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Paulo Victorino CAPÍTULO SEIS UM SOPRO DE DEMOCRACIA A CONSTITUIÇÃO DE 1934 Votada a Constituição, a Assembleia cuidou de eleger o presidente da República. Foram 175 votos para Getúlio Vargas (chefe do Governo Provisório), 59 para Borges de Medeiros, 4 para Góis Monteiro, 2 para Protógenes Guimarães e 8 votos isolados, provavelmente de candidatos que votaram neles mesmos. Três dias depois, em 20 de julho de 1934, Getúlio Dorneles Vargas era empossado presidente da República, para um mandato de quatro anos. Mas ninguém, em sã consciência, apostaria um réis na durabilidade da nova Constituição e, menos ainda, acreditaria que Getúlio, findo o mandato, passaria a faixa presidencial ao seu sucessor. Era esperar para ver. Uma das explicações possíveis para a permanência de Getúlio Vargas no governo, por tanto tempo, com um mínimo de desgaste e com uma aceitação popular raramente encontrada na vida pública, pode estar situada no profundo senso de realidade dessa velha raposa política. Getúlio não era um idealista, disposto a reformar o mundo com o poder de sua presença, ou com a determinação de seus atos. Conhecia as limitações à sua volta e evitava o confronto além de suas forças, cedendo quando necessário, e agindo com rigor implacável quando os ventos lhe eram favoráveis.

CAPÍTULO SEIS UM SOPRO DE DEMOCRACIA A CONSTITUIÇÃO DE … · ... em 20 de julho de 1934, Getúlio Dorneles Vargas era ... 30 de junho de 1934 e promulgada em 16 de julho

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Paulo Victorino

CAPÍTULO SEIS

UM SOPRO DE DEMOCRACIA

A CONSTITUIÇÃO DE 1934

Votada a Constituição, a Assembleia cuidou de eleger o presidente

da República. Foram 175 votos para Getúlio Vargas (chefe do

Governo Provisório), 59 para Borges de Medeiros, 4 para Góis

Monteiro, 2 para Protógenes Guimarães e 8 votos isolados,

provavelmente de candidatos que votaram neles mesmos. Três

dias depois, em 20 de julho de 1934, Getúlio Dorneles Vargas era

empossado presidente da República, para um mandato de quatro

anos. Mas ninguém, em sã consciência, apostaria um réis na

durabilidade da nova Constituição e, menos ainda, acreditaria que

Getúlio, findo o mandato, passaria a faixa presidencial ao seu

sucessor. Era esperar para ver.

Uma das explicações possíveis para a permanência de Getúlio Vargas no

governo, por tanto tempo, com um mínimo de desgaste e com uma aceitação

popular raramente encontrada na vida pública, pode estar situada no profundo

senso de realidade dessa velha raposa política.

Getúlio não era um idealista, disposto a reformar o mundo com o poder de

sua presença, ou com a determinação de seus atos. Conhecia as limitações à

sua volta e evitava o confronto além de suas forças, cedendo quando necessário,

e agindo com rigor implacável quando os ventos lhe eram favoráveis.

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Tinha uma forte intuição para identificar os componentes envolvidos em cada

acontecimento e aplicar o golpe certo no momento exato, como um malabarista

que vai dar seu salto mortal sobre a corda bamba, sabendo que qualquer erro

lhe pode ser fatal.

Ao meio de manobras e volteios, o chefe do Governo Provisório fazia de tudo

para que esse provisório durasse para sempre. O recuo, algumas vezes

necessário, não era mais que uma tática para contornar as dificuldades do

momento, permitindo um novo avanço, melhor estruturado.

Foi assim que, de um simples líder regional, em 1926, conseguiu destacar-se

no cenário político nacional, ocupando o proscênio por quase três décadas, até

que, por decisão própria, e de forma trágica, renunciou à própria vida, pondo fim

ao espetáculo do qual sempre foi o protagonista.

Parecia um ser robotizado, destituído de sentimentos. Com certeza os tinha,

mas suas mágoas e ansiedades, guardava-as para si, revelando apenas seu

lado racional e calculista.

No meio de tantos amigos e servidores, alguns não muito fiéis, era apenas

um solitário, incapaz de confiar a alguém o que lhe ia na alma. O certo é que,

durante todo o tempo em que se destacou na política, sua história se confunde

indelevelmente com a História do Brasil.

Querem Constituinte?

Toma Constituinte!

Assumindo o poder em 3 de novembro de 1930, exatamente um mês após o

início da Revolução, Getúlio criou uma estrutura permanente para seu Governo

Provisório.

Em 24 de fevereiro de 1932, objetivando pôr fim a uma série de

manifestações pró-constituinte, acedeu em editar um decreto, estabelecendo o

Código Eleitoral, bem avançado para a época, e criando uma Junta Eleitoral que

cuidaria dos procedimentos para uma eleição cuja data não fora determinada.

- 085 -

Osvaldo Aranha, visitando São Paulo, na tentativa de solucionar o difícil

problema da interventoria no Estado, mandou um curioso bilhete para Getúlio

Vargas: "Acautela-te, porque há mouros na costa!"

E continua, narrando-lhe o clima de tensão que se escondia por trás de uma

incômoda calmaria, como acontece nos momentos que antecedem ao estouro

de uma boiada, episódio tão bem narrado em Os Sertões de Euclides da Cunha.

Em seu bilhete, Osvaldo Aranha ressalta a significativa paralisação das

atividades econômicas, fazendo notar que o empresário é dotado de um sexto

sentido, Seu objetivo é o lucro e, sempre que se retrai, fugindo do mercado e

deixando de ganhar, é porque teme pelo pior.

Em 14 de maio de 1932, dentro desse ambiente conturbado, Getúlio decide

assinar mais um decreto, desta vez, marcando data definitiva para a eleição da

Assembleia Nacional Constituinte: 3 de maio de 1933.

Um pouco tardia, é verdade, essa medida não evitou a deflagração da

Revolução Constitucionalista, em 9 de julho de 1932, mas tirou-lhe o efeito,

rachando a Frente Única formada pelos governos de São Paulo, Minas Gerais e

Rio Grande do Sul.

Nestes dois últimos Estados, o governador Olegário Maciel e o interventor

Flores da Cunha, respectivamente, mudaram de posição, assumindo uma

atitude anti-revolucionária, que facilitou às forças legalistas o rápido domínio da

situação.

Os representantes classistas

O pleito foi realizado na data prevista, elegendo-se 203 deputados

constituintes, que representavam, proporcionalmente as populações dos vários

Estados brasileiros.

Não deixou o governo de tomar uma série de providências para garantir-lhe

a presença em plenário, evitando surpresas. Uma delas foi encaminhar um

anteprojeto de Constituição como base para as discussões, sobre o qual seriam

feitas as emendas julgadas necessárias.

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Foi instituída, também, uma representação classista, com 50 deputados,

eleitos pelos sindicatos ou associações profissionais, classificados em quatro

categorias: empregadores, empregados, profissionais liberais e funcionários

públicos. O sindicalismo, atrelado ao governo central, garantia uma segurança a

mais no controle dos parlamentares.

Ao todo, pois, eram 203 deputados constituintes, que tomaram posse no ato

de instalação da Assembleia, no Palácio Tiradentes, em 15 de novembro de

1933.

Pela primeira vez na História do Brasil, a mulher podia votar e ser votada e, entre

os Constituintes, elegeu-se Carlota Pereira de Queirós (São Paulo, 13 de fevereiro

de 1892 — São Paulo, 14 de abril de 1982) médica, escritora, pedagoga e política

brasileira. Ela participou dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte,

entre 1934 e 1935

Outro detalhe curioso é que, dentro das normas estabelecidas, os ministros

do Governo Provisório também podiam comparecer à Assembleia Constituinte,

tomando parte das discussões, embora sem direito a voto. Um desses

frequentadores habituais era o ministro do Trabalho, Agamenon Magalhães.

Mas quem se destacou, mesmo, foi o ministro Osvaldo Aranha, que, embora

não sendo constituinte, tornou-se o líder da maioria, orientando a discussão e

votação das emendas, fato que originou fortes protestos da oposição. Como

lugar-tenente de Getúlio, Aranha era a presença ostensiva do executivo nos

trabalhos do legislativo, sem voto, mas com voz ativa e poder decisório através

da bancada que comandava.

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De volta ao passado

Todas as precauções não foram suficientes para evitar o revés. Ainda que

trazendo algumas inovações, a quantidade de emendas feitas ao documento

original era tão grande que acabou por adulterar sua forma e conteúdo, limitando,

e muito, a ação do executivo.

Uma das inovações foi a extinção do cargo de vice-presidente da República

que, no passado, tantos males trouxe à governabilidade. Na linha de sucessão

ficavam, pela ordem, os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do

Supremo Tribunal Federal (Corte Suprema).

O Senado foi reduzido a dois representantes por Estado, não podendo

interferir na discussão e votação da lei orçamentária. O Supremo Tribunal

Federal teve seu corpo reduzido de 13 para 11 Ministros. Criou-se a Justiça do

Trabalho e a Justiça Eleitoral. O habeas-corpus ficou restrito à garantia da

pessoa e nada mais. Anteriormente usava-se esse instrumento para garantir

cargos, bens e tudo mais que dizia respeito ao cidadão. Para cobrir a lacuna,

instituiu-se agora o mandado de segurança, que até então inexistia nas leis

brasileiras.

Por fim, lamentavelmente, as disposições transitórias estabeleciam que a

redação da Carta Magna seria feita pelas regras ortográficas de 1891, que

voltaria a ser oficial, revogando-se o acordo ortográfico de 1931, de tão curta

duração.

O escritor Humberto de Campos, um dos imortais que assinaram o Acordo

Ortográfico de 1931, morreu logo em seguida à promulgação da nova Carta mas

deixou consignado que toda sua obra deveria continuar sendo publicada dentro

das regras ortográficas deste acordo.

Concluídos todos os trabalhos de redação, a nova Constituição foi votada em

30 de junho de 1934 e promulgada em 16 de julho. No dia seguinte, procedeu-

se à eleição do presidente da República, excepcionalmente, por via indireta, tal

como acontecera com a primeira eleição presidencial, em 1891, quando o

Congresso Constituinte elegera Deodoro e Floriano.

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A eleição do Presidente

Como se sabe, por acordo com a Junta Militar que assumiu o governo com a

deposição de Washington Luís, Getúlio Vargas só pôde tomar posse depois de

aceitar a condição que lhe foi imposta, de se tornar apenas o chefe do Governo

Provisório.

Agora, promulgada a Constituição, era necessário confirmá-lo como

presidente da República. Tratava-se, evidentemente de um jogo de cartas

marcadas, não havendo qualquer possibilidade de substituí-lo por outro nome,

sob o risco de surgir nova crise institucional com o inevitável golpe de estado.

Criou-se, entretanto, todo um clima formal para dar às eleições um caráter de

plena legalidade, abrindo-se inscrição para os postulantes à candidatura.

Surgiram vários nomes, destacando-se o do velho caudilho Borges de

Medeiros, do almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha, e até do

ministro da Guerra, general Góis Monteiro.

Claro está que Protógenes e Góis somente eram candidatos por

consentimento, senão por determinação, de seu chefe supremo. Como os

demais, estavam lá para concorrer, não para ganhar.

Ao final da apuração, registraram-se 175 votos para Getúlio Vargas, 59 para

Borges de Medeiros, 4 para Góis Monteiro, 2 para Protógenes Guimarães e 8

votos isolados, provavelmente de candidatos que votaram neles mesmos.

Três dias depois, em 20 de julho de 1934, Getúlio Dorneles Vargas era

empossado presidente da República, para um mandato de quatro anos.

Ninguém, em sã consciência, apostaria um réis na durabilidade da nova

Constituição e, menos ainda, acreditaria que Getúlio, findo o mandato, passaria

a faixa presidencial ao seu sucessor. Era esperar para ver.

Dentro do calendário estabelecido, restava realizarem-se eleições para a

formação das assembleias constituintes estaduais, bem como para a nova

Câmara Federal e Senado. Os governadores de Estado seriam eleitos, em

tempo oportuno e por via indireta, pelas próprias Assembleias Legislativas.

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A sucessão ao governo

de Minas Gerais

Mais fácil é mudar as leis do que os costumes. Bem cedo se percebeu que o

simples processo constitucional para a eleição dos governadores não era

suficiente para conter as ambições e acabar com o velho hábito de considerar a

função pública, não como um bem comum a ser zelado, mas como um direito

pessoal adquirido.

Um exemplo do que estaria para acontecer foi o caso de Minas Gerais,

ocorrido quando os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte ainda

estavam em andamento.

Em agosto de 1933, morreu o presidente do Estado de Minas, Olegário Maciel

(o único que conservou o título de governador), abrindo-se as discussões para a

nomeação de um interventor. Vários nomes circulavam, com credenciais as mais

diversas mas, dentre eles, se destacavam dois jovens políticos, com bons

serviços prestados à revolução e ambos bem apadrinhados.

Um deles era Gustavo Capanema que, na qualidade de secretário do Interior,

assumiu o governo provisoriamente, alimentando fortes esperanças de ser

efetivado.

Já no início do Governo Provisório, em 1930, vamos encontrá-lo na

companhia de seu conterrâneo Francisco Campos, fundando a Legião Mineira,

uma associação paramilitar, dentre outras tantas que surgiram do Brasil daquela

época, para dar sustentação ao novo regime. Eram os camisas-cáqui a que nos

referimos em outro capítulo.

Agora, esperava que sua fidelidade ao governo revolucionário fosse

compensada com a eleição para governador e, para isso, contava com o apoio

do interventor gaúcho, Flores da Cunha.

É bom lembrar que, com a volta de um sistema amparado pela constituição,

deixariam de existir os interventores e os Estados voltariam a ser administrados

por governadores eleitos.

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O outro nome cotado em Minas era o de Virgílio de Melo Franco, filho do

ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco.

Nos preparativos para a revolução, em 1930, Virgílio deslocou-se para o Rio

Grande do Sul, onde permaneceu em atividade até a eclosão do movimento,

quando se engajou às tropas que subiriam em direção a São Paulo e Rio de

Janeiro, para a deposição de Washington Luís.

Além do prestígio do pai, contava também com o apoio do ministro da

Fazenda, Osvaldo Aranha, homem forte do governo e, neste momento, em

velada oposição ao interventor gaúcho, Flores da Cunha, que apoiava a outra

candidatura Gustavo Capanema.

Solução à moda

da casa

Como se vê, tratava-se de um problema de difícil solução, a desafiar a

sagacidade do chefe do Governo. Getúlio nutria preferências pelo segundo

nome, pois além de seus patronos serem ministros de Estado, tinha uma

amizade pessoal muito forte tanto com a família Melo Franco como com a família

Aranha. Chegou até a comunicar-lhes sua tendência favorável à nomeação de

Virgílio, pedindo, entretanto, segredo, até que o nome fosse publicado no Diário

Oficial.

Mais fácil é guardar um tesouro do que guardar um segredo. Em um ou dois

dias, o nome escolhido já tinha sido divulgado, talvez na intenção de criar uma

situação irreversível que favorecesse o candidato.

O efeito foi oposto ao pretendido. Como secretário do governador falecido,

Capanema já vinha governando o Estado, interinamente, e não se conformou,

viajando para o Rio de Janeiro, onde veio a se encontrar com Flores da Cunha,

recém-chegado de Porto Alegre, ambos com a mesma finalidade de barrar a

nomeação de Virgílio.

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As partes em conflito não contavam com o jogo duplo, tão comum na

estratégia de Getúlio e usado durante toda sua trajetória política. Negando que

a nomeação estivesse decidida, alegou Getúlio que aguardava uma lista múltipla

a ser entregue por Antônio Carlos, ex-governador mineiro e presidente da

Assembleia Nacional Constituinte ora em curso.

A esta altura, interessava a Getúlio muito mais nomear um político capaz,

mas desconhecido, o suficiente para que pudesse ser assimilado pelos dois

lados em litígio. De outro lado, precisava trazer garantias de fidelidade para não

prejudicar, com sua eventual independência, a interferência do poder federal

sobre o Estado.

A nomeação saiu, finalmente, publicada no Diário Oficial, e caiu como uma

bomba sobre a cabeça, tanto dos pretendentes e seus padrinhos, como da

comunidade política mineira.

O novo Interventor em Minas Gerais passava a ser o deputado Benedito

Valadares Ribeiro, um político de segunda linha dentro do Estado e quase que

completamente desconhecido no restante do país. No momento certo, já

promulgada a Constituição do Estado, Valadares se elege Governador e passa

a ser um valioso auxiliar do presidente da República.

Para Getúlio, a solução encontrada teve seus custos. Afrânio de Melo Franco,

pai de Virgílio, entregou o ministério de Relações Exteriores, afastando-se do

palácio e da vida pública.

Também Osvaldo Aranha demitiu-se do Ministério da Fazenda, deixando por

consequência, de articular os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte,

onde era o líder da maioria.

Gustavo Capanema conformou-se com a situação, mas seu padrinho, Flores

da Cunha, esperava uma oportunidade para a revanche, o que veio a acontecer

algum tempo depois, quando, nas eleições estaduais, surgiu o caso do Estado

do Rio de Janeiro.

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Benedito Valadares, governador de Minas Gerais

O caso do Estado do

Rio de Janeiro

O Interventor em exercício no Estado do Rio era Ary Parreras, expoente do

tenentismo e de família bem situada no Rio de Janeiro. Fiel à revolução de 1930,

aceitara a Interventoria provisoriamente, mas, ao contrário dos demais

interventores, não tinha qualquer interesse em permanecer no cargo, após a

promulgação da Constituinte.

Sua ambição era retornar à bem-sucedida carreira na Marinha, tanto mais

que, durante a permanência no Governo, desiludiu-se quanto à possibilidade de

renovação dos costumes, objetivo principal da revolução. O caminho estava

aberto para duas correntes predominantes na política fluminense.

- 093 -

O ex-governador do Rio de Janeiro e ex-presidente da República, Nilo

Peçanha, falecera em 1924, mas deixara atrás de si uma poderosa força política,

conhecida como nilismo representada por nomes de peso, como Raul

Fernandes, relator da Constituinte e José Eduardo de Macedo Soares, diretor do

Diário Carioca. Este grupo, denominado de coligados, lançou a candidatura do

almirante Protógenes Pereira Guimarães, ministro da Marinha do governo

Vargas.

O outro ajuntamento, que lhe fazia oposição, era liderado pelo general

Cristóvão Barcelos, neste momento respondendo por uma posição de comando

em Minas Gerais.

Seguindo-lhe os passos, está a família Prado Kelly, e, dentro dela, o deputado

José Eduardo, que era o representante do movimento tenentista junto à

Assembleia Nacional Constituinte.

Esta corrente se autodenominava progressista. O candidato ao governo era

o próprio general, que passou a receber o apoio ostensivo do Interventor no Rio

Grande do Sul, Flores da Cunha.

Como se isso não bastasse, o equilíbrio de forças entre coligados e

progressistas era quase perfeito, havendo apenas um deputado a mais ao lado

dos coligados. Isso acirrou a pressão das armas, com grupos de jagunços se

confrontando nas ruas, resultando em tentativa frustrada de assassinato do

deputado Arnaldo Tavares (coligado).

Foi nesse ambiente conturbado que se iniciaram os trabalhos da Assembleia

fluminense que iria eleger o governador para o Estado do Rio.

A votação ainda nem havia se iniciado quando um deputado coligado foi

atingido por um tiro certeiro e conduzido ao Hospital. Com isso, os coligados

perderam sua vantagem de um voto em relação aos progressistas. Não obstante,

realizada a votação, venceu o almirante Protógenes (coligado), com certeza,

pela deserção de algum deputado progressista, que lhe emprestou,

afortunadamente, o voto vencedor.

- 094 -

A partir daí, nos dias que se seguiram, o Estado do Rio entra em total

anarquia. O interventor gaúcho manda um telegrama ao general Barcelos

(progressista), solidarizando-se com ele. O interventor mineiro, Benedito

Valadares faz uso de sua amizade com o general Barcelos tentando uma

conciliação que se afigurava impossível.

As notícias davam conta de que verdadeiros arsenais se achavam

espalhados por todo Estado do Rio, suficientes para a eclosão de uma guerra

civil. Falava-se em se realizar novo pleito com um nome de consenso, o do

deputado César Marcondes Tinoco.

Prevaleceu o bom senso. Os ânimos se acalmaram, tanto quanto possível e,

não sem ressentimentos, os progressistas acabaram por aceitar um acordo, com

o que foi possível a posse do governador eleito, Almirante Protógenes

Guimarães (coligado).

As eleições nos

demais Estados

A crítica situação política no Estado do Rio dá bem ideia das tensões havidas

no restante do país, onde os Interventores, quase todos tenentes, procuravam

se manter no poder, enquanto que as oligarquias, vindas da Primeira República,

tentavam reassumir o controle em seus Estados.

A situação só não foi pior porque, felizmente, havia consenso nos três

Estados mais importantes da Federação, onde os interventores foram eleitos

governadores, permanecendo no poder e garantindo a continuidade do governo.

Em São Paulo, foi confirmado o nome de Armando de Sales Oliveira, cuja

presença na Interventoria garantiu a pacificação do Estado, após a Revolução

Constitucionalista.

No Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, embora ensaiando rebeldia com

relação ao governo central, ainda era o elemento de ligação entre blancos e

colorados e, na falta de outro, constituía-se numa garantia de estabilidade.

- 095 -

Por fim, em Minas Gerais, permanecia o escolhido de Getúlio, Benedito

Valadares, que, a esta altura, já se firmara no conceito de todos pela sua

disposição e habilidade em favor da conciliação.

Depois do Rio de Janeiro, os Estados que deram mais trabalho foram Santa

Catarina, Espírito Santo, Ceará e Sergipe. Nada que não pudesse ser

controlado, com a intervenção eficaz do presidente da República.

Com a Constituição Federal e as Constituições Estaduais em plena vigência,

com o presidente da República e os governadores de Estado empossados,

parecia que tudo estava nos eixos e o país poderia buscar o caminho da

normalidade, conquistando sua maioridade política e seu lugar de respeito entre

as nações democráticas do mundo.

Tudo iria bem, muito bem, mesmo, não fosse aquela sinistra e fatídica

madrugada de 27 de novembro de 1935, que iria mudar os destinos da nação,

colocando sobre a cabeça de todos os brasileiros, a sombra ameaçadora do

comunismo, cujo episódio foi pretexto mais que suficiente para garantir a

presença do poder político-militar no Brasil por meio século.

- 096 –

Benedito Valadares, governador de Minas Gerais, entre Getúlio Vargas,

presidente da República, e o então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino

Kubitschek, na inauguração da Avenida do Contorno (Belo Horizonte), em

12 de maio de 1940.