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Revista Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente - ISSN: 1808-3501 Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar. ARTIGO ORIGINAL CARACTERÍSTICAS HEMATOLÓGICAS, DE ESPÉCIMES MANTIDOS EM LABORATÓRIO, DA ESPÉCIE DE PEIXE AMAZÔNICA Astronotus ocellatus (AGASSIZ, 1831) (Perciformes, Cichlidae), INTRODUZIDA EM OUTRAS BACIAS HIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS Hematological characteristics, of specimens kept in laboratory conditions, of an Amazonian fish species Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), introduced at other Brazilian watersheds Patrícia Oliveira Maciel ¹, * , Luiz César Cavalcanti Pereira da Silva 2 , Ana Paula de Castro Rodrigues³ , Francie Santos de Lima 4 , Renato Clapp do Rego Barros 5 , Nádia Regina Pereira Almosny 5 , Edison Dausacker Bidone 3 , Zuleica Carmen Castilhos 4 1 Departamento de Biologia de Água Doce e Pesca Interior, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA. 2 Bio-Manguinhos, Fundação Oswaldo Cruz. 3 Departamento de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense. 4 CPAA, Centro de Tecnologia Mineral. 5 Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense. * [email protected] Data da submissão: 10/11/2015 Data de aceite do artigo: 15/02/2016 Resumo A espécie de ciclídeo Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), conhecido popularmente como apaiari, ocorre naturalmente no Brasil nas bacias hidrográficas da região Amazônica, mas por ser utilizada para fins comerciais (espécie “ornamental” / consumo de carne), foi uma das primeiras a ser introduzida nas regiões nordeste e sudeste. Além da sua importância econômica, os apaiaris são ecologicamente importantes devido a sua posição trófica. Entretanto pouco se sabe sobre a sua fisiologia, em especial sobre a sua hematologia. Na criação animal e também para espécimes de vida livre, a hematologia é uma poderosa ferramenta para inferir a saúde dos espécimes, auxiliando na gestão de recursos naturais. O objetivo deste trabalho foi descrever a morfologia de células sanguíneas de Astronotus ocellatus oriundos de criatório comercial e aclimatados condições laboratoriais. Foram identificados eritrócitos, três formatos de trombócitos e quatro populações de leucócitos, os granulócitos neutrófilos e eosinófilos, e os agranulócitos linfócitos e monócitos. Os neutrófilos mostraram reação positiva para a peroxidase. Estes resultados estão subsidiando estudos nos campos da toxicologia, imunidade e saúde de A. ocellatus. Palavras-chave: Cichlidae, Astronotus ocellatus, morfologia celular, citoquímica. Abstract The cichlid species Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), commonly named apaiari, occurs naturally in Brazil at Amazonian Region watersheds. It has been used for commercial interests (ornamental species / fish consumption), in consequence, it was one of the first cases of introduced fish species at northeast and southeast regions. Besides its economic importance, A. ocellatus are also important ecologically due to its position in trophic chain. However, this species’ physiology is poorly understood, especially its hematology. In both aquaculture and wild life, hematology is a powerful tool to deduce animals’ health, supporting natural resources management. The aim of this work was to describe the morphology of blood cells of Astronotus ocellatus from a commercial hatchery and acclimated in laboratory conditions. Were identified erythrocytes, three forms of thrombocytes, and four populations of leucocytes: the granular leukocytes neutrophils and eosinophils, and the agranulars lymphocytes and monocytes. Neutrophils showed a positive reaction to peroxidase. These results are subsidizing studies in the fields of toxicology, immunity and health of A. ocellatus. Keywords: Cichlidae, Astronotus ocellatus, cells morphology, cytochemistry.

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Revista Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente - ISSN: 1808-3501

Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar.

ARTIGO ORIGINAL

CARACTERÍSTICAS HEMATOLÓGICAS, DE ESPÉCIMES MANTIDOS EM

LABORATÓRIO, DA ESPÉCIE DE PEIXE AMAZÔNICA Astronotus ocellatus

(AGASSIZ, 1831) (Perciformes, Cichlidae), INTRODUZIDA EM OUTRAS

BACIAS HIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS

Hematological characteristics, of specimens kept in laboratory conditions, of an Amazonian fish

species Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), introduced at other

Brazilian watersheds

Patrícia Oliveira Maciel¹, * , Luiz César Cavalcanti Pereira da Silva2 , Ana Paula de Castro Rodrigues³ , Francie Santos de Lima4 , Renato Clapp do Rego Barros5 , Nádia Regina Pereira Almosny5 , Edison

Dausacker Bidone3 , Zuleica Carmen Castilhos4

1 Departamento de Biologia de Água Doce e Pesca Interior, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.

2 Bio-Manguinhos, Fundação Oswaldo Cruz. 3 Departamento de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense.

4 CPAA, Centro de Tecnologia Mineral. 5 Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense.

* [email protected]

Data da submissão: 10/11/2015

Data de aceite do artigo: 15/02/2016

Resumo

A espécie de ciclídeo Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), conhecido popularmente como

apaiari, ocorre naturalmente no Brasil nas bacias hidrográficas da região Amazônica, mas por ser utilizada para fins

comerciais (espécie “ornamental” / consumo de carne), foi uma das primeiras a ser introduzida nas regiões nordeste e

sudeste. Além da sua importância econômica, os apaiaris são ecologicamente importantes devido a sua posição trófica.

Entretanto pouco se sabe sobre a sua fisiologia, em especial sobre a sua hematologia. Na criação animal e também para

espécimes de vida livre, a hematologia é uma poderosa ferramenta para inferir a saúde dos espécimes, auxiliando na

gestão de recursos naturais. O objetivo deste trabalho foi descrever a morfologia de células sanguíneas de Astronotus

ocellatus oriundos de criatório comercial e aclimatados condições laboratoriais. Foram identificados eritrócitos, três

formatos de trombócitos e quatro populações de leucócitos, os granulócitos neutrófilos e eosinófilos, e os agranulócitos

linfócitos e monócitos. Os neutrófilos mostraram reação positiva para a peroxidase. Estes resultados estão subsidiando

estudos nos campos da toxicologia, imunidade e saúde de A. ocellatus.

Palavras-chave: Cichlidae, Astronotus ocellatus, morfologia celular, citoquímica.

Abstract

The cichlid species Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), commonly named apaiari, occurs

naturally in Brazil at Amazonian Region watersheds. It has been used for commercial interests (ornamental species /

fish consumption), in consequence, it was one of the first cases of introduced fish species at northeast and southeast

regions. Besides its economic importance, A. ocellatus are also important ecologically due to its position in trophic

chain. However, this species’ physiology is poorly understood, especially its hematology. In both aquaculture and wild

life, hematology is a powerful tool to deduce animals’ health, supporting natural resources management. The aim of this

work was to describe the morphology of blood cells of Astronotus ocellatus from a commercial hatchery and acclimated

in laboratory conditions. Were identified erythrocytes, three forms of thrombocytes, and four populations of leucocytes:

the granular leukocytes neutrophils and eosinophils, and the agranulars lymphocytes and monocytes. Neutrophils

showed a positive reaction to peroxidase. These results are subsidizing studies in the fields of toxicology, immunity and

health of A. ocellatus.

Keywords: Cichlidae, Astronotus ocellatus, cells morphology, cytochemistry.

Características hematológicas da espécie de peixe amazônica Astronotus ocellatus.

Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar.

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Introdução

O sangue é responsável pelo transporte de

substâncias em vertebrados, inclusive peixes, estando

este tecido diretamente ligado à dinâmica fisiológica e

às respostas imunológicas do organismo. O estudo de

seus componentes celulares, especialmente o estudo

dos leucócitos, pode fornecer informações importantes

sobre estresse e imunidade inata de peixes [1,2,3].

A hematologia auxilia no diagnóstico da saúde de

animais de vida livre, como também no prognóstico e

no acompanhamento de tratamentos de inúmeras

enfermidades que atingem pisciculturas [4]. Entretanto,

para que a hematologia possa ser utilizada plenamente,

torna-se fundamental o conhecimento dos componentes

celulares e também dos valores de referência do

hemograma de animais sadios, bem como dos fatores

causadores de suas variações [5, 6, 7, 8, 9].

A compreensão sobre aspectos comportamentais,

bioquímicos e fisiológicos de peixes frente a desafios

que imitam as condições ambientais tem se ampliado

graças a estudos em laboratório. Alguns estudos sobre

hipóxia em peixes amazônicos e sobre efeitos do

mercúrio em peixes devido a atividades de garimpo de

ouro foram desenvolvidos utilizando-se a espécie de

ciclídeo amazônico Astronotus ocellatus [10, 11, 7].

Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciforme,

Cichlidae) é originário de rios da bacia Amazônica.

Alcançam tamanho máximo entre 25 e 30 cm de

comprimento e em média 1,5 Kg. Têm preferência por

águas com pH entre 6,0 a 8,0 e temperatura entre 22 e

25oC [12]. São territorialistas e têm hábito alimentar

onívoro com tendência à carnivoria. Na Amazônia,

principalmente, são apreciados como alimento devido a

seu sabor, firmeza da carne e poucas espinhas [13,14, 15,

16, 17].

Atualmente tem distribuição em todo o Brasil,

devido à introdução da espécie em outras bacias

hidrográficas. O primeiro registro no país desta

introdução foi em 1938, na região Nordeste, sendo em

seguida introduzido na região Sudeste [18]. A

translocação de peixes amazônicos para estas regiões

do Brasil foi comum nas décadas de 60 e 70, devido ao

estímulo na produção de peixes, geração de benefícios

econômicos e recreação [19]. Atualmente o Brasil lista a

produção de 151 espécies de peixes não-nativas, sendo

criadas na maioria dos casos, sem análise dos impactos

ecológicos e sócio-econômicos. Dos 26 estados do

Brasil, Minas Gerais é o principal local de introduções

no Brasil/América do Sul com 79 espécies de peixes

não-nativas, sendo 52 espécies consideradas

“ornamentais” [20].

A ocorrência de A. ocellatus já foi observada no rio

Paraíba do Sul [19, 20], no rio Doce [20], no rio São

Francisco [20], no rio Mucuri [20], no rio Jequitinhonha [20], no rio Guandu [19], além de relatos de sua

introdução em bacias hidrográficas dos Estados de

Pernambuco, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte [21].

Esta espécie também é considerada invasora na

Austrália, em Porto Rico e no Havaí [21].

Em várias lagoas no Estado de Minas Gerais houve

uma redução de 50% na riqueza de peixes nativos após

10 anos da introdução do tucunaré (Cichla ocellaris),

do apaiari (Astronotus ocellatus) e da piranha-vermelha

(Pygocentrus nattereri) [Reaser et al., 2005 apud 21]. O Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis [22] estabeleceu normas para a introdução,

reintrodução e transferência de peixes, crustáceos,

moluscos, e macrófitas aquáticas para fins de

aquicultura, excluindo-se as espécies animais

ornamentais através da Portaria nº 145/1998.

Considerando o exposto, o objetivo deste trabalho

foi descrever as características morfológicas das

células sanguíneas da espécie Astronotus ocellatus

(Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), utilizando-se

como base espécimes mantidos em condições

controladas em laboratório. Adicionalmente, este

estudo visou gerar informações de referência para

animais sadios desta espécie, que poderão ser utilizadas

posteriormente em estudos ambientais ou em

pisciculturas.

Métodos

Peixes

Foram obtidos 10 espécimes juvenis de A. ocellatus

(~ 4,0 cm), de um mesmo criador legalizado de peixes

ornamentais, no Estado do Rio de Janeiro. Os peixes só

foram medidos e pesados após o período de

aclimatação de 6 meses, no Laboratório de

Hidrobiologia e Pesca da Faculdade de Medicina

Veterinária, Universidade Federal Fluminense (UFF),

Niterói-RJ, Brasil. Este estudo faz parte de um projeto

que foi submetido para avaliação do Comitê de Ética,

sendo aprovado com o número de protocolo 89/2011.

Os peixes foram mantidos em aquários de 30 litros

individuais e independentes, com filtro biológico e

aeração constante, sendo mantidos com dieta comercial

contendo 40% de proteína bruta, duas vezes ao dia, ad

libitum. Os aquários foram limpos semanalmente. A

temperatura foi checada através de termômetro digital

Boyu adesivo BT-05 (25±2°C). O pH foi medido

usando kits comerciais Labcon Test pH Tropical

Características hematológicas da espécie de peixe amazônica Astronotus ocellatus.

Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar.

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(6,2±0,2). Após o período de aclimatação, os

espécimes alcançaram 16,4±1,0cm de comprimento

total (14,8–17,6cm) e pesavam 76,8±10,0g (65,1–

91,9g). Esta biometria foi considerada adequada para

coleta de amostras sanguíneas sem comprometer a

saúde e sobrevivência dos espécimes.

Análises sanguíneas

Não foi aplicada anestesia no momento da coleta de

sangue para evitar estresse adicional e alterações

hematológicas devido a este procedimento [23].

Amostras de sangue foram colhidas por punção do

vaso caudal utilizando agulhas hipodérmicas (calibre

13x4,5 - 27Gx½”) e anticoagulante EDTA 10%.

Esfregaços sanguíneos foram confeccionados

imediatamente após a coleta para evitar alterações na

morfologia das células [9, 2], fixados em metanol e

corados com Giemsa [24] para avaliação morfológica

dos diferentes tipos celulares.

Para evitar contradições na nomenclatura das

células sanguíneas foram utilizados como critérios de

classificação os aspectos morfológicos, como tamanho,

formato e coloração do núcleo das células; a

distribuição e coloração dos grânulos (quando visíveis)

e a coloração e formato do citoplasma [25, 23], utilizando

como base o estudo realizado por Tavares-Dias e

Moraes [24].

Além disso, estudos citoquímicos pelo método da

Benzidina-Peroxidase foram aplicados para auxiliar na

classificação celular [26]. Os esfregaços sanguíneos

foram examinados em microscopia ótica (microscópio

binocular Olympus BX40) com lente de imersão

(1.000x).

Resultados e Discussão

As células identificadas nos esfregaços sanguíneos

de A. ocellatus foram eritrócitos, trombócitos, e quatro

populações de leucócitos: os leucócitos granulares

neutrófilos e eosinófilos, e os agranulares linfócitos e

monócitos (Fig.1). Os basófilos não foram observados

nos esfregaços sanguíneos dos animais examinados. A

presença de basófilos tem sido descrita como rara em

sangue de peixes [27, 28]. Tavares-Dias e Moraes [28]

reportaram a ausência de basófilos em contagens

específicas de leucócitos em A. ocellatus. Reforçando

tal achado, Tavares-Dias [29] não registrou basófilos no

sangue circulante desta espécie mesmo utilizando

esfregaços sanguíneos corados por métodos

citoquímicos específicos para basófilos.

Os eritrócitos apresentaram a forma do núcleo

predominantemente elíptica (Figura 1a). O núcleo com

localização central apresentou-se com heterocromatina

densamente basofílica. O citoplasma ocupou a maior

área da célula, e apresentou coloração eosinofílica com

regiões dispersas descoradas. Áreas do citoplasma com

regiões vacuoladas e/ou pálidas são comuns em

eritrócitos e têm sido associadas à degeneração de

organelas celulares [27]. Foram observados ainda,

eritrócitos com formas irregulares ou diferenciadas das

descritas acima, contudo de acordo com Fijan [23], trata-

se de hemácias envelhecidas.

Trombócitos de peixes são células completas

envolvidas em funções imunológicas (fagocitose) e

hemostáticas, e são produzidas principalmente no baço,

rim e fígado de peixes teleósteos [28, 29]. Em A. ocellatus

foram observados trombócitos com três aspectos

morfológicos distintos: elíptico (Fig. 1i), fusiforme

(Fig. 1h) e esférico (Fig. 1e), como havia sido descrito

também para Maccullochella peelii peelii [1] e espécies

de trutas [29].

Estes diferentes formatos de trombócitos têm sido

relacionados ao estágio de maturação da célula, ao seu

grau de ativação ou habilidades de realizar fagocitose

ou agregação [27, 29, 2]. Os trombócitos fusiformes,

menos abundantes nos esfregaços sanguíneos de A.

ocellatus, apresentaram núcleo ligeiramente

arredondado e corado com intensa basofilia,

evidenciando sua heterocromatina densa, enquanto o

escasso citoplasma apresentou-se ligeiramente

eosinofílico.

Os trombócitos elípticos apresentaram o citoplasma

e núcleo acompanhando este formato, sendo o núcleo

localizado centralmente e de coloração basofílica, e o

citoplasma levemente eosinofílico. Os trombócitos

esféricos, mais abundantes nos esfregaços de A.

ocellatus, apresentaram citoplasma escasso e hialino, e

núcleo com intensa basofilia. Muitas vezes os

trombócitos esféricos revelaram uma ou mais inclusões

basofílicas em seu citoplasma.

Trombócitos são frequentemente observados em

agregados celulares [1], e neste estudo, os de formato

esférico foram os mais abundantes nos aglomerados

(Fig. 1e). Segundo Tavares-Dias e Oliveira [29] os

trombócitos esféricos são consideradas células jovens e

mais ativas na formação dos coágulos sanguíneos. Em

contrapartida, Campbell [27] descreveu como formas

ativas em aglomerados os trombócitos fusiformes.

Quanto à frequência de ocorrência no sangue

circulante, Tavares-Dias e Oliveira [29], ao contrário

deste estudo, relataram os trombócitos fusiformes

sendo mais abundantes em esfregaços de outras

espécies de peixes brasileiros e exóticos. Estes mesmos

Características hematológicas da espécie de peixe amazônica Astronotus ocellatus.

Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar.

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autores sugeriram que A. occelatus têm tempo de

coagulação lento, uma vez que apresentam número

reduzido de trombócitos comparado com outros peixes.

Linfócitos grandes e pequenos foram observados

nos esfregaços sanguíneos de A. ocellatus. Os grandes

linfócitos mostraram núcleo basofílico e citoplasma

ligeiramente basofílico apresentando projeções (Figura

1a), denominadas de “blebs” por Ueda et al. [30]. Os

pequenos linfócitos apresentaram citoplasma escasso e

ligeiramente basofílico, e o núcleo com

heterocromatina densa e basofilia intensa. Silva [31]

afirma que um problema comum na identificação de

tipos celulares sanguíneos de peixes é determinar

quando pequenas células esféricas mononucleares são

pequenos linfócitos ou trombócitos arredondados, o

que pode gerar um conflito na avaliação da leucometria

específica, sendo assim necessária uma análise

criteriosa deste tipo celular.

Os monócitos (Fig.1a), células com baixa relação

núcleo:citoplasma, apresentaram formato

predominantemente esférico, porém de contorno

irregular. O núcleo revelou variados formatos e

corou-se em leve basofilia. No citoplasma abundante

e basofílico encontraram-se, eventualmente,

vacúolos de diferentes tamanhos. A vacuolização

citoplasmática geralmente ocorre em células que

apresentam atividade fagocítica, como os monócitos [9].

As amostras de A. ocellatus revelaram dois tipos

de granulócitos, que devido a suas características

tintoriais, foram chamados de neutrófilos e

eosinófilos. Apenas estes granulócitos foram

observados em estudos com A. ocellatus [28] e com

Oreochromis niloticus, espécie da mesma família [32]. Células granulocíticas especiais (CGE) e

heterófilos não foram observadas.

Os neutrófilos estão envolvidos na resposta

inflamatória aguda em teleósteos, e depois da

vasodilatação, os neutrófilos marginais entram na

circulação periférica por diapedese [33, 3]. Neutrófilos

são um importante componente da defesa contra

infecções bacterianas, virais e fúngicas em peixes [33,

28]. Os neutrófilos recebem esta denominação, pois

têm o citoplasma com aparência granular [3], mas os

grânulos não são corados pelos corantes de rotina

como o Giemsa, sendo então caracterizados como

grânulos neutrofílicos. O neutrófilo (Fig. 1a, 1b e

1d), maior leucócito de A. ocellatus, apresentou

núcleo arredondado localizado na periferia da célula,

heterocromatina frouxa que resultou em coloração

levemente basofílica. Alguns granulócitos,

possivelmente neutrófilos, mostraram um núcleo

mais basofílico e com formato levemente alongado.

Sugere-se que esta variação morfológica esteja

relacionada à ativação destes neutrófilos com início

de segmentação nuclear. A presença de neutrófilos

com núcleos multilobados na circulação sanguínea

de Thymallus arcticus, Oncorhynchus clarki lewisi,

Chasmistes liorus foi relatada recentemente [3].

Os eosinófilos (Fig. 1c) de A. ocellatus eram

menores quando comparado com os neutrófilos, e

apresentaram-se arredondados, com núcleo

excêntrico e com leve basofilia. Na outra

extremidade, o citoplasma apresentou-se repleto de

grânulos acidófilos. Os grânulos eram pequenos e de

formato principalmente arredondado. Embora,

eosinófilos geralmente sejam direcionados para

infecções parasitárias e na inflamação, quando

peixes estão com escassez de eosinófilos, os

neutrófilos podem responder às infecções por

helmintos [33].

Os estudos citoquímicos em A. ocellatus (tab. 1)

demonstraram a presença de grânulos peroxidase-

positivos (POX positivos) no citoplasma dos

neutrófilos, que adquiriram coloração amarronzada

após a realização da técnica. Isto confirma a

presença de mieloperoxidase nos grânulos

citoplasmáticos dos neutrófilos, indicando a

capacidade desta célula em realizar degranulação e

bust oxidativo [3]. Este padrão de coloração

compara-se com aquele visto em neutrófilos de

outras espécies, como C. liorus, T. arcticus e O.

clarki lewisi [3]. Nas últimas espécies citadas a

coloração dos neutrófilos após a técnica citoquímica

apresentou-se mais forte do que em A. ocellatus.

Os eosinófilos e as demais células sanguíneas de

A. ocellatus foram POX-negativas. Estes resultados

corroboram com os observados por Tavares-Dias e

Moraes [28] and Tavares-Dias [28], e indicam a

participação de neutrófilos de A. ocellatus no

processo de digestão intracelular, modulação da

atividade fagocítica e microbicida, envolvendo

reações de oxidação que estão relacionadas à enzima

peroxidase [34, 2, 32]. A ausência de peroxidase em

algumas espécies de peixes parece estar compensada

pelo desenvolvimento de outros componentes

microbicidas, como as proteínas catiônicas [34]. Em

Maccullochella peelii os leucócitos descritos com

funções fagocíticas são os heterofilos que

apresentaram grânulos POX-positivos [2].

Características hematológicas da espécie de peixe amazônica Astronotus ocellatus.

Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar.

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Tabela 1. Citoquímica de células sanguíneas de Astronotus ocellatus.

Leucócitos Trombócitos Eritrócitos

Neutrófilos Eosinófilos Linfócitos Monócitos

Peroxidase + - - - - -

Legenda: +: fortemente corado; -: não corado.

Figura 1: Células sanguíneas de Astronotus ocellatus.

Legenda: (a) Eritrócito (Er), Monócito (Mn), Neutrófilo (Nt) e Linfócito com projeções citoplasmáticas (Lf); (b)

Neutrófilo; (c) Eosinófilo; (d) Neutrófilo com reação citoquímica de peroxidase positiva; (e) Aglomerado de

trombócitos esféricos; (f) Linfócitos; (g) Trombócito esférico com inclusão basofílica no citoplasma; (h) Trombócito

fusiforme e (i) Trombócito elíptico. Coloração: Giemsa. Barra = 6,5µm.

a b

c

d

e f

g h i

Características hematológicas da espécie de peixe amazônica Astronotus ocellatus.

Novo Enfoque: Caderno de Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2016 (21): 1-7, jan./mar.

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Conclusão

A presença de duas populações de granulócitos

(neutrófilos e eosinófilos) em A. ocellatus, além de

linfócitos e monócitos, indica que esta espécie tem um

sistema imune formado [2]. As diferenças presentes no

sangue das diversas espécies de peixe orientam a

necessidade de caracterizar as células sanguíneas e suas

funções em cada espécie, separadamente, reforçando a

importância do presente relato.

Sugere-se maior investigação incluindo um número

maior de indivíduos, bem como outros tipos de

coloração para aprofundamento da citoquímica e,

consequentemente, uma melhor compreensão das

células sanguíneas desta espécie.

Agradecimentos

Os autores agradecem o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

pela bolsa de iniciação científica concedida à primeira

autora.

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Como citar este artigo:

Maciel PO, Silva LCCP, Rodrigues APC, Lima FS, Barros RCR, Almosny NRP, et al. Características hematológicas, de espécimes mantidos em laboratório, da espécie de peixe amazônica Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831) (Perciformes, Cichlidae), introduzida em outras bacias hidrográficas brasileiras. Novo Enfoque: Cad. Saúde e Meio Amb. 2016; 21:1-7.