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CAPÍTULO - record.com.br fria.pdf · çados — números romanos — e uma face da lua na frente. Pa- ... A cidade estava diferente depois daquele dia de setembro, depois das explosões,

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CAP ÍTULO 1— Quanto tempo eles levaram para morrer?

O homem a quem se fez a pergunta pareceu não escutar. Olhou pelo retrovisor novamente e se concentrou na direção. Passava da meia-noite e as ruas de Downtown, em Manhattan, estavam geladas. Uma frente fria tinha varrido o céu limpo, transformando a neve que caíra mais cedo em vidro escorregadio sobre o asfalto e o concreto. Os dois homens estavam no chacoa-lhante Band-Aid-Móvel, como Vincent Esperto tinha apelidado o utilitário esportivo marrom. Já tinha alguns anos de uso; os freios precisavam de manutenção e os pneus, ser trocados. Mas levar um veículo roubado para a oficina não era uma boa ideia, ainda mais porque dois de seus passageiros recentes eram agora vítimas de assassinato.

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O motorista — um homem magro lá pelos 50 anos, cabelos negros aparados — fez uma curva cuidadosa para entrar numa rua lateral e continuou a viagem, jamais correndo, traçando o caminho precisamente no centro da faixa. Ele dirigiria da mes-ma maneira se as ruas estivessem escorregadias ou secas, se o veículo tivesse acabado de ser usado num assassinato ou não.

Cuidadoso, meticuloso.Quanto tempo levaram?Vincent Grande — Vincent de dedos longos como salsichas,

sempre úmidos, e um cinto marrom esticado no primeiro furo — tremeu forte. Ele esperava na esquina da rua, depois do seu turno da noite como empregado temporário em processamento de texto. Estava terrivelmente frio, mas Vincent não gostava do hall do seu prédio. A luz era esverdeada e as paredes, cobertas com grandes espelhos nos quais podia ver seu corpo oval de to-dos os ângulos. Então ele saiu para o ar puro e frio de dezembro, caminhou e comeu uma barra de chocolate. OK, duas.

Enquanto Vincent olhava para a lua cheia, um disco incrivel-mente branco visível por um instante no meio do desfiladeiro de edifícios, o Relojoeiro refletiu em voz alta:

— Quanto tempo levou para que eles morressem? Interes-sante.

Vincent conhecia o Relojoeiro — cujo nome verdadeiro era Gerald Duncan — havia pouco tempo, mas já tinha aprendido que era arriscado fazer perguntas ao sujeito. Até mesmo uma simples dúvida podia acabar num monólogo. Nossa, como ele falava. E as respostas eram sempre organizadas, como as de um professor universitário. Vincent sabia que o silêncio dos últimos minutos se devia a Duncan estar preparando a resposta.

Vincent abriu uma lata de Pepsi. Estava com frio, mas preci-sava de algo doce. Bebeu e guardou a lata no bolso. Comeu um pacote de biscoitos amanteigados. Duncan olhou para ter cer-

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teza de que Vincent usava luvas. Eles sempre usavam luvas no Band-Aid-Móvel.

Meticuloso...— Diria que há várias respostas para isso — disse Duncan

com sua voz suave e neutra. — Por exemplo, o primeiro que ma-tei tinha 24 anos, então, pode-se dizer que ele levou 24 anos para morrer.

Como, claro..., pensou Vincent Esperto com o sarcasmo de um adolescente, apesar de ter que admitir que essa resposta ób-via não lhe tinha ocorrido.

— O outro tinha 32 anos, acho.Um carro da polícia vinha do outro lado. O sangue na testa

de Vincent começou a martelar, mas Duncan não reagiu. Os ti-ras não mostraram qualquer interesse no Explorer roubado.

— Outra maneira de responder à pergunta é considerar o tempo decorrido do momento em que comecei até quando o co-ração parou de bater — disse Duncan. — Provavelmente isso é o que você quer saber. Veja, as pessoas querem enquadrar o tempo em referências fáceis de digerir. Isso é válido, desde que sirva para alguma coisa. Saber que as contrações vêm a cada vinte se-gundos é útil. Também saber que um atleta corre 1,6 quilôme-tro em três minutos e 58 segundos, ganhando assim a corrida. Agora, quanto tempo eles levaram para morrer esta noite... Bem, isso não é importante, desde que não tenha sido rápido. — Um olhar a Vincent. — Não estou criticando sua pergunta.

— Não — disse Vincent, sem se importar se ele estava cri-ticando. Vincent Reynolds não tinha muitos amigos e podia aguentar muita coisa de Gerald Duncan. — Só estava curioso.

— Compreendo. Simplesmente não prestei atenção. Mas o próximo vou cronometrar.

— A garota? Amanhã?O coração de Vincent bateu um pouco mais rápido.

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Ele assentiu.— Hoje mais tarde, quer dizer.Era pouco depois da meia-noite. Com Gerald Duncan era

necessário ser preciso, especialmente no que dizia respeito ao tempo.

— Certo.O Vincent Faminto mandou o Vincent Esperto pastar, agora

que pensava em Joanne, a garota que morreria em seguida.Hoje mais tarde...O assassino dirigiu por um caminho complicado de volta ao

seu lar temporário em Chelsea, distrito de Manhattan, ao sul de Midtown, perto do rio. As ruas estavam desertas; a tempe-ratura, bem abaixo de 0o e o vento soprava tranquilo pelas ruas estreitas.

Duncan estacionou no meio-fio, desligou o motor e puxou o freio de mão. Os homens desceram. Caminharam meia quadra enfrentando o vento gelado. Duncan olhava sua sombra na cal-çada, projetada pela lua.

— Pensei em outra resposta. Sobre quanto tempo se leva para morrer.

Vincent tremeu novamente — principalmente, mas não apenas, por conta do frio.

— Quando se olha do ponto de vista deles — disse o assas-sino —, pode-se dizer que dura para sempre.

CAP ÍTULO 2— O que é aquilo?

Na sua cadeira rangedora no escritório aquecido, o homem

grandalhão tomava café e apertava os olhos à luz matinal bri-

lhante, olhando para a ponta mais distante do cais. Era o super-

visor de manutenção de rebocadores do turno da manhã, locali-

zados no rio Hudson, ao norte do Greenwich Village. Havia um

rebocador da Moran, com problemas no motor a diesel, previsto

para atracar em quarenta minutos, mas no momento o cais es-

tava vazio e o supervisor desfrutava do calor do depósito, onde

sentava com os pés na escrivaninha, café quente nas mãos. Lim-

pou a condensação da janela e olhou novamente.

O que é isso?

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Uma pequena caixa preta estava na ponta do cais, do lado que dava para Nova Jersey. Não estava ali quando as instalações fecharam, às 18 horas do dia anterior, e ninguém tinha atraca-do depois disso. Tinha que ter vindo da terra. Havia uma cer-ca de arame para evitar que pedestres e vagabundos entrassem nas instalações, mas, como ele bem sabia — pelas ferramentas e latas de lixo desaparecidas, imagine só —, se alguém quisesse entrar, entrava.

Mas para que deixar alguma coisa?Ficou olhando aquilo por algum tempo, pensando. Lá fora

está frio, ventando, e o café está ótimo. Por fim, decidiu: Diachos, melhor ver o que é. Vestiu a grossa jaqueta cinza, luvas e chapéu e, depois de tomar um último gole de café, saiu para o ar gélido.

O supervisor foi caminhando contra o vento pelo cais, os olhos lacrimejantes focados na caixa preta.

Que diabo era aquilo? A coisa era retangular, menos de 30 centímetros de altura, e a luz baixa do sol refletia direto em algo na parte de cima. Ele apertou os olhos novamente por conta do brilho. As águas quase congeladas do Hudson batiam contra os pilares abaixo.

Parou três metros antes da caixa, compreendendo o que era.Um relógio. Um relógio antigo, com aqueles números engra-

çados — números romanos — e uma face da lua na frente. Pa-recia caro. Olhou para seu relógio e viu que estava funcionando: a hora estava certa. Quem deixaria uma coisa dessas ali? Bom, muito bem, ganhei um presente.

Quando caminhou para pegá-lo, entretanto, escorregou e suas pernas cederam: teve um momento de puro pânico, pen-sando que cairia no rio. Mas apenas caiu em cima de um bloco de gelo que não tinha visto, o que o fez parar.

Gemendo de dor, ofegante, conseguiu se levantar. Olhou para baixo e viu que não era gelo normal. Era marrom-avermelhado.

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— Oh, Cristo — sussurrou quando viu a enorme mancha de sangue, que tinha empoçado perto do relógio e congelado.

Inclinou-se e seu choque aumentou quando compreendeu por que havia sangue ali. Viu o que pareciam marcas sanguino-lentas de pontas de dedos nas tábuas do cais, como se alguém com os dedos ou com os pulsos cortados tivesse se segurado ali para não cair nas águas agitadas do rio.

Ele avançou até a borda e olhou para baixo. Ninguém flutua-va no mar revolto. Não se surpreendeu; se o que imaginou fosse verdade, o sangue congelado dizia que o pobre coitado estivera ali algum tempo antes e, se não tinha sido salvo, seu corpo já estaria agora a meio do caminho da Ilha da Liberdade.

Remexendo o bolso à procura do celular, recuou e tirou a luva com os dentes. Deu uma última olhada no relógio e depois se apressou de volta ao depósito, discando para a polícia com a mão gorda e trêmula.

Antes e Depois.A cidade estava diferente depois daquele dia de setembro,

depois das explosões, das grandes caudas de fumaça, dos edifí-cios que desapareceram.

Não se podia negar isso. Podia-se falar sobre a resiliência, o brio, a atitude nova-iorquina de vamos-voltar-para-o-trabalho, que seria tudo verdade. Mas as pessoas ainda paravam e olha-vam, quando os aviões que faziam a aproximação final para o LaGuardia pareciam voar um pouco mais baixo que o normal. Atravessava-se a rua, bem ao largo, dando a volta diante de uma bolsa de compras abandonada. Ninguém mais se surpreendia ao ver soldados ou policiais com uniformes escuros portando me-tralhadoras negras, estilo militar.

A parada do Dia de Ação de Graças transcorrera sem inci-dentes e agora o Natal já movimentava tudo, multidões por todo

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lado. Mas, flutuando por cima das festividades, como o reflexo na vitrine de uma loja de departamentos, estava a imagem per-sistente das torres que não estavam mais lá, das pessoas que não estavam mais conosco. E, é claro, a grande pergunta: o que vai acontecer depois?

Lincoln Rhyme tinha tido seu próprio “Antes e Depois” e compreendia muito bem o sentimento. Houve época em que ele podia andar e se virar, mas, depois, chegou a época em que não podia mais. Num momento ele estava saudável, investigando uma cena de crime. Um minuto depois, uma viga partira seu pescoço e o deixara tetraplégico a partir da C4, quase completa-mente paralisado dos ombros para baixo.

Antes e Depois...Há momentos que transformam você para sempre.Entretanto, acreditava Lincoln Rhyme, se você faz disso

algo sombrio, os acontecimentos se tornam mais potentes. E os maus ganham.

Agora, cedo em uma fria manhã de terça-feira, esses eram os pensamentos de Rhyme enquanto ouvia a locutora da National Public Radio anunciar, com sua inabalável voz de FM, a notícia de uma parada planejada para dali a dois dias, seguida de algumas cerimônias e do encontro de oficiais do governo, tudo o que logi-camente deveria ter sido planejado para acontecer na capital do país. Mas a atitude “Para a frente, Nova York” tinha prevalecido e espectadores, assim como manifestantes, estariam presentes em grande número, entupindo as ruas, tornando a vida das equipes de segurança da polícia muito mais difícil nas imediações de Wall Street. Na política, assim como no esporte: partidas finais que deveriam acontecer em Nova Jersey agora estavam sendo mar-cadas para o Madison Square Garden — como uma exibição, por algum motivo, de patriotismo. Rhyme pensou cinicamente se a próxima maratona de Boston não aconteceria em Nova York.

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Antes e Depois...Rhyme passara a acreditar que ele mesmo não era muito di-

ferente no “Depois”. Sua condição física, sua silhueta, por assim dizer, tinha mudado. Mas ele era essencialmente a mesma pes-soa do “Antes”: um tira e cientista um tanto impaciente, tem-peramental (certo, às vezes irritante), incansável e intolerante com incompetência e preguiça. Ele não bancava o aleijado, não se queixava, não fazia de sua condição um assunto (mas ai dos proprietários de edifícios que não cumprissem as exigências da Lei dos Americanos com Deficiências Físicas para largura das portas e rampas de acesso quando ele examinava uma cena de crime em seus edifícios).

Agora, quando escutava a notícia, o fato de certas pessoas da cidade estarem cedendo à autocomiseração o irritava.

— Vou escrever uma carta — anunciou a Thom.O magro e jovem ajudante, de calças pretas, camisa bran-

ca e um suéter grosso (a mansão de Rhyme no lado oeste do Central Park sofria com aquecimento ruim e calefação antiga), levantou os olhos da caprichada decoração de Natal que fazia. Rhyme gostava da ironia de ele ter colocado uma miniatura de árvore de Natal numa mesa na qual um presente, ainda que não desembrulhado, já esperava: uma caixa de fraldas de adul-to descartáveis.

— Carta?Ele explicou sua teoria de que era mais patriótico continuar

cuidando normalmente das coisas.— Vou armar um inferno em cima deles. Acho que no Times.— E por que não? — perguntou o ajudante, cuja profissão

era conhecida como “cuidador” (apesar de já ter dito que ser em-pregado de Lincoln Rhyme fazia com que a descrição de seu tra-balho pudesse ser “santo”).

— Vou fazer mesmo — disse Rhyme enfaticamente.

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— Boa sorte... mas tem uma coisa.Rhyme levantou uma sobrancelha. O criminalista podia — e

o fazia — se expressar vivamente com o resto de seu corpo: om-bros, rosto e cabeça.

— A maioria das pessoas que diz que vai escrever cartas não faz isso. As pessoas que escrevem cartas simplesmente vão e es-crevem. Não anunciam que vão escrever. Já notou isso?

— Obrigado pelo seu brilhante insight psicológico, Thom. Você sabe que nada vai me impedir de fazer isso agora.

— Ótimo — repetiu o ajudante.Usando o touchpad controlador, o criminalista dirigiu sua

cadeira de rodas Storm Arrow para perto de um da meia dúzia de monitores gigantes de tela plana que havia na sala.

— Comando — disse ao sistema de reconhecimento de voz, por meio de um microfone preso à cadeira. — Processador de texto.

Obediente, o WordPerfect apareceu na tela.— Comando, digite: “Prezados senhores.” Comando, dois

pontos. Comando, parágrafo. Comando, digite: “Chamou minha atenção...”

A campainha tocou e Thom foi ver quem era.Rhyme fechou os olhos e estava compondo seu discurso

quando uma voz se intrometeu:— Alô, Linc. Feliz Natal.— Hum, o mesmo — resmungou Rhyme para o pançudo e

despenteado Lon Sellitto que entrava pela porta.O detetive grandalhão tinha que manobrar cuidadosamente

na sala, antes um salão pitoresco da era vitoriana, mas agora ato-lada com equipamentos de ciência forense: microscópios ópticos, um microscópio eletrônico, um cromatógrafo a gás, provetas e suportes de laboratório, pipetas, placas de petri, centrífugas, produtos químicos, livros, revistas e computadores — e cabea-mento grosso, que se espalhava por toda parte. (Quando Rhyme

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começou a fazer consultoria forense a partir de sua casa, o equi-pamento consumia tanta energia que frequentemente queimava os disjuntores. A corrente que abastecia o lugar provavelmente equivalia à usada por todos os demais no quarteirão).

— Comando, volume, nível três.A Unidade de Controle Ambiental, a UCA, obedientemente

abaixou o rádio.— Nada de espírito natalino, certo? — perguntou o detetive.Rhyme não respondeu. Olhou de volta para o monitor.— Olá, Jackson.Sellitto abaixou-se e acariciou o cachorrinho de pelos com-

pridos enroscado dentro de uma caixa de provas do DPNY. Esta-va vivendo ali temporariamente; seu dono anterior, uma tia ido-sa de Thom, falecera recentemente em Westport, Connecticut, depois de uma longa doença. Incluído na herança do jovem, es-tava Jackson, um havanês. A raça, aparentada com o bichon fri-sé, surgira em Cuba. Jackson estava morando ali até que Thom encontrasse um bom lar para ele.

— Estamos com um complicado, Linc — disse Sellitto, de pé. Começou a tirar o casaco, mas mudou de ideia. — Puxa, que frio. Será que é um recorde?

— Não sei. Não passo muito tempo vendo o canal do tempo. — Ele estava pensando numa boa abertura para sua carta ao editor.

— Complicado — repetiu Sellitto.Rhyme olhou para Sellitto com a sobrancelha torta.— Dois homicídios, mesmo MO. Mais ou menos.— Há um monte de “complicados” lá fora, Lon. Por que esses

são mais?Como sempre acontecia nos tediosos dias entre casos, Rhy-

me estava de mau humor; entre todos os bandidos que já enfren-tara, o pior era o tédio.

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Mas Sellitto trabalhava havia anos com Rhyme e era imune às atitudes do criminalista.

— Recebi um telefonema da Chefia. Os chefões querem você e Amelia neste caso. Disseram que insistem nisso.

— Ah, insistem?— Prometi que não iria contar a você que eles disseram isso.

Você não gosta que insistam.— Não podemos ir logo para a parte “complicada”, Lon? Ou

será que é pedir demais?— Onde está Amelia?— Westchester, em um caso. Deve voltar logo.O detetive levantou o dedo pedindo um minuto quando o

celular tocou. Manteve uma conversa assentindo e tomando no-tas. Desligou e olhou para Rhyme.

— OK, vamos lá. Em algum momento da noite passada, nosso criminoso... ele agarrou...

— Ele? — perguntou Rhyme na hora.— OK. Não sabemos com certeza qual o gênero.— Sexo.— O quê?— Gênero é um conceito linguístico. Refere-se às palavras que

designam macho e fêmea em algumas línguas. Sexo é um conceito biológico que diferencia os organismos masculinos dos femininos.

— Obrigado pela lição de gramática — resmungou o deteti-ve. — Talvez me ajude se algum dia for para um programa tipo “Quem quer ser um milionário”! De qualquer forma, ele agarrou um idiota e o levou até aquele cais de manutenção de barcos, no Hudson. Não sabemos exatamente como conseguiu, mas forçou o cara, ou a mulher, a se pendurar sobre o rio e cortou seus pul-sos. A vítima segurou algum tempo, pelo visto, o bastante para perder um montão de sangue, e depois se soltou.

— Cadáver?

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— Nada ainda. A Guarda Costeira e Unidade de Buscas de Emergência estão procurando.

— Ouvi um plural antes.— OK; então, poucos minutos depois recebemos outra cha-

mada. Para verificar num beco lá no centro, travessa da rua Ce-dar, perto da Broadway. O criminoso pegou outra vítima. Um po-licial em patrulha descobriu a vítima amarrada com fita adesiva e de costas. O criminoso armou uma barra de ferro de uns 35 quilos em cima do seu pescoço. A vítima tem que manter a barra acima para evitar que seu pescoço seja esmagado.

— Trinta e cinco quilos? OK, dado a força necessária, con-cordo que o sexo do criminoso talvez seja masculino.

Thom traz café e biscoitos para a sala. Sellitto, cujo peso é um problema constante, parte logo para cima de um sonho, hi-bernando sua dieta durante as festas de fim de ano. Comeu a metade e, limpando a boca, continuou:

— Então a vítima consegue manter a barra no alto. Provavel-mente conseguiu durante algum tempo, mas não aguentou.

— Quem é a vítima?— O nome é Theodore Adams. Vivia perto do Battery Park.

Numa ligação para a polícia ontem à noite, uma mulher disse que seu irmão deveria encontrá-la para jantar, mas não apare-ceu. Esse foi o nome que ela deu. O sargento da delegacia vai falar com ela agora de manhã.

Lincoln Rhyme geralmente não achava úteis descrições genéricas. Mas reconheceu que “complicada” definia bem a situação.

Assim como a palavra “intrigante”.— Por que você acha que é o mesmo MO? — perguntou.— O criminoso deixou uma mensagem nos dois lugares. Re-

lógios.— Tipo tique-taque.

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— Sim. O primeiro estava ao lado da poça de sangue no cais. O outro estava perto da cabeça da vítima. Era como se o crimi-noso quisesse que eles vissem. E, acho, ouvissem.

— Descreva-os. Os relógios.— Pareciam antigos. É só isso o que sei.— Não tinham bombas?Nesses dias — na época do “Depois” —, qualquer item de

prova que fizesse tique-taque era rotineiramente verificado em busca de explosivos.

— Nada. Não vai fazer “bum”. Mas a equipe mandou tudo para o esquadrão antibombas em Rodman’s Neck para checar agentes biológicos ou químicos. Mesma marca de relógios, pare-ce. Mal-assombrado, comentou um dos tiras que foram ao local. Tem uma lua gravada neles. Oh, e se por acaso fôssemos lentos, ele deixou um bilhete embaixo dos relógios. Impressão de com-putador. Nada escrito à mão.

— E os bilhetes diziam...?Sellitto olhou sua caderneta, não confiando na memória.

Rhyme gostava dessa característica do detetive: não era brilhan-te, mas era um buldogue e fazia tudo devagar e com perfeição. Ele leu:

— “A cheia Lua Fria está nos céus, brilhando sobre o cadáver da Terra, indicando a hora de morrer e o fim da jornada iniciada no nascimento.” — Ele olhou para Rhyme. — Estava assinada “O Relojoeiro”.

— Temos duas vítimas e um motivo lunar. Muitas vezes uma referência astronômica significa que o assassino estava pla-nejando atacar várias vezes. Ele tem mais na sua agenda.

— Ei, por que você acha que estou aqui, Linc?Rhyme olhou o começo de sua carta para o Times. Fechou o

processador de textos. O ensaio sobre “Antes” e “Depois” teria de esperar.