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2. ALTERAÇÕES DENTÁRIAS POR FATORES AMBIENTAIS As anormalidades dentárias podem ser divididas entre aquelas que são influenciadas por fatores ambientais, as que são idiopáticas ou, ainda, as de natureza hereditária. Posteriormente, ainda neste capítulo, serão delineadas as causas idiopáticas e as hereditárias de alterações dos dentes. O Quadro 2-1 lista as principais alterações dentárias que podem ser causadas por influência ambiental. Em muitos casos, a causa e o efeito são óbvios; em outros, a natureza primária do problema não é facilmente identificável. Quadro 2-1 Alterações dos Dentes por Fatores Ambientais • Defeitos de desenvolvimento dos dentes • Perda da estrutura pós-desenvolvimento • Pigmentação dos dentés • Disturbios localizados da erupção EFEITOS AMBIENTAIS NO DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS DENTÁRIAS Os ameloblastos dos germes dentários em desenvolvimento são muito sensíveis a estímulos externos, e muitos fatores podem levar a anormalidades no desenvolvimento do esmalte ( Quadro 2-2 ). As anormalidades hereditárias primárias do esmalte que não estão relacionadas com outras alterações são designadas amelogênese imperfeita (ver adiante). Quadro 2-2 Fatores Associados a Defeitos do Esmalte MOREIRA, D. G. L. Página 1

CAPÍTULO 2 NEVILLE DGLM

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2. ALTERAÇÕES DENTÁRIAS POR FATORES AMBIENTAIS As anormalidades dentárias podem ser divididas entre aquelas que são influenciadas por fatores ambientais, as que são idiopáticas ou, ainda, as de natureza hereditária. Posteriormente, ainda neste capítulo, serão delineadas as causas idiopáticas e as hereditárias de alterações dos dentes. O Quadro 2-1 lista as principais alterações dentárias que podem ser causadas por influência ambiental. Em muitos casos, a causa e o efeito são óbvios; em outros, a natureza primária do problema não é facilmente identificável.  Quadro 2-1 Alterações dos Dentes por Fatores Ambientais   • Defeitos de desenvolvimento dos dentes

• Perda da estrutura pós-desenvolvimento

• Pigmentação dos dentés

• Disturbios localizados da erupção

 

 EFEITOS AMBIENTAIS NO DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS DENTÁRIAS Os ameloblastos dos germes dentários em desenvolvimento são muito sensíveis a estímulos externos, e muitos fatores podem levar a anormalidades no desenvolvimento do esmalte ( Quadro 2-2 ). As anormalidades hereditárias primárias do esmalte que não estão relacionadas com outras alterações são designadas amelogênese imperfeita (ver adiante).

Quadro 2-2

Fatores Associados a Defeitos do Esmalte

SISTÊMICOS

 • Traumas relacionados com o nascimento: Apresentações caudais, hipóxia, nascimentos múltiplos, nascimento prematuro, trabalho de parto prolongado

• Químicos: Quimioterapia antineoplásica, flúor, chumbo, tetraciclina, talidomida, vitamina D

• Anormalidades cromossômicas: Trissomia do 21

• Infecções: Varicela, citomegalovirose (CMV), infecções gastrointestinais, sarampo, pneumonia, infecções respiratórias, rubéola, sífilis, tétano

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• Doenças hereditárias: Síndrome amelocerebroipoidrótica, síndrome ameloonicoipoidrótica, epidermólise bolhosa, galactosemia, mucopolissacaridose IV, síndrome de Nance-Horan, displasia oculodentoóssea, fenilcetonúria, pseudo-hipoparatireoidismo, síndrome trico-dento-óssea, esclerose tuberosa, raquitismo dependente de vitamina D

• Má nutrição: Desnutrição generalizada, hipovitaminose A, hipovitaminose D

• Alterações metabólicas: Cardiopatias, doença celíaca, má absorção gastrointestinal, doença hepatobiliar, hiperbilirrubinemia, hipocalcemia, hipotireoidismo, hipoparatireoidismo, diabete maternal, doença renal, toxemia da gravidez

• Alterações neurológicas: Paralisia cerebral, retardo mental, defeitos de audição sensorioneurais

  

LOCAIS

• Trauma mecânico agudo local: Quedas, arma de fogo, ventilação mecânica neonatal, ritual com mutilação, cirurgias e acidentes veiculares

• Queimadura elétrica

• Irradiação

• Infecção local: osteomielite maxilar neonatal aguda, doenças inflamatórias periapicais

O esmalte dentário é o único tecido em que não ocorre remodelação após o início da sua formação. Portanto, anormalidades na formação do esmalte ficam marcadas permanentemente na superfície dos dentes. O esmalte passa por três estágios principais: (1) formação de matriz , (2) mineralização e (3) maturação . Durante a formação da matriz, as proteínas do esmalte são depositadas. Na fase seguinte, o mesmo ocorre com os minerais, e a maior parte das proteínas originais é removida. Durante a finalização da maturação, o esmalte sofre a mineralização final e os remanescentes das proteínas originais são removidos. No estágio inicial da mineralização, o esmalte é grosseiro, branco e relativamente mole. No estágio posterior da maturação, o esmalte difuso e opaco é substituído pelo esmalte definitivo, duro e translúcido.

O período em que ocorre a agressão aos ameloblastos tem grande importância na localização e aparência do defeito do esmalte. A causa do dano não parece ser de maior importância porque os estímulos locais e sistêmicos podem resultar em defeitos que têm aspectos clínicos semelhantes. O esmalte final representa um registro de todas as agressões recebidas durante

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o desenvolvimento dos dentes. O esmalte dos dentes decíduos contém o anel neonatal, e a velocidade de aposição é estimada em 0,023 mm/dia. Usando este conhecimento, o clínico pode calcular a época do dano aos dentes decíduos com precisão de até uma semana. Na dentição permanente, a posição dos defeitos do esmalte nos dá uma estimativa grosseira da época do dano; mas dados disponíveis sobre a cronologia do desenvolvimento dos dentes são oriundos de uma amostra relativamente pequena e há grande variação nas tabelas de valores considerados normais. Além disso, as variações raciais e de gênero não estão completamente estabelecidas.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS Quase todos os defeitos visíveis de esmalte causados por fatores ambientais podem ser classificados em três grupos:

1. Hipoplasia

2. Opacidades difusas

3. Opacidades demarcadas

Defeitos sutis do esmalte podem ser mascarados por saliva, placa, ou iluminação deficiente. No exame para detecção de alterações do esmalte, os dentes deverão ser completamente limpos; em seguida, secos com gaze. A fonte ideal de iluminação é a do equipamento (luz solar direta deve ser evitada). Uma solução evidenciadora deverá ser usada para melhor identificação de pequenos defeitos. A alteração do esmalte pode estar localizada ou presente em vários dentes, e a superfície dentária pode ter sido atingida parcial ou totalmente. A hipoplasia de esmalte ocorre em forma de fossetas, ranhuras, ou em grandes áreas com ausências de esmalte. As opacificações difusas do esmalte aparecem como variações da translucidez do esmalte. A espessura do esmalte afetado é normal; entretanto, ela apresenta um aumento da opacificação branca, sem que haja uma delimitação clara com o esmalte normal subjacente. As opacificações demarcadas do esmalte mostram áreas de menor translucidez, aumento da opacidade e um limite demarcado com o espaço adjacente. O esmalte tem espessura normal, e as opacidades podem ser brancas, castanhas, amarelas ou marrons.

As coroas de dentes decíduos começam seu desenvolvimento quase na décima quarta semana de gestação e continuam até a criança atingir 12 meses de idade. O desenvolvimento das coroas da dentição permanente ocorre aproximadamente dos 6 meses aos 15 anos de idade. A região da coroa prejudicada está correlacionada com a área de atividades ameloblásticas na

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época do trauma; o esmalte afetado é restrito a áreas nas quais havia atividade secretora ou maturação ativa da matriz do esmalte.

Anormalidades do esmalte causadas por fatores ambientais são muito comuns. Em pesquisa entre mais de 1.500 crianças com idades entre 12 e 15 anos de uma nação industrializada, a prevalência de esmalte defeituoso na dentição permanente foi de 68,4%. Neste grupo, 67,2% apresentaram opacidades, 14,6% revelaram hipoplasia, e ambas apareceram em 13,4% das crianças. A média de dentes afetados por indivíduo foi de 3,6 com mais de 10% das crianças tendo 10 ou mais dentes envolvidos.

A grande incidência é vista como resultado de influências sistêmicas, como a febre exantematosa, que ocorre durante os primeiros dois anos de vida. Fileiras de fossetas horizontais ou a diminuição do esmalte estão presentes nos dentes anteriores e primeiros molares ( Figs. 2-1 e 2-2 ). A perda de esmalte é bilateral e simétrica, e a localização dos defeitos está bem-correlacionada com o estágio de desenvolvimento dos dentes afetados. A semelhança de defeitos do esmalte pode ser observada em caninos, pré-molares, e segundos molares quando o evento que os provoca ocorre por volta dos 4 aos 5 anos de idade ( Fig. 2-3 ).

Fig. 2-1

Hipoplasia de esmalte por fatores ambientais . Padrão biliteral e simétrico de hipoplasia horizontal do esmalte nos dentes anteriores. Os incisivos centrais superiores foram anteriormente restaurados.

(De Neville BW, Damm DD, White DK: Color atlas of clinical oral pathology, ed 2,1999, BC

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Decker.)

Fig. 2-2

Hipoplasia de esmalte por fatores ambientais . O mesmo paciente descrito na Figura 2-1 . Note a ausência de dano no esmalte nos pré-molares.

(De Neville BW, Damm DD, White DK: Color atlas of clinical oral pathology, ed 2,1999, BC Decker.)

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Fig. 2-3

Hipoplasia de esmalte por fatores ambientais . Hipoplasia horizontal do esmalte de pré-molares e segundos molares. Observe a ausência dos primeiros molares.

(De Neville BW, Damm DD, White DK: Color atlas of clinical oral pathology, ed 2,1999, BC Decker.)

HIPOPLASIA DE TURNER Outro defeito do esmalte encontrado em dentes permanentes é o causado por doença inflamatória periapical dos dentes decíduos sobrejacentes. O dente alterado é chamado de dente de Turner (referência ao dentista clínico cujas publicações fizeram com que este problema fosse amplamente reconhecido). O aspecto da área afetada varia de acordo com a época e a gravidade do trauma. Os defeitos do esmalte variam de áreas focais de coloração branca, amarela ou marrom até extensa hipoplasia que pode atingir totalmente a coroa. O processo é mais notado em pré-molares em decorrência das suas relações com as raízes dos molares decíduos ( Figs. 2-4 e 2-5 ). Nos dentes anteriores, há menor incidência, porque, normalmente, a formação da coroa permanente está frequentemente completa antes do desenvolvimento de quaisquer doenças inflamatórias apicais que possam ocorrer nos dentes anteriores da dentição decídua, que são relativamente resistentes à cárie. Os fatores que determinam o grau de dano aos dentes permanentes pela infecção subjacente incluem o estágio de desenvolvimento dentário, o período de tempo em que a infecção permanece sem tratamento, a virulência dos organismos infecciosos e a resistência do hospedeiro à infecção.

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Fig. 2-4

Hipoplasia de Turner . Extensa hipoplasia do esmalte do primeiro pré-molar inferior, decorrente de um processo inflamatório associado ao primeiro molar decíduo antecessor.

(De Halstead CL. Blozis GG, Drinnan AJ et al: Physical evaluation of the dental patient, St Louis, 1982, Mosby.)

Fig. 2-5

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Hipoplasia de Turner . Radiografia dos mesmos dentes exibidos na Figura 2-4 . Note a falta significativa de esmalte e irregularidade na superfície de esmalte e irregularidade na superfície dentinária.

(De Halstead CL., Blozis GG, Drinnan AJ et al: Physical evaluation of the dental patient, St Louis, 1982, Mosby.)

Além dos clássicos dentes de Turner, um aumento da prevalência de opacidades demarcadas tem sido relatado nos sucessores permanentes de dentes decíduos cariados. Um estudo relatou que se o dente decíduo apresentava cárie, o seu sucessor era duas vezes mais suscetível a demonstrar um defeito circunscrito do esmalte. Ao mesmo tempo, quando o dente decíduo é extraído, por qualquer razão diferente do trauma, a prevalência de um defeito do esmalte demarcado aumenta cinco vezes.

O trauma aos dentes decíduos pode causar alteração importante na dentição subjacente e a formação de dentes de Turner. Não é uma ocorrência rara; acima de 45% de todas as crianças apresentam traumas em seus dentes decíduos. Em um estudo prospectivo de 114 crianças com 255 dentes decíduos traumatizados, 23% dos dentes permanentes correspondentes apresentaram distúrbios de desenvolvimento. Os incisivos centrais superiores são acometidos na maioria dos casos; os incisivos laterais superiores são envolvidos com menor frequência ( Fig. 2-6 ). Em diversas e abrangentes revisões, a prevalência de envolvimento de dentes posteriores ou incisivos inferiores foi menor que 10% de todos os casos.

Fig. 2-6

Hipoplasia de Turner. Hipoplasia coronária extensa do incisivo central superior esquerdo

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permanente, decorrente de um trauma anterior no incisivo central decíduo.

A frequência da lesão traumática dos dentes anteriores superiores não é surpreendente, considerando a ocorrência comum de trauma nos dentes decíduos localizados na região anterior da maxila e a relação anatômica próxima entre o gérmen do dente em desenvolvimento e os ápices dos incisivos decíduos. Como esperado, o aspecto clínico das alterações varia em função da época e da gravidade da lesão.

Em decorrência da posição dos ápices dos decíduos relativamente ao germe dentário, a superfície vestibular dos incisivos superiores é a localização mais atingida. Em geral, a área afetada apresenta-se como uma zona de pigmentação branca ou marrom-amarelada, com ou sem área de hipoplasia horizontal. O trauma também pode causar deslocamento da substância dentária dura já formada, com relação ao tecido mole do restante do dente em desenvolvimento. Isto resulta em uma curvatura do dente conhecida como dilaceração e pode afetar tanto a coroa quanto a raiz do dente (ver adiante). Quando o trauma grave ocorre na fase inicial do desenvolvimento do dente, pode levar à desorganização do germe assemelhando-se a um odontoma complexo ( Capítulo 15 ). Níveis idênticos de dano que ocorrem tardiamente no processo de formação podem levar à interrupção total ou parcial da formação radicular.

HIPOMINERALIZAÇÃO DAS CÚSPIDES DOS MOLARES Ao longo das últimas duas ou três décadas, uma série de publicações descreveu um único padrão de esmalte defeituoso que foi identificado em maior frequência no norte Europeu, embora tal condição não esteja limitada a uma localização geográfica. No passado, esse distúrbio não era diagnosticado, muito provavelmente pela alta incidência de cárie, mas com a drástica redução deste índice, tais modificações dentárias se tornaram mais aparentes.

Os pacientes afetados com hipomineralização das cúspides dos molares possuem defeitos no esmalte de um ou mais primeiros molares permanentes. O esmalte alterado pode assumir coloração branca, amarela ou marrom, com nítida demarcação entre o defeito e o esmalte normal circundante. Muitas vezes, o esmalte envolvido é macio e poroso, semelhante a giz ou a um queijo holandês velho (“molares em queijo”). Frequentemente, os incisivos também são afetados, mas os defeitos, em geral, são muito menos graves.

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O esmalte dos molares afetados é muito frágil e pode fraturar com facilidade. Muitas vezes, são sensíveis a frio, calor ou trauma mecânico. A escovação é frequentemente dolorosa, fazendo com que a criança a evite. Como o esperado, a falta de esmalte normal e a higiene deficiente levam a um rápido desenvolvimento de cárie. Durante a tentativa de tratamento odontológico, muitas vezes esses dentes alterados são muito sensíveis e difíceis de anestesiar.

A causa da hipomineralização das cúspides dos molares é desconhecida, porém muitos pesquisadores acreditam que a condição resulte de uma influência sistêmica durante os primeiros anos de vida, coincidindo com o período de mineralização dos dentes afetados. Alguns estudos foram realizados com resultados que vão de 3,6% a 25% de prevalência.

HIPOPLASIA CAUSADA POR TERAPIA ANTINEOPLÁSICA Enquanto a medicina moderna aumenta a prevalência de terapias bem-sucedidas contra o câncer na infância, torna-se evidente que o número de alterações de desenvolvimento aumente secundariamente ao uso da radioterapia ou quimioterapia. Como o esperado, os dentes em desenvolvimentos são mais gravemente afetados com estas terapias, produzindo óbvias alterações clínicas, mais em pacientes abaixo de 12 anos e, mais extensamente, naqueles abaixo de cinco anos de idade. O grau e a gravidade das alterações de desenvolvimento estão relacionados com a idade do paciente durante o tratamento, o tipo de tratamento, a dose e o campo de radiação, se utilizada.

Ainda que quimioterapia e radioterapia possam ser responsáveis pelo desenvolvimento de anormalidades, as alterações mais graves estão associadas à radiação. Doses tão baixas quanto 0,72 Gy estão associadas a leves defeitos de desenvolvimento no esmalte e na dentina. O aumento da dose é diretamente proporcional aos defeitos sobre o desenvolvimento da dentição e dos ossos gnáticos. Frequentemente, as alterações notadas incluem hipodontia, microdontia, hipoplasia radicular e hipoplasia do esmalte ( Fig. 2-7 ). Além disso, não é raro encontrar hipoplasia mandibular e redução vertical do terço inferior da face. A hipoplasia mandibular pode ocorrer como um efeito direto da radiação, por redução do crescimento ósseo alveolar devido ao desenvolvimento radicular deficiente, ou, possivelmente, por falha no crescimento relacionada com a função hipofisária alterada pela radiação craniana. A quimioterapia isoladamente resulta em alterações mais sutis, mas pode produzir um aumento na quantidade de hipoplasia do esmalte e pigmentações, microdontia discreta e, ocasionalmente, hipoplasia radicular, que é menos grave que a causada pela radiação.

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Fig. 2-7

Hipoplasia causada por terapia antineoplásica . Desenvolvimento radicular hipoplásico e microdontia causada por radioterapia.

(De Neville BW, Damm DD, White DK: Color atlas of clinical oral pathology, ed 2,1999, BC Decker.)

FLUOROSE DENTÁRIA A ingestão de quantidades excessivas de flúor pode resultar em significativos defeitos do esmalte conhecidos como fluorose dentária . Em 1901, o Dr. Frederick S. McKay sugeriu a associação entre esmalte manchado e um elemento da água de abastecimento de Colorado Springs, Colorado, Estados Unidos, durante investigação da mancha marrom do Colorado encontrada nos dentes de muitos dos seus pacientes. Em 1909, o Dr. F. L. Robertson também notou uma associação semelhante em muitos dos seus pacientes em Bauxite, Arkansas (o centro das minas de bauxita para alumínio). Em 1930, H. V. Churchill, um químico de Bauxite que foi contratado pela Aluminium Company of America, descobriu altas concentrações de fluoreto (13,7 ppm) na água e contactou McKay para coletar amostras de água em áreas afetadas do Colorado. As amostras de McKay também demonstraram níveis elevados de flúor, e a parte final do quebra-cabeça foi resolvida.

Ainda que o flúor produzisse uma estranha mancha dentária permanente, a resistência à cárie também foi notada. Em 1931, o Instituto Nacional de Saúde contratou o Dr. H. Trendley Dean para investigar a associação entre flúor, a presença de fluorose dental e a prevalência de cáries entre as crianças. Finalmente, isto levou à primeira tentativa de fluoretação da água em Grand

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Rapids, Michigan. Em consequência dos esforços destes pioneiros e do trabalho simultâneo de muitos outros, foi descoberto que o flúor na água em até 1,0 ppm reduz cáries em índices entre 50% a 70%. Desde 1962, a fluoretação da água de abastecimento é recomendada, sendo a proporção considerada ideal a estabelecida entre 0,7 e 1,2 ppm. A baixa concentração é recomendada para climas mais quentes, quando o consumo de água é aumentado, mas essa diferença tem sido questionada por conta da evolução do estilo de vida dentro das residências e da utilização de modernos sistemas de ar condicionado. Em 1999, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos considerou a fluoretação da água potável como uma das 10 grandes conquistas da saúde pública no século XX, naquele país.

Inicialmente, acreditava-se que a capacidade do flúor na redução da cárie fosse secundária à sua incorporação no desenvolvimento do esmalte, resultando em um cristal de fluorapatita mais forte e resistente a ácido. Estudos mais recentes sugerem que os efeitos pós-eruptivos do flúor podem ser iguais, ou mesmo de maior importância. Pesquisadores acreditam que a exposição contínua ao flúor tópico, contido em produtos como dentifrícios ou na água fluoretada, inibe a desmineralização e apresenta efeitos antibacterianos. Além disso, eles sugerem que a exposição ao flúor na fase pré-eruptiva é mais eficaz contra cáries em fóssulas e fissuras, enquanto que a exposição na fase pós-eruptiva é mais significativa para cáries em superfícies lisas.

O consumo de água fluoretada ideal tem sido associado a uma baixa prevalência de alterações no esmalte, que costumam ser leves. No entanto, um aumento da prevalência de fluorose dentária tem sido notado nos últimos anos. Além disso, a relativa redução de cáries em comunidades com água fluoretada aumentou entre 8% e 37%. Isto pode ser atribuído à difusão de flúor para áreas não fluoretadas por meio de envasilhamento e processamento de alimentos e bebidas com água fluoretada e uso disseminado de dentifrício fluoretado. Os dentifrícios fluoretados para adultos, suplementos fluoretados, alimentos infantis, refrigerantes, sucos de frutas e emissões industriais no meio ambiente representam potenciais fontes de flúor para crianças. Quantidades significativas de flúor também são utilizadas em fórmulas infantis; no entanto, em 1979, nos Estados Unidos, os fabricantes, de maneira voluntária, concordaram em limitar drasticamente a concentração de flúor oriunda desta fonte. Apesar disso, alguns pesquisadores têm registrado que o aumento da prevalência de fluorose continuada após 1979 se deve a indivíduos que consumiam uma fórmula concentrada de flúor em pó dissolvido em água. Para minimizar a possibilidade de fluorose, foi recomendado o uso de fórmulas prontas para o uso ou a fluoretação da água com baixa concentração de fluoreto.

Devido a esta disseminação do flúor, a necessidade de suplementos em áreas não fluoretadas está diminuindo. Em pacientes que usam dentifrícios fluoretados, o benefício anticariogênico dos suplementos é muito pequeno ou inexistente e o risco de fluorose na comunidade torna-se uma certeza. Vários pesquisadores têm recomendado seriamente que crianças com menos

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de sete anos de idade usem dentifrício fluoretado na escova dental apenas na quantidade equivalente ao tamanho de um amendoim e desaconselham a sua deglutição. Crianças pequenas tendem a engolir quase todo o dentifrício colocado em suas escovas, portanto, os pais devem ser alertados para evitar o uso de dentifrício fluoretado em crianças menores de dois anos de idade e realizar a higiene oral apenas com escova de dentes e água. Além disso, suplementos fluoretados são recomendados apenas em áreas não fluoretadas em crianças com alto risco de cárie rampante. Enfim, atualmente, há um esforço para alterar a recomendação de 1962 e diminuir o nível considerado ideal de fluoreto na água de abastecimento para 0,7 ppm.

Os defeitos do esmalte causados pelo flúor parecem ser originários da retenção de proteínas amelogeninas na estrutura do esmalte, levando à formação de esmalte hipomineralizado. Estas alterações criam uma hipomaturação permanente do esmalte na qual há um aumento da porosidade em sua superfície externa e também na camada subjacente. A estrutura do esmalte altera a reflexão da luz e cria áreas com aparência branco-giz. A maioria dos problemas associados à fluorose dentária é estética e dizem respeito à aparência dos dentes anteriores. Entretanto, o ponto crítico para fluorose dentária clinicamente significativa é durante o segundo e o terceiro anos de vida, quando os dentes são formados.

A gravidade da fluorose dentária é dependente de dose, com consumo elevado de flúor durante períodos críticos do desenvolvimento dentário sendo associadas à fluorose mais grave. Os dentes afetados são resistentes à cárie, e a superfície dentária alterada aparece como áreas com esmalte branco, opaco e sem brilho, que apresentam zonas de pigmentação amarela ou marrom-escura ( Figs. 2-8 e 2-9 ). No passado, áreas de fluorose de moderada a grave foram denominadas áreas de esmalte mosqueado . A verdadeira hipoplasia do esmalte é incomum, mas pode ocorrer como fossetas profundas, irregulares e acastanhadas. Em razão de outros fatores resultarem em um quadro semelhante de dano clínico ao esmalte, um diagnóstico definitivo requer que os defeitos sejam bilaterais e simetricamente distribuídos, e deve ser encontrada evidência de consumo excessivo de flúor ou níveis elevados de flúor no esmalte ou outros tecidos.

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Fig. 2-8

Fluorose dentária . Dentes exibindo esmalte branco, opaco e sem brilho.

Fig. 2-9

Fluorose dentária . Alteração branca e opaca dos pré-molares e segundos molares em paciente que também apresenta pigmentação dos dentes causada por tetraciclina. O paciente passou a residir em área de fluorose endêmica a partir dos 3 anos de idade.

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Recentemente, um aumento na prevalência de alterações dentárias semelhantes à fluorose dental foi associado ao uso da amoxicilina no início infância. Os dentes mais comumente afetados são os primeiros molares permanentes e os incisivos centrais superiores. O número de dentes afetados parece correlacionar-se com a duração da utilização do medicamento. Embora o mecanismo desta alteração não seja claro, os antibióticos podem reduzir a expressão gênica de proteínas da matriz ou reduzir a atividade de proteases que hidrolisam essas proteínas da matriz. Deve-se salientar, também, que uma das teorias etiológicas sugeridas para a hipomineralização das cúspides dos molares (ver texto anterior) é a teoria antibiótica.

HIPOPLASIA SIFILÍTICA A sífilis congênita ( Capítulo 5 ) resulta em um quadro de hipoplasia de esmalte que é bem-conhecido, mas que, atualmente, é tão raro que não justifica uma discussão. Dentes anteriores modificados pela sífilis são chamados de incisivos de Hutchinson e apresentam coroas cuja forma se assemelha à ponta de uma chave de fenda, com maior diâmetro no terço médio da coroa e margem incisal constricta. A porção média da margem incisal geralmente apresenta um entalhe central hipoplásico. Os dentes posteriores afetados são chamados molares em amora e apresentam a superfície oclusal constricta com uma desorganização da superfície anatômica que lembra a forma irregular da amora.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Muitos defeitos no esmalte são problemas dentários mais estéticos do que funcionais. Os dentes afetados por fluorose dentária frequentemente podem beneficiar-se da microabrasão, que produz aumento significativo e permanente na correção da pigmentação marrom ou amarela da superfície. A melhoria das marcas brancas da superfície do esmalte comumente requer posterior procedimento restaurador. Outros tipos de hipoplasias causadas por fatores ambientais levam a uma perda da superfície de proteção contínua do esmalte e podem predispor estas regiões a cáries, como foi relatado em um estudo onde mais que o dobro dos pacientes apresentava o esmalte com tais defeitos. A diminuição da resistência à cárie é tida como secundária à perda focal ou a imperfeições do esmalte. As áreas mais associadas ao aumento da prevalência de cáries demonstram falta completa na espessura do esmalte em toda a sua superfície. Estética ou funcionalmente, dentes defeituosos podem ser restaurados por meio de várias técnicas, como:

• Restaurações de resina composta com ataque ácido

• Coroas Veneers

• Coroas totais

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PERDA DE ESTRUTURA DENTÁRIA PÓS-DESENVOLVIMENTO A estrutura dentária pode ser perdida após sua formação por vários fatores além dos casos óbvios relacionados com cáries ou fraturas traumáticas. A destruição pode iniciar na superfície do esmalte por meio de abrasão, atrição, erosão ou abfração. Além disso, a perda da estrutura dentária pode começar nas superfícies da dentina, ou cemento por reabsorção interna ou externa.

DESGASTE DENTÁRIO O desgaste dentário , também chamado de perda da superfície dos dentes, é um processo fisiológico que ocorre com o decorrer do envelhecimento, mas pode ser considerado patológico quando o grau de destruição cria problemas funcionais, estéticos ou de sensibilidade dentária. Apesar de os casos de desgaste ( atrição, abrasão, erosão, abfração ) frequentemente serem discutidos como alterações independentes, a maioria dos casos de perda dentária é o resultado da combinação de fatores. Muitos casos de atrição são acelerados pela presença de materiais abrasivos na boca. Áreas de dentina exposta por atrição ou abfração são mais atingidas pelos efeitos da erosão ou da abrasão. Áreas amolecidas pela erosão são mais suscetíveis a abrasão, atrição e abfração. É importante para o clínico observar que a perda da estrutura dentária adquirida por fatores ambientais quase sempre é multifatorial.

A maioria dos pesquisadores acredita que a prevalência do desgaste dentário relatada está aumentando. Isto é, em parte, explicado pela grande conscientização entre os clínicos e, também, porque a população adulta está mantendo mais dentes naturais ao longo da vida. Além disso, indivíduos jovens parecem demostrar um aumento na perda de superfície dentárias, que muitos acreditam ser causado por uma dieta com maior quantidade de ácidos (p. ex., refrigerantes, alimentos dietéticos, frutas frescas).

Atrição é a perda da estrutura dentária causada pelo contato entre os dentes antagonistas durante a oclusão e a mastigação. O termo vem do latim attritum que significa ação do atrito contra outra superfície. Certo grau de atrição é fisiológico, e o processo torna-se mais perceptível com o aumento da idade. Quando a quantidade de perda dentária é extensa e começa a afetar a estética e a função, o processo pode ser considerado patológico.

Os fatores a seguir podem acelerar a destruição dentária:

• Qualidade inferior ou ausência de esmalte (p. ex., fluorose, hipoplasia do esmalte ou causada por fatores ambientais, ou dentinogênese imperfeita).

• Contatos prematuros (oclusão topo a topo)

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• Abrasivos intraorais, erosão e hábito de ranger os dentes

Abrasão é a perda patológica da estrutura dentária ou restauração pela ação mecânica de um agente externo. O termo surge do latim abrasum , que significa, literalmente, raspar, e implica a remoção por meio de processo mecânico. A causa mais comum da abrasão é a escovação dentária com pasta abrasiva e escovação horizontal intensa. Outros itens associados à abrasão dentária incluem hábitos de colocar entre os dentes lápis, palitos, cabos de cachimbo e grampos para cabelo. Mascar fumo, quebrar nozes, roer unha, cortar linha e o uso impróprio do fio dental também podem causar abrasão clinicamente significativa. Quando o desgaste dentário é acelerado por mascar substâncias abrasivas entre os dentes antagonistas, o processo tem sido chamado de demastigação e apresenta características tanto de atrição como de abrasão.

Erosão é a perda da estrutura dentária causada por processo químico somado à interação bacteriana com o dente. O termo deriva do latim erosum, que significa corrosão, e implica a destruição progressiva de uma superfície por um processo eletrolítico ou químico. Alguns pesquisadores sugeriram que o termo corrosão dentária seja uma designação mais adequada para esse processo, mas uma revisão nos dicionários atuais revela que ambos os termos são aceitáveis, não justificando a mudança na nomenclatura utilizada ao longo do tempo para desgaste dentário. Caracteristicamente, a erosão é causada por exposição aos ácidos, mas agentes quelantes são, geralmente, a sua causa primária. Embora a saliva contenha bicarbonato e ajude na remineralização com significativa capacidade tampão, esse efeito pode ser subjugado pela hipossalivação ou pelo excesso de ácido. Podendo estas alterações ter causas em hipofunção de glândula salivar, incluindo aplasia, desidratação, radiação terapêutica, medicamentos e condições sistêmicas como a síndrome de Sjögren, bulimia nervosa e diabetes. A fonte de ácidos geralmente está em alimentos e bebidas, mas outras fontes incluem algumas medicações (p. ex., vitamina C mastigável, tabletes de aspirina), piscinas sem monitoramento de pH, regurgitação involuntária (p. ex., hérnia de hiato, esofagite, alcoolismo crônico, gestação), regurgitação voluntária (p. ex., distúrbios psicológicos, bulimia, ocupações que requerem baixo peso corporal) e exposição a dejetos industriais no ambiente. A erosão proveniente da exposição dentária a secreções gástricas é chamada de perimólise . A saliva tem a capacidade de remineralizar superfícies do dente expostas ao ácido, isso pode ser verificado em áreas onde há dano por erosões, porque o componente abrasivo da saliva remove o esmalte amolecido antes da ocorrência da remineralização.

Não há consenso sobre a prevalência da erosão dentária. Alguns pesquisadores acreditam que a erosão raramente é a única responsável pela perda da estrutura dentária, apesar de outros referirem a erosão como a principal causa de desgaste dentário acelerado.

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Abfração se refere à perda de estrutura dentária devido a um estresse oclusal, que por flexão repetida provoca falha no esmalte e na dentina distante do ponto de pressão. O termo deriva de palavras do latim ab e fractio que significam, respectivamente, distante e rompimento . A dentina é capaz de suportar uma quantidade maior de estresse que o esmalte. Quando as forças oclusais são aplicadas excentricamente ao dente, a tensão é concentrada no fulcro cervical, levando à inclinação que pode produzir rompimento nas ligações químicas dos cristais do esmalte nas zonas cervicais. Uma vez danificado, o esmalte partido pode ser perdido ou ser mais facilmente removido por erosão ou abrasão. Alguns pesquisadores sugeriram que as restaurações oclusais enfraquecem a capacidade do dente de resistir ao estresse da oclusão e que predispõem a futuras lesões abfrativas.

Assim como para a erosão, não existe consenso sobre a prevalência da abfração. Alguns propõem que a abfração é a causadora da maior parte da perda cervical dos dentes; outros acreditam que há poucas evidências de que esta sequência de eventos ocorra na boca. Foi sugerido que os modelos utilizados para justificar o mecanismo da abfração não levam em consideração o suporte fornecido pelo osso circundante e o periodonto, que podem atuar dissipando as forças oclusais aplicadas sobre os dentes. O padrão da perda cervical dos dentes tende a ocorrer em regiões com fluxo salivar seroso diminuído, e pode ser explicado pela perda inicial da proteção salivar, em vez de excesso de forças oclusais. O envolvimento, pela abfração, das regiões cervicais vestibulares dos dentes anteriores superiores é muito intrigante, porque a flexão ocorreria na superfície palatina do dente, e não na superfície vestibular. Durante a função, os pesquisadores encontraram poucas evidências de que a tensão exercida sobre a face lingual, em esmalte e dentina, seja totalmente diferente daquelas que ocorrem quase que exclusivamente sobre a face vestibular. Finalmente, o estudo de esqueletos de aborígenes australianos revelou um avançado desgaste dentário tanto na oclusal quanto na interproximal; e apesar das evidências de cargas pesadas sobre a oclusal, os defeitos na região cervical eram raros.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

ATRIÇÃO A atrição pode ocorrer tanto na dentição decídua como na permanente. Como esperado, as superfícies mais predominantemente afetadas são aquelas que fazem contato com o dente antagonista. Mais frequentemente, encontramos as superfícies oclusais e incisais comprometidas, além das superfícies linguais dos dentes anteriores superiores e as vestibulares dos dentes inferiores anteriores. As facetas são grandes, planas, lisas, brilhantes e são encontradas em uma relação correspondente ao tipo de oclusão. Os pontos de contato interproximais também são afetados pelo movimento vertical dos dentes durante a função mastigatória. Com o tempo, esta perda interproximal resulta em uma perda do comprimento do arco. A exposição pulpar e a sensibilidade dentinária são raras devido à lentidão da perda

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de estrutura dentária e à aposição de dentina secundária e reparadora no interior da câmara pulpar ( Fig. 2-10 ).

Fig. 2-10

Atrição . Extensa perda da altura coronária dos dentes, sem exposição pulpar em paciente com oclusão anterior topo a topo.

ABRASÃO A abrasão é encontrada de várias formas, dependendo da causa. A abrasão por escovação dentária aparece caracteristicamente como entalhes cervicais horizontais na superfície vestibular com cemento e dentina radicular expostos ( Fig. 2-11 ). Os defeitos comumente têm margens definidas e superfície dura e lisa. Quando ocorre a presença de ácidos, lesões mais arredondadas e superficiais são vistas. O grau de perda é maior em dentes proeminentes (caninos, pré-molares e dentes adjacentes a áreas edêntulas) e no lado do arco oposto à mão dominante que sustenta a escova dentária. Cortar linha, usar cachimbo e abrir grampos para cabelo comumente produzem entalhes com formas arredondadas ou em V na superfície incisal dos dentes anteriores ( Figs. 2-12 e 2-13 ). O uso inadequado do fio dental e de palitos resulta na perda de cemento radicular e de dentina interproximal.

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Fig. 2-11

Abrasão . Desgastes cervicais horizontais nos dentes anteriores inferiores. Notam-se canais pulpares visíveis que foram conservados com dentina terciária.

Fig. 2-12

Abrasão . Desgaste no incisivo central (21), causado por uso impróprio de grampos para cabelo. O paciente também apresenta hipoplasia de esmalte, de natureza ambiental dos dentes anteriores.

(Cortesia do Dr. Robert J. Gorlin.)

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Fig. 2-13

Abrasão . Desgastes nos dentes anteriores do lado direito causado por uso prolongado de cachimbo.

EROSÃO Em pacientes com erosão , a perda dos dentes não está correlacionada com padrões funcionais de desgaste ou àqueles em geral associados a abrasivos conhecidos. Os locais predominantes dessas perdas são áreas que não estão protegidas pela secreção serosa das glândulas parótidas e submandibulares. As superfícies vestibulares e palatinas dos dentes superiores e as superfícies vestibulares e oclusais dos dentes posteriores inferiores são as mais afetadas. O envolvimento das superfícies linguais de toda a dentição inferior é incomum, possivelmente em decorrência da capacidade protetora da saliva serosa proveniente da glândula submandibular.

O clássico modelo de erosão dentária é constituído de uma lesão com depressão côncava central na dentina, cercada por margem elevada de esmalte. As áreas côncavas podem ser vistas nas pontas das cúspides oclusais, arestas incisais e cristas marginais ( Fig. 2-14 ). Em contraste com a abrasão, a erosão comumente afeta as superfícies vestibulares dos dentes superiores anteriores e aparecem como depressões em forma de colher rasa na porção cervical da coroa. Os dentes posteriores exibem perda extensa da superfície oclusal, e as

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margems de restaurações metálicas podem, portanto, estar acima do nível da estrutura dentária ( Fig. 2-15 ). Após uma porção do esmalte da cúspide ter sido perdida, a dentina é destruída mais rapidamente que o esmalte remanescente, resultando, com frequência, em uma depressão côncava de dentina circundada por uma margem elevada de esmalte ( Fig. 2-16 ). Quanto mais rápida a dissolução da dentina, maior é chance de ocorrer perda de esmalte por fratura. Às vezes, todas as cúspides vestibulares são perdidas e substituídas por depressões semelhantes a rampas de esqui que se estendem da cúpide lingual à junção cemento-esmalte vestibular ( Fig. 2-17 ). Quando as superfícies palatinas são atingidas, a dentina exposta apresenta uma superfície côncava e mostra uma linha branca e periférica de esmalte ( Fig. 2-18 ). A erosão ativa revela uma superfície limpa, sem manchas, enquanto que as regiões inativas apresentam-se manchadas e pigmentadas.

Fig. 2-14

Erosão . Múltiplas depressões em forma de cálice em áreas correspondentes às pontas de cúspides.

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Fig. 2-15

Erosão . Perda extensa de estrutura dentária oclusal e vestibular. Observe que as margens de amálgama estão acima da superfície da dentina.

Fig. 2-16

Erosão . Vista oclusal dos dentes superiores, exibindo depressões em dentina cercada por elevação de margens de esmalte.

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Fig. 2-17

Erosão . Extensa perda de esmalte e dentina na superfície vestibular dos pré-molares inferiores. O paciente apresentava o hábito de chupar tamarindos (uma fruta ácida).

Fig. 2-18

Erosão . Superfícies palatinas, nas quais a dentina exposta exibe uma superfície côncava e uma linha branca periférica de esmalte. O paciente sofria de bulimia.

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O desgaste focal da porção gengival da face vestibular foi denominado pelo termo inespecífico lesão cervical não cariosa , em uma tentativa de enfatizar a natureza multifatorial do processo. Estes defeitos cervicais são vistos em associação da perda de estrutura dentária oclusal, que tem características de erosão, abrasão ou ambos.

As erosões limitadas às superfícies vestibulares dos dentes superiores anteriores, muitas vezes, estão associadas a fontes dietéticas ácidas. Quando a perda dentária mostra-se limitada às porções incisais da dentição anterior de ambos os arcos, isto indica uma fonte ambiental externa. Se a erosão está localizada nas superfícies palatinas dos dentes anteriores superiores e nas superfícies oclusais dos dentes posteriores de ambas as dentições, é provável haver a regurgitação de secreções gástricas. A localização da perda dentária pode sugerir a causa da perda, mas não é totalmente confiável.

ABFRAÇÃO A abfração tem a aparência de cunhas limitadas à região cervical dos dentes e pode, com facilidade, assemelhar-se à abrasão cervical ou à erosão. Os sinais para o diagnóstico incluem defeitos que são profundos, estreitos e em forma de V (o que não permite o contato da escova dentária com a base do defeito) e, em geral, afetam um único dente, não sendo os adjacentes atingidos ( Fig. 2-19 ). Além disso, as lesões ocasionais são subgengivais, uma região caracteristicamente protegida de abrasão e erosão. As lesões são vistas quase que exclusivamente na superfície vestibular e apresentam-se com maior prevalência em pacientes com bruxismo.

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Fig. 2-19

Abfração . Defeitos profundos e estreitos na região cervical da superfície vestibular dos dentes inferiores.

(De Neville BW, Damm DD, White DK: Color atlas of clinical oral pathology, ed 2,1999, BC Decker.)

Em todas as formas de desgaste dentário, o processo ocorre normalmente de forma lenta, o que permite a deposição de dentina terciária, impedindo a exposição da polpa, mesmo quando presente extensa perda de estrutura dentária ( Fig. 2-11 ). Em muitos casos, e especialmente na dentição decídua, a perda dentária pode ocorrer de forma mais acelerada, que resulta em uma exposição franca e próxima da polpa. Em um grande estudo com 448 pacientes sobre desgaste dentário, 11,6% correspondia a uma exposição pulpar direta ou lesão próxima à polpa. Além disso, a hipersensibilidade foi observada em um terço dos pacientes que apresentavam desgaste dentário.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Níveis normais de desgaste não necessitam de tratamento, com a intervenção reservada para aqueles casos patológicos que podem gerar perda dentária. A presença de um avançado desgaste dentário na dentição decídua parece relacionar-se, de forma subsequente, com o desgaste dentário na idade adulta, o que sugere uma continuação das influências causais. O diagnóstico precoce e a intervenção podem ajudar na preservação da dentição permanente. Antes de qualquer ação definitiva, o clínico deve lembrar-se que, quase invariavelmente, desgaste dentário possui causa multifatorial. A falha em reconhecer a inter-relação destas alterações patológicas pode levar a tratamentos inapropriados e ao fracasso de qualquer tentativa de reparo. A intervenção deve enfatizar um diagnóstico detalhado, medidas preventivas e monitoramento a longo prazo. O tratamento imediato deve ser direcionado para a resolução da sensibilidade e da dor, mas identificação das causas da perda de estrutura dentária e a proteção da dentina remanescente também são objetivos importantes.

Nos pacientes afetados pela erosão dentária, intervenções preventivas podem apresentar-se como uma tentativa não só para reduzir a exposição ácida, mas também para melhorar a capacidade da cavidade oral em resistir aos efeitos dos ácidos. Após a exposição a um ácido, a saliva tem a capacidade de alcançar a remineralização com o tempo, mas os dentes são vulneráveis à abrasão antes do término dessa ação. Pesquisadores têm recomendado um intervalo mínimo de uma hora entre a exposição ácida e a escovação, em uma tentativa de

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minimizar o atrito do esmalte enfraquecido. Pacientes com erosão devem limitar a escovação dentária a uma vez ao dia, pela manhã, por causa do aumento da vulnerabilidade do esmalte atacado por ácido à abrasão e atrição. A utilização de um dentifrício minimamente abrasivo e a orientação profissional previne e pode auxiliar na redução da escovação inadequada associada à abrasão. O consumo de substâncias-tampão, como o leite e o queijo, também é tido como benéfico. A hidratação adequada é de extrema importância para manter o fluxo salivar adequado. Uma causa comum suspeitada é a diminuição do fluxo salivar secundária à desidratação, muitas vezes associada ao trabalho extenuante ou a práticas esportivas, e complicada, possivelmente, pelo uso de ácidos de refrigerantes ou por bebidas isotônicas, em lugar da água. Mascar chiclete foi sugerido como método para diminuir a erosão dentária, porque aumenta o fluxo salivar após a exposição ácida; mas outros estudos demonstraram que o esmalte ácido pode ser atenuado por danos causados pelos tecidos adjacentes durante os movimentos de mascar, neste momento de vulnerabilidade. Os pacientes devem ser informados do potencial de perda da estrutura dentária associada ao excesso de alimentos e bebidas ácidas (p. ex., vinhos, refrigerantes, conservas em ácido acético e frutas cítricas, sucos de fruta e doces), pacientes com regurgitação crônica e técnicas impróprias de higiene oral. Placas de mordida podem ser usadas para diminuir a atrição noturna e proteger os dentes da exposição frequente aos ácidos oriundos da regurgitação ou de fontes industriais. A sensibilidade dentária pode ser reduzida com o uso de vernizes, bochechos ou dentifrícios contendo cloreto de estrôncio, fluoreto estanhoso ou monofluorofosfato. Se não houver sucesso inicialmente, estes agentes podem ser combinados com iontoforese.

O tratamento restaurador ativo é prematuro na presença de desgaste continuado e deve ser adiado até que o paciente expresse forte interesse estético, apresente sensibilidade dentária que não responde a técnicas conservadoras, ou demonstre incontrolável e progressivo desgaste. Uma vez indicado, o tratamento mínimo necessário para resolver o problema deve ser implementado. Em lesões consideradas abfração, ionômero de vidro é recomendado por sua grande resiliência, que permite que o material flexione como o dente. Em áreas de abrasão, deverá ser escolhido um material com ótima resistência ao processo abrasivo. Em dentes isolados que, continuamente, perdem restaurações classe V, provavelmente, trata-se de abfração contínua, e o trauma oclusal deve ser eliminado. A reposição de dentes posteriores perdidos e a correção da oclusão topo a topo limitam os efeitos da atrição. A estrutura dentária perdida pode ser restaurada com resinas compostas, coroas veneers, restaurações metálicas ou coroas totais. Procedimentos restauradores que não envolvam significativa remoção da estrutura dentária remanescente são preferíveis em pacientes que apresentam extenso desgaste dentário.

O corpo pode adaptar-se à perda de estrutura dentária por erupção continuada, deposição de osso alveolar por aposição e crescimento compensatório do esqueleto. Se o processo da perda do dente é lento, geralmente há manutenção de dimensão vertical; em pacientes com destruição rápida, ocorre perda da dimensão vertical. A restauração da perda extensa da

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estrutura dentária é complicada e deve ser realizada apenas após avaliação total do complexo dentoalveolar.

REABSORÇÃO INTERNA E EXTERNA Além da perda da estrutura dentária que tem início nas superfícies coronárias expostas, a destruição dos dentes também pode ocorrer por reabsorção, que é realizada por células localizadas na polpa dentária ( reabsorção interna ) ou no ligamento periodontal (LP) ( reabsorção externa ). A re absorção interna é relativamente rara, e, em muitos casos, sucede a trauma aos tecidos pulpares, como o trauma físico ou pulpite por cárie. A reabsorção pode continuar por tanto tempo quanto a polpa permanecer vital e pode resultar em comunicação da polpa com o ligamento periodontal.

Por sua vez, a reabsorção externa é muito comum; com exame minucioso, todos os pacientes são prováveis portadores de reabsorção radicular em um ou mais dentes. Em uma revisão radiográfica de 13.263 dentes, todos os pacientes mostraram evidências de reabsorção radicular, e 86,4% dos dentes examinados apresentaram reabsorção externa, com média de 16 dentes afetados por paciente. Muitas áreas de reabsorção são moderadas e sem importância clínica, mas 10% dos pacientes apresentam quantidades incomuns de reabsorção externa.

O potencial para reabsorção é inerente ao tecido periodontal de cada paciente, e esta suscetibilidade individual é o fator mais importante no grau dessa alteração, que ocorrerá depois do estímulo. Os fatores relacionados para o aumento da gravidade da reabsorção externa estão no Quadro 2-3 . Muitos casos foram chamados de idiopáticos porque nenhuma razão foi encontrada para explicar a rápida reabsorção. Quando os exames radiográficos iniciais de um paciente demonstram um grau de reabsorção além daquele que é normalmente encontrado, o cirurgião-dentista deve avaliar os riscos potenciais envolvidos nos procedimentos iniciais (como os ortodônticos) que são conhecidos por serem associados ao aumento de risco de reabsorção externa.

Quadro 2-3

Fatores Associados à Reabsorção Externa

• Cistos

• Clareamento intracoronário de dentes despulpados

• Desequilíbrio hormonal

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• Doença óssea de Paget

• Envolvimento pelo herpes zoster

• Enxerto de fenda alveolar

• Forças mecánicas excessivas (p. ex., tratamento ortodôntico)

• Forças oclusais excessivas

• Inflamação perirradicular

• Pressão por dentés impactados

• Reimplante dentário

• Tratamento periodontal

• Trauma dentario

• Tumores

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS A reabsorção de dentina ou de cemento pode ocorrer em qualquer região que entre em contato com o tecido mole vital. A reabsorção interna é geralmente assintomática e descoberta em radiografias de rotina. A dor pode ser relatada quando o processo é associado à significativa inflamação pulpar. São observados dois padrões principais: (1) reabsorção inflamatória e (2) reabsorção por substituição ou reabsorção metaplásica ( Fig. 2-20 ). Na reabsorção inflamatória, a dentina reabsorvida é substituída por tecido de granulação inflamatório. Apesar de este quadro poder ocorrer em qualquer região do canal, a zona cervical é afetada mais frequentemente (e a inflamação pulpar é, em geral, causada por invasão bacteriana). A reabsorção continua enquanto a polpa permanecer vital; caracteristicamente, a polpa coronária é necrótica, com a porção apical permanecendo vital. Os resultados dos testes pulpares são variáveis. Neste quadro, a área de destruição comumente apresenta-se uniforme, com o aumento bem-circunscrito, simétrico e radiotransparente da câmara pulpar ou do canal. Quando a polpa coronária é afetada, a coroa pode mostrar uma coloração rosa ( dente róseo de Mummery ) assim que o processo reabsortivo vascular aproxima-se da superfície ( Fig. 2-21 ). Quando isto ocorre na raiz, o contorno do canal é perdido e é vista radiograficamente uma dilatação em forma de ampola ( Fig. 2-22 ). Se o processo continua, a destruição eventual pode perfurar a superfície lateral da raiz, o que pode dificultar a distinção para a reabsorção radicular externa ( Fig. 2-23 ). Ainda que muitos casos sejam progressivos, alguns são transitórios e comumente surgem em dentes traumatizados ou aqueles que tenham sofrido, recentemente, tratamento ortodôntico ou periodontal.

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Fig. 2-20

Reabsorção dentária . Ilustração comparativa entre os padrões comuns de reabsorção dentária interna e externa. A reabsorção interna resulta em um alargamento radiolúcido da câmara pulpar ou do canal radicular. Na reabsorção externa, a radiolucidez é sobreposta à polpa radicular, que não é alargada.

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Fig. 2-21

Reabsorção interna (dente róseo de Mummery). A , Pigmentação rósea dos incisivos centrais superiores. B , Radiografia do mesmo paciente, mostrando extensa reabsorção de ambos os incisivos centrais superiores.

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Fig. 2-22

Reabsorção interna. Alargamento do canal radicular em forma de ampola.

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Fig. 2-23

Reabsorção interna. A destruição foi resultado da perfuração da superfície lateral da raiz.

O padrão remanescente da reabsorção interna denomina-se substituição ou reabsorção metaplásica . Desta forma, porções de parede dentinária pulpar são reabsorvidas e substituídas por osso ou osso cementoide ( Fig. 2-20 ). Radiograficamente, a reabsorção por substituição apresenta-se como um alargamento do canal que é preenchido com material menos radiodenso do que a dentina circundante. Em razão de a zona central da polpa ser substituída por osso, o aspecto radiográfico com frequência demonstra um canal parcialmente obliterado. A linha de destruição é menos definida do que aquela vista na reabsorção inflamatória.

A reabsorção externa, ao contrário, apresenta-se caracteristicamente como uma perda de estrutura dentária com aspecto semelhante a “roída por traça”, na qual a radiolucidez é bem menos definida e demonstra variações na densidade ( Fig. 2-24 , Fig. 2-25 , Fig. 2-26 and Fig. 2-27 ). Se a lesão estiver sobre o canal pulpar, um exame mais acurado demonstra a permanência de um canal inalterado através da área do defeito. A maioria dos casos envolve o ápice ou a porção média da raiz. A reabsorção externa pode criar defeitos significativos nas coroas antes da erupção ( Fig. 2-26 ). Este quadro, frequentemente, é confundido como cárie

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pré-eruptiva, e é visto por alguns investigadores como sendo causado por defeitos no epitélio do esmalte que permitem ao tecido conjuntivo entrar em contato direto com o esmalte.

Fig. 2-24

Reabsorção externa. Destruição extensa irregular em ambas as raízes do segundo molar inferior associada à periodontite crônica.

(Cortesia do Dr. Tommy Shimer.)

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Fig. 2-25

Reabsorção externa. Alteração radiolúcida do tipo “roí-da por traça” no incisivo central superior esquerdo. O dente havia sido reimplantado após avulsão traumática.

(Cortesia do Dr. Harry Meyers.)

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Fig. 2-26

Reabsorção externa. Extensa reabsorção externa de coroa do canino superior direito impactado. O exame histopatológico revelou reabsorção sem a presença de contaminação bacteriana ou cárie.

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Fig. 2-27

Reabsorção externa. Reabsorção externa difusa de dentina radicular na arcada superior. O processo surgiu após início de tratamento ortodôntico.

Em dentes avulsionados reimplantados, quando não há uma intervenção rápida e apropriada, uma extensa reabsorção externa é muito comum ( Fig. 2-25 ). Se o dente permanece fora da boca, sem ter sido acondicionado em meio de armazenamento adequado, as células do ligamento periodontal (LP) sofrem necrose. Sem as células do LP do osso circundante vitais, o dente é tido como corpo estranho, e inicia-se o processo de reabsorção e substituição por tecido ósseo.

Reabsorções externas ocorridas durante tratamento ortodôntico não parecem ser afetadas significativamente pelo gênero ou idade do paciente, gravidade da má oclusão ou pelo tipo de mecânica usada durante a terapia. Embora a suscetibilidade individual do paciente exerça forte influência, o único preditor esqueleto-dental é a distância que o dente foi movido durante o tratamento. Os dentes anteriores superiores são mais afetados, principalmente em pacientes que foram submetidos a extrações de pré-molares. A movimentação de dentes que

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apresentam alteração de forma na raiz, como a dilaceração, também foi associada a um aumento da gravidade da reabsorção externa.

Às vezes, a reabsorção externa pode começar na área cervical e estender-se de uma pequena abertura até o envolvimento de uma grande área de dentina entre o cemento e a polpa. A reabsorção pode progredir apicalmente para o interior da polpa ou coronariamente por sob o esmalte e simular o dente róseo visto na reabsorção interna. A fase cervical da reabsorção externa é, em geral, rápida e foi chamada reabsorção cervical invasiva . Em alguns casos, vários dentes podem estar envolvidos e uma causa subjacente da acelerada destruição pode não ser óbvia ( reabsorção radicular idiopática múltipla ) ( Fig. 2-28 ). A causa exata desse padrão de reabsorção é imprecisa, e pode resultar de uma variedade de estímulos inflamatórios, traumáticos ou bacterianos, afetando as células clásticas dentro do LP. Tal fenômeno tem sido observado após tratamento ortodôntico, cirurgia ortognática, cirurgia dentoalveolar, raspagem e alisamento radicular, clareamento intracoronário de um dente tratado endodonticamente, trauma local, bruxismo e fratura dentária. Outros investigadores acreditam que este padrão de reabsorção possa ser desencadeado por patógenos periodontais, com boa resposta ao debridamento mecânico local combinado com antibióticos sistêmicos.

Fig. 2-28

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Múltipla reabsorção radicular idiopática. Extensa reabsorção cervical invasiva, de vários dentes anteriores inferiores.

(Cortesia do Dr. Keith Lemmerman.)

Além da reabsorção cervical invasiva, a reabsorção externa, generalizada e progressiva, também pode afetar a porção apical das raízes. Embora esse padrão possa ocorrer de forma secundária a distúrbio endócrino, ou parte de um pequeno número de condições sistêmicas, muitos desses casos têm difícil detecção e causa idiopática.

Se ocorrerem dificuldades em distinguir a reabsorção externa e da interna, a técnica de Clark pode ser usada por meio de duas exposições radiográficas: uma perpendicular e outra mesial (objetos próximos à fonte de radiação serão movidos distalmente). Com esta técnica, os locais de reabsorção externa parecem afastar-se do canal pulpar quando as radiografias são comparadas. Além disso, as radiografias podem revelar qual o lado da raiz está afetado em casos de reabsorção externa.

CARACTERÍSTICAS HISTOPATOLÓGICAS Em pacientes com reabsorção interna inflamatória, o tecido pulpar na área de destruição é vascular e apresenta aumento de celularidade e colagenização. Junto à parede dentinária estão numerosos dentinoclastos multinucleados, que são histológica e funcionalmente idênticos a osteoclastos ( Fig. 2-29 ). É comum observar infiltrado inflamatório formado por linfócitos, histiócitos e leucócitos polimorfonucleados. Na reabsorção por substituição, o tecido pulpar normal é reposto por osso trabeculado que se funde à dentina subjacente. De forma semelhante, a reabsorção externa apresenta numerosos dentinoclastos multinucleados localizados em áreas de perda estrutural. Áreas de reabsorção frequentemente são substituídas por meio de deposição de osteodentina. Em grandes defeitos, a reabsorção externa inflamatória resulta em deposição de tecido inflamatório de granulação, e áreas de substituição com osso trabeculado também podem ser encontradas. Áreas extensas de substituição óssea podem levar à anquilose nos casos de reabsorção externa.

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Fig. 2-29

Reabsorção interna. Reabsorção do interior da parede dentinária da polpa. Note tecido conjuntivo fibroso vascular e celular, exibindo um infiltrado inflamatório adjacente, e numerosos dentinoclastos dentro das lacunas de reabsorção.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO O tratamento das reabsorções interna e externa concentra-se na remoção de todo tecido mole dos locais de destruição dentária. A reabsorção interna pode ser efetivamente interrompida se a terapia endodôntica remover com sucesso todo o tecido pulpar antes que o processo de reabsorção atinja o ligamento periodontal. Quando a perfuração ocorre, o tratamento torna-se mais difícil e o prognóstico é ruim. Em tais casos, a remineralização pode ser tentada com o uso, ainda no início do processo, de pasta de hidróxido de cálcio, que poderá resultar em remineralização da área de perfuração e controlar o processo de reabsorção. Se a remineralização das áreas cervicais da perfuração não for bem-sucedida, a exposição cirúrgica e a restauração do defeito podem controlar o processo. A exodontia frequentemente é necessária nos casos de perfuração radicular que não respondem ao tratamento.

O primeiro passo no tratamento da reabsorção externa é a identificação e eliminação de qualquer fator desencadeante. Regiões localizadas apicalmente não podem ser abordadas sem que haja dano significativo causado por tentativas de acesso. Nos casos localizados em áreas cervicais, podem ser tratados por exposição cirúrgica, remoção de todo tecido mole das áreas afetadas e restauração das estruturas dentárias perdidas. Devido às células responsáveis pela reabsorção externa estarem localizadas no LP a terapia endodôntica não é eficaz para estabilizar o processo. Em uma pesquisa sobre reabsorção cervical generalizada, a terapia direcionada contra patógenos periodontais locais (debridamento, combinado com

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metronidazol e amoxicilina sistêmicos) cessou a reabsorção e foi associado ao aumento da densidade da crista óssea adjacente.

Para dentes avulsionados, a melhor maneira de prevenir a reabsorção é mantendo-se a vitalidade do LP, realizando o reimplante imediato ou em curto prazo, fazendo uso de solução fisiológica para seu armazenamento. Dentes reimplantados que possuem o ápice aberto devem ser monitorados mensalmente; para dentes com ápice fechado, a terapia endodôntica se faz necessária. Dentes avulsionados com o ápice aberto e células do LP não vitais não devem ser implantados.

PIGMENTAÇÃO DENTÁRIA POR FATORES AMBIENTAIS A cor dos dentes normais varia e depende de matiz, translucidez e espessura do esmalte. As colorações anormais podem ser extrínsecas ou intrínsecas . As manchas extrínsecas ocorrem pelo acúmulo superficial de um pigmento exógeno e, geralmente, podem ser removidas com o tratamento da superfície, enquanto que as manchas intrínsecas surgem de uma coloração intrínseca de material endógeno que é incorporado ao esmalte e à dentina, e não pode ser removidas por pasta profilática ou pedra pomes. O Quadro 2-4 lista as causas mais frequentes documentadas da pigmentação dentária.

Pigmentações Dentárias EXTRÍNSECAS

• Manchas bacterianas

• Ferro

• Tabaco

• Alimentos e bebidas

• Hemorragia gengival

• Materials restauradores

• Medicações

INTRÍNSECAS

• Amelogênese imperfeita

• Dentinogênese imperfeita

• Fluorose dental

• Porfiria eritropoiética

• Hiperbilirrubinemia

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• Ocronose

• Trauma

• Decomposição localizada de hemácias

• Medicações

A fluorose dentária é discutida sob a ótica dos efeitos ambientais sobre o desenvolvimento da estrutura dental (ver texto). As alterações associadas à amelogênese imperfeita (ver texto) e dentinogênese imperfeita (ver texto) serão vistas posteriormente neste capítulo, no texto referente às alterações primárias de desenvolvimento.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

PIGMENTAÇÕES EXTRÍNSECAS As manchas causadas por bactérias representam uma causa comum de pigmentação da superfície de esmalte, dentina e cemento expostos. Bactérias cromogênicas podem produzir uma coloração que varia entre cinza, marrom-escuro ou laranja. A pigmentação ocorre mais em crianças e costumam ser vistas, inicialmente, na superfície vestibular, localizadas no terço gengival dos dentes anteriores superiores. Em contrapartida com as pigmentações causadas por placa, as manchas marrom-escuras mais provavelmente não são primariamente de origem bacteriana, mas sim secundárias à formação de sulfito férrico advindo de interação entre sulfito de hidrogênio bacteriano e ferro presente na saliva ou no fluido do sulco gengival.

O uso intensivo de produtos derivados de tabaco, chá ou café , em geral, resulta em significativa pigmentação marrom da superfície do esmalte ( Fig. 2-30 ). O alcatrão presente no tabaco dissolve-se na saliva e penetra facilmente nas fóssulas e fissuras do esmalte. Tabagistas (de tabaco e de maconha) apresentam maior envolvimento das superfícies linguais dos incisivos inferiores; usuários do fumo de mascar geralmente demonstram comprometimento do esmalte na área de alojamento de tabaco. Manchas provenientes de bebidas também costumam comprometer a superfície lingual dos dentes anteriores, mas as manchas são habitualmente mais difusas e menos intensas. Além disso, alimentos que contêm clorofila em abundância podem produzir pigmentação verde na superfície do esmalte.

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Fig. 2-30

Pigmentação por tabaco. Manchas extrínsecas marrons do esmalte na superfície lingual dos dentes anteriores inferiores, devido ao uso prolongado de tabaco.

A pigmentação esverdeada associada às bactérias cromogênicas ou ao consumo frequente de alimentos que contêm clorofila pode assemelhar-se ao quadro de manchas verdes secundárias à hemorragia gengival . Como seria esperado, este padrão de pigmentação ocorre mais em pacientes com higiene bucal deficiente e gengivas hiperplasiadas, eritematosas e hemorrágicas. A cor é o resultado da decomposição da hemoglobina em biliverdina.

Vários medicamentos podem resultar na coloração da superfície dos dentes. No passado, a utilização de produtos com grandes quantidades de ferro ou iodo foi associada à significativa pigmentação negra dos dentes. A exposição a sulfetos, nitrato de prata ou manganês pode causar manchas que variam entre cinza, amarelo, marrom oupreto. O cobre e o níquel podem produzir mancha verde; cádmio, óleos essenciais e coamoxiclav (amoxicilina e ácido clavulânico) podem estar associados à pigmentação, que varia do amarelo ao marrom. Muitas pesquisas recentes têm documentado uma pigmentação que oscila entre o amarelo e o marrom, associada à doxiciclina, que pode ser removida por profilaxia profissional com agentes abrasivos; a causa desta pigmentação ainda não está clara.

Recentemente, novos medicamentos foram responsabilizados por pigmentações: o fluoreto estanhoso e a clorexidina . As manchas por flúor podem estar associadas ao uso de 8% de fluoreto estanhoso tido como decorrente da combinação do íon estanhoso (estanho) com os sulfitos bacterianos. Esta mancha negra ocorre predominantemente em pessoas com higiene

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bucal deficiente, em áreas previamente afetadas por cárie. As superfícies vestibulares dos dentes anteriores e as oclusais são mais afetadas. A clorexidina é associada a manchas marrom-amareladas que, predominantemente, envolvem a superfície interproximal junto à margem gengival. A intensidade das manchas varia com a concentração de medicação e com a suscetibilidade do paciente. Embora um aumento da frequência tenha sido associado ao uso de bebidas contendo tanino, como chá e vinho, a escovação eficiente, o uso de fio dental ou mascar chicletes com frequência pode minimizar as manchas. A clorexidina não é a única na associação de manchas dentárias; muitos antissépticos orais, como o Listerine® e sanguinarina, também produzem manchas semelhantes.

PIGMENTAÇÕES INTRÍNSECAS A porfiria eritropoiética congênita (doença de Günther) é uma alteração autossômica recessiva do metabolismo da porfirina, que resulta em um aumento da síntese e excreção de porfirinas e seus precursores relacionados. Nota-se pigmentação difusa significativa da dentição como resultado da deposição de porfirina nos dentes ( Fig. 2-31 ). Os dentes afetados apresentam uma coloração marrom-avermelhada que exibe uma fluorescência vermelha quando expostos à luz ultravioleta (UV) de Wood. Os dentes decíduos demonstram uma coloração mais intensa porque a porfirina está presente no esmalte e na dentina; nos dentes permanentes, apenas a dentina é afetada. O excesso de porfirinas também está presente na urina, o que pode revelar uma fluorescência semelhante, quando exposta à luz de Wood.

Fig. 2-31

Pigmentação dentária relacionada com a porfiria eritropoiética . Pigmentação marrom-avermelhada dos dentes.

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Outra desordem metabólica autossômica recessiva, a alcaptonúria , está associada à pigmentação azul-escura chamada ocronose que ocorre no tecido conjuntivo, tendões e cartilagens. Ocasionalmente, uma pigmentação azul da dentição também pode ser vista em pacientes com doença de Parkinson.

A bilirrubina é um produto da decomposição das hemácias e níveis elevados podem ser liberados para o sangue em várias condições. O aumento da quantidade de bilirrubina pode levar ao seu acúmulo no fluido intersticial, mucosa e pele, resultando em uma pigmentação amarelo-esverdeada chamada icterícia ( Capítulo 17 ). Durante o período de hiperbilirrubinemia , os dentes em desenvolvimento também podem acumular o pigmento e se tornarem intrinsecamente manchados. Na maioria dos casos, os dentes decíduos são afetados como resultado da ação da hiperbilirrubinemia durante o período neonatal. As causas mais comuns são a eritroblastose fetal e a atresia biliar . Outras doenças que exibem menos frequentemente manchas intrínsecas deste tipo são:

• Nascimento prematuro

• Incompatibilidade ABO

• Disfunção respiratória neonatal

• Hemorragia interna significativa

• Hipotireoidismo congênito

• Hipoplasia biliar

• Doenças metabólicas (tirosinemia, deficiência de antitripsina α1)

• Hepatite neonatal

A eritroblastose fetal é uma anemia hemolítica do recém-nascido, secundária a uma incompatibilidade sanguínea (geralmente do fator Rh) entre a mãe e o feto. Em geral, essa alteração é relativamente incomum, devido ao uso de gamaglobulina antiantígeno no parto de mães Rh negativo.

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A atresia biliar é um processo esclerosante da árvore biliar, sendo a causa mais importante de morte pela falência hepática das crianças na América do Norte. Entretanto, muitas crianças afetadas vivem após transplante de fígado bem-sucedido.

A extensão das alterações dentárias correlaciona-se com o período de hiperbilirrubinemia, e a maioria dos pacientes exibe um envolvimento limitado aos dentes decíduos Eventualmente, as cúspides dos primeiros molares permanentes podem mostrar-se afetadas. Além de hipoplasia do esmalte, os dentes atingidos apresentam uma pigmentação esverdeada ( clorodontia ). A cor é decorrente da deposição de biliverdina (o metabólito da bilirrubina que causa icterícia) e pode variar do amarelo a intensas variações de verde ( Fig. 2-32 ). A cor da estrutura do dente formado após a resolução da hiperbilirrubinemia parece normal. Os dentes mostram, muitas vezes, uma linha distinta de divisão, separando as porções esverdeadas (formadas durante a hiperbilirrubinemia) das porções de coloração normal (formadas após os níveis de bilirrubina terem sido restabelecidos).

Fig. 2-32

Pigmentação dentária relacionada com a hiperbilirrubinemia. Pigmentação da dentição cinza-azulada difusa. As porções cervicais estão manchadas mais intensamente.

(Cortesia do Dr John Giunta.)

A pigmentação da coroa é uma descoberta frequente após trauma , especialmente na dentição decídua. Lesões pós-traumáticas podem criar pigmentações róseas, amarelas ou cinza-escuras.

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A pigmentação rósea temporária que aparece entre 1 e 3 semanas após o trauma pode representar dano vascular localizado e, geralmente, retorna ao normal 1 e 3 semanas. Nestas circunstâncias, as radiografias periapicais garantem a exclusão de possível reabsorção interna que pode produzir quadro clínico semelhante. Uma pigmentação amarela tardia indica obliteração pulpar, chamada de metamorfose calcifica , e é discutida mais detalhadamente no Capítulo 3 . A pigmentação cinza-escura ocorre a longo prazo, e acomete dentes com significativa lesão pulpar, por meio de produtos de degradação sanguínea que se difundem pelos túbulos dentinários. O tratamento endodôntico iniciado antes ou logo após a morte total da polpa muitas vezes impede a pigmentação. A necrose pulpar pode ser asséptica e não estar associada a significativa sensibilidade à percussão, mobilidade, ou doença periapical inflamatória associada. Um processo relacionado secundariamente com a destruição localizada das hemácias também pode resultar em pigmentação dos dentes. Às vezes, durante um exame de necropsia ( post-mortem), é encontrada uma pigmentação rósea nos dentes. As coroas e o colo dos dentes são mais afetados, acreditando-se que o processo surja pela decomposição da hemoglobina no tecido pulpar necrosado, nos pacientes nos quais o sangue se acumulou na cabeça.

Uma pigmentação semelhante rósea ou vermelha dos dentes incisivos superiores foi relatada em pacientes vivos com hanseníase lepromatosa ( Capítulo 5 ). Ainda que controverso, alguns pesquisadores acreditam que estes dentes estão envolvidos seletivamente por causa da preferência dos micro-organismos causadores da doença por temperaturas mais baixas. Este processo é visto como decorrente da necrose relacionada com a infecção e com a ruptura de numerosos e pequenos vasos sanguíneos da polpa, com a liberação secundária de hemoglobina nos túbulos dentinários adjacentes.

Materiais restauradores , especialmente amálgama, podem resultar em pigmentação cinza-escura dos dentes. Isto ocorre com mais frequência em pacientes jovens que têm maior quantidade de túbulos dentinários abertos. Restaurações grandes proximais de classe II podem produzir pigmentação significativa da superfície dentinária vestibular subjacente. Além disso, restaurações metálicas linguais profundas nos incisivos podem manchar significativamente a dentina subjacente visível e produzir pigmentação acinzentada na superfície vestibular. Para ajudar a reduzir a possibilidade de pigmentação, o cirurgião-dentista não deve restaurar dentes anteriores tratados endodonticamente com amálgama ( Fig. 2-33 ).

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Fig. 2-33

Pigmentação por amálgama. Pigmentação verde-acinzentada do incisivo central inferior, que teve o preparo de acesso endodôntico restaurado com amálgama.

Vários medicamentos diferentes podem ser incorporados ao dente em desenvolvimento e resultar em pigmentação clinicamente evidente. A intensidade das alterações depende da época da administração, da dose e da duração do uso da droga. A mais frequentemente relacionada é a tetraciclina , com o dente afetado variando do amarelo-claro ao marrom-escuro e que, à luz ultravioleta, exibe uma fluorescência amarelo-brilhante ( Fig. 2-34 ). Após a exposição crônica à luz ambiente, a pigmentação amarela fluorescente desaparece de meses a um ano e passa a ser uma pigmentação marrom não fluorescente. A droga e os seus homólogos podem atravessar a barreira placentária; portanto, sua administração deve ser evitada desde a gestação até oito anos de idade. Os homólogos da tetraciclina que também podem estar associados à pigmentação são a clorotetraciclina (pigmentação marrom-acinzentada) e a oxitetraciclina (amarela).

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Fig. 2-34

Pigmentação dentária relacionada com a tetraciclina. Descoloração castanha difusa dos dentes permanente.

(Cortesia do Dr. John Fantasia.)

Um derivado semissintético da tetraciclina, o cloridrato de minociclina , foi considerado causador de significativa pigmentação dentária e também pode afetar dentes que já estejam completamente desenvolvidos. A minociclina é um medicamento largamente usado para tratamento de acne, e também é ocasionalmente prescrito para tratamento de artrite reumatoide. Sua utilização está aumentando e, presumivelmente, também aumentará o número de pacientes afetados por pigmentação de ossos e dentes.

Embora o mecanismo seja desconhecido, a minociclina parece aderir preferencialmente a certos tipos de tecidos colagenosos (como à polpa dentária, à dentina, ao osso e à derme). Uma vez nestes tecidos, a oxidação ocorre e pode produzir pigmentação distinta. Alguns pesquisadores acreditam que a suplementação com ácido ascórbico (um antioxidante) pode bloquear a pigmentação. Não importando a causa, uma vez que os tecidos pulpares estejam manchados, a coloração pode ser vista através da dentina e do esmalte sobrejacente translúcidos. A pigmentação não é universal; apenas 3% a 6% dos usuários a longo prazo são atingidos. Entre os afetados, o período de tempo antes que a pigmentação se torne evidente pode variar de apenas um mês a vários anos.

Em indivíduos suscetíveis, a minociclina gera pigmentações na pele, mucosa oral ( Capítulo 8 ), unhas, esclerótica, conjuntiva, tireoide, ossos e dentes. A coloração óssea, eventualmente,

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resulta em aparência cinza-azulada do palato ou da mucosa alveolar anterior que representa o osso negro aparecendo através da pele fina e transparente da mucosa oral ( Capítulo 8 ). Vários padrões de coloração podem ser notados na dentição. Dentes completamente erupcionados tipicamente revelam pigmentação cinza-azulada em três quartos da margem incisal, sendo o terço médio envolvido por completo. Raízes expostas de dentes erupcionados evidenciam uma pigmentação verde-escura, apesar de as raízes dos dentes em desenvolvimento serem negras.

Um outro antibiótico, a ciprofloxacina, é administrado por via intravenosa em recém-nascidos para combater infecções por Klebsiella spp . Embora menos significativo do que a tetraciclina, esse medicamento também foi associado à pigmentação dentária intrínseca, geralmente esverdeada.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO O polimento cuidadoso com pedra-pomes refinada pode remover a maioria dos pigmentos extrínsecos sobre os dentes; reconhecidamente, a profilaxia normal com pasta profilática é insuficiente. Pigmentos persistentes, geralmente, são removidos pela mistura de 3% de peróxido de hidrogênio com pedra-pomes ou pelo uso de jatos de bicarbonato. O uso de jato profilático com abrasivos suaves é o mais eficaz. A recidiva das manchas é comum, a menos que a causa seja reduzida ou eliminada. A melhora do padrão de higiene bucal geralmente minimiza a chance de recidiva.

Os pigmentos intrínsecos são muito mais difíceis de ser resolvidos devido à frequente extensão do envolvimento da dentina. Soluções estéticas incluem coroas totais, clareamento externo de dentes vitais, clareamento interno para dentes desvitalizados, restaurações adesivas, reconstrução com resina composta e coroas veneers laminadas. O tratamento deve ser individualizado para atender as necessidades próprias de cada paciente e do seu quadro específico de pigmentação.

DISTÚRBIOS LOCALIZADOS NA ERUPÇÃO

IMPACÇÃO A erupção é o processo contínuo de movimentação de um dente do seu local de desenvolvimento para sua posição funcional. Os dentes que cessam a erupção antes de emergirem estão impactados . Alguns autores subdividem estes dentes não erupcionados entre os que são obstruídos por uma barreira física (impactados) e aqueles que parecem mostrar uma perda da força eruptiva (inclusos). Em muitos casos, um dente pode parecer incluso; entretanto, quando removido, pode ser descoberto um hamartoma odontogênico subjacente ou um tumor. Portanto, parece apropriado classificar todos estes dentes como “impactados”.

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CARACTERÍSCTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS A impactação de dentes decíduos é raríssima; quando ocorre, os segundos molares são mais afetados ( Fig. 2-35 ). A análise de casos sugere que a anquilose representa o papel principal na patogênese. Na dentição permanente, os terceiros molares inferiores são os dentes mais impactados, seguidos pelos terceiros molares e caninos superiores. Em ordem decrescente de frequência, a impacção também pode ser vista nos pré-molares inferiores, caninos inferiores, pré-molares superiores, incisivos centrais superiores, incisivos laterais superiores e segundos molares inferiores. Primeiro molares e segundos molares superiores são raramente afetados.

Fig. 2-35

Impacção primária dos dentes decíduos. O segundo molar decíduo direito mostra erupção retardada e aumento da radiolucidez pericoronária.

(Cortesia do Dr. G. Thomas Kluemper.)

A falha na erupção é causada mais vezes por apinhamento e desenvolvimento maxilofacial insuficiente. Procedimentos que objetivam a criação de espaço, como a remoção de pré-molares para fins ortodônticos, estão associados à diminuição da prevalência de impacção de terceiros molares. Dentes impactados são, com frequência, desviados ou angulados e, por fim, perdem seu potencial de erupção (após a conclusão do desenvolvimento radicular). Outros fatores conhecidos por estarem associados à impacção incluem:

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• Cistos e tumores sobrejacentes

• Trauma

• Cirurgia reconstrutora

• Espessamento de osso ou do tecido mole sobrejacente

• Desordens sistêmicas, doenças e síndromes

Os dentes podem estar parcialmente erupcionados ou completamente impactados (impacção óssea completa). Além disso, a impacção pode ser classificada de acordo a angulação do dente com relação ao restante da dentição: mesioangular, distoangular, vertical, horizontal ou invertido. Às vezes, pequenas espículas ósseas, não vitais, podem ser vistas, clínica ou radiograficamente, superiores às coroas dos dentes permanentes superiores parcialmente irrompidos ( Fig. 2-36 ). O processo é chamado de sequestro de erupção e ocorre quando fragmentos ósseos são separados do osso contínuo durante a erupção do dente associado. Pode ser notada uma ligeira sensibilidade na área, principalmente durante a alimentação.

Fig. 2-36

Sequestro de erupção. O fragmento radiopaco de osso sobrejacente sequestrado pode ser visto no terceiro molar impactado.

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TRATATAMENTO E PROGNÓSTICO As opções de tratamento para dentes impactados incluem:

• Observação continuada

• Erupção ortodonticamente assistida

• Transplante

• Remoção cirúrgica

A presença de infecção, lesões cariosas não restauráveis, cistos, tumores ou destruição de dentes adjacentes e osso ordenam a exodontia. A remoção cirúrgica de dentes impactados é um procedimento mais realizado por cirurgiões orais e maxilofaciais. A escolha do tratamento em casos assintomáticos é uma área de debate acirrado, e não há resolução óbvia e imediata. Os riscos associados à não intervenção incluem:

• Apinhamento da dentição

• Reabsorção e piora da condição periodontal dos dentes adjacentes ( Fig. 2-37 )

Fig. 2-37

Reabsorção de dentes por impacção. Impacção mesioangular do terceiro molar inferior direito, associada à reabsorção significativa da raiz distal de segundo molar.

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(Cortesia do Dr. Richard Brock.)

• Desenvolvimento de condições patológicas, como infecções, cistos e tumores

Os riscos da intervenção incluem:

• Perda sensitiva permanente ou transitória

• Alveolite

• Trismo

• Infecção

• Fratura

• Lesão da articulação temporomandibular (ATM)

• Lesão periodontal

• Lesão dos dentes adjacentes

Os padrões de referência dentária fornecem uma variedade de perspectivas de diferentes profissionais de odontologia. Muitos especialistas (cirurgiões orais e maxilofaciais, patologistas orais e maxilofaciais) veem uma grande porcentagem de condições patológicas significativas associadas a dentes impactados comparados com a experiência de outros clínicos. Embora a doença esteja raramente associada a dentes impactados em crianças e adultos jovens, muitos estudos documentaram um aumento da prevalência desse problema em décadas posteriores, portanto, qualquer estudo prospectivo significativo deve ser extenso, em vez de limitar-se a apenas poucos anos. Uma revisão de 2.646 lesões pericoronárias submetidas a exames em um serviço de patologia oral revelou que 32,9% dos casos apresentaram lesões patologicamente significativas, com forte relação entre a idade e a prevalência de lesão pericoronária. Nesta revisão de seis anos, havia seis carcinomas de células escamosas primárias oriundos de cistos dentígeros, além de numerosos ceratocistos odontogênicos e tumores odontogênicos. Por causa da frequente exposição a tão significativas lesões periocoronárias, tais especialistas geralmente recomendam a exodontia do dente impactado.

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O sequestro de erupção não requer tratamento, em geral sofre reabsorção espontânea ou esfoliação.

ANQUILOSE A erupção continua após o aparecimento do dente para compensar o desgaste mastigatório e o crescimento dos ossos gnáticos. A interrupção da erupção após o seu começo é chamada anquilose e ocorre pela fusão do cemento ou dentina com o osso alveolar. Embora as áreas de união possam ser muito sutis para serem detectadas clínica e radiograficamente, o exame histopatológico demonstra fusão entre o dente afetado e o osso adjacente em quase todos os casos. Outros termos na literatura para este processo incluem infraoclusão, retenção secundária, submersão, reimpactação e reinclusão . Retenção secundária é um temo aceitável, mas pode ser confundido com dentes primários retidos , que mantêm sua erupção. Submersão, reimpactação e reinclusão têm conotação de uma depressão ativa, e não é este o caso.

A patogênese da anquilose é desconhecida e pode ser secundária a um de muitos fatores. Distúrbios advindos de alterações do metabolismo local, trauma, lesão, irritação química ou térmica, falha no desenvolvimento ósseo local e pressão anormal da língua foram sugeridos. O ligamento periodontal (LP) talvez atue como uma barreira que previne ligações dos osteoblastos diretamente com o cemento. A anquilose pode surgir de uma variedade de fatores que resultam da deficiência desta barreira natural. Tal perda pode surgir por trauma ou por lacuna do LP geneticamente diminuído. Outras teorias apontam para um distúrbio entre a reabsorção normal da raiz e a reparação de tecido duro. Vários pesquisadores acreditam que uma predisposição genética tenha uma significativa influência e apontam para gêmeos monozigóticos que demonstram padrões notavelmente semelhantes de anquilose para confirmar suas hipóteses.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS A anquilose pode ocorrer em qualquer idade; entretanto, clinicamente, é mais óbvia se a fusão desenvolver-se durante as duas primeiras décadas de vida. A maioria dos pacientes relatados com evidentes alterações na oclusão está entre 7 e 18 anos de idade, com o pico de prevalência ocorrendo entre 8 e 9 anos. A prevalência de anquilose clinicamente detectável em crianças varia de 1,3% a 8,9%, e da ordem de 44% nos irmãos dos afetados.

Ainda que qualquer dente possa ser atingido, os dentes mais comumente envolvidos, em ordem de frequência, são o primeiro molar inferior decíduo, segundo molar inferior decíduo, primeiro molar superior decíduo e segundo molar superior decíduo. A anquilose em dentes permanentes é incomum. Na dentição decídua, os dentes inferiores são 10 vezes mais

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afetados que os dentes superiores. O plano oclusal dos dentes envolvidos fica abaixo do da dentição adjacente (infraoclusão) em pacientes com histórico de prévia oclusão completa ( Fig. 2-38 ). Na percussão, pode ser notado um som mais grave quando mais do que 20% da raiz está fusionada ao osso. Radiograficamente, pode ser observada ausência do espaço correspondente ao ligamento periodontal; entretanto, a área da fusão está frequentemente na bifurcação e na superfície inter-radicular das raízes, fazendo com que seja muito difícil a detecção radiográfica ( Fig. 2-39 ).

Fig. 2-38

Anquilose . Molar decíduo bem abaixo do plano oclusal dos dentes adjacentes.

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Fig. 2-39

Anquilose . Radiografia de molar decíduo anquilosado. Nota-se a perda do espaço correspondente ao ligamento periodontal.

Dentes anquilosados que são deixados em posição podem levar a numerosos problemas dentários. Os dentes adjacentes quase sempre se inclinam em direção ao dente afetado, frequentemente com o desenvolvimento subsequente de problemas oclusais e periodontais. Além disso, o dente oposto apresenta extrusão. Às vezes, o dente anquilosado provoca uma deficiência localizada no rebordo alveolar ou impaccão do dente permanente subjacente. É observado, também, um aumento na frequência de mordidas aberta e cruzada.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Por estarem fusionados ao osso adjacente, os dentes anquilosados não respondem às forças ortodônticas; com as tentativas de se mover o dente anquilosado, ocasionalmente, se tem como resultado a intrusão do dente ancorado. A terapia recomendada para anquilose dos primeiros molares decíduos é variável e quase sempre determinada pela gravidade e época do processo. Quando um dente permanente sucessor está subjacente, a extração do molar anquilosado não deve ser realizada até que seja óbvio que a esfoliação não está ocorrendo normalmente, ou que as forças oclusais adversas estão atuando. Depois da extração do molar anquilosado, o dente permanente erupcionará normalmente, na maioria dos casos. Em dentes permanentes ou decíduos sem sucessor subjacente, uma reconstrução protética deve ser feita para aumentar a altura oclusal. Casos graves de molares decíduos são mais bem tratados com extração e mantenedores de espaço. A luxação de um dente permanente afetado pode ser tentada com fórceps, em um esforço para se interromper a anquilose. Espera-se que a reação inflamatória subsequente resulte na formação de novos ligamentos fibrosos na área de fusão prévia. Nestes casos, é obrigatória a reavaliação em seis meses. Ultimamente, vários relatos

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documentaram sucesso no reposicionamento de dentes permanentes anquilosados com uma combinação de ortodontia, osteotomia segmentar e distração osteogênica.

Alterações Dentárias de Desenvolvimento Numerosas alterações de desenvolvimento dos dentes podem ocorrer. O Quadro 2-5 delineia as principais alterações relacionadas, e o texto seguinte descreve estas entidades. Estas alterações podem ser primárias ou surgirem secundariamente a influências ambientais (p. ex., concrescência, hipercementose, dilaceração). Por conveniência, as formas primárias e ambientais serão discutidas em conjunto.

Quadro 2-5

Alterações Dentárias do Desenvolvimento

 NÚMERO  • Hipodontia

• Hiperdontia

  

TAMANHO  • Microdontia

• Macrodontia

  

 

FORMA  • Geminação

• Fusão

• Concrescência

• Cúspides acessórias

• Dente invaginado

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• Esmalte ectópico

• Taurodontia

• Hipercementose

• Raízes acessórias

• Dilaceração

  

ESTRUTURA

• Amelogênese imperfeita

• Dentinogênese imperfeita

• Displasia dentinária tipo 1

• Displasia dentinária tipo II

• Odontodisplasia regional

ALTERAÇÕES DE DESENVOLVIMENTO NO NÚMERO DE DENTES Variações no número de dentes em desenvolvimento são comuns. Diversos termos são úteis na discussão das variações numéricas dos dentes. Anodontia refere-se à total falta de desenvolvimento dentário. Hipodontia demonstra a falta de desenvolvimento de um ou mais dentes; oligodontia (uma subdivisão da hipodontia) indica a falta de desenvolvimento de seis ou mais dentes. Hiperdontia é o desenvolvimento de um número maior de dentes, e os dentes adicionais são chamados de supranumerários . Termos como anodontia parcial são incongruentes e devem ser evitados. Além disso, estes termos pertencem a dentes que falharam em seu desenvolvimento e não devem ser aplicados a dentes que passaram pelo desenvolvimento, mas estão impactados ou foram extraídos.

O fator genético parece exercer uma forte influência no desenvolvimento dos dentes. Numerosas síndromes hereditárias foram associadas tanto à hipodontia, como à hiperdontia ( Quadros 2-6 e 2-7 ). Em todas estas síndromes, há um aumento da prevalência de hipodontia ou hiperdontia, mas o grau de associação varia. Além disso, a real contribuição genética para o aumento ou decréscimo do número de dentes pode ser pouco clara em algumas destas condições. Além dessas síndromes, um aumento da prevalência de hipodontia pode ser notado em pacientes não sindrômicos com fenda labial (FL) ou fenda palatina (FP).

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Quadro 2-6

Síndromes Associadas à Hipodontia

• Anquiloglossia superior

• Böök

• Ceratose palmoplantar, hipertricose, cistos das pálpebras

• Cockayne

• Coffin-Lowry

• Crânio-óculo-dental

• Crouzon

• Dente e unha

• Displasia ectodérmica

• Displasia ectodérmica, fenda labial, fenda palatina

• Down

• Displasia frontometafiseal

• Displasia otodental

• Ehlers-Danlos

• Ellis-van Creveld

• Freire-Maia

• Goldenhar

• Gorlin

• Gorlin-Chaudhry-Moss

• Hallermann-Streiff

• Hanhart

• Hipoplasia dérmica focal

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• Hipoglossia-hipodactilia

• Hurer

• Incontinencia pigmentar

• Johnson-Blizzard

• Marshall-White

• Melanoleucoderma

• Monilethrix-anodontia

• Oral-facial-digital, tipo 1

• Progeria

• Proteinose lipoide

• Rieger

• Robinson

• Rothmund-Thomson

• Sturge-Weber

• Turner

Quadro 2-7

Síndromes Associadas à Hiperdontia

• Apert

• Ângio-ósteo-hipertrofia

• Displasia cleidocraniana

• Displasia craniometafiseal

• Crouzon

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• Curtius

• Down

• Ehlers-Danlos

• Ellis-van Creveld

• Fabry-Anderson

• Fucosidose

• Gardner

• Hallermann-Streiff

• Incontinência pigmentar

• Klippel-Trénaunay-Weber

• Laband

• Leopard

• Nance-Horan

• Oral-facial-digital, tipos I e III

• Sturge-Weber

• Trico-rino-falangeana

Influências genéticas ainda podem afetar não sindrômicos com relação ao fator numérico de alterações dos dentes, porque mais de 200 genes são conhecidos por desempenhar um papel na odontogênese. Devido à complexidade do sistema, variações no número de dentes surgem com ampla variedade de padrões. Uma grande porcentagem dos casos primários de hipodontia apresenta-se por herança autossômica dominante, com penetrância incompleta e expressividade variável; enquanto que minoria de exemplos presentes apresenta padrão recessivo ou ligado ao gênero. O meio ambiente exerce influência, com exemplos ocasionais sugerindo hereditariedade multifatorial. Muitos pesquisadores relataram variadas ocorrências de hipodontia em gêmeos monozigóticos (confirmado pelo perfil de DNA). Essa discordância pontual confirma a natureza multifatorial do processo. Acima de tudo, a hipodontia, mais provavelmente, representa uma variedade de distúrbios causados por fatores variáveis genéticos e epigenéticos.

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Os pesquisadores identificaram mutação genética em apenas uma pequena porcentagem de casos de hipodontia não relacionada com síndromes. Ainda que esta lista continue a se prolongar ao longo do tempo, os genes implicados neste momento incluem os genes PAX9 , o MSX1 , o AXIN2 e a deficiência He-Zhao , que está relacionada com um gene desconhecido que mapeia o cromossomo 10q11.2. Embora a expressividade variável seja comum, a maioria desses exemplos representa a oligodontia e numerosas ausências dentárias. Curiosamente, o gene afetado exibe correlação com o padrão de ausência dentária. É importante ressaltar que estes genes estão envolvidos em apenas um número muito pequeno de pacientes acometidos com hipodontia, e as bases genéticas para a maioria dos casos de hipodontia permanece indefinida.

Menos informações estão disponíveis sobre a genética da hiperdontia; no entanto, na hiperdontia, quase todos os padrões de herança possível foram sugeridos. Em todas as probabilidades, muitos casos são multifatoriais e resultam da combinação de influências genéticas e ambientais. Apesar disso, estudos em grupos étnicos sugerem um padrão de herança autossômica dominante com penetrância incompleta, herança autossômica recessiva com menor penetrância no gênero feminino, e hereditariedade ligada ao cromossomo X.

Alguns pesquisadores indicaram que a hipodontia é uma variante normal, sugerindo que os humanos estão em um estágio intermediário da evolução dentária. Uma proposta de dentição futura é representada por um incisivo, um canino, um pré-molar e dois molares por quadrante. Por sua vez, outros sugeriram que a hiperdontia representa um atavismo, ou seja, o reaparecimento de uma condição ancestral. A hipótese anterior é difícil de ser aceita porque alguns pacientes apresentaram até quatro pré-molares por quadrante, uma situação que nunca foi relatada em outros mamíferos. A teoria mais aceita é a que a hiperdontia é resultado de uma hiperatividade localizada e independente da lâmina dentária.

Em contrapartida, a hipodontia correlaciona-se com a ausência de lâmina dentária apropriada. Conforme discutido, a perda de germes dentários em desenvolvimento, em muitos momentos, parece ser geneticamente controlada. Apesar disso, provavelmente o meio ambiente influencia o resultado final ou, em alguns casos, pode ser totalmente responsável pela falta de formação do dente. A lâmina dentária é muito sensível a estímulos externos, e danos antes da formação do dente podem resultar em hipodontia. Trauma, infecção, radiação, quimioterápicos, distúrbios endócrinos e intrauterinos graves foram associados à ausência dos dentes.

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

HIPODONTIA A falha na formação de dentes é uma das anomalias de desenvolvimento dentário mais comuns, com a prevalência variando de 1,6% a 9,6% em dentes permanentes, quando a ausência dos terceiros molares é excluída. A prevalência aumenta para 20% se os terceiros molares forem considerados. A predominância em mulheres é de aproximadamente 1,5:1. A anodontia é rara e, em muitos casos, ocorre na presença hereditária da displasia ectodérmica hipoidrótica ( Capítulo 16 ). De fato, quando o número de ausências dentárias é alto ou envolve os dentes mais estáveis (p. ex., incisivos centrais superiores, primeiros molares), o paciente deve ser avaliado para diagnóstico quanto à displasia ectodérmica. A hipodontia é incomum na dentição decídua, com prevalência que varia de 0,5% a 0,9% e, quando presente, envolve mais os incisivos laterais. A ausência de um dente decíduo está fortemente associada a uma prevalência de ausência do sucessor. A falta de um dente na dentição permanente não é rara, sendo os terceiros molares os mais afetados. Depois dos terceiros molares, os segundos pré-molares e os incisivos laterais são os mais afetados ( Fig. 2-40 ). A hipodontia é positivamente associada à microdontia ( Capítulo 2 ), com a redução do desenvolvimento alveolar, ao aumento do espaço interproximal e à retenção de dentes decíduos ( Fig. 2-41 ). Em pacientes da raça branca que apresentam ausências dentárias, aproximadamente 80% dos casos demonstram apenas ausência de um ou dois dentes.

Fig. 2-40

Hipodontia . Falta de desenvolvimento dos incisivos laterais superiores. As radiografias não revelaram dentes subjacentes e não havia histórico de trauma ou extração.

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Fig. 2-41

Hipodontia . A , Ausências múltiplas de desenvolvimento de dentes permanentes e diversos dentes decíduos retidos em mulher adulta. B , A radiografia panorâmica não exibe dentes inclusos nos ossos gnáticos.

A mutação do gene PAX9 cria um padrão de oligodontia autossômica dominante, que pode envolver vários dentes, mas costuma afetar a maioria dos molares permanentes. Em casos graves, a perda dos primeiros molares, segundo pré-molares e incisivos centrais inferiores permanentes também pode ser vista. A mutação do gene MSX1 também é herdada como traço autossômico dominante. As pessoas afetadas com esta mutação tendem a demonstrar a perda do último dente de cada série; sendo que os pacientes mais gravemente afetados também apresentam progressão anterior da agenesia. Nesses pacientes, os dentes mais ausentes são os segundos pré-molares e os terceiros molares. Em casos mais graves, muitas vezes os primeiros pré-molares superiores e os incisivos laterais superiores também estão ausentes. Com a mutação do MSX1 , o grau de oligodontia é grave, com média de cerca de 12 dentes ausentes por paciente. A deficiência de He-Zhao surgiu em um grande grupo de

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familiares no noroeste da China e incluiu um padrão altamente variável de dentes ausentes, que ocorre apenas na dentição permanente. Os dentes ausentes podem afetar toda a dentição, mas essa condição envolve mais os terceiros molares, segundo pré-molares e incisivos laterais superiores.

Para cirurgiões-dentistas e seus pacientes, a descoberta mais fundamental relacionada com a hipodontia envolve a mutação do gene AXIN2 . Esse padrão de oligodontia é herdado como uma doença autossômica dominante e envolve mais a ausência do segundo e do terceiro molares, segundos pré-molares, incisivos inferiores e incisivos laterais superiores. Os incisivos centrais superiores sempre estão presentes e, habitualmente, acompanhados pelos caninos, primeiros pré-molares e primeiros molares. No entanto, o número e o tipo de dentes ausentes são altamente variáveis, um achado típico das oligodontias hereditárias. Embora a ausência dos dentes possa produzir um problema oral significativo, a presença da mutação do AXIN2 , nesse grupo de afins, foi associada ao desenvolvimento de pólipos adenomatosos do cólon e do carcinoma cólon-retal. Isto sugere que os pacientes com casos semelhantes de oligodontia devem ser questionados quanto a seu histórico familiar de câncer de cólon, com avaliação médica recomendada para aqueles possivelmente em risco.

Mesmo em familiares, o padrão herdado de hipodontia ou oligodontia, na maioria dos casos, corresponde a genes ainda não descobertos. A mais comum forma de herança da hipodontia é o padrão autossômico dominante, no qual o número médio de dentes envolvidos é pouco maior que dois. Excluindo os terceiros molares, os mais afetados, nesses casos, são o segundo pré-molar inferior, segundo pré-molar superior, incisivo lateral superior e incisivo central inferior.

HIPERDONTIA A prevalência de supranumerários permanentes em brancos está entre 0,1% e 3,8%; com uma taxa ligeiramente mais elevada em populações asiáticas. A frequência na dentição decídua é muito mais baixa e varia de 0,3% a 0,8%. Aproximadamente entre 76% a 86% de casos apresentam hiperdontia de um único dente, com dois dentes supranumerários presentes em 12% a 23% e três ou mais supranumerários vistos em menos de 1% dos casos. A hiperdontia unitária ocorre mais na dentição permanente e cerca de 95% dos casos na maxila, com forte predileção pela região anterior. A região mais comum é a região dos incisivos superiores, seguida pelos molares superiores e os molares inferiores, pré-molares, caninos e incisivos laterais ( Fig. 2-42 ). Incisivos inferiores supranumerários são muito raros. Ainda que os dentes supranumerários possam ser bilaterais, a maioria ocorre unilateralmente ( Figs. 2-43 e 2-44 ). Em contrapartida com a hiperdontia unitária, supranumerários múltiplos com origem não sindrômica ocorrem mais na mandíbula. Estes dentes supranumerários múltiplos ocorrem mais na região de pré-molar, seguida pelas regiões de molar e região anterior, respectivamente ( Fig. 2-45 ).

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Fig. 2-42

Hiperdontia (mesiodente) . Dente rudimentar supranumerário erupcionado na região anterior de maxila.

Fig. 2-43

Hiperdontia (mesiodente) . Dente supranumerário na região anterior da maxila, que alterou o curso da erupção do incisivo central permanente superior direito.

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Fig. 2-44

Hiperdontia (mesiodente) . Dentes supranumerários bilaterais invertidos na região da maxila.

Fig. 2-45

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Hiperdontia . Região inferior direita exibindo quatro pré-molares erupcionados.

Ainda que a maioria de dentes supranumerários ocorra em ossos gnáticos, foram descritos exemplos na gengiva, tuberosidade maxilar, palato mole, seios maxilares, fissura esfenomaxilar, cavidade nasal e entre a órbita e o cérebro. A erupção de dentes acessórios é variável e depende do espaço disponível; 75% dos dentes supranumerários na região anterior da maxila não irrompem. Ao contrário da hipodontia, a hiperdontia é positivamente relacionada com a macrodontia ( Capítulo 2 ) e demonstra uma predominância masculina de 2:1. Embora possam ser identificados exemplos em adultos mais velhos, a maioria dos dentes supranumerários desenvolve-se durante as primeiras duas décadas de vida.

Vários termos têm sido utilizados para descrever dentes supranumerários dependendo da sua localização. Um dente supranumerário na região de incisivos superiores é chamado mesiodente ( Fig. 2-42 ); um quarto molar acessório é frequentemente chamado distomolar ou distodente . Um dente posterior supranumerário situado lingual ou vestibularmente a um molar é chamado de paramolar ( Fig. 2-46 ).

Fig. 2-46

Paramolar . A , Dente rudimentar situado palatinamente a um molar em paciente que também apresenta hipodontia. B , Na radiografia do mesmo paciente, observa-se o dente completamente formado, sobrejacente à coroa do molar.

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Os supranumerários são divididos em tipos: suplementar (tamanho e forma normais) e rudimentar (forma anormal e tamanho menor). Os dentes supranumerários rudimentares são classificados, ainda, em conoides (pequenos, cônicos), tuberculados (anterior, em forma de barril com mais de uma cúspide) e molariformes (semelhante a pré-molares ou a molares). Apesar de alguns odontomas serem considerados hamartomas e poderem ser colocados dentro desta classificação, essas lesões são tradicionalmente incluídas na lista de tumores odontogênicos e serão discutidas no Capítulo 15 . O mesiodente conoide representa um dos dentes supranumerários mais comuns e pode irromper espontaneamente, enquanto que os tuberculados são menos frequentes e de erupção rara.

Ocasionalmente, o dente normal pode irromper em uma posição inapropriada (p. ex., o canino presente entre os pré-molares). Esse padrão anormal de erupção é chamado de transposição dentária . Tais dentes malposicionados têm sido confundidos com dentes supranumerários; mas, na realidade, em pacientes que exibem a transposição dentária, foi relatado um aumento da prevalência de hipodontia, e não da hiperdontia. Os dentes envolvidos mais frequentemente na transposição são os caninos superiores e os primeiros pré-molares. O apinhamento ou a má oclusão destes dentes normais podem indicar a necessidade de reconstrução anatômica, tratamento ortodôntico ou extração.

Dentes acessórios podem estar presentes no momento do nascimento ou logo após. Historicamente, dentes presentes ao nascimento em recém-nascidos têm sido chamados de dentes natais e aqueles que surgem dentro dos primeiros 30 dias têm sido chamados de dentes neonatais . Essa é uma distinção artificial, e parece apropriado chamar todos estes dentes de dentes natais ( Fig. 2-47 ). Embora alguns autores tenham sugerido que estes dentes podem representar dentes pré-decíduos supranumerários, a maioria é de dentes decíduos erupcionados prematuramente (e não supranumerários). Quase 85% dos dentes natais são incisivos inferiores, 11% são incisivos superiores e 4% são dentes posteriores.

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Fig. 2-47

Dente natal . Incisivos centrais inferiores que estavam erupcionados ao nascimento.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO As sequelas associadas à hipodontia incluem alteração do espaço entre os dentes, retardo na formação dentária, retardo na esfoliação de dentes decíduos, erupção tardia dos dentes permanentes e dimensão alterada das regiões gnáticas associadas. O controle do paciente com hipodontia depende da gravidade do caso. Nem sempre há necessidade de tratamento para a ausência de um único dente; a restauração protética é geralmente necessária quando há múltiplos dentes ausentes. As opções de tratamento incluem próteses fixas tradicionais, pontes em resina ou implantes osteointegrados com associação de coroas protéticas. O uso de próteses fixas tradicionais, normalmente, não é recomendado para crianças devido ao risco de exposição da polpa durante o preparo, e porque o crescimento ósseo futuro pode levar a infraoclusão e anquilose dos dentes retidos em conjunto pela prótese. Da mesma forma, como os implantes agem mais como dentes anquilosados do que como dentes em erupção, seu uso não é recomendado antes do completo crescimento ósseo, exceto em casos de pacientes com anodontia. Por estas razões, um dispositivo removível ou uma ponte em resina muitas vezes é adequado em crianças e adultos jovens, enquanto aguarda-se a completa maturação dentária e esquelética.

Em muitos casos de hipodontia, o tratamento ortodôntico poderá melhorar ou mesmo evitar a necessidade de tratamento restaurador em pacientes selecionados. Pacientes com oligodontia exibem um aumento da prevalência de reabsorção radicular externa associada à ortodontia. Isto pode ser devido às alterações na anatomia da raiz ou a extensa movimentação dentária que é exigida em alguns pacientes. O acompanhamento radiográfico é recomendado depois de

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6 a 9 meses de terapia, para avaliar a morfologia radicular quanto à evidência de reabsorção excessiva.

Quando há uma significativa demora na erupção dos dentes de determinada região da arcada, deve-se investigar a presença de supranumerários. Devido à diminuição da visibilidade na porção anterior da radiografia panorâmica, essas imagens devem ser combinadas com radiografias oclusais e periapicais, para visualização completa da área. Além do mais, dentes supranumerários podem desenvolver-se muito depois da erupção da dentição permanente. Diversas publicações documentaram supranumerários na região de pré-molares surgindo até 11 anos depois do desenvolvimento completo dos dentes. Logo, justifica-se o monitoramento a longo prazo em pacientes previamente diagnosticados com dentes supranumerários ou naqueles predispostos geneticamente.

O diagnóstico e o tratamento precoces em geral são cruciais para minimizar os problemas estéticos e funcionais dos dentes adjacentes. Pelo fato de apenas 7% a 20% dos dentes supranumerários não apresentarem complicações clínicas, a rotina de tratamento é a remoção dos dentes acessórios o mais cedo possível, ainda na dentição mista. As complicações criadas por supranumerários anteriores tendem a ser mais significativas que as associadas a dentes extras em regiões posteriores. Relatos documentaram erupção espontânea de dentição normal em 75% dos casos quando o supranumerário é removido precocemente. Após a remoção do dente supranumerário, a erupção ocorre caracteristicamente no período entre 18 meses a 3 anos. Os dentes permanentes impactados com ápices fechados ou aqueles associados a um mesiodente tuberculado mostram uma tendência reduzida de erupção espontânea. Os dentes permanentes que não conseguem entrar em erupção são mais bem tratados por exposição cirúrgica com erupção ortodôntica. A remoção de dentes decíduos não erupcionados não é recomendada, porque a maioria erupciona espontaneamente.

Uma consequência do tratamento tardio pode incluir a erupção retardada, reabsorção dos dentes adjacentes, deslocamento dentário com apinhamento associado, dilaceração, má oclusão, formação de diastemas ou erupção para a cavidade nasal. Dentes supranumerários também predispõem a área para pericoronarite subaguda, gengivite, formação de abscessos e o desenvolvimento de cistos e tumores odontogênicos. Em casos selecionados, o julgamento clínico pode não indicar a remoção cirúrgica, ou pode ocorrer resistência do paciente ao tratamento. Nesses casos, o acompanhamento regular é adequado.

Os dentes natais devem ser manipulados individualmente, com um julgamento clínico sensato guiando o tratamento apropriado. Como foram relatados, os dentes erupcionados representam, em muitos casos, a dentição decídua, e a sua remoção não deve ser realizada apressadamente. A remoção cirúrgica destes dentes é indicada quando existe risco de aspiração devido à mobilidade. Se a mobilidade não é um problema e os dentes estão estáveis,

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eles devem ser conservados. Ulcerações traumáticas dos tecidos moles adjacentes ( doença de Riga-Fede ) ( Capítulo 8 ) podem ocorrer durante a amamentação, mas geralmente podem ser resolvidas com medidas apropriadas.

ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO REFERENTES AO TAMANHO DOS DENTES O tamanho dos dentes é variável entre as diferentes raças e entre gêneros. A presença de dentes excepcionalmente pequenos é chamada de microdontia e a presença de dentes maiores que a média é chamada macrodontia . Embora a hereditariedade seja o principal fator, as influências genéticas e ambientais afetam o tamanho dos dentes em desenvolvimento. A dentição decídua parece ser mais afetada por influências intrauterinas maternas, já os dentes permanentes parecem ser mais influenciados pelo meio ambiente.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Embora o tamanho dos dentes seja variável, comumente há simetria entre os dois lados das arcadas. Apesar disso, quando há presença de significativa variação, a dentição como um todo raramente é afetada. Em geral, apenas poucos dentes são modificados significativamente em tamanho. Diferenças no tamanho do dente não podem ser consideradas isoladamente. A microdontia está fortemente associada à hipodontia (ver texto), já a macrodontia muitas vezes é vista em associação à hiperdontia (ver texto). Mulheres demonstram uma frequência maior de microdontia e hipodontia, já os homens têm maior prevalência de macrodontia e hiperdontia.

MICRODONTIA O termo microdontia deveria ser usado apenas quando os dentes fossem fisicamente menores que o comum. Dentes com o tamanho normal podem parecer menores quando amplamente espaçados em arcada que são maiores que o normal. Esta aparência tem sido historicamente chamada de microdontia relativa , mas ela representa macrognatia (não microdontia). A verdadeira microdontia difusa é incomum, mas pode ocorrer como uma descoberta isolada na síndrome de Down, no nanismo hipofisário, e em associação a um número pequeno de distúrbios hereditários raros que apresentam múltiplas anormalidades da dentição ( Fig. 2-48 ).

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Fig. 2-48

Microdontia difusa . Dentes menores que o normal e largamente espaçados nos arcos dentários.

A microdontia isolada em uma dentição normal é comum. O incisivo lateral superior é mais afetado e, em geral, aparece como uma coroa conoide sobre uma raiz que normalmente é de comprimento normal ( Fig. 2-49 ). O diâmetro mesiodistal é reduzido, e as superfícies proximais convergem para a margem incisal. A prevalência relatada varia de 0,8% a 8,4% da população, e a alteração parece ser autossômica dominante com penetração incompleta. Além disso, a microdontia isolada geralmente afeta os terceiros molares. Um fato curioso é que os incisivos laterais superiores e os terceiros molares estão entre os dentes que, com maior frequência, estão ausentes congenitamente. Quando um dente conoide está presente, os dentes permanentes remanescentes geralmente apresentam uma leve diminuição da dimensão mesiodistal.

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Fig. 2-49

Microdontia isolada (lateral conoide). Incisivo lateral superior direito microdente conoide.

MACRODONTIA Análogo à microdontia, o termo macrodontia ( megalodontia, megadontia ) deve ser usado apenas quando os dentes são fisicamente maiores que o normal e não deve incluir dentes com dimensão de coroa normal, porém apinhados em uma arcada pequena (anteriormente chamada de macrodontia relativa ). Além disso, o termo macrodontia não deve ser usado para descrever dentes que tenham sido alterados por fusão ou geminação. A participação do meio ambiente é rara, e caracteristicamente apenas poucos dentes são anormalmente grandes. A macrodontia difusa tem sido vista em associação a gigantismo hipofisário ( Capítulo 17 ), síndrome otodental, homens XYY e hiperplasia pineal com hiperinsulinismo. A macrodontia com erupção unilateral prematura não é rara nos casos de hiperplasia hemifacial ( Capítulo 1 ). Autores têm postulado que o crescimento ósseo unilateral resultante desta condição pode, também, afetar o desenvolvimento dos dentes do lado atingido. A macrodontia isolada ocorre mais em incisivos ou caninos, mas também pode ser observada em segundos pré-molares e terceiros molares. Em tais situações, a alteração ocorre frequentemente de modo bilateral.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO O tratamento não é necessário, a menos que desejado por razões estéticas. Incisivos laterais superiores conoides podem ser restaurados com coroas de porcelana.

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ALTERAÇÕES DE DESENVOLVIMENTO REFERENTES À FORMA DOS DENTES

GEMINAÇÃO, FUSÃO E CONCRESCÊNCIA Os dentes duplos (dentes colados, dentes associados) são dois dentes separados que exibem união pela dentina e (talvez) por suas polpas. A união pode ser resultado da fusão de dois germes dentários adjacentes ou da divisão parcial de um em dois. O desenvolvimento de dentes grandes isolados ou unidos (duplos) não é raro, mas a literatura é confusa quando a terminologia apropriada é apresentada. Historicamente, a geminação foi definida como uma tentativa de um único germe dentário dividir-se, com a resultante formação de um dente com coroa chanfrada e, geralmente, uma raiz e um canal radicular em comum. Inversamente, a fusão foi considerada a união de dois germes dentários normalmente separados, com a resultante formação de um dente unido com confluência de dentina. Finalmente, se definia concrescência como a união de dois dentes pelo cemento em comum sem confluência da dentina.

Muitos pesquisadores têm considerado estas definições confusas, e abriu-se o debate. Um dente duplo encontrado no lugar de um incisivo central superior permanente é um bom exemplo da controvérsia. Se o dente unificado é considerado como um e a quantidade de dentes está correta, a anomalia poderia ser resultado da divisão de um único germe dentário ou da fusão de um germe dentário permanente com o germe de um mesiodente adjacente. Alguns têm sugerido que os termos geminação, fusão e concrescência deveriam ser desconsiderados, e todas essas anomalias deveriam ser chamadas gemelaridade . Isto também é confuso porque outros investigadores usam gemelaridade para referir o desenvolvimento de dois dentes separados que surgem da completa separação de um único germe dental (isto também é discutível).

Devido a esta confusão na terminologia, o uso do termo gemelaridade não pode ser recomendado; dentes extras são chamados supranumerários e outro nome não é necessário. Mesmo que a exata patogênese possa ser questionada em alguns casos (se causada por fusão de germes adjacentes ou por divisão parcial de um germe), os termos geminação, fusão e concrescência servem a um propósito útil porque eles são os mais descritivos da apresentação clínica. A geminação é definida como um único dente aumentado ou unido (duplo) no qual a contagem dentária é normal quando o dente anômalo é considerado como um. A fusão é definida como o aumento de um único dente ou dente unido (duplo), no qual a contagem dentária revela a falta de um dente quando o dente anômalo é contado como um. Concrescência é a união de dois dentes adjacentes apenas por cemento sem confluência da dentina subjacente. Diferentemente da fusão e da geminação, a concrescência pode ser resultado do desenvolvimento ou ser pós-inflamatória. Quando dois dentes desenvolvem-se em grande proximidade, é possível o desenvolvimento unificado pelo cemento. Além disso, áreas de dano inflamatório às raízes dos dentes são reparadas pelo cemento, uma vez que o processo incitante cesse. A concrescência de dentes adjacentes pode surgir em dentes inicialmente separados nos quais a deposição de cemento estende-se entre duas raízes muito próximas, em uma área previamente lesionada.

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

GEMINAÇÃO E FUSÃO Dentes duplos ( geminação e fusão ) ocorrem nas dentições decíduas e permanentes, com maior frequência nas regiões anterior e superior ( Fig. 2-50 , Fig. 2-51 , Fig. 2-52 , Fig. 2-53 and Fig. 2-54 ). Na dentição permanente, a prevalência de dentes duplos parece ser de aproximadamente 0,3% a 0,5%, enquanto a frequência na dentição decídua é maior, variando de 0,5% e 2,5%. Na população asiática, observa-se uma ocorrência superior a 5% em alguns estudos. Em ambas as dentições, incisivos e caninos são mais comumente acometidos. O envolvimento de dentes posteriores decíduos, pré-molares e molares permanentes também pode ocorrer. A geminação é muito mais comum na maxila, enquanto que a fusão ocorre com maior frequência na mandíbula. Casos bilaterais são incomuns ( Fig. 2-55 ).

Fig. 2-50

Geminação bilateral . Dois dentes duplos. A contagem de dentes é normal quando cada dente anômalo é contado como um.

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Fig. 2-51

Geminação . Pré-molar inferior exibindo coroa bífida.

Fig. 2-52

Geminação . O mesmo paciente descrito na Fig. 2-51 . Observe a coroa bífida e o canal radicular

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compartilhado.

Fig. 2-53

Fusão . Dente duplo no lugar do incisivo lateral inferior e do canino.

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Fig. 2-54

Fusão . Vista radiográfica de dente duplo na região dos incisivos lateral e central. Notam-se os canais radiculares separados.

Fig. 2-55

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Fusão . Dentes duplos bilaterais no lugar de incisivos laterais e caninos inferiores.

A geminação e a fusão apresentam-se semelhantes e podem ser diferenciadas pela determinação do número de dentes. Alguns autores têm sugerido que a geminação apresenta um único canal radicular. Canais separados estão presentes na fusão, mas isto não ocorre em todos os casos ( Fig. 2-56 ). Uma variedade de apresentações é notada tanto na fusão quanto na geminação. Por sua vez, o processo pode resultar em um dente anatomicamente correto, porém bastante aumentado. Pode ser encontrada uma coroa bífida sobrejacente a duas raízes completamente separadas, oucoroas unidas podem fundir-se em uma raiz aumentada e com um único canal.

Fig. 2-56

Fusão . Radiografia do mesmo paciente descrito na Fig. 2-55 . Note a coroa bífida sobrejacente a um único canal radicular; a radiografia contralateral revelou um quadro semelhante.

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CONCRESCÊNCIA Concrescência é a união, pelo cemento, de dois dentes formados, ligados ao longo das superfícies radiculares. O processo é visto mais nas regiões posteriores e superiores. O padrão de desenvolvimento em geral envolve um segundo molar cujas raízes apresentam-se intimamente próximas do terceiro molar adjacente impactado ( Fig. 2-57 ). O quadro pós-inflamatório envolve molares cariados nos quais os ápices recobrem as raízes de terceiros molares angulados distal ou horizontalmente. Este quadro posterior surge com mais frequência em um dente cariado que exibe grande perda coronária. A grande exposição pulpar resultante permite a drenagem pulpar levando à resolução de uma parte da lesão intraóssea. Ocorre, então, a reparação do cemento ( Figs. 2-58 e 2-59 ).

Fig. 2-57

Concrescência . União pelo cemento de molares superiores adjacentes.

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Fig. 2-58

Concrescência . União pelo cemento dos segundos e terceiros molares superiores. Note a grande cárie no segundo molar.

Fig. 2-59

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Concrescência . Fotografia macroscópica dos mesmos dentes descritos na Fig. 2-58 . O exame histopatológico revelou que a união ocorrida na área de reparo do cemento foi previamente atingida por uma lesão inflamatória periapical.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO A presença de dente duplo (geminação ou fusão) na dentição decídua pode resultar em apinhamento, espaçamento anormal e erupção ectópica ou retardada dos dentes permanentes subjacentes. Quando detectada, a progressão da erupção dos dentes permanentes deve ser monitorada de perto, por cuidadosa observação clínica e radiográfica. Quando indicada, a extração pode ser necessária para prevenir uma anormalidade na erupção. Ocasionalmente, a fusão na dentição decídua está associada à ausência do sucessor permanente subjacente.

Várias abordagens são possíveis para o tratamento de dentes unidos na dentição permanente, e o tratamento de escolha é determinado pelas necessidades particulares de cada paciente. São raros os casos documentados de divisão cirúrgica bem-sucedida. Na maioria dos casos de divisão cirúrgica, foi realizado tratamento endodôntico. A reconstrução da forma, independente da colocação de coroas totais, é realizada em muitos casos. Outros pacientes apresentam características anatômicas pulpares ou coronárias que contraindicam a reconstrução e requerem remoção cirúrgica com reposição protética. Dentes duplos frequentemente apresentam sulcos pronunciados nas faces vestibular ou lingual tornando-os mais propensos ao desenvolvimento de cáries. Em tais casos, o selamento dos sulcos e das fissuras ou a restauração com compósito é apropriado para a conservação dos dentes.

Pacientes com concrescência geralmente não necessitam de tratamento, a menos que a união interfira na erupção; neste caso, a remoção cirúrgica pode ser justificada. A concrescência pós-inflamatória deve ser observada sempre que for planejada a exodontia para dentes desvitalizados com ápices que encobrem as raízes dos dentes adjacentes. Podem ocorrer situações de extrações significativamente difíceis na tentativa de remoção de dentes que estão fortemente ligados ao dente próximo. A separação cirúrgica das raízes geralmente é necessária para completar o procedimento sem perda de significativa porção de osso circundante.

CÚSPIDES ACESSÓRIAS A morfologia das cúspides dentárias mostra variações menores entre diferentes populações; destas, três modelos diferentes merecem discussão adicional: (1) cúspide de Carabelli

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(tubérculo de Carabelli ou tubérculo anômalo) , (2) cúspide em garra e (3) dente evaginado . Quando uma cúspide acessória está presente, geralmente o outro dente permanente apresenta um ligeiro aumento em seu tamanho.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS

CÚSPIDE DE CARABELLI A cúspide de Carabelli é uma cúspide acessória localizada na superfície palatina da cúspide mesiolingual de um molar superior ( Fig. 2-60 ). Tal cúspide pode ser vista nos dentes decíduos e permanentes e varia de uma cúspide definida a uma fóssula ou fissura pequena e recortada. Quando presente, a cúspide é mais pronunciada no primeiro molar e é menos volumosa nos segundos e terceiros molares. Quando uma cúspide de Carabelli está presente, os dentes permanentes, muitas vezes, são maiores mesiodistalmente que o normal, mas uma associação semelhante em tamanho nos dentes decíduos não é observada caracteristicamente. Há uma variação significativa entre populações diferentes, com prevalência relatada tão alta quanto 90% em brancos, sendo rara em asiáticos. Eventualmente, uma cúspide acessória análoga é observada na cúspide mesiovestibular de molares inferiores decíduos ou permanentes, denominada protoestílide.

Fig. 2-60

Cúspide de Carabelli . Cúspide acessória na superfície mesiolingual do primeiro molar superior.

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CÚSPIDE EM GARRA Uma cúspide em garra é uma cúspide adicional bem-delimitada localizada na superfície lingual de um dente anterior e que se estende pelo menos da metade da distância da junção cemento-esmalte para a margem incisal. A cúspide em garra representa a continuação ou a extensão de um cíngulo normal, um cíngulo aumentado, uma pequena cúspide acessória, ou, finalmente, a formação completa da cúspide em garra. Pesquisadores confundem a literatura referente a este assunto, categorizando todo cíngulo aumentado como cúspides em garra e desenvolveram um sistema de classificação para o grau de aumento dos cíngulos. Esse sistema de classificação dificulta a avaliação da prevalência de casos e não deve ser utilizado.

Três quartos de todas as cúspides em garra relatadas são localizadas na dentição permanente. As cúspides ocorrem predominantemente nos incisivos laterais superiores permanentes (55%) e incisivos centrais (33%), mas têm sido vistas com menor frequência em incisivos inferiores (6%) e caninos superiores (4%) ( Fig. 2-61 ). Sua ocorrência na dentição decídua é muito rara, com a maioria ocorrendo nos incisivos centrais superiores. Em quase todos os casos, a cúspide acessória é projetada da superfície lingual dos dentes afetados e forma um aspecto de tridente que lembra uma garra de águia. Em raras ocasiões, a cúspide pode projetar-se da face vestibular ou das duas superfícies de um único dente. Um profundo sulco de desenvolvimento pode estar presente onde a cúspide funde-se com a superfície subjacente do dente afetado. A maioria das cúspides em garra, mas não todas, contém uma extensão pulpar. Radiograficamente, a cúspide é vista cobrindo a porção central da coroa e inclui esmalte e dentina ( Fig. 2-62 ). Apenas poucos casos apresentam extensões pulpares visíveis em radiografias dentárias.

Fig. 2-61

Cúspide em garra . Cúspide acessória presente na superfície lingual do incisivo lateral inferior.

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Fig. 2-62

Cúspide em garra . Radiografia do mesmo paciente mostrado na Fig. 2-61 . Observam-se as camadas de esmalte e dentina da cúspide acessória.

Não foram realizadas pesquisas extensas sobre a prevalência, mas as estimativas sugerem que a frequência das cúspides em garra na população seja menor que 1% a 8%. Variações dentro de diferentes grupos populacionais fazem com que seja difícil um cálculo definitivo. O processo ocorre com maior frequência nos asiáticos, nativos americanos, esquimós e em descendentes árabes. Ambos os gêneros podem ser afetados, e a ocorrência pode ser unilateral ou bilateral.

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A cúspide acessória tem sido associada a outras anomalias dentárias (p. ex., dentes supranumerários, odontomas, dentes impactados, incisivos laterais conoides, dente invaginado e dente evaginado posterior).

Em casos isolados, influências genéticas parecem ter efeito, porque cúspides em garra têm sido documentadas em gêmeos. A cúspide em garra tem sido encontrada em pacientes com síndromes de Rubinstein-Taybi, de Mohr, de Ellis-van Creveld, incontinência pigmentar acromiante e na angiomatose de Sturge-Weber. Embora exista uma forte associação da presença da cúspide em garra com essassíndromes, geralmente ela não está clara. Em um estudo com 45 indivíduos afetados, demonstrou-se forte correlação com a síndrome de Rubinstein-Taybi, dos quais 92% apresentaram cúspides em garra. Outras características clínicas desta síndrome incluem retardo mental e retardo do crescimento, polegares largos, dedos dos pés grandes, e um número de outras alterações clínicas orodentais (lábio superior fino, retrognatia, micrognatia, palato ogival, fenda palatina submucosa e, mais raramente, fenda palatina).

DENTE EVAGINADO O dente evaginado (tubérculo central, cúspide tubercular, tubérculo acessório, pérola oclusal, odontoma evaginado, pré-molar de Leong, pré-molar tubercular) é uma elevação semelhante a uma cúspide de esmalte localizada no sulco central ou na crista lingual da cúspide vestibular de pré-molares ou de molares ( Fig. 2-63 ). Apesar de este quadro de cúspides acessórias ter sido relatado em molares, o dente evaginado ocorre caracteristicamente em pré-molares, sendo comumente bilateral e demonstrando marcada predominância pela arcada inferior. Molares decíduos são raramente afetados. A cúspide acessória normalmente consiste em esmalte e dentina, e a polpa está presente em quase metade dos casos. Embora a prevalência seja variável, muitos estudos sugerem uma frequência variando de 1% e 4%. A anomalia é encontrada com maior frequência em asiáticos, esquimós e nativos americanos, mas é rara em brancos. Pesquisas revelam que o aumento da prevalência desta anomalia nos Estados Unidos é secundário à imigração por asiáticos e hispânicos ou herança mestiça (mistura de ancestrais europeus e nativos americanos). Radiograficamente, a superfície oclusal exibe uma aparência de tubérculo e, com frequência, é vista uma extensão pulpar da cúspide ( Fig. 2-64 ). As cúspides acessórias geralmente causam interferências oclusais que estão associadas a significativos problemas clínicos. Em um amplo estudo, cerca de 80% dos tubérculos se apresentaram desgastados ou fraturados, e foram encontradas patologias pulpares em cerca de 25% dos pacientes. Necrose pulpar é comum e pode ocorrer por exposição direta ou invasão pelos túbulos dentinários imaturos. Além da anormalidade e da patologia pulpar, a cúspide acessória pode resultar em dilaceração, deslocamento e angulação ou rotação dentária.

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Fig. 2-63

Dente evaginado . Elevação semelhante a uma cúspide localizada no sulco central do primeiro pré-molar inferior.

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Fig. 2-64

Dente evaginado . Radiografia dos dentes descritos na Fig. 2-63 . Note a anatomia oclusal com tubérculos. A atrição na cúspide acessória levou a necrose pulpar e doença inflamatória periapical.

Frequentemente, o dente evaginado é visto em associação a uma outra variação da anatomia coronária, os incisivos em forma de pá . Esta alteração também ocorre predominantemente em asiáticos, com prevalência de perto de 15% em brancos, mas próxima a 100% em nativos americanos e esquimós. Os incisivos atingidos exibem margens laterais proeminentes, criando uma superfície lingual côncava que lembra a parte côncava de uma pá ( Fig. 2-65 ). Em geral, as cristas marginais espessadas convergem para o cíngulo; não é incomum a presença de fossetas profundas, fissuras ou dente invaginado nessa junção. Incisivos laterais superiores e centrais superiores são os mais afetados, com incisivos inferiores e caninos sendo relatados com menor frequência.

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Fig. 2-65

Incisivo em forma de pá . Paciente chinês exibindo incisivos superiores com margens laterais proeminentes, que criam uma superfície palatina côncava.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Pacientes com cúspide de Carabelli não requerem tratamento, a menos que um sulco profundo esteja presente entre a cúspide acessória e a superfície da cúspide mesiolingual do molar. Estes sulcos profundos devem ser selados para evitar desenvolvimento de cárie.

Pacientes com cúspide em garra nos dentes inferiores geralmente não necessitam de tratamento; cúspides em garra presente nos dentes superiores frequentemente interferem na oclusão e devem ser removidas. Outras complicações incluem comprometimento estético, deslocamento de dentes, cáries, problemas periodontais e irritação dos tecidos moles (p. ex., língua ou mucosa labial). Pelo fato de a maioria destas projeções conter um corno pulpar, a remoção precitada resulta, com frequência, em exposição pulpar. A remoção sem que haja perda de vitalidade pode ser feita por meio de desgaste periódico da cúspide, com tempo suficiente para deposição de dentina terciária e retração pulpar. Ao término de cada sessão de desgaste, a dentina exposta deverá ser recoberta com um agente dessensibilizante, do tipo verniz fluoretado que também pode acelerar a retração pulpar. Mesmo com a redução gradual e sem exposição pulpar direta, a perda de vitalidade é possível quando um grande número de túbulos dentinários imaturos está exposto. Após a remoção com sucesso, a dentina exposta é coberta com hidróxido de cálcio, o esmalte periférico é atacado com ácido e realizada uma restauração com resina composta.

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Durante a erupção, o dente afetado deverá ser examinado para que seja detectada a presença de uma fissura profunda na junção entre a cúspide em garra e a superfície do dente. Se a fissura estiver presente, deverá ser restaurada para evitar lesão cariosa precoce próxima à polpa dental. Relatos também documentam a continuação desta fissura abaixo da superfície da raiz, com subsequente desenvolvimento de lesões inflamatórias radiculares laterais, secundariamente ao acesso à flora oral, que foi permitido pela profundidade do sulco. Neste último caso, é necessária a cirurgia para expor o sulco à limpeza apropriada.

O dente evaginado normalmente resulta em problemas oclusais e leva, muitas vezes, à necrose pulpar. Em dentes afetados, a remoção das cúspides sempre é indicada, mas tentativas de manter a vitalidade têm acontecido com sucesso apenas parcial. Lentos desgastes periódicos da cúspide expõem túbulos dentinários imaturos e pode levar à pulpite irreversível sem exposição direta. Para reduzir a chance de patologia pulpar, a eliminação de interferências oclusais opostas combinada com remoção minimalista de dentina e tratamento da superfície com flúor estanhoso tem sido recomendada. A remoção da cúspide com capeamento direto ou indireto também tem trazido benefícios a alguns pacientes. Outros pesquisadores apoiam a eliminação de interferências oclusais, proteção da cúspide contra fratura pela colocação de reforço com resina, retardando a remoção da cúspide até que haja evidência significativa de dentina madura, recessão pulpar e formação completa da raiz.

Se há ocorrência de incisivos em forma de pá, os dentes afetados devem ser inspecionados para detecção dedefeitos no ponto de convergência das cristas marginais. Quaisquer fissuras ou invaginações profundas devem ser restauradas rapidamente após a erupção para proteger a polpa adjacente de exposição à cárie.

DENTE INVAGINADO (DENS IN DENT) O dente invaginado é uma profunda invaginação da superfície da coroa ou da raiz que é limitada pelo esmalte. Oehlers descreveu esta condição por meio de três artigos clássicos publicados de 1957 a 1958. São reconhecidas duas formas: coronária e radicular.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS O dente invaginado coronário é visto muito mais frequentemente; a prevalência referida varia de 0,04% a 10% dos pacientes. Em ordem de frequência decrescente, os dentes afetados quase sempre incluem os incisivos laterais, incisivos centrais, pré-molares, caninos e molares. O envolvimento dos dentes decíduos tem sido relatado, mas é incomum. Nota-se predominância pelos dentes superiores.

A profundidade da invaginação varia de um ligeiro aumento da fosseta do cíngulo a um profundo sulco que se estende ao ápice. Como seria de se esperar, antes da erupção, o lúmen

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da invaginação é preenchido com tecido mole semelhante ao do folículo dental (epitélio reduzido do esmalte com uma parede de tecido conjuntivo fibroso). Quando da erupção, este tecido mole perde o suporte vascular e necrosa.

Historicamente, o dente invaginado coronário foi classificado em três tipos principais ( Fig. 2-66 ). O tipo I mostra uma invaginação que é limitada à coroa. A invaginação tipo II estende-se abaixo da junção cemento-esmalte e termina em fundo cego que pode ou não ter comunicação com a polpa ( Figs. 2-67 e 2-68 ). Invaginações de grandes dimensões podem tornar-se dilatadas e conter esmalte distrófico na base da dilatação ( Fig. 2-69 ). O tipo III estende-se através da raiz e perfura a área apical ou lateral radicular, sem que haja qualquer comunicação imediata com a polpa. Neste último tipo, o esmalte que delimita a invaginação é frequentemente reposto pelo cemento próximo à perfuração radicular. A perfuração leva à comunicação direta da cavidade oral com o tecido intraósseo periradicular e, muitas vezes, produz lesões inflamatórias mesmo na presença de polpa vital ( Figs. 2-70 e 2-71 ).

Fig. 2-66

Dente invaginado . Ilustração descrevendo os três tipos de dente invaginado coronário.

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Fig. 2-67

Dente invaginado coronário tipo II . Incisivo lateral superior com invaginação da superfície de esmalte que se estende levemente abaixo da junção amelocementária.

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Fig. 2-68

Dente invaginado coronário tipo II . Cúspide bulbosa superior mostrando a invaginação por uma linha dilatada de esmalte.

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Fig. 2-69

Dente invaginado coronário tipo II . Fotografia macroscópica de um dente seccionado. Observe a invaginação dilatada com acúmulo apical de esmalte distrófico.

Fig. 2-70

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Dente invaginado coronário tipo III . Parúlide sobrejacente a canino vital superior e incisivo lateral. O canino é um dente invaginado que perfurou a superfície mesial da raiz.

Fig. 2-71

Dente invaginado coronário tipo III . Canino superior mostrando uma invaginação de esmalte paralela ao canal pulpar, que perfurou a superfície lateral da raiz.

(Cortesia do Dr. Brian Blocher.)

Ocasionalmente, a invaginação pode ser bastante extensa e assemelhar-se a um dente dentro do outro, daí o termo dens in dente . Em outros casos, a invaginação pode ser dilatada e atrapalhar a formação do dente, resultando em um desenvolvimento dentário anômalo denominado odontoma dilatado . O envolvimento pode ser único, múltiplo ou bilateral.

O dente invaginado radicular é raro e acredita-se que surja secundariamente a uma proliferação da bainha de Hertwig radicular com a formação de uma linha de esmalte que se estende ao longo da superfície do dente. Este quadro de deposição do esmalte é semelhante ao que é visto em associação das pérolas de esmalte radiculares (ver Esmalte Ectópico). Em vez de protuberâncias na superfície (como vistas nas pérolas de esmalte), o esmalte alterado forma uma superfície de invaginação em direção à papila dental ( Fig. 2-72 ). A invaginação

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delimitada pelo cemento da raiz foi relatada, mas representa uma simples variação da morfologia da raiz e não deve se incluída sob o termo dente invaginado radicular .

Fig. 2-72

Dente invaginado radicular . Ilustração mostrando a forma radicular do dente invaginado.

Radiograficamente, os dentes afetados mostram um alargamento da raiz. Um exame minucioso sempre revela uma invaginação dilatada limitada pelo esmalte, com a abertura da invaginação situada ao longo da porção lateral da raiz.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Durante a erupção, a invaginação dos dentes afetados comunica-se com a cavidade oral, e os tecidos moles dentro do lúmen sofrem necrose (propiciando um meio excelente para o crescimento de bactérias). Como a invaginação do tipo I é de pequenas dimensões, a abertura da invaginação deve ser restaurada na época da erupção em uma tentativa de prevenir o surgimento de cárie e inflamação pulpar subsequente. Se a invaginação não for detectada rapidamente, ocorre, com frequência a necrose pulpar. Nas invaginações grandes, o conteúdo do lúmen e qualquer dentina cariada devem ser removidos; em seguida, deve-se colocar uma base de hidróxido de cálcio para evitar qualquer possível microcomunicação com a polpa

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adjacente. Em casos com comunicação pulpar óbvia ou sinais de patologia pulpar, tanto a invaginação, como o canal pulpar subjacente requerem tratamento endodôntico. Em dentes com ápices abertos, a apicificação com hidróxido de cálcio ou agregado de trióxido mineral geralmente é bem-sucedida, seguida da obturação final.

As invaginações do tipo III associadas a lesões inflamatórias perirradiculares requerem tratamento semelhante ao endodôntico. Mais uma vez, antes da obturação final com guta-percha, a proteção temporária com hidróxido de cálcio ajuda a construir pontes dentinárias e a manter a vitalidade da polpa subjacente. Se não há vitalidade, o tratamento endodôntico de canais radiculares paralelos também se torna necessário. Alguns casos não respondem ao tratamento endodôntico conservador e requerem cirurgia periapical e obturação retrógrada. Invaginações grandes e dilatadas geralmente exibem coroas anormais e os dentes necessitam ser extraídos.

Se a invaginação não altera significativamente a morfologia dentária, são raras as complicações de dente invaginado radicular, a menos que a abertura radicular esteja exposta à cavidade oral. Após a ocorrência da exposição, a presença de cárie geralmente leva à necrose pulpar. Aberturas próximas ao colo anatômico do dente devem ser expostas e restauradas para minimizar o dano ao dente e às estruturas circundantes.

ESMALTE ECTÓPICO Esmalte ectópico refere à presença de esmalte em localizações incomuns, principalmente na raiz dentária. As mais conhecidas são as pérolas de esmalte . São estruturas hemisféricas que podem consistir inteiramente em esmalte ou conter dentina e polpa subjacentes. A maioria é projetada da superfície da raiz, acreditando-se que surja de uma projeção localizada da camada odontoblástica. Esta saliência propicia contato prolongado entre a bainha radicular de Hertwig e a dentina em desenvolvimento, desencadeando a indução da formação de esmalte. Projeções internas de esmalte semelhante para a dentina subjacente raramente foram relatadas nas coroas dentárias.

Além das pérolas de esmalte, extensões cervicais de esmalte também ocorrem ao longo da superfície das raízes dentárias. Elas representam um mergulho do esmalte da junção cemento-esmalte para a bifurcação do dente molar. Este padrão de esmalte ectópico forma uma extensão triangular do esmalte coronário que se desenvolve na superfície vestibular dos molares, cobrindo diretamente a bifurcação. A base do triângulo é contígua à porção inferior do esmalte coronário; o vértice do triângulo estende-se diretamente à bifurcação do dente. Estas áreas de esmalte ectópico são chamadas projeções cervicais de esmalte , mas esta terminologia é confusa porque não são vistas projeções exofíticas significativas.

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS

PÉROLAS DE ESMALTE As pérolas de esmalte são encontradas mais nas raízes dos molares superiores (molares inferiores são o segundo local mais frequente). Raramente, elas ocorrem nos pré-molares superiores ou incisivos. O envolvimento de molares decíduos não é raro. A prevalência das pérolas de esmalte varia (1,1% a 9,7% de todos os pacientes) em função da população estudada, sendo maior em asiáticos. Na maioria dos casos, é encontrada apenas uma pérola, mas o máximo de quatro pérolas foi documentado em um único dente. A maioria ocorre na região de furca das raízes ou próximo à junção amelo-cementária ( Fig. 2-73 ) Radiograficamente, as pérolas aparecem como nódulos bem-definidos e radiopacos, ao longo das superfícies radiculares ( Fig. 2-74 ). As pérolas de esmalte maturadas internas aparecem como áreas circulares de radiopacidade bem-definida, que seestendem da junção amelo-dentinária até a dentina coronária subjacente.

Fig. 2-73

Pérola de esmalte . Massa de esmalte ectópico localizada na área de furca de um molar.

(Cortesia do Dr. Joseph Beard.)

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Fig. 2-74

Pérola de esmalte . Nódulo radiopaco sobre a superfície mesial da raiz do terceiro molar superior. Outra pérola menos nítida está presente na raiz distal do segundo molar.

A superfície de esmalte das pérolas impede a aderência periodontal normal com o tecido conjuntivo e, provavelmente, existe uma junção hemidesmossômica. Esta junção é menos resistente à ruptura; uma vez realizada a separação, é provável a ocorrência de rápida perda de aderência. Além disso, a natureza exofítica da pérola induz à retenção de placa e à limpeza inadequada.

EXTENSÕES CERVICAIS DE ESMALTE As extensões cervicais de esmalte mencionadas estão localizadas na superfície vestibular das raízes sobrepondo-se à bifurcação ( Fig. 2-75 ). Os molares inferiores são atingidos com mais frequência que os molares superiores. Em um estudo realizado nos Estados Unidos, com 48 dentes extraídos, a prevalência foi muito alta, com cerca de 20% dos molares afetados. Estudos semelhantes demonstram maior prevalência em locais como o Japão, China e Alasca, que descobriram extensões cervicais de esmalte em 50% a 78% dos molares extraídos. As extensões cervicais de esmalte podem ser observadas em qualquer molar, mas são vistas com menor frequência nos terceiros molares. Estas extensões apicais de esmalte foram correlacionadas positivamente com perdas localizadas de ligamento periodontal e

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envolvimento de furca, uma vez que o tecido conjuntivo não pode aderir-se ao esmalte. Em uma extensa revisão dentária de pacientes com envolvimento periodontal da furca, encontrou-se uma frequência alta e significativa de extensões cervicais de esmalte, comparada a dentições sem o comprometimento da furca. Além disso, quanto maior o grau de extensão cervical, maior a frequência do envolvimento de furca.

Fig. 2-75

Extensão cervical de esmalte . Ilustração de um molar normal adjacente e um molar que mostra alongamento em forma de V do esmalte estendendo-se em direção à bifurcação.

Além do envolvimento periodontal da furca, as extensões cervicais de esmalte têm sido associadas (em alguns casos) ao desenvolvimento de cistos inflamatórios, que são histopatologicamente idênticos aos cistos inflamatórios periapicais. Os cistos desenvolvem-se ao longo da superfície vestibular acima da bifurcação e são chamados mais apropriadamente de cistos de bifurcação vestibular ( Capítulo 15 ). A associação entre a extensão cervical de esmalte e este tipo único de cisto inflamatório é controversa.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Quando as pérolas de esmalte são detectadas radiograficamente, a área deve ser vista como um ponto fraco de aderência do ligamento periodontal. Deve-se manter higiene bucal meticulosa como esforço para prevenir perda localizada de suporte periodontal. Se for

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cogitada a possibilidade de remoção da lesão, o cirurgião-dentista deve lembrar que a pérola de esmalte pode, ocasionalmente, conter tecido pulpar vital.

Para dentes com extensões cervicais de esmalte e envolvimento periodontal de furca associado, o tratamento é direcionado para a tentativa de conseguir um ligamento mais durável e prover acesso à área para limpeza mais apropriada. Alguns relatos têm sugerido o aplainamento ou a excisão de esmalte combinada com plástica da furca visando reinserção.

TAURODONTIA A taurodontia é um aumento do corpo e da câmara pulpar de um dente multirradicular com deslocamento apical do soalho pulpar e da bifurcação das raízes. Esta forma de molares foi encontrada nos antigos homens de Neandertal, e o formato do taurodente lembra aquela dos dentes molares dos animais ruminantes ( tauro = touro, e dont = dente).

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS Os dentes afetados tendem a ser retangulares em sua forma e mostram câmaras pulpares aumentadas no sentido ápico-oclusal e uma bifurcação próxima ao ápice ( Fig. 2-76 ). O diagnóstico geralmente é feito subjetivamente da imagem radiográfica. O grau de taurodontia pode ser classificado em leve ( hipotaurodontia ), moderado ( mesotaurodontia ) e severo ( hipertaurodontia ), de acordo com o grau de deslocamento apical do soalho pulpar ( Fig. 2-77 ). Critérios biométricos úteis para a determinação da taurodontia foram apresentados por Witkop e colaboradores, e por Shifman e Chanannel. Estes relatos contêm informações que são úteis aos estudos epidemiológicos do processo.

Fig. 2-76

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Taurodontia . Molares inferiores mostrando aumento da altura pulpar ápico-oclusal com soalho pulpar e bifurcação posicionada apicalmente.

(Cortesia do Dr. Michael Kahn.)

Fig. 2-77

Taurodontia . Ilustração exibindo a classificação da taurodontia em função do grau de deslocamento do soalho pulpar.

Alguns pesquisadores incluem exemplos de taurodontia nos dentes pré-molares; outros argumentam que a taurodontia não é encontrada em pré-molares. Este argumento é acadêmico, porque a presença de taurodontia em um pré-molar não pode ser documentada in situ . As pesquisas sobre taurodontia em pré-molares requerem o exame de dentes extraídos, porque as radiografias necessárias descrevem os dentes em uma orientação mesiodistal.

A taurodontia pode ser bilateral ou unilateral e afeta dentes permanentes mais frequentemente que os decíduos. Não há predileção por gênero. A prevalência relatada é altamente variável (0,5% e 46%) e muito provavelmente está relacionada com diferentes critérios diagnósticos e a variações raciais. Nos Estados Unidos, muitos relatos indicam uma

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prevalência de 2,5% a 3,2% na população. Alguns pesquisadores acreditam que a alteração é mais uma variação da normalidade do que uma anomalia patológica definitiva. O processo geralmente demonstra um efeito de campo com o envolvimento de todos os molares. Quando isto ocorre, o primeiro molar é menos afetado, com aumento da gravidade da lesão notada nos segundos e terceiros molares, respectivamente.

A taurodontia pode ocorrer como uma característica isolada ou como um componente de uma síndrome específica ( Quadro 2-8 ). Um aumento da frequência de taurodontia foi relatado em pacientes com hipodontia, fenda labial e fenda palatina. Pesquisas têm mostrado que a taurodontia pode desenvolver-se em conjunto com um grande número de alterações genéticas. Estas descobertas sugerem que anormalidades cromossomiais podem interromper o desenvolvimento da forma dos dentes e que a taurodontia não é o resultado de uma anormalidade genética específica.

Quadro 2-8

Síndromes Associadas à Taurodontia

• Amelogênese imperfeta hipoplásica, tipo IE

• Amelogênese imperfeita-taurodontia, tipo IV

• Cranioectodérmica

• Displasia ectodérmica

• Hiperfosfatasia-oligofrenia-taurodontia

• Hipofostatasia

• Klinefelter

• Lowe

• Microdontia-taurodontia-dente invaginado

• Nanismo microcefálico-taurodontia

• Displasia óculo-dento-digital

• Oral-facial-digital, tipo II

• Rapp-Hodgkin

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• Cabelo raro-oligodontia-taurodontia

• Aberrações cromossômicas sexuais (p. ex., XXX, XXY)

• Down

• Trico-dento-óssea, tipos 1, II, III

• Trico-onico-dental

• Wolf-Hirschhorn

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Pacientes com taurodontia não requerem tratamento específico. Não é vista extensão coronária da polpa; entretanto, o processo não interfere na rotina dos procedimentos restauradores. Alguns pesquisadores têm sugerido que a forma taurodôntica pode diminuir a estabilidade e força como um dente de apoio em procedimentos protéticos, mas esta hipótese não foi confirmada. Se há necessidade de tratamento endodôntico, a forma da câmara pulpar frequentemente aumenta a dificuldade de localização, instrumentação e obturação dos canais pulpares. Uma constatação boa é que os pacientes portadores de taurodontia têm que apresentar destruição periodontal significativa antes que ocorra o envolvimento da furca.

HIPERCEMENTOSE A hipercementose ( hiperplasia cementária ) é uma deposição excessiva de cemento não neoplásico ao longo do cemento radicular normal.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS Radiograficamente, os dentes afetados exibem espessamento da raiz ou raiz rômbica, mas a quantidade exata do aumento do cemento é de difícil averiguação porque o cemento e a dentina apresentam radiopacidade semelhante ( Fig. 2-78 ). A raiz aumentada é circundada pelo espaço radiolúcido correspondente ao ligamento periodontal e pela lâmina dura adjacente intacta. Ocasionalmente, o alargamento pode ser significativo o suficiente para sugerir a possibilidade de cementoblastoma ( Capítulo 14 ). No entanto, o cementoblastoma, em geral, pode ser distinguido com base na dor associada, expansão cortical e na continuidade do aumento.

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Fig. 2-78

Hipercementose . Pré-molares inferiores exibindo espessamento das raízes tornando-as rômbicas.

A hipercementose pode ser encontrada isoladamente, envolver múltiplos dentes, ou surgir como um processo generalizado. Em um estudo realizado com mais de 22.000 dentes afetados, os molares inferiores foram afetados com mais frequência, seguidos pelos segundos pré-molares inferiores e superiores e primeiros pré-molares inferiores. Neste estudo, foi notada uma predominância de 2,5:1 na mandíbula.

A hipercementose ocorre predominantemente em adultos, e a frequência aumenta com a idade, muito provavelmente devido à exposição cumulativa a fatores de influência. Sua ocorrência tem sido relatada em pacientes jovens, e muitos destes casos demonstram um agrupamento familiar, sugerindo uma influência hereditária.

O Quadro 2-9 lista diferentes fatores locais e sistêmicos que foram associados a um aumento da frequência de deposição de cemento. Todos os fatores sistêmicos listados apresentam uma fraca associação com a hipercementose, exceto a doença óssea de Paget ( Capítulo 14 ). Numerosos autores têm relatado hipercementose significativa em pacientes com doença de

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Paget, e esse distúrbio deveria ser considerado sempre que fosse descoberta hipercementose generalizada em um paciente com idade compatível com a doença. Apesar da associação de vários distúrbios, a maioria dos casos localizados de hipercementose não está relacionada com qualquer distúrbio sistêmico.

Quadro 2-9

Fatores Associados à Hipercementose

FATORES LOCAIS  • Trauma oclusal anormal

• Inflamação adjacente (p. ex., pulpar, periapical, periodontal)

• Dente não antagonista (p. ex., impactado, incluso, sem antagonista)

• Reparo de raízes vitais fraturadas

  

FATORES SISTÊMICOS

• Acromegalia e gigantismo hipofisário

• Artrite

• Calcinose

• Doença óssea de Paget

• Febre reumática

• Bócio da tireoide

• Síndrome de Gardner

• Deficiência de vitamina A (possivelmente)

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CARACTERÍSTICAS HISTOPATOLÓGICAS A periferia da raiz exibe deposição de excessiva quantidade de cemento sobre a camada original de cemento primário. O cemento excessivo pode ser hipocelular ou exibir áreas de cemento celular que lembram osso (osteocemento). Geralmente, a substância é depositada em camadas concêntricas e pode ser aplicada sobre a raiz inteira ou ser limitada à porção apical. No microscópio ótico de rotina, a distinção entre dentina e cemento sempre é difícil, mas o uso de luz polarizada claramente separa as duas camadas diferentes ( Fig. 2-79 ).

Fig. 2-79

Hipercementose . A , Raiz dental mostrando excessiva deposição de cemento celular e acelular. A linha divisória entre dentina e cemento é indistinta. B , Luz polarizada demonstrando a nítida linha divisória entre a dentina tubular e o osteocemento.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Não há necessidade de tratamento para a hipercementose. Em razão de um espessamento da raiz, problemas ocasionais têm sido relatados durante a exodontia de dentes afetados. A secção dos dentes pode vir a ser necessária em alguns casos como auxiliar à remoção cirúrgica.

DILACERAÇÃO A dilaceração é a angulação anormal ou curvatura na raiz ou, menos frequentemente, na coroa do dente ( Figs. 2-80 e 2-81 ). Embora a maioria dos exemplos seja de causa idiopática, parece

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que um número de dentes com dilaceração surge após um trauma que desloca a porção calcificada do germe dentário, e o restante do dente continua sua formação em um ângulo anormal. Após o dano, frequentemente segue uma avulsão ou intrusão do dente decíduo, um fato que, em geral, ocorre antes dos quatro anos de idade. A dilaceração relacionada com o trauma afeta mais frequentemente a dentição anterior e, muitas vezes, leva a problemas dentários funcionais e estéticos. Menos frequentemente, a curvatura desenvolve-se secundariamente à presença de um cisto adjacente, tumor ou hamartoma odontogênico (odontoma, dente supranumerário) ( Fig. 2-82 ).

Fig. 2-80

Dilaceração . Curvatura acentuada da raiz do incisivo central superior.

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Fig. 2-81

Dilaceração . Segundo pré-molar superior exibindo inclinação mesial da raiz. Não havia histórico de trauma local na área.

(Cortesia do Dr. Lawrence Bean.)

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Fig. 2-82

Dilaceração . Angulação da raiz de um canino inferior. O desenvolvimento foi alterado pela presença de um odontoma composto adjacente.

(Cortesia do Dr. Brent Bernard.)

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS Em um estudo com 1.166 pacientes selecionados aleatoriamente, foram identificados 176 dentes com dilaceração. Destes dentes, os mais afetados foram os terceiros molares inferiores, seguidos pelos segundos pré-molares superiores e segundos molares inferiores. Os incisivos superiores e inferiores foram afetados com menor frequência, representando quase 1% da série. Isto contrasta com outros autores que relataram alta frequência de dilaceração envolvendo um dente anterior. Na realidade, os molares demonstram maior prevalência de dilaceração, mas, na maioria dos casos, não se destacam devido à falta de problemas clínicos associados. Eventualmente, ocorre o envolvimento de dentes decíduos, e alguns têm sido associados a um trauma anterior, secundário à laringoscopia neonatal e intubação endotraqueal. A idade do paciente, a direção e o grau da força parecem determinar a extensão da malformação dentária. A angulação anormal pode estar presente em qualquer região ao longo do comprimento do dente.

Os dentes superiores anteriores atingidos frequentemente apresentam curvatura na coroa ou na metade coronária da raiz; geralmente, há falha na erupção. Incisivos inferiores também apresentam envolvimento da coroa ou da porção superficial da raiz, mas com maior frequência erupcionam normalmente. Aqueles que realizam a erupção seguem um caminho diferente e apresentam-se em posição vestibular ou lingual. Muitos dos dentes atingidos, especialmente dentes anteriores inferiores, são desvitalizados e associados a lesões inflamatórias periapicais. Via de regra, dentes posteriores alterados demonstram envolvimento da metade apical da raiz e frequentemente não exibem retardo na erupção.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO O tratamento e o prognóstico variam de acordo com a gravidade da deformidade. Dentes decíduos alterados sempre demonstram reabsorção imprópria resultando em atraso na erupção dos dentes permanentes. A extração dos dentes decíduos é indicada quando necessária para a erupção normal dos dentes permanentes. Pacientes com menor grau de dilaceração em dentes permanentes frequentemente não requerem tratamento. Aqueles dentes que exibem erupção tardia ou anormal podem ser expostos e tracionados ortodonticamente para a posição. Em alguns casos, por causa de deformações extensas dos

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dentes afetados pode ocorrer perfuração da crista alveolar vestibular durante o reposicionamento, pela raiz malposicionada. Nesses casos, a amputação do ápice da raiz, com posterior tratamento endodôntico pode ser necessário. Deformidades dentárias acentuadas requerem remoção cirúrgica. A extração de dentes afetados pode ser difícil e resultar em fratura radicular durante a remoção. Quando da tentativa de realização de procedimentos endodônticos, o clínico deve ser cauteloso para evitar a perfuração da raiz dos dentes com significativa dilaceração.

A dilaceração radicular concentra forças de estresse se o dente afetado é usado como um apoio para a aplicação de uma prótese dentária. Este aumento do estresse pode afetar a estabilidade e a longevidade dos dentes de apoio. A esplintagem do dente dilacerado a um dente adjacente resulta em um apoio multirradicular e diminui os problemas relacionados com o estresse.

RAÍZES SUPRANUMERÁRIAS O termo raízes supranumerárias refere-se ao aumento do número de raízes nos dentes, comparado com aquele classicamente descrito na anatomia dentária.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS Qualquer dente pode desenvolver raízes acessórias, e o envolvimento tem sido relatado nas dentições decídua e permanente. Os dados sobre a frequência das raízes supranumerárias são esparsos, mas a prevalência parece variar significativamente entre raças diferentes. Os dentes mais afetados são os molares permanentes (especialmente terceiros molares) superiores e inferiores, os caninos inferiores e pré-molares ( Fig. 2-83 ). Em algumas ocasiões, a raiz supranumerária é divergente e vista facilmente em radiografias; em outros casos, a raiz adicional é pequena, sobreposta a outras raízes e de difícil identificação.

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Fig. 2-83

Raiz supranumerária . A , Fotografia macroscópica exibindo um molar inferior com uma pequena raiz supranumerária. B , Radiografia periapical do dente extraído.

(Cortesia do Dr. Brent Bernard.)

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO O tratamento da raiz supranumerária não é necessário, mas a detecção de raiz acessória é de importância fundamental quando é empreendido o tratamento endodôntico ou a exodontia. Dentes extraídos sempre devem ser examinados cuidadosamente para assegurar que todas as raízes foram removidas com sucesso, porque raízes acessórias podem não estar evidentes nas radiografias pré-cirúrgicas. Igualmente importante é a busca por canais acessórios durante os procedimentos de acesso endodôntico, porque a não percepção destas aberturas adicionais frequentemente resulta na falta de resolução do processo inflamatório associado.

ALTERAÇÕES DE DESENVOLVIMENTO NA ESTRUTURA DOS DENTES

AMELOGÊNESE IMPERFEITA A amelogênese imperfeita compreende um grupo complexo de condições que demonstram alterações de desenvolvimento na estrutura do esmalte na ausência de uma alteração sistêmica. O Quadro 2-2 registra várias doenças sistêmicas associadas a alterações do esmalte que não são consideradas amelogênese imperfeita isolada.

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Há pelo menos 14 subtipos hereditários diferentes de amelogênese imperfeita, com numerosos padrões de herança e uma grande variedade de manifestações clínicas. Como prova da natureza complexa do processo, existem vários sistemas de classificação. O mais amplamente aceito foi desenvolvido por Witkop ( Tabela 2-1 ), e esta parte do texto concorda com esta classificação. A dissertação de Witkop e Sauk (e a mais recente revisão de Witkop, de 1988 ) são trabalhos de arte, e devem ser usadas se o clínico desejar mais informações.

Tabela 2.1 Classificação de Amelogênese Imperfeita

Modificado de Witkop CJ Jr: Amelogenesis imperfecta, dentinogenesis imperfecta and dentin dysplasia revisited: problems in classification. J Oral Pathol 1 7:547-553, 1988. © 1988

Tipo Padrão Características Específicas Herança

IA Hipoplásico Depressão generalizada Autossômica dominante

IB Hipoplásico Depressão localizada Autossômica dominante

IC Hipoplásico Depressão localizada Autossômica recessiva

ID Hipoplásico Polido difuso Autossômica dominante

IE Hipoplásico Polido difusoDominante ligada ao cromossomo X

IF Hipoplásico Rugoso difuso Autossômica dominante

IG Hipoplásico Agenesia do esmalte Autossômica recessiva

IIA Hipomaturado Difusão pigmentada Autossômica recessiva

IIB Hipomaturado DifusaRecessiva ligada ao cromossomo X

IIC Hipomaturado Coberta por nevé Ligada ao cromossomo X

IID Hipomaturado Coberta por nevé Autossômica dominante ?

IIIA Hipocalcificado Difuso Autossômica dominante

IIIB Hipocalcificado Difuso Autossômica recessiva

IVA Hipomaturado-hipoplásico Presença de taurodontia Autossômica dominante

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IVB Hipoplásico-hipomaturado Presença de taurodontia Autossômica dominante

Ainda não foi estabelecido um sistema de classificação ideal para a amelogênese imperfeita. A classificação de Witkop baseia-se no fenótipo e no genótipo (aparência clínica e padrão de hereditariedade aparente). A classificação pela aparência clínica é problemática, porque têm sido notados fenótipos diferentes dentro de uma única família. Além disso, fenótipos semelhantes podem ser vistos em indivíduos com padrões moleculares muito diferentes da doença. Um exemplo de potencial confusão ocorre em um parente afetado com certas variantes da amelogênese imperfeita autossômica dominante, na qual homozigotos exibem hipoplasia generalizada, enquanto heterozigotos exibem depressões no esmalte localizadas. Utilizando a nomenclatura atual, diferentes indivíduos de uma família seriam colocados em diversas categorias (p. ex., IB, ID, IF).

Embora a base molecular para a maioria das amelogêneses imperfeitas permaneça pouco definida, a genética associada a diversas variações de amelogênese imperfeita foi esclarecida. Este fato levou os pesquisadores a sugerir um futuro sistema de classificação baseado, em primeiro lugar, no modo de herança e, em segundo lugar, em discriminadores que incluem o fenótipo e a base molecular (sítio de mutação cromossômica, quando conhecido). Embora o avanço para um novo sistema de classificação não seja novidade, o progresso definido pela genética molecular da amelogênese imperfeita tem sido lento, impedindo a transição completa para o sistema de classificação dirigido pela genética. Conforme a base molecular da doença torna-se clara, a mudança para um novo padrão de classificação torna-se inevitável.

Pesquisas sobre a genética estão em curso e produzindo resultados que não são apenas interessantes, mas também diretamente aplicáveis aos cuidados do paciente. Até o momento, cinco mutações em genes foram associadas à amelogênese imperfeita. Cada gene pode ser mutado em uma variedade de sítios, criando, frequentemente, diversos e distintos padrões fenotípicos.

O gene AMELX está associado à proteína do esmalte amelogenina , que representa mais de 90% da matriz do esmalte. Variantes da amelogênese imperfeita associada a AMELX são ligados ao cromossomo X com 14 mutações diferentes conhecidas atualmente. Devido ao efeito da lionização, os fenótipos masculino e feminino são variáveis, mas, muitas vezes, associados ao genótipos. Os fenótipos masculinos incluem tanto a amelogênese hipoplásica suave e generalizada, quanto as variantes da hipomaturada.

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O gene ENAM é associado a outra proteína do esmalte, a enamelina , que representa cerca de 1% a 5% da matriz de esmalte. Mutações no gene ENAM têm sido correlacionadas com padrões autossômicos dominantes e recessivos da amelogênese imperfeita hipoplásica, que vão de pequenas fossetas a um esmalte fino difuso generalizado.

O gene MMP-20 codifica uma proteinase chamada enamelisina ; a mutação deste gene foi associada à herança autossômica recessiva, variante pigmentada da amelogênese imperfeita hipomaturada.

A protease, kallikreina-4 , está associada ao gene KLK4 , cuja mutação que foi relacionada com algumas formas de amelogênese imperfeita hipomaturada. A enamelisina e kallikreina-4 são consideradas necessárias para remoção de proteínas da matriz de esmalte durante o estágio de maturação de desenvolvimento do esmalte.

O gene DLX3 pertence ao grupo de genes que codificam um número de proteínas que são fundamentais para o desenvolvimento craniofacial, dentes, cabelos, cérebro e desenvolvimento neural; a mutação deste gene foi associada às variantes hipoplásica e hipomaturada da amelogênese imperfeita com taurodontia.

Outro forte candidato é o gene AMBN que codifica a proteína ameloblastina , que constitui cerca de 5% da matriz de esmalte. Embora não tenha sido provada associação da amelogênese imperfeita, este lócus do gene é um forte candidato para um padrão autossômico dominante.

Embora ninguém tenha compilado uma lista dos tipos de amelogênese imperfeita utilizando a nova proposta de classificação, a Tabela 2-2 fornece uma ligeira ideia de como isso poderia ser organizado. Apesar destas excitantes descobertas da genética molecular, deve-se ressaltar que pouco se sabe e que há muito ainda a ser investigado. Quando se observam grandes números de familiares afetados por amelogênese imperfeita, somente raras famílias demonstrarão mutação em um dos genes que atualmente conhecemos.

Tabela 2-2 Classifícação Modificada da Amelogênese Imperfeita

Herança Fenótipo Genes Relacionados

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Autossômico dominante Depressão generalizada

Autossômico dominante Hipoplasia localizada ENAM

Autossômico dominante Generalizada fina ENAM

Autossômico dominante Hipocalcificação

Autossômico dominante Com taurodontia DLX3

Autossômico recessivo Hipoplasia localizada

Autossômico recessivo Generalizada fina

Autossômico recessivo Hipomaturação pigmentada MMP20, KLK4

Autossômico recessivo Hipocalcificação

Ligado ao cromossomo X Generalizada fina AMELX

Ligado ao cromossomo X Hipomaturação difusa AMELX

Ligado ao cromossomo X Hipomaturação coberta por neve

A formação do esmalte é um processo de múltiplas etapas, e problemas podem surgir em qualquer uma delas. Em geral, o desenvolvimento do esmalte pode ser dividido em três estágios principais:

1. Elaboração da matriz orgânica

2. Mineralização da matriz

3. Maturação do esmalte

Os defeitos hereditários da formação do esmalte também são divididos ao longo dessas linhas: hipoplásico, hipocalcificado, hipomaturado.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS A amelogênese imperfeita pode ser de herança autossômica dominante, autossômica recessiva ou ligada ao cromossomo X, com uma frequência estimada variando entre 1:718 a

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1:14.000 da população. Como em qualquer distúrbio genético hereditário, pode ocorrer agrupamento de pacientes afetados em determinadas áreas geográficas (resultando no aumento de prevalência do distúrbio naquelas áreas). Além disso, existe o rigor dos critérios de diagnóstico que podem influenciar a prevalência relatada em qualquer pesquisa. Em geral, as dentições decídua e permanente estão difusamente envolvidas.

AMELOGÊNESE IMPERFEITA HIPOPLÁSICA Em pacientes com amelogênese imperfeita hipoplásica, a alteração básica concentra-se na deposição inadequada da matriz de esmalte. Qualquer matriz presente é apropriadamente mineralizada e radiograficamente contrasta bem com a dentina subjacente. No padrão generalizado , depressões do tamanho de cabeça de alfinete estão espalhadas ao longo da superfície do dente e não se relacionam com o padrão de dano ambiental ( Fig. 2-84 ). As superfícies vestibulares dos dentes são afetadas mais acentuadamente, e as depressões podem ser alinhadas em filas ou colunas. Pode ocorrer pigmentação nas fossetas. É encontrada variação de expressividade em grupos de pacientes afetados. O esmalte entre as depressões é de espessura, dureza e coloração normais.

Fig. 2-84

Amelogênese imperfeita hipoplásica, padrão generalizado com fossetas . A , Observe múltiplas depressões pequenas ao longo da superfície dos dentes. O esmalte entre as fossetas é de espessura, dureza e coloração normais. B , Visão oclusal do mesmo paciente mostrando envolvimento difuso dos dentes superiores, o que é incompatível com o dano ambiental.

( A De Stewart RE, Prescott GH, Oral facial genetics, St. Louis, 1976, Mosby; B cortesia do Dr. Joseph S. Giansanti.)

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No padrão localizado , os dentes afetados apresentam filas horizontais de fossetas, uma depressão linear, ou uma grande área de esmalte hipoplásico circundado por uma zo-na de hipocalcificação. Em geral, a área atingida é localizada no terço médio da superfície vestibular dos dentes. A margem incisal ou a superfície oclusal geralmente não são afetadas. Ambas as dentições ou apenas os dentes decíduos podem ser atingidos. Todos os dentes podem ser envolvidos, ou apenas dentes dispersos podem ser afetados. Quando o comprometimento não é difuso, o padrão dos dentes alterados não corresponde a um tempo específico do desenvolvimento. O tipo autossômico recessivo (tipo IC) é mais grave e demonstra comprometimento de todos os dentes em ambas as dentições.

No padrão polido autossômico dominante , o esmalte dentário exibe uma superfície polida, fina, endurecida e brilhante ( Fig. 2-85 ). A ausência de espessura apropriada de esmalte resulta em um dente com formato de preparo de coroa total e exibe diastemas. A cor dos dentes varia de branco opaco a um marrom translúcido. A mordida aberta anterior não é incomum. Radiograficamente, os dentes exibem uma fina linha periférica de esmalte radiopaco. Observa-se, com frequência, dentes inclusos sofrendo reabsorção.

Fig. 2-85

Amelogênese imperfeita hipoplásica, padrão autossômico dominante polido (padrão generalizado fino) . A , Dentes pequenos e amarelados exibindo esmalte duro brilhante, com numerosos pontos de contato abertos e mordida aberta anterior.

B , Radiografia do mesmo paciente demonstrando delimitação periférica fina do esmalte radiopaco. ( B cortesia do Dr. John G. Stephenson.)

O padrão polido ligado ao cromossomo X surge de uma mutação dominante ligada ao cromossomo X e é uma consequência do efeito de lionização. Perto do 16 o dia da vida

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embrionária em indivíduos com dois cromossomos X, um membro do par é inativado em cada célula. Como resultado deste fato, mulheres são mosaicas, com uma mistura de células, algumas com cromossomos maternais X ativos e outros com cromossomos paternais X ativos. Em geral, a mistura é de proporções quase iguais. Se um X direcionar a formação de esmalte defeituoso e o outro X direcionar a formação normal do esmalte, os dentes exibirão zonas de esmalte normal e anormal alternadamente. Aldred e Crawford argumentaram contra uma subdivisão das variantes dominante e recessiva da amelogênese imperfeita ligada ao cromossomo X, porque ambos, homozigóticos do gênero feminino e heterozigóticos do gênero masculino, são afetados independentemente de a mutação ser dominante ou recessiva. Embora a inteligência desta sugestão seja menos evidente em um padrão dominante ligado ao cromossomo X da amelogênese imperfeita, o argumento é bastante convincente quando associado ao padrão “recessivo” ligado ao cromossomo X da amelogênese imperfeita hipomaturada (veja a discussão do padrão ligado ao cromossomo X da amelogênese imperfeita hipomaturada a seguir).

Homens com o padrão polido ligado ao cromossomo X mostram um esmalte com espessura difusa, liso e brilhante em ambas as dentições. Os dentes frequentemente têm a forma de preparos para coroas, e os pontos de contato são abertos. A cor varia do marrom ao marrom-amarelado. As radiografias mostram uma linha periférica de esmalte radiopaco. Dentes não erupcionados podem sofrer reabsorção. Por sua vez, as mulheres exibem sulcos verticais de esmalte hipoplásico fino, alternados entre faixas de espessura normal. As faixas em geral são detectadas com radiografias dentais. A mordida aberta é encontrada em quase todos os homens e minoritariamente nas mulheres.

No padrão rugoso , o esmalte é fino, duro e de superfície grosseira. Como nas formas polidas, os dentes ficam mais delgados em direção à superfície inciso-oclusal e apresentam pontos de contato abertos ( Fig. 2-86 ). A cor varia do branco ao branco-amarelado. O esmalte é mais denso que o visto no padrão polido, e os dentes são menos vulneráveis à atrição. As radiografias mostram uma linha periférica fina de esmalte radiopaco. Dentes não erupcionados, geralmente sofrendo reabsorção, podem ser encontrados. A mordida aberta anterior é comum.

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Fig. 2-86

Amelogênese imperfeita hipoplásica, padrão rugoso (padrão generalizado) . A , Dentes pequenos e amarelados com superfície grosseira de esmalte, pontos de contato abertos, atrição significativa e mordida aberta anterior. B , Radiografia do mesmo paciente. Note o dente impactado e a fina linha periférica de esmalte radiopaco.

Como o nome indica, a agenesia do esmalte apresenta falha total na formação de esmalte. Os dentes são da forma e da cor da dentina, com matriz marrom-amarelada, pontos de contato abertos e coroas que se afinam em direção à superfície inciso-oclusal. A superfície da dentina é áspera, e a mordida aberta anterior é vista com frequência. As radiografias mostram ausência de linha periférica de esmalte sobre a dentina. Geralmente, ocorre a falha na erupção de muitos dentes com significativa reabsorção.

Muitos pesquisadores têm dificuldade em subdividir a forma hipoplásica difusa da amelogênese imperfeita em categorias, como polida, áspera e agenesia de esmalte. No padrão autossômico recessivo da amelogênese imperfeita, antes denominado agenesia de esmalte , a presença de uma faixa de esmalte fino foi observada em muitos pacientes afetados. Além disso, a separação entre as formas polida e áspera é altamente subjetiva e pode ser problemática. Por isso, alguns pesquisadores têm sugerido a suspensão dessas subdivisões e combinado esses padrões fenotípicos em uma categoria denominada amelogênese imperfeita hipoplásica generalizada fina .

AMELOGÊNESE IMPERFEITA HIPOMATURADA Em uma pessoa com amelogênese imperfeita hipomaturada , a matriz do esmalte é apropriadamente depositada e começa a se mineralizar; entretanto, há um defeito na maturação da estrutura dos cristais de esmalte. Os dentes afetados têm forma normal, mas apresentam manchas opacas variando entre o branco, marrom e amarelo. O esmalte é mais

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macio do que o normal e tende a se soltar da dentina subjacente. Radiograficamente, o esmalte afetado mostra uma radiopacidade semelhante à da dentina.

No padrão pigmentado , a superfície do esmalte é manchada de cor marrom-ágar. O esmalte frequentemente fratura da dentina subjacente e é macio o bastante para ser perfurado por uma sonda exploradora. Mordida aberta anterior e dentes não erupcionados exibindo reabsorção são incomuns. Às vezes, a superfície de esmalte pode ser atingida seriamente e ser semelhante em maciez aos padrões hipocalcificados. Estes casos apresentam, com frequência, extensa deposição de cálculos.

O padrão ligado ao cromossomo X é outra consequência de lionização; a lionização não é tão óbvia quanto a vista no padrão hipoplásico ligado ao cromossomo X. Embora se tenha dito que a mutação é recessiva, homens heterozigóticos e mulheres homozigóticas demonstram alterações clínicas. Homens atingidos exibem diferentes padrões nas dentições decídua e permanente. Os dentes decíduos são branco-opacos com matizado transparente; os dentes permanentes são branco-amarelado-opacos e podem escurecer com a idade ( Fig. 2-87, A ). O esmalte tende a soltar-se com frequência e pode ser perfurado com uma sonda exploradora. A velocidade de perda do esmalte é mais rápida do que em dentes normais, mas não se aproxima daquela vista nas formas hipocalcificadas. Áreas focais de pigmentação marrom podem desenvolver-se dentro do esmalte branco-opaco. Radiograficamente, o contraste entre esmalte e dentina é reduzido.

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Fig. 2-87

Amelogênese imperfeita hipomaturada, ligada ao cromossomo X . A , Paciente do gênero masculino exibindo dentição branco-amarelada difusa. B , A mãe do paciente apresenta faixas verticais brancas, esmalte opaco e translúcido.

(Cortesia do Dr. Carlos Salinas.)

Mulheres heterozigóticas mostram um modelo semelhante em ambas as dentições. Os dentes mostram faixas verticais de esmalte branco-opaco e esmalte normal translúcido; as faixas são dispostas aleatoriamente e são assimétricas ( Fig. 2-87, B ). As faixas podem ser vistas sob iluminação regular, mas é ainda mais evidente com a transiluminação. Radiograficamente, a faixa não é perceptível, e o contraste entre a dentina e o esmalte está dentro dos limites normais. As evidências clínicas de mutação em mulheres heterozigóticas apontam fortemente para uma condição a ser designada simplesmente, como ligada ao cromossomo X e não ligada ao cromossomo X recessivo.

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Os padrões cobertos por neve mostram uma zona de esmalte branco-opaco na incisal e na oclusal de um quarto a um terço da coroa ( Fig. 2-88 ). As áreas alteradas não exibem uma distribuição que apoiaria uma origem ambiental, e a superfície perde o brilho iridescente visto na fluorose leve. Os dentes afetados mostram uma distribuição de anterior para posterior e têm sido comparados a uma dentadura mergulhada em tinta branca (afeta apenas os anteriores, os anteriores até os pré-molares, ou os anteriores até os molares). As dentições decíduas e permanentes são atingidas. A maioria dos casos apresenta um padrão de herança ligado ao cromossomo X, mas uma forma autossômica dominante é possível.

Fig. 2-88

Amelogênese imperfeita hipoplásica, do tipo coberta por neve . Dentes apresentando zona de esmalte branco-opaco em um quarto das superfícies incisal e oclusal.

(Cortesia do Dr. Heddie O. Sedano.)

AMELOGÊNESE IMPERFEITA HIPOCALCIFICADA Neste tipo de amelogênese, a matriz do esmalte é depositada apropriadamente, mas não ocorre significativa mineralização. Em ambos os casos de amelogênese imperfeita hipocalcificada , os dentes estão apropriadamente formados na erupção, porém o esmalte é muito mole e facilmente perdido. Na erupção, o esmalte é marrom-amarelado ou alaranjado, mas, com frequência, torna-se manchado de marrom a negro e exibe rápida deposição de cálculo ( Fig. 2-89 ). Com anos de função, muito do esmalte coronário é perdido, com exceção da porção cervical, que é mais bem-calcificada. Dentes não erupcionados e mordida aberta

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anterior são comuns. Os padrões são semelhantes, mas os exemplos autossômicos recessivos são, em geral, mais graves que os casos autossômicos dominantes. Radiograficamente, as densidades do esmalte e da dentina são semelhantes. Antes da erupção, os dentes são normais em sua forma; entretanto, depois de um período de função, muito do esmalte da cúspide é perdido, com a superfície oclusal tornando-se irregular.

Fig. 2-89

Amelogênese imperfeita hipocalcificada . A , Dentição apresentando pigmentação marrom-amarelada difusa. Notam-se numerosos dentes com perda de esmalte coronário, exceto a porção cervical. B , Radiografia do mesmo paciente. Observe a perda extensa do esmalte coronário e dentina e esmalte com densidade semelhante.

AMELOGÊNESE IMPERFEITA COM TAURODONTIA (AMELOGÊNESE IMPERFEITA HIPOMATURADA/HIPOPLÁSICA) Este tipo de amelogênese imperfeita mostra hipoplasia de esmalte em combinação com hipomaturação. As dentições decíduas e permanentes são atingidas de maneira indistinta. Historicamente, dois tipos são reconhecidos como semelhantes, mas diferenciados pela espessura do esmalte e pelo tamanho total dos dentes. Ao analisar um único parente, é visto que a variação fenotípica colocaria os membros da mesma família em ambas as divisões, por isso, muitos consideram que estas divisões devem ser fundidas em um fenótipo denominado simplesmente amelogênese imperfeita com taurodontia .

Na apresentação conhecida como padrão hipomaturado-hipoplásico , o defeito predominante é o do esmalte hipomaturado no qual o esmalte apresenta-se matizado de branco-amarelado para marrom-amarelado. Com frequência, são vistas fossetas sobre a superfície vestibular dos dentes. Radiograficamente, o esmalte apresenta-se semelhante à dentina em densidade, e

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amplas câmaras pulpares podem ser vistas em dentes unirradiculares, além de graus variáveis de taurodontia.

No padrão hipoplásico-hipomaturado , o defeito predominante é o da hipoplasia do esmalte, no qual o esmalte é fino; o esmalte presente mostra hipomaturação. Com exceção da diminuição na espessura do esmalte, este tipo é radiograficamente semelhante à variação hipomaturada-hipoplásica.

Um padrão de alteração dentária semelhante ao da amelogênese imperfeita com taurodontia é visto na desordem sistêmica denominada síndrome trico-dento-óssea . Esta síndrome autossômica dominante é mencionada aqui porque o diagnóstico pode não ser prontamente aparente sem um alto índice de suspeita ( Fig. 2-90 ). Além dos sinais dentários, as alterações sistêmicas predominantes ocorrem variavelmente e incluem cabelo ondulado, osteoesclerose e unhas quebradiças. O cabelo ondulado está presente ao nascimento, mas pode tornar-se liso com a idade. A osteoclerose afeta primeiramente a base do crânio e o processo mastóide. A mandíbula com frequência exibe um ramo encurtado e um ângulo obtuso.

Fig. 2-90

Síndrome trico-dento-óssea . A , Dentição exibindo hipoplasia e hipomaturação difusas do esmalte. Ao nascer, o paciente apresentava os cabelos encaracolados com textura de “palha de aço”; com o tempo, o cabelo tornou-se liso. Foi necessário um alto índice de suspeita para chegar ao diagnóstico. B , Radiografia do mesmo paciente, mostrando significativa taurodontia do primeiro molar e esmalte fino com densidade semelhante à dentina.

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Alguns autores sugerem que a amelogênese imperfeita hipomaturada-hipoplásica pode representar uma expressão parcial da síndrome trico-dento-óssea. Estudos recentes identificaram mutações distintas em genes diferentes que são responsáveis pela síndrome trico-dento-óssea e amelogênese imperfeita com taurodontia. Contudo, outros pesquisadores discutem o fato, mostrando alguns exemplos de provas de que esse padrão de amelogênese imperfeita parece ser alélica (diferentes mutações no mesmo gene). Se apenas alterações dentárias são encontradas com ausência de alterações nos cabelos e ossos, no indivíduo ou dentro da família, parece apropriado o diagnóstico de amelogênese imperfeita.

CARACTERÍSTICAS HISTOPATOLÓGICAS As características histopatológicas presentes na amelogênese imperfeita não são evidentes em preparações rotineiras. Como a descalcificação dos dentes é necessária antes do processamento para permitir a secção dos espécimes embebidos em parafina, todo o esmalte é perdido. Com o objetivo de examinar a estrutura alterada do esmalte, são preparados cortes por desgaste de espécimes não descalcificados. As alterações descobertas são altamente diversificadas e variam com cada tipo clínico de amelogênese imperfeita. Descrições detalhadas destas alterações foram fornecidas por Witkop e Sauk.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO As implicações clínicas de amelogênese imperfeita variam de acordo com o subtipo e sua gravidade, mas os principais problemas são estética, sensibilidade dentária e perda da dimensão vertical. Além disso, em alguns casos de amelogênese imperfeita, há aumento da prevalência de cáries, mordida aberta anterior, erupção retardada, impactação dentária ou inflamação gengival associada.

Pacientes com hipoplasia de esmalte generalizada apresentam mínimo esmalte normal associado à rápida atrição. Estas variações requerem cobertura protética total o mais cedo possível; se o tratamento é postergado, ocorre uma perda do comprimento da coroa clínica. Nos pacientes sem altura suficiente para coroas, as próteses totais (sobredentaduras, em alguns casos) geralmente tornam-se a única alternativa satisfatória.

Os outros tipos de amelogênese imperfeita exibem perda mais lenta dos dentes, e a aparência estética quase sempre é o primeiro ponto a ser considerado. Casos menos graves podem ser beneficiados pela colocação de coroas totais ou coroas veneers nos dentes com aspecto esteticamente desagradáveis. Em alguns casos, ocorre a falta da boa união ao esmalte com as facetas e não se tem uma restauração durável. O uso de cimentos de ionômero de vidro com adesivos dentinários geralmente superam essa dificuldade.

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DENTINOGÊNESE IMPERFEITA (DENTINA OPALESCENTE HEREDITÁRIA; DENTES DE CAPDEPONT) A dentinogênese imperfeita é um distúrbio de desenvolvimento da dentina na ausência de qualquer desordem sistêmica. Alterações dentárias semelhantes podem ser vistas em conjunção com distúrbios sistêmicos hereditários do osso, chamadas de osteogênese imperfeita ( Capítulo 14 ). Os defeitos da dentina associada à doença sistêmica dos ossos são apropriadamente chamados de osteogênese imperfeita com dentes opalescentes . Extensas linhagens de indivíduos com dentinogênese imperfeita foram estudadas, e nenhuma exibiu outras mudanças sugestivas de osteogênese imperfeita. Pesquisas genéticas confirmam que a dentinogênese imperfeita é claramente um distúrbio distinto da osteogênese imperfeita.

Os vários tipos de osteogênese imperfeita têm sido associados à mutação no gene COL1A1 ou COL1A2 que codificam a produção do colágeno tipo I; em contrapartida, a dentinogênese imperfeita é associada à mutação no gene DSPP (sialofosfoproteína dentinária). Atualmente, oito mutações no gene DSPP são conhecidas; sete estão associadas à dentinogênese imperfeita, e a oitava à displasia dentinária tipo II.

Como na amelogênese imperfeita, a classificação das desordens da dentina gradualmente evolui com os resultados de recentes achados da genética molecular. Dois sistemas, um por Witkop e outro por Shields, são historicamente bem-aceitos, mas não totalmente satisfatórios ( Tabela 2-3 ). A dentinogênese imperfeita foi dividida, segundo sua formação, em dentina opalescente hereditária (tipo II de Shields) e tipo isolado do Brandywine (tipo III de Shields).

Tabela 2-3 Dentinogênese Imperfeita

Dados de Sheilds ED: A new classification of heritable human enamel defects and a discussion of dentin defects. In Jorgenson RJ, Paul NW: Dentition: genetic effects (birth defcts original article series), vol 19, n 1, p. 107-127, New York, 1983, Alan R Liss: Witkop CJ Jr: Amelogenesis imperfecta, dentinogenesis imperfecta and dentin dysplasia revisited: problems in classification, J Oral Pathol 17:547-553, 1988. © 1988

Shields Apresentação Clínica Witkop

Dentinogênese imperfeita IOsteogênese imperfeita com dentes opalescentes

Dentinogênese imperfeita

Dentinogênese imperfeita II

Dentes opalescentes isoladosDentes opalescentes hereditários

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Dentinogênese imperfeita III

Dentes opalescentes isolados Brandywine isolado

O fenótipo clínico do tipo isolado de Brandywine é definido pela presença de um aumento pulpar incomum conhecido como dente em concha. Atualmente, fortes evidências sugerem que o tipo isolado de Brandywine representa nada mais que uma expressividade variável do gene para dentinogênese imperfeita. A análise inicial do tipo isolado revelou apenas 8% dos familiares com dentes em concha. Os pesquisadores documentaram aumento pulpar em indivíduos afetados, cujos pais e filhos têm dentinogênese imperfeita clássica. Finalmente, padrões idênticos de expressão têm sido vistos em outros grandes parentescos sem conexão com o tipo isolado de Brandywine. Posteriormente, uma única expressão do gene DSPP tem sido visto como causa de tantos padrões fenotípicos, apoiando a hipótese de que os fenótipos anteriormente denominados dentinogênese imperfeita tipo II e dentinogênese imperfeita tipo III representam uma única doença com expressões variáveis. Portanto, uma classificação modificada para os distúrbios da dentina parece justificada ( Tabela 2-4 ), e o uso continuado da nomenclatura de Shields e Witkop não parece ser mais indicado.

Tabela 2-4 Classificação Modificada dos Distúrbios Hereditarios que Afetam a Dentina

Distúrbio HerançaGene(s) Envolvido(s)

Osteogênese imperfeita com dentes opalescentes

Autossômica dominante ou recessiva

COL1A1, COL1A2

Dentinogênese imperfeita Autossômica dominante DSPP

Displasia dentinária tipo 1 Autossômica dominante

Displasia dentinária tipo II Autossômica dominante DSPP

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS A prevalência da dentinogênese imperfeita não é distribuída aleatoriamente pelos Estados Unidos e pela Europa. Muitos casos podem ser investigados em brancos (pessoas com ancestralidade inglesa e francesa) de comunidades próximas ao Canal da Mancha. A alteração é autossômica dominante e ocorre em aproximadamente 1:8.000 brancos nos Estados Unidos.

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As alterações dentárias na dentinogênese imperfeita e na osteogênese imperfeita com dentes opalescentes são semelhantes clínica, radiográfica e histopatologicamente. Todos os dentes de ambas as dentições são afetados. A gravidade das alterações dentárias varia com a idade durante a qual o dente se desenvolveu. Os dentes decíduos são atingidos mais gravemente, seguidos pelos incisivos permanentes e primeiros molares, com os segundos e terceiros molares sendo atingidos por último.

Os dentes apresentam uma pigmentação marrom-azulada, em geral com uma transparência distinta ( Fig. 2-91 ). O esmalte frequentemente é separado com facilidade da dentina defeituosa subjacente. Uma vez exposta, a dentina demonstra desgaste por atrição significativamente acelerada ( Fig. 2-92 ). Radiograficamente, os dentes apresentam coroas bulbosas, constrição cervical, raízes delgadas e obliteração precoce dos canais radiculares e das câmaras pulpares ( Fig. 2-93 ).

Fig. 2-91

Dentinogênese imperfeita . Dentes exibindo pigmentação marrom difusa e translucidez suave.

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Fig. 2-92

Dentinogênese imperfeita . Dentes exibindo pigmentação acinzentada com atrição e perda de esmalte significativas.

Fig. 2-93

Dentinogênese imperfeita . Radiografia de dentes exibindo coroas bulbosas, constrição cervical e canais e câmaras pulpares obliterados.

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O traço exibe 100% de penetrância, porém expressividade variável. A hipoplasia de esmalte óbvia clinicamente significativa é notada em alguns pacientes ( Fig. 2-94 ). Pesquisadores acreditam que a anormalidade do esmalte é considerada um efeito secundário e não uma expressão direta do gene responsável pela dentinogênese imperfeita. Apesar de as polpas estarem geralmente obliteradas pela produção excessiva de dentina, alguns dentes podem apresentar polpas com tamanho normal ou aumento da câmara pulpar (dentes em concha).

Fig. 2-94

Dentinogênese imperfeita . Radiografia exibindo coroas bulbosas, obliteração precoce da polpa e hipoplasia de esmalte.

(De Levin LS, Leaf SH, Jelmine RJ et AL; Dentinogenesis imperfecta in the Brandywine isolate (DI tipo III): clinical, radiologic, and electron microscopic studies of the dentition, Oral Surg Oral Med Oral Pathol 56:267-274, 1983.)

Os dentes em concha demonstram espessura normal do esmalte em associação de dentina muito fina e polpas significativamente aumentadas ( Fig. 2-95 ). A dentina fina pode envolver todo o dente ou estar restrita à raiz. Esta anormalidade rara tem sido encontrada mais em dentes decíduos na presença de dentinogênese imperfeita. A alteração pode não estar associada à dentinogênese imperfeita como um achado isolado em ambas as dentições e apresentar forma e coloração normais, um histórico familiar negativo e envolvimento difuso. Em uma variante isolada, ocorre reabsorção radicular lenta, mas progressiva.

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Fig. 2-95

Dente em concha . Dentes exibindo espessura normal do esmalte, dentina muito fina e polpas significativamente aumentadas.

Vários familiares afetados pela dentinogênese imperfeita também têm demonstrado alta frequência de perda auditiva neurossensorial. Foi demonstrado que a posição da mandíbula afeta a anatomia do ouvido interno, e a perda dentária prematura tem sido associada a déficits auditivos. Neste momento, não está claro se a perda auditiva está relacionada com a mutação no gene DSPP, ou se é secundária a uma alteração primária de mudanças gnáticas. Os pesquisadores se perguntam se a restauração dentária pode prevenir a perda auditiva ou se o gene DSPP pode afetar diretamente a formação óssea e da estrutura do ouvido interno.

CARACTERÍSTICAS HISTOPATOLÓGICAS Como esperado, dentes afetados apresentam dentinas alteradas. A dentina adjacente à junção do esmalte parece semelhante à dentina normal, mas a remanescente é claramente anormal. Túbulos disformes e curtos percorrem uma matriz de dentina granular e atípica, que geralmente mostra calcificação interglobular ( Fig. 2-96 ). Odontoblastos atípicos e escassos alinham-se na superfície pulpar, e células podem ser vistas presas no interior da dentina defeituosa. Em secções por desgaste, o esmalte é normal na maioria dos pacientes; entretanto, cerca de um terçodos pacientes apresentam alterações hipoplásicas ou hipocalcificadas.

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Fig. 2-96

Dentinogênese imperfeita . Dentina coronária exibindo túbulos pequenos e sem forma, em uma matriz dentinária granular atípica.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO A dentição inteira corre risco por causa de numerosos problemas. Os canais radiculares tornam-se delgados e podem desenvolver microexposições, resultando em lesões inflamatórias periapicais. Apesar do risco de perda do esmalte e da significativa atrição, os dentes não são bons candidatos a coroas totais devido a fraturas cervicais. O sucesso da cobertura total é maior em coroas e raízes que estejam próximas à normalidade da forma e do tamanho. Coroas protéticas colocadas em dentes restaurados com cimento de ionômero de vidro fluoretado têm sido usadas com sucesso em alguns casos.

Condutas terapêuticas adicionais têm sido empregadas, mas o acompanhamento a longo prazo é incompleto. Em pacientes com atrição extensa, a dimensão vertical tem sido restaurada pela colocação de restaurações protéticas de metais fundidos não preciosos com agentes adesivos que não tenham recebido preparos e não estejam sujeitos a estresse oclusal significativo. As resinas modernas, combinadas com um agente de ligação dentinária, têm sido usadas em áreas sujeitas ao desgaste oclusal. Quando grandes famílias são acompanhadas por longo período, a maioria daqueles atingidos é candidata a próteses totais ou implantes por volta dos 30 anos de idade, a despeito de numerosas intervenções. Materiais e intervenções mais novos podem vir a alterar essa perspectiva.

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DISPLASIA DENTINÁRIA A displasia dentinária foi descrita inicialmente em 1939. Há dois padrões principais existentes: tipo I e tipo II. Por definição, a displasia dentinária não deve ter correlação com doença sistêmica ou dentinogênese imperfeita. Uma combinação incomum do tipo I e tipo II de displasia dentinária tem sido referida, mas os casos representam uma variação da anatomia pulpar que foi bem documentada na displasia tipo I. As doenças sistêmicas vistas como associadas às transformações semelhantes a da displasia dentinária estão relacionadas no Quadro 2-10 .

Quadro 2-10

Doenças Sistêmicas Relacionadas com Alterações Semelhantes à Displasia Dentinária

• Calcinose universal

• Artrite reumatoide e vitaminose D

• Esclerose óssea e anomalias do esqueleto

• Calcinose tumoral

Como evidenciado pelas descrições clínicas e radiográficas que se seguem, a displasia dentinária tipo II está intimamente relacionada com a dentinogênese imperfeita. Além disso, a avaliação genética mostra que a displasia dentinária tipo II surge da mutação no gene DSPP (ver Dentinogênese Imperfeita) e é alélica (mutação diferente no mesmo gene) da dentinogênese imperfeita. Os achados fenotípicos e genotípicos são tão semelhantes que alguns podem optar por classificar a displasia dentinária tipo II como uma variação da dentinogênese imperfeita, em vez de displasia dentinária tipo I. Aliás, antes da atual genética molecular, Witkop comentou sobre a semelhança destas duas doenças e mencionou a possibilidade de reclassificação.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS

DISPLASIA DENTINÁRIA TIPO I A displasia dentinária tipo I (displasia dentinária radicular) tem sido referida como dentes sem raízes , porque a perda de organização da dentina radicular leva ao encurtamento do tamanho da raiz. O processo representa um modelo autossômico dominante de hereditariedade e

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revela uma prevalência aproximada de 1:100.000. O esmalte e a dentina coronária são clinicamente normais e bem-formados ( Fig. 2-97 ), mas a dentina radicular perde toda a organização e, portanto, é fortemente diminuída ( Fig. 2-98 ). Produz-se uma ampla variação na formação radicular porque a desorganização dentinária pode ocorrer durante diferentes estágios de desenvolvimento dentário. Se a organização da dentina é perdida precocemente durante o desenvolvimento dentário, são formadas raízes marcadamente deficientes; a desorganização tardia resulta em malformações radiculares mínimas. A variabilidade é mais pronunciada em dentes permanentes e pode variarnão apenas de um paciente para outro, mas também de dente para dente em único paciente. Em razão das rizomicrias, os sinais clínicos iniciais são a extrema mobilidade e esfoliação prematura, espontânea ou secundariamente ao menor trauma. Menos frequentemente, o sintoma presente é a erupção retardada. A resistência da dentina radicular é reduzida, com os dentes afetados ficando predispostos a fraturas durante extrações.

Fig. 2-97

Displasia dentinária tipo I . Dentição exibindo atrição, mas, por sua vez, coloração e morfologia normais.

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Fig. 2-98

Displasia dentinária tipo I . Dentes posteriores exibindo encurtamento intenso das raízes, ausência dos canais radiculares, e pequenas câmaras pulpares em forma de quarto crescente. Observa-se a radiolucidez no ápice do pré-molar inferior.

(Cortesia do Dr. Michael Quinn.)

Radiograficamente, os dentes decíduos são afetados com maior intensidade, com pouca ou nenhuma polpa detectável e raízes acentuadamente pequenas ou ausentes. Os dentes permanentes variam em função da proporção entre a dentina organizada versus dentina desorganizada ( Fig. 2-99 ). Há vários anos, uma subclassificação para displasia dentinária tipo I foi proposta e amplamente aceita ( Quadro 2-11 ).

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Fig. 2-99

Displasia dentinária tipo I . Ilustração demonstrando a variabilidade da aparência radiográfica de acordo com o grau de desorganização dentinária no interior da raiz.

Quadro 2-11

Subclassificação da Displasia Dentinária Tipo I

• DDIa: Sem câmara pulpar, sem formação da raiz e frequente radiolucidez periapical

• DDIb: Uma única e pequena polpa orientada horizontalmente em quarto crescente, raízes com apenas alguns milímetros de comprimento, e frequente radiolucidez periapical

• DDIc: Duas áreas de polpa orientadas horizontalmente e crescentes, com remanescentes cercando uma ilha central de dentina, comprimento radicular significativo, mas ainda encurtado, e variável radiolucidez periapical

• DDId: Câmara pulpar e canais visíveis, perto do comprimento normal da raiz, alargamento da polpa com a presença de cálculos na porção coronária, criando um abaulamento localizado do canal e da raiz, constricção apical da polpa para o cálculo, e pouca radiolucidez periapical

Em geral, os dentes sem canais radiculares são aqueles que frequentemente desenvolvem radiolucidez periapicais inflamatórias sem que haja causa óbvia ( Fig. 2-98 ). A radiolucidez representa lesão periapical inflamatória secundária à cárie, exposição coronária espontânea de restos pulpares presentes no interior da dentina defeituosa. O sistema de subclassificação revelou-se benéfico ao salientar que a variante tipo I muitas vezes não é reconhecida como displasia dentinária e pode ser confundida com a displasia dentinária tipo II. Relatos demonstram que, em pacientes com displasia dentinária tipo I clássica, há envolvimento de dentes anteriores e pré-molares, mas sem comprometimento de molares.

Uma alteração semelhante, porém não relacionada é a displasia fibrosa da dentina . Esta alteração autossômica dominante exibe dentes clinicamente normais. Radiograficamente, os

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dentes são normais em sua forma, mas apresentam um produto radiodenso preenchendo as câmaras e os canais radiculares. Diferentemente da dentinogênese imperfeita, pequenos focos de radiolucidez podem ser vistos na polpa. Ao contrário da displasia dentinária tipo I, não são encontradas câmaras pulpares em forma de quarto crescente e não há diminuição do tamanho da raiz. O material radiopaco intrapulpar consiste em dentina fibrótica.

DISPLASIA DENTINÁRIA TIPO II A displasia dentinária tipo II (displasia dentinária coronária) é um distúrbio hereditário de caráter autossômico dominante que exibe numerosas características da dentinogênese imperfeita. Ao contrário da displasia dentinária do tipo I, o tamanho da raiz é normal em ambas as dentições. Os dentes decíduos lembram aqueles da dentinogênese imperfeita. Clinicamente, os dentes apresentam uma transparência que varia entre o azul, âmbar e marrom. Radiograficamente, as alterações dentárias incluem coroas bulbosas, constrição cervical, raízes delgadas e obliteração precoce da polpa. Os dentes permanentes exibem coloração clínica normal; entretanto, radiograficamente, as câmaras pulpares mostram aumento significativo e extensão apical. Esta anatomia pulpar alterada foi descrita como forma em corola de cardo ou forma de chama ( Figs. 2-100 e 2-101 ). Ocorre o desenvolvimento de cálculos no interior das câmaras pulpares aumentadas.

Fig. 2-100

Displasia dentinária tipo II . Dentição permanente que não apresenta translucidez, como vista nos dentes decíduos. O paciente também apresenta fluorose discreta.

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Fig. 2-101

Displasia dentinária tipo II . Imagem radiográfica dos dentes descritos na Fig. 2-100 . Observe dilatações da câmara pulpar em forma de corola de cardo e numerosas calcificações pulpares.

Uma alteração semelhante, porém não relacionada, é a displasia pulpar . Este processo desenvolve-se em dentes que são clinicamente normais. Radiograficamente, ambas as dentições exibem câmaras pulpares em forma de corola de cardo, com múltiplas calcificações.

CARACTERÍSTICAS HISTOPATOLÓGICAS Em pacientes com displasia dentinária tipo I, o esmalte coronário e a dentina são normais. Apicalmente ao ponto de desorganização, a porção central da raiz forma espiralmente a dentina tubular e osteodentina atípica. Estas espirais exibem uma camada periférica de dentina normal, dando à raiz a aparência de “vapor fluindo ao redor de penhascos” ( Fig. 2-102 ).

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Fig. 2-102

Displasia dentinária tipo I . Dentes afetados vistos sob luz polarizada apresentando a imagem clássica de “vapor fluindo ao redor de penhascos”.

Em pacientes com displasia dentinária tipo II, os dentes decíduos exibem o modelo descrito na dentinogênese imperfeita. Os dentes permanentes apresentam esmalte normal e dentina coronária. Adjacente à polpa, são vistas numerosas áreas de dentina interglobular. A dentina radicular é atubular, amorfa e hipertrófica. Calcificações pulpares desenvolvem-se em qualquer região da câmara ( Fig. 2-103 ).

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Fig. 2-103

Displasia dentinária tipo II . Dentes afetados exibindo grande calcificação no interior da câmara pulpar.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Em pacientes com displasia dentinária tipo I, o cuidado preventivo é da maior importância. Talvez como um resultado de raízes curtas, a perda precoce por periodontite é frequente. Além disso, canais vasculares pulpares estendem-se próximo à junção dentina-esmalte; portanto, mesmo restaurações pouco profundas podem resultar em necrose pulpar. Uma higiene bucal meticulosa deve ser estabelecida e mantida.

Se há desenvolvimento de lesões inflamatórias periapicais, a escolha terapêutica é guiada pelo comprimento da raiz. O tratamento endodôntico convencional requer criação mecânica de condutos e tem tido sucesso em dentes sem raízes muito pequenas. Dentes com raízes curtas apresentam ramificações pulpares que eliminam o tratamento endodôntico convencional como uma opção terapêutica apropriada. Curetagens periapicais e selamento com amálgama retrógrado têm apresentado sucesso a curto prazo.

A displasia dentinária tipo II apresenta problemas semelhantes, e deve ser estabelecida meticulosa higiene bucal. Os dentes decíduos podem ser tratados de maneira semelhante àquela utilizada para a dentinogênese imperfeita. Nos dentes permanentes, encontra-se um aumento do risco de lesões inflamatórias periapicais. Como os canais pulpares não são comumente obliterados por completo, o tratamento endodôntico é realizado mais prontamente.

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ODONTODISPLASIA REGIONAL (DENTES FANTASMAS) A odontodisplasia regional é uma anomalia localizada, não hereditária, com extensos efeitos adversos sobre a formação do esmalte, da dentina e da polpa. Muitos casos são idiopáticos, mas alguns têm sido relacionados com várias síndromes, anormalidade de crescimento, distúrbios neurais e malformações vasculares ( Quadro 2-12 ). Inúmeras causas têm sido propostas ( Quadro 2-13 ), mas a teoria mais difundida sustenta-se em uma alteração no suprimento vascular. Muitos casos têm ocorrido em pacientes com nevos vasculares de cabeça e pescoço; além disso, alterações semelhantes têm sido induzidas em animais pela restrição do fluxo vascular para a área dos ossos gnáticos.

Quadro 2-12

Doenças Observadas em Associação à Odontodisplasia Regional

• Displasia ectodérmica

• Nevo epidérmico

• Hipofosfatasia

• Hidrocefalia

• Hipoplasia facial ipsilateral

• Neurofibromatose

• Coloboma orbital

• Incompatibilidade de fator Rh

• Nevo vascular

Quadro 2-13

Causas Propostas para a Odontodisplasia Regional

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• Migração anormal das células da crista neural

• Vírus latente

• Circulação local deficiente

• Infecção ou trauma local

• Hiperpirexia

• Desnutrição

• Medicação usada durante a gravidez

• Radioterapia

• Mutação somática

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E RADIOGRÁFICAS A odontodisplasia regional é um acontecimento incomum que ocorre em ambas as dentições. Não apresenta predileção racial e apresenta um ligeiro predomínio feminino. Uma revisão quanto à idade na época do diagnóstico revela um pico bimodal que correlaciona o tempo normal de erupção de decíduos (dois a quatro anos) e a dentição permanente (sete a onze anos). Caracteristicamente, o processo afeta uma área focal da dentição, com envolvimentode diferentes dentes contíguos. Há uma predominância pelos dentes superiores anteriores. Eventualmente, um dente não afetado pode ser interposto a uma sequência de dentes alterados. Foram relatados envolvimento ipsilateral de ambos os arcos e alterações bilaterais. Embora raro, o envolvimento generalizado já foi documentado, sendo a presença de odontodisplasia regional em mais de dois quadrantes rara. O envolvimento da dentição decídua é normalmente seguido por dentes permanentes comprometidos do mesmo modo. Na região dos dentes afetados, o osso circundante frequentemente apresenta densidade mais baixa; além disso, hiperplasia de tecido mole pode ser notada revestindo os dentes afetados que encontram-se impactados.

Muitos dos dentes afetados não erupcionam. Os dentes que o fazem apresentam coroas irregulares pequenas, que vão de amarelas a marrons, muitas vezes com uma superfície irregular. Cáries e lesões inflamatórias periapicais associadas são bastante comuns. A necrose pulpar é comum, causada pelas fendas dentinárias e cornos pulpares muito amplos (em geral, na ausência de uma causa óbvia). Radiograficamente, os dentes alterados demonstram esmalte muito fino e dentina ao redor de uma polpa alargada e radiolúcida, resultando em uma imagem pálida e delicada; daí o termo dente fantasma ( Fig. 2-104 ). Uma perda de contraste é observada entre a dentina e o esmalte, com uma aparência indistinta “desfocada”

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da silhueta da coroa. Podem ser encontradas raízes pequenas e ápices abertos. As polpas aumentadas com frequência apresentam uma ou mais calcificações pulpares proeminentes. Os sinais e sintomas são atraso ou falta de erupção, esfoliação precoce, formação de abscesso, dentes malformados e expansão gengival não inflamatória.

Fig. 2-104

Odontodisplasia regional (dentes fantasmas) . Dentes inferiores posteriores apresentando polpas amplas e esmalte e dentina muito finos.

(Cortesia do Dr. John B. Perry.)

CARACTERÍSTICAS HISTOPATOLÓGICAS Em cortes por desgaste, a espessura do esmalte varia, resultando em uma superfície irregular. A estrutura prismática do esmalte é irregular ou ausente, com aparência laminada. A dentina contém fendas espalhadas por uma mistura de dentina interglobular e material amorfo. Geralmente, são encontradas áreas globulares de dentina tubular pouco organizada e inclusões celulares dispersas. O tecido pulpar contém calcificações livres ou aderidas, que podem apresentar túbulos ou consistir em calcificações laminadas. O folículo dentário ao redor da coroa pode estar aumentado e comumente exibe coleções focais de calcificações basofílicas semelhantes ao esmalte chamadas de conglomerados enameloides ( Fig. 2-105 ). Este quadro de calcificação não é específico para a odontodisplasia regional e foi visto em outros processos com distúrbios de formação de esmalte, como a amelogênese imperfeita. Ilhas espalhadas de epitélio odontogênico e outros quadros de calcificação intramural também são encontrados.

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Fig. 2-105

Odontodisplasia regional . O tecido do folículo dentário contém coleções espalhadas de conglomerados enameloides e ilhas de epitélio odontogênico.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO A conduta básica no tratamento da odontodisplasia regional é direcionada para a retenção dos dentes alterados, sempre que possível, para permitir um desenvolvimento apropriado e preservação da crista alveolar circundante. O tratamento endodôntico em dentes desvitalizados com suficiente tecido duro que permita a restauração tem sido executado com sucesso. Os dentes não erupcionados devem permanecer intocados, restaurando-se a função com uma prótese parcial removível até que seja ultrapassado o período de crescimento. Dentes erupcionados podem ser recobertos por restaurações retidas por ataque ácido ou com coroas de aço inoxidável até que a restauração final possa ser colocada depois de completado o crescimento. Em função da natureza frágil do tecido coronário duro e da facilidade de exposição pulpar, a preparação do dente é contraindicada. Dentes muito afetados e infeccionados frequentemente não podem ser preservados e necessitam ser removidos. Embora a anquilose tenha sido vista em autotransplante dentário, pré-molares têm sido autotransplantados para o alvéolo do dente afetado extraído. Esta abordagem pode conseguir restaurar a função mastigatória, permitindo adequado desenvolvimento facial e prevenindo a atrofia e a extrusão do dente antagonista. Implantes osseointegrados foram colocados em crianças em desenvolvimento com hipodontia e poderiam ser usados no cenário da odontodisplasia regional. Pelo fato de os implantes tornarem-se essencialmente anquilosados, eles têm o potencial de ficar embutidos ao osso durante o crescimento dos maxilares da criança. Por esta razão, os implantes devem ser reservados para pacientes que tenham completado o crescimento pubertal.

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Apesar da difícil manutenção da vitalidade nos dentes anormais, tais esforços podem trazer recompensas significativas. Muitos pesquisadores têm mostrado o desenvolvimento dentinário contínuo de dentes afetados por odontodisplasia regional. Em casos acompanhados por muitos anos, os dentes perderam sua aparência de dentes fantasmas e apresentaram uma diminuição do tamanho da polpa, um acréscimo significativo da espessura da dentina e uma normalização relativa final da anatomia radicular. Em contrapartida, o esmalte permaneceu hipoplásico. O osso circundante tornou-se bem-desenvolvido e aumentou sua densidade. Entretanto, existem apenas poucos relatos destes resultados, muito provavelmente porque o tratamento de escolha anterior era a exodontia dos dentes comprometidos.

 

 

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