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Capítulo 3 INTERVENÇÕES EM ÁREAS DE VAZIOS URBANOS Sob um ponto de vista da macro ocupação urbana da cidade de Bauru atual, podemos estruturá-la sob três categorias. A primeira em áreas loteadas já adensadas e medianamente adensadas por construções e pessoas; a segunda em áreas loteadas não adensadas e baixamente adensadas por construções e pessoas e a terceira em áreas não loteadas e portanto que são vazios urbanos sem qualquer adensamento de construções e pessoas. No geral, numa análise dos dados cartográficos atuais de Bauru 1 , podemos afirmar que do total da área demarcada como zona urbana, 40% são vazios urbanos ainda sem qualquer adensamento de construções e pessoas; dos outros 60% da área parcelada da cidade, 24% correspondem a áreas loteadas mas não adensadas e baixamente adensadas e os restantes 32% a áreas já adensadas e medianamente adensadas. .................................( Figura 48 Vazios urbanos e áreas adensadas ) 166

CAPÍTULO 3 - INTERVENÇÕES EM ÁREAS DE VAZIOS …  · Web viewSem termos aqui a pretensão de repetir os dados ou os conceitos sobre a forma de composição dos valores da mercadoria

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Capítulo 3

INTERVENÇÕES EM ÁREAS DE VAZIOS URBANOS

Sob um ponto de vista da macro ocupação urbana da cidade de Bauru atual, podemos estruturá-la sob três categorias. A primeira em áreas loteadas já adensadas e medianamente adensadas por construções e pessoas; a segunda em áreas loteadas não adensadas e baixamente adensadas por construções e pessoas e a terceira em áreas não loteadas e portanto que são vazios urbanos sem qualquer adensamento de construções e pessoas.

No geral, numa análise dos dados cartográficos atuais de Bauru1, podemos afirmar que do total da área demarcada como zona urbana, 40% são vazios urbanos ainda sem qualquer adensamento de construções e pessoas; dos outros 60% da área parcelada da cidade, 24% correspondem a áreas loteadas mas não adensadas e baixamente adensadas e os restantes 32% a áreas já adensadas e medianamente adensadas..................................( Figura 48 – Vazios urbanos e áreas adensadas )

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No capítulo anterior, tratamos das formas de estruturação dos parcelamentos urbanos de Bauru, especialmente dentro do período selecionado para pesquisa. Dedicamos atenção às áreas loteadas, seus problemas históricos e o papel do poder público nesse processo de crescimento da cidade.

Neste capítulo nos dedicaremos a analisar as formas de “intervenções nas Áreas de vazios urbanos”, ou seja, as intervenções executadas em parte daqueles 40% de áreas ainda não adensadas da cidade e nos seus entornos, adensados ou não.

A importância estratégica desse estudo para nossa tese é que essas áreas foram formadas na sua maioria de forma especulativa e situando-se nos interstícios entre bairros já loteados e que se valorizam historicamente na medida que ao seu redor vão acontecendo os investimentos públicos e privados, seja em infra-estruturas, como sistema viário, seja em equipamentos urbanos, como escolas, creches, postos de saúde ou áreas de lazer, seja em investimentos privados, como supermercados, casas comerciais, de serviços e mesmo em edifícios industriais.

Dessa forma, são “áreas de expectativas” ou oportunistas que se valorizam, quase sempre não pelos investimentos executados por seus proprietários causando-lhes alguma melhoria, mas que ficam na expectativa de investimentos de outras pessoas, especialmente pelo coletivo da população, quando são obras públicas de qualquer espécie. Nossa análise principal se dará sobre esta última forma de valorização desses vazios urbanos, verificando quais são e de que forma têm sido as políticas municipais que normalmente tem colaborado, com raras exceções, para este processo de acumulação capitalista especulativa nas cidades.

3.1 – A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA DA TERRA URBANA COMO AUSÊNCIA DE GESTÃO PÚBLICA DO ESPAÇO

Conceitualmente, numa análise econômica, os ganhos privados com a especulação imobiliária de terras de vazios urbanos dá-se numa forma de acumulação onde há uma transferência de valor dos recursos acumulados socialmente pelo conjunto da população para as mãos de um ou de poucos proprietários de terras urbanas. As obras de infra-estruturas de sistemas viários ou de equipamentos urbanos realizadas pelo poder público são executadas com recursos de

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impostos captados do coletivo da população e sua concentração em investimentos num determinado espaço da cidade, num determinado tempo, altera e amplia por demais os valores e os preços da terra ao seu redor, não só limitados aos custos dos investimentos públicos executados, como a rigor a legislação compensatória sobre ‘‘Contribuição de Melhorias” prevê e que poderia, caso fosse aplicada2

fazer retornar esses investimentos ao coletivo da população; mas normalmente as regras de mercado capitalista de valorização das terras urbanas não acompanham apenas o aumento nominal da incorporação do valor dos recursos aplicados. Essa valorização pode em certas circunstâncias significar no seu conjunto um valor muitas vezes maior que aquele aplicado nas infra-estruturas3.

Normalmente esse ganho especulativo com a terra urbana tende a aumentar quanto mais elas estejam em áreas mais valorizadas da cidade, ou próximas de áreas já valorizadas. Como exemplo objetivo do que afirmamos anteriormente,, queremos pegar uma situação conhecida em Bauru, onde o bairro popular Vila Zillo, aprovado antes da Lei 6766/79, portanto sem ter infra-estrutura , estava separado da região central da cidade por um grande vazio urbano. Após aquela aprovação da lei, esse vazio teve parte loteada para a construção daquele que ainda é o loteamento privado mais valorizado de Bauru, o Jardim Estoril 2. Dessa forma, passaram a conviver lado a lado duas situações inicialmente bem distintas sob o ponto de vista de valor imobiliário, uma situação bem popular e outra elitizada na cidade. Na medida que foram acabando as áreas valorizadas do Estoril 2, cujo valor por metro quadrado poderia atingir em 1999 até cerca de R$150, e de outros loteamentos para a classe mais alta na região , iniciou-se uma pressão imobiliária sobre a Vila Zillo e assim o mercado imobiliário começou a comprar os lotes daquelas pessoas mais humildes que eram proprietárias anteriormente, por preços abaixo de R$30,00 o metro quadrado, devido à falta de infra-estruturas de galerias e pavimentação. Hoje, quase todo o bairro está recebendo construções de alto e médios padrões, mesmo que em terrenos bastante populares e seus proprietários começam a pressionar o poder público para receber as devidas infra-estruturas, às quais a rigor possuem direito, uma vez que o loteamento foi devidamente aprovado com essas condições pelo poder municipal.

Nessa situação, fazendo uma simulação, mesmo no caso em que o poder municipal realizasse as obras de galerias e de asfalto nas ruas e cobrasse dos seus proprietários as contribuições de melhorias,

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verificamos o seguinte: Para um lote de onze metros de frente e trinta metros de fundos, com 330 metros quadrados, seu preço antes do recebimento da infra-estrutura estava avaliado em cerca de R$13.200,00. A infra-estrutura necessária está avaliada em cerca de R$40,00 por metro de rua. Portanto, para cada testada de lote de onze metros e metade da largura de uma rua, são necessários cerca de 55 metros quadrados de área pavimentada, que custa cerca de R$2.200,00. Agregando esse valor ao custo inicial do terreno, teríamos um gasto do comprador de R$15.400,00, no entanto agora seu terreno se incorporou às mesmas condições, ou muito próximas, ao Estoril, e valerá cerca de R$100,00 por metro quadrado, ou seja, um total de R$ 33.000,00.

Ou seja, com o acréscimo de R$ 2.200,00 de infra-estrutura, houve um ganho de valor de R$ 16.600,00, para cada lote adquirido, cerca de sete vezes e meia (750%) de ganho sobre o valor das infra-estruturas investidas por lote nas ruas daquele bairro, algo impossível de ser conquistado em termos especulativos de forma tão rápida em qualquer outro tipo de aplicação dentro do mercado financeiro bancário ou de ações4.

Fica evidente, e reforçaremos mais à frente com outros estudos similares, a importância da execução de infra-estruturas ou de equipamentos públicos para os ganhos especulativos daquela minoria que possui condições econômicas e faz do mercado de terra uma parte ou o todo dos seus ganhos capitalistas.

Vale ainda aqui uma análise comparativa com os ganhos capitalistas da produção industrial tradicional.

Sem termos aqui a pretensão de repetir os dados ou os conceitos sobre a forma de composição dos valores da mercadoria tão densamente analisado por Marx5, queremos apenas afirmar que a especulação sobre a terra urbana acontece de uma forma mais perversa e muito menos mobilizadora do ponto de vista social que até mesmo na exploração da mais valia capitalista da produção industrial. De uma forma genérica, a exploração da mais-valia se dá sobre a existência da mobilização do trabalho desenvolvido por operários na produção, que usam sua força de trabalho, colocada sobre equipamentos e máquinas que também foram frutos de processo de acumulação sobre o trabalho aplicado na transformação de matérias-primas naturais, que por sua vez também possuem as mesmas componentes sobre o trabalho coletivo realizado em minas etc.

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O processo de acumulação da mais-valia sobre a produção industrial, comercial e de serviços é realizado sobre a geração de trabalho, da organização do emprego, da realização e pesquisa tecnológica etc. É exploratório e depende de inúmeros outros fatores também de mercado, traçado genericamente pela tal “lei da oferta e da procura”.

Mas a exploração capitalista sobre a terra urbana, sobre a infra-estrutura pública coletiva disponibilizada em áreas vazias e mesmo em lotes vagos especulativos da cidade, na maioria das vezes se quer se realiza sobre o investimento do capitalista dono da terra, ou na mobilização do trabalho coletivo por ele pago. Essa exploração se dá sobre o investimento e trabalho dos outros, do coletivo da população, que fica privado de recursos para outras finalidades, para que essas obras se concretizem.

Concordamos com aqueles autores que afirmam que se o capital investido em especulação com terras urbanas fosse aplicado no setor produtivo, gerando empregos e trocas comerciais diversas, haveria maior desenvolvimento das cidades mesmo dentro do sistema capitalista6. Afirmamos mesmo que somente com medidas de gestão pública de terras urbanas que combatam a especulação imobiliária é que poderemos efetivamente realizar cidades mais justas para com a maioria da sua população que é por sinal a mais humilde. Mas essa não é a realidade de Bauru. O que dizer de uma prática de gestão urbana que quase sempre nunca executou sequer uma política compensatória de aplicação da contribuição de melhorias sobre as infra-estruturas executadas na cidade? Ou que não faz incidir os acréscimos de valores gerados pelas infra-estruturas executadas sequer na alteração imediata dos mapas de valores imobiliários do município, para efeito de alteração da cobrança de impostos anuais?

O poder municipal tem privado assim o coletivo de receber benefícios e favorecido uma minoria com os privilégios das obras realizadas.

Fisicamente, é natural que as demandas sociais por infra-estruturas e equipamentos urbanos, cada vez maiores numa cidade média ou grande, como Bauru, que tem uma estrutura de ocupação do espaço urbano que deixou inúmeros vazios urbanos nos interstícios dos loteamentos privados ou públicos, acabem muitas vezes exigindo do poder municipal intervenções que afetam diretamente partes ou o todo dessa áreas vazias. Isso fica evidente com as necessidades de

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interligações viárias para facilitar o transporte coletivo e individual entre bairros separados, na conquista de áreas públicas para a construção de novos equipamentos escolares, de saúde e de lazer nas proximidades de bairros muito adensados e onde não foram deixadas áreas públicas suficientes para esses fins quando os loteamentos foram realizados.

No período pós 79, foram inúmeras as ações municipais em Bauru de intervenções em áreas de vazios urbanos para a realização de obras de avenidas como a continuação da Av. Nações Unidas, a continuação da Av. Nuno de Assis, a interligação da Av. Duque de Caxias com a vila Falcão, a interligação da Av. Nuno de Assis com os bairros Mary Dota, Beija Flor e Santa Luzia; o início da Construção da Av. D`Óeste( Jânio Quadros) e da Av. Nações Unidas Norte, a construção de parte da Av. Lúcio Luciano, início da duplicação da Av. Getúlio Vargas e José da Silva Marta, início da construção do sistema de viadutos sobre o pátio ferroviário. Foram muitas as ações solicitadas de obras de construção de ruas interligando dois bairros separados por vazios urbanos, bem como a intervenção do poder público para conquista de terras para construção de futuros parques urbanos, distritos industriais e futuras obras de outros equipamentos urbanos.

O que é um fato é que, apesar de existirem algumas poucas exceções, grande parte dessa obras causou imensas fugas de recursos públicos municipais, especialmente com desapropriações de terras feitas de uma forma viciada e sem um “planejamento ativo” que incluísse e incorporasse formas de gestão de terras menos onerosas para o poder público, e acabaram indevidamente, sob uma ótica econômica e social, favorecendo ou beneficiando os especuladores imobiliários proprietários dos vazios urbanos onde essas obras se realizaram.

Constatamos em Bauru que quase sempre o processo de decisão política, concepção de projeto, conquista jurídica, pagamento das terras e realização das obras aconteceu dentro de um processo fragmentado, conceitual e operacionalmente, dos diversos setores internos da Prefeitura envolvidos, o que de início, pela fragmentação positivista, impediu a potencialização dialética dos conhecimentos das diversas áreas de planejamento. Assim, a utilização das medidas padronizadas e viciadas tradicionais do “planejamento passivo”, ou “planejamento fragmentado” ou “intencionalmente fragmentado”, que quase sempre serviu para interesses específicos de um dos agentes

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políticos em jogo, ou para a omissão e não envolvimento integral desses órgãos de gestão na conquista do espaço, acabou, assim, por lesar e/ou onerar o patrimônio público, inclusive em certos casos com evidências de corrupção e malversação do dinheiro público7.

A tradição municipal das ações necessárias para a realização das obras de intervenções em vazios urbanos, na maioria das cidades e em Bauru em particular, demonstra na maioria das vezes uma grande segregação e divisão linear de trabalho no tempo e espaço dos órgãos envolvidos. Dessa forma, a campanha do político candidato a prefeito, normalmente não apresenta nas suas promessas de realização de obras, o “planejamento completo” de todas as interfaces urbanísticas, econômicas, jurídicas e operacionais para sua realização. Deixa claro, ou por falta de conhecimento real ou por intenções veladas, a ausência de desejos de se fazer uma gestão de terras onde o poder municipal e a população mais humilde saiam ganhando e tendo reais benefícios com as obras, sem que aquele tenha que ficar com enormes dívidas para pagamento de desapropriações, que normalmente invadirão administrações futuras. Nesse ponto, há duas questões fundamentais a abordar; a primeira diz respeito a ter existido em vários momentos, um desejo real dos políticos de, ao invés de investir em processos mais democráticos, mais abertos, de formação de consensos e de participação popular e interna dos órgãos gestores de forma mais ativa ( daí a nossa definição de Planejamento Ativo), que, certamente, como demonstraremos, possibilita menores ônus ao poder municipal para realização das operações urbanísticas8, e costuma politicamente ser vantajoso e mais aproximador da população dos gestores e políticos, porém demanda maior tempo de organização e trabalho para cumprimento de metas. Ao invés disso, preferiram uma postura mais pragmática e menos comprometida com os meios e os problemas de dívidas deles gerados para as futuras administrações e populações e fizeram cumprir as suas vontades nas formas mais viciadas e rápidas possíveis, como, por exemplo, utilizando-se de instrumentos jurídicos viciados de aquisição de terras, como as desapropriações judiciais. A segunda diz respeito simplesmente ao fato de que também houve, em muitos casos, evidências do desejo dos políticos de obterem vantagens econômicas em processos desapropriatórios9 sem maiores debates e transparências públicas, ao invés de investir em outros meios menos onerosos, mais democráticos e corretos urbanisticamente para a conquista dessas terras10.

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Fato é, no entanto, que nos dois casos anteriores, a maioria da população mais humilde e o poder municipal saíram perdendo, mas os poucos proprietários de terras e eventualmente alguns políticos e técnicos menos escrupulosos saíram ganhando.

Nesse sentido, o papel político da forma de gestão desejada pelo prefeito, dentro de uma visão centralizada e autoritária11 tem sido crucial na gestão de terras. Daí surge outro problema também crucial, que é a falta de debates democráticos que definam prioridades e portanto a continuidade política das ações de planejamento. Hoje tem imperado a visão personalista de que “não se coloca azeitona na empada alheia”12.

A visão do planejamento urbano da cidade, na sua forma “passiva” e “fragmentada”, que tivemos na maior parte do período estudado, se apresenta com ações de vários técnicos da Secretaria de Planejamento, onde impera uma visão tecnocrática e também centralizada13, onde a população mais humilde no geral não participa de nenhuma forma de debate ou possibilidade de inverter as prioridades, que acabam por ser definidas no máximo por um conselho escolhido pelo prefeito, mas que tem sua maioria de participantes ligados à cúpula política da Prefeitura Municipal, aos órgãos classistas da cidade, normalmente retirados daqueles que na sua maioria representam os investidores privados e especuladores imobiliários14 .

O planejamento tem sido entendido em Bauru apenas na sua instância ou fase de criação de projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo, resultando em desenhos de intervenções nessas áreas e na montagem de processos de decretos de utilidade pública para que a Secretaria de Negócios Jurídicos dê continuidade aos expedientes de conquista das terras.

Ora, essa forma parcial de encaminhar essas obras normalmente relega os aspectos e diversas possibilidades que existem de articulação entre o desenho, a lei e a inter-relação com os proprietários de terras, no sentido de se fazer uma profunda discussão urbanística sobre as vantagens daquelas obras para a valorização dos terrenos interferidos e para futuras ações de implantações de obras com usos, normas urbanísticas, gabaritos e qualidades diferenciadas, definindo assim uma ação ativa numa “operação urbana”15

democrática e que tenha como requisitos fundamentais o “equilíbrio entre ônus e benefícios das ações urbanísticas”16, significando a diminuição de custos dos investimentos públicos com as obras, como

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por exemplo na conquista de terras sem qualquer ônus para o poder municipal e a população da cidade.

O que acaba acontecendo, ao contrário, é que há uma relegação e negligência dos responsáveis pelo órgão de planejamento, que não tomam para si essa responsabilidade de um “planejamento ativo” ou “planejamento democrático”17; se contentam com a execução de desenhos e formatação dos processos de utilidade pública e na sua remessa a outra secretaria, no caso a de Negócios Jurídicos. A partir daí há mais uma vez uma passagem de responsabilidade dentro da divisão social do trabalho e a conquista de terras passa a ser encarada apenas como uma fato jurídico.

Vale ressaltar, antes de avançarmos, que essa simples metodologia contém em si um vício na forma de gestão de terras ao nosso ver prejudicial ao “planejamento democrático”. Primeiro porque na sua forma ele não inclui a priori o debate com as populações que serão beneficiadas, com aqueles que terão em parte ou no todo seus terrenos remanescentes ou vazios urbanos valorizados e mesmo aqueles que por ventura serão prejudicados. Tem sido, assim, um ato unilateral, centralizado, autoritário e tecnocrático. Em segundo lugar porque, antes mesmo de qualquer debate, o encaminhamento feito dos processos dos projetos pressupõe a sua execução de qualquer forma pela via judicial da desapropriação de terras. Esta é a finalidade da execução do decreto de utilidade pública, que inclusive hoje dá direito aos proprietários de reivindicarem urgência nos pagamentos dos valores acordados ou no depósito judicial do valor comercial até a deliberação judicial do valor a ser pago após a peritagem ser executada. Ora, se esse caminho tem se mostrado o mais oneroso ao poder público, como iremos demonstrar mais tarde, ele não se justifica mais antes de se ter esgotado uma outra metodologia menos onerosa para essa conquista de terras.

Assim, a entrega do encaminhamento dos processos de conquistas de terras à Secretaria de Negócios Jurídicos demonstra a limitação com que o planejamento tem sido tratado de fato na cidade, é um planejamento apenas do desenho, do estabelecimento de regras e normas a serem cumpridas, ou seja, é um planejamento que podemos definir como “planejamento passivo” ou “planejamento regulador”, descompromissado com a gestão, ou seja; descompromissado com os meios e os aspectos econômicos para a conquista de terras.

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Por sua vez, apesar de constituir também matéria amplamente tratada nos meios jurídicos, do direito administrativo municipal18 aos avanços do entendimento sobre uma doutrina específica sobre o Direito Urbanístico19, quando esses projetos e processos chegam na Secretaria de Negócios Jurídicos sem maiores elaborações e interações entre as possibilidades projetuais, suas formas de gestão e implementação por meio de operações urbanísticas claras possíveis, o trato tradicional e vicioso desses órgãos acaba por não discutir ou ler as doutrinas jurídicas, à luz do que se denomina “coesão dinâmica das normas urbanísticas”20, mas acaba ao contrário, por diversas razões escolhendo exatamente o vício jurídico sistemático de nossas cidades, de escolher a norma que por sinal acaba por ser mais onerosa ao poder público que é o levantamento frio dos cálculos de valores de mercado atual das terras e seu envio para tentativa de negociação amigável, que quando não é aceita é encaminhada por via judicial para desapropriação, o que normalmente envolve regras específicas que acabam por aumentar em grandes proporções o valor original da área.“O precatório é calculado baseado no valor da avaliação, somados aos juros compensatórios, juros moratórios, correção monetária, honorários periciais, honorários advocatícios e custas processuais, atualizados até o efetivo pagamento21”. A coesão dinâmica das normas urbanísticas se estabelece a partir da análise de um corpo completo de normas e possibilidades a serem escolhidas e não apenas pela aplicação de uma restrita ou isolada norma urbanística, buscando um equilíbrio entre ônus e benefícios nas operações urbanísticas.

Juridicamente, assim, encaminhado quase sempre na forma viciada e isolada do mecanismo da desapropriação, deixa-se de lado, por ignorância, falta de articulação e integração de conhecimentos de áreas sobrepostas, por conveniências diversas, inclusive a de beneficiar a iniciativa privada ou grupos de interesses próximos dos gestores públicos, outras alternativas jurídicas de conquistas menos onerosas de terras, numa visão de “planejamento ativo”. Exemplos são os vários “acordos bilaterais”22 possíveis entre público e privado, como a permuta de terras pela simples prioridade da realização das obras de infra-estruturas23 sobre aquela área, ou a troca de terras pela possibilidade do aumento dos índices urbanísticos de coeficiente de aproveitamento e taxas de ocupação, etc.

A seqüência do encaminhamento dos processos, seja na forma acordada ou judicial é o seu envio à Secretaria de Finanças para o

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pagamento dos valores definidos, de acordo com a sua disponibilidade. Da mesma forma que nas secretarias anteriores, de forma fragmentada e sem grandes articulações e discussões das alternativas. Na medida que há o interesse político formal do prefeito, faz-se os pagamentos necessários para o cumprimento dos processos desapropriatórios.

Fica restando, assim, a ocasião econômica e política para a execução das obras, normalmente passadas nessa fase para a Secretaria de Obras do município que terá a responsabilidade da condução dos processos licitatórios, recebendo os processos já com orçamentos iniciais e projetos executados pela Secretaria de Planejamento.

A descrição sintética anterior comprova que a fragmentação administrativa e o isolamento das ações, políticas, técnicas, jurídicas e financeiras tem contribuído para os prejuízos econômicos da administração municipal, bem como para o retardamento da transição e evolução de um “planejamento passivo, regulador e tecnocrático” para um “planejamento ativo, estratégico e democrático”.

As ausências de ações continuadas de uma política municipal de intervenção nas áreas de vazios urbanos e mesmo nas áreas loteadas mas não adensadas, demonstram apenas a falta de uma verdadeira gestão pública comprometida com a maioria da população mais humilde. A especulação imobiliária sobre essas áreas hoje em Bauru, tem impedido um real desenvolvimento da cidade, tem gerado pela falta de ocupação e adensamento das construções nesses espaços um custo enorme de investimentos públicos em infra-estruturas, tem gerado diversas voçorocas nessas áreas vazias, como é o caso da voçoroca do Parque São Geraldo. A dispersão das infra-estruturas no espaço, por outro lado, não ajuda na formulação de projetos racionalizadores das questões ambientais, e assim, ao sabor dos adensamentos especulativos, vão surgindo problemas em pontos distintos da cidade e o poder municipal não consegue dar conta desse “apagar incêndio” por todo lado. Assim, os parcos recursos da arrecadação municipal, defasados por falta de uma política de justiça social, acabam por ser desviados em grande parte para obras de manutenção e contenção de problemas ambientais como erosões, enchentes e assoreamento, ao invés de servirem para a qualificação e melhoria dos bairros da população mais humilde. Inclusive o próprio poder municipal, apesar de divulgar todo ano que cem dos maiores

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devedores municipais são especuladores de terra24, não faz muito mais para forçá-los a esses pagamentos.

Portanto, por um lado o poder municipal tem penalizado as populações mais humildes, por outro tem favorecido os especuladores de terras, seja na não cobrança efetiva de impostos e dívidas acumuladas atuais, seja na não efetivação das políticas públicas possíveis de combater a especulação imobiliária.

A Constituição de 1988 definiu em seu capítulo de Política Urbana25 a necessidade e as condições para efetivação do “uso social da propriedade urbana”, prevendo entre outras opções a possibilidade da aplicação de políticas de combate à especulação imobiliária na cidade com a aplicação, por exemplo, do “Imposto Territorial e Predial Urbano Progressivo ; IPTU – Progressivo”. Nós mesmos apresentamos entre o ano de 1993 e 1995, um projeto para sua implantação em Bauru, que buscava regulamentar essa política, de forma que o pequeno poupador, aquele que passava uma vida para adquirir um lote de até 400 m para cada filho, não fosse penalizado. Porém qualquer quantidade de área acima daquele valor teria sobre si impostos progressivos, ampliados inicialmente numa taxa que julgávamos que deveria ser acima de 20% anuais, para que realmente ocorresse o efeito de por um lado as glebas serem parceladas, por outro, que lotes vagos fossem colocados no mercado, assim como construções vazias fossem alugadas. Isto geraria uma tendência de aumento radical no número de ofertas de lotes e terras urbanas, acima das demandas normais, o que provocaria rapidamente uma diminuição dos preços da terra e dos aluguéis urbanos. No entanto, não só naquele momento, não houve do prefeito o interesse político sequer de discutir o assunto, como ainda hoje ele tem sido um tabu para discussão mesmo dentro do CONDURB – Conselho de Desenvolvimento Urbano de Bauru, logicamente porque é formado na sua maioria por membros que representam o capital e por agentes políticos da administração municipal que vêem nessa política uma afronta ao capital daqueles que os patrocinaram.

Dessa forma, percebemos que as iniciativas localizadas de baixo para cima, de cidade, em cidade dessa política de combate à especulação imobiliária, tende a ser de dificílima aplicação e possibilidade de convencimento mesmo num debate nas Câmaras Municipais, pois os agentes capitalistas, incluindo dentro deles os domínios da mídia em todas as suas modalidades e ainda os políticos apadrinhados pelo capital especulativo, tendem a olhar essas

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.....................................( Figura 49 – esquema para IPTU Progressivo )

questões e pressionar o poder municipal dizendo “que outras cidades oferecem melhores incentivos de desenvolvimento”, fazendo assim os políticos locais confundirem crescimento desqualificado com desenvolvimento, além de incentivos com guerra fiscal especulativa.

Dessa forma, por causa da vulnerabilidade política dos representantes no governo municipal, esses representantes, sentem nessas políticas de combate à especulação imobiliária, por um lado uma ação contra os seus próprios interesses políticos ou especulativos quando os mesmos detêm os meios para tal. Por outro eles sentem que “trairão seus padrinhos”, quando tiveram suas campanhas políticas financiadas por quem detém esses meios especulativos. Nesse caso a implementação dessas políticas ante-especulativas significaria a perda de financiamentos futuros de suas campanha políticas. A lógica fisiológica do processo político faz-nos compreender que pouco se terá de mobilização política para qualquer discussão desse assunto, a não ser para se fazer exatamente o

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oposto ou seja, aproveitar a discussão para se ressaltar o direito da liberdade integral da propriedade privada e se fazer confundir as populações mais humildes por meio dos veículos de comunicações disseminando idéias do tipo “o Poder Público vai tomar as suas propriedades, etc”.

Por tudo isso é que temos muita esperança na implementação, de fato, a nível federal do “Estatuto da Cidade”, pois caso seja implementado dará uma contribuição, mais uniforme em todo território nacional e mesmo em nível regional, de uma forma mais massificada para que as cidades possam romper com suas políticas umbilicais, dissipar questões de concorrência entre elas, mesmo que o combate contra a especulação signifique de fato aplicação desses capitais no setor produtivo e não apenas fuga de dinheiro de uma cidade para outra. No entanto, sabemos e estamos provando nesta tese, que não bastará se ter boas leis, haveremos de nos mobilizar como cidadãos para conquistar gestões democráticas onde a representação popular e mais humilde da sociedade tenha a real proporcionalidade nesses meios de discussão e decisões.

Fica assim evidente a relação promíscua entre o interesse do poder municipal e os interesses especulativos urbanos. A lei não é suficiente e a própria gestão, por mais bem intencionada que seja com as classes mais humildes e populares, será pouco nessa luta se o poder manter-se centralizado e autoritário, pois dessa forma será alvo fácil dos meios de propaganda capitalistas. A questão fundamental a nosso ver é a conquista de um nível de participação popular direta nas discussões dos problemas urbanos, no qual a participação real e a representatividade dessas camadas seja tal que o domínio político ou a pressão popular garantam a permanência e efetividade dessas políticas socializadoras, dentro de um regime logicamente democrático. Não iremos discutir em profundidade aqui os elementos importantes que estão expressos no Estatuto da Cidade, mas por meio dele será possível uma ampla e profunda “coesão dinâmica”26 de normas urbanísticas capazes de fazer frente aos maiores problemas causados pela especulação imobiliária urbana; dentre seus instrumentos queremos destacar o IPTU progressivo; o direito de preempção, o parcelamento compulsório; o usocapião coletivo, as ZEIS – Zonas especiais de interesse social, os planos diretores democráticos obrigatórios, os planos diretores de bairros, a exigência dos EIV – Estudos de impactos de vizinhança dos empreendimentos

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privados para cobrança de obras solucionadoras desses impactos, etc. Fato é, no entanto, que a maioria desses elementos já podem ser aplicadas, quando há interesse político a partir da interpretação das normas que estavam dispersas. O Estatuto da Cidade, a nosso ver, apenas integra essas normas dentro de um desejo claro e objetivo de dar “coesão” às normas isoladas e com um propósito muito bem definido que é o da “reforma urbana”27 , entendido dentro do propósito de facilitar o acesso à terra urbana para a maioria das pessoas humildes que hoje estão excluídas das cidades pelas leis de mercado.

Porém, as políticas usuais do poder municipal não têm sido as de caminhar no sentido de facilitar o acesso à terra para a maioria, cumprindo assim o seu uso social, como está preconizado na Constituição Federal Brasileira. Ao longo do tempo temos assistido o contrário do que entendemos ser uma política de “reforma urbana”, ou seja, o que temos visto são políticas de “concentração de renda urbana”, de ampliação de “privilégios”28 aos donos de terras especulativas e mesmo a ausência de princípios éticos e morais em relação à coletividade que possam ser chamados de “políticas públicas” de fato. É sobre essas “voçorocas do poder público” que iremos nos aprofundar em seguida.

3.2 – AS DESAPROPRIAÇÕES DE TERRAS URBANAS: UM VÍCIO ESPECULATIVO DO PLANEJAMENTO REGULADOR PASSIVO

Ficaremos restritos a analisar as políticas municipais empreendidas de fato no período de estudo, dentro dessas áreas vazias especulativas da cidade.

Para isso, e buscando maior clareza conceitual, queremos contextualizar algumas categorias de agentes privados encontrados na pesquisa, que estão envolvidos com as ações dessas intervenções urbanísticas executadas pelo poder municipal.

Há uma primeira categoria de proprietários de glebas urbanas, que são fazendeiros, industriais, comerciantes e profissionais liberais bem-sucedidos no mercado capitalista, que adquiriram terras com o passar do tempo, ou as possuem por herança de seus antepassados. Eles possuem condições objetivas de lotear e dispor desses imóveis

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por seus próprios meios econômicos, mas não o fazem por mera questão especulativa de momento, aguardando maiores investimentos públicos ou privados ao seu redor para usufruírem dessas valorizações.

A segunda categoria de proprietários é de pequenos comerciantes, empresários, aposentados ou profissionais liberais, que receberam glebas por herança e não possuíam condições objetivas para o seu parcelamento. Para tal devem se associar com construtoras e mesmo fazer parcerias “bilaterais”29 com a prefeitura.

A terceira categoria é de especuladores que adquirem lotes ou quadras inteiras em áreas já parceladas, sem infra-estruturas de pavimentação e galerias e ficam esperando esses investimentos para ampliação dos seus ganhos.

Uma quarta categoria, formada por profissionais liberais e trabalhadores assalariados, aposentados da classe média. No nosso entendimento não são propriamente especuladores de terras mas as, usam como pequena poupança, fruto de investimento ao longo da vida, e têm por objetivo possibilitar um imóvel para cada um dos seus filhos.

Há, também, as construtoras, médias e pequenas, que normalmente não são proprietárias de terras, portanto não especulam com glebas de terras, mas se associam aos proprietários para investimentos em infra-estruturas e mão-de-obra e especulam posteriormente com quadras e lotes já parcelados e mesmo com investimentos em construções de condomínios verticais ou casas.

Uma característica importante dessas construtoras é que a maior parte delas opera especulando sobre a produção de unidades habitacionais, portanto, mobiliza o trabalho coletivo e social e seus ganhos se dão na forma tradicional da mais-valia30.

Na história do urbanismo, houve grandes avanços reais na conquista do direito público ou coletivo sobrepondo-se aos direitos e interesses privados31. A sedimentação do entendimento do direito urbanístico no mundo ainda está em evolução e grandes avanços e contribuições mais recentes nos tem dado as legislações espanhola e italiana32. Dentre os avanços das normas urbanísticas mundiais, o instrumento da desapropriação pública de áreas privadas foi e tem sido difundido e aplicado sistematicamente nas políticas públicas de melhorias urbanísticas nas cidades. A disseminação exemplar dessa prerrogativa e ideário no Brasil ao longo do século 20 tem sua origem histórica nos exemplos das reformas feitas por Hausman em Paris33.

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Contudo, o instrumento jurídico da desapropriação de terras visto na forma fria da lei e de forma isolada, sem contextualização de espaço e tempo, sem uma análise sobre a “coesão dinâmica das normas urbanísticas”34, entendido como a necessidade do planejador buscar formas de conquistas de terras menos onerosas para o coletivo da população e para a administração pública, de forma que haja de fato um equilíbrio entre ônus e benefícios nas operações urbanísticas35, tem sido um instrumento no nosso entender abusivo de intervenções do poder municipal que, em certas situações, acaba por beneficiar economicamente de forma demasiada e injusta os proprietários de terras urbanas, enquanto sacrifica o conjunto da população, especialmente as camadas mais humildes, que mais precisam do apoio e atenção do poder público.

Interessa-nos portanto nesse item, de forma dialética e utilizando-se alguns exemplos de ações executadas pelo poder municipal de Bauru no período de estudo, analisar alguns desses momentos em que a utilização do instrumento da desapropriação passa a ser injusta e indevida para com a população e beneficiadora do interesse especulativo privado. Ao mesmo tempo buscaremos enfocar algumas alternativas de conquistas de terras na forma não onerosa por meio de uma gestão de terras, utilizando-se de um planejamento ativo e mais democrático da cidade.

De uma forma geral, se entendermos que uma operação urbanística do poder municipal numa determinada área da cidade, seja para realização de um sistema viário, seja para a implantação de um equipamento urbano ou a uma área de lazer, etc., será uma obra capaz de melhorar a qualidade de vida das pessoas, as condições ambientais, e principalmente a ampliação da circulação e permanência de pessoas naquela referida área de intervenção, podemos afirmar que essa obra pública estará agregando valores àqueles espaços imediatos e também ao seu redor, num raio extenso de influência.

Qualquer uma dessas intervenções poderá suscitar alterações substanciais nos usos, no volume de circulação, no maior adensamento populacional, no maior interesse especulativo daquelas áreas, na abertura daquele espaço ao mercado imobiliário, ou seja, dentro de uma visão capitalista de competição de mercado, essas intervenções públicas, não só possuem causas as necessidades sociais e necessidade de solucionar de problemas urbanos nessas áreas (como poderiam alegar alguns técnicos ingênuos ou políticos demagogos, quase sempre lobos capitalistas vestidos com peles de

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ovelhas, que defendem interesses próprios e de terceiros nessa manipulação das intervenções do poder municipal sobre a terra privada), mas na maioria das vezes, com essas intervenções municipais, em primeiro lugar surge valorizações imobiliárias diretas sobre os remanescentes de terras e construções nas proximidades de onde se deram as operações urbanísticas; em segundo lugar; há ampliações de possibilidades de mudanças de usos e possibilidades anteriormente inexistentes de outras explorações capitalistas, como por exemplo na mudança de área residencial para comercial, serviços ou industrial; em terceiro lugar, com as valorizações das terras há uma tendência de se ampliar a demanda por elas, o que amplia a possibilidade de uma especulação privada do solo, influindo para que as normas urbanísticas permitam um maior adensamento populacional do solo por meio de projetos de maior verticalização, com ampliação dos coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação, diminuição de recuos, aumento de gabaritos, etc. Isso colabora para maior exploração e obtenção de lucro dos investidores e especuladores urbanos, sejam eles os proprietários de terras, os donos de construtoras e mesmo os donos de pequenos lotes remanescentes nas áreas de intervenções. Ou seja, as intervenções urbanísticas públicas geram um processo muito amplo e dinâmico de ampliação de possibilidades de conquista de lucro pela iniciativa privada, seja na forma direta das valorizações sobre os remanescentes de áreas ao redor da intervenção, seja na ampliação das possibilidades de explorações sobre outros investimentos futuros nas áreas.

Uma simples rua aberta articulando dois bairros anteriormente isolados, uma definição de linha de transporte coletivo passando por uma rua existente, criando nela vários pontos de parada e espera, a pavimentação de uma rua já existente que permita a concentração do tráfego de uma região por aquele caminho, um alargamento de via para buscar a definição de uma avenida, a criação de uma avenida, seja numa área já consolidada ou sobre um vazio urbano, a instalação de uma escola, de uma creche, de um posto de saúde, de um posto policial, de uma praça ou de um parque numa região necessitada e mesmo a criação de normas urbanísticas, alterando possibilidades de usos, de densidades e de gabaritos, provocam maiores demandas e concentração de pessoas por aqueles espaços ou naqueles espaços e conseqüentemente ampliam sua valorização e a possibilidade de lucro dos capitalistas e proprietários de terras nos seus entornos, no passar do tempo. O mesmo ocorre no caso dos investimentos privados sobre

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equipamentos coletivos, como um supermercado, um shopping center etc., mas estes casos não nos interessará aprofundar aqui. Esta é uma visão mais dialética, completa e dinâmica sobre as intervenções públicas, pois elas trazem no espaço e no tempo grandes “valorizações urbanísticas, comerciais e especulativas” sobre as terras e entornos das áreas interferidas.

Historicamente, no geral, no Brasil, na região da cidade de Bauru e nessa cidade, especialmente enfocada no período de estudo analisado, as intervenções públicas para implantação de melhorias como aquelas citadas anteriormente quase sempre foram encaradas de uma forma simplista, unilateral e tendenciosa, como intervenção pública sobre a propriedade privada e portanto prejudicial ao capital privado especulativo dos donos da terra. Essa visão fragmentada, viciada e tendenciosa em benefício da especulação privada tem sido sustentada seja pelos próprios proprietários e investidores, seja pelas Secretarias de Planejamento, de Obras, de Negócios Jurídicos, de Finanças, pelos agentes políticos principais como os prefeitos municipais36 , pelo poder judiciário, nos casos dos precatórios contra o poder municipal, etc., e assim tem contribuído de forma parcial e por uma análise fragmentada sobre a complexidade do assunto e limitada sobre as leis, para prejudicar o coletivo da população e beneficiar uma minoria dona de terra e dona dos meios produtivos. Na verdade é visão de “uma força patrimonial passiva”, na qual a compreensão sobre a ação urbanística não envolve uma visão dialética, integral, dinâmica e temporal sobre as causas e conseqüências das ações, ou seu “ônus e benefício” econômico no espaço e no tempo.

Ora, há portanto nas ações de intervenções públicas “duas forças” ou “ duas conseqüências” econômicas que devem sempre ser analisadas sobre uma ótica de um planejamento ativo compromissado com o coletivo da população. Uma “força principal”, que defendemos aqui, é uma força muito grande de “valorização urbanística, comercial e especulativa” da terra com as ações e intervenções urbanísticas executadas pelo poder municipal e uma “força patrimonial passiva”, que mesmo compreendendo os benefícios das intervenções públicas para seus acúmulos capitalistas e ampliação das mais-valias comerciais decorrentes, agem para transferir recursos públicos do coletivo para pagamento de desapropriações privadas, sem qualquer questionamento.

Podemos falar, assim, que existe na forma tradicional e viciada do trato com a gestão das intervenções do poder municipal sobre a

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terra particular uma “dupla exploração” privada dos recursos públicos advindos do coletivo da população da cidade. Em certos casos a compreensão desse fenômeno têm possibilitado articulações não muito saudáveis entre elementos do poder público e do privado, ocorrendo mesmo corrupções e jogos de interesses que tem sido descobertos quanto mais a comunidade se articula, cobra e fiscaliza as ações governamentais37 da cidade.

Essa “dupla exploração” portanto, pode acontecer de diversas formas, como, por exemplo, quando da realização de obras públicas em determinados lugares e a administração pública não cobra as contribuições de melhorias ou sequer faz de imediato revisões dos mapas de valores genéricos para fins de cálculo sobre o IPTU, quando por razões de execução de melhorias o poder municipal altera as normas urbanísticas sem qualquer cobrança de contrapartida social em áreas de terra ou na forma de dinheiro ou ampliação dos impostos e taxas sobre aquelas áreas. Há inúmeras outras formas, mas principalmente nos deteremos em analisar os casos quando, sem qualquer discussão de contrapartida social dos proprietários privados, executa desapropriações em áreas de vazios urbanos para fins de intervenções urbanísticas.

Várias têm sido as finalidades e formas de desapropriações municipais em áreas de vazios urbanos para a realização de melhorias na cidade. Grande parte delas são executadas na forma como estamos aqui a questionar. Trataremos especialmente dos casos em que os proprietários de terras após as desapropriações permanecem com parte dos remanescentes de áreas ao redor das intervenções.

Alguns exemplos concretos dessas impertinências e inconseqüências aconteceram em Bauru e sobre eles nos deteremos a aprofundar daqui para frente em termos de estudo de casos , bem como queremos em contrapartida mostrar algumas ações na busca dessa alteração de princípios também realizadas em Bauru dentro do período estudado.

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3.2.1 – DESAPROPRIAÇÕES EM PEQUENOS VAZIOS URBANOS: O CASO DA CHÁCARA RODRIGUEIRO EM BAURU

A existência e formação histórica de inúmeros vazios urbanos dentro da cidade, vazios esses que intercalam e segregam bairros já adensados, medianamente adensados ou ainda não adensados, vem trazendo para a administração municipal diversas situações difíceis, uma vez que ao longo do tempo as necessidades funcionais entre os bairros segregados, seja do ponto de vista de comércio e serviços, seja do ponto de vista da circulação de transporte coletivo ou de autos e principalmente de pedestres, vão impondo naturalmente a formação de caminhos de ligações provisórias que passam pelas áreas vazias. Essas ligações provisórias, quase sempre passando por áreas mal mantidas, sujas e inseguras devido à falta de iluminação, de pavimentação e mesmo pela existência conhecida de atos ligados à roubos praticados contra pedestres, de “pedágios” formados em determinados horários e dias por bandidos, colocando em risco a vida de crianças, jovens e adultos que circulam por esses caminhos, acabam por fazer com que a população dos bairros do entorno das áreas vazias pressionem o poder municipal para que alguma providência seja tomada para a melhoria das ligações. Em Bauru, vários foram e têm sido os exemplos dessas reivindicações, como por exemplo a necessidade de ligação entre o bairro da Pousada da Esperança II e o Gasparini, entre o Núcleo Geisel e o Flamboyants, entre a Vila Industrial e Pq. Viaduto, entre o Pq. City e a Vila São Paulo, Entre o Jd. Marília e Jd. Progresso, entre o Pq. Roosevelt e Núcleo Res. Alto Alegre, entre Jd.Araruna e Bairro Madureira, entre o Núcleo Mary Dota e Núcleo Eldorado, entre Jd. Colonial e Jd. Nicéia, entre Res. Moriah e Jd. Carvalho, entre o Jd. Jamil e Jd. Mendonça, entre Jd. Jacyra e Jd. Maria , entre Jd. Mainichi e Jd. Estrela Dalva, entre Jd. Delluiggy e Jd. Panorama, etc.

Tem sido comum que, de forma oportunista, os proprietários dessas áreas vazias, na medida que por elas começa a haver circulação de pessoas e de autos, ao invés de lhe darem alguma função social por meio de loteamentos, acabam por incentivar os moradores dos bairros vizinhos, a pressionarem assim o poder municipal para tomar providências no sentido de solucionar a questão das melhorias de acessos por dentro das áreas vazias. Seja por meio

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de incentivos a abaixo-assinados ou mesmo fechando os caminhos, criando assim situações de conflitos intencionais com os moradores.

O poder municipal, de forma intempestiva e sem fazer uma análise mais aprofundada sobre o significado da sua intervenção, acaba por realizar essas obras de interligações viárias entre bairros, de duas formas tradicionais: uma, a pior delas, aplica decreto de utilidade pública sobre as áreas necessárias para a execução do sistema viário e desapropria essas áreas, seja na forma acordada de valores ou seja na forma judicial. Na segunda maneira, aparentemente mais adequada e sutil, os proprietários das terras de vazios urbanos oferecem por doação ao poder municipal as terras necessárias ao arruamento. Essa tem sido a via de regra geral das intervenções do poder municipal nesse tipo de vazios urbanos.

Em alguns casos o poder público acaba por realizar verdadeiro parcelamento indireto do solo, arcando com todos os custos de infra-estruturas que seriam obrigações dos proprietários de terras urbanas após a Lei Federal 6766/79 e da lei Municipal 2339/82.

Mas de fato quais são as razões e os interesses em jogo para que essas formas de gestão de terras aconteçam assim de forma tão viciada, linear e sem grandes questionamentos, beneficiando o proprietário de terras e onerando a coletividade?

Para um completo entendimento da questão será necessário analisarmos claramente pelo menos os três tipos de interesse em jogo quando o poder municipal assume intervir nessas áreas de vazios urbanos para melhorar a circulação viária entre bairros ou executar equipamentos urbanos na região.

O primeiro interesse claramente definido é o do proprietário da gleba. Além da especulação no tempo, como já estudamos anteriormente, ele sabe que para parcelar a gleba após a Lei Federal 6766/79 e a Lei Municipal 2339/82, terá que executar todo um conjunto de investimentos e obrigações; são eles:

TODA A INFRA-ESTRUTURA BÁSICA É OBRIGAÇÃO DO LOTEADOR38;

NO MÍNIMO 20% DA ÁREA SÃO DESTINADOS PARA A EXECUÇÃO DAS RUAS E DEVERÃO SER DOADOS PARA O PODER PÚBLICO39;

PELO MENOS O MÍNIMO DE 10% OU 15% DA ÁREA TOTAL, QUANDO ESTA POSSUIR MATA NATIVA, SERÃO RESERVADOS PARA ÁREAS VERDES E PASSADOS SEM ÔNUS AO PODER PÚBLICO40;

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PELO MENOS 5% DA ÁREA TOTAL SERÃO DESTINADOS A ÁREAS INSTITUCIONAIS E SERÃO PASSADOS SEM ÔNUS AO PODER PÚBLICO41;

A EXECUÇÃO DAS OBRAS E CUSTOS COM CARTÓRIOS SERÃO POR CONTA DO LOTEADOR;

SOMENTE A MANUTENÇÃO DAS RUAS, DAS INFRA-ESTRUTURAS E DAS ÁREAS PÚBLICAS FICARÃO A CARGO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL APÓS O RECEBIMENTO DOS MESMOS E APROVAÇÃO DO LOTEAMENTO, SALVO OS CASOS DE CONDOMÍNIOS FECHADOS, QUE NESSES CASOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS CONDÔMINOS42;

No entanto, sabemos também, que do ponto de vista ideológico, há por parte do proprietário de terras ou do loteador outros interesses, tendo em vista um histórico da forma do exercício da gestão do poder municipal. Esses interesses são:

OBTER O MAIOR LUCRO POSSÍVEL;

OBTER BENESSES DO PODER PÚBLICO NO QUE FOR POSSÍVEL E SEMPRE QUE ESTE TIVER ABERTURA PARA TAL, MESMO QUE MUITAS VEZES ATRAVÉS DE CORRUPÇÃO;

BARATEAR INVESTIMENTOS E CUSTOS NA EXECUÇÃO DO PARCELAMENTO DAS TERRAS;

PERDER O MÍNIMO DE TERRAS CONSIDERADAS BOAS PARA EXECUÇÃO DE LOTES, MESMO QUE PARA TAL SE UTILIZE DO RECURSO DE TENTAR SITUAR AS TERRAS PÚBLICAS EM ÁREAS RUINS, SOBRE EROSÕES, SOBRE MINAS, SOBRE LIXÕES OU EM SOBRAS DE TERRENOS IRREGULARES43;

VALORIZAR OS SEUS IMÓVEIS ADJACENTES QUANDO O PARCELAMENTO DA GLEBA É PARCIAL.

Dessa forma, para o proprietário de vazios urbanos ou loteador, lhe interessará qualquer ação conquistada do poder municipal que atenda o total ou parte dos seus interesses especulativos no sentido de diminuir ou impedir as obrigações colocadas pelas leis.

Assim, várias estratégias para diminuir as obrigações de investimentos privados são desenvolvidos por eles e mesmo pelo poder municipal, que sem fazer uma análise profunda de possibilidades para essas conquistas toma atitudes intempestivas que prejudicam o coletivo da população.

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Para essa análise dos papéis do poder público e de seus significados, partimos do pressuposto teórico e conceitual de que uma gestão verdadeiramente pública, democrática e transparente deve estar comprometida ideologicamente com:

URBANIZAR COM QUALIDADE, PORÉM BUSCANDO EQUILÍBRIO ENTRE ÔNUS E BENEFÍCIOS DAS AÇÕES URBANÍSTICAS44;

OBEDECER À LEGISLAÇÃO, CONTUDO LEVANDO EM CONTA O PRINCÍPIO DA COESÃO DINÂMICA DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA E NÃO A APLICAÇÃO PARCIAL E ISOLADA DE UMA NORMA ESPECÍFICA COMO O INSTRUMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO45;

ZELAR PELOS DIREITOS PÚBLICOS, A COLETIVIDADE E O BEM COMUM, ACIMA DOS INTERESSES PARTICULARES DOS PROPRIETÁRIOS DE TERRAS E INVESTIDORES IMOBILIÁRIOS;

BUSCAR AS MELHORES SOLUÇÕES, TÉCNICAS, ECONÔMICAS E JURÍDICAS 46 QUE ATENDAM A QUESTÃO DA INTERLIGAÇÃO ENTRE BAIRROS;

CONQUISTAR ÁREAS PÚBLICAS POR MEIO DA UTILIZAÇÃO DE TODO UM SISTEMA DE LEGISLAÇÃO E FORMAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA, SEM CUSTOS OU ADOTANDO AS FORMAS DE CONQUISTAS DE TERRAS COM OS MENORES CUSTOS POSSÍVEIS PARA A CONSTRUÇÃO DE SISTEMA VIÁRIO E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS, EVITANDO O COMETIMENTO DE ERROS PELO PODER PÚBLICO CONTRA O COLETIVO DA POPULAÇÃO47;

ADOTAR SISTEMA DE GESTÃO PARTICIPATIVA NO QUAL A COMUNIDADE EM SUA DIVERSIDADE SOCIAL E ECONÔMICA SEJA O MAIS AMPLAMENTE REPRESENTADA E A TRANSPARÊNCIA DAS POSSIBILIDADES E ALTERNATIVAS, BEM COMO A DISCUSSÃO E DECISÃO DOS ATOS SEJAM ADOTADAS COMO PRINCÍPIO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

No entanto, a falta do entendimento e do interesse político, social e econômico da maioria das gestões municipais, do prefeito aos secretários municipais, em aplicar esses conceitos de planejamento, seja por desconhecimento, negligência ou má-fé, tem sido o principal motivo para os prejuízos do patrimônio e do erário públicos e o benefício dos proprietários de terras e outros especuladores urbanos.

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Nesse contexto, é importante verificar que colabora para esse desvio de finalidade, ou para essa “voçoroca do poder público”, o papel acrítico, negligente e no geral subserviente das camadas populares, especialmente aquela população que cobra os melhoramentos de seus bairros, mas que não busca acompanhar e nem discutir as alternativas econômicas e jurídicas possíveis para a execução das mesmas. Interessa-lhe, na maioria absoluta das vezes, apenas a conquista das suas necessidade imediatas, e acaba por servir como massa de manobra dos interesses privados, bem como a interesses políticos e econômicos de gestores inescrupulosos que usam inclusive a lei ou alguns dos instrumentos jurídicos da mesma como o instrumento da desapropriação, na sua frieza e fragmentação contextual, para finalidades de corrupção e beneficiamento de terceiros, enquanto o coletivo da população fica penalizado.

Para a população adjacente à gleba, aquela que reivindica os melhoramentos, interessa-lhe de imediato quase sempre o seguinte:

EXECUÇÃO DA INTERLIGAÇÃO PARA FACILITAR O TRÂNSITO E A CIRCULAÇÃO DE PEDESTRES ENTRE OS BAIRROS;

DIMINUIR ÁREAS DE RISCO E SEGURANÇA NA REGIÃO;

VALORIZAR SEUS IMÓVEIS

INGENUAMENTE OU POR CONVENIÊNCIA, ESSAS PESSOAS ACREDITAM QUE DE QUALQUER FORMA QUE SE FAÇA OS INVESTIMENTOS PÚBLICOS ELES TÊM LISURA E FINALIDADE SOCIAL, NÃO QUESTIONANDO OS MODELOS ADOTADOS PARA A SOLUÇÃO DAS QUESTÕES;

NO GERAL, PARA A TOTALIDADE DA POPULAÇÃO EXTERNA AO PROBLEMA INTERESSA QUE NÃO HAJA LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E QUE A ADMINISTRAÇÃO NÃO SIRVA PARA FAVORECER COM OS RECURSOS PÚBLICOS OS PROPRIETÁRIOS DE TERRAS.

A população constitui-se, assim, quase sempre no motivo e no despertar do poder público para a tomada de decisão de intervir nas áreas de vazios urbanos, mas também acaba por servir aos interesses de agentes do poder municipal que vêem nessas intervenções

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oportunidades de beneficiamentos próprios, inclusive de corrupções diretas48, e de beneficiamento de terceiros, proprietários de terras e outros agentes imobiliários e da construção civil.

Vários têm sido os exemplos polêmicos dessas intervenções em vazios urbanos, que acabam por favorecer os proprietários de terras e prejudicar o coletivo da população. Queremos citar aqui alguns exemplos mais simples e outros que se constituem em verdadeiros e completos comprometimentos do poder municipal com os agentes privados.

O primeiro exemplo e talvez o mais corriqueiro que acontece nas cidades, especialmente nas cidades médias, como Bauru, que cresceu e cresce sem uma política clara de combate à especulação imobiliária, é a intervenção do poder municipal para realizar com dinheiro público obras de abertura de ruas, pavimentação, galerias de águas pluviais, iluminação e outras infra-estruturas ligando um bairro a outro, cortando um vazio urbano.

Têm havido pelo menos três tipos comuns de intervenções com esse propósito:

Um, muito corriqueiro, é que, na urgência e ansiedade de realizar a obra, o poder municipal por sua própria conta ou em acordo informal com o proprietário da gleba, executa as obras sem qualquer formalidade jurídica, discussão de possibilidades de forma de conquistas, viabilidade, etc., num exemplo denominado de Exbulho Expropriatório”. Com isso, a administração municipal vê-se desobrigada, naquele momento, de “perder” tempo em conversações às vezes longas de convencimento democrático e amigável dos proprietários ou para formatação de normas urbanísticas para viabilização e utilização de instrumentos de conquista não onerosa das terras. Também se vê desobrigada de ressarcir economicamente naquele momento a terra utilizada, mediante a formatação de um processo de utilidade pública e posterior desapropriação tradicional, e transfere assim essas questões a outros futuros governantes, quando, por qualquer razão, os proprietários das terras virem a reclamar os seus direitos.

Nesse caso, para os proprietários de terras, a solução encontrada é por diversas razões muito interessante economicamente.Eles recebem de imediato uma via com infra-estrutura cortando suas terras. Essas infra-estruturas valorizam de imediato as terras sem que os mesmos tenham investido nada. Portanto, comparada com a possibilidade de um parcelamento normal, onde todo o custo de

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investimento nas infra-estruturas fica por conta dos proprietários, essa obra realizada já lhes significa diminuição de gastos e portanto menor investimento no futuro. Ganham assim com a valorização da terra e com a diminuição do investimento futuro em possível parcelamento. Por outro lado, o poder municipal, não tendo sequer discutido valores da terra, na forma amigável ou judicial no momento em que ocupou a terra, dará direito ao proprietário quando lhe for conveniente (provavelmente quando houver desenvolvimento significativo da área) reivindicar judicialmente o ressarcimento indenizatório. Porém, numa avaliação normal de mercado ou na forma judicial, logicamente a terra valerá muito mais que inicialmente e, portanto, mais uma vez ganhará o proprietário das terras. Vale ressaltar que a terra necessária à execução de ruas, no caso da execução de um loteamento normal, é passada também ao poder público sem qualquer ônus. Ou seja, a ação unilateral do poder municipal provocou uma especulação ou benefício econômico em “cadeia” a favor do proprietário de terras.

Outra forma tradicional dessa intervenção é a execução de imediato de processo de utilidade pública e desapropriação amigável ou judicial da área necessária para a execução da rua. Nesse caso, a única diferença do processo anterior é que o preço de avaliação da terra se dá a partir dos valores de mercado no momento da necessidade da utilização da área, podendo por isso o ônus municipal ser mais baixo que no primeiro caso, desde que a Prefeitura possua as condições de pagamento naquele momento. Porém, sob um ponto de vista mais amplo, dinâmico e estratégico da gestão do espaço urbano, se utilizou de forma isolada um mecanismo viciado da desapropriação, sem analisar diversos outros fatores e possibilidades de conquista de terras dentro de uma visão de “planejamento ativo” e “democrático”, que levasse em conta alternativas como: valorização imobiliária ao redor, obrigações de passagem das terras sem ônus ao poder público no caso de futuro loteamento da área, obrigações do proprietário realizar as obras de sistema viário e de infra-estruturas no caso de um futuro loteamento, possibilidades de negociações bilaterais entre o poder público e privado para troca de investimentos por terras da gleba, fixação de normas urbanísticas limitadas e sua flexibilização no caso de concessões e benefícios sociais como doações de terras ou pagamento em dinheiro, criação de “permuta de benefícios”, “operações urbanas”, “operações integradas ou operações interligadas”49,etc.

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Um terceiro tipo de gestão corriqueira para esse primeiro exemplo de intervenção em áreas de vazios urbanos é aquele que denominamos de “presente de grego”, no qual o proprietário da gleba pequena oferece a área necessária para execução da rua em doação ao poder municipal. A solução é aparentemente mais simples e vantajosa ao poder municipal e à coletividade que as anteriores, porém o proprietário sabe que, na medida que o poder municipal aceitar a doação, ele ficará com toda a responsabilidade de realização das infra-estruturas na rua, desobrigando-o desses encargos, no caso de um futuro parcelamento da gleba. Por agravante, em muitos casos de glebas pequenas, uma rua poderá constituir toda a necessidade formal para a constituição de parcelamento adequado da gleba e o poder público estará dando condições excelentes aos proprietários para que baste a eles executar desmembramentos em lotes das quadras formalizadas, tentando evitar a necessidade de doar também ao poder municipal no futuro os percentuais previstos em lei para área verde e áreas para equipamentos urbanos. Ou seja, o poder municipal terá realizado de certa forma um parcelamento “às avessas” da terra privada, abdicando no futuro do total das áreas que lhe pertenceriam no caso de um parcelamento normal, além de ter ficado com todo o ônus dos investimentos em infra-estruturas da rua recebida nessa doação.

O segundo exemplo de intervenções em áreas de vazios urbanos relativamente pequenas possui semelhanças com os três tipos anteriores, porém dada a quantidade de intervenções unilaterais e assumidas como despesas públicas do poder municipal, buscando realizar várias ruas e implantar equipamentos públicos, inverte por completo uma visão de direitos e deveres do proprietário de terras e do poder municipal numa visão de “planejamento ativo” que considere o tempo como uma variável importante na economia municipal, e acaba por prejudicar o coletivo e beneficiar sobremaneira o privado.

Queremos aprofundar essa discussão apresentando um estudo de caso concreto ocorrido em Bauru em 1997, que entre outras “voçorocas”, acabou por possibilitar o levantamento de evidências de corrupção de gestores municipais e colaborou para o processo de cassação do prefeito e sua posterior prisão50.

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........( Figura 50 – “Intervenção pública errada” - Chácara Rodrigueiro)

1 - BAURU. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. Bauru: PMB, 1996.

2 - SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: 2.ª ed. Malheiros Editores, 1995, p. 408 a 411.

3 - XAIDES, José. Trabalho para a disciplina Política Urbana Comparada, do Prof. Dr. Emílio Haddad. São Paulo: FAU-USP, 1996. Nesse trabalho analisamos um conjunto de ações urbanísticas e seus significados, para a conquista sem ônus para o poder municipal de Bauru, de cerca de 400.000 m de terras para a construção de várias avenidas, entre elas a Avenida D`Óeste ( Jânio Quadros) e Nações Unidas Norte.

4 - Ibid.

5 - Marx, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2.ªed., 1971.

6 - CAMPOS FILHO, Cândido Malta. Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos: o que os cidadãos brasileiros devem fazer para a humanização das cidades . São Paulo: Nobel, 1989, 143 p.

7 - DIÁRIO DE BAURU. Negócio suspeito envolve gabinete. Bauru: 26/04/98, p. A1 e A8.

DIÁRIO DE BAURU. Escândalo derruba primeiro escalão; Câmara instala CEI. Bauru, 28/04/98, A1, A3, A7 e A8.

DIÁRIO DE BAURU. Decisão é hoje: Câmara decide futuro de Bauru. Bauru, 27/08/98, p. A1 e de A6 a A9.

JORNAL DA CIDADE. Comissão Processante: De olho na Câmara, a cidade inteira acompanha votação hoje. Bauru, 27/08/98, p.1 a 8.

8 - SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico Brasileiro. São Paulo: 2.ª ed. Malheiros Editores, 1995, 421 p.

9 - Ibid.

10 - Ibid.

11 . - SERRA, Geraldo. Urbanização e Centralismo Autoritário. São Paulo, Nobel: Ed. da USP, 1991, 172 p.

12 - XAIDES, José. “Não colocar azeitona na empadinha alheia”. O conceito em questão é jargão conhecido em Bauru e no Brasil e significa que a maioria dos políticos não gosta de terminar obra iniciada por seu antecessor, especialmente em se tratando de adversário

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político. Essa atitude tem por objetivos duas questões complementares, a primeira que com isso o antecessor pode ser questionado e prejudicado politicamente por não terminar suas obras, a segunda é que em terminando a obra, os ganhos políticos em tese vão para o antecessor que a iniciou, o que torna essa atitude “ politicamente indesejada”.

13 - SERRA, Geraldo. Ob. Cit.

14 - BAURU. CONDURB – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de Bauru. 2000.

15 - SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: 2.ª ed. Malheiros Editores, 1995, 421 p.

16 - Ibid.

17 - Ibid.

18 - MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19.ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1994.

Direito Municipal Brasileiro, 7.ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1994.

19 - SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: 2.ª ed. Malheiros Editores, 1995, 421 p.

20 - Ibid.

21 - BAURU. OF. N.º1179/99. Ofício do Prefeito Nilson Costa ao Presidente da Câmara Municipal Paulo Madureira. Bauru: 08/10/99.

22 - SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: 2.ª ed. Malheiros Editores, 1995, 421 p.

23 - BAURU. “ Acordos bilaterais” – Este acordo entre público e privado, onde o poder municipal trocaria infra-estruturas por terras privadas, além daquelas a que ele já tem direito, segundo a Lei 6766/79, foi por nós oferecido em 1994 ao Sr. Mobaid, como forma justa para que a Prefeitura realizasse a interligação do sistema viário através da sua gleba (protocolo 17363 de 16/08/94 da PMB). Infelizmente não foi aceito, e na gestão posterior, dos Srs. Izzo Filho e Nilson Costa, a prefeitura desapropriou as áreas de ruas e áreas para equipamentos urbanos, executando “às avessas um parcelamento do solo” no qual não preservou os direitos futuros do poder público, previstos na lei 6766/79. Nesse caso ficaram ainda comprovadas corrupção e malversação do dinheiro público.

24 - JORNAL DA CIDADE. Em 2000 e 2001 por diversas oportunidades, a secretário de finanças

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informou sobre os 100 maiores devedores de impostos da cidade, contudo afirmando da impossibilidade de divulgação pública sobre os mesmos por razões judiciais.

25 - BRASIL, Constituição. Constituição Federal Brasileira de 1988. Art. 21- Da Ordem Econômica e Financeira. Política Urbana; Art. 182 e Art. 183.

27 - BRASIL, Lei 5788/90. Estatuto da Cidade. Sancionado pelo Presidente da República em 10 de julho de 2001.

28 - KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, 202 p.

29 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

30 - Marx, Karl. Op. cit.

31 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

32 - Ibid.

33 - BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. Tradução de Ana M. Goldberg, São Paulo: Editora Perspectiva, 1976, p. 69 a 122. 34 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

35 - Ibid.

36 - XAIDES, José. Essa comprovação transparece no geral na história de Bauru, como nos casos já apresentados de corrupção por meio de desapropriação de terras ou mesmo na atualidade por meio de decreto do prefeito Nilson Costa que criou o CONDURB, cuja grande representação é estamental, burocrática e dos órgãos e entidades ligadas aos interesses especulativos.

37 - DIÁRIO DE BAURU. Negócio suspeito envolve gabinete. Bauru, 26/04/1998, p.A1 e A8.

38 - BRASIL. Lei 6766/79, Op.cit. e BAURU, Lei 2339/82, Lei Municipal.

39 - Ibid.

40 - Ibid.

196

O vazio urbano denominado de Chácara Rodrigueiro era uma gleba de cerca de 65 mil metros quadrados, encravada entre os bairros populares do Pq. Santa Edwirges e Jd. Vânia Maria, bairros loteados antes da Lei 6766/79, portanto, que ainda vêm conquistando suas infra-estruturas lentamente, com o passar do tempo. Na medida que esses dois bairros vieram se adensando foram surgindo maiores pressões das suas populações e do proprietário de terras para que a Prefeitura realizasse as obras necessárias de ligações entre os bairros. Ao mesmo tempo, desde o início dos anos 90, o seu proprietário vinha demonstrando e buscando parcelar a gleba, contudo tentando de todas as maneiras conseguir que o poder municipal realizasse as infra-estruturas de algumas das ruas, pois, segundo o mesmo, ele não possuía as condições econômicas para tal, tendo em vista que a gleba fora adquirida por herança. Colocava também que os 41 - Ibid.

42 - Ibid.

43 - XAIDES, José. Trabalho Programado 1. Levantamento dos loteamentos privados e públicos de Bauru. FAU-USP 2000.

44 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

45 - Ibid.

46 - Ibid.

47 - Ibid.

48 - DIÁRIO DE BAURU. Negócio suspeito envolve gabinete. Bauru, 26/04/1998, p.A1 e A8.

49 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

50 - DIÁRIO DE BAURU. Escândalo derruba primeiro escalão; Câmara instala CEI. Bauru, 28/04/98, A1, A3, A7 e A8.

197

caminhos que cortavam a gleba já existiam informalmente e ainda que os bairros vizinhos, apesar de estarem loteados, não tiveram no passado necessidade de os seus loteadores realizarem as infra-estruturas como a Prefeitura exigia. Sob o seu ponto de vista, partindo da leitura da necessidade da população da região e o histórico dos loteamentos passados, o justo seria, portanto, que o poder público realizasse as obras de infra-estruturas das ruas.

Para viabilizar essa tentativa de conquista de benesses do poder público, o proprietário chegou a oferecer as áreas de ruas em doação ao poder público, tendo clareza daquilo que apresentamos em análise posterior, de que, aceito juridicamente pelo poder público dessa forma, a responsabilidade dos investimentos em infra-estruturas seria do poder municipal, e ele estaria parcelando a gleba , valorizando-a com as infra-estruturas urbanas e ainda evitando possivelmente a regularização das quadras por intermédio do poder municipal de forma a fugir no todo ou em parte da necessidade de doar os mínimos de 10% de área verde, 5% de área institucional e ainda as áreas non aedificandi de nascente e córrego dentro da gleba. Já seria, assim, um “grande presente de grego”, pelo qual ele ficaria com todos os benefícios da operação e transferiria ao poder municipal e ao coletivo da população todos os ônus decorrentes do aceite da doação.

Nós mesmos, entre o ano de 1993 e 1995, ocupando o cargo de secretário de planejamento, tivemos a oportunidade de orientar a responsável pelo setor de Diretrizes de Planejamento para que não acatasse aquela doação, mas oferecesse, como foi feito, a partir de uma análise e avaliação econômica uma “permuta de benefícios” entre o poder municipal e o proprietário de terras, que consistia em fazer, mediante aprovação da Câmara Municipal, uma parceria para a realização conjunta do parcelamento da terra, onde todos os direitos municipais sobre as áreas de ruas e áreas públicas institucionais e verdes seriam garantidas de acordo com a lei51. A Prefeitura realizaria as obras de infra-estruturas necessárias para o parcelamento, porém os valores gastos seriam permutados por mais área da gleba além daquelas já de direito. Executadas essas simulações, o proprietário entendeu não lhe ser vantajosa a proposta e não decidiu naquele momento dar continuidade ao assunto. Certamente porque lhe 51 - XAIDES, José. “ Acordos bilaterais”. Essa permuta entre investimento público em infra-

estruturas urbanas por terras da iniciativa privada, é uma solução pouco tradicional, porém simples e que permitiria ao poder municipal formar um banco de terras para finalidade social, especialmente para a construção de moradias populares e equipamentos públicos.

198

pareceu haver outras alternativas futuras para o desenrolar do parcelamento da terra que lhe fossem mais favoráveis pois o trato que lhe oferecemos não era o usual na história dessas intervenções em Bauru.

Em 1998, já em outra gestão municipal, tivemos acesso a todo um noticiário e polêmica sobre o que havia sido a forma de intervenção do poder municipal sobre aquele vazio urbano. Basicamente, como ficou evidenciado em processo judicial e pelos jornais da cidade52 de Bauru, houve corrupção entre alguns membros do primeiro escalão da Prefeitura em acordo com o proprietário de terras. A administração realizou a desapropriação das áreas necessárias para execução das ruas num primeiro momento, o que de fato era a pior opção do ponto de vista econômico para a aquisição daquelas áreas53, ou seja, nem a doação nem as permutas sugeridas foram contempladas nas discussões. Pior: além de não cobrar como nos processos de parcelamento normal as áreas de ruas, as infra-estruturas e áreas públicas sem ônus ao poder municipal, este acabou por assumir os custos da infra-estruturas e também o pagamento das terras para a execução das ruas. O poder municipal relegou num primeiro momento inclusive a necessidade de recebimento das áreas públicas. Mas quando apareceram as primeiras denúncias de corrupção no caso, feitas pelo próprio proprietário da gleba, os integrantes do poder municipal foram ainda mais longe nessa “voçoroca”: decretaram como utilidade pública para fins de desapropriação também áreas da gleba destinadas à construção de equipamentos públicos. Ou seja, numa forma às avessas, utilizando-se das normas jurídicas legais e legítimas, estavam conseguindo fazer às custas do poder municipal um loteamento privado, de forma que tudo aquilo que o poder municipal adquiriria sem ônus do proprietário, agora estava sendo pago. Não fosse a briga pela divisão do dinheiro arrecadado desse processo de corrupção, denunciado pelo próprio proprietário, que se viu traído pelos integrantes da administração que tentaram ficar com parte maior do dinheiro pago pela desapropriação, o caso não teria vindo à tona como um processo lesivo à comunidade e a desapropriação teria passado, como ainda é compreendido pelos juristas, uma prerrogativa legal e legítima, mesmo nesses casos, parecendo-nos imoral, contudo. 52 - DIÁRIO DE BAURU. Negócio suspeito envolve gabinete. Bauru, 26/04/1998, p.A1 e A8.

53 - BAURU. Protocolo 17363 da PMB. Bauru, 16/08/94,.

199

No nosso entender, hoje o mecanismo formal da desapropriação aplicado sem qualquer análise de outras alternativas de soluções mais econômicas para o poder público tem sido uma maneira legal de extravio indevido de dinheiro do poder público para as contas do particular e dos agentes públicos desonestos. Entendemos que, dessa forma, sem essa análise, esse mecanismo deveria mesmo ser “proibido de ser aplicado”, o que resultaria, por um lado, num avanço democrático e transparente da forma de gestão do espaço urbano e, por outro, na diminuição dos gastos públicos com intermináveis e onerosos precatórios judiciais, que Bauru, mas também muitas outras cidades médias, pequenas e grandes têm sofrido pela utilização de tão viciado e prejudicial instrumento, quando usado sem critério e à revelia de uma compreensão mais global das possibilidades de conquistas de terras não onerosas, numa visão de “planejamento ativo, democrático e verdadeiramente comprometido com o interesse público” que defendemos.

Sobre essa ação indevida do poder municipal, pudemos realizar uma análise comparativa, conceitual e econômica sobre as vantagens e desvantagens para o poder municipal, a população e os proprietários de terras, entre as quatro formas sugeridas ou envolvidas como possibilidade de intervenção pelo poder municipal, no caso da Chácara Rodrigueiro em Bauru. Foram comparadas a alternativa de loteamento normal previsto na Lei Federal 6766/79 e a Lei Municipal 2339/82 , a desapropriação executada pelo poder municipal em 1997 das áreas para ruas e áreas públicas, a doação de áreas para ruas anteriormente proposta pelo proprietário de terras e a parceria por nós proposta que previa a troca de infra-estruturas executadas pelo poder municipal por mais áreas, além daquelas previstas em lei. Para essa análise executamos um quadro comparativo de ítens onde foram marcados para cada um deles o agente ( PM – poder municipal; Lot- loteador; pop – população ) o que ganha ( G ) ou o que o paga ( P ) em cada caso.

QUADRO DE ANÁLISE DE ALTERNATIVAS E VALORES DE QUEM GANHA ( G) - BENEFÍCIO; DE QUEM PAGA ( P) - ÔNUS; E PARCERIA(par)- troca justa.Loteador - lot.; Poder Municipal- PP e população - pop.

1- loteamento 2- 3 - doação das 4 – parceria por

200

baseado na lei Fed. 6766/79 e

lei Mun. 2339/82

desapropriação executada em

1997

ruas propostas pelo loteador

nós sugerida

lot PM pop lot PM pop lot PM pop lot PM pop

A – áreas de ruas

P G G G P P P G G P G G

B – infra-estruturas

P G G G P P G P P par par par

C – custos de cartório e obras

P G G G P P GP GP GP P G G

D – áreas verdes

P G G G P P G P P P G G

E- áreas institucionais

P G G G P P G P P P G G

F – manutenção das ruas e áreas públicas

G P P G P P G P P G P P

TOTAIS 5P 1P 1P 0P 6P 6P 1P 5P 5P 4P 1P 1P 1G 5G 5G 6G 0G 0G 5G 1G 1G 1G 4G 4G

1par 1par 1par

Obs: a) A proposta 4-parceria, é semelhante à alternativa 1, porém no item B - infra-estruturas, esta deve ser feita pelo poder municipal em permuta com mais áreas institucionais e/ou verdes a serem quantificadas. As negociações devem ser feitas dentro de critérios técnicos e de custos corretos de mercado e aprovadas pela Câmara Municipal.

A partir da realização do quadro conceitual anterior, fizemos54

nove projetos possíveis para o parcelamento da gleba. Eliminou-se

26 - SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: 2.ª ed. Malheiros Editores, 1995, 421 p.

54 - XAIDES, José. Trabalho programado 2: Análise técnica, jurídica e econômica de alguns instrumentos de conquista de terras públicas – Estudo de caso. FAU-USP, 2000.

201

assim os riscos de que a forma urbanística interferisse nos resultados. Foram apresentados custos estimativos para o valor da terra sem e com infra-estruturas, os custos de infra-estruturas básicas, etc. Cada projeto foi avaliado em planilhas com as quatro opções postas e em cada uma delas apontou-se a quantificação dos ganhos (G) e pagamentos (P) de cada ítem do poder público (PP), da população (pop) e do proprietário (prop).

Dados oferecidos:

1.º - Os lotes da região possuíam dimensão de aproximadamente 250m;

2.º - Os lotes mínimos previstos pela lei federal são de 125 m, podendo ser obtidos por desdobro no caso em análise;

3.º - Custo estimado de infra-estruturas igual a R$ 25,00/ m/rua;

4.º - Custo estimado de terreno bruto igual a R$ 15,00/m.

5.º - Custo estimado de terreno com infra-estrutura básica igual a R$30,00/m;

6.º - Dimensões das ruas locais mínimas igual a: 7m de largura mais 3 metros de calçadas; no total = 10m;

7.º - Dimensão da área de estudo = 65.000 m

CONCLUSÕES FUNDAMENTAIS:

A análise dos dados obtidos com esse trabalho possibilitou as seguintes conclusões de natureza econômica e urbanísticas: O procedimento jurídico da desapropriação de terras para a execução de ruas ou de equipamentos públicos em situações semelhantes é a forma mais onerosa das opções e é feito por vício e omissões técnicas, jurídicas e econômicas das prefeituras municipais em suas tradicionais formas de gestão das terras que, assim, lesam o patrimônio público de forma gritante. A opção mais adequada e econômica para a conquista de terras nessa situação é a parceria

202

descrita, melhor até mesmo que a doação de terras, pois, além de promover a urbanização de vazios urbanos semelhantes, o poder municipal não perde os direitos futuros, que já possui com a lei 6766 e recebe em troca dos investimentos mais terras para suas necessidades de urbanização futura; no entanto, essa possibilidade pressupõe uma nova forma de gestão do espaço, que deve ser mais democrática, mais participativa, mais transparente e mais ética que a atual.

3.2.2 – DESAPROPRIAÇÃO EM GRANDES VAZIOS URBANOS: O CASO DO PARQUE DA ÁGUA COMPRIDA

O crescimento e adensamento urbano de Bauru “dobrando morros e saltando córregos”, que gerou a “Cidade Sem Limites” do passado e a cidade das “voçorocas” do presente, acabaram deixando uma estrutura de grandes vazios urbanos formada por dois tipos de áreas: “Áreas isoladas” que se situam ou dentro da cidade urbanizada ou nas extremidades da cidade, entre a área urbanizada e o limite da zona urbana. Contudo, são áreas de extremo interesse para as futuras articulações funcionais, de circulação e de qualificação entre os bairros vizinhos. Como exemplos temos os grandes vazios urbanos formados entre os bairros Vl. Aimorés e Núcleo Octávio Rasi; entre o Bairro dos Tangarás e Av. Rodrigues Alves; entre o Jardim Jussara e Residencial Parque dos Sabiás e Andorinhas; e o grande vazio formado entre os bairros da Pousada da Esperança I e II, o Núcleo Gasparini, o Parque City e a Vila Garcia, região em que realizamos estudos e pesquisas, e onde desenvolvemos em 1999, em conjunto com as associações de moradores daqueles bairros, o 2.º Plano Diretor Popular de Bairro da Cidade de Bauru55. Além das necessidades imediatas internas a cada um desses bairros, além do estudo dos seus problemas, além da hierarquização das suas propostas, foi realizado um grande estudo tendo em vista fazer desses vazios urbanos espaços que fossem capazes de qualificar e suprir demandas de toda a região de seus entornos.

55 - XAIDES, José. Plano Diretor Popular de Bairro da Pousada da Esperança e adjacências. Bauru, Unesp. 1999.

203

.............................( Figura 51 – “Vazios Urbanos Isolados” - exemplos )

O segundo tipo de área de grandes vazios urbanos é o que podemos denominar de “formações lineares irregulares de fundos de vales”, que contempla um complexo de áreas que envolve a maioria dos córregos da cabeceira do rio Bauru. São áreas marginais a esses córregos, que estão contíguas a parcelamentos irregulares e de diversas dimensões da propriedade privada. Ora são estreitas faixas, ora são glebas de grandes dimensões em relação à distância do fundo de vale. Por estas características podem ser denominadas também de “vazios urbanos de fundos de vale”56, fazendo-se contudo a ressalva da irregularidade das glebas vazias ao longo do mesmo. São áreas que estão totalmente inseridas dentro da cidade urbanizada. Elas possuem uma característica estratégica para o planejamento futuro da cidade, pois na medida que os loteamentos foram acontecendo de

56 - XAIDES, José. “ Vazios urbanos de fundos de vale”. Este conceito foi desenvolvido por nós a partir dos trabalhos programados efetuados. Bauru.

204

forma fragmentada e sem articulação entre si e com o centro urbano, seja em temos de sistema viário, seja em termos de dotação de equipamentos públicos condizentes, parques, etc., qualquer projeto estruturador e integrador da cidade, para se tornar econômico e factível, sem que tenha que fazer grandes rompimentos internos aos bairros adensados, evitando as desapropriações de áreas já adensadas e urbanizadas, deverá ser solucionado levando em conta essas estruturas de vazios urbanos lineares e irregulares de fundos de vales. Como exemplos desses projetos estruturadores temos a possibilidade de construções de vias principais coletoras como avenidas, a dotação de equipamentos escolares, de saúde, de lazer, de esporte, de áreas de preservação permanente, assim como todo um sistema de ampliações de ofertas de redes de energia, de redes e sistemas de tratamento de esgotos, de faixas e ampliação de áreas de drenagem de águas pluviais, de possibilidade de ampliação de faixas de circulação de veículos, de ciclismo ou de pedestres ou de no futuro implantação de outros sistemas mais modernos para transporte coletivo, como faixas exclusivas para ônibus, ou metrôs, ou monotrilhos, e mesmo para a implantação de “parques integrados urbanos” que poderão possuir esse conjunto de equipamentos integrados articulados e internos à formação de parques de recuperação e preservação de matas ciliares, hortos florestais, etc.

..........( Figura 52 – “Vazios lineares e irregulares de fundos de vales”.)

205

Portanto esses vazios urbanos lineares e irregulares de fundos de vales, são hoje estratégicos para suprir grandes demandas de qualificação da cidade de Bauru para o futuro. O próprio plano Diretor de 1996, apesar de ser tímido sobre esse assunto e não conceituar em profundidade essas possibilidades, demarca algumas pequenas faixas de fundo de vale previstas para o que denomina de “parques lineares ”57, assim como prevê a execução de avenidas de fundos de vales cortando essas estruturas vazias.

Contudo, o Plano Diretor de 1996, tanto na concepção dos parques urbanos como na execução das avenidas, comprova a falta de articulação entre a lei, a forma e a gestão urbana, como a tríade qualificadora do planejamento urbano. Pois vejamos: Por um lado a idéia dos parques urbanos lineares surge apenas em suas formas como desenhos urbanos sonhados por arquitetos em escritório, tímidos em dimensão e expressão, fracionados em pequenas áreas. É exemplo dessa timidez e fracionamento o caso da área de preservação permanente desapropriada indevidamente em 1991 para a construção do Parque da Água Comprida. Aquela região teria, se fosse compreendida como um todo, um vale de enormes possibilidades articulando inúmeras áreas e equipamentos ambientais correlatos como o Horto florestal, a área da Polícia florestal, o viveiro de mudas da Prefeitura Municipal, a área do DPRN - Departamento de Proteção dos Recursos Naturais renováveis, a área do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, um conjunto de áreas de matas nativas preservadas na cabeceira e ao longo do córrego da Água Comprida, um conjunto de mais de trinta minas existentes ao longo do córrego, alguns equipamentos de lazer e esporte como Sambódromo Municipal, etc58. Portanto, fica evidente a limitação da “forma” ou do desenho urbano do parque proposto por aquele Plano Diretor.

Por outro lado, o Plano Diretor, enquanto instrumento de gestão, não apresenta de forma clara e objetiva as formas de gestão de terras a serem utilizadas pelo poder municipal para a conquista dessas áreas sonhadas para parques ou avenidas. Não contém propostas por 57 - BAURU. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Bauru. Bauru: PMB, 1996.

58 - BAURU. “ Sambódromo”. Este equipamento foi construído meio que às pressas no período da 1.ª gestão do Pref. Antônio Izzo Filho, de 1989 e 1992.

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desconhecimento do assunto ou por negligência de uma articulação possível para essas conquistas de terras, entre o potencial de uso do solo a ser valorizado na área, as normas urbanísticas e a gestão de terras públicas. Entre outros instrumentos jurídicos para as conquistas dessas áreas sem qualquer ônus pelo poder municipal, gostaríamos de citar os seguintes: a liberação de coeficientes de aproveitamento e taxas de ocupação, a idéia do “solo criado” ou das operações urbanas integradas59 ou as permutas de benefícios60, os acordos bilaterais61, ou mesmo a conquista desses espaços de parques por meio apenas do fornecimento de diretrizes no tempo, na medida que os proprietários fossem parcelando suas terras; mas nesse caso fazendo valer em profundidade todos os elementos da lei 6766, como a exigência da execução do sistema viário de avenidas pelos investidores, a solicitação sem ônus de todas as áreas de preservação permanente, áreas verdes e institucionais de acordo com as densidades populacionais projetadas para as áreas ao redor.

Ao contrário, a timidez do desenho do parque e os fatos históricos estudados anteriormente, mostram, que aquele plano estava condicionado à obtenção dessas áreas apenas na forma viciada e onerosa para o poder público da desapropriação, e ainda sem nenhuma política clara para uma cobrança de compensações por esses investimentos públicos, seja na forma de contribuições de melhorias, seja na forma de atualização permanente dos mapas de valores venais do município, muito menos entendendo o fato de que os proprietários de terras seriam os maiores beneficiados com as valorizações urbanísticas nas regiões e, portanto, esses benefícios deveriam voltar pelo menos em parte ao coletivo da população.

Portanto, a desintegração e as limitações entre as normas jurídicas possíveis para a conquista de terras, a ausência quase sempre de formas de gestão e interação democrática e transparente entre o poder municipal, os proprietários de terras e a comunidade, também limitou, como vem limitando historicamente, um bom e expressivo desenho urbano da cidade nessas intervenções em áreas de grandes vazios urbanos. Por outro lado, a aplicação indevida de instrumentos jurídicos parciais e unilaterais de conquista de terras,

59 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

60 - Ibid.

61 - Ibid.

207

como a desapropriação, tem causado danos extremos ao erário público, às vezes inclusive desapropriando áreas de preservação permanente que poderiam vir sem ônus para a coletividade caso houvesse uma mudança de paradigma no entendimento do planejamento urbano. Esse planejamento hoje tem sido exercido de forma passiva e fechada apenas nas questões do tempo imediato e ao sabor de um interesse político fisiológico do prefeito de plantão e também do interesse privado de “corvo” à espera das benesses públicas, ao invés do exercício de um planejamento ativo, estratégico e democrático do poder municipal, que contemple uma visão totalizadora de transformação bem mais ampla sob os pontos de vistas jurídicos e econômicos da realidade no tempo e no espaço, como forma de qualificação urbana mais econômica para o coletivo da população e menos benevolente ao capital privado de uma minoria.

Por outro lado, a própria existência do Plano Diretor na forma regulamentadora do planejamento atual, não garante sequer que as diretrizes mínimas lá estipuladas para realização de uma avenida ou parque aconteçam. Basta que um agente do poder municipal, como um diretor de diretrizes de planejamento ou o secretário de planejamento autorizem, e essas situações podem ser alteradas. Como exemplo concreto temos que, apesar da aprovação do Plano Diretor (uma lei municipal) ser de 1996, portanto relativamente recente, já no ano de 1998 foram aprovados parcelamentos de terra como os casos dos Condomínios Campo Belo e Campo Limpo62, onde não foram exigidas as áreas previstas para execução da avenida e sua execução pelos loteadores, nem as áreas definidas no plano diretor para o próprio parque. De tal forma que, quando for de interesse do poder municipal no futuro a realização dessas obras, todas as despesas com a construção da avenida serão do coletivo da população, e ainda, a avenida terá que invadir e ser construída sobre as áreas de preservação permanente e o parque urbano já não mais será um parque contínuo, largo e integrado

(Figura 53 – “Cadê o PD de 96?”/ prejuízo ao futuro parque e avenida )

62 - BAURU. OF. N.º1179/99. Ofício do Prefeito Nilson Costa ao Presidente da Câmara Municipal Paulo Madureira. Bauru: 08/10/99.

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visualmente, mas segregado em partes, estreito e oprimindo o córrego e a paisagem do fundo de vale . Esse fato é mais um exemplo da falta de uma visão dialética e articuladora do que denominamos “tríade qualificadora do planejamento urbano”, assim como é mais uma comprovação da ausência ou “voçoroca” do sentido público das ações do poder municipal, ao mesmo tempo que reforça o seu papel comprometido com uma minoria da população que possui os meios de produção do espaço urbano.

Para aprofundarmos ainda o sentido dessas “voçorocas do poder público” em suas intervenções em grandes áreas de vazios urbanos, queremos apresentar um estudo de caso acontecido em Bauru, que, por sua natureza e forma, permite uma ampla discussão do assunto, tendo em vista que o modelo aplicado representa uma realidade que se reproduz em muitas outras cidades brasileiras, especialmente cidades médias, em processo de crescimento sem um planejamento e formas de gestão democrática do espaço. O caso que analisaremos é o da ação executada em 1991 pelo poder municipal para execução do Parque da Água Comprida e também da avenida de fundo de vale com o mesmo nome.

O CASO DO PARQUE DA ÁGUA COMPRIDA EM 1991

A – CONSIDERAÇÕES GERAIS

209

A falta de uma clara concepção de possibilidades de aplicação de instrumentos legais e prerrogativas do poder municipal, de projeto e de gestão para a conquista não onerosa de terras do Parque da Água Comprida pode ser comprovada nesse caso, ocorrido no ano de 1991, quando uma área de 129.457 m foi desapropriada para a sua implantação e também pela falta de diretrizes gerais sobre o assunto quando da aprovação do Plano Diretor da Cidade de Bauru em 1996. Esses fatos indicam no geral o que de forma ampla apresentamos sobre uma visão fragmentada, parcial e viciada acerca da forma do “planejamento regulador e passivo” adotado pelo poder municipal na maior parte do período de estudo.

A ausência dessa concepção integral sobre a “tríade do planejamento qualificado”, como detalharemos na análise a seguir, causou desnecessariamente vários problemas de gestão importantes na cidade; dentre eles, um prejuízo econômico à coletividade com uma desapropriação de áreas de preservação permanente de cerca de quatro milhões e 200 mil reais63, que corresponde a um valor suficiente para construir cerca de vinte equipamentos públicos como escola, creche, posto de saúde etc., criou uma grande barreira entre a relação público e privado, relação essa que poderia levar, no caso de uma gestão mais democrática da questão, a viabilizar uma operação urbana significativa proporcionaria por um lado a conquista não onerosa das terras e por outro um conjunto de ações bilaterais de qualificação de toda aquela área; ainda deixou um conjunto de questões em aberto, que, se não forem cuidadas, sob uma ótica de defesa do interesse público, fará com que a população e o poder municipal ainda tenham outros prejuízos econômicos e sociais. Será sobre a forma e as conseqüências dessa desapropriação de terras que nos aprofundaremos.

Um aspecto conceitual importante é que a comprovação da falta de “ concepção” do Parque da Água Comprida se dá, seja em 1991, quando da desapropriação da área e mesmo da maneira como está inserido no Plano Diretor de 1996, pela total inexistência de um programa funcional amplo detalhado, bem como do desenvolvimento de um projeto urbanístico, arquitetônico e paisagístico integral para todo o Vale da Água Comprida pois naquela região onde estão situados diversos elementos de caráter ambiental já citados. A falta de “concepção” pode ser mostrada principalmente pela ausência de uma

63 - JORNAL DIA D. O grande mico. Bauru: 04/04 de 1999.

210

“visão” da relação e influência funcional e econômica entre o futuro parque e as áreas vizinhas, os potenciais de novos usos externos de complementação ao parque, a possibilidade de criação de maior vitalidade na região com o desenvolvimento de programas com criação de “pontos estratégicos de desenvolvimento”64. Estes últimos devem ser capazes de ser “pontos motores”65, formando um “centro de bairro”, para que, uma vez iniciados, fossem capazes de provocar amplo desenvolvimento da região e que em torno desses “pontos estratégicos de desenvolvimento” se pudesse, de forma democrática, articular também uma operação urbanística de interesse do poder público, da iniciativa privada e da população, prevendo articulações onde ambas as partes pudessem ganhar em benefícios e qualidade de espaço e de forma de viver.

Ao contrário, a “idéia” de projeto do parque da Água Comprida”, assim como dos demais parques urbanos, colocada no Plano Diretor de 1996, é citada apenas como uma delimitação física parcial, no contexto de um sistema de avenidas também genericamente tratadas, sem uma conceituação aprofundada e sem a garantia de uma política de gestão de terras que a viabilizem. De certa forma, a própria idéia dos parques surge subjugada ao “sistema de avenidas de fundos de vales”, o que reproduz um modelo antigo de algumas metrópoles, hoje conceitualmente já muito questionnado. Não são, assim, os Parques que definem as avenidas, mas o oposto. Não se discutiu e nem se previu qualquer forma de articulação de um programa de gestão para a conquista dessas áreas, seja aquelas para os parques propriamente ditos, seja também para as avenidas. Sequer foram apresentados os avanços dos “projetos exceções” citados na introdução desta tese, experiências por nós desenvolvidas para conquistas não onerosas e democráticas de terras públicas, quando da operação urbana para o início das obras de construção das Av. Jânio Quadros, Av. Nações Unidas Norte, Lúcio Luciano, etc., onde o trabalho possibilitou que quando possível não se fizesse desapropriação e se buscasse a formação de consenso e participação popular na efetivação dos

(Figura 54 –“Avenidas e parques urbanos de fundo de vales”– P.D./96)

64 - GÜELL, José Miguel Fernández. Planificación estratégica de ciudades. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1997, p.240.

65 - FAU-USP. Disciplina: Seminários de história da cidade e do urbanismo: Estudos das intervenções urbanísticas realizadas em Bilbao, Lisboa e Santiago do Chile. 1999.

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projetos e obras, quando cerca de 400.000 m de terras foram conquistadas sem onerar o poder público, apenas pela compreensão da valorização imobiliária que o remanescente de áreas e lotes teriam, ou pela concessão de maiores índices coeficientes de aproveitamento ou taxas de ocupação, bem como da eliminação de recuos frontais nas marginais das avenidas, nos casos em que até mais de 60% dos terrenos privados foram utilizados para as obras66. Em outros casos, quando existiam glebas de terra cujo percentual mínimo de 15% de áreas verdes e institucionais previsto na lei para futuros loteamentos era maior que as áreas necessárias para a construção de parques ou faixas entre as avenidas, essas áreas foram solicitadas fazendo-se acordos para sua antecipação ao poder público, com a obrigação do mesmo computá-las nos cálculos quando dos parcelamentos da terra.

( Figura 55 – “Operação Urbanística - Av. D’Oeste e N. Unidas Norte” )

66 - XAIDES, José. Trabalho para a disciplina: Política Urbana Comparada. FAU-USP, 1996,

212

Dessa forma, mesmo tendo exemplos históricos locais de formas mais democráticas e menos onerosas para conquista de terras nessas áreas de vazios urbanos, o Plano Diretor de 1996 não aprofunda essas formas de gestão, se restringe conceitualmente a apresentar um desenho genérico dos elementos e parece aceitar indiretamente e veladamente as formas de desapropriações de terra como foram feitas em 1991 para o Parque da Água Comprida, ou pelo menos nos parece omisso sobre o assunto, comprovando a separação tratada entre o desenho, a gestão e a utilização das normas jurídicas e possibilidades urbanísticas para uma política conseqüente de um “planejamento ativo” ou estratégico.

Para que o Parque da Água Comprida? A quem vai servir? A quem vai valorizar economicamente as terras? Qual o seu programa? Qual seu objetivo estratégico para a população dos bairros vizinhos, para a cidade de Bauru e para a região? Em que o parque servirá para gerar trabalho, renda, benefícios sociais e desenvolvimento urbanístico na cidade? De que forma o parque servirá para contribuir

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com um equilíbrio urbano numa cidade que tem segregado a maior parte da população e privilegiado uma minoria? Qual a forma menos onerosa para se conseguir esses objetivos? Qual a possibilidade de articulação entre o poder municipal, a iniciativa privada e a comunidade em torno do parque?

Essas e outras perguntas, fundamentais do ponto de vista social para um planejamento ativo, não foram respondidas seja nas atitudes tomadas pela administração em 1991, com uma desapropriação intempestiva, seja no Plano Diretor de 1996, que continuou a ser apenas um croquis de projeto, sem compromisso com a gestão de terras ou com a normatização que desse subsídios para um planejamento ativo, democrático, econômico, que equilibrasse “ônus e benefícios” da ação urbanística67.

B – A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁREA PARA O PARQUE DA ÁGUA COMPRIDA: SEUS SIGNIFICADOS E CONSEQÜÊNCIAS

Em 24/06/1991, por meio do Decreto Municipal n.º 6129, a Prefeitura Municipal, declarou de utilidade pública imóveis necessários à execução das obras do Parque. Sua justificativa social foi apenas a de que “A área descrita no artigo anterior destina-se à execução das obras do Parque da Água Comprida”68.

No artigo 3.º do decreto, a Prefeitura observa que “o expropriante reserva-se o direito de invocar o caráter de urgência no processo judicial de desapropriação para fins do disposto no artigo 15 do decreto lei n.º3365, de 21 de junho 1941, alterado pela lei n.º 2786, de 21 de maio de 1956”.

No artigo 4.º a Prefeitura observa que “As despesas decorrentes deste ato administrativo serão suportadas pelas verbas próprias do orçamento vigente”.

Os dados anteriores comprovam o que discutimos em itens anteriores a respeito da tomada de atitude unilateral e viciada pelo poder público de escolher o caminho da desapropriação para a conquista de terras públicas, visando no caso, executar um possível parque. Comprovam, também, o desconhecimento, a omissão ou negligência técnica das áreas de planejamento, de negócios jurídicos, 67 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

68 - BAURU. Decreto municipal N.º 6129. Bauru: PMB, 1991.

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financeira e de setores relacionados a meio ambiente, e principalmente do gabinete do prefeito, que não verificaram as demais opções possíveis “para ver se podia atingir o mesmo objetivo com gastos menores”69. Ao contrário, na frieza do decreto de utilidade pública anterior, nenhuma daquelas perguntas de caráter de justificativa social é respondida e ainda, tem-se absoluta clareza de propósito, ou seja: O caminho escolhido para a conquista de terras é o da desapropriação.

Assim, o poder municipal deixou de verificar outros instrumentos legais e integrar diversas ações possíveis no âmbito de Planejamento, que poderiam ter possibilitado a minimização de recursos públicos com a obra, bem como uma discussão aberta e democrática sobre o papel do parque, buscando formar consenso entre interesses públicos, privados e da comunidade bauruense. Portanto, faltou, enquanto forma ou desenho, “um projeto urbano” articulador e faltou enquanto processo de gestão um “planejamento ativo” aglutinador de interesses.

Ao contrário, com a atitude “passiva e parcial”, ao sabor apenas das regulamentações legais viciadas, deixou uma dívida histórica lesiva e polêmica para o poder municipal e a comunidade, bem como um pseudo-projeto sem sequer ter um “programa” definido ou ainda a possibilidade estratégica de com ele se congregar esforços públicos, privados e da comunidade para que se alcançasse objetivos sociais amplos e fundamentais.

Da falta de análise de possibilidades no âmbito de um “planejamento ativo” e responsável queremos destacar:

B.1 – A existência na área desapropriada de córrego e área de mananciais formada pela existência de várias minas

A área desapropriada, que mede 129.457 m, é delimitada em sua lateral mais baixa pelo córrego da Água Comprida. Contém, em seu interior, comprovado por diversos órgãos ambientais70, 23 nascentes de caráter permanente e com volume de água considerável na encosta do morro, cujos vertedouros e drenos distam entre 70 e 135 metros do córrego e cerca de quinze a vinte e cinco metros entre si. De tal forma que consolida um “espinhel” 71e um sistema complexo e integrado de córrego, vertedouros e minas, formando um verdadeiro minadouro72 na área, que já foi considerado no passado como área brejosa73.

69 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

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B.2 – O desenho formado pelas minas e a área de preservação permanente segundo a legislação ambiental

(Figura 56 – “desenho das minas e área de preservação permanente”-PMB)

70 - BAURU. CONDEMA, IBAMA, DPRN, Instituto Ambiental Vidágua, AGB-Bauru e SEMA. Bauru, 1999.

71 - XAIDES, José. “Espinhel”. Conceito apropriado por nós, apropriado de pescadores da região do Rio Miranda do Mato Grosso do Sul, tendo em vista que o desenho formado

pelo córrego da Água Comprida e o conjunto de 23 vertedouros de contribuição de águas se assemelha a um “espinhel” ( tipo de armadilha proibida por lei, formada por conjunto de linhas e anzóis que é lançada atravessando o rio e que fica presa em galhos nas suas margens).

72 - GUERRA. Dicionário Geológico – Geomorfológico, 1988.

73 - BAURU. “Área brejosa”. Esse termo foi utilizado pela secretária de Planejamento da Prefeitura Municipal de Bauru e outros técnicos da mesma , em audiência pública realizada na Câmara Municipal de Bauru em 1999, para discutir essa questão. Esse fato demonstra o prévio conhecimento de que aquela área possuía esses minadouros e era comprometida ambientalmente. Bauru: Anais. 1999.

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A incidência do conjunto de minas pouco distanciadas entre si forma um arco virtual de interligação das nascentes paralelo à curva selecionada para a desapropriação, pois as minas mais distantes do córrego estão na parte central da área desapropriada e essa distância vai diminuindo na medida que se dirige para suas extremidades.

A nosso ver, comprovado por pesquisa experimental que fizemos em trabalho programado74, a seleção pelo poder municipal do desenho da área a ser desapropriada obedeceu e acompanhou esse desenho virtual das incidências das minas na área, ou seja, o conjunto de minas foi o fator decisivo para a definição do desenho de desapropriação. Fato que deixa isso evidente é que, se levarmos em conta a legislação ambiental que determina que ao longo dos pontos de nascentes deve-se preservar 50 metros de raio e ao longo de córregos e vertedouros deve-se preservar 30 metros a partir de cada lado do eixo75, configura-se na área uma situação definidora, pois, traçando-se os raios de 50 metros nas nascentes, atingiremos uma distância mínima entre 120 metros ( 70 + 50) e 185 metros ( 135 + 50 ) na parte central, o que corresponde basicamente às medidas definidas para desapropriação da área.

O fato significativo a ser analisado primeiro aqui é que considerando as leis ambientais, as medidas e forma de incidências das minas encontradas na área, temos um “total de área de proteção permanente ou non aedificandi” correspondente a cerca de 117.000 m dos 129.457 m do total da área desapropriada.

Portanto, a administração municipal desapropriou criteriosamente uma área que era por natureza de preservação permanente, que não encontrava nenhum preço justo de mercado se levássemos em conta a impossibilidade de construção imobiliária na mesma, devido à sua proibição.

B.3 - O significado do valor pago pela desapropriação sob

uma ótica social

A desapropriação da área para o referido parque correu por via judicial, e foi acelerada tendo em vista que os seus proprietários recorreram à Justiça, porque o poder municipal iniciou uma grande retirada de terra sem uma comprovada e prévia autorização dos 74 - XAIDES, José . Trabalho Programado 3. Bauru: 2000.

75 - BRASIL. Resoluções do CONAMA, e IBAMA.

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proprietários, para aterramento e execução das obras do “Sambódromo Municipal”, que se situava na encosta do outro lado do Córrego da Água Comprida. Talvez esse fosse, de forma fragmentada, juntamente com uma vaga idéia de construção de um teatro municipal na região, os únicos programas parcialmente visualizados de composição do parque.

O processo tramitou judicialmente de forma normal, até que em 1995 o poder municipal recorreu, buscando mostrar ao Judiciário a falta de justificativa social para dar continuidade ao processo desapropriatório, e com isso devolvendo a área aos seus proprietários. No entanto, o Poder Judiciário não acatou o pedido, tendo em vista que os proprietários alegaram a tal retirada de terra da área.

A partir daí, com os precatórios da desapropriação, levando-se em conta as correções, moras, etc., já em 1997 o montante total de valor da dívida acordado para pagamento com os proprietários era de quatro milhões e 200 mil reais. Vale acrescentar que ainda hoje resta cerca de um quarto da dívida a ser paga.

O valor base dessa desapropriação foi calculado sobre os valores médios de mercado da terra ao redor, sem considerar que a maior parte da área era a área tecnicamente caracterizada como de preservação permanente, que não tinha valor nenhum do ponto de vista da construção imobiliária. Essa caracterização de área de preservação permanente teve votação unânime dos diversos órgãos ambientais que fazem parte do CONDEMA, quando este conselho se posicionou sobre o assunto em 2001.

B.4 – Do projeto da Secretaria de Planejamento para a construção da Avenida da Água Comprida - mais prejuízos à vista para a população

Apesar do decreto de utilidade pública executado pela Secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura, para a desapropriação da área não conter qualquer proposta para a construção da Avenida da Água Comprida dentro do Parque a Secretaria de Planejamento fez com que se divulgasse, em várias instâncias legais e na comunidade, um desenho elementar onde essa avenida aparecia no interior da área desapropriada. Isso demonstra o que discutimos em capítulo anterior sobre a fragmentação e falta de articulação entre esses setores tão importantes da administração municipal. Nesse caso específico, a visão da Secretaria de Planejamento foi fragmentada e limitada sobre

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o desenho da avenida e sobre principalmente a gestão e conquista de terras públicas, bem como de infra-estruturas urbanas. Na medida que colocou essa avenida dentro da área desapropriada, por um lado se verificou um grande conflito de gestão ambiental com as áreas de preservação permanente, pois as obras da avenida afetariam a maioria das nascentes, por outro, no sentido de gestão econômica, acabou por induzir que a responsabilidade do ônus econômico para a construção desse sistema viário, estimado em cerca de um milhão e 500 mil reais76, somente no trecho da área desapropriada, recaísse sobre o poder municipal e a comunidade.

B.5 – Análise do parcelamento das grandes áreas vazias remanescentes ao lado da área desapropriada

A área desapropriada para o Parque da Água Comprida é apenas uma pequena parte do total de áreas vazias da região que vêm ao longo do tempo sendo parceladas sob uma ótica especulativa privada. Num primeiro momento estas áreas tornaram-se um imenso vazio urbano, quando da execução do Núcleo Habitacional Geisel nos anos 70, o que valorizou a área diretamente. Numa segunda etapa, apenas considerando as áreas dos mesmos proprietários da área desapropriada, foram realizadas sobre um perfil de adensamento urbano dos bairros da região de casas térreas e sobrados (72 a 120 hab./hec.), os condomínios Parque das Camélias e Parque Flamboyant’s, com 39 e 40 blocos de edifícios, respectivamente, de quatro pavimentos e com quatro apartamentos por andar (240 a 400 hab./hec.), ocupando área total de cerca de 16 hectares de terras. Numa terceira etapa, em parte das áreas vazias dos mesmos proprietários, foram executados os condomínios Jd. Dos Duques, Vila Verde e Vila Grená, com um conjunto de mais de 15 torres de oito andares, com quatro apartamentos por andar (576 a 960/hab./hec.), em uma área de cerca de 3,5 hectares. Em fevereiro e março de 2001, entrou na pauta de aprovação junto à SEPLAN uma quarta etapa de investimentos dos mesmos proprietários, prevendo o parcelamento do remanescente de áreas vazias da região que envolve a ligação com o futuro Parque da Água Comprida, justamente na confluência com a área desapropriada em 1991, onde se prevê um crescimento especulativo ainda maior, na medida que está prevista a construção

76 - BAURU. Laudo técnico realizado para a AGB – Bauru.1999.

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numa primeira fase dessa etapa de cerca de 25 torres de 12 pavimentos ( 864 a 1440 hab. / hec.), em área aproximada de 4,7 hec., deixando a outra parte em aberto para ocupação futura. Logicamente que, a permanecer a tendência especulativa da região, nessa última etapa futura ela ou será ocupada com prédios com densidades ainda maiores ou tornar-se-á condomínios ou “loteamentos fechados”77 de luxo.

O crescimento e especulação da área do vazio urbano da região do Parque da Água Comprida, que se confirma de forma cabal na atualidade pela análise anterior, já se manifestavam em 1991, com os projetos do Parque das Camélias e do Parque Flamboyant’s sendo executados na área. Portanto, apesar da inexistência na época de qualquer política de gestão tributária ou de taxação sobre os vazios urbanos da cidade de Bauru, o interesse especulativo privado e a intervenção política municipal, em parceria com o INOCOOP, propiciaram aquela etapa de crescimento de projetos na área.

Portanto, sob um ponto de vista de “planejamento ativo” e gestão preocupada em “equilibrar ônus e benefícios”, antes da desapropriação que foi feita de terras para o parque da Água

( Figura 57 – etapas especulativas do vazio urbano - Água Comprida )

77 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

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Comprida já era possível prever e planejar a conquista daquelas terras articuladas com todo o desenvolvimento da região. Basta lembrarmos que, segundo a lei 6766/79, no mínimo 35% das áreas devem vir ao poder municipal sem ônus, para sistema viário, para áreas verdes de lazer e áreas para equipamentos públicos78. A mesma lei coloca que o cálculo das áreas públicas deveria ser feito proporcionalmente à densidade populacional prevista para os parcelamentos79, que no nosso caso de estudo da região vem se ampliando sucessivamente, o que possibilitaria a ampliação percentual dessas exigências a cada etapa e fase de crescimento. A lei 6766 dispõe ainda que o poder público poderá exigir de forma complementar as áreas de preservação permanente e non aedificandi nos parcelamentos80. Por último, vale lembrar que a mesma lei federal determina que é papel do Poder Municipal definir previamente as diretrizes para os loteamentos81.

Outro aspecto fundamental da compreensão sobre essa ação na área de vazio urbano é que a área de terra para a construção da avenida, no caso de um parcelamento de gleba, deve ser cobrada dos loteadores sem qualquer ônus para o poder municipal, bem como toda a infra-estrutura necessária para torná-la transitável.

B.6 – Espaço e tempo no planejamento – Uma aplicação necessária como medida de economia e de qualificação da forma de viver

Ora, ficam claros, portanto, a partir dos dados anteriores, dois aspectos importantes em planejamento, que tradicionalmente não são levados em conta nessas ações intempestivas de desapropriações e 78 - BRASIL. Lei 6766 / 79. Op.cit.

79 - Ibid.

80 - Ibid.

81 - Ibid.

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que causam esses imensos prejuízos econômicos ao coletivo da população, como no caso da desapropriação em questão.

O primeiro é a variável espacial, no qual a análise sobre ônus e benefícios da ação urbanística não deveria ser abordada apenas sobre um objeto limitado ou fechado em si mesmo, no caso a área necessária para o parque, mas sim sobre todo o conjunto de áreas ao redor que estava em processo de parcelamento, pois proporcionalmente a essas áreas de parcelamento privado, correspondia, de acordo com a lei 6766/79, um conjunto de áreas públicas (verde, institucional, de preservação permanente, non aedificandi, que no caso das duas primeiras deveriam ser proporcionais à densidade de ocupação) que devem ser doadas sem qualquer ônus ao poder municipal, assim como também as áreas de sistema viário e de toda a infra-estrutura necessária para esse sistema, como asfalto, galerias de águas pluviais, esgotos, iluminação, controle de drenagem, etc. Sob esse ponto de vista, numa análise do total da área de vazio urbano existente para o parcelamento na data em que foi feita a desapropriação, verificava-se que o total de áreas que os proprietários privados deveriam repassar ao poder público, quando do seu parcelamento, era muito maior que a área desapropriada. Basta apenas lembrar que dos 129.457 m da área desapropriada, um total de cerca de 117.000 m, foi confirmada como áreas de preservação permanente por diversos órgãos oficiais ambientais em diversas oportunidades82. Em 23 / 04 / 2001, o COMDEMA – Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente - discutiu e aprovou as diretrizes ambientais para toda a região, desenvolvidas por nós quando apresentamos em contrapartida ao projeto privado um Plano Diretor Popular de Bairro83. Ou seja, aqueles valores da desapropriação poderiam ser evitados e economizados levando-se em conta apenas essa “reserva futura de áreas públicas” a que teria direito o poder municipal sobre as glebas vazias no futuro.

No entanto, para essa compreensão e formulação de situações de conquistas de terras públicas é necessária também a compreensão da variável tempo em planejamento. Pois esse direito se dá a partir da compreensão de que “no futuro”, a partir do parcelamento da terra, a

82 - BAURU. CONDEMA, IBAMA, DPRN, Instituto Ambiental Vidágua, AGB - Bauru e SEMA. Bauru, 1999.

83 - XAIDES, José. Plano diretor popular de bairro da região do vazio urbano do vale da Água Comprida, Flamboyant’s e Camélias. Bauru: 2000.

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parcela das áreas públicas será conquistadas sem ônus. Nesse sentido é necessário que o poder municipal, antevendo os seus direitos futuros, coloque essa questão clara e transparentemente no momento de uma discussão sobre conquista de terras. A partir dessa compreensão de seus “direitos futuros”, o poder público poderia articular conquistas antecipadas por doação compromissada ou mesmo estabelecer uma estratégia de conquistas consecutivas das áreas e ir montando, no caso, todo o parque ao longo do tempo, sem a pressa eleitoreira ou irresponsável de um dirigente personalista ou mal-intencionado. Esses acordos bilaterais democráticos a partir dessa compreensão permitiriam, por exemplo, que o poder público fizesse seus investimentos em equipamentos públicos em regiões carentes, antes mesmo do parcelamento de terra, o que de toda forma interessaria ao proprietário, pois colaboraria para valorizar antecipadamente o seu remanescente de área vazia. Essa compreensão também nos leva à discussão da necessidade de ações e normatização como aquelas do IPTU Progressivo no tempo contra a especulação imobiliária de áreas vazias, pois significaria a aceleração da conquista pelo poder público dessas suas parcelas ou “reservas técnicas” de áreas futuras no tempo, sem qualquer custo ou ônus econômico.

Contudo, as formas de gestão democrática e transparente de terras têm possibilitado, como nos casos dos “projetos exceções”84

analisados no primeiro capítulo, que a compreensão sobre esse fator temporal facilite a conquista não onerosa pelo poder público. Esse processo infelizmente não ocorreu no caso da conquista de terras para o Parque da Água Comprida, onde se optou pela forma mais onerosa e simplista da desapropriação, que afinal prejudicou por demais toda a população bauruense, que viu transferido para a iniciativa privada um benefício lucrativo de quatro milhões e 200 mil reais, pagos judicialmente por uma área de preservação permanente.

B.7 – A necessidade de um Plano Diretor de “ Interesse Público” sobre as áreas de vazios urbanos e seu entorno

Um dos fatores limitadores da ação e gestão urbanística do poder público sobre as áreas de vazios urbanos, e que no caso de

84 - XAIDES, José. “Projetos exceções”. Conceito desenvolvido por nós para as ações e projetos que fogem daquilo que estamos denominando de voçorocas do poder público.

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uma necessidade real da sua intervenção sobre elas, seja no caso de construções de avenidas ou para construção de equipamentos urbanos, áreas verdes ou parques, como no caso do Parque da Água Comprida em Bauru, é que o poder municipal, sob o ponto de vista espacial, tende a enxergar apenas a questão pontual de sua ação imediata. Isso o coloca na ofensiva em relação aos interesses privados, o que leva a uma interpretação do ponto de vista jurídico de que sua ação é contra os interesses e a propriedade privada do solo, tendendo a tomadas de ações precipitadas como no caso em Bauru de se fazer desapropriação de áreas de preservação permanente e de áreas de avenidas.

A solução urbanística de gestão democrática e de compreensão jurídica mais eficaz e econômica para o poder municipal e a comunidade tratam desse assunto é a elaboração prévia e aprofundada de um “ Plano Urbanístico Local”, um “Projeto Urbano” ou, o que preferimos dentro de uma ótica participativa e democrática em andamento em Bauru, a elaboração de um “Plano Diretor Popular de Bairro”, quando, do ponto de vista metodológico e urbanístico, que aprofundaremos no anexo desta tese, antes da definição fria e localizada dos interesses públicos específicos, se projeta dentro de uma visão integral, levando-se em conta o levantamento de necessidades da região, os problemas encontrados, o EIV - Estudos de Impacto de Vizinhança, obtendo as propostas simuladas de ocupação e densidade para a área que incluem a análise de impacto ambiental.

Elabora-se o Plano não só sob uma ótica privada dos proprietários da gleba vazia, aspecto hoje comum e em exercício nas cidades brasileiras no geral, fruto de uma visão viciada, especulativa e parcial do “planejamento regulador passivo”, onde o poder municipal fica `a espera do interesse privado em investir de acordo com os seus únicos interesses e acaba por acatá-los, deixando de exercer as suas prerrogativas colocadas em lei, mesmo na Lei 6766/79, quando esta lhe outorga o direito de traçar as diretrizes para um parcelamento do solo urbano85.

Mas agora, dentro da visão do Plano Diretor Popular de Bairro, busca-se conjugar em primeiro lugar os interesses de “qualificação integral da vida”, numa visão de “direitos sociais a alcançar” por aqueles que habitam aquela região ao redor do vazio urbano, somada

85 - BRASIL. Lei 6766 / 79. Op.cit.

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àqueles que habitarão a futura área parcelada. Não se impede em princípio o interesse específico privado, a não ser em casos flagrantes de incompatibilidade o interesse específico privado, porém se exige como contrapartida, a partir da análise de impacto de vizinhança e impacto ambiental, as soluções técnicas e econômicas para execução de todas as medidas para sanar esses impactos, como, por exemplo: buscar exigir a proporcionalidade de áreas verdes e institucionais relativas à densidade prevista no parcelamento e acima dos índices mínimos previstos, a execução de todo o sistema de vias e infra-estruturas projetadas, a exigência de se prever a criação de zonas comerciais e de serviços formando “centros de bairros”, a criação antecipada de instrumentos legais de “permuta de benefícios” onde se busca trocar maiores índices urbanísticos por execução de equipamentos públicos, equipamentos de parques, troca por mais áreas verdes e institucionais etc., a delimitação das áreas non aedificandi e de preservação permanente, a realização de obras de controle de erosões, assoreamento e enchentes - como a construção de represas de retardamento das águas nos fundos de vales e que virá sem ônus no futuro para o poder municipal.

A partir desse plano, que tem como elemento estruturador a discussão popular com os moradores dos bairros, constróem-se de forma aberta possibilidades estratégicas negociadas entre o poder municipal e a iniciativa privada, contudo sempre tendo o aspecto do direito e interesse público maior para nortear as ações e o projeto.

Com o projeto do Plano Diretor de Bairros, o poder municipal de antemão antecipa uma discussão futura sobre áreas públicas com os proprietários daquilo que lhe será de direito no futuro, sobre vias, sobre infra-estruturas, bem como daquilo que será obrigação dos loteadores e proprietários de terras privadas, as doações de áreas públicas proporcionais à densidade, a construção de todas as infra-estruturas de vias de circulação e equipamentos públicos levantados pela análise de impacto de vizinhança e ambiental. Dessa forma, articulam-se maneiras não onerosas de conquistas de terras e realização de sistema viário, que neste último caso poderá ter infra-estrutura feita pelo poder municipal, desde que possa ser permutada por mais terra na área e por valor compatível e aprovado pela Câmara Municipal.

A busca fundamental é evitar os gastos tradicionais com as desapropriações de terras, que têm prejudicado demais as comunidades, e melhorar a qualidade urbanística dos espaços de

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viver, dentro de uma visão socializadora, integradora, onde as diversas funções urbanas, as questões ambientais e a beleza urbana façam parte do dia-a-dia das pessoas.

B.8 – As conseqüências da desapropriação executada para o Parque da Água Comprida

Se colocássemos a hipótese de que nenhuma ação popular, técnica ou política, fosse feita para questionar e ainda buscar sanar no todo ou em parte as conseqüências das ações do poder municipal, quando executou a desapropriação dos 129.457 m de áreas para a construção do Parque da Água Comprida, são notórios as conseqüências desfavoráveis do grande “ônus para a comunidade e para o poder municipal” e os grandes “benefícios para a iniciativa privada”86. As ações do poder municipal questionadas anteriormente dizem respeito principalmente à desapropriação de área que em sua maior parte é de preservação permanente e ainda se questiona o fato de que a avenida definida pela Secretaria de Planejamento, contrariando o projeto de utilidade pública, passava dentro da área desapropriada, margeando o restante das áreas vazias dos mesmos proprietários de terras, e ainda o projeto apresentado pela construtora e proprietários de terras para o parcelamento do vazio urbano remanescente de parcelamento da área.

Esta análise prova sob todos os aspectos a nossa tese central das “voçorocas do poder público” e como a comunidade, quando não participa atentamente dessa discussão urbanística, fica sujeita às formas de gestão centralizadas, autoritárias e tecnocráticas, que acabam por lhe trazer grandes prejuízos.

B.8.1 - Prejuízos com a desapropriação

A ação já analisada da desapropriação de áreas de preservação permanente, do ponto de vista econômico, significou um prejuízo à coletividade de quatro milhões e 200 mil reais, que poderiam ser destinados à construção de equipamentos urbanos, praças, sistema viário, aplicação em programas sociais, aumento de salários do funcionalismo etc.

86 - SILVA, José Afonso da. Op.cit.

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Aquelas áreas poderiam ter sido conquistadas sem qualquer ônus para a comunidade, não fosse a desapropriação feita de forma intempestiva e sem qualquer análise de planejamento ativo, a partir de um plano urbanístico conseqüente.

B.8.2 – Prejuízos com a avenida equivocadamente projetada pela SEPLAN dentro da área desapropriada

Este projeto, sem uma análise comprometida com a gestão de terras públicas, significaria em primeiro lugar transferir a responsabilidade da sua execução pelos proprietários, no caso da execução futura de parcelamentos que a terra já vinha sofrendo. Ou seja, além de o poder municipal não a receber por doação com todas as infra-estruturas que são obrigatórias por lei, que custariam estimadamente cerca de um milhão e 500 mil reais aos investidores, deixa escapar ainda essa parcela da área de terras desapropriadas para o parque, além de que teria que dispor de mais um milhão e 500 mil reais do dinheiro da comunidade para a realização da obra. Certamente são mais algumas inversões de valores que somente uma ação ideológica de gestão planejada para não privilegiar o interesse público poderá explicar em profundidade.

B.8.3 – Valorização imobiliária das áreas remanescentes de vazios urbanos

A definição do futuro parque e a construção da Avenida da Água Comprida vem servindo para valorizar ainda mais a gleba remanescente de vazios urbanos. Verificamos, por meio de um estudo simulado em nosso “Trabalho Programado 3”87, executado em 1999, que a gleba de terra vazia em estudo antes do início do processo de seu parcelamento e da desapropriação de terras para o Parque da Água Comprida valia em média R$20,00/m e cerca de oito milhões e 750 mil reais no total, considerando toda a área de preservação permanente inclusa na mesma. Valor que podia atingir cerca de R$80,00/m, se naquele momento a região recebesse a avenida e o parque. Nessa simulação verificamos que mesmo que a Prefeitura recebesse sem ônus as áreas de preservação permanente desapropriadas mais as áreas públicas para equipamentos urbanos

87 - XAIDES, José. Trabalho programado 3. Bauru. 1999.

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(84.000 m ), restariam para os proprietários cerca de 156.000 m de terras, que a um preço de R$80,00/m valeria em torno de doze milhões e 480 mil reais, ou seja, os proprietários ganhariam apenas como valorização imobiliária cerca de três milhões e 730 mil reais em valores patrimoniais. Vale ressaltar que seguindo a tradição geral de Bauru, mesmo isso acontecendo não seria cobrado dos proprietários sequer a contribuição de melhorias na área.

Continuando a simulação e prevendo que os loteadores gastariam no máximo cerca de 20% de áreas de ruas já computadas anteriormente, mas calculando seus gastos estimados com infra-estruturas, ou seja, em cerca de 31.200 m de área de ruas, eles gastariam, estimando um máximo de R$ 45,00/m, o total de um milhão e 434 mil reais para urbanizar os lotes. Fazendo um cálculo final, mesmo com os custos de urbanização os proprietários ainda receberiam uma diferença de dois milhões e 296 mil reais de lucro só sobre o que as obras públicas gerariam de valorização imobiliária na gleba. Certamente essas obras seriam por si um tremendo benefício de lucro econômico para os proprietários privados e deveriam mas não foram levadas em conta para minimizar o ônus do poder municipal.

B.8.4 – O total de “benefícios privados e o total de ônus públicos”

Se levarmos em conta apenas os resultados da operação urbanística da desapropriação e projeto executado em 1991, sem considerarmos qualquer outro lucro advindo de unidades habitacionais, de comércio ou serviços projetadas para a região, vamos verificar que com aquela ação o poder municipal irá desembolsar, se completar a execução do projeto da avenida, a soma de R$ 4.200.000,00 + R$ 1.500.000,00 = R$ 5.700.000,00 – cinco milhões e 700 mil reais, com uma ação intempestiva de um mal planejamento e uma má gestão urbana. Por outro lado, os proprietários das terras, no final do processo, mesmo considerando os seus gastos para urbanizar a área, terão recebido de benefícios a quantia aproximada de R$ 4.200.000,00 (desapropriação)+ R$1.500.000,00 ( custo da avenida que ficou para o poder público) + R$ 3.730.000,00 ( valorização imobiliária das obras públicas sobre a terra vazia), o que totalizará R$9.430.000,00 de benefícios com aquela operação urbanística unilateral e inconseqüente do poder municipal.

Analisando os dados, verificamos o grande benefício que a desapropriação de terras proporcionou aos proprietários das terras.

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Por esses cálculos ela representa mais de 60 % do total que os empreendedores poderiam lucrar com a terra bruta e ainda mais, se considerássemos os seus custos de urbanização.

O que falar desses dados à luz das análises de possibilidades que o poder municipal possuía e possui para conquistar terras de forma não onerosa e utilizando-se de um planejamento ativo? Foi omissão, foi negligência, foi desconhecimento técnico de normas e de gestão urbanística. Talvez não encontremos as explicações plausíveis para essa enorme voçoroca do poder público, mas as suas conseqüências continuarão a pesar sobre as necessidades da população, especialmente daquela mais humilde que constitui a maioria da população de Bauru.

B.8.5 - Outras voçorocas do poder público sobre o caso

Essa questão de terra de preservação permanente desapropriada e a possibilidade de construção de avenidas dentro dela, de vez em quando volta à tona em discussões técnicas, reportagens jornalísticas88, campanhas políticas, etc.

No final do ano de 1998, após a primeira cassação de mandato do prefeito da época, por motivos políticos, devido à suspeita de que ele, em conluio com membros do primeiro escalão, estava recebendo propinas em diversas questões, inclusive no caso da desapropriação de áreas de ruas e institucionais da Chácara Rodrigueiro, assumiu o seu vice-prefeito, que acabou tendo papel decisivo para incriminar o titular, num caso que ficou conhecido como o das onze propinas89. Vale lembrar que, coincidentemente, o prefeito cassado e posteriormente preso preventivamente em 1998 era o mesmo que desapropriou a área em análise em 1991.

Após a posse do vice-prefeito, no final de 1998, tivemos a oportunidade, a partir de diversos estudos sobre o caso daquela desapropriação e de tendo realizado diversas palestras na Assenag – Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Estado de São Paulo, Núcleo de Bauru e na UNESP – Bauru, de levarmos esses estudos ao prefeito que assumiu, mostrando-lhe que haveria formas de, por intermédio de ações do poder municipal, tentar uma 88 - DIÁRIO DE BAURU. Família Duque rejeita rever o acordo com Izzo. Bauru: 18/06/98, p. A1 e

A3.

89 - JORNAL DA CIDADE. Pelo menos 11 empresas já denunciaram propina. Bauru: 27/08/98, p.1 e 3.

229

renegociação com os proprietários das terras desapropriadas sobre as questões pendentes com a desapropriação. Demonstramos que era possível sanar de forma negociada a dívida pendente, ou pelo menos minimizar as conseqüências dos outros gastos decorrentes daquela ação, como a possibilidade da SEPLAN retirar o projeto da avenida de dentro do parque, uma vez que ela estava toda comprometida com minas e áreas de preservação permanente. Esta possibilidade só se realizaria caso fosse tomada uma atitude de gestão ativa sobre a totalidade da área a ser parcelada, uma vez que a Prefeitura possuiria ainda as reservas de áreas públicas, do sistema viário e verdes a serem conquistadas dos mesmos proprietários nos futuros parcelamentos dos remanescentes de suas áreas. Desta forma poderia ser proposta e viabilizada, com a aplicação de diversas prerrogativas do município, também uma troca entre a dívida e as futuras áreas públicas.

Fato é, no entanto, que o prefeito, ex-vice que assumiu, não se importou com a nossa avaliação do problema e jamais voltou a falar sobre o assunto. Até mesmo a partir de uma reportagem do Jornal da Cidade, intitulada “ O Grande Mico” 90, que tratava sobre aquela área desapropriada pelo poder municipal, quando o prefeito teve a oportunidade de falar sobre o assunto, demonstrou dar o fato por encerrado, sem visualizar qualquer alternativa que lhe havíamos proposto.

Coincidentemente, soubemos, em meados de 1999, por meio de nossas pesquisas, que os proprietários das glebas remanescentes do vazio urbano em torno da área desapropriada estavam por parcelá-la e visavam fazê-lo considerando a avenida colocada dentro do parque, deixando-a às custas do poder municipal, bem como gostariam de oferecer as áreas públicas em áreas comprometidas com minas e aterros, fato que se comprovou por meio do projeto encaminhado para a SEPLAN e CONDEMA no final de 2000, datado de 7 /11/2000.

Resolvemos buscar apoio do legislativo para a discussão sobre a questão. Para tanto, envolvemos vereadores, buscamos esclarecimentos dos órgãos ambientais, discutimos o assunto junto à AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros – núcleo de Bauru, junto ao IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil – Núcleo de Bauru e Assenag – Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bauru. Tivemos amplo apoio da AGB e da vereadora Maria José

90 - JORNAL DIA D. O grande mico. Bauru: 04/04 de 1999.

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“Majô” Jandreice, do PC do B. Estes apoios possibilitaram, por meio apenas da AGB, a realização de um completo laudo técnico sobre as questões ambientais e de planejamento, visando o seu encaminhamento às Promotorias Públicas, do Meio Ambiente, do Urbanismo e Habitação e da Cidadania, bem como o seu envio à Câmara Municipal e à Prefeitura, especificamente à Secretaria de Planejamento. Esse documento expôs aos órgãos as análises técnicas, ambientais, econômicas sobre o conjunto de prejuízos públicos, mas principalmente as possibilidades do poder municipal minimiza-los a partir da tomada de ações técnicas e exercendo suas prerrogativas de gestão urbanística. Sobre essas ações de minimização dos prejuízos públicos foi executado, também, na Câmara Municipal, uma audiência pública91 na mesma época, tratando do assunto. Nessa audiência todas essas ações foram amplamente debatidas na presença da secretária de Planejamento, de técnicos responsáveis pela execução de diretrizes de parcelamento do solo da Prefeitura, bem como de técnicos que estudaram em 1991 a demarcação da área do parque e da avenida, de técnicos do meio ambiente, de vereadores e de pessoas interessadas da comunidade. Verificou-se que era de compreensão em 1991 pelos membros técnicos da SEPLAN que a área desapropriada era mesmo uma “área brejosa”, que ela sofreu execução de drenagem, que os valores pagos pela desapropriação eram considerados mesmo muito acima do valor do terreno. Ainda que na região, nos casos dos condomínios Campo Limpo e Campo Belo, a prefeitura os aprovou sem cumprir a lei do Plano Diretor aprovada em 1996 e esses foram situados sobre as diretrizes para a avenida projetada da Água Comprida. Também foram amplamente discutidas as ações para minimizar as conseqüências e ônus para o poder público.

Foi entregue à Secretaria de Planejamento uma cópia do laudo entregue às Promotorias Públicas.

Daquele laudo técnico apresentado e discutido, queremos relatar aqui sua parte final, sobre as possíveis ações que são prerrogativas do poder municipal e que poderiam ser feitas para sanar os efeitos daquela desapropriação intempestiva:

“2) AÇÕES EMERGENTES E FUTURAS PARA BLOQUEAR A DESAPROPRIAÇÃO, REAVER O DINHEIRO, MINIMIZAR PREJUÍZOS E 91 - BAURU. Audiência Pública sobre a desapropriação de área para construção do parque da

Água Comprida. Bauru: Anais da Câmara Municipal de Bauru. 1999.

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FAZER JUSTIÇA SOCIAL SOBRE A QUESTÃO - UM PROJETO URBANO POSSÍVEL, EM PARCERIA, DEMOCRÁTICO E VISANDO AGLUTINAR INTERESSES ENTRE O PODER PÚBLICO, A INICIATIVA PRIVADA E A COMUNIDADE.

Neste ítem queremos demonstrar de forma objetiva algumas ações de planejamento que visam viabilizar a possibilidade de um projeto para o Parque da Água Comprida, corrigindo os erros passados, minimizando no tempo os prejuízos do poder público e buscando integrar esforços públicos e privados em prol da comunidade de Bauru.

2.1 - NA BUSCA DE REVERTER A DESAPROPRIAÇÃO EM ANDAMENTO PARA UMA RETOMADA INICIAL DO PROJETO SEM ÔNUS INICIAL DA MESMA

Tendo em vista que apenas os aspectos legais não foram suficientes para reverter no passado a desapropriação executada de forma equivocada; acreditamos hoje que a explicitação técnica sob um ponto de vista das leis ambientais e do parcelamento do solo, como aqui exposto nestes laudos, poderá servir de novos dados convincentes para que o processo seja retomado. Até mesmo, sob essa ótica, a questão da retirada errônea de terras da área , como abordamos anteriormente, poderá ser sanada dentro de uma visão de planejamento do parque, onde obras, sejam das avenidas, sejam de equipamentos de lazer, escola, creches de esportes, etc., poderão se utilizar da área planificada com a retirada de terra.. Principalmente considerando a reserva técnica futura de áreas que a prefeitura possui sobre as áreas remanescentes dos mesmos proprietários. Certamente, sob um ponto de vista de justiça social e de benefício público coletivo, esta deveria ser a compreensão mais justa sobre os fatos, seja do poder público, seja dos proprietários das terras, mas principalmente neste momento, do Judiciário.

Os laudos técnicos aqui expostos deverão ser encaminhados aos órgãos competentes como; Promotoria Pública do Meio Ambiente, Promotoria Pública da Cidadania, Prefeitura, Câmara Municipal e outros órgãos representativos. Além dessas medidas outras deverão ser tomadas conforme os itens posteriores.

2.2 - NA PERSPECTIVA DE FICAR O PODER PÚBLICO OBRIGADO A PAGAR A DESAPROPRIAÇÃO, MESMO COM OS LAUDOS TÉCNICOS E OS ESCLARECIMENTOS DE PLANEJAMENTO

Imediatamente e inicialmente, deveria o poder público tomar várias medidas por meio de suas prerrogativas em defesa de seus direitos, fazer justiça social e buscar salvaguardar o interesse coletivo da população em torno da possibilidade da concretização futura do Parque da Água Comprida.

Medidas que, por meio de “marketing” urbano, buscarão mediar uma conversa na qual público e privado tenham condições de igualdade de interesse,

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pois hoje quem está unilateralmente “levando vantagem” são os proprietários das terras ao redor da área em desapropriação. Assim, como medidas imediatas, o Poder Público deve:

a ) - Exigir em local privilegiado as áreas públicas e áreas non aedificandi como prevê integralmente a lei 6766/79, sobre os condomínios aprovados Vila Verde, Vila Grená, Campo Belo e Campo Limpo. Vale ressaltar que mesmo sabendo dos problemas graves sobre a desapropriação em curso, o poder público não exigiu e selecionou as suas áreas de seu direito sobre esses condomínios, o que na prática significa não considerar a legislação e privilegiar os mesmos proprietários de terras.

b) - Modificar o traçado da avenida, retirando-a do interior das áreas em desapropriação e redefini-la no interior das glebas remanescentes dos proprietários, incluindo na mesma uma pista marginal que dê possibilidade de usos e estacionamento para comércio, serviços, áreas de lazer, hotéis, etc.,( de acordo com um programa a ser definido de forma integrada com o parque. Esta medida se justifica, pois as áreas em desapropriação, como está colocado no decreto de utilidade pública, destinam-se apenas à execução do Parque da Água Comprida e não à avenida) . E ainda porque , como demonstramos, dentro da área desapropriada apenas a parte definida em uma diretriz ainda imprecisa como avenida está em áreas edificáveis. Com essa ação o poder público passará a responsabilidade e custos da futura avenida aos proprietários de terras e assim estes não receberão mais sozinhos este privilégio e benefício da valorização das terras adjacentes por meio do investimento público futuro. Pelo menos deverão arcar com o mesmo e revertê-lo à comunidade, como prevê a lei.

c) - Definir numa AÇÃO DE PLANEJAMENTO ATIVO as áreas públicas e áreas non aedificandi a que o poder público terá direito no futuro sobre as áreas remanescentes dos proprietários . Vale dizer que se deve modificar o descaso tradicional na definição da localização dessas áreas nos loteamentos tradicionais onde às vezes as áreas públicas são localizadas em cantos de glebas, em cima de erosões ou minas e mesmo, também por descaso, o poder público aceita que remontem seus direitos sobre áreas públicas e as áreas non aedificandi, ou seja, estas ÁREAS NON AEDIFICANDI ACABAM NÃO SENDO EXIGIDAS COMO DETERMINA A LEI 6766. Assim ,a definição dessas áreas deve levar em conta privilegiar o coletivo da população, pois este é o espírito da lei que defende o interesse público. Vale recolocar que, considerando apenas as áreas remanescentes ao redor da área em desapropriação, restam aos proprietários, hoje, cerca de 190.000 metros quadrados e assim, sem considerar as áreas non aedificandi, o poder público terá direito no mínimo a 66.500 metros quadrados, e considerando que a tendência da área é de adensamento por verticalização, deveria ser exigido ainda mais, por compensação, como prevê a lei federal (estamos estimando aqui cerca de 90.000 metros quadrados). A definição dessas áreas, prevista em lei, é prerrogativa do poder público, que deve exercê-lo de fato e de direito em prol do coletivo, até mesmo porque pelo parcelamento e verticalização que vêm acontecendo na região não deve o poder público ficar aceitando mais áreas públicas em pedaços e mal localizadas.

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d) - As áreas públicas assim definidas no item “c” deverão estar localizadas em áreas valorizadas da gleba, até porque elas poderão ser utilizadas numa possível ‘OPERAÇÂO URBANA” desejável com os proprietários das glebas; até mesmo podendo ser usadas em parte para um acordo relacionado com a possibilidade de pagamento pelo poder público da desapropriação, caso ela não seja revertida.

Para provar esse raciocínio apresentamos uma simulação abaixo com valores realistas da área hoje.

Valor total possível da desapropriação - R$ 4.200.000,00;

Valor que falta o poder público pagar - R$ 2.500.000,00 ;

Valor estimado do metro quadrado na área para após construção da avenida e demais infra-estruturas = R$ 80,00/m

Total de áreas públicas para sistema de circulação ( ruas) = 190.000m x

20% = 38.000 m Total de área estimada do poder público considerando adensamento e

verticalização previstos na lei federal ( 6766/79 ) = 90.000 m total de áreas para equipamentos públicos = 90.000m – 38.000 m =

52.000 mValor mínimo das áreas para equipamentos públicos, após a construção

das avenidas e demais infra-estruturas ( lei 6766 ) = R$ 80,00 X 52.000 = R$4.160. 000,00

e) - Por essa avaliação anterior fica evidente que:

Primeiro - Caso a Prefeitura não tenha condições de pagar os valores que poderão ser fixados para a desapropriação judicial, ela poderá negociar por permuta com a anuência da Câmara Municipal, a dívida em questão por parte da área a que terá direito nas áreas adjacentes, ou pela diferença variável prevista na lei federal acima dos 35% a que o poder público tem direito no caso de adensamento. Para isso deve-se encontrar os caminhos democráticos e jurídicos pertinentes.

Segundo - Caso a Prefeitura tenha condições de fazer o possível pagamento da desapropriação, é importante preservar essas áreas valorizadas em localização privilegiada, pois acreditamos ainda que as mesmas deveriam servir à possibilidade de implantação de projetos de grande significado social, talvez em parceria público e privado para que haja um retorno social significativo a ser estudado, capaz inclusive de gerar retorno econômico suficiente para retornar os valores pagos à desapropriação.

Terceiro - o raciocínio anterior deve valer também no caso de a desapropriação ser revogada; nesse caso IDEAL, essas áreas deverão possibilitar, em conjunto com as áreas non aedificandi, a viabilização de projetos de caráter público e privado, gerando empregos, benefícios sociais diversos, viabilizando programas geradores de renda e receita , além de resgatar uma parte

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da dívida social por equipamentos educacionais, de saúde, de cultura, de assistência social, etc.

f) - O poder público e câmara municipal poderão discutir e viabilizar a aplicação de impostos progressivos para glebas urbanas, como forma de viabilizar a utilização social da terra urbana, conforme preconizado na Constituição Federal de 1988.

g) - O poder público e a câmara municipal, além da comunidade e dos empresários da cidade, devem, a partir da discussão de um PROGRAMA para todo o possível Parque da Água Comprida, em toda a sua extensão e não só na localidade da área desapropriada; viabilizar um projeto de lei de uso e ocupação do solo ao redor do parque que tenha interação com o mesmo e que estrategicamente possa viabilizar programas “ motores” de desenvolvimento de toda a área.

Este Parque, para dar um exemplo possível, poderia viabilizar além de programas na área ambiental evidente, por ser um vale que possui elementos importantes na cabeceira, como matas de cerrado e matas de galeria, possui concentrado em seu centro órgãos como IBAMA, DPRN, POLÍCIA FLORESTAL e VIVEIRO DE MUDAS MUNICIPAIS e na parte final o HORTO FLORESTAL, programas de esporte e lazer de caráter regional, criando condições de um desenvolvimento turístico a partir desse enfoque. Programas capazes de possuir elementos indutores e polarizadores de criar empregos, melhorar as condições de lazer da cidade, seja voltados para a grande população de classe média e baixa de todo o seu entorno ( DEMANDA DE BAIRROS ), seja para colaborar com um equilíbrio urbano criando uma nova centralidade na cidade, atraindo interesses de toda BAURU ( DEMANDA DA CIDADE ), seja podendo polarizar toda região em torno de programas “REGIONAIS”, por ex.: esportes automotores e centros de treinamento automotor.

h) - A discussão de UM PROGRAMA e de UMA AGENDA DE INTERESSES, público e privado, mediada por uma gestão democrática, poderá não só resolver o ônus econômico de uma desapropriação indevida localizada, mas congregar ou CRIAR COESÂO social em torno de objetivos comuns para este PROJETO URBANO DO VALE DO ÁGUA COMPRIDA. Assim certamente, os benefícios sociais serão multiplicados e se poderá caminhar de uma experiência de PLANEJAMENTO REGULADOR OU PASSIVO na qual o poder público fica à espera do interesse privado, para um PLANEJAMENTO ATIVO, COM PROPOSTAS OBJETIVAS DE PROJETOS URBANOS no qual o poder público “VAI À FRENTE”, coordenando ações, liderando e articulando interesses, mediando e viabilizando consensos, gerindo democraticamente e de forma participativa as propostas abertas que sejam capazes de atender as demandas reais e objetivas da população.

i) - É necessária uma revisão crítica da legislação municipal, que é omissa sobre a exigência das áreas non aedificandi, conforme prevê a lei federal 6766/79, bem como é necessário que a promotoria pública, os órgãos e instituições

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competentes exijam que se faça essa regulamentação e que se faça cumprir essa exigência ambiental de extrema importância em nossa cidade , e também se regulamente e aplique a exigência prevista na mesma lei, de área pública acima dos 35% mínimos quando o loteamento ou desdobro prever maior adensamento ou verticalização.

j) - É necessário ainda que os órgãos ambientais competentes sejam cobrados a também fiscalizarem e que exijam que as áreas non aedificandi sejam incluídas na solicitação pelo poder público quando da aprovação de um loteamento ou desdobro de glebas, conforme prevê a lei federal, o que não tem sido exigido sistematicamente em Bauru e assim acontecem absurdos como áreas verdes ou institucionais serem localizadas sobre erosões , fundos de vales, em situações de declividade acentuada, sobre minas, etc. Temos certeza de que essa exigência do cumprimento integral da legislação federal por si só irá contribuir para se evitar no futuro que aconteçam problemas de erosões e de infiltrações e recalques nas estruturas em moradias e equipamentos urbanos, além de possibilitar que por meio de um reflorestamento de fundos de vales, cabeceiras de córregos e minas se atinja uma qualidade ambiental desejada para Bauru no século XXI.....................................................................................................................................

CONCLUSÃO

As questões expostas nestes Pareceres Técnicos de Questões Ambientais e de Planejamento Urbano pretenderam demonstrar o quanto as atitudes isoladas e fragmentadas do poder público, seja no espaço físico, seja do ponto de vista jurídico, seja numa visão de interesses unilaterais , são capazes de criar situações de ônus econômico e social, gerar conflitos e dispersão social.

Devemos alertar as autoridades que a ocupação, tanto espontânea quanto formal, do fundo de vale do Córrego da Água Comprida vem ocasionando diversos danos ambientais decorrentes de aterros, canalização do córrego, abertura de ruas e construção de condomínios em área de preservação permanente.

Pretendemos também demonstrar a impertinência da desapropriação feita pelo poder público da área para o Parque da Água Comprida, seja pelas questões ambientais apresentadas, seja pelo fato de a lei de parcelamento dos solos urbanos possibilitar uma articulação ativa do poder público com os proprietários de terra, desde que sejam usadas ações democráticas e que o poder público haja de fato com o interesse de minimizar custos e formar consenso.

Demonstramos que, com a ação do poder público e a incompreensão do poder judiciário até aqui, privilegiou-se os proprietários de terras de forma absurda, e em contrapartida foi prejudicado o poder público e toda a comunidade bauruense.

Apresentamos, ainda, simulações econômicas para entendermos as questões financeiras relacionadas com os gastos públicos indevidos e os ganhos ALTAMENTE PRIVILEGIADOS dos proprietários de terras com ação de desapropriação

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Pudemos ainda apresentar propostas abertas para solucionar o impasse causado pela desapropriação e para uma possível discussão de um PROJETO URBANO para o Parque da Água Comprida em Bauru, bem como medidas corretivas a médio e longo prazos para que as autoridades competentes prezem pela questão ambiental.

Assim, temos certeza de ter conseguido colaborar para o aprofundamento das questões pertinentes ao entendimento dos assuntos expostos e esperamos que este trabalho possa de fato ser um instrumento capaz de elucidar polêmicas, viabilizar a defesa do interesse coletivo em Bauru, se possível evitar a concretização final da desapropriação e buscar a reversão do dinheiro que já foi pago, atitudes que possibilitarão a buscar sua aplicação em áreas sociais carentes da cidade, promovendo justiça social e não privilégios particulares.

Com os fatos e as analises aqui expostas, temos certeza de ter cumprido os nossos deveres de cidadãos e técnicos, sabendo que a omissão em não denunciar significa cumplicidade.

O fato marcante e fundamental, até março de 2001, é que, apesar de todos esses esforços de ações e mobilizações, o poder municipal não tomou qualquer uma dessas medidas como uma ação sua, comprometida com essa causa de defesa dos interesses coletivos. Não se sensibilizou; pareceu que o assunto não lhe dizia respeito e, ao contrário do que se esperava, na Secretaria de Planejamento verificou-se uma dificuldade até mesmo de convencimento daqueles que executaram o projeto da avenida em aceitar a sua modificação e retirada de dentro da área desapropriada, mesmo que isso represente uma economia de R$ 1.500.000,00. Da mesma forma é interessante notar, que ao contrário do que se poderia prever de o poder municipal, por meio do prefeito e de seus secretários, aproveitar o laudo técnico para por exemplo lutar pelas transformações e economia daquela ação intempestiva, vem ao longo do tempo tentando descaracterizá-lo. Um exemplo disso é o fato de o próprio prefeito ter conseguido de um geólogo bastante conhecido na cidade a emissão de um parecer sobre a ocorrência inequívoca de minas na área desapropriada, porém de uma forma superficial e pouco técnica e convincente, ele concorda com a existência dos afloramentos das águas mas apenas diz, que ao invés de vertedouros naturais o que existem são drenos na área92. Ora, é óbvio para qualquer leigo que se existem drenos é porque há água e se esta flui permanentemente, sua caracterização é de área de preservação permanente. No entanto, o prefeito usou desse argumento equivocado

92 - BAURU. Of. N.º1179/99. Ofício do Prefeito Nilson Costa ao Presidente da Câmara Municipal Paulo Madureira. Bauru: 08/10/99.

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para permanecer sem tomar qualquer uma daquelas atitudes apontadas. O fato cabal sobre esse item, no entanto, é que, seguindo o que apontamos sobre a caracterização da área de preservação ambiental no dia 23/03/2001, em reunião junto ao CONDEMA (conselho deliberativo sobre questões ambientais e parcelamento do solo) essa questão foi definitivamente resolvida, com o reconhecimento unânime, por parte daquele órgão, daquilo que apontamos.

O que ficou portanto sem esclarecer é o por quê da resistência do poder municipal, do prefeito atual em aceitar um laudo que beneficiava o coletivo da população. Por que não tomar as atitudes de planejamento antecipadamente para provocar uma retomada do diálogo como os proprietários de terras?

Essas atitudes que nos parecem omissão e negligência são também, a nosso ver, mais algumas das voçorocas que estamos estudando.

B.8.6 – A primeira vitória na construção de um urbanismo popular verdadeiramente público

Para a compreensão do desprezo dispensado pelo poder municipal à correção dos rumos das conseqüências da referida desapropriação para o Parque da Água Comprida, a rediscussão da questão daquelas terras e a busca da minimização dos ônus da coletividade bauruense com aquela operação urbanística só estão sendo possíveis a partir da organização popular dos bairros ao redor da área, com o nosso apoio e dos alunos da UNESP em torno da discussão do Plano Diretor Popular de Bairro.

Assim, somente a partir de uma ação técnica, mas principalmente política, que envolveu inclusive o feitio de abaixo-assinado nos bairros, é que aconteceu primeira vitória junto ao CONDEMA de Bauru, quando as diretrizes ambientais apontadas no Plano Diretor Popular de Bairro foram aprovadas; nelas constam todas aquelas sugestões apontadas no laudo técnico e que foram desprezada pelo poder municipal. Como exemplos, foram aprovadas: a retirada da avenida de dentro da área desapropriada e sua execução pelos proprietários das terras, o que significa uma economia de R$1.500.000,00; a não aceitação das áreas públicas e verdes sobre áreas degradadas ou non aedificandi e que estas sejam situadas em região onde o valor da terra seja no mínimo correspondente à média

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da gleba; que os loteadores executem todas as obras necessárias para sanar os problemas dos impactos ambientais, como, por exemplo, lagoas de retardamento das águas nos fundos de vales e de dissipadores das águas pluviais; ainda, que as áreas verdes e públicas sejam proporcionais à densidade de ocupação populacional do bairro e região. Essa foi certamente a primeira grande vitória da população sobre esse grande vazio urbano, desde 1991, quando aconteceu a intervenção de desapropriação errada nessa área.

Como continuidade da ação popular, busca-se fazer com que os empreendedores resolvam às suas custas os impactos de vizinhança estudados no Plano Diretor Popular de Bairro. Mas esse é um assunto mais amplo, que apresentaremos no anexo final desta tese.

Notas:

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