo de compreensão, com a utilização da norma constitucional proposta,

poder-se-ia banir do nosso sistema jurídico constitucional o desnecessário instituto das

medidas provisórias. Assim, o inciso V do artigo 59 e a integralidade do artigo 62 de nossa

Carta Política seriam letras mortas.

Entretanto, mesmo em vigor, a Emenda Constitucional nº 32/2001, observa-se, a cada

ano, um aumento do uso de medidas provisórias apresentadas pelo Presidente da República. O

Jornal do Senado nº 1.989, de 16.08.2004, editado em Brasília, traz a manchete “Senadores

apontam excesso de Medidas Provisórias como entrave à ação do Congresso”, que mostra

que o trancamento das agendas de votações por medidas provisórias não convertidas em leis,

tornou-se uma prática freqüente desde 2001, quando entrou em vigor a Emenda

Constitucional nº 32 prevendo que a MP não examinada até quarenta e cinco dias depois de

sua edição, passa a obstruir as votações na Casa legislativa em que esteja tramitando.

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Dessa matéria veiculada pelo Jornal do Senado, tem-se o depoimento do presidente

da Comissão de Constituição e Justiça, senador Edison Lobão, revoltado porque o Presidente

da República abusa da prerrogativa de editar Medidas Provisórias. Para o senador Magno

Malta, o governo tem demonstrado falta de respeito com o Congresso. Os membros do

Congresso Nacional, por mais atrelados que estejam ao governo, reclamam urgentes

mudanças no processo de votação das medidas provisórias.

Ainda sobre a questão, vale ser mencionado um texto do então senador Fernando

Henrique Cardoso extraído do artigo Constituição e Prepotência que ele assim destacou no

jornal A Folha de São Paulo, p. 2, datado de 07.06.1990:

O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país, quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata. O Plano Econômico (Collor) vai por água abaixo, e, com ele, o combate à inflação. Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de medidas provisórias. O resultado lamentável: a Câmara e o Senado nada mais fazem que apreciá-las aos borbotões. É certo, porém que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no País só existe um Poder de verdade, o do Presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em democracia.

O resto da história todos sabem. Na Presidência da República, de 1994 a 2002,

Fernando Henrique Cardoso, somente no seu primeiro governo, apresentou 217 medidas

provisórias, que tiveram 2.705 reedições.

Por essas paradoxais atitudes dos Chefes do Executivo, que antes de chegarem à

Presidência da República eram visceralmente contra a adoção de medidas provisórias, somos

levados ao seguinte questionamento: é o chefe do Executivo arbitrário ou é o Legislativo que

é omisso?

Examinando a história política brasileira, a resposta mais apropriada seria a de que

ocorrem as duas situações, com uma maior crítica ao Poder Executivo pelo conteúdo

densamente político na adoção desse instituto.

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2.5 Os pressupostos de edição

No exame do texto constitucional, não é difícil perceber que a edição das medidas

provisórias pelo Presidente da República ficou condicionada à presença indispensável de dois

pressupostos: a relevância e a urgência.

Nesse aspecto, nenhuma dúvida subsiste entre os especialistas: quer a denominação

seja a de pressupostos, quer seja a de condições, o certo é que a relevância e a urgência se

enquadram perfeitamente num e noutro caso. Ou seja, tanto é possível dizer que a edição de

medida provisória pressupõe a sua ocorrência, como também não será errôneo afirmar que a

edição está condicionada à sua presença.

Manuel Gonçalves Ferreira21 , por exemplo, deixa bem claro que, em relação às

medidas provisórias, “tal poder é condicionado pela ocorrência de relevância e urgência”.

Pinto Ferreira Filho22 , por seu turno, consigna: “A edição das medidas provisórias está

condicionada pela existência de pressupostos constitucionais de caráter positivo, quais sejam

a relevância e a urgência”, cuja inobservância deslegitima a validade da medida provisória”.

Em última análise, não se pode deixar de concluir que, para a legitimidade da edição

desses atos especialíssimos, é imprescindível que a situação fática tenha essas duas

características inafastáveis, quais sejam, a relevância e a urgência.

Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em seu Dicionário da Língua Portuguesa,

editado pela Nova Fronteira em 1999, “relevância” provém de relevo, significa importância e

“urgência” tem o significado de necessidade imediata, de situação de emergência.

21 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 234. 22 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 288. Vol. 3.

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Em outras palavras, haverá relevância quando o assunto tratado pela medida

provisória for de grande importância para o Estado e, logicamente, revestido de muita

seriedade. Por outro lado, ocorrerá urgência quando a disciplina do assunto for de tal modo

premente e necessária que não poderá aguardar o lerdo e burocrático processo legislativo

comum.

Tais pressupostos, logo se vê, são cumulativos e não alternativos. Para que a medida

provisória seja legítima e constitucional, é preciso que a situação fática geradora do ato seja

ao mesmo tempo relevante e urgente. E daí logo podemos asseverar que se a situação for

apenas relevante, mas não urgente, ou, ao contrário, se for apenas urgente, mas não relevante,

o Presidente não terá legitimidade para editar a medida provisória. Se o fizer, estará atuando

de forma inconstitucional por inobservância do artigo 62 da Lei Maior.

2.6 A idéia de “relevância” e “urgência”

Os pressupostos de relevância e urgência, necessários à edição das medidas

provisórias, conforme o art. 62 da Constituição, configuram-se indiscutivelmente como

vocábulos que expressam conceitos jurídicos abertos. Não é difícil perceber o motivo. A

relevância e a urgência são valoradas de forma diversa conforme o intérprete, de modo que o

que é relevante e urgente para um poderá não o ser para outrem. E o intérprete processará a

interpretação em conformidade com a ótica que tiver sobre a situação fática a ser considerada,

tendo-se que admitir, por conseguinte, o necessário caráter de variabilidade da valoração.

Aliás, conjugando-se os dois fatores, poder-se-ão obter quatro valorações diferentes:

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1ª) o intérprete entende presentes a relevância e a urgência;

2ª) considera que essa ou aquela situação se reveste de relevância, mas não de

urgência;

3ª) pode, ao revés, considerar a mesma situação como de urgência, mas não de

relevância; e

4ª) pode, enfim, entender que não há nem relevância nem urgência.

Conseqüência inevitável da variabilidade dos juízos de valor sobre os conceitos de

conteúdo impreciso reside na necessidade de que o ordenamento jurídico indique o agente

estatal responsável pela valoração. Significa que a função de avaliar os critérios constitutivos

do conceito é atribuída a determinado ou determinados agentes. A estes incumbirá, num

processo de avaliação da situação fática a ser considerada, e tendo sempre em mira o interesse

público (que, em última análise, é fator inafastável pelos agentes do Estado em qualquer

situação), externar a interpretação da mesma situação e extrair dela os efeitos que a ordem

jurídica autoriza.

Como a competência para fixar o juízo de valor pertence ao agente determinado,

prévia e expressamente pelo ordenamento jurídico, pode dizer-se que a exteriorização que

resulta de sua interpretação constitui manifestação de vontade dotada de supremacia, por isso

que autorizada pelo ius positum. Podemos mesmo caracterizá-la como vontade estatal

dominante, porquanto, em princípio, todas as demais vontades que resultarem do processo de

valoração da mesma situação fática levada a cabo por outras pessoas restarão em nível de

subordinação à vontade autorizada na norma jurídica.

No caso das medidas provisórias, a Constituição é clara ao indicar o Presidente da

República como o agente que tem competência para manifestar a vontade estatal dominante.

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“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas

provisórias [...]”, é esse o texto constitucional previsto no art. 62 da Constituição.

Nele se verifica serem nítidas as linhas delineadoras do instituto. Primeiramente, os

pressupostos constituem conceitos jurídicos indeterminados, porque suscetíveis de valoração

subjetiva por parte do intérprete. Em segundo lugar, a atribuição específica para proceder à

valoração é do Presidente da República, e, se o é, não pode competir a ninguém mais senão a

ele. Por último, temos que, mesmo diante da valoração no sentido da existência da relevância

e urgência, o Presidente da República não está sujeito à obrigatoriedade de expedir a medida

provisória: “[...] poderá adotar [...]”, são as palavras da Constituição, e essas palavras, longe

de indicarem coerção para agir, refletem mera atuação facultativa.

Em virtude dessa atribuição privativa, outorgada ao Presidente da República, de

mensurar a relevância e urgência com vistas à edição de medida provisória, tem sido

levantada freqüentemente a indagação sobre se é juridicamente possível, ou não, submeter

essa avaliação ao crivo do Poder Judiciário.

2.7 O controle judicial das Medidas Provisórias

No seu trabalho sobre as medidas provisórias, Vera Cristina Gaspari Monteiro23 traz

opinião favorável ao controle jurisdicional sobre os pressupostos de relevância e urgência. Tal

controle, segundo o qual a urgência e a relevância, embora discricionárias, são absorvidas e

dissolvidas juridicamente no momento em que a medida é editada, sendo seu entendimento

23 MONTEIRO, Vera Cristina Gaspari. Medida Provisória: panorama doutrinária e jurisprudencial. Revista Trimestral de Direito Administrativo. n. 16, p. 141 e segs, 1996.

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afinado com o de Lúcia Valle Figueiredo, ambas admitindo o citado controle. Assim ela

discorre

se cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade das leis, emanadas do Legislativo, com mais razão, dada a excepcionalidade do poder conferido ao Presidente da República, pode constatar se aqueles pressupostos foram ou não verdadeiramente preenchidos, se aquela autoridade observou ou ultrapassou o balizamento determinado constitucionalmente.

A referida autora mostra ainda, sem divergir, que o Ministro José Celso de Mello

Filho, do Supremo Tribunal Federal, também sustenta que o Judiciário não teve subtraído o

poder de apreciar e até mesmo de valorar os requisitos constitucionais. Completa a relação,

trazendo idêntica opinião de Clève, para quem caberá ao Judiciário delimitar o alcance e a

caracterização da locução “relevância” e “urgência”.

Segundo Zeno Veloso24, o Brasil, desde a Constituição de 1891,

adota o modelo difuso de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e a declaração de inconstitucionalidade pode ser obtida por via de defesa ou de exceção, oponível perante qualquer juiz ou tribunal, desde que a questão da constitucionalidade seja relevante para a decisão do caso concreto, que tem efeito inter partes.

Paralelamente, temos o controle jurisdicional concentrado, por via de ação direta de

inconstitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal, destinada a alcançar a

declaração de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual

(artigo 102, inciso I, alínea a, da CF/88).

Como já foi dito, a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) é proposta perante o

STF, exclusivamente, que decide a questão em primeira e única instância e o controle de

24 VELOSO, Zeno. op. cit., p. 61

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constitucionalidade, em tese, é de competência privativa do órgão de cúpula do Poder

Judiciário, na qualidade de guardião da Carta Magna.

E medida provisória é alcançada por ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), cujo

processo está disciplinado na Lei nº 9.868/99.

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3 O PROCESSO LEGISLATIVO DAS MPs

Sabe-se que as monarquias absolutistas contribuíram de forma muito decisiva para o

desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, naturalmente que após muitos séculos de

sujeição do homem ao poder tirano dos governantes, consolidando o pensamento sobre a

necessidade de regras claras tanto para o poder do Estado quanto para a responsabilidade dos

governantes. Estabeleceu, assim, regras sobre os direitos dos homens e a criação de

instrumentos capazes de garantir a efetividade desses direitos, imprescindíveis para a defesa

dos cidadãos das injustiças praticadas pelas autoridades públicas.

Em razão desses fatos surge o constitucionalismo, movimento resultante do ideário da

Revolução Francesa que teve por objetivo limitar o poder do Estado e garantir direitos

individuais através de um conjunto de normas e é aí que nasce o Estado Democrático de

Direito para, além de uma concepção meramente formalista, garantir a concretização das

aspirações humanas de convivência pacífica e de justiça social, contribuindo sobremaneira

para a realização desses objetivos a teoria defendia por Montesquieu.

Segundo o princípio da separação de Poderes, o equilíbrio entre o poder soberano do

Estado e os direitos individuais estaria devidamente assegurado se o exercício das três funções

estatais (legislativa, executiva e jurisdicional) estivesse a cargo de órgãos distintos e

autônomos25.

25 O art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos e nem determina a separação dos Poderes, não tem Constituição”.

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Na verdade os três Poderes constituídos do Estado ficam limitados por um conjunto

de normas constitucionais, não havendo validade em regras ou procedimentos que

desrespeitem a Constituição. Há limites impostos a cada um dos Poderes e o próprio texto

constitucional estabelece controles no exercício do poder estatal. Na Constituição existem

mecanismos que consagram um “sistema de freios e contrapesos”, ou o “checks and

balances” na doutrina americana, de modo que todo o ordenamento jurídico trabalhe na

defesa do bem comum, respeitando os princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça

social.

Especificamente no caso brasileiro, a Assembléia Nacional Constituinte promulgou a

atual Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, o poder constituinte originário

é o poder inicial, autônomo, ilimitado e incondicionado de fazer uma Constituição para um

país.

Para tanto, o poder constituinte originário destinou o monopólio da criação das

normas jurídicas ao Poder Legislativo, função estatal cujo exercício ficou a cargo do

Congresso Nacional, que é órgão independente e autônomo, composto pelas duas Casas

Legislativas (Câmara dos Deputados e o Senado Federal), formando, assim, um sistema

bicameral de produção de leis, com atuação fixada pela Carta Magna que enumera sete

espécies principais de normas a serem produzidas pelo Estado e apreciadas pelo Poder

Legislativo: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas,

medidas provisórias, resoluções e decretos legislativos.

O bicameralismo é um sistema em que as duas Casas representativas manifestam-se

sobre a elaboração de uma lei. No texto constitucional vigente, a função de legislar é dividida

entre essas duas Câmaras do Congresso Nacional e, portanto, para a elaboração válida das leis

tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal devem deliberar sobre a matéria e

concordar com o texto ao final produzido. Noutras palavras, a efetividade do sistema

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bicameral pressupõe necessariamente o funcionamento de cada uma das Casas Legislativas,

mesmo considerando a existência de Regimentos Internos com a descrição e procedimentos a

serem observados no desenvolvimento dos trabalhos legislativos e administrativos de

Deputados e Senadores.

O processo legislativo bicameral adota a forma da sessão separada, isto é, a Câmara

dos Deputados e o Senado decidem em dias, locais e horários diferenciados, naturalmente de

cada um em seu respectivo Plenário, sobre matérias postas ao exame do Legislativo.

Entretanto, no texto constitucional há a previsão de “sessão conjunta” do Congresso

Nacional (prevista desde a Constituição de 1934), que nada mais é do que a reunião de

Deputados e Senadores para deliberação em um mesmo Plenário, juntos em um mesmo dia e

horário, sobre determinada matéria determinada na pauta. Mesmo a despeito da sessão

conjunta, é mantida a autonomia das duas Casas e no momento da votação, ou seja, a da

deliberação das matérias, Deputados e Senadores votam separadamente e após a proclamação

do resultado, conforme o caso, será realizada a votação pelos membros da outra Casa.

Disciplinando os trabalhos conjuntos, comuns às duas Casas Legislativas, surge uma

outra norma no âmbito do Congresso Nacional, isto é, o Regimento Comum, originalmente

aprovado pela Resolução nº 1/1970, do Congresso Nacional, bem como por outras Resoluções

conexas. As regras do Regimento Comum disciplinam as reuniões concomitantes entre os

Deputados e os Senadores, com votação em separado por Casa, ficando também estabelecido

que o Congresso Nacional poderá ser convocado fora do período das sessões legislativas

ordinárias (de 15 de fevereiro a 15 de dezembro de cada ano), desde que o seja pelo

Executivo, para deliberar especificamente sobre pauta predeterminada., inclusive nos casos de

decretação de estado de defesa ou de estado de sítio.

É importante esclarecer que o processo legislativo relativamente à edição de medidas

provisórias, especialmente após a promulgação da EC nº 32/2001, funda-se na Resolução

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Legislativa nº 01/2002 (Regimento Comum das duas Casas Legislativas) que objetiva

delimitar a edição de medidas provisórias e garantir a prontidão na apreciação pelo Congresso

Nacional.

A não deliberação da Comissão Mista prejudica a uniformização da apreciação dos

pressupostos constitucionais, o que, pela delonga, traz danos ao processo legislativo e

desordem no ordenamento jurídico.

O efeito prático apenas mitiga com relação á nossa pretensão de retirar tal instituto do

sistema constitucional brasileiro. A Medida Provisória nº 28, por exemplo, foi rejeitada por

inconstitucionalidade material, mas produziu efeitos durante três meses a partir de sua edição.

A rejeição se deu por unanimidade da Câmara dos Deputados por se tratar de Processo Penal,

matéria vetada no art. 62, §1º, I, b, da CF/88.

Por outro lado, a MP nº 44 confirma a necessidade da Comissão Mista (das duas

Casas Legislativas). Esta foi editada e publicada no DOU de 26.6.2002, aprovada na Câmara

dos Deputados. Em 12 de novembro do mesmo ano, o Senado Federal a rejeitou, por ausência

dos pressupostos da urgência e da relevância, embora tenha produzido efeitos imediatos. O

mesmo também aconteceu com as MPs nºs 42 e 62, que embora publicadas, foram rejeitadas

pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados.

Especificamente no episódio da MP nº 62, que mesmo rejeitada pela Câmara dos

Deputados foi convertida em Projeto de Lei de Conversão, PLV nº 27/2002, este

integralmente rejeitado pelo Senado Federal.

O texto provisório do Executivo, somente após cinco meses da data de sua edição, foi

decidido pelo Congresso Nacional, demonstrando que este abdicou, mais uma vez, do poder

de frear o abuso nas edições das medidas provisórias.

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4 QUESTÃO INTRIGANTE, PREJUDICIAL E INCONSTITUCIONAL

Medidas provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro objetiva

sim oferecer uma posição crítica, especialmente no que se refere ao acentuado e desnecessário

uso desse instituto, muitas vezes utilizado sem o timbre da urgência e da relevância, fato que,

num primeiro plano, o macula de inconstitucionalidade formal. O assunto intriga pela forma

abusiva como o Poder Executivo vem editando as medidas provisórias. Para demonstrar esta

afirmação basta a indicação dos governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (de

01.01.1995 a 31.12.2002) e um pouco mais da metade do de Luiz Inácio Lula da Silva (de

01.01.2003 a 01.05.2005) que editaram 213 Medidas Provisórias, apesar das limitações

contidas no artigo 62, introduzidas com a promulgação da EC nº 32/2001 que veda edição de

medida provisória relativa, entre outras matérias, a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de

seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos

adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º.

Além das vedações do artigo 62 da Constituição Federal, com as alterações

introduzidas pela EC nº 32/2001, que trouxe um bom número de proibições para a edição de

medidas provisórias, há, ainda, a vedação do artigo 246, da CF/88, que proíbe tais espécies

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normativas com a finalidade de regulamentar os artigos 170, 171, 176 e 178 de nossa Carta

Política, conforme redação das Emendas Constitucionais nºs. 06 e 07, ambas de 16.08.1995.

Em certo momento do nosso estudo, até vislumbramos a idéia da limitação do número

de medidas provisórias por período legislativo. Esta idéia feneceu pela desconfiança que a

sociedade tem dos políticos, quer pela falta de independência de uma boa parte deles, quer por

seus comprometimentos pessoais com o Poder Executivo.

Vencida a primeira hipótese, o desenvolvimento do trabalho aponta para a

desnecessidade do uso das medidas provisórias no sistema constitucional brasileiro e indica

um caminho lógico e sem os incômodos trancamentos das pautas do Congresso Nacional,

como vem acontecendo nos últimos cinco anos.

Ver-se-á, no decorrer deste estudo, que, no contexto do Direito Constitucional, há a

indicação de um meio capaz de retirar as medidas provisórias de nosso sistema jurídico-

constitucional, caso o Chefe Executivo da União adotasse o art. 64, §§ 1º e 2º, da Carta

Política, que prevê a solicitação de urgência para os projetos de lei de sua iniciativa.

A prejudicialidade e a inconstitucionalidade devem ser aspectos obrigatórios a serem

abordados por quem se dispuser a fazer uma construção dogmática a respeito das fronteiras e

implicações decorrentes da aplicabilidade das medidas provisórias. Aurélio, em seu

Dicionário da Língua Portuguesa, define prejudicialidade como qualidade ou caráter de

prejudicial.

Sob o prisma processual civil, ela ocorre como situação decorrente da impossibilidade

de se apreciar um objeto processual, dependente, sem interferir na análise de um outro e nesse

sentido de dependência só tem razão de ser perante ações em que o desfecho de uma pode ser

suscetível de inutilizar os efeitos pretendidos na outra (definição encontrada no AC do STJ de

28/5/1991, in BMJ 407-455).

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A prejudicialidade refere-se à hipóteses de objetos processuais que são antecedentes

da apreciação de um outro objeto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa.

Por isso ela tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objetos

processuais simultaneamente pendentes em causas diversas.

No processo legislativo e especificamente sobre a prejudicialidade das medidas

provisórias, Juliana Carla de Freitas Valle26 informa que “prejudicialidade é a declaração do

Poder Legislativo durante as deliberações de uma matéria para determinar a perda de

oportunidade de apreciação. A declaração final de prejudicialidade implica arquivamento da

matéria”.

Um exemplo prático de prejudicialidade no instituto das medidas provisórios ocorreu

no episódio da MP nº 62, que rejeitada pela Câmara dos Deputados, foi convertida no PLV nº

27/2002. A referida medida provisória foi declarada prejudicada.

Por outro lado, inconstitucionalidade significa não estar de acordo com a

Constituição, apenas para expressar uma singela definição. E medidas provisórias sem os

requisitos da urgência e da relevância são inquestionavelmente inconstitucionais.

Para Clemerson Melin Cléve27 , cabe ao Poder Judiciário delimitar o alcance e a

concretização da locução “urgência e relevância”. Também, para Vera Cristina Gaspari

Monteiro28, que em seu trabalho apresenta uma resenha completa dos opinamentos favoráveis

ao controle jurisdicional acerca dos requisitos de urgência e relevância. O mesmo autor assim

se posiciona

26 VALLE, Juliana Carla de Freitas do. Medidas Provisórias: o procedimento legislativo e seus efeitos jurídicos. Brasília: FDK, 2004. p. 70. 27 CLÉVE, Clémerson Melin. As Medidas Provisórias e a Constituição Federal de 1988. Curitiba: Juruá, 1991. p. 48 28 MONTEIRO, Vera Cristina Gaspari. op.cit., p.141

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Se cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade das leis, emanadas do Legislativo, com mais razão, dada a excepcionalidade do poder conferido ao Presidente da República, pode constatar se aqueles pressupostos foram ou não verdadeiramente preenchidos, se aquela autoridade observou ou ultrapassou o balizamento determinado constitucionalmente.

Por essa linha de raciocínio, o Poder Judiciário não teve subtraído o poder de apreciar

e até mesmo de valorar os requisitos constitucionais (a urgência e a relevância). Na verdade

nem poderia ser diferente, pois o artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88, diz: “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É ele que decide sobre controle de

constitucionalidade (concentrado ou abstrato).

E o controle de constitucionalidade de lei federal ou ato normativo federal, aqui

compreendidas as medidas provisórias, compete ao Supremo Tribunal Federal, conforme

disposição contida no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal.

O processo do controle de constitucionalidade acha-se regulamento pela Lei nº 9.868,

de 10 de novembro de 1999, que “dispõe sobre o julgamento da ação direta de

inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo

Tribunal Federal”.

4.1 A amplitude das Medidas Provisórias

O exame do assunto enfocado pretende identificar e mostrar com maior profundidade

o funcionamento do processo de produção de medidas provisórias pelo Executivo Federal e,

no âmbito dos Estados, com menor ênfase, porque poucas Constituições Estaduais trazem a

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previsão de MPs. No campo das medidas provisórias estaduais, Carrazza 29 , assim se

posicionou:

nada impede, porém, que, exercitando seus poderes constituintes decorrentes, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal prevejam a edição de medidas provisórias, respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A eles, mutatis mutantis, devem ser aplicados os princípios e limitações.

A Constituição Federal, no artigo 62, atribui ao Presidente da República a

competência para a edição de medida provisória, atendidos os pressupostos de urgência e

relevância, sendo um instrumento absolutamente excepcional no âmbito do processo

legislativo, que por esse caráter deve ser interpretado com a máxima restrição. Sob essa

perspectiva, vem a indagação se os Estados podem editá-las. A doutrina nacional entende que

não. Michel Temer30 tem esse entendimento e assim se manifestou: “as medidas provisórias

só podem ser editadas pelo Presidente da República, não podendo adotá-las os Estados e os

Municípios”.

Com previsão no artigo 59, inciso V, da vigente Constituição Federal, a medida

provisória, na verdade é uma espécie normativa que, em nosso sistema, substituiu o decreto-

lei utilizado durante os regimes de exceção. Estabeleceu-se, assim, a possibilidade de o

Presidente da República adotar, em caso de urgência e relevância, medida provisória com

força de lei, na forma constitucionalmente disposta no artigo 62 e com a previsão de que estas

medidas devem ser submetidas de imediato à apreciação do Congresso Nacional, implicando

a sua não conversão em lei, em quarenta e cinco dias, na perda da eficácia, desde a sua edição

(art. 62, § 6º, da CF/88).

29 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 153. 30 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 152.

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Como antes se comentou, a medida provisória resulta do exercício, pelo Presidente da

República, de competência constitucional extraordinária e representa a expressão concreta de

um poder cautelar geral deferido ao Chefe do Poder Executivo da União, não sendo fruto de

delegação legislativa, mas um poder originário de legislar em situações excepcionais

conferido pelo Poder Constituinte Originário e condicionado apenas às hipóteses e nos limites

impostos pela própria Constituição.

O uso de medidas provisórias, na quantidade e na forma como atualmente ocorre,

escudado em interesse político nem sempre perceptível pela sociedade, tem um tratamento

crítico neste trabalho porque além de abusivas, muitas delas vêm ao nosso mundo jurídico

sem o comprovado timbre da urgência e relevância.

Também neste capítulo, pretendemos demonstrar que o uso excessivo de medidas

provisórias indicam conseqüências institucionais preocupantes, como a quebra do sistema de

tripartição de poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna de 1988. Nos Estados

Democráticos de Direito o poder de legislar pertence privativamente ao Parlamento, inclusive

no caso de procedimentos provisórios. E isto decorre diretamente da titularidade do poder

conferida pelo povo e ao povo, do qual os Deputados são representantes por força do voto.

Esse é o sistema que vigora no Brasil, conforme está disposto no artigo 1º e seu parágrafo

único, da denominada Constituição Cidadã.

O que deve preocupar a todos é a apropriação institucional desta função pelo Poder

Executivo, que ocupando indevidamente um espaço constitucionalmente reservado ao

Congresso Nacional, provoca distorções de caráter político-jurídico e nos leva a dizer que o

Governo Federal, não satisfeito com as suas funções executivas, apoderou-se das legislativas

e, o que é mais grave, vem procurando minimizar a atuação do Poder Judiciário, como

aconteceu com a edição da MP nº 1507/96, que condicionou a concessão de liminares à

prestação de caução. O que se tem visto é que a divisão dos poderes políticos no Brasil parece

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ter uma feição bipartida, pois o Poder Legislativo mostra sinais de inércia diante da usurpação

de sua mais importante atribuição, pelo Poder Executivo.

Não nos limitamos às criticas ao Chefe do Poder Executivo pelo demasiado número

de edições de medidas provisórias, conforme quadro das MPs Editadas apresentado no item

11.1 da presente dissertação. Oferecer-se-á, também, uma alternativa – ponto central do

trabalho – ou seja, a adoção dos §§ 1º e 2º, do artigo 64, da CF, que assegura ao Presidente da

República urgência para a apreciação de projetos de sua iniciativa.

Como instrumental mais eficiente do que o instituto das medidas provisórias, o artigo

64, em seus §§ 1º e 2º do art. 64, sem os resquícios de regime arbitrário e sem a grita dos

parlamentares e da sociedade organizada, poderá se constituir num dispositivo capaz de retirar

as desnecessárias medidas provisórias do nosso sistema constitucional.

4.2 Críticas e sugestões

O presente trabalho decorre de leitura da farta bibliografia escolhida e de artigos

correlatos ao tema, adotando-se posicionamento sob o prisma da dogmática do direito,

recheado de críticas à abusiva utilização de edições de medidas provisórias, pelo Executivo

Federal, porque evidente a usurpação das atribuições próprias do Legislativo, ao argumento

de que o Estado moderno deve ser mais ágil para ter governabilidade.

Exemplos de grave intromissão do Poder Executivo temos as medidas provisórias nº.

1.507 de 19.07.1996 e nº. 2.226 de 04.09.2001. A primeira dispôs sobre a restrição na

concessão de medidas liminares em ações movidas por servidores públicos para obtenção de

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reajustes salariais e a segunda provocou problemas e dificuldades para os advogados que

militam na Justiça Federal.

Na MP nº 1.507, a concessão de liminar, nesse caso específico, estaria condicionada à

prestação de caução, garantia real ou fiduciária. A simples enumeração das conseqüências

advindas da aplicação dessa medida provisória torna evidente que ela se traduz restrição

abusiva à atividade do Judiciário, na tutela preventiva dos direitos e interesses postos sob sua

análise. A conseqüência da MP nº. 1.507, é a violação do art. 2º da Constituição Federal, que

assegura “serem os Poderes da União independentes e harmônicos entre si”.

O excessivo uso de medidas provisórias avança de modo preocupante porque estas

iniciativas constituem-se inaceitáveis intromissões noutros Poderes, como acontece com a MP

nº 2.226/2001 que em seu art. 3º agride o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa

julgada. Esta MP interfere na questão dos honorários de sucumbência de advogados em ações

promovidas contra a União, que em caso de existência de acordos implica a responsabilidade

de cada uma das partes pelo pagamento de honorários de seus patronos, mesmo que tenham

sido objeto de condenação com trânsito em julgado.

Doutro modo, mostra o atual processo da edição de medida provisória e como a não

transformação das mesmas em leis, no prazo assinado pela EC nº 32/2001, implica em

trancamento das pautas das sessões ordinárias do Congresso Nacional, que fica impedido de

prosseguir com as discussões, votações e aprovações das proposições a este submetidas.

Entretanto, o estudo não se limita a uma posição simplesmente crítica, aponta-se como

alternativa para esse número acentuado de edições, a adoção, pelo Presidente da República,

dos parágrafos 1º e 2º do artigo 64, da Constituição Federal, que lhe assegura poder solicitar

regime de urgência para a apreciação de projetos de sua iniciativa.

Como instrumental mais eficiente do que a medida provisória prevista no artigo 59, V,

da Constituição Federal, os dois primeiros parágrafos do artigo 64, impõem ao Congresso

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Nacional manifestação acerca do projeto de lei de iniciativa do Executivo Federal, dentro de

quarenta e cinco dias, sob pena de, não sendo analisada a proposição de inclusão desta na

ordem do dia, sobrestar-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a sua

votação.

4.3 Os Princípios Constitucionais

A Constituição Federal promulgada em 1988 é expressão legítima da vontade do povo

brasileiro e reflete o anseio de uma sociedade mais justa. O seu artigo 1º afirma que a

República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito, fundado

na dignidade da pessoa humana, abrindo espaço para o exercício da cidadania.

A Constituição é informada por princípios. Na lição de Celso Antonio Bandeira de

Mello31 princípio é

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

Entre os princípios que informam a Constituição, destacamos o princípio da

constitucionalidade, que exprime que o Estado Democrático de Direito se funda na

legitimidade de uma Constituição emanada da vontade popular, e o princípio da legalidade

31 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Os pressupostos das medidas provisórias e o controle judicial. Enfoque Jurídico, 6. ed., p. 27, abr/maio, 1996.

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(art. 5º, II) expresso como basilar do Estado e que submete todos à lei, mas, diga-se, da lei que

realiza o princípio da igualdade (art. 5º, I) e da justiça.

Encontramos ainda o princípio da ordem econômica e da ordem social referidos no

caput do artigo 193 e no artigo 170 respectivamente; o princípio da independência do juiz

(artigo 95), o princípio da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI e LXXIII) e o princípio da

divisão dos poderes expresso no artigo 2º, que procura ser uma forma de limitação ao uso do

poder, ao mesmo tempo em que separa as funções de legislar, administrar e julgar. Esse

princípio encontra-se presente no sistema constitucional brasileiro desde a proclamação da

independência, no art. 9º da Constituição Imperial de 1824, o que o torna fundamental no

ordenamento jurídico brasileiro. Remete-nos, assim, à Teoria da Tripartição dos Poderes,

devido à necessidade de separar o Poder Legislativo do Poder Executivo como forma de se

evitar a tirania.

Sabe-se que, quem detém o poder costuma não medir esforços para se manter nele,

bem como que o exercício do poder tende, naturalmente, a ultrapassar os limites estabelecidos

pela lei, cometendo-se abusos. Surge, então, a necessidade de uma constante alternância de

poderes no regime democrático.

O atual texto constitucional expressa no art. 2º que: “são poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No entanto, a

divisão desses poderes não é rígida, daí o Poder Constituinte ter criado um mecanismo de

exceção à separação dos poderes, expresso pelo art. 62, parágrafo único, a chamada Medida

Provisória.

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5 MEDIDAS PROVISÓRIAS: NORMAS E FORMAS

Em conformidade com o texto constitucional, o Constituinte Originário categorizou a

medida provisória como sendo uma espécie normativa e por isso mesmo apta a criar direitos e

obrigações. Todavia, num primeiro exame fica claro que mesmo estando previsto no artigo

59, inciso V, da Constituição Federal, não é lei. A força de lei que a medida provisória

adquire, após a sua regular publicação, mesmo como atributo de dispositivo legal não é

suficiente para torná-la lei, posição esta também defendida por Michel Temer 32 , nestes

termos: “Lei é ato nascido no Poder Legislativo o que se submete a um regime jurídico

predeterminado na Constituição, capaz de inovar originalmente a ordem jurídica, ou seja, criar

direitos e deveres”.

Como que fechando os olhos para a nossa realidade e como que fazendo tabula rasa

do texto constitucional, os governantes têm praticado verdadeiros despautérios no uso de

medida provisória, quando se vê que o mecanismo legiferante tem sido utilizado para

situações sem a urgência e, muito menos, sem a relevância, que são requisitos necessários, e

obrigatórios para sua adoção. Em alguns casos tem servido a propósitos nada elogiáveis para

coibir a concessão de liminares em processos judiciais, confiscar dinheiro do povo e suprir

direitos consolidados por legislações fartamente debatidas na sociedade civil organizada e no

Congresso Nacional.

Para haver lei, é vital a sua produção pelo Poder Legislativo. E este requisito falta à

medida provisória, porém, ainda assim, é capaz de criar direitos e deveres. Essa capacidade de

32 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 151

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criação de direitos e obrigações tem origem no fato de o constituinte ter permitido uma

exceção ao princípio doutrinário segundo o qual legislar incumbe somente ao Legislativo. É

fruto de vontade unipessoal, e não da representação popular como estabelece o parágrafo

único do artigo 1º da Constituição Federal vigente diz que “todo poder emana do povo”.

O certo é que a medida provisória, como espécie normativa definitiva e acabada,

mesmo possuindo um caráter temporário, está sujeita ao controle de constitucionalidade como

todas as demais leis e atos normativos. Este controle de constitucionalidade representa

também mais uma forma de limitação da medida provisória.

5.1 Natureza jurídica

Discorrendo sobre a natureza jurídica da medida provisória, convém registrar a

existência de alguns elementos valiosos para identificá-la de forma bem precisa, traçando-se

um limite de seu uso e de seus efeitos, pois isto representa um suficiente instrumento

hermenêutico.

O cerne central da discussão, quanto à natureza jurídica da medida provisória, reside

na dúvida quando de sua qualificação: ato administrativo, ato político ou lei? Marco Aurélio

Greco33 afirma que a medida provisória é apenas um ato administrativo, próprio do Executivo,

não configurando lei.

Para Joel de Menezes Niebuhr34 o fato da medida provisória não ser produto do Poder

Legislativo, embora impeça qualificá-la como lei em sentido formal, não é o bastante

33 GREGO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.14-15. 34 NIEBUHR, Joel de Menezes. O novo regime constitucional da Medida Provisória. São Paulo: Dialética, 2001. p. 81-82

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para justificar entendimento de que ela seja ato administrativo. Para ele a medida provisória

constitui espécie normativa que inova a ordem jurídica, revestindo-se dos atributos referentes

à generalidade e à abstração, que, tendo índole política, não pode ser considerado um ato

administrativo.

A corrente liderada por Clémerson Melin Clève entende que medida provisória é lei,

pois para ele lei não é apenas produto do Poder Legislativo. Nesse jogo dos contrários e dos

favoráveis a equiparação de medida provisória a lei, vale menção à posição de Celso Antonio

Bandeira Mello35, que aponta cinco objeções para tal caracterização, além do fato de que a

medida provisória não tem origem no processo legislativo.

Mesmo atenta à objeção apontada por Mello em sua obra citada, de que medida

provisória não é lei, o certo é que a doutrina majoritária firma-se no sentido de que a medida

provisória continua sendo qualificada como lei, mas como lei especial, peculiar, excepcional,

efêmera e precária, com efeito derrogatório ex tunc e pendente dos caracteres da urgência e da

relevância.

Diante disso e do disposto no artigo 62 da CF/88, surge a dúvida: a medida provisória

é lei ou apenas tem força de lei?. Interpretando com rigor esse dispositivo constitucional, a

medida provisória, na sua gênese, tem apenas força de lei. Submetida ao Congresso Nacional,

com as modificações introduzidas pela EC nº 32/2001 e após a sua conversão, a medida

provisória passa a ser lei quanto ao aspecto formal e material.

35 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. op.cit.

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5.2 Efeitos da extinção

A denominação de medida provisória exprime o seu caráter efêmero e precário, tendo,

portanto, uma curta duração. Assemelha-se a uma providência cautelar destinada a satisfazer

estado de necessidade legislativo consubstanciado em situação fática relevante e urgente. Em

qualquer hipótese, a medida provisória extingue-se, sendo convertida em lei ou não. Por isso

se diz que ela é provisória.

É importante frisar que o Constituinte conferiu à medida força de lei, atribuindo-lhe a

capacidade de inovar a ordem jurídica, criando, modificando e extinguindo direitos e deveres,

já a partir da data de sua publicação, como acontece com a lei produto do Poder Legislativo.

Em caso de a medida provisória colidir com leis anteriores, mesmo sendo efêmera e

precária, conquanto se revista de força de lei, não traz essa repercussão, mas cinge-se a

suspender a eficácia da legislação anterior. Dessa forma, uma lei somente pode ser revogada

por outra lei, jamais por medida provisória, por sua natureza jurídica diversa.

As normas prescritas em medida provisória somente agregam capacidade de revogar

legislação anterior quando convertidas em texto de lei através do procedimento de conversão,

ou seja, serão capazes de revogar lei quando deixam de estar previstas em medida provisória e

passam a fazer parte de outra lei, quando aprovadas pelo Congresso Nacional.

Em sendo implementada a conversão da medida provisória, seus efeitos se

estabilizam, deixando de ser efêmeros e precários, passando a integrar a ordem jurídica de

maneira ampla e sem restrições.

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Assim, os efeitos da não-conversão da medida provisória em lei, mantêm-se, em

regra, ex tunc, retroagindo à data de sua publicação, como se ela jamais tivesse existido. No

rigor lógico, por ser medida provisória, os seus efeitos não podem se assentar no tempo. Por

força disso, a não conversão da medida provisória em lei restaura a ordem jurídica

antecedente a ela, mesmo durante o seu período de vigência.

5.3 A posição da jurisprudência

Gilmar Ferreira Mendes36, quando exercia a Subchefia para Assuntos Jurídicos da

Casa Civil da Presidência da República, hoje Ministro do STF, disponibilizou artigo na

internet abordando o tema – controle de constitucionalidade das medidas provisórias – no

qual assim se posicionou:

Nenhuma dúvida subsiste sobre a admissibilidade do controle abstrato em relação às medidas provisórias. O Supremo Tribunal Federal tem concedido inúmeras liminares com o propósito de suspender a eficácias dessas medidas enquanto ato dotado de força normativa, ressalvando, porém, a sua validade enquanto proposição legislativa suscetível de ser convertida ou não em lei.

Mendes também foi enfático quando afirma:

Relevante, portanto, para o processo de controle de normas, não é saber se determinada medida provisória foi aprovada com alteração, mas sim se essas modificações alteram, substancialmente, o objeto da ação instaurada, de modo a afetar a sua própria existência.

36 MENDES, Gilmar Ferreira. O controle de constitucionalidade das Medidas Provisórias. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 2, jun./1999.

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Ao Supremo Tribunal Federal, por força das disposições contidas no artigo 102, da

CF/88, compete-lhe a guarda da Constituição. Por isso, é de sua competência o julgamento de

ações de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos. Logo, as medidas provisórias

também são passíveis de argüição de inconstitucionalidade.

Sobre o assunto, o entendimento majoritário das decisões do Pretório Excelso, é que

as medidas provisórias sem o timbre da urgência estariam eivadas de inconstitucionalidade.

Nesse sentido, a primeira ação de inconstitucionalidade examinada pelo STF, foi a ADInMC

nº 162-1/DF, de 14.12.1989, que admitiu o exercício da atividade jurídico-política, bem como

a possibilidade de análise de uma medida provisória quando configurado o abuso ou desvio de

poder.

No ano de 1990, por ocasião da ADInMC nº 293, o Tribunal Constitucional, liderado

pelo então ministro relator Celso de Mello, apontou, sinalizou, para a adoção de um papel

mais ativo em relação às medidas provisórias, demonstrando em diversos graus o interesse em

melhor analisá-las e limitá-las. Em seu vasto estudo esmiuçou o instituto e concluiu que:

“mesmo sendo o Presidente o árbitro inicial da conveniência, necessidade, utilidade e

oportunidade de seu exercício”, essa circunstancia não subtrairia “do Judiciário o poder de

apreciar e valorar, até, se for o caso, os requisitos constitucionais de edição das medidas

provisórias. A mera possibilidade de avaliação arbitrária daqueles pressupostos, pelo Chefe do

Executivo, constitui razão bastante para justificar o controle jurisdicional”.

Em outras inúmeras oportunidades, através de outras ações diretas, questionou-se a

existência desses pressupostos, porém o STF jamais foi além da mera previsão de seu

controle, conforme posição reiterada nas ADIns nºs. 1.130, 1.397 e 1647.

O certo é que, só após decorridos dez anos da promulgação da Constituição Federal,

foi finalmente feito na ADIn nº 1.753, de 16.04.1998, o efetivo controle, em sede de liminar,

ao fundamento da ausência de um dos pressupostos essenciais à medida, a urgência.

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A prática deformou o instituto, ao ponto do próprio Supremo Tribunal Federal admitir

a reprodução, ou reedição, de medida provisória que não tenha sido convertida em lei no

prazo de trinta dias e que não tenha sido expressamente rejeitada pelo Legislativo. A

jurisprudência pacificada do STF vedava a reedição de medida provisória recusada de modo

expresso (ADIn 293-7/600-DF, medida liminar, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e 295-3/DF,

Rel. Min. Paulo Brossard).

Essa posição do STF não era levada em consideração pelo Chefe do Poder Executivo

da União, que ao contrário, reiteradamente as reeditava, por exemplo, a Medida Provisória nº

2.088, de 27.12.2000, que teve 35 reedições (MP nº 2.088-35).

Por outro lado, nos primeiros dez anos da promulgação da CF/88, o STF recusava-se a

examinar a ocorrência das condições de urgência e relevância, quando via questões políticas,

de apreciação discricionária e subjetiva (ADIn nº 162-1/DF, medida liminar, Rel. Min.

Moreira Alves). É certo que algumas vezes o STF o fez, quando flagrante a falta de urgência

(ADIn nº 1.753-1/DF, medida liminar, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e ADIn nº 1.849-0,

medida liminar, Rel. Min. Marco Aurélio).

5.4 Formas de controle

Marco Antonio Innocenti37, na seção Comunidade Jurídica, observa:

37 INNOCENTI, Marco Antonio. Subtetos estaduais: STF não tem monopólio da constitucionalidade. Disponível em: <http://w.w.w.conjur.estadao.com.br/static>.

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É bom que se diga que o STF, no sistema constitucional brasileiro, não detém o monopólio do controle das leis, podendo ser ele exercido por qualquer juízo ou tribunal no âmbito do chamado controle difuso de constitucionalidade, quando decide de forma incidente, em qualquer ação judicial, pela inaplicabilidade de determinada lei, por vício de constitucionalidade, na perspectiva de uma determinada relação jurídica, individual ou coletiva, ficando apenas as partes envolvidas obrigadas em torno da decisão. A Constituição da República apenas reserva ao Supremo Tribunal Federal o controle concentrado de constitucionalidade, cujas decisões têm efeito geral e vinculante.

É claro que o articulista está tratando de controle de constitucionalidade no sentido

mais amplo e genérico de lei, na hipótese do controle abstrato, pela via difusa. O controle

concentrado de constitucionalidade, reservado ao STF, cuja decisão tem efeito erga omnes,

ocorre, por exemplo, no caso das medidas provisórias.

Ao Supremo Tribunal Federal, nos termos das atribuições dispostas no artigo 102 da

Constituição Federal de 1988, compete a guarda da Constituição, estando dentre suas

competências o julgamento de ações de inconstitucionalidades (ADIns) de lei ou atos

normativos federais (art. 102, I, da CF). Logo, as medidas provisórias também são passíveis

de argüição de inconstitucionalidade. Além disso, o controle das medidas provisórias é

exercido por parte do Congresso Nacional, que vota pela conversão em lei ou não de uma

determinada medida provisória. Quando provocado, o Poder Judiciário pode apreciar a

constitucionalidade ou não da medida provisória.

E é no exercício da atividade jurídico-política que se insere a principal possibilidade

de controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e urgência das medidas provisórias.

O marco inicial de controle, pelo Supremo Tribunal Federal, aconteceu na AdnMC nº

162 de 14 de dezembro de 1989, quando foi admitida, pela primeira vez, a possibilidade de

submeter à análise os pressupostos de uma medida provisória, desde que configurado o abuso

ou desvio de poder. No ano seguinte, 1990, por ocasião da ADInMC nº 293, o STF, o

Ministro Relator Celso de Mello demonstrou em diversos graus o interesse em melhor

analisá-las e limitá-las.

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Ivo Teixeira Gico Junior38 comenta que o Presidente da República “é o árbitro inicial

da conveniência, necessidade, utilidade e oportunidade de seu exercício”, sendo certo que isto

não significa retirar do Judiciário “o poder de apreciar e valorar os requisitos constitucionais

de edição das medidas provisórias”.

Decorridos dezessete anos de vigência da Constituição Federal, podemos afirmar que

foi a partir da ADInMC nº 1.753, de 16 de abril de 1998, que o controle efetivo fundamentou-

se na ausência de um dos pressupostos essenciais à medida, a falta de configuração de

urgência. Além do preenchimento dos requisitos de urgência e relevância, assim como

qualquer lei ou ato normativo, a medida provisória não pode prejudicar o direito adquirido, a

coisa julgada e o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF/88).

Muitos foram os questionamentos, através de ações diretas de inconstitucionalidade,

acerca dos pressupostos da urgência e relevância exigidos para edição de medida provisória

pelo Executivo Federal, todavia, o efetivo controle, em sede de medida liminar, se realizou na

AdinMC nº 1.753 de 16.04.1998. A propósito do julgamento do mérito dessa ação, o

ministro-relator Sepúlveda Pertence posicionou-se no sentido de que a medida provisória já

não pode alegar urgência, teria chegado tarde demais porque fez “coisa julgada”.

5.5 Pressupostos de valoração

Invocamos a referência à vontade estatal dominante como premissa para o fato de que

o ordenamento jurídico atribui a determinado ou determinados agentes o poder jurídico de

valorar os aspectos subjetivos concernentes aos conceitos jurídicos indeterminados. E que,

38 GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Controle judicial das MPs. Disponível em: <http://w.w.w.neofito.com.br/artigos>.

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como é somente sua a competência para fazê-lo, segue-se que as demais vontades a ela

deverão sujeitar-se.

Em outras situações, todavia, o direito positivo prevê expressamente uma outra

manifestação volitiva, cronologicamente posterior, que traduz o poder jurídico de revalorar os

critérios subjetivos deixados a cargo do agente responsável pela emanação da vontade

anterior. Ou seja: o sistema normativo atribui a determinado agente o poder de emitir juízo de

valor subseqüente, o qual não se confunde com o juízo de valor originário, resultante da

primeira valoração. Tais situações, como é fácil perceber, envolvem dois agentes ou órgãos

(dois ou mais de dois, hipótese esta, embora menos comum): um, o agente que exteriorizou a

primeira manifestação volitiva, sendo esta resultante do juízo de valor sobre a situação fática a

ser considerada; outro, o agente que produziu a vontade subseqüente, também oriunda de

juízo de valor que ele próprio firmou sobre a mesma situação. Há, portanto, dois agentes ou

órgãos, duas manifestações volitivas e, em conseqüência, duas valorações.

No confronto entre essas duas manifestações volitivas, cronologicamente separadas,

poderão advir dois desfechos: ou o juízo de valor subseqüente adota os mesmos fatores de

valoração utilizados pelo juízo de valor originário, e, nesse caso, o confirma; ou, ao contrário,

socorre-se de fatores valorativos diversos, e, nessa hipótese, prevalecendo sobre o primeiro, o

elimina e o substitui.

Ora, na hipótese das medidas provisórias, a Constituição previu apenas duas

manifestações volitivas para proceder à valoração dos conceitos de relevância e urgência − a

do Presidente da República, que emite o juízo de valor originário, e a do Congresso Nacional,

que externa o juízo de valor subseqüente.

Se o Congresso Nacional considera determinada situação fática como revestida de

relevância e urgência, firma juízo de valor confirmatório em relação à vontade originada do

Presidente da República relativa à mesma situação: a medida provisória é então convertida em

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lei. No caso de discordar da valoração do Presidente, o órgão legislativo suprimirá a vontade

por este produzida e a substituirá pela sua própria, emitindo, por conseguinte, juízo de valor

substitutivo: a medida provisória será rejeitada.

O procedimento estabelecido para a apreciação das medidas provisórias pelo

Congresso Nacional, regulado na Resolução nº 1, de 1989-CN, mostra claramente o exame

parlamentar a propósito da valoração feita pelo Presidente da República sobre a relevância e

urgência, considerando essa fase como de admissibilidade (art.5º), diferente da fase do mérito

em si, ou do conteúdo da medida (art. 6º). Ao proceder ao exame da admissibilidade, o

Congresso está exercendo naturalmente o controle dos referidos conceitos e, se concluir pela

admissibilidade (emitindo juízo de valor confirmatório), passa ao exame do mérito. Caso o

controle conclua no sentido da inadmissibilidade (porque haverá juízo de valor substitutivo),

a conseqüência será a rejeição da medida, pelo acolhimento da preliminar de ausência dos

pressupostos; nessa hipótese, e só nela, será examinado o conteúdo em si do ato.

Exatamente por ter sido o Congresso Nacional, no caso das medidas provisórias, o

único a receber da Constituição competência para emitir o juízo de valor subseqüente sobre a

relevância e a urgência, seja confirmatório ou substitutivo, segue-se logicamente que essa não

pode deixar de ser a única modalidade de controle sobre os elementos valorativos de tais

conceitos abertos. Se a nenhum outro órgão foi atribuída essa função, não pode o intérprete

admiti-la seja qual for o argumento que adote, porque, caso venha a fazê-lo, estará sugerindo

a existência de conduta controladora sobre a qual é silente a Constituição, não havendo outra

alternativa senão a de considerar tal conduta inconstitucional.

Promulgada a EC nº 32/2001, o Congresso Nacional editou a Resolução nº 1/2002,

vigendo atualmente, com o objetivo de limitar as edições das medidas provisórias e garantir a

rapidez na apreciação conjuntamente pelas duas Casas. O certo é que as medidas provisórias

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continuam sendo usadas pelo Executivo em número tão elevado e sem os requisitos

constitucionais da urgência e da relevância.

5.6 O controle judicial

Partindo-se do que consta no quadro constitucional, não há como atribuir a outro

órgão, inclusive ao Judiciário, competência para exercer o controle sobre os pressupostos da

medida provisória. Por mais liberal que seja o intérprete no tocante à grande relevância do

Judiciário no cenário da República, o certo é que a decisão do Supremo Tribunal Federal nas

ADInsMC nº 162 de 14.12.1989 e 1.753 de 16.04.1998, que admitiu o controle de

constitucionalidade quando, por exemplo, estiver ausente o pressuposto essencial à medida (a

urgência), vem sendo desrespeitado pelo Chefe do poder Executivo.

Anteriormente as duas ADIns citadas, o entendimento majoritário, não unânime da

doutrina, é que não havia razão plausível para estender esse controle ao Poder judicante. Ter-

se-ia, segundo os intérpretes, uma verdadeira superfetação de controles, absolutamente

prescindível, já que o controle previsto é atribuído ao Poder que é exatamente aquele que tem

a representação popular e que retrata, de modo geral, a síntese das vontades coletivas.

A duplicidade de controle − pelo Legislativo e pelo Judiciário − poderia causar

confusão maior ainda no que tange à valoração da relevância e urgência, principalmente para

a identificação do juízo de valor dominante, porque se o Presidente emite o juízo de valor

originário, duas portas seriam abertas para o controle, uma para o Legislativo e outra para o

Judiciário. Quid iuris se o Legislativo emite juízo de valor confirmatório antes do Judiciário?

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Ou ainda: quid iuris se o Judiciário se antecipa à valoração do Legislativo? Qual o juízo de

valor a ser caracterizado como predominante?

Ter-se-iam nessas hipóteses (admitida, obviamente, valoração pelo Judiciário)

situações absolutamente esdrúxulas. Se o Legislativo confirma a valoração do Presidente e o

Judiciário discorda das duas, estará declarando inconstitucional a medida provisória: teríamos

que admitir que nesse caso, o Judiciário teria o juízo de valor predominante sobre os juízos

emitidos pelos dois outros Poderes, o que se afigura claro absurdo, até porque se teria que

considerar inócua e dispensável a manifestação volitiva do Congresso. Se for o Judiciário a se

manifestar concordantemente com o juízo de valor do Presidente, deveria o Congresso ater-se

a essa avaliação, ou poderia emitir juízo de valor discordante? A ser assim, seria ele, no

primeiro caso, mero chancelador das vontades prévias, e isso logicamente não traduz controle

algum; no segundo, ao discordar delas e rejeitar a admissibilidade da medida, mais

dispensável se tornaria o suposto controle do Judiciário.

Várias razões apontavam no sentido de que o Judiciário nada tem a ver com os juízos

de valor emitidos sobre os pressupostos de relevância e urgência, necessários à edição e

legitimação das medidas provisórias.

A dinâmica que rege a sociedade fez com que alguns estudiosos e aplicadores do

direito também passassem a considerar o Poder Judiciário como solução para os problemas

mais cáusticos ocorridos na estrutura da República.

É certo que o Judiciário, mesmo sendo alvo de muitas críticas, ainda é o Poder de

maior credibilidade perante os membros da sociedade. E uma das razões consiste em não ser

constituído de agentes políticos típicos porque, enquanto a figura do juiz revela certo grau de

austeridade e honestidade, a dos políticos tem transmitido imagem exatamente contrária, qual

seja, a de buscarem mais intensamente seus próprios interesses do que os interesses que

devem representar por terem sido investidos através de processo eletivo. O povo, o colégio

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eleitoral, ninguém mais apoia políticos, quer do Legislativo, quer do Executivo, pela crença

de que perseguem apenas interesses eleitoreiros. O momento é, indiscutivelmente, de

profunda crise de credibilidade no que concerne aos agentes dos poderes políticos.

Essa circunstância, porém, não deve ser levada ao extremo de admitir que todas as

formas de exercer o controle final dos atos estatais sejam atribuídas ao Judiciário, porque isso

o tornaria um superpoder, ou seja, um poder prevalente sobre os demais, que, apesar de todas

as mazelas, se constituem de agentes eleitos pelo povo e, portanto, ostentam real

representatividade, diferentemente dos agentes da magistratura que, por maior que seja sua

dignidade institucional, ingressam via concurso público, em que demonstram conhecimentos

jurídicos, mas não representam as aspirações de nenhum colégio eleitoral.

Ascendê-lo ao status de superpoder acarreta desequilíbrio mais profundo, totalmente

indesejável no sistema dos checks and balances, fundamental no regime da distribuição do

poder político.

O próprio Judiciário tem sofrido com veementes críticas, ora justas, ora injustas, diga-

se a bem da verdade − por não estar conseguindo levar a bom termo a função que lhe foi

atribuída − a de prestar jurisdição, solvendo os litígios e, assim, atendendo os interesses da

coletividade que a ele recorre. Têm faltado resultados efetivos ao Judiciário.

Não é incomum, por esse motivo, encontrar-se reclamações e lamúrias entre os

jurisdicionados que a ele tenham recorrido ou que a ele pretendam recorrer. Causas

demoradas, processos anacrônicos, estrutura arcaica. Isso sem contar as várias notícias de

desvio de finalidade em certos setores de sua ação, com perseguições a algumas pessoas e

exercício de nepotismo em favor de outras. Todos os que lidam nos meios forenses têm

conhecimento desses fatos. E a população também começa a desconfiar de que também o

Judiciário não é a vestal da República, como muitos supõem. Aliás, se algo não há na

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República, é um Poder sobre o qual nenhuma dúvida paire quanto à sua moralidade e

probidade.

Assim, o Judiciário não pode ser considerado o árbitro final dos juízos de valor

atribuídos aos demais órgãos da República. Fala-se que é necessário reduzir o âmbito da

discricionariedade, que não se pode deixar sem controle os atos de agentes públicos, que,

enfim, a última voz a avaliar os critérios de conveniência e oportunidade deve ser a do juiz,

que o princípio da razoabilidade significaria substituir o juízo de valor de outros agentes pelo

dos membros do Judiciário, que este Poder deve avançar no campo político, não se atendo

exclusivamente ao campo jurídico. Nada disso é viável diante de sistema que, como o nosso,

distribui as funções entre os três poderes estruturais da República.

O Judiciário é, e deve continuar sendo, o titular da função jurisdicional, vale dizer,

aquela que tem como núcleo central dirimir conflitos de interesses individuais ou coletivos, e

só excepcionalmente atuar com certa conotação política, como é o caso de sua competência

para exercer o controle repressivo da constitucionalidade das leis. Não é isso o que ocorre,

entretanto, quando a Constituição atribui a outros órgãos ou agentes o poder de emitir juízos

de valor sobre certas situações fáticas. Essas valorações são próprias dos Poderes que têm

realmente a função diretiva e política do Estado, o Executivo e o Legislativo.

Soa, portanto, bastante estranho que se defenda a idéia de que o Judiciário tem o

poder de verificar se foi observado ou não o balizamento relativo aos conceitos de

“relevância” e “urgência” no caso das medidas provisórias. Por que a ele será cometida a

função de verificar o “balizamento”? Que poder político exerce, de modo a lhe ser possível

fazer tal valoração de modo mais correto do que a atribuída ao Presidente da República e ao

Congresso Nacional? Serão os agentes destes Poderes inaptos para dar sentido aos referidos

conceitos abertos?

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Avulta, ainda, indagar em que momento a Constituição permitiria esse supercontrole.

Na disciplina constitucional, ao contrário, não é isso que ocorre. Apresenta-se, isto sim, a

função de valoração de tais critérios atribuída ao Chefe do Executivo e ao órgão representante

do Poder Legislativo Federal.

Afigura-se que esse suposto poder de controle pelo Judiciário também ofende o

sistema da tripartição de Poderes, em relação ao qual um dos pilares é o da indelegabilidade,

como regra, da função de um Poder a outro. Em outras palavras, quer significar que a nenhum

Poder é legítimo invadir seara que a Constituição reservou a outro.

Por todo o contexto constitucional, e particularmente pelo que reza o art. 62 da Lei

Maior, existem no tocante às medidas provisórias, como já se disse, duas manifestações

volitivas que refletem a emissão de juízos de valor sobre o que é “relevância” e “urgência”:

uma do Presidente da República (juízo de valor originário) e outra do Congresso Nacional

(juízo de valor subseqüente). Nada mais que essas duas.

Resulta daí que o único controle sobre os fatores que delineiam esses conceitos

indeterminados é o exercido pelo Poder Legislativo através do Congresso Nacional. Trata-se

de controle político, tipicamente discricionário, no qual tem de haver certo grau de

subjetivismo para alcançar os elementos da valoração do substrato fático a ser considerado.

Esse controle, não é difícil observar, está longe de poder ser atribuído ao Judiciário, já

tão atarefado com as funções que lhe são típicas. A perfeita adequação que envolve a função

controladora é realmente a do Congresso Nacional, exercente, como o Presidente da

República, de função política.

O caminho menos pedregoso seria que o Chefe do Executivo passasse a editar

medidas provisórias somente quando estivessem presentes os requisitos da urgência e da

relevância, em número limitado, anualmente, ou que adotasse a sugestão do autor: retirar esse

instituto do sistema constitucional brasileiro, com a adoção dos §§ 1º e 2º do artigo, da CF/88.

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5.7 A dinâmica política

A análise do dispositivo constitucional que faculta ao Poder Executivo a edição de

medida provisória, enfatizava o caráter político de sua edição e reedição (antes da EC nº

32/2001), sua inconstitucionalidade e a conivência dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O processo legislativo, levado a efeito, em última análise, pelo Poder Legislativo, é

uma garantia fundamental da interdependência e harmonia dos poderes. A perspectiva do

legislador, sua intenção, ao dispor sobre a edição de MP, parece ter sido inteiramente

desvirtuada pelo Poder Executivo.

Ocorre que a edição e reedição sucessiva de MPs tornou-se uma regra no fazer

político da prática do Executivo, configurando assim o desvirtuamento, com fulcro,

basicamente, na falta de relevância e urgência, requisitos básicos impostos pelo artigo 62 da

CF/88 para que o Poder Executivo lance mão deste artifício extraordinário.

Dentre os fatores que podem ser abordados está o de que a prática legislativa, via de

regra, coloca-se como demasiadamente morosa, passando pela Câmara dos Deputados e pelo

Senado Federal, em que sofre a influência de posições distintas de Partidos com visões

singulares, o que não pode ser considerado como motivo para a edição de medidas

provisórias. Muito pelo contrário, significa a forma ideal existente em uma democracia que se

quer representativa de sua população.

As forças políticas que travam batalhas ideológicas no Congresso são reflexos dos

anseios da própria população. Tentar ultrapassar essa etapa mediante o artifício da MP

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consiste em um frontal desrespeito à instituição do Poder Legislativo como instrumento de

consecução da democracia formal.

Considerando que haveria matérias de alta relevância e impostergável urgência, o

legislador dispôs, no art. 62 da Carta Magna, que poderiam ser editadas MPs quando a

combinação destes dois requisitos se fizesse um fato inquestionável.

Como matéria relevante e urgente, as MPs, assim consideradas, seriam votadas no

prazo de 30 dias, conforme dispunha o artigo 62 da CF/88, até a vigência da EC nº 32/2001, a

contar de sua publicação, uma vez que o interesse nacional estaria em jogo.

O Poder Executivo, até 01.05.2005, editou 965 medidas provisórias, sem considerar as

centenas de reedições permitidas até a vigência da EC nº 32/2001, na maioria dos casos sem

estarem presentes os constitucionais pressupostos de relevância e urgência, o que ocorria pelo

pouco caso que fazia o Congresso Nacional em aprová-las no prazo legal.

No Estado Democrático de Direito, a harmonia e a interdependência dos poderes é um

pressuposto fundamental. Para sua consecução, é necessário que haja, antes de

interdependência, relativa autonomia dos três poderes assim considerados: o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário. Essa independência está expressa no artigo 2º, da Constituição

Federal, assim: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário”.

Em tese, o Executivo é o responsável pela prática política visando o bem comum da

população que o elege, portanto, é titular de sua soberania, porquanto o processo eletivo e

procedimentos como o impeachment lhe dão a autonomia necessária para tanto. Até por ser a

própria população a única razão da existência do poder político.

O Poder Legislativo, também de caráter político, deve manter em seu interior as

diferentes concepções existentes na sociedade, por intermédio de representantes eleitos pela

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população, cabendo-lhe a faculdade de legislar sobre todas as matérias que perfazem o

ordenamento jurídico de uma Nação.

As leis, em suma, estabelecem limites para que os cidadãos e os poderes possam se

movimentar sem arbitrariedades, com garantias mínimas de uma estabilidade social,

estabelecendo as “regras do jogo”.

Ao Judiciário cabe decidir sobre situações fáticas que são levadas a este Poder,

cabendo-lhe aplicar da melhor forma, de acordo com leis, princípios de direito e

posicionamentos reiterados, o Direito, garantindo a estabilidade legal, necessária para o

exercício pleno da cidadania.

Quando tais poderes se fortalecem enquanto instituições que, efetivamente, são, o

Estado Democrático de Direito adquire consistência, atingindo algo próximo de sua forma

ideal, inobstante não seja a legalidade muitas vezes recoberta de legitimidade e de que críticas

possam ser feitas, eventualmente, sobre a não conformidade de algumas leis com a Justiça,

entendida esta última como valor supralegal.

Com o escopo de propiciar maior agilidade a prováveis questões fáticas recobertas de

relevante interesse nacional e caráter de urgência em sua aprovação, o legislador constituinte

achou por bem instituir a figura da medida provisória, de competência, ressalve-se, quanto à

sua propositura, da Presidência da República.

Em casos excepcionais, em flagrante exceção à regra legislativa, quando delineados

os requisitos de relevância e urgência, o chefe do Executivo, pode editar norma legal para

posterior aprovação do Congresso Nacional.

O artigo 62 da CF/88 diz que “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da

República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de

imediato ao Congresso Nacional”. E que se “em até quarenta e cinco dias, contados de sua

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publicação, entrará em regime de urgência, ficando sobrestadas, até que ultime a votação,

todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”.

Somente pelo Congresso Nacional é que a MP se tornará lei, editada pelo Executivo

em caso de urgência e a relevância. Ao Congresso Nacional não cabe somente sua

homologação, o que poderia ensejar a interpretação de que sua apreciação ou não seria mera

burocracia, mas, principalmente, cabe sua aprovação, o que configura possível sua rejeição.

Pelos requisitos de urgência e relevante interesse nacional que caracterizam tal prática

legiferante, é de se considerar que a não apreciação de uma MP pelo Congresso Nacional

refutaria de vez a plausibilidade dos necessários requisitos aventados pelo Poder Executivo

ou, por via de conseqüência, caracterizariam definitivamente o desinteresse que o Poder

Legislativo teria sobre questões urgentes e relevantes para os interesses nacionais.

Da redação inicial da Constituição Federal de 1988, antes da EC nº 32/2001, a medida

provisória somente se transforma em lei após aprovação pelo Congresso Nacional, devendo

ver revogada sua eficácia se tal fato não ocorrer no prazo de 30 dias de sua publicação, caso

em que caberá ao Poder Legislativo dispor sobre seus efeitos durante sua transitória vigência.

As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

É incabível qualquer argumentação de que seria legal a reedição de MP’s pelo

executivo, especialmente após a promulgação da EC nº 32, uma vez que diversificados os

institutos instaurados pela CF de 1988, sobre iniciativa de leis, sempre indiretas, do Poder

Executivo.

Há a iniciativa proveniente de delegação explícita do Congresso Nacional que

autoriza o Presidente da República a publicar lei, denominada delegada, conforme podemos

depreender do artigo 68 da CF.

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A Constituição Federal garante ainda que, por iniciativa do Presidente da República, o

poder legiferante tenha um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para se manifestar sobre

projetos de lei com pedido de urgência, findo o qual a matéria deve ser incluída na ordem do

dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação,

conforme dispõem os §§ 1º e 2º do artigo 64.

Portanto, lei é um ato que deve ou emanar ou ser passível da condescendência do

Poder Legislativo, fato que não se tem observado em relação às edições e às reedições

sucessivas de MPs pelo Poder Executivo quando eram permitidas, enquanto que a medida

provisória, mutatis mutandis, equipara-se a um projeto de lei do Poder Executivo, que deve,

necessariamente, ser apreciado pelo Congresso Nacional.

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6 PRÁTICA LEGISLATIVA E POLÍTICA

O Poder Legislativo é uma instituição basicamente política. Em regra geral, as leis

que emanam desse Poder são oriundas de conflitos ideológicos entre parlamentares que

defendem posições e interesses distintos.

Logicamente, deve-se acreditar, sob pena de não se dar nenhuma credibilidade a este

Poder, os interesses nacionais devem consistir na preocupação fundamental dos legisladores,

com algumas divergências ideológicas que devem ser discutidas e votadas, reconhecendo-se a

vontade da maioria.

Idealmente, apesar da falta de escrúpulo de alguns políticos, o pensamento geral da

população vê-se representado na esfera legislativa através de parlamentares eleitos e

compromissados com as causas da população.

Pelo seu caráter colegiado, atendendo ao princípio democrático de que a figura do

Congresso Nacional é mais representativa dos diversos interesses da sociedade do que a figura

da Presidência da República, sempre eleito por parte da população, o Congresso Nacional

possui um poder maior do que o Executivo, podendo inclusive destituí-lo.

Até mesmo para propiciar condições de governabilidade política, o Governo necessita

de considerável maioria para levar a efeito seu projeto político, sob pena de ver inviabilizada

a executoriedade de suas ações.

Em face dessas considerações é de se concluir inadmissível que o Congresso Nacional

se furte de suas responsabilidades enquanto poder constituído, com vistas a propiciar

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governabilidade ao Poder Executivo, sob pena de tornar ineficaz o avanço do Estado

Democrático de Direito.

Quando eram permitidas as reedições e como ainda ocorrem as edições sucessivas de

MPs tem-se tornado uma regra geral, em detrimento da exceção que deveria configurar, da

prática política do Poder Executivo.

O Congresso Nacional, por ser, invariavelmente, de base governista não tem buscado

para si a responsabilidade de ou conter ou apreciar as MPs, criando uma situação

juridicamente atípica de legislação arbitrária do Poder Executivo, sem o necessário crivo, de

caráter constitucional, do Congresso Nacional.

O próprio Poder Judiciário, nessa esfera de controle concentrado, representado pelo

Supremo Tribunal Federal, vinha se omitindo de examinar as questões quanto às reedições

sucessivas de MPs, impasse que ficou resolvido com a promulgação da EC nº 32. Resta,

ainda, uma tênue omissão no que tange ao seu posicionamento, como deveria fazê-lo, e aos

requisitos constitucionais de urgência e relevância.

Parece haver um pacto de mediocridade entre os poderes, o qual somente prejudica a

consecução do Estado Democrático de Direito, tornando cada vez mais estéreis as instituições

que deveriam garantir a segurança jurídica no País.

Os instrumentos necessários a uma tomada de atitude pelo Congresso Nacional são

constitucionalmente assegurados, cabendo-lhe somente vontade política para levá-los a efeito.

Antes que uma faculdade do Congresso Nacional, a necessidade de que este venha a agir ante

esta situação é imperativa. A Constituição Federal preceitua, em seu art. 49, XI, que este deve

“zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa de

outros poderes”.

Não obstante, as Mesas da Câmara e do Senado aceitam passivamente a enxurrada de

MPs e não as submetem à deliberação, contribuindo para a castração das prerrogativas do

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Poder Legislativo, em um posicionamento claramente político com vistas a possibilitar ao

Executivo que este legisle diretamente, como dantes já foi presenciado na história do Brasil.

O próprio Congresso Nacional é responsável pela deturpação do processo legislativo,

sendo sua responsabilidade que este viesse a se posicionar contrariamente ao procedimento

concernente às edições e reedições de MPs, porque fere suas prerrogativas legiferantes, no

momento em que ao Poder Executivo é outorgado o direito (mesmo que inconstitucional)

fático de legislar.

É a competência legislativa do Congresso Nacional que se vê usurpada, não por sua

contrariedade, mas às vezes por sua conveniente omissão e algumas vezes até mesmo

submissão ao Poder Executivo.

A boa intenção do legislador constituinte foi evidenciada novamente quando da

inclusão, na Carta Magna, de outro dispositivo que cercearia quaisquer arbitrariedades do

Poder Executivo em termos legiferantes, qual seja o de que caberia ao Congresso Nacional

“sustar os atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos

limites de delegação legislativa”.

Por outro lado, o Poder Legislativo, bem como o Judiciário, tem se calado ante este

flagrante ato de inconstitucionalidade, olvidando o necessário respeito que estes deveriam ter

frente à Constituição Federal. Os interesses de cunho político que perpassam,

indubitavelmente estes Poderes, sobrepõe-se à própria consecução do Estado Democrático de

Direito.

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6.1 O tributo a serviço dos governantes

A idéia de Estado de Direito surge com a submissão do Estado à lei. Na Inglaterra, em

1215, por meio da Magna Carta, pela primeira vez houve uma insurreição contra o poder

desmedido do monarca. Os barões lhe impuseram um documento contendo uma série de

garantias contra o abuso no exercício do poder, notadamente em relação ao abuso no poder de

tributar. A cláusula no taxation without representation foi a pedra de toque do movimento, em

que se exigia a prévia aprovação do Conselho dos Comuns antes de se proceder a qualquer

forma de tributação.

A esse respeito, Antonio Roque Carrazza, em abordagem história, diz:

na Inglaterra, o Conselho dos Comuns, órgão encarregado da autorização da arrecadação, com o decorrer dos tempos se transformou em autêntico órgão de representação popular, constituindo-se no Parlamento, na Câmara dos Comuns, que não só autoriza a arrecadação, mas assume o controle da própria despesa pública. Assim, o nascimento e desenvolvimento do parlamento estão intimamente ligados ao problema do consentimento da tributação.

Logo, pode-se afirmar que o Estado de Direito tem sua origem em uma causa

tributária, pelo fato de que a primeira limitação legal ao poder do governante foi a imposição

do princípio da legalidade tributária.

É verdade que o Estado de Direito, com a sua feição atual, caracterizado não só pela

submissão do Estado ao império da lei, mas também pela divisão de poderes, bem como pela

enunciação de direitos e garantias fundamentais, recebeu esse delineamento apenas no séc.

XVIII, com o Iluminismo, principalmente através de teóricos liberais, como Montesquieu e

Rousseau. Todavia, não podemos olvidar a importância que representou o constitucionalismo

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inglês nesse processo de formação do Estado de Direito. Ademais, tanto a Independência

Americana quanto a Revolução Francesa, em que são percebidas claramente as primeiras

expressões da doutrina de Montesquieu, tiveram por estopim a revolta contra o abuso

tributário.

De fato, a instituição do Sugar Act (Lei do Açúcar) em 1764 e do Stamp Act (Lei do

Selo) em 1765 pela Coroa Inglesa nas 13 colônias veio acompanhada de forte indignação por

parte dos norte-americanos.

A Assembléia de Massachusetts protestou com veemência, seguida do legislativo da Virgínia, que aprovou cinco resoluções condenatórias daquelas leis. Elas se opunham não apenas às conseqüências econômicas das leis, como também ao próprio princípio de um Parlamento impor um imposto direto sobre um povo não representado nele.

Era a cláusula no taxation without representation novamente alimentando o

descontentamento com o autoritarismo no trato da questão tributária.

Tudo isso ecoou no Velho Mundo, chegando à França como fonte de inspiração à

revolução que estava por vir. Embora a queda da Bastilha tenha marcado o início da

Revolução, as causas do movimento foram muito mais sérias.

A França era a nação mais poderosa e populosa da Europa, mas seu sistema político – o ancién regime, como os revolucionários o chamariam – vinha apresentando rachaduras havia décadas. [...] A predominância do rei fora comprada por preço muito alto. A aristocracia francesa, fonte tradicional de oposição ao monarca, havia sido comprada através de grandes concessões e privilégios, inclusive isenção de pagar impostos. [...] Entre esses privilégios estava o de coletar direitos de senhoriagem dos camponeses. Esses impostos e tributos feudais eram extraídos com assídua severidade, graças, em larga medida, aos esforços dos feudalistas, uma classe profissional especializada em desenterrar – ou mesmo inventar – taxas de há muitos esquecidas.

Mais uma vez, a sufocação tributária e a falta de participação popular no controle da

atividade financeira do Estado fizeram com que se rompesse o regime isento da cláusula no

taxation without representation.

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Portanto, em qualquer Estado que pretenda qualificar-se como Estado de Direito há a

necessidade primordial de submissão do poder e, em especial, do poder de tributar, ao império

da lei.

Sobre tributos, Ives Gandra da Silva Martins39, em artigo publicado em 27.01.2005 na

Folha de São Paulo com o título Tributos e Benesses do Poder, também disponibilizado na

internet, externando duras críticas às medidas provisórias, ensina que:

O tributo é um fantástico instrumento de poder, de domínio, de controle da sociedade. Serve, fundamentalmente, aos governantes (burocratas e políticos), tendo, às vezes, um efeito colateral – mas não absolutamente necessário – que é permitir ao Estado prestar serviços públicos. Por essa razão é que o povo nunca é consultado quando se impõem aumentos da carga tributária. O povo nunca delibera sobre o principal instrumento de domínio dos governos, que é o tributo.

6.2 Criação de impostos via Medidas Provisórias

Crítico das medidas provisórias para a criação de impostos, Martins40 desabafa

Como sabe o governo que o povo está revoltado, nas medidas provisórias introduziu componentes para a redução do direito de defesa do contribuinte, porque é necessário assustá-lo com medidas, sanções e restrições cada vez maiores, a fim de que não pense em discutir qualquer arbitrariedade fiscal.

A nossa Constituição vigente enquadrou-se nesse modelo ao adotar o povo como

fonte de todo poder (art. 1º, parágrafo único), o regime de separação de poderes (art. 2º) e o

princípio da legalidade genérico (art. 5º, II), acompanhado, mais especificamente, pelo

39 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributos e Benesses do Poder. Disponível em <http://w.w.w.portaltributário.com.br/artigos/tributosopressores>. 40 MARTINS, Ives Gandra da Silva. op.cit., 2005.

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princípio da legalidade da administração pública (art. 37) e pelo princípio da legalidade

tributária (art. 150, I).

Na verdade, a Carta Magna de 1988 foi além, pois restou configurado um verdadeiro

Estado Democrático de Direito e não o tradicional Estado de Direito, tal como idealizado

originariamente. E nem se diga tratar-se de um imbróglio hermenêutico, a interposição do

qualificativo democrático vislumbrado na expressão designadora da modalidade de Estado,

constituída pela nossa vigente Constituição.

Sobre o tema, José Afonso da Silva 41 esclarece todo o alcance dos vocábulos

reunidos:

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3.º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1.º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.

Reconhece-se, pois, que o princípio da tripartição de poderes é corolário lógico do

regime democrático de Direito contido na Carta Federal de 1988, por força, inclusive, do

disposto no art. 1º, parágrafo único.

Tomando o que interessa de imediato a este trabalho, ao relacionarmos a separação de

poderes com o Direito Tributário, percebe-se que esse princípio foi prontamente atendido pelo

modo como foi concebido o Sistema Tributário Nacional, mediante a criação de órgãos

específicos e independentes para realizarem, cada qual, a legislação, administração e

jurisdição tributária, no campo estrito de suas competências constitucionalmente outorgadas.

41 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 129.

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Entrementes, a prática vem se revelando uma quebra dessa harmonia, com o Poder

Executivo utilizando sucessivas Medidas Provisórias (art. 62, CF) para legislar inclusive

sobre questões tributárias, usurpando o poder que lhe foi originariamente concedido pela

Constituição. Infelizmente, o poder competente a restabelecer o comando constitucional, o

Judiciário, tem se mostrado cúmplice na desfiguração da ordem jurídica.

As vedações introduzidas pelo § 1º da EC nº 32/2001 não contemplam as matérias

tributárias, embora o seu § 2º preveja que em caso de medida provisória que implique

instituição ou majoração de impostos, excetuado o disposto nos artigos 153 e 154 da CF/88,

só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte em caso de sua conversão em lei até o

último dia do ano em que foi editada.

Episódio de confronto das forças políticas, a oposição e parte da base governista na

defesa de interesses da sociedade, aconteceu com a eleição de Severino Cavalcante para a

Presidência da Câmara dos Deputados, quando foi derrubada a Medida Provisória nº 232 que

trazia uma gritante injustiça tributária.

Marco Antonio Rocha42 faz oportuna observação acerca da questão que envolveu a

MP 232, assim transcrita:

Uma lição absolutamente cristalina o ministro da Fazenda e, principalmente seu chefe, o presidente Lula, hão de tirar – se forem dignos dos cargos que exercem – desse episódio altamente imoral no que se refere à lisura e à lhaneza que devem presidir as relações entre governo, qualquer governo, e cidadãos. A lição é que a tributação – sua eqüidade, sua justiça, suas mudanças, enfim, tudo o que diz respeito a esse poder dos governos – é coisa séria demais para ser deixada nas mãos da Receita Federal e dos seus agentes.

Aliás, essa atitude do Congresso Nacional, resultante da indignação contra a ação do

Executivo de injustiça tributária contida na MP nº 232, foi sem dúvida, um bom começo

42 ROCHA, Marco Antonio. Estelionato chapa-branca. Disponível em <http://w.w.w.clipping.planejamento.gov.br/notiícias>.

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porque demonstra de certa forma a quebra das amarras que historicamente peiam o

Legislativo ao Poder Executivo.

Passada a euforia da MP nº 232, verifica-se que a desvirtuada ingerência legislativa do

Poder Executivo na criação de leis tributárias sempre esteve na mira dos estudiosos do Direito

Público.

Na égide do regime constitucional anterior, vozes expressivas se levantaram contra a

utilização dos decretos-lei na instituição e majoração de tributos. Todavia, o esforço

doutrinário, ao menos diante da realidade fiscal daquela época, revelou-se inócuo, visto que

quase todo o sistema federal de tributação apoiava-se nos famigerados decretos-lei.

Chegou-se a um ponto em que o Supremo Tribunal Federal, mesmo se quisesse, não

teria condições de impedir o uso dessa via normativa na seara tributária. O argumento dos

governantes era que, se a Corte Suprema assim procedesse, o país provavelmente iria à

bancarrota, pois não haveria como se transmutar em tempo hábil todo o sistema, exigindo-se a

produção de leis em sentido formal para amparar, constitucionalmente, todo o regime

tributário.

Mesmo depois de promulgado o texto de 1988, as posições se mantiveram. Os

estudiosos, em sua grande maioria, permanecem firmes repudiando a tese de que seria lícito

ao Presidente da República, por Medida Provisória, exercer função legislativa no campo

tributário. O Supremo, de seu turno, como apontamos, continua acanhado, permitindo o

Executivo utilizar esse veículo normativo na instituição e majoração de tributos.

Nessa luta contra qualquer tentativa de se permitir ao Chefe do Executivo o poder de

legislar em matéria tributária, os publicistas têm se servido de variados argumentos.

Misabel Abreu Machado Derzi43 assevera que:

43 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizada de Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: [s.n], 2000. p. 806.

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do ponto de vista axiológico, prevaleceu, nos desígnios constitucionais, a necessidade de previsão, de conhecimento antecipado e antecipatório, de planejamento dos encargos fiscais, sobre o imediatismo das medidas provisórias. Instituir tributo ou aumentar tributo já existente não é urgente, nem tampouco relevante para a Constituição, que, em tais casos, determina seja observado o princípio da anterioridade.

Promovendo uma análise principiológica, assim se manifesta a professora mineira: “a

segurança jurídica, o princípio da anterioridade e da não surpresa são de tal forma reforçados

no Direito Tributário, que o procedimento legislativo, desencadeado pelas medidas

provisórias, é incompatível com a regulação de tributos”.

Paulo de Barros Carvalho44, por sua vez, é categórico quando questiona:

a União poderá utilizar medidas provisórias para criar tributos, estabelecer faixas adicionais de incidência em gravames já existentes, ou, ainda, majorá-los? Cremos que não. E dois motivos suportam este entendimento: um, pela incompatibilidade da vigência imediata, elemento essencial à índole da medida, com o princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b); outro, de cunho semântico e pragmático, pela concepção de ‘tributo’ como algo sobre que os administrados devam expressar seu consentimento prévio.

Já Antonio Roque Carrazza45, assim se pronuncia sobre o assunto:

se até os tributos que o constituinte considerou mais relevantes e sujeitos à urgência – a tal ponto que os colocou fora do alcance do art. 150, III, ‘b’, da CF – não podem ser criados ou aumentados mediante medidas provisórias, por muito maior razão aqueloutros que a Lei das Leis não considerou nem tão urgentes, nem tão relevantes (tanto que os submeteu às injunções do princípio da anterioridade).

Agregando a esse argumento o fato de que somente “a lei ordinária (e não a medida

provisória) prestigia ao máximo o princípio da estrita legalidade tributária, que leva à

segurança jurídica e à não-surpresa dos contribuintes”. E arremata, assim: “tudo confirma,

portanto, que só a lei – nunca a medida provisória – pode criar ou aumentar tributos”.

44 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 45 CARRAZA, Roque Antonio. op. cit., p. 154-155.

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Sacha Calmon Navarro Coelho46 também se põe contrário ao emprego das medidas

provisórias para se proceder a inovações legais, admitindo, contudo, duas hipóteses em que

isso seria válido:

as exceções ao princípio da legalidade na instituição de tributos são essas: guerra e calamidade pública, estando em recesso o Congresso Nacional. É o caso de medida provisória pela urgência e relevância dos motivos, em que pese exigir a Constituição lei ordinária para instituir imposto de guerra e lei complementar para instituir o imposto restituível (empréstimo compulsório) em razão de guerra.

Celso Ribeiro Bastos47 concorda com a posição da professora, estabelecendo, porém,

uma pequena ressalva:

concordamos com o caráter restritivo de Sacha Calmon, ao qual agregaríamos mais um elemento constritor, qual seja o fato de a Constituição exigir lei complementar para os empréstimos compulsórios. Pelo quorum especial da lei complementar, matéria reservada a esta não é passível de tratamento por via da medida provisória. Parece, ao menos, em nosso entender, que a admissibilidade da medida provisória em matéria tributária fica restrita à só hipótese da criação de impostos extraordinários de guerra.

Como se disse, os estudiosos vêm construindo poderoso aparato dogmático contra a

interferência do Poder Executivo na esfera legislativa tributária, admitindo, quando muito,

como fazem os dois últimos professores citados, algumas restritíssimas exceções.

Sem embargo, os argumentos expendidos por esses estudiosos são louváveis, de

forma que se concorda sinceramente com eles, salvo uma ou outra ponderação. No entanto,

crê-se faltar um outro aspecto que não foi muito bem apreciado, ou, se o foi, não lhe foram

rendidas homenagens expressas.

Alude-se ao princípio fundamental da tripartição de poderes, insculpido no art. 2º da

Constituição Federal de 1988.

46 COELHO, Sacha Calmon Navarro. As Medidas Provisórias em matéria fiscal. Enfoque Jurídico. 6. ed. p. 24, abr./maio/1997. 47 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.126.

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De fato, o autor se filia à corrente que sustenta a incompatibilidade de utilização de

Medidas Provisórias na tributação, por tornar-se impossível o respeito ao princípio da

anterioridade (art. 150, III, b). Igualmente, pensa haver ofensa a quase todos os outros

princípios que regem as relações tributárias (como o da segurança jurídica, o da não-surpresa)

bem como à exigência do art. 150, I do Texto Constitucional, suporte do princípio da

legalidade tributária, que somente se perfaz em se legislando por meio das chamadas leis em

sentido estrito.

Entretanto, não é proposta deste trabalho confrontar a precariedade das medidas

provisórias em relação a esses princípios informadores do Direito Tributário. Apesar de se

lembrar mais adiante a fundamental necessidade de haver mudanças no regime jurídico

tributário somente através de leis, em sentido formal, o que se pretende é analisar a utilização

das medidas provisórias frente à disposição do art. 2º da Constituição de 88, que apregoa

expressamente o princípio da tripartição de poderes.

Na verdade, acredita-se que esse princípio fundamental é viga mestra de qualquer

argumentação que vise a afastar das mãos do governante o resquício autoritário que permita a

modificação ou criação unilateral de leis tributárias, embora isso não seja reconhecido

expressamente. Há apenas algumas poucas referências a este tão importante fundamento de

nossa República.

6.3 MPs 1.507 e 2.226, intromissão no Judiciário

Uma das medidas provisórias mais questionadas pelos juristas, ainda hoje, tem sido a

de número 1.507 de 19.07.1996. Esta medida dispõe sobre a restrição na concessão de

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medidas liminares em ações movidas por servidores públicos para obtenção de reajustes

salariais.

Ocorre que um grupo de servidores ganhou judicialmente reajuste salarial de 28,86%,

depois de o Poder Executivo ter concedido idêntico reajuste para os militares, em clara

prevalência deste segmento, o que desencadeou uma enorme demanda de ações judiciais com

o mesmo fulcro.

Preocupado com a enorme somas a que os cofres públicos teriam de despender, o

Poder Executivo lançou mão do instrumento da medida provisória para sustar as liminares que

seriam baseadas na concessão anterior, confiando, sobretudo na morosidade judicial ante os

procedimentos protelatórios nos processos, prática comum em muitos dos advogados da

União.

Através dessa MP, a concessão de liminares, nesse caso específico, estaria

condicionada à prestação de caução, garantia real ou fidejussória, o que, regra geral,

inviabilizaria a concessão.

A simples enumeração das conseqüências derivadas da aplicação dessa medida

provisória torna evidente que ela se traduz, na realidade, em restrição abusiva à atividade do

Judiciário, na tutela preventiva dos direitos e interesses postos sob sua guarda.

A ilegalidade de tal MP é flagrante. Em verdade, através dela o Poder Executivo

passou a ter ingerência direta na atividade judicante do Poder Judiciário, resultando

prejudicada a independência deste último em relação às suas decisões.

A conseqüência da Medida Provisória nº 1.507, de 19.07.96, é a violação do art. 2º da

Constituição Federal, que dispõe “serem Poderes da União, independentes e harmônicos entre

si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Além do mais, o que parece ser mais deplorável, tal restrição ao Judiciário constitui

um desrespeito à garantia constitucional que qualquer cidadão possui de livre acesso à Justiça

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contra qualquer “lesão ou ameaça de direito”, inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da

Constituição Federal. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”.

Através dessa MP, o Executivo restringiu a natureza preventiva, ou seja, tutelar do

mandado de segurança, sua principal característica. Com efeito, a liminar é concedida

mediante a caracterização do fumus boni iuris e da urgência de sua concessão sob pena de

lesão irreparável do direito.

Ao restringir a concessão de liminar em mandado de segurança, o Poder Executivo

acaba por legislar sobre matéria que não é de sua competência, qual seja, o direito individual

do cidadão, como explicita o art. 68, parágrafo 2º, em seu inciso II.

Em parecer encomendado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Benedito

Calheiros Bonfim, também membro daquele do Instituto, sobre a inconstitucionalidade da MP

restritiva de liminares, posicionou-se considerando que “a exigência se constitui em aberração

jurídica sem precedentes. Nem mesmo durante o período sombrio do regime militar, houve

tamanha demonstração de arbítrio, salvo quanto às providências de restrição e punições

políticas previstas nos atos institucionais”.

Para demonstrar ainda mais a temeridade do Chefe do Executivo Federal pelo

despropositado uso de medidas provisórias, trazemos também à colação a MP n. 2.226, de

04.09.2001, que em seu artigo 3º, agride o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa

julgada. Esta MP interfere na questão dos honorários de sucumbência dos advogados em

ações promovidas contra a União, no caso de existência de acordos, implicando em

responsabilidade de cada uma das partes o pagamento de honorários de seus patronos, mesmo

que tenham sido objeto de condenação transitado em julgado. O que é um absurdo.

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Sem contar outras inúmeras medidas provisórias, as de nºs. 1.507 e 2.226 além de

atentarem contra a Ordem Constitucional, constituem gritante intromissão no Poder

Judiciário.

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7 ANÁLISE DO TEMA NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS

Durante os oito anos da administração Fernando Henrique Cardoso, vimos em nosso

país a constante relativização da distinção entre os poderes, fato que se torna visivelmente

encarnado pela adoção das medidas provisórias. Ao longo deste período, o chefe do Executivo

Federal se utilizou freqüentemente desse instrumento para regular toda sorte de matéria, sob o

questionável argumento da necessidade de se viabilizar a ação governamental.

Contudo, é fato notório que inúmeras vezes tais medidas foram empregadas

desnecessariamente, pois em ocasiões em que seria perfeitamente possível respeitar o trâmite

legislativo, sem que houvesse qualquer dano social à engenharia constitucional.

Desta maneira, observa-se o sistema presidencialista pátrio torna corriqueira a

aplicação de medida provisórias em matérias cuja regulamentação a Constituição determina

seja feita via lege. Enfim, ninguém desconhece que determinados preceitos foram positivados

na Constituição justamente para serem especialmente salvaguardados, de modo a proteger os

direitos de cada cidadão. O desrespeito de tais preceitos por meio dessas medidas que

deveriam ser excepcionais, somente trouxe uma profunda insegurança jurídica, que é

incompatível com a concepção mais basilar de Estado de Direito.

Aliás, devemos enfatizar que uma das características mais peculiares do governo FHC

foi o impressionante número de edições e reedições de medidas provisórias. Somente em seu

primeiro mandato foram editadas 160 medidas. Somando estas às editadas em seu segundo

mandato, esse número ultrapassou 366, aqui desconsideradas as reedições permitidas até a

promulgação da EC nº 32/2001. E o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que no

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passado fora duro crítico de tais medidas, acabou por se tornar o maior responsável pela

banalização da edição de medidas provisórias, uma vez que estas deveriam ser utilizadas

somente em caráter provisório e excepcional.

Considerando-se a média das edições de medidas provisórias e projetados os números

até o final de 2005, somos levados à constatação de que só nos três primeiros anos do

Governo de Luiz Inácio Lula da Silva terá editado número superior ao do segundo Governo

de Fernando Henrique Cardoso.

Cabe, até mesmo, considerar se não vivemos durante este período uma espécie de

“ditadura esclarecida” do Executivo, que simplesmente passou a legislar via recurso

emergencial para efetivar planos econômicos heterodoxos e a criação de sobretaxas, mesmo

que, para isso, tivesse que atropelar os direitos fundamentais assegurados na Constituição

Federal.

Por fim, a constatação mais grave é a de que quando o Presidente regularmente

evocou os elásticos pressupostos da relevância e da urgência, além de haver violentado os

direitos constitucionalmente assegurados ao cidadão, igualmente, abriu perigoso precedente

para a realização de toda sorte de abusos governamentais. Assim, percebemos que o

desvirtuamento da teoria da separação dos poderes gerou uma profunda instabilidade às

instituições jurídicas, sujeitando o povo brasileiro à arbitrariedade do chefe do Poder

Executivo. Independentemente da política governamental que precisaria ser implantada, o

dogma da distinção de funções do Estado foi absolutamente desrespeitado durante os

Governos de FHC e de Lula. Na realidade, o que se viu foi o Poder Executivo vindo a se

tornar uma espécie de superpoder, aniquilando os demais e, conseqüentemente, conspirando

com as elites políticas e econômicas para oprimir, ainda mais, o povo brasileiro.

O resultado dessa despropositada atuação do Governo é a tendência de maior

abrangência da responsabilidade do Estado em todas as manifestações da sua atuação no caso

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do medidas provisórias, uma atividade atípica do Poder Executivo, editadas sem os requisitos

da relevância e a oportunidade da urgência.

7.1 O quadro das Medidas Provisórias editadas

Enfocando essa questão – medidas provisórias – tendo por base os Governos a contar

da promulgação de nossa Constituição Federal em 05.10.1988 até 01.05.2005, temos os

seguintes números:

Medidas Provisórias

Edições por Governo

Outubro/1988 a Maio/2005

GOVERNO PERÍODOS MEDIDAS EDITADAS

SARNEY 05.10.88 a 14.3.90 125

COLLOR 15.3.90 a 29.9.92 89

ITAMAR 02.10.92 a 31.12.94 142

F.H.C 01.1.95 a 31.12.98 160

F.H.C 01.1.99 a 31.12.02 206

LULA 01.1.03 até 01.5.05 143

Fonte: Senado Federal

Do exame do conjunto dessas medidas provisórias editadas até 01.05.2005, num total

de 865, as de caráter econômico, aí incluídas as tributárias e orçamentárias, superam em

números todas outras. Foram 463 de ordem econômica, seguidas por 197 administrativas e,

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em terceiro lugar, as que dizem respeito aos servidores públicos, em número de 93. As demais

MPs, em número de 112, foram destinadas às outras questões.

Desde a vigência da Emenda Constitucional n. 32, em 11.09.2001, que alterou o rito

de tramitação das medidas provisórias, temos como dado alarmante que das 467 sessões

deliberativas da Câmara Federal, 247 delas tiveram a pauta de votações trancadas pelas MPs.

7.2 Confronto das forças políticas

Fábio Konder Comparato48 trata do assunto como sendo uma moléstia e diz:

na patologia das medidas provisórias, o que importa não é apenas o estudo das diferentes doenças que o instituto tem apresentado desde a sua infeliz introdução no sistema constitucional de 1988. O que interessa antes de mais nada, ao cultor do direito não desligado do valor supremo da justiça, é pesquisar a etiologia profunda dessas moléstias.

Quando tratamos aqui de “questões políticas” não nos referimos ao tema fundado na

doutrina e na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana (A political question

doctrine). Estamos nos referindo às controvérsias, discussões, polêmicas, etc.

Sobre tais questões, o jornalista Marco Antonio Rocha, publicou no jornal O Estado

de São Paulo do dia 21.02.2005 (disponível no e:mail [email protected]) faz

abordagens acerca dos confrontos das forças políticas, da seguinte forma:

48 COMPARATO, Fábio Konder. A questão política nas medidas provisórias: um estudo do caso. Disponível

em: <http://www.anpr.org>.

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Ao fazer o confronto de projetos, entretanto, não se pode perder de vista, na crítica ao modelo econômico, na denúncia das políticas neoliberais, que as pessoas vivem no município. É nas cidades que se materializam as dificuldades, os problemas e é lá que se esperam as soluções.

Avançando nessa questão, observa-se que os confrontos das forças políticas

acontecem no Congresso Nacional durante as votações de medidas provisórias editadas pelo

Chefe do Executivo da União e, também, no Judiciário através do STF, que tem competência

originária para julgar as ações diretas de inconstitucionalidades formuladas por partidos

políticos e associações de classes.

Os exemplos são as ADIns nºs 2213-0 e 2385-3, requeridas pelo Partido dos

Trabalhadores contra as Medidas Provisórias nºs. 2027-38 de 04.05.2000 e 2088-35 de

27.12.2000 e a ADIn nº 1910-1, esta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil contra o artigo 5º da Medida Provisória n. 1703-18, de 27.10.1998.

E esse confronto em torno e contra as medidas provisórias decorre da mobilização das

forças políticas, das forças sociais e da opinião pública, como, por exemplo, aconteceu nas

votações e “derrubadas” das MPs nºs. 232 e 242, culminando com a eleição de Severino

Cavalcante para a Presidência da Câmara dos Deputados, o que significa dizer que o Governo

Federal perdeu o poder de ditar a pauta de votações da Câmara.

Vale dizer que o Chefe do Executivo da União não dispõe de uma agenda definida

para o Legislativo, pois rotineiramente encaminha matérias de seus interesses pela via de

medidas provisórias. Em torno dessa questão – medidas provisórias – notamos um certo

cuidado do Chefe do Executivo Federal ao fazer uso desse instituto, mais em razão da pressão

popular do que mesmo das ações do Poder Judiciário.

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CONCLUSÃO

As medidas provisórias surgiram como instrumentos para a elaboração de leis, sendo

espécies normativas de caráter excepcional. Foram concebidas para atender a situações

urgentes e relevantes que não pudessem aguardar o regular trâmite do processo legislativo. No

entanto, decorridos dezessete anos da vigência do texto constitucional, as estatísticas revelam

que o Poder Executivo Federal editou 865 medidas provisórias e a maioria delas convertidas

em leis e, apenas 91 foram revogadas, rejeitadas ou destituídas de eficácia. Até a vigência da

EC n. 32/2001, quando eram permitidas, houveram 5.121 reedições. Essa produção excessiva

afetou a atividade do Poder Legislativo, comprometeu a segurança das relações jurídicas e

inquietou o sistema normativo.

No caso brasileiro, elas têm por objeto matérias que podem ser reguladas por lei

ordinária, daí porque entendemos desnecessário o seu uso, especialmente quando o Brasil

vive momento de estabilidade econômica e institucional.

O poder de legislar, como regra constitucional geral, cabe ao Legislativo. E como

alertava Montesquieu, “num estado livre, todo homem reputado ter alma livre deve ser

governado por si mesmo”. É o órgão legitimado a representar o povo na elaboração das

normas jurídicas que regerão a vida da sociedade politicamente organizada. É a chamada

democracia indireta, ou representativa, na qual, em virtude da impossibilidade óbvia de

reunião de todo o povo em uma assembléia legiferante, outorga-se a alguns indivíduos,

escolhidos mediante um processo em que seja assegurada a livre concorrência ao cargo de

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legislador, o poder de decidir quando e como alterar a ordem jurídica à qual toda a sociedade

se encontra submetida.

Disso tudo, poder-se-ia afirmar que o sistema constitucional brasileiro abrigou como

exceção ao princípio da tripartição de poderes, a possibilidade de edição de medidas

provisórias pelo Presidente da República, conforme o disposto no art. 62 da CF/88.

Assim, analisando-se apenas o dispositivo constitucional que as encerra, é incorrer em

grave equívoco hermenêutico. Se tal interpretação fosse válida, poderíamos dizer, igualmente,

que em qualquer ponto da Constituição onde encontrássemos o vocábulo lei, autorizado

estaria o Presidente a criar medida provisória para regular a matéria, já que o artigo 62

conferiu a esse veículo normativo a mesma força inerente às leis.

Essa construção padece de fundamentação constitucional, pois a análise sistemática da

elaboração legislativa deve levar em consideração, necessariamente, diversos outros fatores,

como por exemplo, a indagação a quem cabe a iniciativa da deflagração do processo

legislativo.

Observa-se que essa chamada iniciativa legislativa também é assegurada ao Poder

Judiciário, rigorosamente limitada, na forma prevista no artigo 96, II, c, da Constituição

Federal, que não extrapola e nem vai além dessa limitada e específica prerrogativa.

Percebe-se quão é difícil fazer uma construção dogmática a respeito das fronteiras e

implicações constitucionais decorrentes da aplicabilidade das medidas provisórias. Mesmo

assim seguiu-se trabalhando no tema porque este foi uma resposta à busca de um instituto que

não permitisse excessos como aconteceu com o decreto-lei, previsto nas Cartas de 1937 e de

1967, que, como acontece atualmente, assegura ao Executivo uma certa “função legislativa”.

As medidas provisórias resultam do exercício, pelo Presidente da República, de

competência constitucional extraordinária e representam a expressão concreta de um poder

cautelar geral deferido ao Chefe do Executivo. Esse instituto não é fruto de delegação

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legislativa, decorre do poder de legislar em situações excepcionais, conferido pelo constituinte

originário e condicionado tão-somente às hipóteses e aos limites impostos pela própria

Constituição.

O conjunto do conteúdo do trabalho, mostra vários aspectos que envolvem o tema,

centrado numa posição crítica ao excessivo uso das medidas provisórias pelo Presidente,

muitas delas eivadas de inconstitucionalidade. O Legislativo também é destinatário destas

críticas, porque, não fosse a sua inércia, o desinteresse ou o interesse motivado de muitos de

seus membros, talvez não houvesse o elevado número desse instituto no ordenamento jurídico

brasileiro.

Do fato de o Legislativo ser uma instituição basicamente política decorre, em regra

geral, que as leis que emanam desse Poder resultam de conflitos ideológicos entre

parlamentares que defendem diferentes posições e interesses. Deve-se acreditar, sob pena de

não lhe ser dada nenhuma credibilidade, que os interesses nacionais devem consistir na

preocupação fundamental dos legisladores, com algumas divergências ideológicas, que devem

ser discutidas, reconhecendo-se a vontade da maioria.

Quanto ao parâmetro jurídico-constitucional, destaque-se a posição atual da

jurisprudência, que revela o entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal no

sentido de que as medidas provisórias, sem os pressupostos da urgência e da relevância estão

eivadas de inconstitucionalidade. Ao STF, por força das disposições contidas no artigo 102,

da CF/88, compete a guarda da Constituição, por isso, é de sua competência o julgamento de

ações de inconstitucionais de leis ou atos normativos, aí inserida a medida provisória.

Igualmente interessante vem a ser o tema da responsabilidade do Estado – em caso de

atos legislativos - por prejuízos causados pelas medidas provisórias. Os cidadãos e a

sociedade civil organizada dispõem assim deste instrumento que exercitado amiúde poderia

inibir o demasiado uso das medidas provisórias.

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Como foi dito, o estudo não se limita a uma posição simplesmente crítica ao uso de

medidas provisórias, pois indica também como alternativa para o seu acentuado uso – e aí

reside a questão fulcral desta tese – a adoção, pelo Presidente da República, dos §§ 1º e 2º do

artigo 64, da Constituição Federal, que asseguram ao Executivo solicitar urgência para a

apreciação de projetos de sua iniciativa.

Como instrumental constitucional mais eficiente do que a medida provisória, o

disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 64, da Constituição Federal, impõe ao Congresso Nacional

manifestação acerca do projeto de lei de iniciativa do Executivo Federal, dentro de quarenta e

cinco dias, sob pena de não sendo analisada a proposição, a inclusão desta na ordem do dia e

sobrestando-se as deliberações quanto aos demais assuntos, para que ultime a sua votação. O

instrumental sugerido, sem índole arbitrária, seria capaz de atender plenamente suas

iniciativas de lei, com prevê o artigo 64, §§ 1º e 2º:

§ 1º O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. § 2º Se, no caso do parágrafo anterior, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem, cada qual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobre a proposição, será incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação.

Posto à disposição do Executivo, o dispositivo sugerido, sem limitação de tema e de

quantitativo, pode substituir o uso de medidas provisórias, cuja maioria, além de

desnecessárias, vem ao nosso sistema jurídico maculada de inconstitucionalidade porque sem

o timbre da urgência e da relevância.

Para restringir e disciplinar o uso acentuado das medidas provisórias, que além de ser

fator de gravíssima insegurança jurídica, foram promulgadas as Emendas Constitucionais nºs.

06/1995, 07/1995 e 32/2001, sem alcançar o objetivo porque são editadas sem o devido rigor

constitucional e sem os requisitos da urgência e da relevância, tudo dentro da prática do

conhecido brocardo “quem pode mais, pode menos”.

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Para essa falta de rigor constitucional e para o excessivo uso de medidas provisórias,

reiteramos o simples caminho apontado para o fim desse instituto: a adoção, pelo Chefe do

Executivo, dos §§ 1º e 2º, do art. 64, da Constituição.

Reafirme-se, iniciativas desse jaez emanadas do Chefe do Executivo Federal, como as

medidas provisórias, muitas vezes, são jogadas sobre as Casas Legislativas e refletem:

a) a descrença nas instituições e, em especial, no Congresso Nacional;

b) a falta de percepção de que o Brasil, tanto quanto o mundo, mudou para exigir um

processo mais aberto e responsável de elaboração das leis.

Os argumentos sobre a governabilidade não inibem a nossa posição contrária às

medidas provisórias, abusivamente editadas pelo Presidente da República, sem considerar que

o Estado Social consente perigosa existência de um Executivo muito atuante com pretensão

de alargar seus poderes para a realização de novas diretrizes políticas. Neste caso, nem as leis

delegadas seriam suficientes para a agilidade desejada pelo governo, rompendo com a

harmonia entre os poderes e abrindo margem ao abuso, o que já acontece.

Outro mecanismo constitucional à disposição do Chefe do Poder Executivo Federal,

durante o recesso parlamentar, é poder apresentar projetos de leis de sua iniciativa através de

convocação extraordinária, conforme dispõe o artigo 57 § 6º, inciso II, da CF/88, ocasião em

que o Congresso Nacional delibera sobre matérias específicas objetos da convocação.

Para os casos de calamidade pública e de instabilidade institucional, existem os

dispositivos constitucionais previstos nos artigos 136 a 141, da CF/88, no capítulo “Do Estado

de Defesa e do Estado de Sítio”.

Como síntese do ponto defendido na dissertação, temos a desnecessidade do uso e até

mesmo a retirada desse instituto de nosso sistema constitucional, pela adoção dos §§ 1º e 2º,

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do artigo 64, porque tanto aquele dispositivo como o artigo 62, tratam de medidas provisórias,

matérias que podem ser reguladas por leis ordinárias.

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