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14 Capítulo I - Representação gráfica da jóia - Origens históricas Introdução ao Capítulo I Este capítulo apresenta uma história da jóia a partir do Século XVI sob o enfoque da representação gráfica da jóia, abordando também os conteúdos simbólicos da jóia e as fun- ções de sua representação. A forma de produção desta jóia, a estrutura das guildas e posteriormente as manufaturas, assim como a relação mestre-aprendiz serão abordadas através de exemplos como o de Holbein e Dührer , verificando-se que esta relação de trabalho ainda estrutura o aprendizado e a pro- dução artesanal, semi-artesanal e industrial de jóias. Origens históricas da representação gráfica da jóia A comunicação simbólica através de signos plásticos, sejam eles corporais ou na forma de artefatos, é uma necessi- dade do homem em seu convívio social. Os objetos produzi- dos pelo homem conservam as relações do coletivo e do indi- vidual, são arquivos de um povo, reflexos da sociedade e da imagem que o homem projeta para si. Através dos séculos a jóia traduz a necessidade da representação do homem, expressando seus conteúdos rituais, simbólicos e estéticos. Seja entre os egípcios, bizantinos, romanos ou hindus, os objetos preciosos que resistiram no tempo nos permitem delinear uma história da jóia com a con- tribuição fundamental da documentação pictórica dos retratos. Figura 1- Clouet - Retrato de Elizabeth da Áustria, Museu do Louvre, Paris.

Capítulo I - Representação gráfica da jóia - Origens ... · 15. No período anterior ao renascimento, por exemplo, observamos a representação gráfica da jóia em pinturas

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Capítulo I - Representação gráfica da jóia -Origens históricas

Introdução ao Capítulo I

Este capítulo apresenta uma história da jóia a partir doSéculo XVI sob o enfoque da representação gráfica da jóia,abordando também os conteúdos simbólicos da jóia e as fun-ções de sua representação. A forma de produção desta jóia, aestrutura das guildas e posteriormente as manufaturas, assimcomo a relação mestre-aprendiz serão abordadas através deexemplos como o de Holbein e Dührer , verificando-se queesta relação de trabalho ainda estrutura o aprendizado e a pro-dução artesanal, semi-artesanal e industrial de jóias.

Origens históricas da representação gráfica da jóia

A comunicação simbólica através de signos plásticos,sejam eles corporais ou na forma de artefatos, é uma necessi-dade do homem em seu convívio social. Os objetos produzi-dos pelo homem conservam as relações do coletivo e do indi-vidual, são arquivos de um povo, reflexos da sociedade e daimagem que o homem projeta para si.

Através dos séculos a jóia traduz a necessidade darepresentação do homem, expressando seus conteúdos rituais,simbólicos e estéticos. Seja entre os egípcios, bizantinos,romanos ou hindus, os objetos preciosos que resistiram notempo nos permitem delinear uma história da jóia com a con-tribuição fundamental da documentação pictórica dos retratos.

Figura 1- Clouet - Retrato de Elizabeth da Áustria, Museu do Louvre,Paris.

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No período anterior ao renascimento, por exemplo,observamos a representação gráfica da jóia em pinturas emosaicos, retratando reis e nobres, difundindo a imagem dopoder e da posição social. A o mesmo tempo, esta representa-ção também documenta a função mágica do amuleto, além dasfunções de símbolo e ornamento. Assim como na Antiguidade,na Idade Média e no Renascimento as jóias possuem virtudestalismânicas - afastam desgraças e favorecem virtudes. Umexemplo é a iconografia oficial do Séc.XV, onde Jesus meni-no é representado com colares e pulseiras de coral, um amule-to muito usado na época e ainda hoje contra o mau olhado. NoBrasil temos pesquisas que trouxeram a público o valor e sig-nificado destes testemunhos, segundo Raul Lody.constata-se aocorrência de objetos de couro recobertos por ouro, em con-juntos semelhantes às pencas de prata que ajaezavam as cintu-ras das mucamas e devotas de algumas irmandades religiosasna Bahia no Séc. XIX. Aliás o uso frequente de objetos comfinalidades mágicas é atestado por ico

nografia de documentalistas da época como Debret e CarlosJulião

A partir do Séc. XVI já podemos verificar dois novosobjetivos da representação, além do retrato: a documentaçãoem forma de pinturas ou gravuras do inventário de um nobre,

Figura 2 - Escola de Fontainebleau: Mulher em sua toalete, Museu deBelas Artes, Dijon - Detalhe.

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e estudos para execução de jóias sob encomenda (também naforma de pinturas e gravuras). Artistas como Albrecht Dührer(cujo pai era joalheiro e ele mesmo foi aprendiz muitos anosem sua oficina) e Hans Holbein (o jovem), mais conhecidospor sua obra pictórica, tem uma grande produção de desenhosde jóias, feitos com bico de pena e aquarela.

Os grandes artistas eram solicitados a produzir dese-nhos para toda sorte de ornamentos, havendo uma ligaçãomuito próxima entre pintura, escultura e a joalheria.Gradualmente os joalheiros se tornaram meros executantes,reproduzindo ornamentos criados por gravadores comoBoyvin (1530-98), em França.

Figura 3 - Holbein: desenho de pendente com o monograma HI (HenriqueVIII e Jane Seymour ?), uma esmeralda no centro e três pérolas. Bico depena e aquarela. Museu Britânico, Londres.

Figura 5 - Holbein: desenho de pendente em forma de losango com dia-mantes e pérolas. Bico de pena e aguada de amarelo. Museu Britânico,Londres.

Figura 4 -Retrato de JanePemberton, vellum montado emcarta de jogar, 5,3cm de diâme-tro, em pendente de ouro compérolas, c.1540. Victoria &Albert Museum.

Figura 6 - Retrato de JaneSeymour, Hans Holbein, pastelpreto e colorido sobre papel,1536-37, Royal Collection,London.

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Albrech Dürer numa carta ao amigo Pirkheimerem 1506 demonstra mais claramente estas relações do traba-lho artístico com o conhecimento da joalheria e de seu merca-do: “Estou enviando um anel de safira por este mensageiro,como você me pediu com urgência. Não pude concluir a tare-fa antes porque passei dois dias inteiros visitando todos osjoalheiros da Alemanha e Itália e fazendo comparações, e nãoachei um único anel tão bom quanto este pelo mesmo preço.Comprei-o, graças às minhas preces, por doze ducados e qua-tro marcelli de um homem que o usava no próprio dedo. Tãologo o comprei, um joalheiro alemão que me viu usando-oofereceu-se para comprá-lo por três ducados a mais.”

(8 de março de 1506, Albrecht Dürer, Lettres e Ecritsthéoretiques, texto e tradução de Pierre Vaisse, ed. Hermann,Paris, 1964.)

Dürer comprou esmeraldas e o anel de safira de quefala na carta e pergunta a seu amigo se deseja uma pulseira dediamantes. Ele sempre tentava fazer bons negócios enviandopedras a Nuremberg, sua cidade natal, para serem vendidas aum preço mais alto. Muitos joalheiros se estabeleceram emNuremberg dentre eles o pai de Dürer, “um homem galante etalentoso em sua arte”, segundo o filho.

Dürer assimilou o estilo de jóias italiano mas sem per-der seu toque pessoal, o mesmo ocorreu com Holbein quemesmo tendo trabalhado sob a orientação de Henrique VIII nacriação de jóias, não podemos dizer que estes trabalhos per-tenceram à uma escola inglesa. Mesmo havendo um estilointernacional, não podemos isolar simplesmente as caracterís-ticas de cada país, pois muitos artistas e artesãos não eramnativos dos países em que viviam. Os desenhos de Holbeineram executados por Hans de Antwerpia (John Anwarpe).

Podemos citar outros exemplos especialmente emFlorença (que junto com Veneza eram as cidades italianasmais importantes em produção joalheira), de pintores, escul-tores e arquitetos que foram aprendizes em ourivesaria, comoos grandes mestres protegidos de Cosimo dei Medici,Brunelleschi, Ghiberti e Donatello, e também com Botticelli,Pollaiuolo , Verrochio e Ghirlandaio.

A maioria dos mestres citados passou alguns anos desua juventude numa oficina de ourivesaria e o treinamentorecebido foi de muita influência em seu trabalho artístico,como no caso da gravação em metal de Dürer. Podemos tam-bém constatar o poder da guilda dos ourives de Florença e orespeito ao seu trabalho e sua arte. A tradição florentina deperfeição técnica certamente influenciou estes artistas aindajovens e suas pinturas refletem essa evidência, nas represen-tações de jóias e ornamentos factíveis, que podem ter influen-ciado artesãos em busca de aumentar seu repertório com ele-mentos retirados destas pinturas.

Figura7.-Desenho de cálices devinho, lápis sobre papel,200x285mm, c.1515, Dührer.Bibliothek, Dresden.

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A joalheria também se subdividia em diferentes espe-cializações, e o joalheiro não era mais ourives/esmalta-dor/lapidador simultaneamente. A relação entre pintores ejoalheiros se diluiu com esta especialização, possibilitandouma nova concepção da função decorativa do ornamento, semas referências literárias, históricas ou religiosas doRenascimento.Posteriormente à documentação dos objetos deadorno da nobreza e aos estudos para peças a serem fabrica-das, a representação gráfica também passou a ser utilizada no

Figura 8 - Boyvin: desenho de pendentes. Coleção miscelânea de designsde jóias do Século XVI e XVII. B.N., Paris, Cabinet des Estampes.

Figura 9 - Boyvin: desenho de pendente. B. N., Paris, Cabinet desEstampes.

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processo de arquivo de idéias/imagens para a produção dejóias, conforme nos mostram alguns exemplos de títulos queforam publicados a partir do Séc. XVI:“ Le livre de toutes sor-tes de feuilles pour servir à l’art d’orfèvrerie, Paris, 1634,Balthasar Moncornet, Victoria & Albert Museum, London.

“Premier livre de desseins de joaillerie et bijouterie inventéspar Maria et gravés par Babel”, Paris, c. 1765, Cabinet desEstampes.

Devemos ressaltar que historicamente a representaçãográfica da jóia vem retratando a evolução dos temas e estilosna joalheria, assim como também seus avanços tecnológicos

Figura 10 - Balthasar Moncornet: jeweled spray. em Le livre de toutes sor-tes des feuilles pour servir à l art d orfèvrerie, Paris, 1634. Victoria &Albert Museum, Londres.

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nos processos de produção em geral, como por exemplo naevolução da lapidação de gemas, principalmente a partir de1476, quando se descobre o método de lapidação em facetas eposteriormente, no Séc. XVI, com a lapidação do diamante em18 facetas (Old single cut ou 8/8). A partir da constatação deque esta forma de representação se desenvolve para transmitirtodas as fases de produção da jóia, desde as gemas - cores, for-matos e lapidações, cravações, montagem, dimensões da peça;podemos verificar na prática que, inclusive pela sua origem,ela é essencialmente baseada em técnicas acadêmicas de dese-nho e pintura, objetivando uma fiel previsão ou reprodução dajóia em si.

“ It seems thoroughly pointless to me, since fas-hions change and more over, designs are worked out to accordwith the number and size of diamonds available for the work.(Bourget at the beginning of the collection of ornaments hepublished in 1712).”

Figura 11 - Maria: Corsage, em Premier livre de desseins de joaillerie etbijouterie inventés par Maria et gravés par Babel, Paris, c. 1765. B.N.,Paris, Cabinet des Estampes.

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Os desenhos produzidos para utilização na joalheriano Século XVI até o Século XVIII na Europa, sejam eles gra-vuras ou desenhos a bico de pena e aquarela, apresentamvariações na representação das especificações técnicas.Alguns autores como Holbein por exemplo, apresentavam odesenho de uma jóia com todos os detalhes de gemas lapida-das, cravações, representação de figuras e cenas, assim comoa esmaltação (Figura 12). Em outros casos, como o do francêsBalthasar Moncornet (Figura 10) os desenhos são ornamentos(florais, no caso) para utilização na criação de jóias. A gravu-ra De Lapidibus Preciosis (Figura 16) mostra quatro represen-tações de lapidação de gemas desenvolvidas no período, epodemos identificar que uma delas é a lapidação briollete,desenvolvida a partir da Meia Rosa Holandesa.

A partir do Século XIX a representação gráfica da jóiajá se assemelha ao tipo de desenho feito atualmente como porexemplo nas ilustrações de jóias da Maison Robin (Jean-Paule Paul Robin). Nestes desenhos (Figura 13) temos seis proje-tos de montagem para duas esferas de coral. A técnica derepresentação utilizada é a aquarela e guache sobre papelvélin creme ou de outras cores, datados de 1880. Pode-se veri-ficar que a representação é bastante realista e que o modelonúmero seis é extremamente moderno. Certamente havia umapreocupação com a escolha do cliente, justificando sempre aadoção do desenho em escala natural, ou seja em tamanhoreal.

Em meados do Século XIX, as gravuras doRenascimento como por exemplo as de René Boyvin eEtienne Delaune serviram novamente de inspiração aos escul-tores (modelistas) que trabalhavam para joalheiros e manufa-turas de bijouterias, produzindo peças no estilo Renascença.Observa-se então nos desenhos o ressurgimento de temascomo ninfas, sereias, cobras, leões, leopardos e insetos, assimcomo o uso de camafeus e intaglios.

“There is no snake nor any monster,however hideousWhich art cannot turn into a thing of beauty.”BoileauO bestiário de Robin é muito variado e assim como

ele, outros joalheiros seus contemporâneos desenvolviamestas temáticas que atingiram seu auge no Art Nouveau comRené Lalique . Na Figura 14 pode-se verificar que as varia-ções para montagem de um diamante num anel masculinoestão desenhadas apenas de um lado de cada anel, desenhoeste planificado para melhor mostrar os detalhes do aro. Háuma anotação não visível neste desenho, de que ele está emescala ampliada, em “doble grandeur”, conforme o texto orig-inal.

Figura 12 -Desenho de penden-te de.ouro amarelo, esmeraldas,,pérolas, e esmalte. HansHolbein, lápis e nanquim comaquarela, 1533-36, MuseuBritânico.

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.Figura 13 -Seis projetos de montagem para duas esferas de coral em ouroamarelo e branco, Paul Robin, cerca de 1895, Musée des Arts Décoratifs,França.

Figura 14-Anéis masculinos. Quatro opções para a montagem de um dia-mante:Cabeças de leão, folhas de hera e louro, anotado “dupla grandeza”,Paul Robin, cerca de 1890, Musée des Arts Décoratifs.

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A formação do designer de jóias - a relação mes-tre/aprendiz

O artesão medieval aprendia seu ofício através da prá-tica orientada pela tradição, não havendo liberdade de criaçãoindividual em suas peças, já que havia uma orientação daIgreja, ou do Estado. Posteriormente, no Renascimento houveuma diferenciação entre o trabalho intelectual e o manual,assim como um desenvolvimento dos processos de fabricaçãode uma jóia. Houve um enriquecimento decorativo das jóiascom o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas deesmaltação como o champlevé, basse-taille, cloisonné ,plique-à-jour, Limoges e grisaille e a evolução dos processosde lapidação, polimento e cravação de gemas. A técnica deesmaltação chamada champlevé é uma das mais antigas e con-siste em preencher com o esmalte depressões na superfície dometal.

Posteriormente (em torno do ano 1200) esta técnicaevoluiu para o basse-taille, onde a base de metal é decoradacom desenhos em baixo relevo e preenchida posteriormentecom esmaltes transparentes resultando num efeito sutil desombreado. Na técnica de cloisonné, pequenas divisões feitascom fios de metal são usadas para separar áreas de cores dife-rentes de esmalte. Há uma base de metal por trás do esmalte.

Figura 16 - De LapidibusPreciosis, xilogravura - detalh-es. Biblioteca Nacional, Paris,Cabinet des Estampes.

Figura 15 - Broche de Boucheron : asas em esmaltação plique-à-jour verdee azul com detalhes em safiras e diamantes, olhos em crisoberilo olho degato, montado em ouro e prata, c. 1890. Christies Auction Catalog.

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Por volta de 1300, em Paris, surge a técnica doplique-à-jour, semelhante ao cloisonné, mas não havendo basede metal por trás do esmalte, os esmaltes transparentes são osmais indicados para dar o efeito de um vitral. Em Limoges, atécnica de pintura de miniaturas em esmalte foi uma evoluçãodo processo já conhecido de pintura em porcelana, e em tornodo ano 1400 consistia na pintura policromática sobre umasuperfície previamente esmaltada com três camadas finas deesmalte branco. O desenvolvimento da técnica chamada gri-saille se deu em por volta de 1500 e é na verdade a técnicade pintura monocromática, sobre um fundo esmaltado comtrês camadas finas de esmalte preto ou azul escuro transparen-te, pintada com esmalte branco.

A definição abaixo é uma definição atual de designerde jóias dada pelo Instituto Europeo di Design, que possui for-mação superior em Design de Jóias, e ressalta o caráter inter-mediário entre o trabalho manual, artesanal e industrial, assimcomo qualifica o designer de jóias para a produção de prata-ria, bijouteria e objetos decorativos.

“O designer de jóias é em síntese a união da figura doprojetista, do artista e do artesão, a meio caminho entre omundo do estilo e o da industria, atento às transformações dogosto e dos costumes, de tal forma um antecipador dotado degrande sensibilidade e curiosdade intelectual. Um profissionalque projeta a valorização da figura humana utilizando metaispreciosos como o ouro nas suas diversas tonalidades, a pratae a platina, mas também experimentando abordagens nãousuais e provocadoras, manipulando e transformando emlaboratório todos os materiais alternativos possíveis (vidros,terras, resinas, tecidos, etc.).

Conhecedor dos materiais, dos processos de trabalho edas tecnologias de transformação artesanal, dedica para issomuito tempo e atenção ao trabalho manual de laboratorio deourivesaria, e aos processos e transformações industriais, écriador de tipologias decorativas e de produtos para a alta joa-lheria, a ourivesaria, a bijouteria, a prataria e os objetos.”

Figura 18 - Pendente LouisXIV com diamantes lapidaçãorosa e um esmalte Petitot -Técnica de Limoges. ChristiesCatalog.

Figura 17 - Etienne Delaune: Goldsmith s workshop, gravura, França,1576. Museu Britânico, Londres.

Figura 19 - Medalhão em prata,ouro, cristais de rocha e minia-tura, esmaltada na técnica gri-saille. Portugal, Século XVIII.

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O desenho de jóias no Brasil

A formação do designer de jóias no Brasil sempre foibaseada na prática adquirida dentro das grandes empresas dosetor joalheiro. Podemos traçar um paralelo e buscar seme-lhanças entre o aprendizado do ofício de ourives e o de desig-ner de jóias, assim como suas origens históricas comuns.

Tendo como origem européia as corporações de ouri-ves (portugueses), e o conhecimento trazido pelos povos deorigem Fanti-Ashanti (africana), da arte de fundir o bronzecom a técnica milenar da cera perdida; esta mão-de-obrabaseada no sistema de mestres e aprendizes foi a base da ouri-vesaria brasileira. O trabalho produzido pelos prateiros, ouri-ves, ferreiros e demais artesãos/artistas que conheciam estastécnicas mostram as soluções encontradas por mestres portu-gueses e mestres africanos, através de uma troca mútua desoluções. O aprendizado se dava através deste relacionamentomestre-aprendiz, onde o conhecimento e a experiência sãopassados como uma herança. Assim também ocorreu maisrecentemente entre os profissionais que começaram a dese-nhar jóias, com as mais diversas formações, e que se inicia-vam no assunto com outros já experientes, através principal-mente da observação de seu processo de trabalho e do respec-tivo resultado final

De forma que os primeiros designers de jóias vinhamdas Belas Artes, Arquitetura ou eram ourives-criadores, quedesenhavam e produziam o modelo inicial em metal.

Figura 20- Broche em ouro, bri-lhantes e esmalte - técnica debasse taile, Van Cleef & Arpels,França,cerca de 1956.

Figura 22 e 23 - Pencas debalangandãs em prata, dentes,figa de madeira, contas delouça. Século XIX. AcervoMuseu Carlos Costa Pinto.

Figura 21 - Punhos ou copos e bracelete em ouro. Joalheria desenvolvidapor africanos e seus descendentes. Colar em bolas de ouro e figa de aze-viche. Peças que integravam a roupa da mulher negra da Bahia do SéculoXIX. Acervo: Museu Carlos Costa Pinto.

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Contexto no período de 1950/1970 - Rio de Janeiro

No período anterior a 1940, as gemas coloridas brasi-leiras eram pouco exploradas e classificadas como “semi-pre-ciosas”, em relação às gemas mundialmente conhecidas comopreciosas: rubi, safira, esmeralda e diamante. A partir daSegunda Guerra Mundial, os governos brasileiro e americanocriaram uma Comissão de Compras, colaborando na minera-ção de material estratégico, como por exemplo, o cristal derocha, diamante, mica, tantalita, colombita e tungstênio, emMinas Gerais e na Bahia. Esta exploração levou ao descobri-mento de muitas novas ocorrências gemíferas, principalmentede turmalina, topázio azul, topázio imperial, kunzita, peridoto,etc. Apesar da prioridade na extração de material estratégico,iniciou-se assim um mercado local de gemas brutas e lapi-dadas.

Posteriormente, em 1953 foram encontradas águas-marinhas de qualidade excepcional no Rio Grande do Norte eem 1960 opalas no Piauí, colocando o Brasil na posição demaior produtor mundial de gemas coloridas.Quantitativamente, mais da metade das gemas coradas domundo são extraídas aqui

É nesse contexto que começa a criação de jóias utili-zando as recém descobertas gemas, inicialmente com peçasque engastavam as pedras de forma muito simples. A fundaçãodas principais casas joalheiras do Brasil, notadamente nadécada de 1940 como a H.Stern e a Amsterdam Sauer marca osurgimento de uma jóia que utiliza as gemas brasileiras e cujaprodução se destinava ao turista que visitava o Rio de Janeiro,em especial o norte-americano. Deve-se ressaltar aqui a parti-cipação da Amsterdam Sauer na pesquisa e descobrimento,assim como no reconhecimento internacional das gemas bra-sileiras através de testes em laboratórios gemológicos.

Ogosto por grandes gemas é muito antigo e possui uma dimen-são mística e um poder ligado à sua durabilidade que ultrapas-sa a existência humana. O surgimento dessas gemas (a forma-ção do mineral) é anterior à humanidade e elas continuarão aexistir quase que eternamente com sua beleza, como um ícone,especialmente no caso dos diamantes. Alguns dos mais excep-cionais diamantes - o Cullinan I, Sancy ou o Hope - possuemhistórias fascinantes e associações sobrenaturais. Havia umacrença de que a estrutura cristalina de uma grande gema pode-ria acumular energias negativas, afetando potencialmente seusdonos. O diamante azul Hope, por exemplo, foi originalmen-te vendido para Luís XIV e posteriormente, em 1910 vendidopela Cartier para a americana Evalyn WalshMcLean e suareputação de trazer má sorte era tão conhecida que sua pro-

Figura 24 - O diamante Hope.Smithsonian Museum ofNatural History.

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prietária chamou um padre para exorcizá-lo.Nos anos cin-

qüenta, um dos ornamentos mais em voga em eventos sociaiseram os chamados “cocktail rings”, anéis pesados, importan-tes, extraordinários, com grandes gemas e diamantes.Atualmente os cocktail rings são anéis fantasia, que impõem apresença marcante de quem o usa. Manuais de moda recomen-dam apenas um destes anéis em cada mão, abrindo exceçãosomente para a aliança. Pelo seu excesso de elementos, não sedeve usá-lo com outros anéis. O turista ameri-cano assim como o europeu já tinha culturalmente esta valori-zação das jóias com gemas, e as grandes atrizes de cinema nasdécadas de 1940/50 eram as modelos que desfilavam com estetipo de jóia, influenciando o gosto do público. Pode-se consi-derar então que estas jóias possuíam significados tradicionaisoriundos da tradição européia assim como uma nova visuali-dade baseada na moda e no glamour de Hollywood.

A partir destecontexto, o Rio de Janeiro passou a incorporar às suas atraçõesturísticas, a grande oferta de gemas a preços bem mais acessí-veis do que o turista compraria em seu país de origem e umdesign de jóias específico para valorizar estas gemas. Colarese pulseiras de pedras diversas misturadas ou apenas uma pedrade tamanho importante, colares e pulseiras “rainbow”, etc.

A mulher ameri-cana consumidora destas jóias caracterizadas pelo excesso nasdimensões, nas formas e cores exuberantes, não era uma mul-her jovem, e na maioria das vezes a viagem ao Brasil era feitaem navios. Nestas viagens havia tempo e espaço para se repro-duzir uma vida social na

Figura 25- Cocktail-rings: Dior,Coleção 2003.

Figura 27 - Colar de rubis e diamantes estilo cascata. Design característi-co da década de 1950, Catálogo da Christies.

Figura 26 - Cocktail-rings:Dior, Coleção 2003.

Figura 28 - Cocktail-rings:Amsterdam Sauer, Coleção2003.

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qual estas jóias já participavam de uma construção de identi-dade baseada na ostentação e exibição de si próprio. No casodos cocktail rings assim como nas outras jóias que seguiameste estilo caracterizado pelo excesso de elementos, encontra-mos o que Umberto Eco define como “desperdício planejado”.“ Em muitas civilizações, o desperdício planejado conotariqueza ( naturalmente não é relevante que esta riqueza “signi-ficada” seja efetiva ou não)”. Estas jóias nos dizem que quemas usa pode se permitir um certo desperdício com propósitosde ostentação.

O descobrimento das gemas brasileiras e suas especi-ficidades representaram um rompimento com a jóia tradicio-nal, e muitas coleções de jóias que estão sendo lançadas atual-mente estão fazendo releituras das jóias glamourosas do perío-do de 1940/50.

Contexto Internacional

Em 1937 a “International Exhibition of Arts andTechniques in Modern Life”, em Paris, marca o reapareci-mento dos temas figurativos que serão a fonte de inspiraçãopara os joalheiros no período de 1940 a 1960.

Em 1961 a primeira grande Exposição Internacionalde Joalheria Moderna ( 1890 – 1961 ) em Londres no

Figura 29 - Broche duplo-clip de diamantes,de cerca de1955, França.Catálogo da Christies, Londres.

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Goldsmith’s Hall oferecia pela primeira vez um panorama demais de meio século da arte joalheira. Esta exposição deuênfase particularmente à grande produção do período de

1940/60 mas também marcou o fim do estilo de jóia caracteerístico deste período.

Para falar do período de 1950 e os anos que o antece-dem, precisamos voltar ao período da Segunda GuerraMundial. Em se tratando de uma indústria de objetos de luxo,a joalheria sofreu com as limitações impostas pela guerra. Erauma atividade que, em tempos de grande dificuldade, foi redu-zida a retrabalhar a matéria prima oferecida pelos clientes. Aspedras preciosas não chegavam à Europa. Neste período deincerteza as jóias se transformaram numa forma de investi-mento: numa coleção de ensaios publicada em1942(L’Orfèvrerie, la Joaillerie), o joalheiro Georges Fouquetobservava com uma certa nostalgia “ A pedra preciosa estáperdendo seu caráter artístico e decorativo e se tornando umasegurança, uma forma de capital que tem a vantagem de serfacilmente transportada. Esta é claramente uma outra concep-ção, um modo diferente de ver a joalheria. É a maneira certa?Certamente não combina com o gosto francês.” Somente após1946/47 é que a indústria de bens de luxo começou a recupe-rar sua vitalidade.

A moda lançada em 1947 por Dior e outros retomavaas sedas e brocados, veludos e laços, cores iridescentes epadrões florais. A nova mulher era elegante, delicada, gra-ciosa. O retorno gradual à feminilidade e à um estilo orna

Figura 30 - Primeiro Prêmio Diamonds International Awards da AméricaLatina, desenho de Marcel Küng para Amsterdam Sauer, 1966, Brasil.

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mental e elaborado trouxe uma revolução correspondente najoalheria. A simplicidade foi abandonada e colares majestososreapareceram, assim como as cascatas de diamantes, monta-das em platina e ouro. O slogan lançado pela De BeersDiamond Corporation, “ A diamond is forever” em 1948 refle-te a posição de destaque do diamante assim como o lançamen-to em 1954 do concurso anual de design de jóias nos EUA,abrindo no ano seguinte à participação de competidores doresto do mundo. Um júri de especialistas de vários países, joa-lheiros, críticos de arte, julgavam e premiavam 30 designerspor ano, com o Diamonds International Awards, julgandobeleza, harmonia e originalidade em termos de design e do usode materiais. A funcionalidade das peças também era julgada.O joalheiro que recebesse este prêmio várias vezes se tornavamembro da Diamond International Academy.

As jóias transformáveis são sem dúvida as mais origi-nais criações deste período. Ao apertar botões secretos e arti-culações invisíveis, colares podem ser transformados em pul-seiras, broches, pendentes, diademas e ornamentos para cabe-lo. Um exemplo é um broche de Cartier de 1953 na forma deuma copa de árvore florida feita de diamantes formato baguet-te com três flores de esmeralda e brilhantes no centro quepodiam ser removidos e usados como broches individuais.Os joalheiros do Art Nouveau e Art Deco exploraram commuito talento a combinação de diferentes materiais, e a difi-culdade de importação de pedras de alto valor definia agorauma nova maneira de combinar o esmalte, e materiais como o

Figura 33- Broche em ouro tex-turizado, Van Cleef & Arpels,França, cerca de 1956.

Figura 32 - Broche de brilhantese ouro texturizado, Van Cleef &Arpels, França, cerca de 1956.

Figura 34 - Broche em ouroamarelo e branco texturizado ebrilnahtes, Van Cleef & Arpels,França, cerca de 1956.

Figura 31 - Broche duplo-clip estilo cascata, de cerca de 1950, França.Catálogo da Christies, Londres.

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ébano, quartzo, calcedônia, pedra da lua e pedras coloridas. Ouso de cores diferentes de ouro na mesma peça, assim comodiferentes texturas do ouro, simbolizaram o estilo dos anos 40e 50. Superfícies polidas contrastando com superfícies aceti-nadas, pontilhadas, facetadas, torcidas, cinzeladas e posterior-mente uma mudança na direção de uma maior delicadeza nosanos 50. O uso de filigrana, um método antigo em que o metalé utilizado na forma de fios finos às vezes torcidos e soldadosno metal.

As inovações técnicas deste período foram exploradaspelos designers para montagens flexíveis e elementos móveisque aumentassem a possibilidade de brilho das pedras, varian-do de acordo com a luz e conferindo a um material inanimadoa ilusão de vida. Flores em buquê que tremulavam a cadamovimento, broches de borboletas com asas móveis ou ani-mais domésticos com cabeças que se moviam, anéis combolas recobertas de pedras que se moviam também. Os joa-lheiros internacionais neste período estabeleciam lojas nosgrandes centros e posteriormente nos anos 60 abririam as“boutiques” voltadas para jóias com preços mais razoáveis.

Os salões anuais e exposições internacionais influen-ciaram na evolução das artes aplicadas. A ExposiçãoInternacional de 1937 em Paris, a Feira Mundial de Nova Yorkem 1939, a Feira Mundial de Bruxelas de 1958, a ExposiçãoInternacional de Joalheria Moderna ( 1890 – 1961 ), organiza-da pela Worshipful Company of Goldsmiths no Goldsmith’sHall em 1961, a Trienal de Milão, a Bienal de São Paulo, oSalão dos Artistas Decoradores, Salões de Outono e Trienal deArte Francesa Contemporânea no Museu de Artes Decorativasem Paris a partir de 1956, mas também exposições individuaisorganizadas por algumas firmas como a exposição anual daBoucheron de 1950 em diante.

Conclusão

Vimos neste capítulo como a representação gráfica dajóia possuiu diferentes funções através da evolução das técni-cas de produção e das modificações ocorridas na atividadejoalheira artesanal. Mesmo com o desenvolvimento das manu-faturas no Renascimento, a atividade joalheira ainda mantevemuitas características do trabalho artesanal, principalmente noque diz respeito à formação profissional do designer de jóias.Discrevemos de que forma se processava a produção inicial degemas e jóias com gemas no período de 1950/70 no Brasil eespecialmente quais as características do público consumidordas gemas brasileiras, basicamente o turista norte-americano,e que contexto externo influenciava esta produção ainda arte-sanal e sua estética.

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