Capítulo 22 - Poder Político e Dissidência[1]

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Captulo 22 (p

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PARA ALM DO CAPITAL - CAPTULO 22

Poder Poltico e Dissidncia Nas Sociedades Ps-Revolucionrias

22.1 No haver mais poder poltico propriamente dito

A questo do poder poltico em sociedades ps-revolucionrias e continua a ser uma das mais desprezadas da teoria marxista. Marx formulou o princpio da abolio do "poder poltico propriamente dito" em termos inequvocos: "A organizao dos elementos revolucionrios como uma classe supe a existncia de todas as foras produtivas possveis de serem desenvolvidas no seio da velha sociedade. Quer isto dizer que, depois da queda da velha sociedade, haver uma nova dominao de classe culminando em um novo poder poltico? No. A condio para a emancipao da classe trabalhadora a abolio de todas as classes, assim como a liberao do Terceiro Estado, da ordem burguesa, foi a abolio de todos os estados e de todas as ordens. A classe trabalhadora, no curso do seu desenvolvimento, substituir a velha sociedade civil por uma associao que exclui as classes e seus antagonismos, e no haver, poder poltico propriamente dito, uma vez que o poder poltico precisamente a expresso oficial do antagonismo na sociedade civil" Marx, The Poverty of Philosophy, in Karl Marx e Friedrich Engels, Collected Works, vol. 6 (Londres,1976), p. 211-2.. Marx foi ainda mais categrico: "Quando o proletariado vitorioso, isto no significa que se torna o plo absoluto da sociedade, pois vitorioso apenas ao abolir-se a si mesmo e a seu oposto. Ento, o proletariado desaparece assim como o oposto que o determina, a propriedade privada" Id., The Holy Family, m Marx e Engels, Collected Works, vol. 4, Londres, p. 36..Mas o que acontece com o poder poltico nas sociedades ps-revolucionrias quando o proletariado no desaparece? O que acontece com a propriedade privada ou com o capital, quando a propriedade privada dos meios de produo abolida, enquanto o proletariado continua a existir e a dominar toda a sociedade - inclusive a si mesmo sob o novo poder poltico chamado de "ditadura do proletariado"? De acordo com os princpios de Marx, os dois plos de uma oposio ou pem-se de p ou caem juntos; ou seja: o proletariado no pode ser verdadeiramente vitorioso sem que produza sua prpria abolio. Do mesmo modo, no pode abolir totalmente o seu oposto sem, ao mesmo tempo, abolir-se a si mesmo, enquanto classe que necessita da nova poltica - a ditadura do proletariado - para que possa tomar e manter o poder.Seria mero sofisma tentar sair destas dificuldades sugerindo que o novo poder poltico no "poder propriamente dito" ou, em outras palavras, que no a manifestao de profundos antagonismos objetivos. At mesmo porque a existncia desses antagonismos dolorosamente evidente em todas as partes e a severidade das medidas concebidas para evitar que venham tona - sem nenhuma garantia de sucesso - fornece uma bvia refutao de todo tipo de sofisma evasivo.Nem possvel levar a srio, mesmo momentaneamente, a sugesto autojustificadora de que o poder poltico do Estado ps-revolucionrio mantido - de fato, intensificado - em funo de uma determinao puramente internacional, em que a represso poltica aplicada como uma conseqncia necessria do "cerco" e como a nica forma possvel para a defesa das realizaes da revoluo contra a agresso e o seu complemento: a subverso interna. Como a histria recente testemunha de forma eloqente, "o inimigo interno e externo" como explicao da natureza do poder poltico nas sociedades ps-revolucionrias uma doutrina perigosa que substitui a parte pelo todo, transformando uma determinao parcial em grosseira justificativa a priori do injustificvel a violao institucionalizada dos direitos e valores socialistas mais elementares.A tarefa, claramente, uma investigao - sem preconcepes apologticas - dos antagonismos polticos especficos que vieram tona nas sociedades ps-revolucionrias, junto com as bases materiais indiretamente identificadas com o princpio de Marx relativo abolio simultnea de ambos os lados do velho antagonismo socioeconmico como condio necessria para a vitria proletria. Isto no significa que tenhamos, de sada, que nos comprometer com qualquer teoria de uma "nova classe", j que postular uma "nova classe" apenas um outro tipo de preconcepo que no explica nada - preconcepo que, ao contrrio, necessita de explicao ela mesma.

Nem o abrangente termo mgico "burocratismo" que cobre quase tudo, inclusive a avaliao de sistemas sociais qualitativamente diferentes, abordados de pontos de vista opostos, de Max Weber a alguns seguidores de Trotsky - oferece uma explicao significativa sobre a natureza do poder poltico nas sociedades ps-revolucionrias, j que aponta apenas para algumas aparncias bvias, enquanto deixa de lado as suas causas. Em outras palavras, apresenta o efeito de uma determinao causal de longo prazo como se fosse em si uma explicao causal.Da mesma maneira, a hiptese do "capitalismo de Estado" no serve: no s porque confunde os problemas com algumas tendncias contemporneas do desenvolvimento das sociedades capitalistas mais avanadas (tendncias, alis, muito brevemente tratadas pelo prprio Marx), mas tambm porque tem de omitir de sua anlise algumas caractersticas objetivas altamente significativas das sociedades ps-revolucionrias para poder tornar plausvel a aplicao deste rtulo problemtico. Rtulos, por mais tentadores que sejam, no resolvem problemas tericos complexos: apenas os escamoteiam, dando a iluso de uma soluo.Da mesma forma, seria ingnuo pensar que possamos deixar esses problemas de lado, declarando apenas que a ditadura do proletariado como forma poltica pertence ao passado, enquanto o futuro e o presente devem ser pensados de acordo com o princpio do pluralismo que, por sua vez, necessariamente, implica uma concepo da diviso do poder como um "compromisso histrico". Ainda assim, mesmo que aceitemos a pragmtica viabilidade e a validade histrica relativa desta concepo, a questo de como constituir e exercer um poder poltico que contribua ativamente para a transformao socialista da sociedade, em vez de adiar indefinitivamente sua realizao, permanece to sem resposta quanto antes.H alguns srios dilemas a serem resolvidos. No contexto da nova concepo de pluralismo, seria possvel escapar ao bem conhecido destino histrico da social-democracia, que se resignou iluso de "dividir o poder" com a burguesia enquanto, de fato, ajudava a perpetuar o domnio do capital sobre a sociedade? Se no possvel isto , se a forma poltica do pluralismo em si, por sua prpria natureza, uma submisso s formas vigentes de dominao de classe, como pensam alguns -, ento por que estariam socialistas srios interessados em dedicar ateno a tal coisa? No entanto, por outro lado, se a idia do pluralismo defendida na perspectiva de uma transformao socialista genuna, deve ser explicado como possvel avanar de poder dividido a poder socialista, sem que se recaia nas conhecidas contradies do poder poltico nas sociedades ps-revolucionrias, cuja manifestao temos testemunhado em tantas ocasies.So estes os fatos que do importncia a toda esta discusso. A questo do poder poltico em sociedades ps-revolucionrias no apenas um tema acadmico, nem pode ser abandonado a interesses de propaganda poltica conservadora e descartado pela esquerda como tal. Diferentemente do ocorrido em 1956 quando estas contradies irromperam de forma to clamorosa e trgica -, no mais possvel a qualquer setor da esquerda virar as costas para tais fatos; enfrentar as questes colocadas tornou-se uma condio essencial para o avano do movimento da classe trabalhadora em seu conjunto, que tem condies de, em alguns pases, vir a ser chamada a assumir a responsabilidade de dividir o poder em meio a uma crescente crise estrutural.22.2 O ideal e a "fora da circunstncia"Se h necessidade de retornar s fontes e princpios originais para examinar tanto as conjunturas de sua formulao como todas as implicaes necessrias para as condies e circunstncias presentes, precisamente sobre tais questes que ela se faz sentir. No entanto, uma vez que admitamos isto e tentemos proceder coerentemente, deparamo-nos imediatamente com grandes dificuldades. Isso porque a definio original de Marx, do poder poltico como manifestao de antagonismo de classe, ope a realidade da sociedade de classes ao socialismo plenamente realizado, no qual no pode haver espao para distintos rgos do poder poltico, uma vez que "o processo de vida social... se torna produto de homens livremente associados e se coloca sob seu controle consciente e planejado" O capital, vol. l, Londres, Penguin/NLR Edies, 1976, p.173..Entretanto, tente-se substituir o plano conscientemente concebido pela totalidade dos produtores individuais por um plano imposto a eles e, ento, o conceito de homens livremente associados deve ser descartado e substitudo pelo de associao forada, tendo-se ainda, inevitavelmente, que conceber o exerccio do poder poltico como separado e oposto sociedade de produtores, os quais devem ser obrigados a aceitar e implementar propsitos e objetivos que no partiram de suas deliberaes conscientes mas que, ao contrrio, negam a prpria idia de associao livre e deliberao consciente. Ou, ao contrrio, tente-se eliminar o conceito de "indivduos livremente associados" - pior ainda, declare-se arbitrariamente, ao estilo de qualquer forma de stalinismo, que tais conceitos so puros remanescentes "ideolgicos" do "individualismo burgus moralizante", mesmo que isto signifique que uma parcela significativa da obra de Marx, embora sorrateiramente, deva tambm ser eliminada sob o mesmo rtulo - e no haver forma de conceber ou visualizar (muito menos de praticar) a concepo e a implementao do planejamento social, exceto como uma imposio vinda de cima.Assim, somos testemunhas da completa transformao do ideal de Marx em uma realidade que substitui a atividade autodeterminante de indivduos livremente associados pela associao forada de homens governados por uma fora poltica que lhes alheia. Ao mesmo tempo, o conceito de Marx de plano social consciente (o qual se espera que regule, pela participao integral dos indivduos livremente associados, a totalidade dos processos vitais da sociedade) sofre a mais grave reduo, tornando-se um mero plano econmico, unilateral, tecnocraticamente preconcebido e frequentemente inexeqvel, constrangendo assim a sociedade, sob nova forma, s mesmas determinaes econmicas cuja superao constitui o quadro de referncia do socialismo cientfico desde o momento de sua concepo.Outrossim, uma vez que os dois elementos constituintes bsicos de uma unidade dialtica, a associao de produtores e a fora reguladora do plano, se encontram divorciados e opostos um ao outro, a "fora da circunstncia" que conseqncia necessria dessa separao e no a sua causa, quaisquer que sejam os historicamente mutveis determinantes sociais em operao - torna-se uma causa injustificada; torna-se, na verdade, a "causa inevitvel". E, desde que a "causa inevitvel" tambm justificativa de si mesma, a transformao levada mais adiante, apresentando-se como a nica forma possvel de realizao dos ideais de Marx: como o modelo insupervel de todo o possvel desenvolvimento socialista. Da, uma vez que a forma vigente de exerccio de poder deve ser mantida e, conseqente-mente, tudo deve permanecer como est, a problemtica de "fora da circunstncia" utilizada como argumento para demonstrar categoricamente que no poderia ser diferente e assim est certo que tudo deva ser como . Em outras palavras, o ideal de Marx transformado em uma realidade altamente problemtica, que, por sua vez, reconvertida em modelo e ideal totalmente inatingveis a partir do recurso ambguo "fora da circunstncia", tanto como causa inevitvel quanto como justificativa normativa, quando, na verdade, deveria ser criticamente examinada e questionada em ambos os aspectos.Sem dvida, esta dupla distoro no produto de uma teoria unilateral, apesar de representar uma capitulao apologtica da teoria "fora da circunstncia", a qual, por sua vez, passa a existir como resultado de determinaes sociais imensamente complexas e contraditrias, inclusive a contribuio oriunda da falncia terica como fator significativo para o processo como um todo. No entanto, uma vez estabelecido o processo e imposta por lei a apologia do ideal distorcido, condenando-se como "heresia" e "subverso" todas as vozes de dissidncia, a reflexo crtica conseqentemente assume a forma de amarga e autoflagelante ironia. Tal como na resposta dada pela mtica "Rdio Yerevan"** "Rdio Yerevan": entidade mtica, personagem de piadas polticas sobre os meios oficiais de comunicao das sociedades ps-revolucionrias contemporneas, porta-voz oficial do partido (N. do T). pergunta feita por um ouvinte annimo que indaga: "E verdade que h socialismo no nosso pas?"; a resposta dada de maneira indireta: "O que voc pergunta, camarada, se verdade que luxuosos carros americanos sero distribudos este sbado tarde na Praa Vermelha. E perfeitamente verdade, com trs observaes: no sero americanos, mas sim russos; no sero carros, mas sim bicicletas; e no sero distribudos, mas sim confiscados". Embora isto soe cinicamente niilista, quem pode deixar de perceber a voz da impotncia protestando em vo contra a sistemtica frustrao e violao dos ideais do socialismo?Admitamos: os problemas do poder poltico nas sociedades ps-revolucionrias no podem ser solucionados pela simples reiterao de um ideal na sua formulao original, uma vez que, pela sua prpria natureza, estes problemas pertencem ao perodo de transio, que impe suas penosas especificidades a todos ns. Por fim, h uma moral para ns tambm na histria da "Rdio Yerevan": que no deveramos jamais aceitar "observaes" que obliteram o ideal em si e o transformam no seu oposto. Ignorar a "fora da circunstncia" seria o mesmo que viver num mundo de fantasias. No entanto, independentemente das circunstncias, o ideal permanece vlido como o compasso vital que assegura a direo certa na jornada e como o necessrio corretivo para o poder de vis major que tende a predominar sobre tudo.22.3 Poder poltico na sociedade de transioSeria possvel identificar as necessrias especificidades scio-histricas que expressem o esprito das formulaes originais de Marx nas realidades concretas de uma complexa transio histrica de uma formao social a outra? Como possvel conceber esta transio numa forma poltica que no se torne a sua prpria autoperpetuao, contradizendo assim e tornando nula a prpria idia de uma transio que, por si s, pode justificar a contnua, mas em princpio decrescente, importncia da forma poltica? possvel haver tais especificidades sem liquidar com o quadro terico de Marx e com suas implicaes para nosso problema?Como vimos, as definies originais de Marx concebiam poder poltico como manifestao direta do antagonismo de classe associado a seu contrrio: a abolio do poder poltico propriamente dito numa sociedade socialista plenamente desenvolvida. Mas o que acontece enquanto isso? E possvel remover um poder poltico fortemente centralizado sem que se precise recorrer ao exerccio de um sistema poltico plenamente articulado?Se no, como possvel conceber uma mudana de rumo "a meio caminho", isto , a transformao radical de um sistema auto-suficiente de poder poltico que controla o todo da sociedade em um rgo auto-supervel, que transfira completamente as mltiplas funes de controle poltico para o prprio corpo social, permitindo assim a emergncia daquela livre associao de homens e mulheres sem a qual o processo vital da sociedade permanece sob a dominao de foras estranhas, em vez de ser conscientemente regulado plos indivduos sociais nele envolvidos, de acordo com os ideais de autodeterminao e auto-realizao? E, finalmente, se as formas transitrias de poder poltico teimosamente se recusarem a dar mostras de que esto se "diluindo", como se poderia avaliar as contradies envolvidas: como a falncia de um marxismo "utpico" ou como a manifestao historicamente determinada de antagonismos objetivos cuja elucidao est prevista no interior do projeto original de Marx?

A afirmao de Marx sobre a superao do poder poltico em sociedades socialistas vem acompanhada de duas importantes consideraes. Primeira: que a livre associao de indivduos sociais que regulam conscientemente a sua auto-atividade vital de acordo com um plano estabelecido no possvel sem a necessria "base material, ou uma srie de condies materiais de existncia, as quais, por sua vez, so o produto natural e espontneo de um longo e tortuoso desenvolvimento histrico" Id., ibid.. A emancipao do trabalho do jugo do capital possvel apenas se as condies objetivas da sua. emancipao forem satisfeitas, com o que "o processo direto material da produo despido de sua forma de penria e anttese", dando lugar ao "livre desenvolvimento das individualidades" Id., Grundrisse, Londres, Penguin, 1973, p. 706.. Por implicao, sempre que "penria e anttese" permaneam caractersticas da base material da sociedade, a forma poltica deve sofrer suas conseqncias e o "livre desenvolvimento das individualidades" prejudicado e adiado.A segunda considerao vincula-se estreitamente primeira. J que superar as condies de "penria e anttese" necessariamente implica o mais elevado desenvolvimento das foras produtivas, a revoluo vitoriosa devia ser concebida por Marx nos pases capitalistas avanados e no na periferia do desenvolvimento do mundo capitalista (apesar de ele ter aventado a possibilidade de revolues fora dos centros socioeconomicamente mais dinmicos, sem ter, no entanto, entrado na discusso das compulsrias implicaes de tais possibilidades). Na medida em que o objetivo de sua anlise era o poder do capital como sistema mundial, Marx tinha que contemplar uma ruptura, sob o impacto de uma profunda crise estrutural, na forma de revolues mais ou menos simultneas nos principais pases capitalistas.Quanto ao problema do poder poltico no perodo de transio, Marx introduziu o conceito de "ditadura do proletariado"; e em um de seus trabalhos posteriores, A Crtica do Programa de Gotha, ele reportou-se a alguns problemas adicionais da sociedade em transio que se manifestam na esfera poltico-legal. Se, bem verdade, estes elementos de sua teoria certamente no constituem um sistema (o seguimento de O capital, que deveria explorar de forma sistemtica as implicaes polticas da teoria global de Marx, no foi sequer esboado e muito menos desenvolvido), constituem outrossim importantes indicaes e devem ser complementados por alguns outros elementos de sua teoria (principalmente a avaliao da relao entre indivduo e classe e da interdependncia estrutural entre capital e trabalho), que tm significativa importncia em relao aos problemas estritamente polticos, como veremos adiante.

Foi Lenin, como sabemos, quem desenvolveu a estratgia da revoluo "no elo mais fraco da corrente", insistindo em que a ditadura do proletariado deveria ser considerada a nica forma pblica vivel para todo o perodo de transio que antecede o mais elevado estgio do comunismo, no qual, finalmente, se torna possvel implementar o princpio da liberdade. A modificao mais significativa de sua anlise, em relao a Marx, consistiu em pensar que a "base material" e a superao da "penria" estariam realizadas sob a ditadura do proletariado em um pas que arranca de um nvel de desenvolvimento extremamente baixo. Ainda assim, Lenin no via problemas ao sugerir, em dezembro de 1918, que o novo Estado ser "democrtico para o proletariado e para o despossudo em geral e ditatorial apenas contra a burguesia" Parte de urna seo agregada 2a edio de The State and Revolution; ver Lenin, Collected Works, Londres, Lawrence & Wishart, vol. 25, p. 412.. Havia um erro curioso no seu raciocnio, frequentemente impecvel. Ele argumentava que, "graas ao capitalismo, o aparato material dos grandes bancos, sindicatos, estradas de ferro, alm de outros, cresceu", e "a imensa experincia dos pases avanados acumulou um estoque de maravilhas da engenharia cujo uso est sendo obstrudo pelo capitalismo", concluindo que os bolcheviques (que, de fato, estavam confinados em um pas atrasado) podem "apoderar-se desse aparato e coloc-lo em movimento" Id., ibid., vol. 26, p. 130.. Assim, a imensa dificuldade da transio de uma revoluo particular ao sucesso irrevogvel de uma revoluo global (sucesso que est alm do controle de qualquer agente particular, ainda que tenha disciplina e conscincia de classe) foi mais ou menos deixada de lado pela postulao voluntria de que os bolcheviques eram capazes de tomar o poder e de "ret-lo at o triunfo da revoluo socialista do mundo" Id., ibid.Assim, enquanto a viabilidade de uma revoluo socialista no elo mais fraco da corrente era defendida, o imperativo de uma revoluo mundial como condio do sucesso da primeira era reafirmado da forma mais instvel: como uma tenso insolvel no prprio interior da teoria. Mas o que se poderia dizer caso uma revoluo socialista mundial no ocorresse e os bolcheviques se vissem obrigados a reter o poder indefinidamente? Lenin e seus camaradas revolucionrios no estavam dispostos a considerar esta pergunta, uma vez que conflitava com certos elementos de sua viso. Eles tinham que proclamar a viabilidade de sua estratgia de uma forma que, necessariamente, implicava a antecipao de desenvolvimentos revolucionrios em reas sobre as quais suas foras no tinham nenhum controle. Em outras palavras, a sua estratgia continha a contradio entre dois imperativos: primeiro, a necessidade de seguir adiante sozinhos como precondio (histrica) imediata de sucesso (de, pelo menos, tent-lo); segundo, o imperativo do triunfo da revoluo socialista mundial como precondio (estrutural) ltima de todo o esforo.Compreende-se, portanto, que, quando a efetiva conquista do poder em outubro de 1917 criou uma nova situao, Lenin exclamasse com um suspiro de alvio: " mais agradvel e til passar pela 'experincia da revoluo' do que escrever sobre ela" Id., ibid., vol. 25, p. 412.. E ainda: "A revoluo de 25 de outubro deslocou o problema levantado neste panfleto da esfera da teoria para a esfera da prtica. Este problema deve ser resolvido com atos e no com palavras"Id., ibid., vol. 26, p. 89. . Mas ele no disse como poderiam os atos por si mesmos resolver o dilema relativo s graves dificuldades de construir a necessria "base material" que constitui o pr-requisito de uma transformao socialista bem-sucedida sem as "palavras" - isto , sem uma teoria coerente que avaliasse sobriamente os enormes perigos potenciais a contidos e indicasse, ao mesmo tempo, se possvel, as possibilidades de sua soluo. Lenin simplesmente no pde visualizar a possibilidade de uma contradio objetiva entre a ditadura do proletariado e o prprio proletariado.

Se em maro e abril de 1917 Lenin ainda defendia "um Estado sem exrcito mobilizado, sem uma polcia oposta s pessoas, sem funcionrios acima do povo" Id., ibid., vol. 24, p. 49 (grifos de Lenin)., e propunha "organizar e armar todos os segmentos da populao pobres e explorados para que estes por si mesmos tomassem diretamente em suas prprias mos os rgos do poder do Estado, para que eles mesmos possam constituir estes rgos do poder do Estado" Id., ibid., vol. 23, p. 326 (grifos de Lenin)., uma mudana significativa tornou-se evidente na sua orientao aps a tomada do poder. Os principais temas de O Estado e a Revoluo passam mais e mais para os bastidores de seu pensamento. Referncias positivas relativas Comuna de Paris (como exemplo de envolvimento direto de "todos os segmentos da populao pobres e explorados" no exerccio do poder) desapareceram de seus discursos e escritos; e o acento foi colocado na "necessidade de uma autoridade de ditadura e de uma vontade conjunta de assegurar que a vanguarda do proletariado cerrasse suas fileiras, desenvolvesse o Estado e o colocasse sobre nova base, enquanto retinha firmemente as rdeas do poder Id., ibid., vol. 30, p. 422..Assim, em contraste com as intenes originais que afirmavam a identidade fundamental entre "todo o povo armado" Id., ibid., vol. 23, p. 325 (grifos de Lenin). e o poder do Estado, aparece uma separao deste ltimo em relao aos "trabalhadores", pela qual o "poder do Estado est em organizar a produo em larga escala, em solos de propriedade do Estado, e em escala nacional em empresas de propriedade do Estado, est na distribuio da fora de trabalho entre os vrios ramos da economia e vrias empresas, e est na distribuio entre os trabalhadores de grande quantidade de artigos de consumo pertencentes ao Estado" Id., ibid., vol. 30, pp. 108-9.. O fato de o relacionamento dos trabalhadores com o poder do Estado, manifestado como distribuio central da fora de trabalho, ser um relacionamento de subordinao estrutural parece no ter sido problema para Lenin, que evitou a questo ao simplesmente descrever a nova forma de poder do Estado como "poder estatal proletrio" Id., ibid., pp. 108-9.. Assim, a contradio objetiva entre a ditadura do proletariado e o prprio proletariado desaparece do seu horizonte ao mesmo tempo em que vem tona o poder centralizado do Estado que determina por si s a distribuio da fora de trabalho.No nvel mais geral das relaes de classe - correspondente oposio polarizada entre proletariado e burguesia -, a contradio no parecia existir. O novo Estado tinha que assegurar sua prpria base material e a distribuio centralizada da fora de trabalho parecia ser o nico princpio vivel para assegurar tal base, do ponto de vista do Estado j existente. A extenso pela qual os recm-constitudos rgos do Estado eram estruturalmente condicionados pelo velho Estado no subestimada. A anlise de Lenin sobre este problema no seu discurso sobre a NEP altamente reveladora: Ns tomamos a velha mquina do Estado e este foi o nosso infortnio, pois, com frequncia, esta mquina trabalhou contra ns. Em 1917, depois que tomamos o Isto nos amedrontou muito e ento suplicamos: "Voltem, por favor". Todos eles voltaram e esse foi o nosso azar. Agora temos um vasto exrcito de funcionrios de governo, mas nos faltam quadros suficientemente educados para exercer controle real sobre eles. Na prtica, acontece com frequncia que, aqui do alto onde ns exercemos o poder poltico, a mquina funciona de alguma maneira; mas, embaixo, funcionrios pblicos so dotados de poderes arbitrrios e eles geralmente os usam de forma a contra-atacar nossas medidas. No alto, no estou bem certo mas, em todo caso, eu acho que temos no mais que alguns milhares e, l fora, algumas dezenas de milhares da nossa prpria gente. No entanto, embaixo h centenas de milhares de velhos funcionrios que tomamos do Czar e da sociedade burguesa que, parte deliberada e parte inconscientemente, trabalham contra ns. Collected Works, vol. 33, pp. 428-9. O novo poder do Estado foi construdo e consolidado por meio de tais tenses e contradies, que afetaram profundamente sua articulao estrutural em todos os nveis. A velha herana, com sua enorme inrcia, foi fator de muito peso nos sucessivos estgios do desenvolvimento sovitico. No apenas porque os "burocratas do Estado colocados acima do povo" pudessem anular as "boas medidas" tomadas no alto, onde o poder poltico estava sendo exercido, mas, principalmente, porque esse tipo de tomada de decises - longe de representar as alternativas propostas originalmente em O Estado e a Revoluo com referncia aos princpios da Comuna de Paris - tornou-se um ideal. Da em diante, o mal foi identificado como uma consciente obstruo da autoridade do Estado por funcionrios locais e seus aliados e o remdio como a forma mais rgida possvel de controle sobre todas as esferas da vida social. Na realidade, no entanto, foram os "trabalhadores" mesmo que tiveram de ser distribudos com "fora de trabalho": no apenas por distncias geogrficas imensas como todos os problemas e deslocamentos inevitavelmente envolvidos em tal sistema de distribuio centralmente imposto , mas tambm "verticalmente" em toda e cada localidade, de acordo com os ditames polticos inerentes aos princpios e rgos de controle recentemente constitudos.22.4 A soluo de LukcsNo vindo ao caso quo problemticas foram as suas concluses, Lukcs teve o grande mrito intelectual de ter enfatizado este dilema de forma mais perspicaz, em um de seus relativamente pouco conhecidos ensaios, escrito na primavera de 1919. A questo importante o suficiente para justificar a longa citao, necessria para reproduzir fielmente a linha de seus pensamentos. claro que os fenmenos mais opressivos do poder proletrio ou seja, a escassez de produtos e os altos preos, de cuja conseqncia imediata todo proletariado tem experincia pessoal so resultados diretos do relaxamento da disciplina do trabalho e do declnio da produo. A criao de solues para isto e a conseqente melhoria dos padres de vida do indivduo somente podem ocorrer quando as causas desses fenmenos forem removidas. O que se pode fazer de duas maneiras: ou os indivduos que constituem o proletariado compreendem que eles podem ajudar-se apenas pelo fortalecimento voluntrio da disciplina do trabalho e, conseqentemente, do aumento da produo; ou, se eles no forem capazes disto, pela criao de instituies que sejam capazes de gerar este estado de coisas. Neste ltimo caso, cria-se um sistema legal por meio do qual o proletariado compele os seus prprios membros individuais, os proletrios, a agir de um modo que corresponda a seus interesses de classe: o proletariado volta sua ditadura contra si mesmo. Esta medida necessria para a autopreservao do proletariado quando no existenm o reconhecimento correto dos interesses de classe e a ao voluntria em conformidade com estes interesses. Mas no se pode escamotear o fato de que este mtodo contm em si grandes perigos para o futuro. Quando o prprio proletariado o criador da disciplina do trabalho, quando o sistema de trabalho do Estado proletrio constitudo sobre uma base moral, a ento a compulsoriedade externa da lei cessa automaticamente com a abolio da diviso de classes isto , o Estado se desfaz e esta liquidao da diviso de classes produz, por si mesma, o comeo da verdadeira histria da humanidade, que Marx profetizava e almejava. Mas, se o proletariado seguir outro caminho, dever criar um sistema legal que no poder ser abolido automaticamente pelo desenvolvimento histrico. Desenvolvimento, portanto, que procederia em uma direo que colocaria em risco a emergncia e a realizao do objetivo ltimo. Uma vez que o sistema legal que o proletariado obrigado a criar desta forma deve ser derrubado, quem sabe que convulses e que traumas sero causados por sua transio que leva do reino da necessidade ao reino da liberdade por este atalho?... Depende do proletariado o comeo real da histria da humanidade isto , o poder da moralidade sobre as instituies e a economia. "As erkoles ezerepe a komunista termelesben" ("O papel da moral na produo comunista"). A traduo aqui minha, mas ver Georg Lukcs, Political Writings 1919-1929, Londres, NBL, 1968, pp. 51-2.Esta citao mostra o grande poder de percepo de Lukcs da dialtica objetiva de um certo tipo de desenvolvimento, formulado de um ponto de vista bastante abstraio. Lenin, em comparao, preferindo "aes" a "palavras", estava demasiado ocupado tentando espremer a ltima gota de possibilidade socialista prtica do aparato instrumental objetivo de sua situao para permitir-se antecipaes tericas desse tipo em 1919. Quando Lenin comeou a concentrar-se nos terrveis perigos de uma crescente dominao dos ideais do socialismo pelas "instituies da necessidade", j era muito tarde - no s para ele, pessoalmente, mas historicamente tambm muito tarde - para reverter o curso dos acontecimentos. O ideal da ao autnoma da classe trabalhadora foi substitudo pela defesa da "maior centralizao possvel" Lenin, Collected Works, vol. 42, p. 96.. Segundo as palavras de Lenin:requer e pressupe a maior centralizao possvel de produo em larga escala atravs do pas. Ao comando central de toda a Rssia, portanto, deveria ser dado definitivamente o controle direto de todas as empresas de dado ramo da indstria. Os centros regionais definem sua funes na dependncia das condies locais de vida etc., de acordo com as diretrizes gerais de produo e com as decises do centro.Qualquer outra idia aqum dessa centralizao era condenada como "anarcossindicalismo" regional.Tanto os sovietes como os conselhos de fbrica foram destitudos de qualquer poder efetivo e, no decorrer do debate sindical, qualquer tentativa de assegurar mesmo um grau bem limitado de autodeterminao para a base da classe trabalhadora era descartada como "tolice sindicalista""Toda essa bagagem sindicalista sobre nomeaes obrigatrias dos produtores deve ir ao lixo. Proceder assim representaria deixar o Partido de lado e tornar a ditadura do proletariado impossvel na Rssia", id., ibid., vol. 32, p. 62. ou como "um desvio em direo ao sindicalismo e ao anarquismo" Id., ibid., p. 246. E, outra vez: "A doena sindicalista deve ser e ser curada" (p. 107)., vista como uma ameaa direta ditadura do proletariado.A ironia cruel de tudo isso que o prprio Lenin, totalmente dedicado causa da revoluo socialista, contribuiu para paralisar as mesmssimas foras da base da classe trabalhadora s quais, mais tarde, voltaria pedindo ajuda, uma vez percebidos por ele os perigos dos desenvolvimentos que, na Rssia, iriam culminar no stalinismo. Contra este cenrio, pattico ver Lenin, um gnio da estratgia realista, comportar-se como um utpico desesperado, de 1923 at o momento de sua morte: propondo insistentemente esquemas impossveis como a sugesto de criar uma maioria no Comit central com quadros da classe trabalhadora, a fim de neutralizar os burocratas do Partido - na esperana de reverter esta tendncia perigosa, ento j muito avanada. A grande tragdia de Lenin foi que a sua incomparvel, instrumentalmente concreta e intensamente prtica estratgia o derrotou no final. No ltimo ano de vida, ento j no havia mais sada para seu isolamento total. Os desenvolvimentos que ele mesmo, mais que qualquer outro, ajudou a dinamizar fizeram-no historicamente suprfluo. A forma especfica como ele viveu a unidade de teoria e prtica acabou por ser o limite de sua grandeza.

Extremamente problemtica no discurso de Lukcs era a sugesto de que a aceitao da necessidade de maior produtividade e mais disciplina de trabalho - como resultado do apelo moral direto do filsofo conscincia dos proletrios individuais - poderiam evitar o perigo to vividamente descrito e tornar suprflua a criao das instituies necessrias. Que grau de disciplina suficientemente elevado nas condies de extrema urgncia das necessrias "bases materiais"? E "o reconhecimento correto dos interesses de classe", ipso facto, o fim de toda possvel contradio objetiva entre indivduo e interesse de classe? Estas e outras questes similares no aparecem no horizonte de Lukcs, que permaneceu idealisticamente enevoado ao postular uma base moral individualista e tambm uniforme de prtica social como uma alternativa necessidade coletiva. Ainda assim, ele indicou claramente no s a possibilidade de o proletariado voltar a sua ditadura contra si mesmo como tambm as angustiantes implicaes deste estado de coisas para o futuro, quando "o sistema legal que o proletariado obrigado a criar desta forma deve ser derrubado".Seria talvez esta a idia de seu perodo juvenil que Lukcs tentaria ampliar mais detalhadamente, luz de desenvolvimentos posteriores, em um "testamento poltico" indito escrito em 1968, aps a sua amarga condenao da interveno militar na Tcheco-Eslovquia? Seja como for, o dilema permanece to grave quanto antes. Quais eram essas determinaes objetivas e subjetivas que produziram a submisso do proletariado forma poltica pela qual assumiu o poder? E possvel super-las? Como possvel evitar as convulses potenciais associadas necessidade imperativa de transformar profundamente as formas vigentes de exerccio do poder poltico? Que condies so necessrias para transformar as rgidas "instituies da necessidade" existentes, atravs das quais a discordncia reprimida e a compulsoriedade imposta, em instituies mais flexveis de mobilizao social, prenunciando aquele "livre desenvolvimento das individualidades" que continua a nos escapar?

22.5 Indivduo e classeEste o momento em que devemos salientar a importncia, para o nosso problema, das consideraes de Marx sobre a relao entre indivduo e classe, j que, na ausncia de uma adequada compreenso desta relao, a transformao da forma poltica transitria em uma ditadura exercida tambm contra o proletariado (apesar da inteno democrtica original) permanece profundamente envolvida em mistrio.Como possvel que esta transformao ocorra? As idias de "degenerao", "burocratizao", "substitucionismo" e similares no s evitam o problema como tambm derivam numa soluo ilusria, explcita ou implcita; ou seja, que a simples derrubada dessa forma poltica e a substituio de burocratas do partido por revolucionrios dedicados reverter o processo, esquecendo que os acusados de burocratas do partido foram tambm, no seu tempo, dedicados revolucionrios. Hipteses desse tipo transferem idealisticamente o problema do plano das contradies objetivas para o da psicologia individual, que pode, no melhor dos casos, explicar a questo de por que certo tipo de pessoa mais adequado para mediar as estruturas objetivas de dada forma poltica, mas no a natureza dessas prprias estruturas.Igualmente, seria muito ingnuo aceitar que as novas estruturas de dominao poltica, repentina e automaticamente misteriosamente tambm , viessem existncia aps os proletrios terem se negado a aceitar uma intensificao da disciplina do trabalho e um auto-sacrifcio que lhes foi imposto. Ao contrrio, o prprio fato de a questo poder ser levantada desta forma j evidncia de que as estruturas de dominao existem antes mesmo que a questo seja pensada.Recriminaes e ameaas so palavras vazias se no provm de um poder sustentado por uma base material. Mas, tendo esta origem, uma reverso idealista do real estado de coisas representar ditames materiais como imperativos morais que, caso no observados, seriam seguidos de ditames materiais e sanes. Na verdade, ditames materiais so internalizados como imperativos morais apenas nas circunstncias excepcionais de um estado de emergncia, quando a prpria realidade anula a possibilidade de cursos alternativos de ao. Igualar os dois isto , tratar ditames materiais como imperativos morais significa encerrar o processo da vida social nos limites insuportavelmente estreitos de um permanente estado de emergncia.Quais so as estruturas de dominao sobre cuja base se ergue a nova forma poltica e que esta deve descartar, para que no se tornem obstculo permanente para a realizao do socialismo? Nas discusses da crtica do Estado de Marx, o que frequentemente esquecido que ela no est preocupada apenas com a determinao de uma forma especfica de dominao de classe a capitalista , mas com uma questo muito mais fundamental: a total emancipao do indivduo social. A seguinte citao bastante clara:Os proletrios, caso venham a se impor como indivduos, tero que abolir a condio de existncia que tem prevalecido at o momento (que tem sido, ademais, a das sociedades conhecidas, especificamente, o trabalho. Assim, eles se encontram diretamente opostos forma na qual, at hoje, os indivduos, nos quais consiste a sociedade, se deram expresso coletiva, isto , o Estado. Portanto, para que se imponham como indivduos, eles devem pr abaixo o Estado".Marx, Engels, The German Ideology, in MCEW, vol. 5, p. 80. Tente-se remover o conceito de indivduo deste raciocnio e ele se torna sem sentido, uma vez que a necessidade de abolir o Estado surge porque os indivduos no podem "se impor como indivduos" e no simplesmente porque uma classe dominada pela outra.As mesmas consideraes se aplicam relao entre indivduo e classe. Mais uma vez, as discusses sobre a teoria de Marx geralmente negligenciam este aspecto e se concentram naquilo que ele afirma sobre a emancipao do proletariado do controle da burguesia. Mas qual seria o sentido desta emancipao se os indivduos que constituem o proletariado permanecessem dominados pelo proletariado como uma classe? E precisamente esta relao de dominao que precede o estabelecimento da ditadura do proletariado. No h necessidade de restabelecer a dominao dos proletrios pelo proletariado, uma vez que esta dominao j existe, embora de forma diferente, bem antes que a questo da tomada do poder surja historicamente:A classe, por sua vez, assume uma existncia independente em relao aos indivduos, de modo que estes ltimos encontram sua condio vital predeterminada, assim como sua posio na vida e seu desenvolvimento pessoal destinados a eles por sua classe, tornando-se assim subordinados a ela. Este o mesmo fenmeno da sujeio de cada indivduo diviso do trabalho e s pode ser eliminado atravs da abolio da propriedade privada e do prprio trabalho. Id., ibid., p. 77.Este aspecto da dominao de classe, naturalmente, se aplica a todas as formas de sociedade de classe, independentemente das suas superestruturas polticas especficas. Nem poderia ser diferente, dada a existncia de irreconciliveis antagonismos intercleasses; na verdade, a submisso dos indivduos sua classe uma decorrncia necessria destes ltimos.Outrossim, esta condio se aplica tanto aos pases capitalistas avanados como aos mais ou menos desenvolvidos. Seria, portanto, ilusrio esperar que as conseqncias polticas desta contradio estrutural objetiva pudessem ser evitadas simplesmente em virtude de algumas inegveis diferenas no nvel da superestrutura poltico-legal. Porque a contradio em jogo um antagonismo objetivo da base socioeconmica, estruturada de acordo com uma diviso social do trabalho hierarquizada, embora, certo, tambm se manifeste no plano poltico. Sob qualquer (assim chamada) "ditadura eleita de ministros" Para citar o prprio Lord Hailsham antigo ministro tory e autoridade legal que deveria saber o que falava. (ou, do mesmo modo, sob qualquer outra forma de democracia liberal) se encontra a "ditadura no eleita" da diviso hierrquico-social do trabalho, que estruturalmente subordina uma classe a outra e, ao mesmo tempo, tambm subjuga os indivduos da prpria classe, destinando-os a uma posio e a um papel estreitamente definidos na sociedade, de acordo com os ditames materiais do sistema socioeconmico prevalecente. Ela assegura tambm, pouco cerimoniosamente, que, entrem ou saiam os ministros conforme a vontade dos eleitores, a estrutura de dominao em si permanece intacta. Paradoxalmente, este dilema da dominao estrutural dos indivduos por sua prpria classe torna-se mais, em vez de menos, aguda aps a revoluo. Na forma precedente de sociedade, a seriedade do antagonismo interclasses d um carter aparentemente - e, at certo ponto, tambm objetivamente - benvolo sujeio dos indivduos a sua prpria classe, na medida em que esta no defende apenas seus interesses enquanto classe mas, simultaneamente, defende tambm os interesses de seus membros individuais contra as outras classes. Indivduos proletrios aceitam a subordinao sua prpria classe isto mesmo com conflitos em relao a interesses setoriais especficos , uma vez que a solidariedade de classe um pr-requisito necessrio da sua emancipao do jogo da classe capitalista. No entanto, isto est muitssimo longe de ser a condio suficiente de sua emancipao como indivduos sociais. Portanto, uma vez vencida e expropriada a classe capitalista, a contradio estrutural objetiva entre classe e indivduo ativada na sua mxima intensidade, sempre que o fator dos antagonismos interclasses efetivamente removido ou, pelo menos, transferido para o plano internacional.Esta contradio entre classe e indivduo se intensifica num momento posterior ao da revoluo, a ponto de, na ausncia de foras e medidas corretivas, colocar em risco a prpria sobrevivncia da ditadura do proletariado e de reverter a sociedade a seu status quo ante. O que se presencia, no entanto, no nvel da ideologia e da prtica polticas, uma falsa representao: o necessrio pr-requisito da emancipao da classe apresentado como a condio suficiente de sua total emancipao, a qual se diz estar impedida apenas pelas "sobrevivncias do passado" ou pela "sobrevivncia do inimigo de classe". Assim, o intangvel "inimigo interno" torna-se uma fora mtica cuja contrapartida emprica deve ser inventada para encher com milhes de pessoas comuns os emergentes campos de concentrao.Nunca demais enfatizar que a mistificao poltico-ideolgica no se alimenta de si mesma (se assim fosse, seria relativamente fcil suplant-la), mas de uma contradio objetiva da base so cioeconmica. E porque "a condio de existncia dos indivduos proletrios, especificamente, o trabalho" MECW, vol. 5, p. 80., no abolida como Marx defendia - porque, em outras palavras, a diviso hierrquica do trabalho social permanece a fora reguladora fundamental do sociometabolismo -, que o antagonismo, esvaziado de sua justificativa pela expropriao da classe oposta, se intensifica, criando uma nova forma de alienao entre o indivduo que constitui a sociedade e o poder poltico que controla os seus intercmbios. porque a ditadura do proletariado no pode remover as "contradies da sociedade civil" abolindo ambos os lados do antagonismo social, incluindo o trabalho - ao contrrio, tem que visar o apropriamento deste ltimo em funo da absolutamente necessria "base material" -, que "o proletariado volta sua ditadura contra si mesmo"Como Lukcs afirma na passagem citada anteriormente. . Ou, para ser mais preciso: para manter seu predomnio sobre a sociedade como uma classe, o proletariado volta a sua ditadura contra todos os indivduos que constituem a sociedade, inclusive os proletrios. (Na verdade, incluindo tambm os funcionrios do partido ou do Estado, que tm mandato para desempenhar apenas algumas funes e no outras, de acordo com os imperativos do sistema existente e no apenas de acordo com seus prprios interesses setoriais, mesmo que eles estejam, por virtude da sua localizao privilegiada junto mquina do poder, em posio de se apropriar de uma maior parcela do produto social do que outros grupos de indivduos, quer de fato se apropriem ou no.)Uma vez que um plo da anttese de que fala Marx - o trabalho - no pode ser mantido por si s, uma nova forma de manifestao deve ser tambm produzida para o outro plo, nas novas condies da sociedade ps-revolucionria. A expropriao da classe capitalista e a interferncia e alterao das condies normais de mercado que caracterizam a sociedade capitalista impem radicalmente novas funes ao Estado proletrio. Este chamado a regular, in toto e em detalhe, o processo de produo e distribuio, determinando diretamente a alocao de recursos sociais, as condies e a intensidade do trabalho, a taxa de extrao do excedente e da acumulao, alm da participao de cada indivduo naquela parcela do produto social disponvel para o consumo. A partir da, confrontamo-nos com um sistema de produo no qual a extrao do trabalho excedente determinada politicamente da forma mais sumria, utilizando-se critrios extra-econmicos (em ltima instncia, a prpria sobrevivncia do Estado), o que, sob determinadas condies, pode de fato perturbar ou at atrasar cronicamente o desenvolvimento das foras produtivas.Esta extrao politicamente determinada do trabalho excedente - a qual, em condies de penria e na ausncia de foras e mecanismos regulatrios estritamente econmicos, pode efetivamente alcanar nveis perigosos, a partir dos quais se torna contraproducente - agua inevitavelmente as contradies entre o produtor individual e o Estado, com as mais graves implicaes para a possibilidade de dissidncia. Nestas circunstncias, a dissidncia pode diretamente pr em risco a extrao do trabalho excedente (e de tudo o que se constri sobre esta base), retirando, assim, potencialmente, a base material da ditadura do proletariado e ameaando a sua prpria sobrevivncia.Em contraste, em condies normais, ao Estado liberal no necessrio regular diretamente a extrao da mais-valia, j que os complexos mecanismos da produo de mercadorias se encarregam disso. Tudo o que ele tem a fazer assegurar indireta-mente as salvaguardas do prprio sistema econmico. No precisa, portanto, preocupar-se com as manifestaes de dissidncia poltica sempre que os mecanismos impessoais da produo de mercadorias desempenhem sua funo tranqilamente.Naturalmente, a situao se modifica significativamente em pocas de grandes crises, nos pases desenvolvidos, quando as foras da oposio no podem mais se limitar a contestar apenas a taxa de extrao da mais-valia, mas tm que questionar o prprio modo de produo e expropriao da mais-valia. Se isto se faz com xito, ento o Estado capitalista pode ser levado a assumir formas bastante diferentes daquelas consideradas "liberais".Da mesma maneira, nas presentes condies de desenvolvimento, quando possvel testemunhar como tendncia que todo o sistema do capitalismo global se torna extremamente "disfuncional", o Estado obrigado a assumir cada vez maiores funes regulatrias diretas, com implicaes potencialmente srias para a dissidncia e a oposio. Mas, mesmo nestas circunstncias, as respectivas estruturas so fundamentalmente diferentes, j que o envolvimento poltico do Estado capitalista se aplica indiretamente a um sistema de produo de mercadorias dominante e o objetivo de fundo a reconstituio da funo auto-regulatria deste ltimo, seja isto vivel ou no.Em contraste, o Estado ps-revolucionrio combina, como norma, a funo do controle do processo poltico geral com a do controle do processo de vida material da sociedade. a interao ntima entre os dois processos que produz dificuldades aparentemente insuplantveis para a dissidncia e a oposio. 22.6 Rompendo o domnio do capitalTudo isto coloca claramente em relevo o dilema que se tem de enfrentar quando se tenta conceber uma soluo socialista para os problemas em discusso. De um lado, as prticas liberais/capitalistas da "tolerncia repressiva" operam com base na premissa de que a dissidncia e o protesto podem ser permitidos at se tornarem to barulhentos quanto queiram, desde que no alterem coisa alguma. De outro lado, nos pases do Leste europeu a dissidncia e o protesto tm ressonncia no corpo social e potencial no sentido de contribuir para mudanas reais, mas no tm permisso de dar voz a suas discordncias.Haver sada para este doloroso dilema? Se houver, dever ser pelo amadurecimento das condies objetivas de desenvolvimento a que possam estar relacionados movimentos polticos, acelerando ou frustando o seu desenvolvimento. Sobre este aspecto, importa muito saber se as sociedades ps-revolucionrias representam ou no alguma nova forma de capitalismo ("capitalismo de Estado", por exemplo). Se representam, na realidade nada teria mudado com o advento da revoluo: nenhum passo real teria sido dado em direo emancipao, e o supostamente monoltico poder do capitalismo, que prevalece em todas as suas formas, faz com que o futuro parea ser extremamente inquietante.

Marx escreveu O capital a servio do rompimento do domnio do capital, no apenas do capitalismo. No entanto, estranhamente, sobre a avaliao desta mais ntima natureza do seu projeto que os desentendimentos so maiores e mais danosos. O ttulo do livro I de O capital foi traduzido pela primeira vez para o ingls, sob a superviso de Engels, como "Uma anlise crtica da produo capitalista", enquanto o original "O processo de produo do capital" [Der Produktionsprozess ds Kapitals), o que algo radicalmente diferente. O projeto de Marx se ocupa das condies de produo e reproduo do capital em si de sua gnese e sua expanso, assim como das contradies inerentes que prenunciam a sua supresso por meio de um "longo e doloroso processo de desenvolvimento" -, enquanto a mal traduzida verso fala apenas de uma dada. fase da produo do capital, confundindo problematicamenre os conceitos de "produo capitalista" e "produo do capital".Na verdade, o conceito de capital muito mais fundamental que o de capitalismo. O ltimo est limitado a um perodo histrico relativamente curto, enquanto o primeiro abarca bastante mais que isto: ocupa-se, alm do modo de funcionamento da sociedade capitalista, das condies de origem e desenvolvimento da produo do capital, incluindo as fases em que a produo de mercadorias no abrangente e dominante como no capitalismo. Ao lado da radical linha de demarcao traada pela derrocada do capitalismo, o projeto de Marx ocupa-se igualmente das formas e modalidades nas quais a necessidade de produo de capital est fadada a sobreviver nas sociedades ps-capitalistas por um longo e doloroso perodo histrico -isto , at que a prpria diviso social hierrquica do trabalho seja satisfatriamente superada e que a sociedade seja completamente reestruturada de acordo com a livre associao dos indivduos sociais, que conscientemente regulam suas prprias atividades.O domnio do capital, fundado no atual sistema da diviso do trabalho (que no pode ser abolido apenas por um ato poltico, mesmo que radical e livre de "degenerao"), prevalece assim durante uma parte significativa do perodo de transio, embora deva exibir caractersticas de uma tendncia decrescente, para que a transio possa ter qualquer xito. Mas isso no significa que as sociedades ps-revolucionrias continuem "capitalistas", da mesma forma que a sociedade feudal e as anteriores no podem ser corretamente caracterizadas como capitalistas em funo do maior ou menor uso de capital monetrio e da mais ou menos desenvolvida parcela nelas ocupada, como elemento subordinado, pela produo de mercadorias.Capitalismo aquela particular fase da produo de capital na qual:1. a produo para a troca (e assim a mediao e dominao do valor-de-uso pelo valor-de-troca) dominante;2. a. fora de trabalho em si, tanto quanto qualquer outra coisa, tratada como mercadoria;3. a motivao do lucro a fora reguladora fundamental da produo;4. o mecanismo vital de extrao da mais-valia, a separao radical entre meios de produo e produtores assume uma forma inerentemente econmica;5. a mais-valia economicamente extrada apropriada privadamente plos membros da classe capitalista; e6. de acordo com seus imperativos econmicos de crescimento e expanso, a produo do capital tende integrao global, por intermdio do mercado internacional, como um sistema totalmente interdependente de dominao e subordinao econmica.Falar de capitalismo nas sociedades ps-revolucionrias, quando apenas uma destas essenciais caractersticas definitras - a de nmero quatro - mantida e, at mesmo esta, de forma radicalmente alterada, j que a extrao de trabalho excedente regulada poltica e no economicamente, implica o desprezo ou a confuso das condies objetivas do desenvolvimento, com srias conseqncias para a possibilidade de penetrar-se na natureza real dos problemas em questo.O capital mantm o seu de forma alguma restrito domnio nas sociedades ps-revolucionrias principalmente atravs:1. dos imperativos materiais que circunscrevem as possibilidades da totalidade do processo vital;2. da diviso social do trabalho herdada que, apesar das suas significativas modificaes, contradiz "o desenvolvimento das livres individualidades";3. da estrutura objetiva do aparato produtivo disponvel (incluindo instalaes e maquinaria) e da forma historicamente limitada ou desenvolvida do conhecimento cientfico, ambas condies da diviso social do trabalho; e4. dos vnculos e interconexes das sociedades ps-revolucionrias com o sistema global do capitalismo, quer estes assumam a forma de "competio pacfica" (intercmbio comercial e cultural), quer assumam a forma de oposio potencialmente mortal (desde corrida armamentista at maiores ou menores confrontaes reais em reas sujeitas a disputa). Portanto, o problema incomparavelmente mais complexo e abrangente do que sua convencional caracterizao como meramente o imperativo da acumulao de capital que, agora, surgiria como "acumulao socialista".

O capital constitui um sistema mundial altamente contraditrio, com os pases capitalistas "avanados" e as principais sociedades ps-revolucionrias como seus plos que, por sua vez, se relacionam com uma multiplicidade de gradaes e estgios de desenvolvimento variado. E esta totalidade dinmica e contraditria que torna as possibilidades de dissidncia e oposio muito mais viveis do que a monoltica concepo de poder capitalista gostaria de sugerir. Sociedades ps-revolucionrias so tambm sociedades ps-capitalistas, no sentido de que suas estruturas objetivas efetivamente impedem a restaurao do capitalismo.Certamente, suas contradies internas, mais complicadas e intensificadas pela sua interao com os pases capitalistas, podem produzir alteraes e ajustes dentro de suas estruturas em favor das relaes de tipo mercantil. No entanto, a possibilidade de tais alteraes e ajustes bastante limitada. Est estritamente circunscrita pelo fato de a extrao poltica do trabalho excedente no poder ser radicalmente alterada sem que afete profundamente (na verdade, sem que ponha em risco) o poder poltico existente. A frustrao sistemtica e a preveno da dissidncia tm sua contrapartida no sucesso extremamente limitado das recentes tentativas de introduo de mecanismos estritamente econmicos na estrutura geral da produo. As sociedades ps-revolucionrias ainda no tm os mecanismos de auto-regulao que lhes assegurem que dissidentes possam "'dizer o que lhes agrade sem que se altere coisa alguma". Decerto, seria uma vitria pirrnica se a dissenso s se desenvolvesse nas sociedades ps-revolucionrias paralelamente reintroduo de poderosos mecanismos e instituies capitalistas.Desenvolvimentos positivos, sob este aspecto, podem ser prenunciados apenas se o sistema encontrar alguma maneira de conseguir uma efetiva, e institucionalmente sancionada, distribuio de poder poltico (mesmo que seja, em princpio, muito limitada), o que no representaria perigo para o atual modo de extrao do trabalho excedente enquanto tal - apesar de que, necessariamente, colocaria em questo suas manifestaes e seus excessos particulares. Em outras palavras, "descentralizao", "autonomia" e similares devem ser postos em prtica nas sociedades ps-revolucionrias - em primeiro lugar como princpios polticos, para que possam ter algum significado.

A totalidade dinmica e contraditria mencionada acima tambm uma totalidade interdependente do princpio ao fim. O que acontece em um lugar tem importantes consequncias para as possibilidades de desenvolvimento de outras partes. As demandas por uma maior efetividade de dissidncia e oposio no Ocidente surgem agora que o sistema capitalista exibe sintomas de crise severa, com consequncias potenciais de longo alcance.O enfraquecimento de essenciais mecanismos de controle da sociedade de mercado que, no seu funcionamento normal, anulam satisfatoriamente a dissenso e a oposio sem que haja necessidade de coero - oferece maior amplitude para o desenvolvimento de alternativas reais, devendo o debate sobre o "pluralismo" ser situado dentro desta problemtica. Ao mesmo tempo, no sem profundo significado que virtualmente todas as foras de esquerda se tenham afastado totalmente de uma primeira atitude crtica acerca da avaliao de desenvolvimentos ps-revolucionrios. Esta atitude, no passado, refletia um estado de imobilidade imposta e no poderia aspirar mais que reiterao repetitiva de seu ideal como uma "declarao de intenes" sobre o futuro, por mais remoto que parea, em vez de proceder a uma avaliao realista de um experimento histrico com base nas suas prprias realizaes concretas.Em um mundo de total interdependncia, se resultados efetivos surgirem desta anlise crtica - que tambm uma autocrtica -, eles no podero deixar de ter implicaes positivas para o desenvolvimento da dissenso e da oposio consequentes nas sociedades ps-revolucionrias.