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Capítulo I Noções gerais 1. O TRABALHO HUMANO “O homem nasce para trabalhar como a ave para voar” (Job 5,7). O trabalho é algo natural ao homem: não consiste num castigo decorrente de uma queda original, mas constitui uma participação do homem na obra criadora, desenvolvendo todas as potencialidades que o mundo traz emsi (“Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para que o cultivasse e guardasse” – Gên. 2,15). Apenas o esforço que o trabalho trazconsigo – o suor do rosto – poderia ser atribuído a essa queda original (cf. Gên. 3,19). Daí que o trabalho tenha sempre ocupado o lugar central em volta do qual as pessoas organizam suas vidas. O trabalho pode ser definido como toda ação humana, realizada comdispêndio de energia física ou mental, acompanhada ou não de auxílio instrumental, dirigida a um fim determinado, que produz efeitos no próprio agente que a realiza, a par de contribuir para transformar o mundo emque se vive. Nos primórdios da humanidade, a atividade humana dirigiu-se ao extrativismo vegetal (coleta dos frutos que a terra dava espontaneamente), seguido da caça e da pesca, com o auxílio de instrumentos que eram fabricados especialmente para esse fim. A revolução neolítica supôs o assentamento das populações nômades, mediante o desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais (pecuária). Desde esses primeiros tempos, o trabalho foi elemento de cooperação entre os homens, para a consecução dos objetivos comuns. Com o aumento da complexidade das tarefas a serem desenvolvidas, dá-se início à divisão social do trabalho, em que cada grupo passa a se ocupar de um determinado conjunto de tarefas (mediante especialização), conduzindo à crescente interdependência dos homens. Mas a par da cooperação, surge tambéma disputa ea subordinação espontânea ou forçada de uns em relação aos outros. A escravidão constituiu, na Antiguidade, a condição considerada natural daqueles que deveriam se dedicar aos trabalhos físicos, na produção de alimentos e bens de que a sociedade necessitava. Os prisioneiros de guerra adquiriam essa condição, sendo considerados coisas e não sujeitos de direito. Na Grécia antiga, cabia aos escravos o trabalho servil, ficando o cidadão liberado do esforço físico para se dedicar ao pensamento (filosofia) e governo da polis (política). O advento do cristianismo vema recordar a dignidade original do homem, como pessoa, que não se compatibiliza como regime da escravidão. Assim, a Idade Média será marcada por nova relação entre o trabalhador e o senhor ao qual se subordina, que será o regime da servidão: trabalho livre do servo da gleba, que fica ligado à terra e fornece parte da sua produção ao senhor feudal , em troca de proteção. Desenvolve-se também, nesse período, o trabalho artesanal nas cidades, organizado em torno das

Capítulo I · é pela reflexão sobre a injustiça que se chega ao que é o justo: somente quando somos despojados de nossos direitos é que percebemos como se sentem aqueles que

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CapítuloI

Noçõesgerais

1.OTRABALHOHUMANO

“Ohomemnascepara trabalhar comoaavepara voar” (Job 5,7).O trabalho é algonatural aohomem:nãoconsistenumcastigodecorrentedeumaquedaoriginal,masconstituiumaparticipaçãodohomemnaobracriadora,desenvolvendotodasaspotencialidadesqueomundotrazemsi(“DeustomouohomemeocolocounojardimdoÉdenparaqueocultivasseeguardasse”–Gên.2,15).Apenasoesforçoqueotrabalhotrazconsigo–osuordorosto–poderiaseratribuídoaessaquedaoriginal(cf.Gên. 3,19). Daí que o trabalho tenha sempre ocupado o lugar central em volta do qual as pessoasorganizamsuasvidas.

Otrabalhopodeserdefinidocomotodaaçãohumana,realizadacomdispêndiodeenergiafísicaoumental,acompanhadaounãodeauxílioinstrumental,dirigidaaumfimdeterminado,queproduzefeitosnopróprioagentequearealiza,apardecontribuirparatransformaromundoemquesevive.

Nos primórdios da humanidade, a atividade humana dirigiu-se ao extrativismo vegetal (coleta dosfrutosqueaterradavaespontaneamente),seguidodacaçaedapesca,comoauxíliodeinstrumentosqueeram fabricados especialmente para esse fim. A revolução neolítica supôs o assentamento daspopulações nômades, mediante o desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais(pecuária).

Desde esses primeiros tempos, o trabalho foi elemento de cooperação entre os homens, para aconsecuçãodosobjetivoscomuns.Comoaumentodacomplexidadedastarefasaseremdesenvolvidas,dá-se início àdivisão social do trabalho, em que cada grupo passa a se ocupar de um determinadoconjuntodetarefas(medianteespecialização),conduzindoàcrescenteinterdependênciadoshomens.

Masapardacooperação,surgetambémadisputaeasubordinaçãoespontâneaouforçadadeunsemrelaçãoaosoutros.Aescravidãoconstituiu,naAntiguidade,acondiçãoconsideradanaturaldaquelesquedeveriam se dedicar aos trabalhos físicos, na produção de alimentos e bens de que a sociedadenecessitava. Os prisioneiros de guerra adquiriam essa condição, sendo considerados coisas e nãosujeitosdedireito.NaGréciaantiga,cabiaaosescravosotrabalhoservil,ficandoocidadãoliberadodoesforçofísicoparasededicaraopensamento(filosofia)egovernodapolis(política).

Oadventodocristianismovemarecordaradignidadeoriginaldohomem,comopessoa,quenãosecompatibilizacomoregimedaescravidão.Assim,aIdadeMédiaserámarcadapornovarelaçãoentreotrabalhadoreosenhoraoqualsesubordina,queseráoregimedaservidão:trabalholivredoservodagleba,queficaligadoàterraefornecepartedasuaproduçãoaosenhorfeudal,emtrocadeproteção.

Desenvolve-se também, nesse período, o trabalho artesanal nas cidades, organizado em torno das

corporaçõesdeofício,noqualosmestresensinameassalariamosaprendizes,numatradiçãofamiliarquepassadepaiparafilho.

Osistemadeproduçãomanufatureirafoiprofundamentemodifi cadopelaRevoluçãoIndustrial,que,comasmáquinasavapor,potenciouoesforçohumano,introduzindoalinhademontagemeaproduçãoem larga escala. Os frutos da produção passam a ser divididos entre o empresário, proprietário dasmáquinas,eooperário,queasoperacomoseuesforçopessoal:éadivisãoentreocapitaleotrabalho.CaberáaoDireitoestabeleceroque,porjustiça,correspondeacadaum,sabendo-seque,pordecorrerdiretamentedoesforçohumano,aotrabalhocorrespondeaprimaziaentreosfatoresdaprodução.

2.DIREITOEJUSTIÇA

Mas,afinaldecontas,oqueéoDireito?OqueéaLei?OqueéaJustiça?Porquedevoobedeceràlei?Deondeprovémaforçavinculantedanormajurídica?AbalançadaJustiçadependedaespa daparase fazer valer? Qual o papel do juiz na administração da Justiça? É ele mero aplicador das leisexistentes?Háalgumcritérioparaestabelecercomjustiçaodireitodecadaum?

OjurisconsultoUlpiano(170-228)diziaqueoDireitoeraaciênciadojustoedoinjusto.Comefeito,épelareflexãosobreainjustiçaquesechegaaoqueéo justo:somentequandosomosdespojadosdenossosdireitoséquepercebemoscomosesentemaquelesquetêmseusdireitosviolados.

DiziaAristóteles (384-322 a.C.) que, para conhecermos qual-quer coisa, deveríamos perguntar-nosporsuascausas.Tantoquedefiniaciênciacomooconhecimentocertopelascausas.Conhecerascausasdeumacoisaéconheceracoisaemsuaessência.Paraofilósofogrego, todasascausaspoderiamserreduzidasaquatro:

CAUSA PERGUNTA SIGNIFICADO

Material Doquê? Qualamatériacomaqualacoisafoifeita

Formal Oquê? Qualaconcepçãoqueseteveaofazeracoisa

Eficiente Quem?Deonde? Quemfezacoisa

Final Paraquê?Paraonde? Qualafinalidadedacoisa

EmrelaçãoàJustiça,poderíamosperguntar-nos:qualasua finalidade?Encontramosa respostaemIsaías32,17:“Opusiustitiaepax”(“Aobradajustiçaéapaz”–dísticocolocadonabandeiradoTST).OobjetivoprimordialdaJustiçaépacificarasociedade:solverosconflitossociais.

Mascomoseconsegue resolverosconflitos sociais?Emqueconsiste apacificaçãoda sociedade?EncontramosarespostaemUlpiano (Digesto,I,1,10):ajustiçaédaracadaumoqueéseu (“suumcuiquetribuere”).Essaésuacausaformal.Sóseconseguepacificarasociedadequandosedáacadaumoqueéseu,ouseja,oseudireito,fazendocomquetodosestejamcomsuasnecessidadessatisfeitas,conscientes da distribuição justa que há dos bens da terra. Na seara trabalhista, trata-se da justadistribuiçãodosfrutosdaproduçãoentreotrabalhoeocapital.

EacausamaterialdaJustiça?QualoobjetodaJustiça?SeacausaformaldaJustiçaédaracadaumoqueéseu,então,oobjetodaJustiça,suacausamaterial,éprecisamenteodireitodecadaum:aquiloquedeveserdadoacadaumparaqueestejasatisfeitoenãorompaapazparaconsegui-lo.

Finalmente,quempromoveaJustiça?QualacausaeficientedaJustiça?OjusfilósofofrancêsMichel

Villey(1914-1988)dizqueestaéaatividadeporexcelênciadojuiz:pacificarasociedade,resolvendoos conflitos que nela surgem,mediante a deliberação de a quem corresponde o direito em cada casoconcreto.

TambémolegisladorpoderiaserconsideradocomocausaeficientedaJustiça,poiscriaanormadeconduta, estabelecendo em tese os direitos e obrigações de cada um;mas é o juiz que, efetivamente,distribuiajustiça,determinandoemcadacasoconcretoaquempertenceobemdavidaemdisputa.Daíqueàatividadejudicantesedenomineprestaçãojurisdicional:“jurisdição”vemdolatim jurisdicere,quesignificadizerodireito.

Comisso,podemosestabeleceroseguintequadrográfico:

CausasdaJust iça

Material ODireito(suumjus)

Formal Daracadaumoqueéseu(tribuere)

Eficiente OJuiz(iudex)

Final APazSocial(pax)

AcausamaterialdaJustiçaéoDireito:aJustiçaestáemsedaracadaumoseudireito(suumjus).ODireitopodeserdefinidocomoalegítimarelaçãodepertinênciaentreumbemeumapessoa.Daí

dizerqueapessoatem“direito”aesteouàquelebem.Ora,comosaberqualodireitodecadaum?Qualocritérioparadizerqueestebempertenceaesta

pessoaenãoaoutra?EstamosdiantedaquestãomaisfundamentaldoDireito,queéadofundamentodaordemjurídica.

Aordem jurídica é o conjunto das normas que regem a vida social em determinada comunidadepoliticamenteorganizada,pautandoasrelaçõesentreaspessoaspelobinômio“direito-dever”,noqualacadadireitodeumapartecorrespondeodeverdaoutraevice-versa.

Quantoaoembasamentodoordenamentojurídico,jáosgregosreconheciamapenasdoisfundamentosparasedizerqueumbempertenceadeterminadapessoaequeháaobrigaçãoderespeitá-loporpartedasdemaispessoas:

a)anatureza(physis)–éosubstratoprimordialparaaatribuiçãodebensaqualquerpessoa,dizendorespeitoaosimplesfatodepossuiranaturezahumana,daqualderivaanoçãodepessoa(fundamentaosdireitosmaisbásicosdoserhumano,quesãoosdireitosàvida,àliberdadeeàigualdade,jáquesemavidanãohábaseparaatribuiçãodequaisqueroutrosbensàpessoa);

b)asconvenções(nomos)oucontratosocial–substratodosbensatribuídosàspessoasmedianteoacordodevontades,quevinculaaocumprimentodapalavradada(englobaaimensamaioriadosdireitosque são usufruídos pelas pessoas), como no caso do trabalho humano, que gera o direito àcontraprestaçãoremuneratória,conformeoacordadoentreaspartes.

3.DIREITONATURALEDIREITOPOSITIVO

a)DireitoNaturalOprimeirofundamentodaordemjurídicaéoDireitoNatural.Direitoquedecorredanaturezadas

coisas.Englobaosdireitoshumanosfundamentais,ouseja,aquelesquesãocondiçãodeexistênciadapessoahumana.SegundoS.TomásdeAquino,sãoelespassíveisdecaptaçãoexperimentalepaulatina,aolongodahistória,oqueexplicaaevoluçãonoseureconhecimento,consubstanciandooschamadosdireitosde1ª,2ªe3ªgerações:

Geração PapeldoEstado DireitosFundamentais Ênfase

Primeira abstençãodoEstadoerespeito vida,liberdade,propriedade Liberdade

Segunda prestaçãopositivadoEstado igualdade,saúde,educação,trabalho Igualdade

Terceira promoçãodascondiçõesmínimas paz,segurança,meioambiente Fraternidade

Ao longo da História foram se desenvolvendo diferentes concepções de Direito Natural, composturasdiametralmenteopostas algumasdelasquantoao fundamentodaordem jurídica e aoque sejanaturezahumana(haveriadificuldade,paramuitos,emdefiniroseuconteúdo):

ESCOLASDEDIREITONATURAL

CORRENTES FILÓSOFOS CONCEPÇÕES

SofistaNaturalista

Hípias (450-400a.C.)

Ant ifonte(445-395a.C.)

Trasímaco(440-395a.C.)

Cálicles(445-395a.C.)

Onaturalseriaaprevalênciadosmaisfortessobreosmaisfracos.O“deverser”seconfundiriacomo“ser”instintivo.Aleiseriaaimposiçãodointeressedosfracossobreosfortes,indocontraadesigualdadenaturalentreoshomens.

Teológica

Sócrates(469-399a.C.)

Platão (427-347a.C.)

S.Agost inho(354-430)

FranciscoSuarez(1548-1617)

A lei natural seria aVontade de Deus: “Quem obedece às leis, obedece a Deus”. Virtude comoperfeiçãopessoalenãocomohabilidaderetórica.Justiçacomoordenaçãodasociedadesegundoa razãodivina (modelo idealaser imitado). Lei humana adequada à lei divina (MandamentoscomoAliançadeDeuscomoHomem:Deus“manda”eohomem“legisla”).

Experimental

Aristóteles(384-322a.C.)

S.Tomás deAquino(1221-1274)

JohannesMessner(1891-1984)

Michel Villey(1914-1988)

Javier

Aleinaturalconstituio“deverser”dohomemquedecorredanaturezahumana(anaturezaestáordenada finalisticamente, servindo como “norma”): núcleo básico dos direitos humanosfundamentais,captadoexperimentalmentepelarazão(pelaobservaçãodosfinsexistenciaisdoserhumano) e paulatinamente positivado (por meio do debate dialético sobre suas concretizações),coincidindocomodecálogo revelado;Justiçacomoumavirtude (hábitodedaracadaumoquelhecorresponde).

Hervada(1934)

Estoica

Zenão deCít io (333-262a.C.)

Cícero (106-43a.C.)

Sêneca (5a.C.-65d.C.)

Epicteto (55-138)

MarcoAurélio (121-180)

Existe uma comunidade universal dos seres racionais, todos iguais, submetidos à mesma leinatural (nãoexistediferençaentregregoebárbaro, livreeescravo;daí nãose justificarquea leipositivafaçadistinçãoentreoshomens).

Clássica

T. deCampanela(1568-1639)

HugoGrócio(1583-1645)

SamuelPufendorf(1632-1694)

John Locke(1632-1704)

Christ ianTomasius(1665-1728)

Montesquieu(1689-1755)

Toda lei posit iva deriva da lei natural: haveria uma regra de conduta natural e perfeita paracadasituaçãohumana.Oscontratosseriamfeitospelaretarazão,quededuziriadosprincípiosdoDireito Natural a conduta correta para cada caso concreto. Representa a laicização do DireitoNatural(fundamentonanaturezahumana,mascomarazãosendooinstrumentocognitivo).

ConceitualistaGeorgPuchta(1797-1846)

“GenealogiadosConceitos”:dedução,apartirdosprincípiosgeraisdeDireitoNatural,de todasasregrasdeconduta,mediantealógicaformal.

Idealista

S. ThomasMore (1478-1535)

RudolfStammler(1856-1938)

GustavRadbruch(1878-1949)

Giorgio DelVecchio(1878-1970)

John Finnis(1940)

ODireitoNaturalseriao“sentidodojusto”:umidealdeJust içanuncaconcretizadoefetivamente(oconteúdo doDireitoNatural não seria passível de fixação concreta, evoluindo progressivamente).DireitoNaturaldeconteúdovariável.

Intuicionista

Osprincípiosbásicosdaordemjurídicaseriamprincípios-evidentes(“self-evident”),apreendidos

intelectualmentepormeiodaintuiçãodojusto.

ODireitoNatural,correspondendoàleidanatureza(masnaturezahumanaracional),possuialgumascaracterísticasqueoconformam:

•Limitação –nãoabrange todaaordem jurídica,masalbergaapenasonúcleomais reduzidodos

direitoshumanosfundamentaiseosprincípiosjurídicosmaisgerais;

•Decorrênciadanaturezahumana–fundamentaçãonomododeseredesecomportardohomem;

•Captaçãoexperimental–fixaçãodosdireitoshumanosfundamentaispormeiodaobservaçãodo

comportamentohumano;

•Universalidade – existência de padrões objetivos que transcendem o tempo e o espaço no que

concerneaomododeagirpropriamentehumano.Em relação aos direitos humanos fundamentais, não é o Estado que os outorga, mas apenas os

reconhece como ínsitos à pessoa humana.Assim, relativamente a esses direitos, não há que falar emnaturezaconstitutiva do direito emdecorrência de sua inclusãonaConstituição de umpaís,mas emnaturezadeclaratóriadosatosqueoselencam,reconhecendoalgoquepreexisteaoEstado.Assim,elestêmsidoobjetodedeclarações,como:

•Declaração de Independência Americana (1776), na qual se diz que “os homens são criados

iguaisesãodotadosporseuCriadordedireitosinalienáveis,entreosquaisseencontramavida,a

liberdadeeabuscadafelicidade”;

•DeclaraçãodosDireitosdoHomemedoCidadão(1793),formuladanaRevoluçãoFrancesa;

•DeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos(1948),formuladapelaONU.NaDeclaraçãodaOITsobreosPrincípioseDireitosFundamentaisnoTrabalho(1998)sechegou

a um denominador comum mínimo em relação ao qual não se podem garantir condições dignas detrabalho (princípios admitidos por todos os países que sãomembros daOrganização Internacional doTrabalho,aindaquenãoratifiquemnenhumadesuasconvenções):

•eliminaçãodetodasasformasdetrabalhoforçadoouobrigatório(trabalhoescravo);

•aboliçãoefetivadotrabalhoinfantil;

•eliminaçãodadiscriminaçãoemmatériadeempregoeocupação;

• liberdade de associação e liberdade sindical, com o reconhecimento efetivo do direito à

negociaçãocoletiva.b)DireitoPositivoAsegundafontededireitossãooscontratos.Aqui,otermo“contrato”éusadonoseusentidomais

amplo:oacordodevontadesquegeraobrigações.OfundamentomaiselementardetodasasobrigaçõesestáestampadonumdosprincípiosmaisantigoseuniversaisdoDireito:pactasuntservanda(ospactosdevem ser cumpridos). Para Kelsen (1881-1973), essa seria a norma hipotética fundamental,extrajurídica,defundamentaçãodetodooordenamentojurídico(estruturadoemformadepirâmide,com

aConstituiçãonoápice,deladecorrendoasleis,osdecretos,asportariasedemaisnormasjurídicas).Ao Direito concretizado em leis promulgadas pelo Parlamento ou outro órgão legiferante se

convencionouchamardeDireitoPositivo.Oparadigmadopositivismo jurídico foiHansKelsencomasua“TeoriaPuradoDireito”,naqual

pretendeudaraoDireito(comoComteàFilosofia)amesmacertezadasCiênciasExatas,depurando-odequalquerconteúdoético,filosóficooupolítico:oDireitoPuro.

A evolução do positivismo, desde os seus mais remotos precursores até as correntes quedesembocaramnaesferadoDireito,segueoquadrográficoaseguir:

POSIT IVISMO

CORRENTES FILÓSOFOS CONCEPÇÕES

Voluntarista

Duns Scoto(1266-1308)

G. deOckham(1280-1349)

Aleiseriaumadecisãovoluntáriaearbit ráriadeDeus(leidivina)oudoimperador(leihumana), não havendo de se falar numa natureza humana comum aos homens (nomi-nalismo),jáquesótêmexistênciaosindivíduosconcretos.

IdealistaImmanuelKant (1724-1804)

Avessa à metafísica (que confunde com uma explicação teológica do direito) e aoempirismo (que rejeita, por considerar inviável extrair dos costumes locais uma regrauniversal),buscanodevermoral(sollen)ofundamentododireito(imperativocategórico):a condição de possibilidade da moral seria a liberdade, e paramaximizá-la é quesurgem as regras jurídicas (paradoxalmente restringindo-a). O que importa não são asregras concretas (matéria), mas o fundamento de seu cumprimento (forma), que é apromessafeitaentreaspartes(direitoprivado)que,publicizada(direitopúblico),passaaserobrigatóriapara todos, independentementedeseuconteúdo (obediência cegaànorma).

Posit ivismoAugusteComte (1798-1857)

Superar as explicações teológicas ou metafísicas para os fenômenos, substituindo-aspelasexplicaçõesposit ivas,fundadasnaexperimentação.

Imperat ivismo

John Aust in(1790-1859)

GeorgJellinek(1851-1911)

Odireitoseriaumatodemandamentodolegislador,combinadocomaameaçadeumasanção(acoercibilidadeseriaofundamentodeobrigatoriedadedodireitoealei,umatode vontade do governante: não se obedeceria às leis, mas à pessoa do legislador,havendomudançadeordenamentojurídicocomamudançadosoberano).

FormalismoNormat ivista

Max Weber(1864-1920)

Asleissãodecisõeshumanas, frutodeumarelaçãodedominação,quepodeser:a)t radicional (soberano); b) carismát ica (líder); ou c) legal-racional (parlamentotambém dominado por lideranças).Direito =Poder (Estado com omonopólio do usolegí timo da força). As decisões judiciais são conclusões de silogismos perfeitos(dadaacompletudedoordenamentojurídico),emquealeiéapremissamaioreocasoconcreto é a premissamenor (previsibilidade e segurança jurídica que haveria até nosistemadacommonlaw,emqueadeduçãológicaseriasubstituídapelaanalogiacomosprecedentessemelhantes).Neutralidadeaxiológica(direitoracionalformal).

Neoposit ivismoLógicoLudwigWit tgenstein(1889-1951)

Daràfilosofiaorigormatemát ico,reduzindotodaafilosofiaàlógicaformal,pelaestru-turaçãodalinguagem.

Posit ivismoJurídico

Hans Kelsen(1881-1973)

H. L. A. Hart(1907-1994)

NorbertoBobbio (1909-2004)

Dar ao Direito a certeza das Ciências Exatas, purificando-o de elementosmetajurídicos (excluir dodireitoanoçãodo justoequalquer conteúdoético).Estruturartodaaordemjurídicanumapirâmide,comaConstituiçãonoápice,escalonandoasleis,decretoseportarias,dotopoàbase(a“commonlaw”seriaumsistemacasuísticoe,porisso, ilógico) através de regras de reconhecimento da validade das normas,segundo procedimentos e autoridades competentes para a criação do direito. Asegurançajurídicaadviriadacertezadaregraválida(ea insegurançaestaria ligadaàpretensãodesediscutirajustiçadanorma).Diferençaentre“explicar”aordemjurídica(oqueéalei,odireito,ajustiça)e“compreender”amesma(quaisasintençõesevaloresdolegisladorejuiz):aCiênciadoDireitosóseinteressapelaprimeira.

DecisionismoCarl Schmit t(1888-1985)

O fundamento da ordem jurídica é apenas a decisão do legislador (poderdiscricionário); oEstado, sendo totalitário, temanormacomoexpressãoda vontadedoLíder;numEstadodemocrático,anormaéavontadedopartidodominante,quevêosquedelenãofazempartecomoinimigos(enquantoametafísicadivideomundoemverdadeiroefalso;aética,entrebonsemaus;aestética,entrebelosefeios;apolí ticaodivideentreamigoseinimigos).

Neoposit ivismoJurídico

RonaldDworkin(1931-2013)

Odireitoéum fato interpretat ivo.O legisladorcria livrementeodireito (conveniênciapolí tica).O juiz aplica a lei, devendo interpretá-la em consonância com opassado (odireitoseriacomoum“romance”feitoamuitasmãos,comcadacapí tulosendoescritoporumautordiferente,devendoguardarcoerênciacomoenredojádesenvolvidoatéentão).Trata-sedoprincípiodaintegridade:aindaquenãosendoasmaisjustas,asdecisõesjá tomadas devem ser mantidas e reproduzidas, para dar segurança ao sistema(postuladodacoerência).

Neoconst itucionalismoRobert Alexy(1945)

ConstataçãodochoquedeprincípiosedireitosfundamentaisnaConstituição,comanecessidadedeponderação, porpartedoJudiciário, sobrequaisosqueprevalecemem cada situação e momento, através dos princípios da razoabilidade eproporcionalidade, paraafastar,hic et nunc, a aplicação de umprincípio em favor deoutrodemaiorimportânciaparaocasoconcreto,levando-seemcontaaadequaçãoentremeios e fins. O principal princípio a ser ponderado é o da dignidade da pessoahumana.

Ora, no afã de totalpurificaçãodoDireito, até confundi-lo com aLei, fazendo das duas palavrassinônimos,oPositivismoJurídico seesqueceudoconteúdode justiça queanormadevealbergar.Oshorrores dos campos de concentração nazistas, revelados ao final da 2ªGuerraMundial, mostraramonde se pode chegar fundamentando a ordem jurídica apenasnavontadedamaioria e na lei positiva,marcandooocaso,naEuropa,dessaEscoladePensamentoJurídico:noJulgamentodeNuremberg,oslíderesnazistasescudaram-senocumprimentodaleialemã,votadaporumParlamentolegalmenteeleito,esópuderamsercondenadoscombasenoreconhecimentodeumDireitoSuprapositivo,calcadonaLeiNatural, segundo o qual constituiriam crimes contra a humanidade aqueles praticados pelo regimenazista,medianteaguerradeconquista,aesterilizaçãoemmassaeaeliminaçãodosjudeus.

c)ContratualismoParaocontratualismopuro,todoopoderemanadopovo(Montesquieu–1689-1755),ealeiéfruto

doconsensosocial,para metrizadopelavontadedamaioria(Rousseau–1712-1778).Apremissapuramente teórica da qual partemos juscontra tualistas é a da existência deumestado

pré-socialdahumanidade(o“estadodenatureza”),superadopelocontratosocial firmado tacitamentepeloshomens,dandoorigemaoEstadocomoentecorporifi cadordasociedadepoliticamenteorganizada.

Desde as mais remotas às mais modernas teorias contratualistas, podemos elencá-las no seguinte

quadrográfico:

CONTRATUALISMO

CORRENTES FILÓSOFOS CONCEPÇÕES

SofistaConvenciona-lista

Protágoras(481-411a.C.)

Crít ias(440-390a.C.)

Jâmblico(250-330)

Sendo o homem amedida de todas as coisas, nega-se qualquer fundamento natural oudivinoà legislação,queéfrutodavontadepolít icadosmembrosdasociedade,partindo-se da igualdade entre todos os homens (democracia). Os deuses seriam apenas figurasimaginadasparafazeroshomenscumpriremasleis.

EpicuristaEpicuro(341-270a.C.)

Oúnicofimvisadopelanaturezaéoprazer.Ajustiçaconsisteemrealizarascondiçõesparaaobtençãodoprazer.Eacondiçãoessencialseriaasegurança(ga-

rantia contra a violência e o perigo). Assim, o direito seria umaconvençãout ilitária com oobjetivodenãoseprejudicarmutuamente,causandoousofrendodor(jáqueoobjetivodavidaéoprazer).

EpicuristaThomasHobbes(1588-1679)

OhomemseriamaupornaturezaeaconstituiçãodoEstadosedariacomoformadeevitaralutadetodoscont ratodos.Cadaumabririamãodepartedesualiberdade,emfavordasegurançageral.Visãodeumestadopré-social,superadopeloacordolegitimadordasleis.Apartir daí o governante eleito ou aceito poderia dirigir a sociedade com mão de ferro(absolut ismo),gerandoomonstrodoEstado-Leviatã.

IluministaJ. J.Rousseau(1712-1778)

Ohomemseriabompornaturezaeéasociedadequecorrompeohomem.Parapotenciarsuasat ividades, o homem firmouocont ratosocial, passando a viver em sociedade, quelheditaasleis.

TópicaeDialét ica

TheodorViehweg(1907-1988)

ChaïmPerelman(1912-1984)

H. G.Gadamer(1900-2002)

Retornoàtópica,dialét icaeretóricaaristotélicas,comoformasalternativasemaisflexíveisde solução das questões jurídicas, em face da insuficiência do método lógico formalpropugnadocomooúnicoválidopelojuspositivismo.Os tópicos(oulugarescomuns,aceitossocialmente)seriamprincípiosgeraisoumáximasqueserviriamdeorientaçãoparasoluçãodoscasosdifíceis(hardcases),nãoprevistosemlei.Adialét ica,comoartedaargumentação,consideraosváriosargumentosemrelaçãoadeterminadaquestão.

Neocontratualismo

JurgenHabermas(1929)

John Rawls(1921-2002)

NiklasLuhman(1927-1998)

Averdadeseria frutododiálogo intersubjetivoedoconsensodamaioria,estabelecendoasleis(éticadadiscussão).Amaiorianãoerraria(condiçõesideaisdediálogo).AJustiçaseriaaimparcialidade nas decisões, através do 1º consenso quanto às regras do processolegislativoedepoiso2ºconsensosobreasprópriasleis.Asolenidadedoprocedimentodetomada de decisões legitimaria as decisões contrárias à parte vencida (just içameramenteprocessual).

Numa visão moderna, o antigo “contrato social” é substituído pelo “princípio democrático” da

prevalência da vontade da maioria no que concerne ao estabelecimento das normas jurídicas quenortearãooconvíviosocial.

Ora,ocontratualismoconstituifundamentoinsuficienteparaembasartodooordenamentojurídico,namedidaemquenemtodasasregrasdeconvívioemsociedadesãofrutodoconsensosocialoudecorremdavontadepopular.Amaiorpartedelas,efetivamente,porseramparadanoacordodevontades (diretoou mediante a democracia representativa), mas desse consenso não participam os direitos humanosfundamentais,pordecorreremdapróprianaturezahumanaedadignidadedapessoahumana.

d)HistoricismoSociológicoParaalgunsjusfilósofos,aleideveapenasretratararealidadesocial, semqualquer juízodevalor

quantoà suaconveniênciaounão.O“dever ser” correspondeao“ser”da sociedadeemcada lugar eépoca. Adota uma tônica eminentemente relativista. Trata-se de corrente iniciada com a denominada“JurisprudênciaSociológica”,conformeretratadanoquadroabaixo:

HISTORICISMOSOCIOLÓGICO

CORRENTES FILÓSOFOS CONCEPÇÕES

IdealistaG. W. F.Hegel (1770-1831)

Peladialética,supera-seaoposiçãoentresujeitoeobjeto,sintetizando-osnodireito,queéaobjet ivaçãodaliberdadedosujeito.Odireitoseriaaliberdadeenquantoideia,quesevaidesenvolvendo historicamente (cada grau de desenvolvimento da liberdade terá o seudireito).

HistoricistaVon Savigny(1799-1861)

Primadodocostumedecadasociedadeemcadaépocacomofontedodireito.

MaterialismoHistórico

Karl Marx(1818-1883)

EugènePasukanis(1891-1936)

AndreiVychinsky

(1883-1954)

Odireito constitui apenas umasuperest rutura dependente da infraestrutura econômica equesemanifestacomoinst rumentodedominaçãodeumaclassesobreoutra(ditaduradaburguesia ou do proletariado). Pela teoria da mais valia e pelo reconhecimento dapropriedade privada, o trabalhador é espoliado dos frutos de seu trabalho. Numa futurasociedadecomunistasemclasses,haveriaaextinçãodapropriedadeprivada,dodireitoedoEstado.

DireitoLivre

FrançoisGény (1861-1938)

H.Kantorowicz(1877-1940)

Rejeitando omonopólio positivista da lei como fonte do direito, sustenta opluralismo dasfontesdodireito (lei, costumes, jurisprudência, doutrina, etc.).Contraomodelo silogísticoda interpretação do direito, sustenta a livre pesquisa cientí fica e a livre interpretação danorma,deformaasupriraslacunasesolverasambiguidadeseantinomiasdalei(papeldojuiz comocriadordodireito).

Sociológica

R. vonIhering(1818-1892)

EugenEhrlich(1862-1922)

RoscoePound (1870-1964)

A mudança social como elemento de transformação do direito (jurisprudênciasociológica).Éo“DireitoVivo”quebrotaespontaneamentedasociedade(“lawinaction”emvez da “law in books”) e deve ser aplicado pelos tribunais. A jurisprudência dosinteresses visa detectar quais os interesses em conflito na sociedade e avaliar comocompô-los na solução judicial dos conflitos (juiz como adjunto do legislador). Pretendesubstituiralógicaformal(“reason”)pelaexperiênciahistóricaesocial(“experience”).Odireitoseria tanto um meio de cont role social quanto o resultado de um processo social depositivação das normas que nascem nas organizações sociais. Não existiriam direitos

Leon Duguit(1859-1928)

Philipp Heck(1858-1943)

subjetivos, mas apenas o direito objet ivo, com função social (obrigações fundadas noprincípiodasolidariedade).

Realista

AxelHägerst röm(1868-1939)

KarlLlewellyn(1893-1962)

Felix Cohen(1907-1953)

J. ChipmanGray (1839-1915)

O direito diz respeito exclusivamente às vantagens que cada indivíduo tira das normasjurídicasesematerializa,maisdoquenasleis(abstratas),nasdecisões judiciais (queasconcretizam),quesãoescolhasarbit ráriasdosjuízes,nasquaisasregraseosconceitosjurídicos (pelo seu grau de indeterminação) não passariam de modelos (patterns) paraorientar as sentenças. As noções de justiça, direitos subjetivos, obrigações ouresponsabilidade seriamdesprovidasde sentido (metafísicas).Nasdecisões judiciais, seriadifícil distinguir a ratio decidendi (verdadeiro fundamento racional) dos obter dicta (outrasrazõesaduzidaspelojulgador),sendoojuizinfluenciadoporsuascondicionantessociais,econômicas,ét icasepolít icas.

Inst itucionalista

MauriceHauriou(1856-1929)

Sant iRomano(1857-1947)

GeorgesGurvitch(1894-1965)

Pluralismojurídico:asociedadeécompostadevárias inst ituições (grupossociaiscompoder organizado em vista a um fim a realizar), dentre as quais o Estado (instituição dasinstituições,massemexclusividadecomoordenamentojurídico),todasprodutorasdeDireito,que convivem entre si (igrejas, empresas, sindicatos, partidos polí ticos, associações,universidades etc). Âmbitos diversos de regulação da vida social (independentes,coordenados ou subordinados). Haveria, portanto, pluralismo de fontes normat ivas epluralismodeordenamentosjurídicos.

Axiológica

Max Scheler(1874-1928)

MiguelReale(1910)

AÉticaeoDireitoestãofundadosemvaloresqueradicamnaprópria realidadedascoisas(objetivos),sendomaisbemoumenosbemcaptadospelosindivíduosesociedades(“TeoriaTridimensional do Direito”, em que o legislador valora o fato e edita a norma). O princípiojurídicosupremoseriaadignidadedapessoahumana.

Neoinst itucionalista

OtaWeinberger(1919)

NeilMacCormick(1947)

Numaposturaantijusnaturalista,quepretendecomporopositivismocomocontratualismoeorealismo,colocaabasedodireitonosfatosinst itucionais,fundadosemconvenções,ondea norma jurídica englobaria dois sentidos: odescrit ivo (causalidade – o ser da realidadesocial)eonormat ivo(motivação–odeverseralmejadopelolegisladorejuiz).

Desconst rut ivista

MichelFoucault(1926-1984)

JacquesDerrida(1930-2004)

O direito não seria, como se pretende, um antídoto à força, mas, pelo contrário, umainstância de repressão. Assim, as regras jurídicas seriam apenas técnicas dedominação: uma “violência sem fundamento”.Vêodireito comoumedifícioadestruir,masnãopropõenadaqueosubstitua,mormentepornegarqualquerbasemetafísicaouracionalparaodireito(basesquedevemserdestruídas).

Oproblemadascorrenteshistoricistasesociológicasnocampodafundamentaçãoelegitimaçãodaordem jurídica é o de propiciarem a confusão entre a realidade fática da existência de determinadocostume na sociedade (que lhe pode ser nocivo) e a realidade jurídica de merecer a positivaçãolegislativa(tornando-otolerávelouatéobrigatório).

Paraessascorrentes,aleinãoéomaisimportante,massimocostume,quedeveservalorizadopelajurisprudência,dandooconteúdoànorma.

Emsuma,aordemjurídicatemcomofundamentos:•naturezadascoisas–quantoaosdireitoshumanosfundamentais(primários);

• contrato social – quanto aos demais direitos (secundários), levando-se em consideração a

positivação do pacto social por meio das leis e de sua interpretação, bem como atentando às

circunstânciashistóricasesociais.

4.SURGIMENTODODIREITODOTRABALHONOMUNDO

AtentandoparaascircunstânciashistóricasesociaisdoDireitodoTrabalho,temosqueomovimentoemdefesadotrabalhadortemsuaorigemmaisremotanasCorporaçõesdeOfíciodascidadesmedievais(associações de artesãos que regulamentavam toda sua atividade, com controle de preços, salários,quantidades produzidas e especificações dasmercadorias, evitando os abusos que poderiam advir dalivreconcorrência).

ARevolução Industrial (transformação dos antigos métodos de produção artesanal para as novastécnicasdemecanizaçãoeespecializaçãoem linhadeprodução)ea reaçãohumanista (quebuscavaagarantiadadignidadehumanano trabalho industrial) fizerameclodiraquestãosocial (embate entre ocapitaleotrabalho).AquestãosocialfloresceunoséculoXIX,quandoseacentuouoempobrecimentodostrabalhadores,emfacedainsuficiênciacompetitivacomasindústriasquedespontavam,impactandoaagricultura(provocandooêxodorural)emrazãodosnovosmétodoseatingindoafamília,umavezqueasmulhereseosmenoresforamagrandemãodeobramobilizadapelaindústria.

ComoadventodaRevoluçãoIndustrial,surgeafiguradoproletário:trabalhadorqueprestaserviçosem jornadas extremamente longas, variando de 14 a 16 horas, que habita em condições desumanas,geralmentepróximoaolocaldetrabalho,nãopossuioportunidadededesenvolvimentointelectual,geraprolenumerosaeganhasalárioinsuficiente.

Aindignidadedotrabalhosubordinadobaseava-seemexcessivasjornadasdetrabalho,naexploraçãode mulheres e menores, no alto índice de acidentes de trabalho, nos baixos salários, na constanteinsegurançaquantoàmantençadotrabalhoenafixaçãodascondiçõesdetrabalhoexclusivamentepelospatrões. Como referido, o número excessivo de acidentes de trabalho e de enfermidades afastava ostrabalhadoresdolabor,sendoque,duranteoperíododeafastamento,nãorecebiamsalárioouqualquerajudadoempregador.

Nosmoldes do liberalismoeconômico, caberia às forças domercado ditar o que seria devido aoempresário e ao trabalhador, predominando a ideia do individualismo. Já na Revolução FrancesadespontavaaLeiLeChapelier (de14de julhode1791), segundoaqual anegociaçãoentrepatrãoeempregadodeveriasedardeigualparaigual,declarandoaeliminaçãodetodaespéciedecorporaçãodeofício,sendoquechega-seaafirmarquealiberdadeindividualdetrabalhonodireitofrancêstevesuaorigemnessediploma.Noentanto,essaleirepeliaodireitodeassociação,influenciandofortemente,porconsequência,aexistênciadossindicatos.Nessecontexto,oDireitoCivilvigorava,deformaçãoliberal-individualista, que não tinha resposta ao fato novo, ou seja, à relação empregatícia, pois adotava omodelobilateral,ondetrabalhadoreseempregadoreseramtomadoscomoindivíduossingelos.

O liberalismo econômico exacerbado degenerou em capitalismo selvagem (exploração do trabalhopelocapital,comjornadasde14horasdetrabalho,naspiorescondições,embuscadoaumentodelucro

dasempresas),cujosrebentosforamomovimentosindicalista(associaçãodostrabalhadorescomomeioprincipaldedefesadeseusdireitos)eomovimentocomunista(coletivizaçãodosmeiosdeproduçãoedirigismoestataldaeconomia).

Os trabalhadoresentenderamqueomodeloquepropunhaa suaposiçãocomosujeitos singelosnãoatendiaàrealidadequesefirmava,umavezqueoempregadorsemprefoiumsercoletivo,jáquesuasdecisões e vontades detonavam uma série de consequências que envolviam um amplo universo detrabalhadores,afetandoatémesmoacomunidadelocal.Dosurgimentodaconsciênciadesercoletivoporpartedostrabalhadores,despontaaideiadomovimentosindical.

No princípio, o movimento sindical foi considerado ilegal, e as associações de trabalhadores,criminosas.Posteriormente,auniãodetrabalhadoresemdefesadeseusinteressestornou-selícitaefoioque impulsionou oEstado a intervirna luta travada entre o capital e o trabalho, legislando sobre osdireitosdostrabalhadores.

ODireitodoTrabalhosurgiu,concomitantemente,dalutadostrabalhadorespeloreconhecimentodadignidadedotrabalhohumano,dascondiçõesemquesedevedesenvolveredoquelhecorrespondeemtermosde retribuiçãopeloesforçoprodutivo,bemcomode iniciativascomoasdoPapaLeãoXIIIdededicarumaencíclicaàquestãosocial,aRerumNovarum(1891),conclamandoasautoridadesciviseoempresariadoaofertaremcondiçõesdignasdetrabalhoaooperariado.

No que se refere à normatização do Direito do Trabalho nomundo, podemos destacar 3 grandesfases:

1ª)Normas ProtetivasMínimas paraMulheres eMenores eReconhecimento dos Sindicatos –promulgação do Peel’s Act (1802), na Inglaterra, que tratava basicamente de normas protetivas demenores contra a exploração desumana a que eram submetidos, e do Trade Unions Act (1871),reconhecendoalegalidadedasuniõesdetrabalhadoresemdefesadeseusdireitos.

2ª)ConstitucionalizaçãoeInternacionalizaçãodoDireitodoTrabalho–comofinalda1ªGuerraMundialeacriaçãodaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho(OIT),peloTratadodeVersalhes(1919),osdireitosegarantiasdostrabalhadorespassamaintegraroroldosdireitossociaisinseridosnobojodasConstituiçõesdediversospaísesdomundo(movimentodenominadoConstitucionalismoSocial).Asprimeiras são as Constituições do México (1917) e da União Soviética (1918), ambas calcadas emrevoluções de cunho laicista, seguidas por outras de inspiração cristã (Rerum Novarum), como asConstituiçõesdaRepúblicadeWeimar,naAlemanha(1919),daIugoslávia(1921)eChile(1925).NessecontextosurgeaCartaDelLavoro,naItália(1927),queinspirounossomodelotrabalhistabrasileiro.

3ª)GlobalizaçãoeCrisedoEmprego–abrangeoperíodoquesesituaentreofinaldadécadade70e o momento atual. Esse período é influenciado fortemente pela crise do petróleo, crescimento dainflaçãoeagravamentododéficitfiscaldosEstados,redundandoemumaexpressivareduçãodospostosde trabalho (avanço tecnológico que substitui homens por máquinas), trazendo a lume novas formaslaborativas,comooteletrabalho,ohomeofficeeaterceirizaçãogeneralizada,chegando-seacolocaremchequeaprópriaideiadetrabalhadorempregado,comoconflitoideológicoentreaquelesquepugnampelamanutençãointactadetodooarsenalnormativodeproteçãoaotrabalhadorempregadoeaquelesquese colocam como arautos de uma nova ordem que dispensaria a intervenção estatal castrativa dacontrataçãoformalecomprometedoradacompetitividadeinternacional.

5.DIREITODOTRABALHONOBRASIL

NoBrasil,nãohácomosefalaremDireitodoTrabalhoantesdaextinçãodaescravatura,em1888,pormeiodaLeiÁurea.Portanto,enquantoomundoviviaumatransformação,noqueserefereaomundolaboral,desdeoiníciodoséculoXIX,noBrasilessatransformaçãosócomeçouaocorrernofinaldesseséculo.Destacam-seasseguintesfases:

1ª)FaseEmbrionária(1888-1930)–arelaçãoempregatíciasurgenosegmentoagrícolaecafeeirodeSãoPauloenosetordeserviçosdoRiodeJaneiroeSãoPaulo.Nesteperíodosurgemalgumasnormastrabalhistasquetocamtangencialmentenachamadaquestãosocialequetratamdaproteçãodosmenores,dosferroviários,dasférias.SurgeaLeideFalências,quetratadosprivilégiosdoscréditostrabalhistasesãocriadososTribunaisRuraisnoEstadodeSãoPauloeoConselhoNacionaldoTrabalho.

2ª)FasedaConsolidação(1930-1945e1988)–nesteperíodosurgeintensaatividadeadministrativae legislativa, inclusive com a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. São contempladas seisgrandes áreas: a administração federal, através da criação do Ministério do Trabalho, Indústria eComércio,em1930edoDepartamentoNacionaldoTrabalho,em1931;criaçãodasComissõesMistasdeConciliação e Julgamento, emque só poderiamdemandar os integrantes do sindicalismo oficial; aestruturação do sistema previdenciário, através da ampliação e reformulação das antigas Caixas deAposentadoriasePensões,sendoqueem1931houveaprimeiragrandereformaprevidenciária;destaca-sealegislaçãoprofissionaleprotetiva;sãoimplementadasaçõescomvistasàreduçãodaparticipaçãodotrabalhoestrangeironoBrasil,comaLeideNacionalizaçãodoTrabalho,em1930.Osefeitosdesseperíodoseestendematé1988,trazendoascondiçõesviabilizadorasdoamploregramentoesculpidonaCartaConstitucional.

ACLT não constituiu uma simples compilação do direito pre existente, mas revelou-se verdadeiracodificação do direito do trabalho, tendo como fontes materiais, na memória do Min. ArnaldoSussekind(1917-2012),membrodacomissãoelaboradora,basicamenteasseguintes:

a)ospareceresdosConsultoresOliveiraViana(1883-1951)eOscarSaraiva(1903-1969)doMTIC,nos processos que lhes eram submetidos sob a forma de avocatória das decisões das Juntas deConciliaçãoeJulgamento,constituindojurisprudênciaadministrativa,quandoaprovadosnormativamentepeloMinistrodoTrabalho;

b)astesesaprovadasno1ºCongressoBrasileirodeDireitoSocial,realizadoemSãoPaulode15a21demaiode1941,paracomemorarocinquentenáriodaEncíclicaRerumNovarum,coordenadopeloProf. Cesarino Júnior (1906-1992) presidido por Getúlio Vargas, que contou com mais de 500participantes,divididosem8comissões,com115tesesaprovadas;

c)asconvençõeserecomendaçõesdaOIT (OrganizaçãoInternacionaldoTrabalho),quedesdesuafundação,em1919,vinhainternacionalizandoasnormasdeproteçãoaotrabalhador;

d)osprincípiosdaDoutrinaSocialCristã,insculpidosnaEncíclicaRerumNovarumdoPapaLeãoXIII(1810-1903),consideradaaCartaMagnadaJustiçaSocial.

3ª)FasedaExpansão(1988atéomomento)–caracteriza-seporavançoseretrocessos,umavezquerefleteacrisee transiçãodoDireitodoTrabalho,vivenciadosnaEuropadesdefinsdadécadade70,trazendo a lume a nova questão social no Brasil. A Constituição de 1988 trouxe o maior avanço jáexperimentado na evolução jurídica do direito laboral no Brasil, a ponto de se falar em verdadeira“celetização”daConstituiçãoemmatériadedireitossociais.Noentanto,aexpansãodoroldosdireitostrabalhistastrouxeconsigooseuprópriodilema:reduçãodepostosdetrabalhoeaumentodaeconomiainformal.Esteperíodoémarcadopelademocratização,emcontraposiçãoàstentativasdedesarticulaçãodo ramo trabalhista, e pela discussão em torno aos limites da intervenção do Estado no domínioeconômico para efeito de regulamentação das condições de trabalho (maior ou menor rigidez ou

flexibilizaçãodasnormaslegais;maioroumenorautonomianegocialtrabalhista).Atualmente, pela sua composição, o Tribunal Superior do Trabalho tem adotado postura de

protagonista na conformação do ordenamento jurídico trabalhista, independentemente de reformaslegislativas,aplicandoasseguinteslinhasdeatuação:

–rediscussãododireitosumuladopelaCorte,contrárioànovacorrente,nasdenominadas“Semanas

doTST”;

–contenção à sedimentação de novas súmulas ou orientações jurisprudenciais enquanto a nova

correntenãoforamplamentemajoritária,medianteadoçãodecritériosmaisexigentesparaedição

desúmulasouOJs;

– invocaçãodeprincípios jurídicos decarátergenéricopara fundamentardecisões favoráveisaos

trabalhadores,quandoinexistentenormajurídicaespecíficaimpondoaobrigação;

– invalidaçãodenormas coletivasque flexibilizemdireitos sociais, ampliando o rol dos direitos

consideradosindisponíveis.Oproblemadessanovaorientação consiste emperder devista, aindaque comomelhor intuito de

fazer Justiça Social, que a missão da Justiça do Trabalho é harmonizar as relações de trabalho ecompor os conflitos sociais, não necessariamente dando tudo e sempre para o trabalhador, o que sóacirraoconflitoeesgarçaasrelaçõestrabalhistas.

Seasleistrabalhistas,quesebuscaeditar,nãotêmsidoaprovadas,nãoserátalvezpelofatodequeasociedade,atravésdeseusrepresentanteseleitos,entendaquenãosãoconvenientesequeorolatualdosdireitos já supõe encargos sociais de peso, comprometendo, inclusive, a empregabilidade e acompetitividadeempresarial?DaíquenãocaberiaaoPoderJudiciáriosesubstituiraolegislador(poissequerfoieleito,jáquecompostodetécnicosconcursados)paraimporobrigaçõesnãoprevistasemlei.EsseéhojeopanoramadoJudiciárioLaboraledoDireitodoTrabalhoqueelevaiconformando.

6.DOUTRINASOCIALCRISTÃ

Desde os primórdios da “Questão Social”, a Igreja Católica esteve atenta aos problemas evicissitudespelosquaispassavamostrabalhadores, tendooPapaLeãoXIIIescritoaEncíclicaRerumNovarum (1891), que se constituiu nummarco daDoutrinaSocialCristã, verdadeiraCartaMagna dotrabalhador.

Em sua esteira, foram editadas outras encíclicas sociais que atualizaram a mensagem original,enfrentando os novos problemas que surgiam com o avanço histórico da sociedade industrial:QuadragesimoAnno(1931)eDiviniRedemptoris(1937)dePioXI,MateretMagistra(1961)ePaceminTerris(1963)deJoãoXXIII,PopulorumProgressio(1967)eOctogesimaAdveniens(1971)dePauloVI,LaboremExercens(1981)eCentesimusAnnus(1991)deJoãoPauloII,eCaritasinVeritate(2009)de Bento XVI. A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013) do Papa Francisco segue nessamesmatradição,impactandopelasuachamadaàresponsabilidadedeautoridadeseempresáriosparaaquestãosocial.

Foram exemplo do esforço cristão de promoção social do trabalhador, desde os primórdios da

Revolução Industrial,merecendo ser lembrados, o empresário francêsLéonHarmel (1829-1915) e osdeputadosfrancesesAlbertdeMun(1841-1914)eRenéLaTourduPin(1834-1925),responsáveispelasprimeirasleisgarantidorasdedireitostrabalhistas,nosentidodalimitaçãodajornadadetrabalhoedagarantiadeumsaláriojustoaoempregado.OprecursordaRerumNovarum,influenciandodiretamenteoPapaLeãoXIII na sua confecção, foi oCardeal alemãoVonKetteler (1811-1877), com seus escritos,diretrizes pastorais e sermões. E não pode ser olvidado o esforço singular de atrair o proletariadoemergente daRevolução Industrial para ideaismais elevados, desenvolvido pelo sacerdote belga JosCardijn(1882-1967),fundadordaJuventudeOperáriaCristã,queseespalhoupelomundointeiro.

AdiretrizbásicadaDoutrinaSocialCristã,queiluminatodasasdemaisorientaçõesnessecampo,éadaprimaziadotrabalhosobreocapital,umavezquetodotrabalhotemohomemcomofim:otrabalhoéparaohomemenãoohomemparaotrabalho.

Assim,ohomemnãopodeserconsideradosimplesmentecomoumdosfatoresdaprodução,comomãodeobraquemereceremuneração,tantoquantoocapitalinvestido,osequipamentosalugadosouasterrasarrendadas.

OsdocumentosdoMagistériodaIgreja,desdeaRerumNovarum,sempreserviramdenorteparaassucessivas Constituições dos mais diversos países do mundo, nutrindo a parte social dessas CartasPolíticas no que diz respeito aos direitos básicos do trabalhador, em face da dignidade da pessoahumana.

Os princípios básicos que plasmam a Doutrina Social Cristã (tendo por referência primária oEvangelhoeaEncíclicaRerumNovarum)nocampodotrabalhosão:

a)PrincípiodaDignidadedaPessoaHumana (RerumNovarum,11)–apessoahumana tem umadignidade essencial, por ser criada à imagem e semelhança de Deus, em igualdade natural entrehomememulher(Gn1,27),estandoacimadequalqueroutracriaturamaterial,razãopelaqualnãopodesertratadacomoobjetooumercadoria.Constituiofimúltimodasociedade,queaelaestáordenada:nãopodeserinstrumentalizadaparaprojetoseconômicos,sociaisoupolíticos.Comaevoluçãodasociedadeeadivisãodotrabalhoemdiferentesespéciesdeatividades,asrelaçõesentreaquelesquegerenciamotrabalho e aqueles que são gerenciados podem ser de conflituosidade (luta de classes), mas deconcórdia,poistodossãofilhosdeDeusegozamdamesmadignidade.

b)PrincípiodoBemComum(RerumNovarum,19-20)–sendoobemcomum“oconjuntodaquelascondiçõesdavidasocialquepermitemaosgruposeacadaumdosseusmembrosatingiremdemaneiramaiscompletaedesembaraçadamenteaprópriaperfeição”(ConstituiçãoApostólicaGaudiumetSpes,26), deve ser buscado comometa pela sociedade politicamente organizada que é o Estado.Assim, oobjetivo do Estado não é apenas buscar “a máxima felicidade do maior número” (Bentham), masconseguirque“todos”possamatingirseusfinsexistenciais.

c)PrincípiodaDestinaçãoUniversaldosBens(RerumNovarum,3-7)–“Deusdestinouaterra,comtudoqueelacontém,paraousodetodososhomensedetodosospovos,detalmodoqueosbenscriadosdevembastaratodos,comequidade,segundoaregradajustiça,inseparáveldacaridade”(ConstituiçãoApostólicaGaudiumetSpes,69).Odireitoàpropriedadeprivadanãoéabsoluto,masdeveatenderàsua função social (responsabilidade social pelospobres emaisnecessitados), estando subordinado àdestinação universal dos bens (que não se confunde com o domínio comum de todos os bens). Oreconhecimentododireitoàpropriedadeprivada,porsuavez,atendearazões:

–jurídicas–éomeiojurídicomaisaptoparagarantiropacíficoeordenadodesfrutedosbensda

terraporpartede todos e atribuir a cadaumodomínio sobreumaparcela determinadadesses

bens;

–econômicas – é omeiomais eficaz paragarantir a solicitude e o interesse necessários para

fazer render os bens e estimular a capacidade produtiva, favorecendo o sentido da

responsabilidadepessoal(interessepessoalnaprodução);

–políticas – é o meio de garantir a liberdade individual frente ao Estado, evitando-se que o

indivíduo tivesse que fazer o que o Estado quisesse para poder obter os bens necessários à sua

sobrevivência.d)PrincípiodaSubsidiariedade(RerumNovarum,8e21-22)–oEstadonãodevefazeraquiloque

podem e devem fazer as pessoas e os grupos sociais menores, como as famílias, as escolas, asassociações,ossindicatosetc.(devecoordenar,proteger,apoiar,incrementareincentivarainiciativaprivada,suprindosuasdeficiênciaseretirando-sequandoosgruposmenoresjápromovemdiretamenteessas iniciativas, pois, do contrário, o paternalismo estatal sufocaria a liberdade e autonomiaindividualeaoriginalidadedainiciativapessoal).“Assimcomoéinjustosubtrairaosindivíduosoqueeles podem efetuar com própria iniciativa e indústria, para confiar à coletividade, do mesmo modopassar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiamconseguiréumainjustiça,umgravedanoeperturbaçãodaordemsocial.Ofimnaturaldasociedadeedasua ação é coadjuvar os seus membros e não destruí-los nem absorvê-los” (Pio XI, EncíclicaQuadragesimoAnno,79).

e)PrincípiodaDignidadedoTrabalhoHumano(RerumNovarum,15)–apessoaéoparâmetrodadignidadedo trabalho.“Afinalidadedo trabalho,de todoequalquer trabalhorealizadopelohomem–aindaquesejaotrabalhomaishumildedeum‘serviço’eomaismonótononaescaladomodocomumdeapreciaçãoe atéomaismarginalizador–permanece sempre sendooprópriohomem” (João Paulo II,EncíclicaLaboremExercens,6).“Hoje,maisdoquenunca,trabalharéumtrabalharcomosoutroseumtrabalharparaosoutros: torna-secadavezmaisumfazerqualquercoisaparaalguém” (JoãoPaulo II,EncíclicaCentesimusAnnus,31).AencarnaçãodoVerbo(Deusassumeanaturezahumana)eofatodeJesusCristo(FilhoUnigênitodeDeus)terescolhidotrabalharenumaprofissãohumilde,decarpinteiro,mostraadignidadedotrabalhohumano,comoparticipaçãodopodercriadordeDeus,edadignidadedetodaequalquerprofissão,intelectualoumanual.Otrabalhodohomempassaasercaminhodeperfeiçãohumana(transformaçãoprópriaedomundo)ecristã (santificaçãopessoal).OPapaJoãoPauloII fazmençãoaessaexpressãoemseulivro“AFédaIgreja”(1979):“Podemosresponderaestaperguntacomaexpressão,tãofelizejátãofamiliaragentesdetodoomundo,queMons.EscrivádeBalaguerdifundiudesdehátantosanos:santificandocadaumoprópriotrabalho,santificando-senotrabalhoesantificandoosdemaiscomotrabalho”(1979).Ouseja:

–santificarotrabalhoérealizá-locomamaiorperfeiçãotécnicapossível,oferecendoessaobraa

Deus(otrabalhoinfactoesse,enquantoprodutoacabadoquesaidasmãosdotrabalhador);

–santificar-senotrabalho é adquirir as virtudes intelectuais emorais que aperfeiçoamaprópria

pessoa (o trabalho in fieri, enquanto vai sendo realizado, deixando marcas na pessoa do

trabalhador,deexperiênciaprofissionaleaperfeiçoamentomoral);

–santificarosdemaispormeiodotrabalhoéencararo trabalhofundamentalmentecomoserviço

aosoutrosemeiodeaproximaraspessoasdeDeus.f) Princípio da Primazia do Trabalho sobre o Capital (Rerum Novarum, 12-13) – partindo do

pressuposto de que o trabalho humano tem umadimensãoobjetiva (conjunto de atividades, recursos,instrumentosetécnicasdequeohomemseserveparaproduzirbenseserviços;aobrarealizada)eumadimensãosubjetiva(agirdinâmicodohomem,transformandoaterra,comosinstrumentosdotrabalhodeque dispõe; as virtudes que o trabalhador adquire ao trabalhar), o princípio norteador das relaçõeslaborais é o de que a dimensão subjetiva do trabalho deve ter preeminência sobre a objetiva: otrabalho,peloseucarátersubjetivooupessoal,ésuperioratodoequalqueroutrofatordeprodução,emparticular noque tange ao capital.Entre capital (causa instrumental) e trabalho (causa eficiente) devehaverumacomplementaridade(necessidadedajustaretribuiçãoacadaumdessesfatoresdaprodução),com a possibilidade de participação dos trabalhadores na propriedade, gestão e frutos do capital.Osdoisprincipaispontosdeconflituosidadeentreocapitaleotrabalhoseriamaremuneraçãoeajornadadetrabalho:quehajaumaretribuiçãojustaaotrabalhohumano(levandoemcontainclusiveascondiçõesfamiliaresdotrabalhador)eagarantiadodevidodescanso(odomingocomorepousofestivodevesergarantido).

g) Princípio da Solidariedade (Rerum Novarum, 31-36) – como princípio geral, implica que oshomenscultivemumamaiorconsciênciadodébitoquetêmparacomasociedadeemqueestãoinseridos(pelo patrimônio cultural, científico, tecnológico,material e espiritual que lhes foi transmitido) e emrelaçãoàspessoasqueacompõem(pelaajudaquedelasreceberam),retribuindocomoseutrabalhoeserviçoemproldacomunidade,naperspectivadacaridadeparacomopróximo,quetranscendeamerajustiça. Como princípio específico laboral, representa o direito dos trabalhadores de se unirem,formandoassociaçõesesindicatos,comafinalidadededefenderseusinteressesvitais,atravésdemeiospacíficos,dentreosquaisseapresentacomorecursolegítimo(einevitávelemalgumascircunstâncias)odireitoàgreve.

h)PrincípiodaProteção (RerumNovarum,27-29)–quedeterminaa intervençãodoEstadoparaestabeleceroslimitesdejornadadetrabalhoeascondiçõesdaprestaçãodeserviços,paraevitaraexploração do trabalhador em detrimento de sua saúde física e mental, a par de garantir-lhe a justaretribuiçãopeloesforçodespendido.Amulhereacriançadevemgozardeumatutelaespecialda lei,paraqueajornadaeaformadaprestaçãodosserviçossejamadequadasàsuacompleiçãofísica.

A visão cristã sobre o trabalho humano é fundamentalmente otimista (não calcada na origemetimológica da palavra “trabalho”, do latim tripalium, como instrumento de tortura,mas arrimada notermolatinooperatio,derealizaçãodeumaobra).SantoAgostinho(354-430),nessesentido,distinguequatromomentoscaracterísticosdascondiçõesnasquaisserealizaotrabalhohumano,apontandoparaaesperançanaredençãopelotrabalhorealizadoemuniãocomDeuseemserviçodoshomens:

a)condiçãoparadisíaca(cf.“DeGenesicontraManichaeos”,II,5,6;“DeGenesiadlitteram”,VIII,8)– no paraíso do Éden, logo após a criação e antes da queda original, o trabalho era especialmentehonroso e não fatigante (operatio illa laudabilior laboriosa non erat), pois na tranquilidade da vidafeliz,naqualnãoexisteamorte,todotrabalhosereduzacustodiaroquesetem(custodiret),fluindonãoda necessidade, mas da liberdade (non erat laboris adflictio, sed exhilaratio voluntatis), e sedesenvolvendo no cultivo da terra emvirtude de uma ação não dura ou penosa,mas grata e cheia dedelícias(peragriculturamnonlaboriosamseddeliciosam);

b)condiçãopós-lapsária (cf. “Enarratio in PsalmumLXXXIII”, 8) – depois do pecado original, otrabalhojánãoéparaohomemaoperatiogratificante,maso“labor”fatigante,queremfunçãodaterra(ex terra), que agora lhe produz espinhos e abrolhos, quer em função do próprio homem (ex ipso

homine), cuja indigência já não permite um trabalho plenamente voluntário, mas decorrente danecessidade(omniumactionumhumanarummaternecessitas);

c)condiçãoredimida(cf.“DeOpereMonachorum”,c.26,n.35)–comavindadeCristoàterra,suaassunçãodacondiçãohumanadetrabalhadorearedençãodopecadoquepromoveu,morrendopornósnaCruz, retiroudo trabalhoocaráterangustiosopelofuturo(angorcurarum)edevolveuaohomemaserenidade de alma para trabalhar com tranquilidade (tranquilitas animae), ainda que permaneça adificuldadeedurezadoesforço,comoresquíciodopecadooriginal(labormembrorum);e

d)condiçãosabáticadefinitiva(cf.Epist.LV,17)–odescansoeterno,nomundonovoqueviráapósarestauraçãodetodasascoisasnofinaldostempos,nãoserádemerapassividadeoucalmainoperante,mas de uma inefável tranquilidade na ação sossegada, realizando o louvor deDeus sem cansaço dosmembrosesemangústiadiantedaspreocupaçõesecuidadosdestavida(sine laboremembrorum,sineangorecurarum).

AmaisrecenteencíclicasocialéaCaritasinVeritate(2009)doPapaBentoXVI,queatualiza,paraocontextodacriseeconômicainstauradanomundoapartirde2008,aencíclicaPopulorumProgressio(1967)doPapaPauloVI,enfrentandotemasdeespecialimpactoparaomundomoderno:

• princípioda solidariedade:“Acaridade é a viamestra da doutrina social da Igreja” (n. 2); “A

caridadesuperaajustiça,porqueamarédar,ofereceraooutrooqueé‘meu’;masnuncaexistesem

ajustiça,queinduzadaraooutrooqueé‘dele’”(n.7).

•direitonatural:“Averdade,fazendosairoshomensdasopiniõesesensaçõessubjetivas,permite-

lhesultrapassardeterminaçõesculturaisehistóricaspara seencontraremnaavaliaçãodovalore

substânciadascoisas”(n.4).

•princípiodadignidadedapessoahumana:“Nãopodeterbasessólidasumasociedadequeafirma

valores como a dignidade da pessoa humana, a justiça e a paz, mas contradiz-se radicalmente

aceitandoetolerandoasmaisdiversasformasdedesprezoeviolaçãodavidahumana,sobretudose

débilemarginalizada”(n.15).

•princípiodaprimaziadotrabalhosobreocapital:“Oprimeirocapitalapreservarevalorizaréo

homem,apessoa,nasuaintegralidade”(n.25).

• princípio da proteção: “A diminuição do nível de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a

renúncia a mecanismos de redistribuição do rendimento, para fazer o país ganhar maior

competitividade internacional, impede a afirmaçãode umdesenvolvimento de longaduração” (n.

32).

• economia de mercado: “Desde sempre a Igreja defende que não se há de considerar o agir

econômicocomoantissocial.Depersiomercadonãoé,nemsedevetornar,olugardaprepotência

do forte sobre o débil. A sociedade não tem que se proteger do mercado, como se o

desenvolvimentodesteimplicasseipsofactoamortedasrelaçõesautenticamentehumanas”(n.36).

•novoempresariado: “Oespírito empresarial tem, e deve assumir cadavezmais, um significado

polivalente.Alongaprevalênciadobinômiomercado-Estadohabituou-nosapensarexclusivamente,

porumlado,noempresárioprivadodetipocapitalistae,poroutro,nodiretorestatal.Narealidade,

oespíritoempresarialhádeserentendidodemodoarticulado,comosedepreendedumasériede

motivaçõesmetaeconômicas”(n.41).

•globalização:“Aglobalizaçãoapriorinãoénemboanemmá.Seráaquiloqueaspessoasfizerem

dela”(n.42).

•responsabilidadeambiental:“Oproblemadecisivoéasolidezmoraldasociedadeemgeral.Se

nãoérespeitadoodireitoàvidaeàmortenatural,sesetornaartificialaconcepção,agestaçãoeo

nascimento do homem, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum

acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental. É uma

contradiçãopediràsnovasgeraçõesorespeitodoambientenatural,quandoaeducaçãoeasleisnão

asajudamarespeitar-seasimesmas.Olivrodanaturezaéunoeindivisível,tantosobreavertente

doambientecomosobreavertentedavida,dasexualidade,domatrimônio,dafamília,dasrelações

sociais,numapalavra,dodesenvolvimentohumanointegral”(n.51).

•religiosidadeeEstado laico:“Aexclusãoda religiãodoâmbitopúblicoe,navertenteoposta,o

fundamentalismo religioso impedem o encontro entre as pessoas e a sua colaboração para o

progresso da humanidade.A vida pública torna-se pobre demotivações, e a política assume um

rosto oprimente e agressivo” (n. 56); “Fascinada pela pura tecnologia, a razão sem a fé está

destinadaaperder-senailusãodaprópriaonipotência,enquantoafésemarazãocorreoriscodo

alheamentodavidaconcretadaspessoas”(n.74).

• princípio da subsidiariedade: “É a expressão da inalienável liberdade humana (...) A

subsidiariedadeéoantídotomaiseficazcontratodaformadeassistencialismopaternalista”(n.57).

• trabalhadores migrantes: “Os trabalhadores estrangeiros, não obstante as dificuldades

relacionadas à sua integração, prestam com o seu trabalho um contributo significativo para o

desenvolvimentoeconômicodopaísdeacolhimentoetambémaopaísdeorigemcomasremessas

monetárias.Obviamente,taistrabalhadoresnãopodemserconsideradoscomosimplesmercadoria

oumeraforçadetrabalho”(n.62).

•pobrezaedesemprego:“Emmuitoscasos,ospobressãooresultadodaviolaçãodadignidadedo

trabalhohumano,sejaporqueassuaspossibilidadessãolimitadas(desemprego,subemprego),seja

porquesãodesvalorizadososdireitosquedelebrotam,especialmenteodireitoaojustosalário,à

segurançadapessoadotrabalhadoredasuafamília”(n.63).

•sindicalismo:“ContinuasempreválidooensinamentodaIgrejaquepropõeadistinçãodepapéise

funções entre sindicato e política. Esta distinção possibilitará às organizações sindicais

individualizaremnasociedadeciviloâmbitomaisajustadoparaasuaaçãonecessáriadedefesae

promoçãodomundodotrabalho”(n.64).

7.DIREITODOTRABALHO.CONCEITO

ODireitodoTrabalhoéoramodoDireitoquedisciplinaasrelaçõesdetrabalho,tantoindividuaiscomocoletivas.Evoluiconformeamaiorconscientizaçãosobreosbenefíciosquepodemserconferidosao trabalhador, como força produtiva, sem comprometimento do nível econômico, que depende,igualmente, do estímulo ao investimento (capital). NoBrasil, a Constituição Federal de 1988 assentacomofundamentosdoEstadoosvaloressociaisdotrabalhoedalivre-iniciativa(art.1º,IV),deixandoclaroqueoDireitodoTrabalhoeaJustiçadoTrabalhoterãocomofinalidadeharmonizarapriorieaposterioriasrelaçõesentreocapitaleotrabalho.

Nãoobstanteregularocontratodetrabalho,firmadoentreparticulares,oDireitodoTrabalhoéramodeDireitoPúblico, em faceda indisponibilidadedamaiorpartede suasnormas,passíveis apenasdeflexibilizaçãoatravésdenegociaçãocoletivacomosindicato,umavezqueotrabalhadorindividualéapartemaisfracanocontrato,eoordenamentojurídicotrabalhistaprotegenãoapenasotrabalhador,masoprópriobem-estarsocialcomoumtodo.Podemserclassificadascomo:

a)dedireitoprivado–normaspertinentesexclusivamenteaocontratoindividualdetrabalho;b) de direito público – normas atinentes à tutela do trabalho, medicina e segurança do trabalho,

inspeçãodotrabalho,organizaçãojudiciáriadotrabalho,conflitosdotrabalhoeprocessodotrabalho.NoBrasil, a EmendaConstitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, ampliou a competência da

JustiçadoTrabalho,umavezquepassaramaserobjetodoDireitodoTrabalhonãoapenasarelaçãodeemprego, mas toda e qualquer relação de trabalho, inclusive com a administração pública direta eindireta (art. 114, I). Com isso, ter-se-ia verificado a conclusão do ciclo evolutivo de autonomia doDireito do Trabalho: tendo surgido, sob o prisma normativo, a partir da locação de mão de obraregulada no CódigoCivil de 1916 (arts. 1.216-1.236), adquiriu independência com a edição da CLT(1943) elencando os direitos trabalhistas próprios do empregado, até chegar à atração da própriaprestaçãode serviços (CC de 2002) para a órbita doDireito Laboral, quando se tratar de prestaçãoindividualdosserviços.

No entanto, o STF, talvez preocupado com a guinada protetiva que se daria com a atração dascontrovérsias administrativas e do consumidor para a Justiça do Trabalho, que tutelariapreferencialmenteopoloopostodarelaçãoatéentãoapreciadaporoutroramodoJudiciário,acaboupordiferenciar,dentrodarelaçãodetrabalho,paralimitaràsúltimas:

a)arelaçãoestatutária(comaadministraçãopública)darelaçãocontratual(comasempresas);b)arelaçãodeconsumo(doprofissionalliberalouautônomo)darelaçãodetrabalho(subordinado).Arigor,empregado,servidorpúblico,profissionalliberal,autônomo,avulsooucooperado,todossão

igualmente trabalhadores.Mas com essa restrição jurisprudencial, o campo de atuação doDireito doTrabalho e da Justiça do Trabalho ficou restrito, na prática, às relações de emprego ou de trabalho

subordinado.

8.DIVISÕESDODIREITODOTRABALHO

a)Direitoindividualdotrabalho–estudaasrelaçõesindividuaisdetrabalho,combasenosdireitoslaborais mínimos conferidos pela lei e nos inseridos no contrato individual de trabalho. Abrange amaiorpartedasregrasdoramodaciênciajurídica-laboral.

b)Direitocoletivodo trabalho–estudaas relaçõescoletivasde trabalho,baseadasnanegociaçãocoletiva entrepatrões e empregados representadospor suas entidades sindicais, gerando instrumentosnormativos (acordos e convenções coletivas, contratos coletivos de trabalho e sentenças normativas),queacrescemouflexibilizamosdireitoslaboraisprevistosemlei.

9.GLOBALIZAÇÃODAECONOMIA

O mundo atual assiste ao fenômeno da globalização da economia, que consiste na abertura daseconomias nacionais aomercadomundial, não tanto como uma opção,mas forçadas pela pressão dacompetitividadeinternacional.

Nenhum país é autossuficiente. Pela lei das vantagens comparativas, principalmente no campo daextraçãomineraloudaproduçãoagrícola,atendênciamundialéadaespecializaçãoedadependênciarecíproca.

A tônica de uma economia globalizada é a da competitividade internacional, em que o produtonacionaldevecompetirnomercadointernocomoprodutoestrangeiro,evice-versanomercadoexterno.Daíanecessidadedereduçãodecustoseotimizaçãodaconjugaçãodosfatoresprodutivos.

Em seu livroOmundo é plano (2005), Thomas Friedman fala das trêsGlobalizações pelas quaispassouomundo:

a)1ªGlobalização–apartirde1492,comCristóvãoColombobuscandoocaminhodasÍndiaspeloOcidenteedescobrindoaAmérica,eFernãodeMagalhãesdemonstrandoqueaterraéredonda,porsuaviagem de circunavegação do Globo (globalização levada a cabo pelos países, no seu esforço decolonizaçãodenovospovoseterritórios).

b)2ªGlobalização–apartirde1800,comaRevoluçãoIndustrial,comasempresasmultinacionaisinterligando o mundo, na busca de mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores deprodutosindustrializados.

c)3ªGlobalização–apartirdoano2000,comaintegraçãodosindivíduosatravésdaexpansãodainternet, levando a uma terceirizaçãoglobalizada (repasse de serviços commenor valor agregado aprofissionaisdepaísesondeossaláriosdomercado localsãomaisbaixosequepodemserprestadosnessespaísesatravésdainternet).

Asprincipaiscaracterísticasda“terceirizaçãoglobalizada”são:a) o repasse de tarefas mais braçais e repetitivas para fora do âmbito da empresa tomadora dos

serviços;b)oaproveitamentodasdiferençasdefusohorárioparacontrataroserviçoaserprestadoemoutras

partesdomundo(trabalhopedidoànoiteeentreguepelamanhã);c) a possibilidadede realizaçãodo trabalho emcasa (homesourcing ou “terceirização doméstica”,

trabalhandooempregadomaissatisfeito);d)orepassedatarefaporcomputadoroutelefone;e) a redução dos custos em até 80% (em face do encontro de mão de obra barata, abundante e

qualificadaempaísescomoaÍndiaeaChina).EssaGlobalização de 3ª geração só foi possível com o desenvolvimento dos personal computers

(1981),dosistemawindowsdeinterfacecomoscomputadores(1985),domodemparainterligaçãoentrecomputadores(1990),da internetcomobasedeintercâmbiodedocumentos, textos, imagensemúsicasentrePCs(1991),dosbrowsers(navegadores),parasepoder,emescalamundialepessoal(enãoapenaslocaleempresarial), transmitire trocardados (1995),dossoftwares livrescomcódigos-fonteabertos(1998), de sistemas de pesquisa google (2000), fazendo com que tudo pudesse ser digitalizado,produzidoecomercializadonosistemainformatizadoenascadeiasdefornecimento,noqualomonito -ramento chega ao ponto de a retirada de uma mercadoria na prateleira do supermercado gerar asinalizaçãoimediataparaafabricaçãodemaisumaunidade.

Na Era da Informática, a redução da participação do setor agrícola (primário) nos paísesdesenvolvidosaapenas10%daeconomianacional,com30%paraosetorindustrial(secundário),fazcom que o setor de serviços (terciário) responda por cerca de 60% do PIB, sendo de todos omaisdependentedainformática.Nele,acompetitividadeempresarialatingiuníveistaisqueasrespostasaosdesafiosdomercadosãopautadasemsegundoseaproduçãodemateriaiseserviçossedesenvolve,noâmbitodasempresas,nas24horasdodiaduranteos365diasdoano.

Nessecontexto,coloca-seoproblemadaoneraçãodasempresascomexcessivosencargostributáriose trabalhistas, repercutindo no preço final e tornando mais caro o produto nacional, que acaba porinduzir as empresas a terceirizaremsuas atividades, repassandoasmais simplespara serem feitas empaíses onde hámãode obramais barata, fontesmais acessíveis de energia emais segurança jurídicaquanto às normas laborais e tributárias. Se, por um lado, a reserva de mercado ou a taxação dasimportações podia defender a indústria nacional (protecionismo), por outro, são mecanismos quefavorecem o aumento da inflação pela falta de concorrência interna (cartéis), a par de não secompatibilizar com a criação dos espaços econômicos regionalizados (UE,Mercosul, Alca etc.) quevisamàexpansãodaseconomiasnacionais.

Assim,aglobalizaçãodaeconomiacomofenômenoatual,crescenteeirreversíveldevelevaràbuscadesoluçõesrealistasnocampodasrelaçõesde trabalho, comoumdos fatoresdaprodução, soluçõesque passam pela redução dos encargos sociais indiretos, remuneração por participação nos lucros,aperfeiçoamento do fator humano, autogestão etc., pois os moldes tradicionais de excessivoprotecionismododireitodo trabalhopodemacabarconduzindoàdicotomia:maiores saláriosemaiordesemprego.

Acrisefinanceiramundialiniciadaem15desetembrode2008,provocadapelaquebradedoisdosmaiores bancos de investimento americanos e comparada à crise de 1929, coma quebra daBolsa deValores de Nova Iorque, mostra como as economias nacionais estão estreitamente interligadas, e oexcesso de crédito e de benesses, quandonão lastreadona produção real de bens e serviços, torna osistema extremamente vulnerável. Aquilo que inicialmente parecia mera crise imobiliária norte-americana(pelahipotecadeimóveisparagarantirosfinanciamentosbancários)acabouporsetornarumacrisemundial de confiabilidadenosbancos, comanecessidadede forte intervenção estatal (governosgarantindo os depósitos bancários, para evitar a corrida aos bancos), que não impede a recessão, acontraçãodocrédito,areduçãodocrescimentoeodesemprego.

Em decorrência e como desdobramento dessa crisemundial iniciada com a derrocada dos bancos

americanos,váriospaíseseuropeustiveramasuaeconomiaseriamenteatingida,oqueoslevouabuscarempréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI, que, para concedê-los, impôs metasdraconianas,comoareduçãodossaláriosdostrabalhadoresedosdireitostrabalhistas,bemcomoodesmonte do Estado. A crise parece ampliar-se com o endividamento público crescente norte-americano,chegandoaafetaraprópriaChina,maiorcredoradetítulosdadívidapúblicaamericanaepaísdemenorrespeitoaosdireitoslaborais.

Arecentecrise doEuro, agravadapelamoratória grega, impondo aindamais restrições aospaíseseuropeusqueformamoblocodemoedacomum,apontaparaquadrosombrioemtermosdedesempregoenecessidade de medidas de flexibilização da legislação protetiva do trabalho. Em nosso país, essequadrosemostraparticularmentegraveapartirde2015,comoconsequênciadeváriosanosdegovernomarcadopelos escândalosde corrupção, prodigalidade emprogramas sociais emágestão econômica,colocandooBrasilemsituaçãodeinflaçãoalta,moedadesvalorizada,empresasfechandoedesempregosubindo, o que impõe um repensar no campo das relações trabalhistas, para se chegar ao ponto deequilíbrioentredireitoslaboraisegarantiasdeempregabilidadeeoperacionalidadeempresarial.

10.RIGIDEZEFLEXIBILIZAÇÃODASNORMASTRABALHISTAS

No embate entre o capital e o trabalho, a tendência do patrão é exigir o máximo de rendimentoprodutivocomomínimoderetribuiçãosalarial,enquantoaintençãodostrabalhadoreséobteromáximodevantagenseconômicascomomínimodeesforçoprodutivo.OEstadointervémnarelação,protegendoohipossuficienteeestabelecendoascondiçõesmínimasdetrabalhoeremuneração.

ConstituindooDireitodoTrabalhoumaconquistapaulatinadaclassetrabalhadora,temosque,comopassardotempo,háumaumentoprogressivodasvantagensoutorgadaseadquiridaspelostrabalhadores.

Dopontodevistadaempresa,aampliaçãodalegislaçãotrabalhista,bemcomoaconcessãodenovose maiores benefícios por meio de acordos, convenções ou dissídios coletivos, implica um aumentoprogressivo dos encargos sociais que, em alguns casos, pode comprometer o próprio êxito doempreendimentoeconômico.

A necessidade de flexibilização das normas trabalhistas coloca-se tanto nos períodos de crise naeconomia como em decorrência do progresso tecnológico, que torna supérflua parte da mão de obraempregada.Nessesperíodos,verifica-seaimpossibilidadepráticadeasempresasarcaremcomtodososônus trabalhistas, sob pena de perderem competitividade no mercado internacional, numa economiaglobalizada,sendoquearigidezdoDireitodoTrabalho,comoelementoprotetivodopolomaisfraconarelação laboral, pode conduzir à desagregaçãodos fatores produtivos: a falência da empresa acarretaprejuízonãosomenteaoempresário,mastambémaotrabalhador,queperdesuafontedesustento.

AConstituiçãoFederalde1988,nointuitodecombaterodesemprego,adotouaflexibilização,sobatutelasindical,quantoàsseguintesnormas:

a)redutibilidadesalarial(art.7º,VI);b)jornadadetrabalho(art.7º,XIII);c)trabalhoemturnosininterruptosderevezamento(art.7º,XIV).AflexibilizaçãorepresentaaatenuaçãodarigidezprotetivadoDireitodoTrabalho,comaadoçãode

condições trabalhistasmenos favoráveisdoqueasprevistasem lei,mediantenegociaçãocoletiva,emqueaperdadevantagenseconômicaspoderásercompensadapela instituiçãodeoutrosbenefícios,decunho social, que não onerarão excessivamente a empresa, nos períodos de crise econômica ou de

transformaçãonarealidadeprodutiva.AflexibilizaçãotendeaoidealderestringiraintervençãodoEstadonocampotrabalhista,passando-

se ao sistema daautorregulamentação das relações laborais, pelas próprias partes interessadas, pormeiodanegociaçãocoletiva.Talideal,noentanto,apenaspodeseratingidocomumsindicalismoforte,extensivoa todosos ramosprodutivos,quandoaopodereconômicopatronal (sobreos salários)podeopor-se,emigualdadedecondições,umpodersindicalobreiro(sobreaprestaçãodeserviços),demodoque tal poder de barganha, alcançado pela união dos trabalhadores, torne equilibrado o diálogo entrepatrõeseempregados.Nessescasosteríamosaprevalênciadonegociadosobreolegislado.

Assim,aflexibilizaçãodoDireitodoTrabalhonãosignificaprecarizaçãodosdireitos trabalhistas,masprestigiaranegociaçãocoletiva,emconsonânciacomasConvenções98e154daOIT.Odiscursododireitoadquirido,quetornamaisrígidoosistemaprotetivolaboral,temservidoapenasparamantermaisoumenosprotegidoocontingentedetrabalhadorescomempregosformais.Noentanto,mantémnainformalidade mais de 50% da força de trabalho no Brasil. E a tendência, em períodos de criseeconômicae financeiracomoaatravessadapeloBrasilepelomundodesdesetembrode2008,comaquebradosgrandesbancosde investimentonorte--americanos, édehavermenosproteção realquantomaisproteçãolegalseprometer.

Nessesentido,ajurisprudênciatemosciladoquantoàshipótesesemqueseadmiteaflexibilizaçãodalegislação através dos instrumentos coletivos, podendo ser elencados como exemplos num sentido ounoutroosseguintes:

VálidaaFlexibilização(cláusulasdenormascoletivas)

Limitaçãodashoras in itinere a serem pagas, desde que não tarifadasempercentualinferiora50%dasefetivamentetransportadas

TST-E-ED-RR-46800-48.2007.5.04.0861, SBDI-1, Rel. Min.BritoPereira,DEJTde6.9.2013

Ampliação da jornada de turnos ininterruptos de revezamento sempagamentodehorasextras

Súmula423doTST

Desconsideração da hora noturna reduzida, com majoração doadicional

TST-ROAA-5599/2004-000-13-00.9,Rel.Min.MárcioEurico,DJde23.5.2008

Pagamentodovale-transporteempecúniaTST-RO-161-37.2011.5.06.0000,SBDI-II,Rel.Min.GuilhermeAugustoCaputoBastos,julgadoem9.10.2012

InválidaaFlexibilização(cláusulasdenormascoletivas)

Reduçãodointervalointrajornadapararepousoealimentação Súmula437doTST

Tolerância de 5 minutos antes e 5 minutos depois da jornada semadicionaldehorasextras(minutosresiduais)

Súmula449doTST

SupressãodehorasinitinereE-ED-RR-449-35.2010.5.03.0054, Rel. Min. HugoScheuermann,DEJTde15.5.2015

Redução de horas in itinere abaixo de 50% das efetivamentetransportadas

E-RR-690-82.2013.5.09.0459, Rel. Min. Renato Paiva,DEJTde15.5.2015

AlteraçãodabasedecálculodashorasinitinereE-RR-132800-63.2008.5.15.0100,Rel.Min.LelioBentes,DEJTde15.5.2015

Alteraçãodabasedecálculodoadicionaldepericulosidade E-RR-13-37.2012.5.03.0012, Rel. Min. Márcio Eurico, DEJTde30.4.2015

DivisordehorasextrasE-ARR-1563-33.2012.5.09.0325, Rel. Min. Aloysio Corrêa,DEJTde8.5.2015

Majoração de carga horária em face de transferência de setor porautomaçãodeserviços

E-RR-280800-51.2004.5.07.0008,Rel.Min.LelioBentes,DEJTde20.6.2014

Desconsideraçãodahoranoturnareduzidaemjornadade12×36E-ED-RR-631600-36.2007.5.09.0594, Rel. Min. Lelio Bentes,DEJTde24.10.2014

Pagamentoenglobadodehorasextras,diáriasecomissõesE-ED-RR-200-35.2006.5.09.0094, Rel. Min. Lelio Bentes,DEJTde21.3.2014

IntegraçãodoprêmioprodutividadeaosalárioE-RR-1110-97.2012.5.09.0661, Rel. Min. Lelio Bentes, DEJTde15.5.2015

RetençãodepartedagorjetapeloempregadorE-ED-RR-139400-03.2009.5.05.0017,Rel.Min.MárcioEurico,DEJTde21.11.2014

QuitaçãodepassivotrabalhistaemPDVE-ED-RR-206100-27.2007.5.02.0465, Rel. Min. AlexandreAgraBelmonte,DEJTde19.12.2014

Como se percebe, a Justiça do Trabalho tem sido restritiva quanto à autonomia negocial coletiva,ampliandooconceitodeindisponibilidadededireitoseanulandosignificativonúmerodecláusulas,queconsideraatentatóriasaosdireitosmínimosdos trabalhadores.Aideianorteadoradessa jurisprudênciarestritiva é a de que a negociação coletiva visa a ampliar, e não reduzir, o conjunto dos direitos dostrabalhadores.

Diantedetalquadrojurisprudencialrefratárioàflexibilizaçãodedireitostrabalhistas,oGovernodaPresidenteDilmaRoussef,acossadoporempresáriosecentraissindicais,diantedocontextoeconômicoderecessãoporquepassaatualmenteoPaís,comaumentosignificativodainflação,subidaexcessivadodólaredodesempregoereduçãodaprodutividade,editouaMedidaProvisórianº680/2015,instituindoo Programa de Proteção ao Emprego (PPE), com a finalidade explícita, além da preservação deempregos (art. 1º, I) e da recuperação econômico-financeira das empresas (art. 1º, II), de fomento ànegociaçãocoletiva(art.1º,V).

OqueimpressionanotextodaMPnº680/2015éofatodequeoreferidoPlanovemrecordaroqueaConstituiçãoFederal já diz com todas as letras,masque a JustiçadoTrabalho talvez tenhaolvidado,imbuídaqueestádesuamissãoprotetivadotrabalhador:queépossívelflexibilizarsalárioejornadaemperíodosde retraçãoeconômicaglobalousetorial,mediantenegociaçãocoletiva (CF,art7º,VI,XIII,XIVeXXVI),abemdoprópriotrabalhador.

O que a MP propõe é que empresas e sindicatos, para preservar empregos, reduzam jornadas esalários em até 30% (art. 3º), mediante acordos coletivos de trabalho (§ 1º), sendo que o governocolaborarácomostrabalhadores,destinandorecursosdoFAT(FundodeAmparoaoTrabalhador)paracompensarpartedaperdasalarialhavida(art.4ºe§1º).

Ouseja,aMPnº680/2015,excepcionadaamençãoàajudadoFAT,constituipuraesimplesmentearepetição,emnívelinfraconstitucional,doquedispõeaCartaMagnaquantoàflexibilizaçãodasnormaslegais que dispõem sobre jornada e salário, mediante tutela sindical. E não veio sem tempo, pois arecordação,comoveremosabaixo,tambémestávindodenossaSupremaCorte.

A nosso ver, os parâmetros que pautariam a autonomia negocial das partes, em matéria denegociaçãocoletivaeflexibilizaçãodasnormastrabalhistas,seriambasicamente:

a)nãoseadmitesupressãointegraldedireitolegalmentereconhecido;b) não se admite flexibilização de normas previdenciárias, fiscais, processuais, de medicina e

segurançadotrabalho;c)admite-seflexibilizaçãodedireitosligadosasalárioejornadadetrabalho(CF,art.7º,VI,XIIIe

XIV), com redução e compensação implícita, em face da teoria do conglobamento (no todo, a normacoletivadeveserfavorávelaostrabalhadores).

RecentedecisãodoSupremoTribunalFederalsobreavalidadedecláusulasdeacordocoletivo(Casodo PDV do BESC, RE 590.415-SC, Rel.Min. Luis Roberto Barroso, julgado em 30.4.2015), trouxenovasluzesparaodebatesobreaflexibilizaçãodedireitoslaborais,oqueimplicaráforçosamenteumarevisão da jurisprudência do TST sobre amatéria, traçando parâmetros claros quanto aos limites daautonomianegocialcoletiva.Oreferidojulgadotraznaementaoseguinteentendimento:

“DIREITODOTRABALHO.ACORDOCOLETIVO.PLANODEDISPENSAINCENTIVADA.VALIDADEEEFEITOS.(...)3.Noâmbitododireitocoletivodo trabalhonãoseverificaamesmasituaçãodeassimetriadepoderpresentenasrelaçõesindividuaisdetrabalho.Comoconsequência,aautonomiacoletivadavontadenãoseencontrasujeitaaosmesmoslimitesqueaautonomia individual.4.AConstituiçãode1988,emseuartigo7º,XXVI, prestigiouaautonomiacoletivadavontade eaautocomposiçãodosconflitostrabalhistas,acompanhandoatendênciamundialaocrescentereconhecimentodosmecanismosdenegociaçãocoletiva,retratadanaConvençãonº98/1949enaConvençãonº154/1981daOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho.Oreconhecimentodosacordoseconvençõescoletivaspermitequeostrabalhadorescontribuamparaaformulaçãodasnormasqueregerãoasuaprópriavida(...)”.

PodemserextraídosdovotodoRelatorosseguintesexcertos, significativamenteesclarecedoresdavisãodaSupremaCortesobreamatéria:

“VI.ARELACÃOENTRENEGOCIACÃOCOLETIVAEDEMOCRACIA:AMAIORIDADECÍVICADOTRABALHADOR

26. A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de granderelevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho epossibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão,garantindoaosempregadosumsentimentodevaloredeparticipação.Éimportantecomoexperiênciadeautogoverno,comoprocessodeautocompreensãoecomoexercíciodahabilidadeedopoderdeinfluenciaravidanotrabalhoeforadotrabalho.É,portanto,ummecanismodeconsolidaçãodademocraciaedeconsecuçãoautônomadapazsocial.

27. O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores apossibilidadedetomarassuasprópriasdecisões,deaprendercomseuspróprioserros,contribuiparaapermanenteatrofiadesuascapacidadescívicase,porconsequência,paraaexclusãodeparcelaconsideráveldapopulaçãododebatepúblico.(...)

28.Nessalinha,nãodeveservistacombonsolhosasistemáticainvalidac ãodosacordoscoletivosdetrabalhocombaseemumalógicadelimitac ãodaautonomiadavontadeexclusivamenteaplicávelàsrelac õesindividuaisdetrabalho.Talingere nciaviola os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as negociac ões coletivas como instrumento de soluc ão deconflitoscoletivos,alémderecusaraosempregadosapossibilidadedeparticiparemdaformulac ãodenormasqueregulamassuasprópriasvidas.Trata-sedeposturaque,decertaforma,comprometeodireitodeseremtratadoscomocidadãoslivreseiguais.

29. Além disso, o voluntário cumprimento dos acordos coletivos e, sobretudo, a atuac ão das partes com lealdade etranspare nciaemsuainterpretac ãoeexecuc ãosãofundamentaisparaapreservac ãodeumambientedeconfianc aessencialaodiálogoeànegociac ão.Oreiteradodescumprimentodosacordosprovocaseudescréditocomoinstrumentodesoluc ãode

conflitoscoletivosefazcomqueaperspectivadodescumprimentosejaincluídanaavaliac ãodoscustosedosbenefíciosdeseoptarporessaformadesoluc ãodeconflito,podendoconduziràsuanãoutilizac ãoouàsuaonerac ão,emprejuízodosprópriostrabalhadores.

(...)

48.Nãosocorreacausadostrabalhadoresaafirmação,constantedoacórdãodoTSTqueuniformizouoentendimentosobreamatéria, de que ‘o empregadomerece proteção, inclusive, contra a sua própria necessidade ou ganância’. Não se podetratarcomoabsolutamenteincapazeinimputávelparaavidaciviltodaumacategoriaprofissional,emdetrimentodoexplícitoreconhecimentoconstitucionaldesuaautonomiacoletiva(art.7º,XXVI,CF).Asnormaspaternalistas,quepodemterseuvalornoâmbitododireitoindividual,sãoasmesmasqueatrofiamacapacidadeparticipativadotrabalhadornoâmbitocoletivoeque amesquinham a sua contribuição para a solução dos problemas que o afligem. É através do respeito aos acordosnegociados coletivamentequeos trabalhadorespoderão compreender e aperfeiçoara sua capacidadedemobilização edeconquista,inclusivedeformaadefenderaplenaliberdadesindical.Paraissoépreciso,antesdetudo,respeitarasuavoz”.

Finalmente, para balizar melhor a jurisprudência sobre a validade de cláusulas de acordos econvençõescoletivas,mistersefazreferirovotodoMinistroTeoriZavascki,nosupracitadoprecedentedoSTF:

“Considerando a natureza eminentemente sinalagmática do acordo coletivo, a anulação de uma cláusula tão sensível como essademandariacertamentea ineficáciadoacordoemsua integralidade, inclusiveemrelaçãoàscláusulasquebeneficiamoempregado.Aparentemente,oquesepretendeéanularumacláusula,quepoderiasercontráriaaointeressedoempregado,masmanterasdemais.Nãovejocomo,numacordoquetemnaturezasinalagmática,fazerissosemrescindiroacordocomoumtodo”(p.39-40dointeiroteordoacórdão).

Édesedestacarqueadecisãofoiunânimee,atualmente,estãopendentesdejulgamentopelaSupremaCorteváriosrecursosextraordináriosdiscutindoavalidadedediferentescláusulasdeACTs/CCTs,soborótulodaControvérsiaC-50009,daTabeladeTemasdeRepercussãoGeraldoSTF.