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Carlos Antonio da Silva Cristianismo e pluralismo religioso: o face a face das religiões na obra de Claude Geffré Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Teologia. Orientador: Prof. Dr. Mário de França Miranda Rio de Janeiro Março de 2009

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Carlos Antonio da Silva

Cristianismo e pluralismo religioso: o face a face das religiões na obra de Claude Geffré

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Mário de França Miranda

Rio de Janeiro Março de 2009

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Carlos Antonio da Silva

Cristianismo e pluralismo religioso: o face a face das religiões na obra de Claude Geffré

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade

Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de Teologia e Ciências Humanas - PUC-Rio

Rio de Janeiro,

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Todos os direitos reservados. È proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Carlos Antonio da Silva

Graduou-se em filosofia no INSAF, Recife-PE e em teologia no IFITEPS, em Nova Iguaçu-RJ. Mestre em Teologia Sistemático-Pastoral pela PUC-Rio. É presbítero da diocese de Nova Iguaçu, onde atua na pastoral e como professor de teologia no Instituto de Filosofia e Teologia Paulo VI–IFITEPS.

Ficha Catalográfica

CDD 200

CDD: 200

Silva, Carlos Antonio da Cristianismo e pluralismo religioso: o face a face das religiões na obra de Claude Geffré / Carlos Antonio da Silva: orientador: Mário de França Miranda. – 2009. 231 f. ; 30 cm Tese (Doutorado em Teologia)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Inclui bibliografia 1. Teologia – Teses. 2. Teologia das religiões. 3. Diálogo inter-religioso. 4. Ecumenismo. 5. Teologia e hermenêutica. 6. Cristianismo e religiões não-cristãs. I. Miranda, Mário de França. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

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Agradecimentos Ao meu orientador Prof. Dr. Mário de França Miranda pela inestimável ajuda em todas as etapas da elaboração desse trabalho e pelo estímulo na continuidade do ministério teológico. A CAPES e à PUC-Rio pelo incentivo financeiro e por todos os auxílios concedidos. Sem essa parceria, este trabalho não poderia ter sido realizado. Ao bispo e ao presbitério da Diocese de Nova Iguaçu pela compreensão de minhas ausências durante a elaboração dessa Tese. Aos meus colegas de labor teológico do grupo orientado pelo Pe. França pela bonita experiência de construir um trabalho acadêmico baseado no companheirismo e solidariedade. A todos os professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e pela gentileza dispensada. Aos professores que participaram da Comissão examinadora Ao Prof. Dr. Manuel Ferreira da Costa pela indispensável ajuda na correção gramatical dessa Tese e pelo entusiasmo com o tema que estudamos. À comunidade eclesial por me ajudar a encarnar a inteligência da fé na concretude da vida.

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Resumo

Silva, Carlos Antonio da; Miranda, Mário de França. Cristianismo e

pluralismo religioso: o face a face das religiões na obra de Claude Geffré. Rio de Janeiro, 2009, 231 p. Tese de Doutorado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A inegável situação de pluralismo religioso que caracteriza nossa época

traz para o cristianismo algo completamente novo em sua história. Em nenhum

outro momento as outras religiões estiveram tão próximas como na atualidade. A

novidade está exatamente aí. Pluralidade de religiões sempre existiu. Entretanto,

desde que o cristianismo se tornou hegemônico, especialmente no mundo

ocidental, as outras religiões não haviam sido consideradas positivamente. No

máximo eram consideradas como reflexo da chamada fé antropológica, quando

não eram caracterizadas como superstições frutos da ignorância de seus membros.

Acreditava-se que o contato com a fé cristã faria com que as outras religiões

sucumbissem. No entanto, mesmo depois de dois mil anos de evangelização, as

outras religiões continuam apresentando uma vitalidade impressionante. Não é

mais possível ignorá-las. A questão propriamente teológica é: qual o significado

das religiões em si mesmas? Essa tese estuda os fundamentos teológicos para

possíveis respostas a essa questão e a seus desdobramentos. Admitir uma relação

autêntica com Deus fora das margens históricas do cristianismo implica em

reinterpretar o próprio cristianismo. A obra do teólogo dominicano francês Claude

Geffré fornece pistas preciosas para uma nova autocompreensão crista em tempos

de pluralismo religioso como o atual. O diálogo inter-religioso não pode mais ser

uma questão marginal nem para a Igreja nem para a teologia. Nosso estudo

apresenta uma síntese do pensamento desse autor e procura tirar as conseqüências

teológicas dessa nova identidade cristã em gestação.

Palavras-chave

Teologia das religiões; diálogo inter-religioso; ecumenismo; teologia e hermenêutica; cristianismo e religiões não-cristãs.

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Résumé

Silva, Carlos Antonio da; Miranda, Mário de França. Christianisme et

pluralisme religieux: le face à face des religions dans l´oeuvre de Claude Geffré. Rio de Janeiro, 2009, 231 p. Thèse de Doctorat – Département de Théologie, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Le pluralisme religieux qui caractérise notre époque est un fait

indiscutable. Cette situation apporte pour le christianisme une nouveauté dans son

histoire. En aucun autre moment, d´autres religions se trouvèrent aussi proches

comme actuellement. La nouveauté est là. Il est vrai que la pluralité des religions

a toujours existée. Cependant, depuis que le christianisme est devenu

hégémonique, en particulier dans le monde occidental, les autres religions ne

furent pas considérées positivement, tout au plus elles étaient comprises comme

un reflet de la foi simplement anthropologique, quand elles n´étaient pas

considérées comme superstitions, fruit de l´ignorance de ses adeptes. On croyait

que le contact avec la foi chrétienne ferait disparaître les autres religions.

Pourtant, même depuis deux milles ans d´évangélisation, les autres religions

continuent avec une impressionante vitalité. Il n´est plus possible de les ignorer.

La question proprement théologique est de comprendre quelle en est la

signification? Cette thése étudie les fondements théologiques et propose des

réponses plausibles à cette question et à ses développements. Admettre une

relation authentique avec Dieu hors des limites historiques du christianisme

implique une réinterprètation du propre christianisme. L´oeuvre du théologien

dominicain français Claude Geffré nous présente des pistes précieuses pour une

nouvelle auto-compréhension chrétienne en temps de pluralisme religieux comme

le vit actuellment. Le dialogue inter-religieux ne doit plus être vu comme une

question marginale ni par L´Eglise ni par la théologie. Notre étude présente une

synthèse de la pensée de cet auteur et cherche à tirer les conséquences

théologiques de cette nouvelle identité chrétienne en gestation.

Mots clés

Théologie des religions; dialogue inter-religieux; oecuménisme; théologie et herméneutique; christianisme et religions non chrétiennes.

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SUMÁRIO

1. Introdução 11 PARTE I: CRISTIANISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NA OBRA DE CLAUDE GEFFRÉ

2. A CONTRIBUIÇÃO DE CLAUDE GEFFRÉ PARA A TEOLOGIA CRISTÃ DAS RELIGIÕES 17

1. Teologia cristã das religiões: a construção de uma identidade 17 1.1. Em busca de um equilíbrio 24 2. Claude Geffré: o homem, o cristão, o teólogo 26 2.1. As raízes de uma teologia do diálogo: o itinerário teológico de

Claude Geffré 29 2.2. Teologia é interpretação: as fontes de uma convicção 31 2.3. Claude Geffré e a teologia inter-religiosa 39 3. O PARADOXO CRISTOLÓGICO COMO CHAVE HERMENÊUTICA DO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 43

1. A única mediação de Cristo diante das outras tradições religiosas 43 1.1. Cristianismo e pluralismo religioso 45 1.2. Critérios básicos para o diálogo inter-religioso 47 2. O paradoxo cristológico: Jesus como o universal concreto 54 2.1. O paradoxo do logos feito carne 56 2.2. Cristo é a plenitude da revelação 63 2.3. A dimensão kenótica do cristianismo 68 3. A universalidade de Cristo no concerto polifônico das religiões 70 3.1. A responsabilidade histórica do cristianismo 70

4. UNIVERSALIDADE CRISTÃ E PLURALISMO RELIGIOSO 75 1. A universalidade cristã diante do pluralismo religioso 75 1.1. A mediação de uma Escritura 76 1.2. A especificidade histórica do cristianismo 80 1.3. A originalidade da salvação cristã 83 2. A singularidade do cristianismo como religião do diálogo 92 2.1. A dualidade de Israel e da Igreja 92 2.2. A dialética da cruz 94

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2.3. Uma nova figura histórica do cristianismo 96 3. A mensagem universal do cristianismo em tempos de pluralismo religioso 97 3.1. A vocação universal da Igreja 97 3.2. A virada hermenêutica do Vaticano II 99 3.3. O caráter dialogal do cristianismo 101 4. A verdade do cristianismo num mundo plural 106 4.1. A verdade da teologia como linguagem interpretativa 107 4.2. A verdade cristã é da ordem do testemunho 108 4.3. A verdade cristã como expressão do consenso eclesial 109 4.4. A verdade como manifestação 112 PARTE II – O FUTURO DO CRISTIANISMO NO ATUAL CONTEXTO PLURALISTA 5. A MISSÃO DA IGREJA COMO DIÁLOGO DE SALVAÇÃO 116 1. A Igreja como sacramento da unidade 118 2. A missão da Igreja no contexto do Diálogo Inter-religioso 125 2.1. Cristianismo e cristianismos 126 2.2. Igreja e Missão: convergências e distinções 127 2.3. O caminho aberto pela Evangelii Nuntiandi 128 2.4. As exigências do diálogo 130 3. Missão e inculturação 132 3.1. O fundamento teológico da inculturação 133 3.2. O duplo movimento da inculturação 137 3.3. Inculturação e reinterpretação do cristianismo 138 3.4. Inculturação e dupla pertença religiosa 144 4. O fenômeno da multi-pertença religiosa 149 6. CLAUDE GEFFRÉ E A TEOLOGIA DO PLURALISMO RELIGIOSO: UM OLHAR PROSPECTIVO 156 1. Vigor e fragilidade: uma avaliação da teologia de Claude Geffré 156 1.1. O diálogo como resposta ao atual momento histórico 158 2. Os riscos das palavras 172 2.1. Pode-se mesmo falar em “pluralismo de princípio”? 173 2.2. O papel da Igreja como mediação do cristianismo 177 3. Caminhos abertos para a continuidade do diálogo inter-religioso 178

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3.1. O Espírito Santo: artífice do diálogo com as diferenças 178 3.2. A alteridade: eixo do diálogo inter-religioso 182 3.3. A via mística como possibilidade de entendimento entre as religiões 185 7. Conclusão 196 8. Referências bibliográficas 205

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Siglas

AG – Ad Gentes BT – Bulletin du Théologie DA – Diálogo e Anúncio D Ap. – Documento de Aparecida DI – Dominus Iesus DH – Dignitatis Humanae DM – Diálogo e Missão DS – Denzinger DV – Dominum et Vivificantem EN – Evangelii Nuntiandi GS – Gaudium et Spes LG – Lumen Gentium MD – Maision Dieu NA – Nostra Aetate REB – Revista Eclesiástica Brasileira RM – Redemptoris Missio RSR – Revue du Science Religieuse RSPT – Revue du Sciences Philosophiques et Théologiques

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Introdução

O cristianismo vive hoje um momento novo em sua história. As outras

religiões do mundo nunca estiveram tão próximas. Em conseqüência, o

reconhecimento mútuo do valor próprio de cada uma delas acaba sendo algo

inevitável. Essa proximidade possibilita um conhecimento cada vez mais lúcido

das riquezas que cada religião contém. Estamos numa situação histórica que traz

à baila questões teológicas relevantes para o cristianismo: onde está, afinal, a

singularidade cristã? O que representa cada religião no plano salvífico de Deus

revelado em Jesus Cristo?

Uma visão menos fragmentada e menos caricatural das outras religiões

possibilita vislumbrar a originalidade própria do cristianismo inserida na longa

história religiosa da humanidade. O Concílio Vaticano II já anunciava que a Igreja

contemporânea viveria num mundo cada vez mais marcado pelo policentrismo

cultural cujas dimensões seriam planetárias. Esse novo horizonte histórico traz

consigo a necessidade de um novo horizonte teológico que dê conta de interpretá-

lo.

Durante muito tempo se esperou uma vitória do cristianismo sobre as

outras religiões. Essa seria a conseqüência do incansável trabalho missionário da

Igreja. As outras religiões eram, não raro, classificadas como superstições,

idolatrias; eivadas de ignorância e erro. O contato com o Evangelho faria com

que, inevitavelmente, percebessem os seus limites, as suas contradições, até que,

pacificamente, aceitassem o cristianismo como seu destino histórico. A realidade,

no entanto, se mostrou outra. Não obstante o obstinado trabalho missionário da

Igreja, as outras grandes religiões do mundo demonstram extraordinária

vitalidade. O que isso tem a dizer ao cristianismo? Seria apenas fruto do fracasso

do esforço missionário da Igreja, ou estaria correspondendo a uma vontade

misteriosa de Deus? Como enfrentar seriamente o desafio do pluralismo religioso

sem sacrificar o caráter singular de Jesus Cristo e do cristianismo? O face a face

das religiões, necessariamente, deve levar à conclusão de que identidade e

alteridade se excluem? O que Deus quer nos revelar ao permitir a coexistência de

tantos caminhos religiosos? Essas são algumas questões candentes na reflexão

teológica atual e que nos propomos enfrentar em nossa pesquisa.

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Nossa tese tem como objeto a teologia das religiões elaborada por Claude

Geffré, teólogo dominicano nascido em Niort (França) em 1926, e um dos grandes

nomes da teologia contemporânea. Trata-se de um teólogo importante no cenário

atual da teologia das religiões e relativamente pouco conhecido no círculo

teológico brasileiro. Entre os que se dedicam à problemática do diálogo inter-

religioso, Geffré é um dos que procura contribuir com seriedade no avanço da

autocompreensão do cristianismo diante do contato inevitável com as outras

grandes religiões. Sem cair em radicalismos estéreis, o autor tenta, a partir de sua

compreensão da teologia como hermenêutica, construir uma reflexão que

reinterprete os principais conteúdos da fé cristã. Afirma que estamos diante da

emergência de um novo paradigma teológico, suscitado pelo pluralismo religioso,

o que nos leva a uma inevitável revisão de nossos conceitos.

Procuramos sistematizar o pensamento desse autor e destacar qual a

novidade que ele traz para o debate atual em torno das religiões como tema

teológico. Essa preocupação emerge no horizonte de reflexão de nosso autor na

década de 1980 e se estende até nossos dias. Trata-se de um autor ainda vivo e

produzindo teologia. Por isso, para delimitar bem o tema, nossa pesquisa

contemplará apenas os escritos de Geffré sobre cristianismo e pluralismo religioso

entre 1980 e a publicação do livro De Babel à Pentecôte, em 2006. Esta é uma

importante obra de referência porque o autor faz nela mais uma grande síntese de

sua teologia. No corpo do texto aparecerão citações de escritos posteriores àquela

data limite, mas eles têm tão somente função elucidativa, não apresentando nada

de substancialmente novo. Embora seja um período cronológico grande, cremos

ter conseguido realizar o trabalho a contento.

Estamos convencidos de que um estudo mais profundo da obra de Claude

Geffré será de grande valia para os interessados em teologia das religiões em

nosso país. O que nos motivou a estudar o tema do pluralismo religioso e como se

configura o cristianismo nesse novo contexto foi a convicção de que identidade e

alteridade, necessariamente, não se excluem. A questão da identidade é muito

discutida em nossos dias. A descoberta, o resgate e a preservação de elementos

próprios de cada identidade singular têm levado à irrupção de conflitos étnicos

cada vez mais numerosos, não raro, se degenerando em confrontos virulentos

tendo, na maioria das vezes, motivações religiosas. Estudar o face a face de

diferentes identidades religiosas habitando uma terra cada vez mais globalizada

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pareceu-nos um desafio instigante. Como alteridade e igualdade podem se

articular até conviverem em relativa harmonia? Como tal desafio afeta uma

religião como o cristianismo? O que resultará do contato inevitável do

cristianismo com as outras tradições religiosas da humanidade? Que problemas

teológicos novos podem emergir de nosso contexto atual? Essas são algumas

questões que colocamos como itinerário para a leitura dos escritos teológicos de

Claude Geffré e seus interlocutores.

Nossa hipótese é que a reflexão teológica de Geffré faz avançar a

compreensão do significado das religiões no plano salvífico de Deus, exatamente

partindo do ponto em que tradicionalmente se considera o centro nevrálgico de

toda a questão: a centralidade de Jesus Cristo.

Vivendo alguns anos no contexto multi-religioso de Jerusalém, Geffré,

como cristão e teólogo, não ficou indiferente aos desafios que aquela cidade

símbolo suscita. Sua observação da realidade religiosa daquela cidade o levou a

pensar que a predominância de conflitos violentos com motivação religiosa não

representaria a impossibilidade de uma convivência harmônica entre os diferentes.

A convivialidade entre as diferentes tradições religiosas é algo plausível. Ele

trabalha essa plausibilidade não suprimindo simplesmente as diferenças, mas, ao

contrário, buscando descobrir e preservar o irredutível em cada tradição religiosa.

Há algo de enigmático que envolve as religiões e que faz com que elas não sejam

plenamente decifráveis no âmbito de nossa história. Cada religião carrega em si

algo de singular. Para Geffré, a concepção trinitária do Deus cristão é uma chave

que articula coerentemente a identidade e a alteridade. O Deus Trindade escapa do

signo de uma identidade solipsista e se revela como uma Transcendência de amor.

O Deus cristão é profundamente respeitoso para com a criatura livre criada à sua

imagem. Diferente dele, mas destinada à vida plena junto dele.

Mesmo ofuscados pelos sinais de indiferença religiosa, relativismo e

ateísmo que caracterizam nosso tempo, os vestígios de Deus estão por toda a parte

acompanhando as experiências dos seres humanos nas diversas culturas e

religiões. Nosso autor se propõe seguir esses vestígios até onde eles puderem

esclarecer o que Deus pretende ao permitir a coexistência das diversas religiões.

Até a década de 1980, o itinerário teológico de Geffré é marcado pelas

preocupações próprias da teologia fundamental. Ocupou-se por muito tempo das

questões mais importantes daquele período, notadamente, a problemática da

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incredulidade e da indiferença religiosa. Quando, em 1988, torna-se professor de

hermenêutica teológica e teologia das religiões no Instituto Teológico de Paris,

novos caminhos se abrem para o nosso autor. Concluiu que, assim como a

incredulidade suscitava uma reinterpretação das afirmações da fé cristã, o diálogo

inter-religioso suscitava semelhante reinterpretação do cristianismo. Então se

propõe a elaborar uma teologia situada, sempre atenta aos desafios da cultura,

voltada para uma nova inteligência da mensagem cristã, disposta a “relativizar” as

expressões históricas da fé e a buscar, não uma nova fé, mas uma nova expressão

da fé, que estivesse mais em sintonia com as características hodiernas.

Geffré tem um papel pioneiro e inovador na utilização do método

hermenêutico na teologia. A ciência teológica não pode descuidar do permanente

esforço de traduzir as verdades antigas numa linguagem acessível. O exercício

criador no ato de interpretar é o grande desafio da hermenêutica. A verdade existe

sempre ligada a uma linguagem, portanto, só se torna acessível mediante um

infinito processo de interpretação. Conjugar isso com a normatividade do dado

revelado é o grande trabalho do teólogo como hermeneuta. Analisar o caminho

feito por Geffré nesse sentido e tirar as conseqüências disso para o debate

teológico atual é o trabalho que realizamos nesta tese.

O primeiro capítulo tem um cunho mais introdutório à temática da teologia

das religiões e como o autor que estudamos se insere nela. Apresentamos um

resgate histórico da emergência das religiões como tema da teologia a partir do

grande impulso dado pela Declaração Nostra Aetate do Concílio Vaticano II.

Registramos a contribuição dos teólogos pioneiros nesse novo campo da pesquisa

teológica até as tentativas contemporâneas de configurar uma teologia pluralista

das religiões ou uma teologia inter-religiosa. Em seguida, apresentamos alguns

dados biográficos do autor, com destaque para o itinerário de sua formação

intelectual, seus marcos referenciais e sua determinação de não deixar as

perguntas feitas à teologia sem respostas.

O segundo capítulo aborda a cristologia de Geffré. Veremos que ele é

bastante influenciado pela teologia de Tillich, notadamente por sua concepção de

Jesus Cristo como o Novo Ser. Nosso autor pretende elaborar uma teologia das

religiões capaz de conciliar a normatividade de Cristo e a necessária abertura à

possibilidade real de que as outras religiões possam ser mediações de salvação

para seus membros. Ele aprofunda o papel central da cristologia em uma teologia

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cristã das religiões que queira ser responsável. Enfrenta com coragem o paradoxo

da Encarnação do Verbo até articular teologicamente como ser possível continuar

afirmando a universalidade de Cristo a partir da particularidade histórica de Jesus

de Nazaré. Sem relativizar nada da única mediação de Cristo e da singularidade

do cristianismo diante das outras religiões, nosso autor propõe uma profunda

reinterpretação dos principais fundamentos da fé cristã diante dos desafios

colocados pelo momento histórico que vivemos.

O terceiro capítulo trata das bases teológicas que o autor francês apresenta

para assegurar a irrenunciável normatividade de Cristo e a pertinência da

singularidade do cristianismo numa época de pluralismo religioso. Afirma

corajosamente a singularidade do cristianismo como religião do diálogo. Afinal,

articular unidade e diversidade nunca foi estranho ao cristianismo. Nessa etapa de

sua reflexão é muito interessante o desafio que ele convida a fé cristã a enfrentar:

não temer o surgimento de uma nova configuração histórica do cristianismo.

O capítulo quarto enfrenta a problemática da missão cristã em um contexto

pluralista. O face a face entre as religiões e a necessidade de um diálogo

respeitoso com os diferentes farão com que o cristianismo reinterprete também

sua concepção de missão. Geffré apresenta a missão como diálogo de salvação.

Não é um monólogo no qual somente os cristãos falam. É um diálogo em que

todos os parceiros conversam entre si, trocam saberes e experiências, enriquecem-

se mutuamente. Tal atitude exige superar sentimentos autoritários e

preconceituosos em relação ao diferente. Os membros de outras religiões podem

já estar sob o dinamismo do Reino de Deus, presente desde as origens na história

humana, que é também história da salvação porque é o lugar do encontro entre o

Deus gracioso e bom, que deseja a salvação de todos, com o ser humano. Como a

missão cristã pode respeitar as diferenças e, ao mesmo tempo, dar testemunho da

unicidade da salvação de Cristo é a questão que o autor tenta responder.

O quinto e último capítulo procura tirar as conseqüências teológicas do

estudo que fizemos. Lançamos um olhar prospectivo sobre as intuições teológicas

de Geffré, procurando um posicionamento crítico diante delas. Procuramos

confirmar nossa tese de que esse autor traz novidades que merecem ser

consideradas. Mas, por se tratar ainda de um campo relativamente novo da

teologia, há ainda mais questionamentos do que conclusões. Muitas questões

16

continuam sem solução, o que abre perspectivas reais para a continuidade do

debate teológico. Aventuramo-nos a apontar algumas.

A bibliografia apresentada nem sempre aparece explicitamente no corpo

do texto, especialmente as fontes secundárias. No entanto, elas foram consultadas

e apresentadas aqui como um contributo ao leitor interessado em fazer seu próprio

aprofundamento de um ou outro aspecto que envolve o diálogo entre as religiões.

Quanto às obras de Geffré, pode-se constatar que as utilizamos a partir do original

e em ordem cronológica em cada capítulo. Além disso, relacionamos na

bibliografia final quase que a totalidade dos escritos do autor. O que é

considerável visto se tratar de cinqüenta anos de produção teológica. Nossa

intenção é colocar à disposição do leitor referências que não se encontram com

facilidade em publicações brasileiras. Há textos na bibliografia que não aparecem

nas notas de pé de página. Essa decisão metodológica visa apresentar fontes

suplementares onde se possa verificar a solidez das idéias apresentadas na tese. O

fato de o autor repetir bastante suas idéias em vários textos dispersos em diversas

fontes contribuiu para que nem todas as referências fossem colocadas nas notas.

Achamos por bem citar apenas aqueles que consideramos mais relevantes e de

mais fácil acesso, mesmo na língua original do autor. Em todo caso, são obras que

consultamos ao longo da pesquisa e, direta ou indiretamente, ajudaram na

configuração final do texto.

As páginas que se seguem expressam, assim, o resultado de um trabalho

árduo, mas profundamente gratificante para nós. Certamente contribuiu para o

alargamento de nosso horizonte teológico e para incentivar a continuidade de

nosso serviço à inteligência da fé que recebemos, celebramos e vivemos na Igreja,

sacramento da unidade de toda a família humana, inserida na história como

testemunha da unidade a partir das diferenças.

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PARTE I: CRISTIANISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NA OBRA DE CLAUDE GEFFRÉ

1 A CONTRIBUIÇÃO DE CLAUDE GEFFRÉ PARA A TEOLOGIA CRISTÃ DAS RELIGIÕES Introdução Este primeiro capítulo apresentará o autor que estudamos a partir do que

entendemos ser sua contribuição específica para a teologia cristã das religiões, do

seu início até o estágio atual. Começaremos analisando o contexto do surgimento

da teologia das religiões e de seu estatuto epistemológico próprio, bem como a

contribuição dos teólogos precursores desse novo capítulo da teologia.

Em seguida, analisaremos as principais tendências que orientam o estudo

das religiões como tema específico da teologia. Nesse momento, já começaremos

a situar Claude Geffré entre os teólogos que se propõem a enfrentar o desafio de

responder aos questionamentos em relação ao significado das religiões diante do

conteúdo central da revelação cristã.

Por fim, apresentaremos alguns elementos biográficos do autor com o

intuito de auxiliar na compreensão do conjunto da sua produção teológica. Este

conteúdo, mesmo sumário, ajudará a entender onde o autor busca inspiração para

as intuições teológicas que pretende desenvolver. Esse pressuposto tornará mais

fácil a leitura que fazemos do pensamento de Claude Geffré nesta tese.

1. Teologia cristã das religiões: a construção de uma identidade Mais de quarenta anos depois da primeira tentativa de apresentar um

estatuto epistemológico da teologia das religiões,1 pode-se dizer que ela ainda está

em gestação. Considerar teologicamente o significado das religiões mundiais é

algo relativamente novo para o debate teológico. Esta é uma das razões de ainda

não haver posições consolidadas no que concerne ao sentido real das diversas

religiões na única vontade salvadora de Deus. Alguns autores já apontaram

1 SCHLETTE, H. R. Die Religionen als Thema der Theologie. Freiburg: Verlag Herder, 1963 – publicação em português: As religiões como tema da teologia. São Paulo: Herder, 1969. As citações seguintes serão feitas a partir desta tradução.

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possíveis fatores que contribuíram para a emergência das religiões como problema

teológico.2 Entre esses fatores merece destaque a própria situação histórica atual

em que as diversas religiões nunca estiveram tão próximas. Esta proximidade

possibilita um conhecimento maior do que cada tradição religiosa tem de

específico. As religiões aparecem não somente como sistemas, mas como

mediações de experiências verdadeiramente significativas para seus membros. Do

ponto de vista do cristianismo, a vida virtuosa das pessoas das outras religiões

quebra idéias pré-concebidas que se tinha delas. Desde o começo da segunda

metade do século XX, a teologia católica começa a se debruçar sobre este novo

problema: a despeito de todo esforço missionário dos cristãos, as outras religiões

crescem naturalmente. O que Deus estaria querendo nos dizer com tudo isso?

O cristianismo vive, de fato, um tempo novo. Em nenhum outro momento

da história foi tão contestado em sua pretensão de ser a religião universal. Tal

desafio não atinge apenas os círculos teológicos ou hierárquicos, mas chega ao

conjunto da comunidade eclesial. De agora em diante, o cristianismo não pode

mais se conceber sem levar a sério as outras religiões.

As tentativas de solução começam a surgir. O tema da possível salvação

dos infiéis não era estranho à teologia cristã. Desde tempos remotos e até

momentos antes do Concílio Vaticano II sempre se defendeu tal possibilidade.

Tradicionalmente se considerava a possibilidade de salvação dos “pagãos”,

sustentando-se, de um lado, a necessidade de pertença à Igreja para se conseguir a

salvação; e de outro, admitindo-se que a vontade salvadora de Deus não se deixa

limitar pelas fronteiras eclesiásticas. O que está em jogo na nossa época é mais

que isso. De fato, trata-se de compreender o significado humano e salvífico das

religiões enquanto religiões. Aqui está a novidade da reflexão teológica sobre elas.

Perguntar-se pelo significado das religiões em si mesmas é uma questão teológica

relevante. Encontramo-nos ainda no inicio da construção das respostas a esta

questão.

Deu grande impulso à teologia das religiões a tese defendida por K.

Rahner sobre a vontade salvífica universal, segundo a qual Deus, em Cristo, quer

a salvação de todos os homens e a todos ele a oferece. Deduz-se, então, que a

graça pode alcançar os homens também fora da Igreja cristã, na concretude de sua

vida humana e mesmo mediante sua vida religiosa, ou seja, não obstante, mas nas 2 MIRANDA, M. de F. “O encontro das religiões”. In: Perspectiva Teológica 26 (1994), p. 9.

19

e por meio das religiões.3 Schlette segue esta intuição. Este teólogo defende que

uma teologia das religiões só é possível em conexão com uma teologia da história.

A história humana seria também história da salvação, e as religiões seriam

autênticos “caminhos de salvação”, queridos e legitimados por Deus.4 Diz este

autor

A história da salvação abrange tudo o que foi realizado e se realiza por parte de Deus para a “salvação” da humanidade no decurso da história da humanidade; ela corresponde ao pressuposto estrutural da existência humana que é designada como “historicidade”. É sabidamente um difícil problema decidir se “historicidade” pode ser concebida, ou mesmo pensada, pela filosofia sem que nela se incluam, expressa ou pelo menos tacitamente, os pressupostos que do ponto de vista histórico provêm do campo da fé vétero e neotestamentária, isto é, da teologia.5

Schlette considera que a categoria de “história da salvação” remete a uma

categoria mais geral que ele chama de “epifania como história”. A história inteira

é o lugar do desvelamento da glória de Deus. Mostrando-se no tempo e na

história, Deus leva o ser humano à salvação. A automanifestação de Deus na

história já é realização da sua soberana vontade salvadora. Esta intuição permite

considerar a seriedade da história como lugar da ação salvífica e transformadora

de Deus a partir de dentro. Deus desvela sua glória em uma história, que é história

da salvação, na qual também as religiões não-cristãs são caminhos providenciais

de salvação. Então, a história da salvação, no sentido de relação salvífica entre

Deus e a humanidade, existe desde o começo, como já falavam termos

consagrados na Tradição como “ecclesia ab origine”, “ab initio”, “ab Adam”, “ab

Abel” etc. Não há dúvida de que esta perspectiva aberta por Schlette fez avançar a

pesquisa teológica das religiões. Na medida em que é possível considerar as

religiões como queridas e legitimadas por Deus, é possível admitir também que a

história das religiões revela, ao lado do que nelas é negativo, a condução e a

presença de Deus, embora não seja tão fácil verificar isso objetivamente. Percebe-

3 RAHNER, K. Curso Fundamental da fé. São Paulo, Paulus, 1989, p. 369-370 - “Se uma religião não-cristã de início não tivesse ou não pudesse ter absolutamente nenhuma influência positiva sobre o evento da salvação sobrenatural de uma pessoa que não é cristã, estaríamos entendendo esse evento salvífico para essa pessoa de forma inteiramente a-histórica e a-social, o que, porém, contradiz fundamentalmente o caráter histórico e social (eclesial) do próprio cristianismo. Herbert Vorgrimler diz que a teoria de Rahner sobre os cristãos anônimos “não implica uma confissão de fé explícita, todavia, não é por isso menos exigente do que uma confissão explícita da fé”. Karl Rahner – Experiência de Deus em sua vida e em seu pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 279. 4 SCHLETTE, H. R. As religiões como tema da teologia, op. cit., p. 54. 5 Id. Ibid., p. 57

20

se, por aí que a relevância de uma teologia cristã das religiões vai muito além do

aspecto histórico-religioso. É preciso investigar em profundidade os “vestígios”

de Deus nas diferentes tradições religiosas contando-se com o fato incontestável

de que eles já estão lá.6

Esta intuição de Schlette permite também redimensionar o papel da Igreja.

Sobre a Igreja assim se expressa este teólogo precursor

Por conseguinte, a Igreja, como comunidade dos chamados por Deus, não é, por isto mesmo, a multidão privilegiada daqueles que caminham pela estrada larga do caminho ordinário da salvação, enquanto “os outros”, que estão “nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1, 79), são como que salvos por Deus de forma extraordinária. Antes a Igreja é a comunidade escatológica, chamada dos quatro ventos, que pela existência do mundo deve testemunhar para onde levam os caminhos ordinários (das religiões), e que em nome de Deus exorta a seguir, em obediência e humildade, o caminho extraordinário. Quem trilha o caminho da história salvífica especial não o escolhe por si mesmo, mas é colocado por Deus nesta direção, pois o que há de extraordinário neste caminho é que ele não só é caminho, mas já “verdade” e “vida” (Jo 14,6), pois estando neste caminho o homem já se encontra na presença de Deus, absoluta, escatológica e totalmente “nova” em comparação com os outros caminhos.7

Ele propõe uma mudança no léxico teológico quando apresenta as outras

religiões como caminhos ordinários de salvação e a Igreja como caminho

extraordinário. Esta consideração positiva das religiões não-cristãs abre caminho

para um diálogo autêntico e fecundo delas com o cristianismo.

O Concílio Vaticano II, na Declaração Nostra Aetate, provoca uma real

mudança de rota em direção ao diálogo inter-religioso ao considerar que as outras

religiões contêm valores espirituais significativos e elementos concretos de

santidade, bondade e verdade (NA 2). Trata-se de uma verdadeira virada

copernicana no que se refere ao relacionamento com as outras religiões. Não

temos dúvida de que as profundas intuições teológicas de Rahner e Schlette

ajudaram na formulação desse equilibrado texto conciliar. O Concílio não fechou

questão quanto às relações com as outras religiões. Mas abriu possibilidade real de

avanço na pesquisa teológica a este respeito.

O período pós-conciliar acabou por consolidar três principais tendências

teológicas no debate sobre o significado das religiões: o exclusivismo, o

6 SCHLETTE, H. R. As religiões como tema da teologia, op. cit., p. 67. 7 Id. Ibid., p. 79-80.

21

inclusivismo e o pluralismo. Sem pretender sermos exaustivos, apresentaremos a

seguir as características centrais de cada uma delas.

A tendência exclusivista aferra-se à afirmação de que só há uma religião

verdadeira: o cristianismo e, em conseqüência, uma única Igreja. Todas as outras

religiões são falsas e não são caminhos nem mediação de salvação. Apenas a

revelação cristã é verdadeira. A Igreja de Cristo é a única mediação de salvação.

Se há algo de bom nas outras religiões, isso se deve apenas ao esforço do espírito

humano, não a revelações ou ações salvíficas de Deus. Jesus Cristo é o único

mediador da salvação. Ele é o único centro e a chave da existência humana.

É preciso que se diga que a Igreja católica nunca aceitou um exclusivismo

assim tão rígido. Algumas saídas inclusivistas foram sempre apontadas, embora

nem sempre tematizadas. Um bom exemplo de atenuação do exclusivismo pode

ser a idéia do batismo de desejo ou o voto do sacramento como meios

extraordinários de salvação. A tomada de consciência da liberdade religiosa e da

responsabilidade individual foi mostrando que o exclusivismo era inviável devido

ao seu radicalismo.8

O inclusivismo sucede ao exclusivismo e tenta conciliar a centralidade de

Cristo e a salvação nas outras religiões. O Vaticano II assumiu o fato de que pode

haver salvação nas outras religiões ou mesmo fora de qualquer religião (GS 22).

Em meio a avanços significativos na consideração positiva das outras religiões, o

Concílio Vaticano II, no entanto, não chegou a reconhecer que as outras religiões

possam ser mediadoras da salvação para seus membros. A reflexão teológica pós-

conciliar propõe-se a avançar na compreensão desse dado teológico. Pretende-se

mostrar como a verdade cristã, de certo modo, inclui a verdade das outras

religiões e reconhece o valor salvífico das mesmas. A tendência inclusivista aceita

que as religiões possam mediar a salvação para seus membros, mas não de

maneira autônoma, já que a salvação lhes vem mediante Jesus Cristo. Toda a

salvação faz referência a Jesus Cristo e, de certa forma, também à Igreja. Jesus e a

Igreja cristã são a plenitude de todas as religiões. Os membros das outras religiões

não se salvam, então, porque são membros de suas religiões, mas porque são

misteriosamente marcados e atraídos para o único Cristo Senhor e Salvador.

8 Esta é uma tendência que se pode ter como superada. Ninguém intelectualmente honesto pode ainda aceitá-la e muito menos difundi-la. Concordamos com Ch. Duquoc quando diz que o axioma Extra Ecclesiam nulla salus causou “efeitos sociais muitas vezes destruidores”. Cf. DUQUOC, Ch. “O cristianismo e a pretensão à universalidade”. In: Concilium 155 (5) 1984, p. 67-68.

22

Essa tendência, como se vê, não considera a vontade daqueles que não são

cristãos de permanecerem assim, mas tudo é interpretado a partir do cristianismo e

em termos de uma realização plena no cristianismo, feita de modo irremediável.

Ora, a experiência mostra que as outras religiões não expressam nada que se

pareça a uma presença oculta de Cristo nem a uma busca dele, seja de que forma

for. A pretensa superioridade cristã apresentada assim é inaceitável para qualquer

possibilidade de diálogo.9

Mais recentemente, surge a tendência pluralista. O pluralismo religioso

passa a ser visto como um valor, não tanto como um problema a ser combatido. O

pluralismo quer fazer avançar o inclusivismo. Critica-o por acentuar demais a

centralidade de Cristo e a superioridade da religião cristã em relação às outras.

Dessa forma, as outras religiões não são valorizadas suficientemente. Chama a

atenção para que o cristianismo veja as outras tradições religiosas como elas

mesmas se vêem e não como experiências sempre deficitárias. O acento deveria se

deslocar do cristocentrismo inclusivista para o teocentrismo pluralista. Dever-se-ia

passar de uma atitude apologética para uma atitude mais dialogal. Observa-se que

o novo clima cultural em que nos encontramos proporciona um ambiente de

convivialidade entre os diferentes. Esse clima deveria chegar às religiões.

Outro fator relevante para a busca da paridade religiosa é a perda gradual do

etnocentrismo ocidental. Obviamente sem renunciar à própria identidade cristã,

em nenhum de seus aspectos essenciais, é preciso reinterpretá-la sem excluir nem

ofender o outro. Um olhar pluralista não encerra num só modo de se expressar o

único desígnio salvador de Deus. Apesar das oposições parciais ou mesmo

irreconciliáveis entre as tradições religiosas, elas se completam mutuamente em

suas diferenças. O que se busca não é a mera redução de uma religião à outra, mas

o enriquecimento mútuo por um diálogo sincero. O pluralismo apresentado assim

não conduz necessariamente ao relativismo. Aceita-se a revelação de Deus em

Jesus, mas em continuidade com e da mesma ordem que o conhecimento de Deus

expresso pelas outras religiões. Há um entrecruzamento dos caminhos das

diversas religiões que manifestam um teor equivalente de salvação e de verdade.

Um pluralismo mais radical chega a relativizar Cristo como o Messias

definitivo. Cristo não seria normativo, mas paradigmático. Outra corrente

9 Referências clássicas desta tendência são Jean Daniélou, Henri de Lubac, Von Balthasar. Também Rahner e Schlette como expoentes da vertente da “presença de Cristo nas religiões”.

23

pluralista propõe uma cristologia normativa, embora não necessariamente

constitutiva. Por normativo entende-se regra ou modelo autoritativo. Assim, a

revelação de Deus em Jesus Cristo corrige e completa todas as outras revelações,

mas isso não quer dizer que ele seja o mediador insuperável e constitutivo. Neste

contexto, a Igreja não é vista como mediadora indispensável da salvação. Pode,

quando muito, ser uma mediação normativa, uma comunidade em que a revelação

mais plena do amor de Deus se manifesta.10

A partir do ano de 2003, alguns teólogos latino-americanos começam a

esboçar como poderia ser uma teologia das religiões com os contornos do nosso

Continente. Uma das primeiras publicações surgiu em espanhol sob a

responsabilidade da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro

Mundo – Região América Latina).11 Trata-se de uma coletânea de ensaios de

vários autores abordando o diálogo inter-religioso a partir de vários vieses. Dois

anos depois surge o segundo volume desta mesma Associação e basicamente com

os mesmos autores. Foi publicado no Brasil em 2005.12 Um ano depois é

publicado em português o terceiro volume.13 Aqui já se começa a falar em uma

teologia pluralista da libertação. Autores de vários continentes apresentam seus

ensaios tentando configurar os vários tratados da teologia sistemática católica a

partir do enfoque pluralista. Da questão sobre Deus à antropologia teológica, da

cristologia à soteriologia, tudo passa a ser visto a partir da realidade do pluralismo

religioso. Felizmente, os autores têm a prudência de assinalar que se trata ainda de

buscas de novos fundamentos para entender o pluralismo atual, portanto, não

fecham questão sobre os aspectos discutidos. Ainda em 2006, José Maria Vigil

lança uma obra que pretende ser uma apresentação mais sistemática do que seria

uma teologia do pluralismo religioso com uma proposta de releitura de todo o

cristianismo.14 Um ano depois surge outra publicação agora refletindo o caminhar

da teologia do pluralismo religioso em uma perspectiva intercontinental.15 Mais

10 Referências importantes desta tendência são P. Knitter; J. Dupuis; J. Hick; R. Panikkar; H. Küng, entre outros. 11 ASETT. Por los muchos caminos de Dios. Quito: Verbo Divino, 2003 – Tradução brasileira – Pelos muitos caminhos de Deus. Goiás: ASETT – Editora Rede, 2003, v. 1. 12 ASSET. Pluralismo e libertação. São Paulo: Loyola, 2005. 13 TOMITA, L. E., BARROS, M e VIGIL, J. M. (orgs.) Teologia Latino-Americana Pluralista da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2006. 14 VIGIL, J. M. Teologia do pluralismo religioso – para uma releitura pluralista do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2006. 15 VIGIL, J.M, TOMITA, L. E. e BARROS, M. Teologia Pluralista Libertadora Intercontinental. São Paulo: Paulinas – ASETT, 2007.

24

uma vez, o que se vê é um ajuntamento de textos de autores das mais variadas

tendências colocando as mais diversas perspectivas de diálogo. Como se trata de

um campo novo de pesquisa teológica é natural que as idéias se repitam um

pouco, que os teólogos pioneiros nesta reflexão sejam citados abundantemente,

mas concretamente não se consegue ainda avançar sem colocar em risco pontos

essenciais da fé cristã que não podem ser relativizados jamais. Estamos ainda no

começo do caminho.

2.4. Em busca de um equilíbrio

Estas três principais tendências presentes na pesquisa teológica das

religiões parecem não ser mais satisfatórias. O momento atual pede um

conhecimento mais aprofundado de cada tradição religiosa. Não se pode mais

ficar repetindo à exaustão idéias pré-concebidas e julgamentos apressados sobre o

que não se conhece. Qualquer teologia responsável deve limitar-se a considerar

elementos concretos o bastante para que se evitem generalizações. Nossa época de

inquestionável pluralismo religioso também se caracteriza pela busca do diálogo e

da tolerância. Tal peculiaridade também se reflete na pesquisa teológica. Assim, a

teologia das religiões que é produzida em nossos dias caracteriza-se pela busca de

princípios que sejam consensuais, não sendo, portanto, exclusivos de qualquer

tradição religiosa. Se for certo que se deve fugir de qualquer forma de

dogmatismo é certo também que não se pode cair em um relativismo irrefletido.

Como superar tal obstáculo? Certamente não se pretende banir o princípio

dogmático da reflexão teológica sob pena de descaracterizá-la por completo. Não

é possível fazer teologia prescindindo da própria tradição. Portanto, qualquer

teologia cristã das religiões deve sempre pressupor a pluralidade de expressões, já

que será elaborada sempre a partir de perspectivas diferentes.

Por conseguinte, há alguns pontos irrenunciáveis para a teologia cristã. O

principal deles é, sem dúvida, a centralidade de Jesus Cristo. O desafio posto à

teologia das religiões é buscar o significado do diálogo inter-religioso sem

renunciar ao pressuposto da revelação definitiva de Deus em Jesus Cristo, o Verbo

encarnado. A teologia das religiões deve abordar as outras religiões a partir deste

pressuposto fundamental. Como é possível incluir as outras religiões no único

mistério de Cristo? O Magistério eclesiástico ofereceu documentos substanciosos

25

que ajudam a reflexão teológica a balizar o caminho do diálogo. Recupera-se uma

visão positiva da história humana como história da salvação, como lugar da

concretização do único plano salvífico de Deus para toda a humanidade. Desta

forma, as diferentes tradições religiosas estão também sob a ação do Espírito

Santo (DA 28). Nossa historicidade não nos permite ter um acesso imediato e total

à plenitude da revelação, o que só será possível na escatologia (DA 37). Pode-se e

deve-se manter a singularidade de Jesus Cristo e aceitá-lo como a plenitude da

verdade. Para a fé cristã, a verdade é uma Pessoa, é alguém por quem nos

devemos deixar possuir (DA 32; 36). Por isso os cristãos devem sempre estar

abertos a captar expressões inéditas dessa única verdade também a partir das

outras religiões (DA 49). Portanto, o diálogo inter-religioso não é uma mera tática

pastoral, mas uma necessidade de nosso contexto atual. Além do documento

Diálogo e Anúncio, o Magistério de João Paulo II apresenta pistas preciosas para a

construção de um fundamento sólido para o diálogo entre as religiões do mundo.16

Uma teologia das religiões que leve a sério as outras tradições religiosas da

humanidade não deixará de apresentar á fé cristã alguns questionamentos

relevantes. Uma nova autocompreensão cristã levará à reinterpretação de alguns

de seus conteúdos fundamentais. Apenas para mencionar alguns, a cristologia, a

soteriologia, a eclesiologia e a missiologia deverão ser revisitadas a partir dos

elementos que emergem do diálogo entre as religiões. Uma idéia de purificação da

fé não é estranha ao cristianismo. Ela tenderá a ficar mais forte à medida que o

diálogo avance. Estamos convencidos que o teólogo francês Claude Geffré, cujo

pensamento aprofundamos nesta tese, contribui significativamente para uma

teologia das religiões que tenha o equilíbrio necessário que não permita

escamotear os desafios atuais e nem banalizar os conteúdos irrenunciáveis da

tradição cristã. É precisamente este autor e seu pensamento que apresentaremos a

seguir.

16 Os próximos capítulos desta tese refletirão a inconteste contribuição deste Romano Pontífice para o incremento do diálogo inter-religioso.

26

3. Claude Geffré: o homem, o cristão, o teólogo Claude Geffré nasceu em Niort (Deux-Sèvres) na França em 1926. O

desejo pela vida religiosa começa a brotar nele por volta dos dezenove anos. De

início pensa em entrar na Congregação dos Padres Brancos, pois o trabalho deles

na África do norte o impressionava muito. Geffré diz que Charles de Foucauld foi

para ele uma figura icônica, alguém que o inspirava para viver no deserto, com

toda a carga simbólica que tem esse lugar, mas também concretamente em uma

total disponibilidade para os pobres e pequenos.17 Chegou a procurar um

seminário dos Padres Brancos, mas por eles não terem noviciado na França

naquele período imediatamente após a Segunda Guerra mundial, teve que adiar

abraçar sua vocação. Por cerca de três anos hesitou entre os Jesuítas e os

Dominicanos. Estava certo, porém, que não queria ser um clérigo diocesano. Esta

é a origem de sua vocação à vida religiosa e ao ministério teológico.

Em 1948 entra no noviciado dos dominicanos da Província da França. De

1949-1955 estuda filosofia e teologia na faculdade dos dominicanos em Saulchoir.

Completados os estudos, é enviado a Roma para fazer uma tese doutoral e voltar a

Saulchoir agora como professor. Doutora-se em teologia em 1957 no Angelicum.

Neste mesmo ano publica seus primeiros artigos teológicos.18 Entre 1957 e 1968 é

professor de teologia dogmática em Saulchoir. A partir de 1961 começa a publicar

textos com mais assiduidade.19 A partir de 1965 torna-se diretor desta faculdade.

Ente 1968 e 1988 é professor titular de teologia fundamental no departamento de

teologia e ciências religiosas no Instituto Católico de Paris. Neste ínterim torna-se

diretor do ciclo de estudos de doutorado em teologia deste mesmo Instituto. A

partir do início da década de 1980 torna-se também professor de hermenêutica

teológica e de teologia das religiões em Paris. Neste período começa seu interesse

maior pela pesquisa teológica das religiões e, em especial pela nova situação do

cristianismo no contexto de pluralismo religioso vigente. 17 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, Paris: Albin Michel, 1999, p. 59. 18 Id. “La possibilité du péché”. In: RT, n. 2, avril-juin 1957, p. 213-245 e “Structure de la personne et rapports interpesonnels”. RT, n. 4, oct-déc, 1957, p. 672-692. 19 Id. “Théologie naturelle et révélation dans la connaisance du Dieu Un”. In: L’Existence de Dieu, Tournai: Casterman, 1961, p. 297-317; "Les sacrements et le Temps”. In: MD, n. 65. 1961, p. 96-108; “Philosopher dans la foi: E. Gilson-J Maritain”. In: VS, n. 469, février 1961, p. 220-230; “Doctrines théologiques (Dieu)”. In: BT, t. XI, n. 2, 1961, p. 349-368. A produção teológica de Geffré vai se tornando cada vez mais abundante a partir deste período. Na bibliografia final desta tese elencaremos cronologicamente o que foi possível registrar desta vasta produção.

27

Sua vida acadêmica se desenvolveu também fora da França. Foi muitos

anos professor visitante na Faculdade de ciências filosóficas e religiosas da

universidade Saint-Louis em Bruxelas. Também na faculdade de teologia da

universidade de Sherbrooke e na universidade Laval em Quebec, ambas no

Canadá. Trabalhou ainda como professor convidado em Friburgo na Alemanha e

também na Sorbonne em Paris.

Além destas atividades, foi durante muitos anos diretor da coleção

“Cogitatio fidei” das edições du Cerf. Membro fundador da Revista Internacional

de Teologia Concilium. Membro da comissão de filosofia do Centro Nacional de

Letras da França entre 1987-1991. Membro do grupo de pesquisas islano-cristã

(GRIC – em francês). Membro do conselho internacional da Conferência Mundial

de Religião e Paz (WCRP). Foi ainda vice-presidente da Associação de Teologia

Católica Européia.

Na década de 1990 Geffré é encarregado de dirigir a Escola Bíblica e

arqueológica de Jerusalém, mantida pelos dominicanos. Em certo momento ele

diz que se sentiu tenso diante desta responsabilidade, visto que não tinha uma

formação teológica especificamente ligada à pesquisa bíblica. No entanto, estar

naquela cidade emblemática foi decisivo para ele. Afirma que foi em Jerusalém

que começou a se sentir atraído a aprofundar o diálogo inter-religioso.20 Aquela

cidade carregada de simbologia deveria ser a antecipação histórica da Jerusalém

celeste. A realidade não mostrava isso. As três grandes religiões descendentes de

Abraão conviviam juntas no mesmo espaço, mas não conseguiam viver em paz.

Mas Jerusalém continuava sendo uma cidade símbolo de uma utopia: a

coexistência possível dos diferentes entre si. Esta estada em Jerusalém vai ser

decisiva para a maturidade da teologia das religiões que Claude Geffré tenta

sistematizar. Em vários de seus escritos vai aparecer com força o termo

convivialidade. É essa possibilidade real de convivência entre os diferentes que

ele apresenta como a plausibilidade das religiões nos dias atuais. Construir essa

convivência é tarefa irrenunciável das tradições religiosas.

Conviver em Jerusalém serviu também para Geffré concluir que as graves

causas subjacentes aos diversos conflitos que existem na Terra Santa não têm

soluções fáceis. A complexidade das relações entre judeus e palestinos não pode

ser minimizada. Também as crispações entre católicos latinos e ortodoxos de 20 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 11.

28

diversas tradições não podem ser esquecidas. Sem falar nas outras tantas

confissões cristãs que têm aquela cidade como referência. Ou seja, o diálogo entre

as religiões sempre será marcado por tensões sérias que precisam ser avaliadas

com certa profundidade.

Geffré diz que Jerusalém é uma testemunha privilegiada da história

religiosa da humanidade. Começando pelo povo de Israel, povo eleito para ser a

expressão histórica do mistério da gratuidade de Deus. Deus escolheu Israel

porque quis. Mas Jerusalém testemunha também uma profunda ambigüidade. A

história religiosa da humanidade é marcada por uma permanente dualidade. Ao

mesmo tempo em que as grandes religiões do mundo trazem para a humanidade

valores fundamentais como a sociabilidade e a generosidade, trazem também um

rastro de violência. Essa relação entre religião e violência deverá sempre estar na

pauta de qualquer pensamento mais profundo sobre o significado das religiões na

história humana.

A teologia de Geffré procurará enfrentar este desafio também. Dirá nosso

autor que a violência é um instinto muito forte nas pessoas, mas também é

verdade que a convivialidade entre os diferentes está presente desde as origens da

civilização. Junto a impulsos violentos também se verificam o desejo de se

comunicar, de festejar, de rezar, de adorar, o desejo de contemplar o mundo. Tudo

isso também pode se verificar desde a origem. Isso quer dizer que a violência

pode ser superada pela vontade das pessoas de conviverem. Esta estada em

Jerusalém traz para o horizonte teológico de Geffré uma grande abertura. Ele

passa a considerar seriamente o pluralismo religioso como uma questão teológica.

A isso ele se dedica até o momento em que escrevemos estas páginas, quando já

emérito de suas funções acadêmicas e já octogenário, conserva o pensamento

teológico vivo e sagaz que procurou cultivar desde o início.

3.1. As raízes de uma teologia do diálogo: o itinerário teológico de Claude Geffré

No livro Profession Théologien Geffré faz referência à grande influência

que o padre M-D Chenu exerceu sobre ele. Nos idos de 1948-1949 padre Chenu já

era um teólogo renomado. Geffré chegou a conviver com ele em Paris durante

29

seus estudos superiores. Dá testemunho de que se tratava de uma pessoa gentil,

afável. Confessa que os ensinamentos de Chenu foram decisivos para alicerçar seu

próprio edifício teológico. Esse teólogo era grande conhecedor da filosofia

moderna, o que lhe possibilitava ter uma abertura excepcional para questões

emergentes daquela época. Geffré não tem dúvida de que a consolidação da

teologia como hermenêutica é um legado de Chenu, na medida em que ele

vislumbra verdadeiramente o sentido da historicidade do ato e das proposições da

fé.

Em 1985 Claude Geffré escreve um artigo memorável em homenagem a

seu mestre.21 Nosso autor reconhece neste texto que deve a Chenu a abertura de

seu horizonte teológico. Foram as profundas intuições desse teólogo que fizeram

com que Geffré descobrisse as raízes de uma teologia do diálogo. Notadamente

reconhece que um texto publicado em 1937 com o título “Une école de théologie:

le Saulchoir”, onde aquele teólogo dominicano apresenta a idéia do “estatuto

histórico” do cristianismo, influenciou toda sua formação acadêmica. Este olhar

teológico para a história fez de Chenu, no entender de Geffré, o precursor da

teologia dos sinais dos tempos.22 Levar a sério a historicidade da teologia é estar

atento ao teandrismo da fé que responde como um eco ao teandrismo da Palavra

de Deus. A atenção à dimensão teândrica da Palavra de Deus encarnada em uma

palavra humana é o que leva o dominicano a procurar evitar toda espécie de

absolutização de fórmulas que são históricas e em certo sentido relativas.23 Estas

sendas abertas pelo velho mestre de Saulchoir fizeram com que Geffré tomasse

para si que o trabalho do teólogo não consiste unicamente em uma dimensão

acadêmica, mas deve também estar embevecido por uma paixão profética. O lugar

teológico por excelência é a vida concreta da Igreja. A história não é somente um

lugar teológico, mas uma dimensão consubstancial ao próprio ato teológico.24

A teologia de Geffré parte das intuições fundamentais de Chenu. A partir

da concordância com seu mestre naquilo que é essencial, Geffré avança em sua

21 GEFFRÉ, C. “Le réalisme de L’incarnation dans la théologie du Père M-D Chenu”. In: R. S. P. T. 69 (1985), p. 389-399. 22 Id. Ibid., 389. 23 Id. Ibid., p. 394 – “Le christianisme est tradition, parce qu’il vit d’une origine première, à savoir l’événement Jésus-Christ lui-même. Mais Il est nécessairement en même temps interprétation créatrice , parce que cette origine ne peut être redite qu’historiquement.” 24 Id. Profession Théologien, op. cit., p. 13 – Aqui o autor destaca a necessidade de se descobrir o sentido da Palavra de Deus para a comunidade que a lê e interpreta a partir da realidade em que se encontre.

30

própria reflexão levando adiante a intuição da ação do Espírito Santo não somente

no interior da Igreja, mas também no agir histórico da humanidade. Mais tarde

nosso autor vai rever esta visão muito otimista da história. Em uma de suas

principais obras ele afirma

Guardemo-nos de otimismo um tanto ingênuo e sublinhemos que a história humana continua profundamente ambígua. Devemos evitar cair numa visão muito antropomorfa da ação de Deus na história como se Deus estivesse mais engajado em certos acontecimentos. Notemos, particularmente, que, na tradição bíblica, a expressão ‘sinais dos tempos’ é ambígua. [ ] O verdadeiro sinal dos tempos é Cristo, que coincide com a vinda do reino, é um fator de divisão, de conflito, de crise. O mesmo se pode dizer do anúncio do Evangelho pela Igreja hoje.25

Mais recentemente Geffré voltou a alertar quanto à dificuldade de se

distinguirem adequadamente os “sinais dos tempos”, daqueles sinais que apontam

com certa segurança para a presença de Deus.26 Uma conseqüência direta disso é a

intuição de fundo da teologia como hermenêutica, característica central do

pensamento de Geffré. Ele define a teologia como um novo ato de interpretação

do acontecimento Jesus Cristo sob a base de uma correlação crítica entre a

experiência cristã fundamental dada pelo testemunho da Tradição e nossa

experiência histórica de hoje.27

2.2. Teologia é interpretação: as fontes de uma convicção

Outro grande teólogo que exerceu profunda influência em Geffré foi Paul

Tillich. A concepção da teologia como hermenêutica encontra também raízes no

método da correlação de Tillich quando este articula a mensagem e a situação.28

Para descrever o trabalho hermenêutico da teologia, Geffré o exprime em termos

de correlação, numa fórmula inspirada em Tillich. A teologia como hermenêutica

25 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje – Hermenêutica teológica. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 192. Tradução do original em francês - Le christianisme au risque de l’interprétation. Paris: Cerf, 1983. As referências a esta obra serão feitas a partir da tradução em português. 26 Id. “Théologie de l’incarnartion et théologie des signes des temps chez le Père Chenu”. In: Marie-Dominique Chenu. Moyen Âge et modernité. Paris: Cerf, 1997, p. 131-153 – “Dieu est toujours présent dans l’histoire. Mais il n’y a pas de signes des temps où l’on puisse attester sa présence de manière sûre. À la lumière de la croix de Christ, nous sommes invités à reconnaître sa trace là où ne l’attendait pas, dans les marges de l’histoire, c’est-à-dire là où la passion dês hommes s’identifie à la passion de Dieu.” 27 Id. “Le réalisme de L’incarnation dans la théologie du Père M-D Chenu”, art. cit., p. 396. Esta idéia, por ser central no pensamento do autor, voltará algumas vezes em outras partes desta tese. 28 Id. “L’herméneutique chrétienne”. In: M. Clévenot ( ed.). L’État des religions dans le monde, Paris: Cerf, 1987, p. 453-454.

31

se apresenta como um desafio de reescrever a partir de escrituras anteriores. Pode-

se defini-la como um novo ato de interpretação do acontecimento Jesus Cristo

sobre a base de uma correlação entre a experiência cristã fundamental

testemunhada pela tradição e a experiência humana de hoje. O primeiro pólo da

correlação é constituído pelos documentos da tradição, que têm na Escritura sua

fonte primeira. Pode-se dizer que o primeiro pólo é o que se entende por revelação

divina. Aqui Geffré chama a atenção para a adequada compreensão do termo

revelação, eximindo-o de qualquer concepção que a considere como um algo

dado e acabado. Prefere usar expressões como “O Evangelho” ou “A mensagem

cristã”, duas expressões que apelam para a resposta da fé e designam um processo

sempre dinâmico.29 O segundo pólo, a experiência humana de hoje, é mais difícil

de explicitar. Para tal, nosso autor usa várias expressões. Para ele, a teologia deve

conter inseparavelmente uma hermenêutica da Palavra de Deus e uma

hermenêutica da existência humana, sobre a base de uma correlação entre Deus e

o ser humano, de modo que nenhuma afirmação sobre Deus não implique uma

afirmação sobre o ser humano.30

Inspirado por Tillich, nosso autor alerta para dois excessos que a teologia

autêntica deve evitar: de uma parte, a pretensão de poder construir um sistema da

pura doutrina cristã deslocada da situação histórica; de outra, a simples redução da

mensagem cristã a uma determinada situação cultural.31 Tentando ir além de

Tillich, Geffré propõe a noção de “pré-compreensão”. Defende que se deve

sempre compreender os textos fundadores do cristianismo a partir de certa pré-

compreensão. Não é possível uma hermenêutica sem uma pré-compreensão e sem

um engajamento do sujeito interpretante, ou seja, sem uma interação entre o

objeto textual a se estudar e o intérprete.32 Cada intérprete já tem uma pré-

compreensão. É esta compreensão que se tem da própria existência, do mundo, da

história que constitui o contexto de compreensão do texto fundador. Assim, toda

experiência e toda compreensão é indissociável de uma linguagem que as

exprime. A tarefa hermenêutica da teologia ganha um desafio novo: como traduzir

29 RICHARD, J. “La théologie comme herméneutique chez Claude Geffré et Paul Tillich”. In: JOSSUA, J. P. (ed.). Interpréter. Paris: Cerf, 1992, p. 72. 30 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 30. 31 Id. “La Révélation hier et aujourd’hui. De l’Écriture à la predication ou les actualizations de la Parole de Dieu”. In: Révélation de Dieu et langage des homes". Paris: Cerf, 1972, p. 96. 32 Id. “Nouvelle pratique scientifique et pratique de la théologie”. In: Teologia e scienze nel mondo contemporâneo. Milan: Studia Universitatis S. Thomae in Urbe: Ed. Massimo, 1989, p. 17.

32

a mensagem religiosa da revelação bíblica para nossa época e para a experiência

humana em uma cultura que se exprime de forma essencialmente não religiosa?

Desde a década de 1960 Geffré começa a trazer para o debate teológico a

necessidade de uma crítica profunda à maneira como os desafios suscitados pela

nova situação histórica traziam para a inteligência da fé. Impulsionado pela

abertura proporcionada pelo Concílio Vaticano II, nosso autor também propõe

uma revisão de todo edifício tradicional da teologia cristã. Percebia a angústia de

muitos cristãos diante do desfasamento entre as expressões do mistério cristão e o

horizonte cultural do ser humano moderno.33 Uma atitude crítica coerente com os

novos tempos haveria de proporcionar aos crentes a segurança de que

necessitavam para circular no novo mundo que se desdobrava diante deles. É

fundamental tomar consciência da dinâmica da realidade. Portanto, não há como a

teologia não se interrogar sobre como anunciar o Deus de Jesus Cristo a um

homem para quem a religião já não é concebida como um fato dado e acabado.

Como é impossível à fé cristã renunciar ao seu dever de anunciar Jesus Cristo,

resta-lhe buscar novas maneiras de afirmar a razoabilidade da fé. Não se logrará

êxito nesta tarefa incentivando qualquer espécie de arcaísmo religioso. Já naquela

época, Geffré percebia, juntamente com outros teólogos contemporâneos, que o

caminho para a fé se reinserir no coração do homem moderno seria restaurar

aquele sagrado original que coincide com a verdade do homem como mistério de

abertura a uma transcendência, ao seu assentimento a uma Palavra de que não

dispõe.34

Nesta primeira etapa de sua vida teológica Geffré é eminentemente um

teólogo fundamental. A problemática da realidade se reflete na própria teologia.

Uma conclusão que logo se impõe é que o homem moderno não tem a capacidade

de compreender a mensagem cristã porque ela é transmitida, em grande parte, em

uma mentalidade e linguagem de culturas e experiências passadas. Sem

menosprezar a tradição teológica conservada até então, o movimento teológico

pós-conciliar pretendia uma reformulação-renovação da própria mensagem cristã

e de sua teologia. É um elemento característico do círculo teológico de Geffré a

convicção de que o futuro do povo de Deus, da mensagem cristã e da teologia não

são uma invenção absolutamente nova, nem uma simples ruptura com o passado,

33 GEFFRÉ, C. “Dessacralização e santificação”. In: Concilium n. 9, 1966, p. 95. 34 Id. Ibid., p. 107.

33

mas a reinterpretação do núcleo fundamental da fé em íntima conexão com a vida

real dos crentes.

Nosso autor defende que a tarefa contínua da teologia como inteligência da

fé é elaborar uma linguagem que se apóie sempre nos conceitos fundamentais da

revelação e, ao mesmo tempo, busque ultrapassá-los a fim de tornar seus

conteúdos inteligíveis a cada momento histórico em que se encontre o

cristianismo.35 A teologia não deve renunciar a sua função especulativa e

sistemática, mas deve tomar liberdade de dizer aquilo que na revelação lhe é

confiado. O desafio é construir uma linguagem ontológica não-objetivante de

Deus. O pensamento teológico deve buscar apropriar-se da verdade revelada a

partir de seu lugar próprio: a economia do Verbo encarnado. Só podemos

conhecer o Deus de Jesus Cristo a partir da particularidade da história de Jesus.36

Deus precisa ser pensado no horizonte da história e da escatologia. O futuro é o

modo de ser mais próprio do Deus bíblico. É preciso tirar todas as conseqüências

da concepção cristã da história. Uma teologia elaborada a partir desses

pressupostos será capaz de ultrapassar o dualismo metafísico de Deus e do mundo

e procurará pensar melhor de que modo Jesus Cristo é a realidade de Deus e a

realidade do mundo.

Geffré advoga uma nova época para a teologia. Como profundo estudioso

do método teológico, insiste na dinâmica própria da fé e na especificidade da

Igreja cristã inserida na história como autênticos “lugares teológicos”. A partir daí

sublinha o pluralismo teológico como componente essencial da reflexão sobre a fé

nos dias atuais. Tal pluralismo, ligado a uma pluralidade de experiências de vida,

deve ser capaz de constituir algo de universal a partir das particularidades.

Outra exigência do pluralismo atual é ressaltar a hermenêutica como

constitutiva do método teológico. A hermenêutica, compreendida como o

movimento capaz de possibilitar a autocompreensão da fé e do ser humano em

uma determinada época, foi assumida pelo método teológico muito recentemente.

35 GEFFRÉ, C. “Sentido e não-sentido de uma teologia não-metafísica”. In: Concilium n. 6, 1972, p. 790. 36 Id. Ibid., p. 792. Esta intuição será muito importante na formulação da cristologia de Geffré como veremos no capítulo dois desta tese.

34

Dessa forma, a teologia fundamental passa a ser uma reflexão sobre a estrutura da

existência humana como condição de acolhimento da fé.37

Nos anos sucessivos, o autor continua a produzir um número significativo

de artigos e conferências em que busca fundamentar melhor sua compreensão da

teologia como hermenêutica. Em 1983 lança um livro reunindo estes escritos e

procurando lhes dar um tratamento mais sistemático.38 Um elemento característico

desta obra é a crítica que Geffré faz em relação à autoridade do magistério

eclesiástico. Coerente com sua concepção da teologia como reinterpretação

criativa da mensagem cristã, o autor reconhece a legitimidade de uma pluralidade

de interpretações possíveis, já que é tarefa dos teólogos procurarem respostas

adequadas aos questionamentos feitos à fé em cada momento histórico. É nesta

perspectiva que ele se pergunta se o magistério pode determinar a fé através de

definições dogmáticas em um momento em que a Igreja reconhece a realidade de

um pluralismo teológico insuperável.

Diz nosso autor

Mas, em caso de conflito, em caso de pluralidade irredutível de interpretações, qual será o critério para julgar o que é conforme à fé da Igreja e o que não é? [ ] Não se pode contentar com apelar para a letra da Escritura. Não se pode também apelar para uma espécie de invariante quimicamente pura, que seria o conteúdo mínimo da fé cristã na forma de um enunciado imutável e irreformável através dos séculos. Certamente o critério deverá ser sempre procurado em função do que está no centro da confissão cristã, Jesus, o Cristo, a sua vida e a sua pregação. Mas isso ainda é muito geral. O verdadeiro critério será sempre não norma estática e exterior, mas critério dinâmico, a saber, uma relação proporcional entre as várias idéias-força que constituem a substância do cristianismo e que se referem a Cristo como seu centro.39

Olhando a experiência dos primeiros cristãos, essas “idéias-força” seriam o

anúncio feito por Jesus Cristo de um Deus salvador; o ser humano Jesus definido

por sua relação com o Pai e ligado a uma experiência de libertação; o mistério da

sua morte e ressurreição como indicativo de que a história humana terá sua

37 GEFFRÉ, C. Un nouvel âge de la théologie. Paris: Cerf, 1972, p. 60 - 61 – “On sait mieux aujourd’hui que ‘intelligence de la foi’ et ‘intelligence de soi’ sont inséparables. Je ne puis interpréter l’histoire du salut qu’en function de l’interprétation vivante que je fais de moi-même comme être historique situé dans une tradition et une culture particulière. L’herméneutique est l’exigence même de la foi, dans la mesure où la vérité révélée n’est pas une vérité morte, mais une vérité vivante, toujours transmise dans une médiation historique et qui a besoin d’être actualisée sans cesse.” 38 Id. Le christianisme au risque de l’interprétation, op. cit. 39 Id. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 101-102.

35

realização plena não no tempo presente, por isso deverá manter-se sempre em uma

perspectiva escatológica.

Ao defender a liberdade hermenêutica do teólogo, Geffré não parece

articular bem as três instâncias de regulação da fé que ele mesmo elenca, a saber:

o povo de Deus ou sensus fidelium, o magistério eclesiástico e a comunidade dos

teólogos.40 O pensamento do teólogo que reinterpreta criativamente o dado

revelado parece ser a instância decisiva. Claro que este entendimento não pode ser

aceito irrefletidamente. O risco subjacente a esta maneira de conceber o ministério

teológico é não percebê-lo como um auxílio dado à comunidade eclesial em seu

esforço de compreensão do significado de sua fé. Atentando-se para este risco que

deve ser evitado, a concepção da teologia como hermenêutica defendida por

Claude Geffré conserva toda sua pertinência e relevância. Há que se notar o

mérito do autor em persistir na correlação crítica entre a tradição cristã e a

experiência humana contemporânea. É a prática do conjunto dos cristãos que

conduz o movimento da reinterpretação do cristianismo. Este é um dado

interessante e que pode ser computado positivamente para o autor.

No início da década de 1990, Geffré deu início ao enfrentamento da crise

pela qual começa a passar a teologia européia. O pluralismo teológico hodierno é

um fato e o diálogo entre as várias teologias ocidentais e de outras latitudes já está

estabelecido. Perguntava-se então: qual o lugar da teologia européia no atual

contexto mundial? O autor apresenta três contribuições específicas da teologia

européia. A primeira é a sua função crítica. Diante do perigo de fundamentalismos

e arcaísmos teológicos, cabe à teologia européia recordar que, sob o pretexto da

autenticidade religiosa, não podemos escapar das exigências da razão crítica.

Fazer uma leitura crítica é tomar os textos com objetividade e considerar seu

contexto histórico. Aqui se dá o que ele chama de uma “hermenêutica da

suspeita”,41 em que se pergunta sobre as condições de produção dos textos do

passado a fim de se perceber sua relevância para o contexto de quem os lê na

atualidade. A segunda função é o enfrentamento da modernidade técnica. Aqui se

inclui toda a problemática da globalização e do crescimento tecnológico em escala

planetária. A Europa está imersa nesta realidade. Geffré afirma ser

40 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 97. 41 Id. “La teología europea en el ocaso del eurocentrismo.” In: Selecciones de Teología n. 32, 1993, p. 297. Original em francês “La théologie européenne à la fin de l’européocentrisme”. In: Lumière et Vie, 201, 1991, p. 97-120.

36

responsabilidade teológica refletir sobre a fé em uma sociedade secularizada e

sobre o modo como esta pode inspirar e consagrar valores profanos de uma

civilização técnica planetária.42 A terceira função é presença da Igreja na nova

Europa. Pessoalmente, ele não considera plausível uma nova catolização da

Europa. Postula que a posição da Igreja não deve ser nem autoritária nem

marginal. Ela pode e deve dar testemunho de sua visão do ser humano e o mundo,

em suma, deve anunciar sem temor os valores evangélicos, já que não podem estar

em contradição total com alguns valores também defendidos pelas sociedades

laicas de nossos dias. Contra a tirania do mercado, o Evangelho recorda a

dignidade de todos os seres humanos, especialmente daqueles de que a sociedade

se esquece. Diante das intolerâncias, dos fanatismos, dos nacionalismos e anti-

semitismo, em uma Europa pluricultural e plurireligiosa, a Igreja deve sustentar a

utopia da não-violência. Não se trata de uma simples tolerância, mas do respeito

ao diferente na sua diferença.43

O valor inalienável da diferença começa a se tornar central no pensamento

de Claude Geffré no início da década de 1980, mas somente nos anos 90 ele se

debruçará sobre este tema de maneira mais engajada. Seu maior esforço

intelectual será pensar em um mundo que se abre ao ecumenismo entre as Igrejas

cristãs e em direção às outras religiões. Nosso autor não ignora que começa a

entrar em um terreno pouco explorado e largamente minado. Mas também está

convencido de que seria uma grave omissão não procurar dar respostas às

questões suscitadas pelo contexto atual. Isso não se fará apenas repetindo receitas

antigas, como observa L. Renwart em uma recensão sobre um dos últimos livros

de Geffré.44 Na verdade, fechar-se nessa posição representa um grave risco para a

Igreja, embora não seja tão fácil detectá-lo. Uma convicção persegue o teólogo

francês: o espírito humano é necessariamente aberto ao Absoluto. Por esta razão

qualquer abordagem teológica das religiões não pode se contentar com uma mera

representação fenomenológica de crenças oferecidas a livre escolha de cada um.

Em 2001 Claude Geffré lança mais um livro composto a partir de uma

coletânea de vários escritos publicados em várias fontes onde busca fazer uma

42 GEFFRÉ, C. “La théologie européenne à la fin de l’européocentrisme”, art. cit., p. 298. 43 Id. Ibid., p. 299. 44 RENWART, L. Comentário sobre Profession Théologien. In: Nouvelle Revue Théologique n. 123, 2001, p. 289-290.

37

síntese de sua produção acerca da teologia como hermenêutica.45 Efetivamente ele

afirma que a hermenêutica cristã sempre existiu. A novidade não está aí. Então

por que se fala de uma virada hermenêutica para a teologia de hoje?

Evidentemente se trata de uma virada na linguagem teológica, provocada pela

importância da hermenêutica na filosofia moderna. Basta pensar em

Schleiermacher, Heidegger, Gadamer e Ricoeur, por exemplo. A razão teológica

ficou séculos atrelada ao logos da filosofia grega. A razão especulativa

predominante foi construída a partir da relação entre um sujeito que conhece e um

objeto a conhecer. O que nosso autor postula é que esta mesma razão possa ser

identificada com um compreender hermenêutico. E apresenta um exemplo simples

para isso. Pensemos na leitura de um texto qualquer. Nenhuma leitura é

puramente ingênua, ela sempre se processa a partir de certa pré-compreensão, que

aflora no momento mesmo em que se interpreta o texto. O leitor interpreta o texto

e este interpreta aquele. É sob essa perspectiva que se insiste quanto à

historicidade do texto e a historicidade do leitor. Geffré diz que no seu projeto de

uma teologia hermenêutica ele insiste na relação que existe entre a experiência

histórica do crente e a experiência histórica mais vasta da Igreja, sempre

condicionadas pela historicidade comum a ambos. Ele reconhece que percebe uma

correlação mútua e recíproca entre a experiência fundamental da primeira

comunidade testemunhada nos textos do Novo Testamento e a experiência

histórica dele como teólogo inserido na Igreja de hoje. Apontar a necessidade de

uma virada hermenêutica na teologia significa perguntar-se sobre o próprio ato

teológico. Ao voltar-se sobre os textos fundadores do cristianismo, ao colocar

novas questões suscitadas pelos novos contextos, o teólogo busca sempre uma

interpretação melhor desses textos. É tarefa irrenunciável da teologia articular a fé

cristã com a cultura particular onde ela se encontre.46

Uma leitura teológica da Escritura será sempre diferente de uma leitura

fundamentalista. As leituras teológicas podem ser também leituras espirituais. Os

Padres da Igreja, por exemplo, faziam da Escritura uma leitura espiritual, uma

leitura teológica e uma leitura alegórica, mas isso não constituía uma leitura

fundamentalista. É esta liberdade de interpretação que precisa ser recuperada.

45 GEFFRÉ, C. Croire et interpréter. Le tournant herméneutique de la théologie. Paris: Cerf, 2001. Tradução em português – Crer e interpretar. A virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004. As referências a esta obra serão feitas a partir da tradução brasileira. 46 Id. “Le tournant herméneutique”. In: Lumière et Vie n. 250, avril-juin, 2001, p. 73.

38

Essa virada hermenêutica na teologia apresenta uma formulação

tipicamente ocidental na sua origem, mas tem um alcance universal. As teologias

produzidas em outras partes do mundo também se valem de sua intuição de base:

a mensagem cristã precisa ser reinterpretada à luz de uma experiência histórica

significativa ou de uma sensibilidade maior a experiência histórica que as pessoas

vivem. Nesse sentido, pergunta-se nosso autor: o que é a teologia da libertação

senão uma reinterpretação da teologia da redenção à luz da típica opressão e

marginalização de milhões de seres humanos alienados de sua dignidade? Estes

teólogos são teólogos hermenêuticos. O mesmo se diga das teologias africanas.

Elas buscam reinterpretar a mensagem cristã na medida em que levam a sério os

valores positivos das religiões tradicionais da África. No que concerne à Ásia, isso

é ainda mais claro. Os teólogos asiáticos, em particular os indianos, reinterpretam

o mistério cristão à luz das riquezas doutrinais e místicas das tradições ancestrais

hinduístas e fazem efetivamente uma teologia diferente que chama a atenção para

aspectos que a teologia européia, por exemplo, não tinha se dado conta ainda.47

Um dos grandes debates na Igreja hoje é em torno de discernir em que consiste a

pretensão do cristianismo em ser a realização plena de todos os valores das outras

religiões do mundo, quando há diferenças reais, irredutíveis e insuperáveis que

afloram nesse face a face típico da nossa época.

Então, para Geffré, é toda a teologia dogmática que tende a se

compreender como hermenêutica da Palavra de Deus.48 Embora na prática os

termos “dogmática” e “hermenêutica” sejam indícios de práticas diferentes, a

revolução que separava as duas tendências arrefeceu-se com o tempo. Hoje,

reconhecer com relativa serenidade que teologia é interpretação é corriqueiro.

Embora cada teologia procure tirar todas as conseqüências do que implica em

cada uma delas este processo hermenêutico. Isso é legítimo porque consagra a

legitimidade da sadia pluralidade teológica. A coragem de Claude Geffré em

insistir nesse método por pelo menos três décadas foi fundamental para que um

consenso mínimo em torno dele em nossos dias seja uma realidade. Mas há ainda

outra frente onde esse teólogo audaz também se apresenta como um dos pioneiros.

47 GEFFRÉ, C. “Le tournant herméneutique”, art. cit., p. 77. 48 Id. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 63.

39

2.3. Claude Geffré e a teologia inter-religiosa

A mudança de Geffré para Jerusalém em 1996 representa um salto

qualitativo importante em sua reflexão teológica. Aí começa propriamente seu

trabalho de considerar o pluralismo religioso como uma questão teológica e de

buscar um fundamento desta perspectiva aberta pelo Concílio Vaticano II. A

pluralidade de culturas e, conseqüentemente, de religiões inspira a urgência de

uma reflexão teológica sobre essa realidade. Nosso autor começa a formular sua

teoria do pluralismo religioso como um novo paradigma sobre a idéia da verdade

como relação e do diálogo inter-religioso como uma característica que acompanha

o cristianismo desde seu nascimento. Outro ponto central na teologia do diálogo

formulada por Geffré é a centralidade do nível cristológico da fé cristã, como

explicitaremos melhor no capítulo dois desta tese.

A tese fundamental do autor francês é que o diálogo inter-religioso é

intrinsecamente um ato de esperança e de comunhão e de que sua motivação

maior vem de um fundamento intrínseco à fé, não somente de uma simples atitude

de respeito ao outro, por mais louvável que isso seja. O diálogo que se deve

construir com as outras culturas e religiões precisa chegar a um nível mais

profundo. Deve partir de uma decisão que vise perceber o caminho misterioso de

Deus até o coração humano mediante as diversas experiências religiosas. É neste

sentido que o diálogo já é uma forma de missão.49 A teologia do diálogo inter-

religioso de Geffré vai além do que afirma a teologia do “acabamento” e da

“preparação evangélica” das outras religiões até que se encontrem com o

cristianismo e encontrem nele sua plena realização. A partir de uma concepção

escatológica do Reino de Deus, nosso autor propõe, dentro de uma lógica da

mediação da revelação, considerar as outras religiões como mediações derivadas,

ao mesmo tempo em que mantém a mediação singular e insubstituível de Cristo.50

A intenção do autor é oferecer ao debate teológico uma motivação para o

engajamento prático no diálogo entre as religiões sustentado por uma teologia que

49 No capítulo quatro desta tese apresentaremos de maneira mais aprofundada este tema. 50 Sobre esse conceito de Geffré tomamos uma posição mais pessoal no capítulo cinco.

40

sublinhe as diferenças irredutíveis delas, mas também a abertura a uma plenitude

da verdade que aponte para Deus em seu mistério.51

Geffré sugere que o momento atual da humanidade favorece o

florescimento de uma mística do diálogo que nos permite descobrir traços comuns

entre as religiões mesmo em meio às diferenças paradoxais. É nesse sentido que o

autor propõe um caminho para a teologia que seja capaz de se abrir a uma

perspectiva de favorecer uma compreensão mais profunda do cristianismo. Esse

caminho passa pela possibilidade de uma teologia inter-religiosa.52 Aqui acontece

um momento de passagem muito importante na reflexão teológica do autor.

O autor reflete sobre a profunda diversidade entre a experiência de Deus

no Ocidente cristão e nas grandes religiões orientais. O cristão adora um Deus

pessoal que foi revelado em Jesus Cristo, mas, graças à experiência do Oriente,

sabemos melhor que esse Deus de muitos nomes está sempre muito além dos

nomes que nós podemos Lhe dar.53 Ele falará de uma “emulação recíproca” entre

as diversas religiões como um caminho por onde se pode transitar sem a supressão

das diferenças reais que devem ser reconhecidas com serenidade. As diferenças

não serão suprimidas, mas assuntas. A teologia inter-religiosa que ele defende

como possível é aquela que é capaz de manter as identidades particulares e a

acolher a fecundidade de uma interpelação recíproca até o ponto de ir além do

diálogo.54 Esta perspectiva de aprofundamento teológico possibilita uma reflexão

nova da experiência histórica do cristianismo. O diálogo intra-religioso favorece

uma metamorfose recíproca. Geffré faz referência à parábola do semeador para

exemplificar que o Evangelho pode assumir formas imprevistas quando se

encontra com terrenos novos e diversos.55

51 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 182 – “Selon la foi chrétienne, l’expression suprême de cette communication de Dieu c’est le mystère de l’incarnation. Mais loin de porter atteinte à la transcendance inviolable de Dieu, ce ‘devenir-homme’ de Dieu nous renvoie plûtot à une conception plus exigeante de la trancendance du Dieu unique. Nous sommes invités en effet à penser la trancendance de Dieu selon l’amour et non simplement selon l’être. La toute-puissance de son amour conduit le Dieu infini et éternel à faire alliance avec l’éphémère de l’histoire sans compromettre en rien son Altérité inaccessible”. 52 Id. “From the Theology of Religious Pluralism to an Interreligious Theology”. In: KENDALL, D. O’COLLINS, G. Many and Diverse Ways – In honors of Jacques Dupuis. New York: Orbis Books, 2003, p. 45-59. 53 Id. C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 313. 54 Id. Profession Théologien, op. cit., p. 286-287 – “Car s’il importe de maintenir nos identités et de respecter l’originalité de chaque religion, il importe tout autant de découvrir qu’il y a un au-delà du dialogue qui implique une certaine transformation dans l’intelligence du christianisme – comme il en va de la transformation de telle grande religion en dialogue avec lui.” 55 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 341.

41

Diz nosso autor que

As riquezas das outras religiões não completam a plenitude da revelação que nos foi confiada em Jesus Cristo, mas elas podem obter-nos uma reinterpretação enriquecedora do mistério insondável de Deus e da relação religiosa do ser humano com Deus. O mistério de Cristo ultrapassa a religião crista mesmo sendo ela a religião da revelação última. Podemos pensar que os valores positivos de cada tradição religiosa encontrarão seu cumprimento no mistério de Cristo num além da história, e que este cumprimento respeitará sua originalidade própria que pode provir do próprio Espírito de Deus que sopra onde quer.56

Determinado a viver hoje o diálogo inter-religioso como atitude

fundamental da fé cristã, nosso autor busca conciliar a teologia mística da busca

de Deus como ponto comum das religiões, com a atenção devida à experiência

histórica, à práxis e à dimensão política da fé. Dessa forma, qualquer teologia

cristã será sempre engajada na busca da inteligência da fé a partir da historicidade

da fé e do lugar onde se encontre o sujeito crente.

O diálogo autêntico entre as religiões fará com que elas compreendam

melhor seus próprios papéis no atual cenário mundial. Além de suas querelas

antigas, elas perceberão que devem estar a serviço, não delas mesmas, mas das

grandes causas da humanidade. Diante dos graves desafios da globalização, o

diálogo inter-religioso tem a chance de favorecer um estímulo recíproco entre as

religiões em vista da construção da paz e da lenta emergência de uma comunidade

humana mais convivial.57

Conclusão

Geffré assume uma posição eqüidistante tanto de um inclusivismo

eclesiocêntrico, quanto de um teocentrismo radical. Sua teologia deixa claro que

um cristianismo de diálogo somente será possível a partir de uma cristologia

normativa. Seu intento é manter o Cristo como centro, mas sem fechar-se à

fecundidade da interlocução com a pluralidade religiosa de nossos dias.

A novidade de Geffré, em continuidade às intuições do Vaticano II, é

considerar as religiões inseridas no projeto salvífico de Deus. Nenhum projeto

teológico ou pastoral será exitoso se não considerar seriamente o valor de cada 56 GEFFRÉ, C. “A crise da identidade cristã na era do pluralismo religioso”. In: Concilium 311 – 2005/3, p. 25. 57 Id. “O Deus de Jesus e os possíveis da história”. In: Concilium 308 – 2004/5, p. 80.

42

tradição religiosa em si mesma. Nosso autor ajuda a reflexão teológica a admitir a

possibilidade de recursos diferenciados, convergentes e complementares

orientados para uma meta comum presente nas religiões não-cristãs.58 Entre o

cristianismo e as outras religiões o que deve haver é coexistência e reciprocidade.

O intercâmbio entre as diversas experiências religiosas é sinal eloqüente de uma

convivialidade possível. As outras tradições religiosas seriam concreções

particulares de um processo universal de alguma maneira ligado a Jesus Cristo. O

autor defende que somente um jeito novo de compreender a unicidade de Jesus

Cristo será capaz de também considerar positivamente as outras religiões.59

A apresentação sistemática do pensamento teológico de Claude Geffré que

desenvolvemos nesta tese irá confirmar algumas intuições deste autor aqui apenas

esboçadas, questionar outras e provocar a continuidade do debate sobre a

autocompreensão cristã em uma época de pluralismo religioso como a nossa. Com

tal intuito, começamos no capítulo seguinte a examinar mais detidamente a

cristologia deste autor.

58 TEIXEIRA, F. Teología de las religiones – una visión panorâmica. Quito: Abya Yala, 2005, p. 93. 59 GEFFRÉ, C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”. In: Doré, J. et Theobald, Chr. (org.). Penser la Foi. Recherches en théologie aujuord’hui. Mélanges offerts à Joseph Moingt. Paris: Cerf-Assas Éditions, 1993, p. 368-369.

43

2 O PARADOXO CRISTOLÓGICO: CHAVE HERMENÊUTICA PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Introdução

Este capítulo aprofundará os fundamentos cristológicos que Claude Geffré

utiliza para construir sua teologia das religiões. Já que o pluralismo religioso é

uma clara evidência, urge um sincero esforço de entendê-lo teologicamente. O

Concílio Vaticano II abriu um caminho promissor para uma consideração positiva

do atual contexto pluricultural e pluri-religioso. Ao considerar positivamente a

história como lugar da automanifestação de Deus, o Concílio permitiu, ao mesmo

tempo, que se considerassem outras formas possíveis desse permanente advento

de Deus na história humana. É certo que a singularidade de Jesus Cristo como a

revelação plena de Deus é um dado irrenunciável para o cristianismo. No entanto,

mesmo essa pretensão cristã não pode ser um obstáculo intransponível para um

diálogo fecundo com as grandes religiões do mundo. Acompanhemos Geffré em

seu intento de demonstrar essa afirmação.

1. A única mediação Cristo diante das outras tradições religiosas

A situação atual de pluralismo religioso coloca um desafio para todas as

religiões. No entanto, esse desafio se torna crucial para uma religião como o

cristianismo que durante muito tempo compreende-se como absoluta e universal.60

O cristianismo não pode, de per si, se comparar a nenhuma outra religião porque

se define a partir do Evangelho, que, por sua vez, é compatível com qualquer

código religioso que pretenda ser agradável a Deus.61 Nosso contexto cultural

pluralista pede uma atitude de respeito e de diálogo por parte de toda teologia que

se faça na Igreja.

60 GEFFRÉ. C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 351. 61 Id. “Théologie chrétienne et dialogue interreligieux”, In: Revue de l’Institut Catholique de Paris, nº 38, 1991, p. 80.

44

No final do século XIX e no início do século XX, a Igreja experimentou

um grande influxo missionário. Um grande otimismo começou a tomar conta de

todas as instâncias eclesiais. A possibilidade real de chegar a todos os quadrantes

da terra levou ao surgimento de uma expectativa real da vitória da fé cristã sobre

as demais tradições religiosas. Ocorre que, já nos últimos anos do século passado

e no início do nosso, as outras grandes tradições religiosas do mundo mostraram

um surpreendente vigor. Isso não vale apenas para o Islã, que continua sua

expansão vertiginosa na África, na Ásia e em alguns países da Europa Ocidental.

Também as religiões de matriz oriental experimentam um crescimento não

desprezível, ampliando sua presença em sociedades consideradas até então

secularizadas e materialistas como alguns países da Europa e da América do

Norte.

Nesse contexto, o diálogo inter-religioso não pode ser apenas um apêndice,

mas deve ser considerado como uma dimensão necessária à teologia cristã. A

palavra “diálogo” não pode ser mais usada apenas como um “slogan” por uma

teologia que pretenda responder com seriedade às novas questões colocadas à

reflexão teológica.62 Geffré afirma que subsiste uma tensão fundamental entre as

exigências de igualdade e de reciprocidade de todo verdadeiro diálogo e a

pretensão legítima do cristianismo como religião da manifestação absoluta e

definitiva de Deus em Jesus Cristo. Para o cristianismo sempre será inaceitável

considerar Cristo como um mediador entre os outros e não como a manifestação

definitiva de Deus a toda a humanidade.

Geffré contribui originalmente para esse debate buscando uma resposta

teologicamente adequada a essa dificuldade: como considerar positivamente o

diálogo, sem sacrificar a identidade cristã? Ele não considera suficiente apenas

passar do cristocentrismo ao teocentrismo como defendem alguns teólogos

pluralistas.63 Sem abrir mão da normatividade da cristologia, Geffré sustenta que é

62 GEFFRÉ, C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 351. 63 Como John Hick, por exemplo, especialmente no capítulo 2 do livro organizado em colaboração com Paul Knitter cujo título é L’unicità cristiana: un mito? Per una teologia pluralista delle religioni. Assisi: Cittadella Editrice, 1994, pp. 80-110. Também em A metáfora do Deus encarnado. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 123-135. Em termos semelhantes no livro: Teologia cristã e pluralismo religioso. São Paulo: Attar Editorial/PPCIR, 2005, especialmente os capítulos 4 e 5. Também Raimundo Panikkar, Il dialogo intrareligioso. Assisi: Cittadella Editrice, 1988, em especial nas páginas 70-93. Paul Knitter também se posiciona por uma cristologia transcendental ou teocêntrica em Nessun altro nome? Un esame critico degli attegiamenti cristiani verso le religioni mondiali. Brescia: Queriniana, 1991, p. 125-195; da mesma forma em Una terra molte religioni. Dialogo interreligioso e responsabilità globale. Assisi: Citadella Editrice, 1998, p. 70.

45

possível partir do centro mesmo da fé cristã, a saber, a manifestação de Deus na

particularidade histórica de Jesus de Nazaré, crucificado e confessado como o

Cristo, para tirar a prova do caráter necessariamente dialogal do cristianismo.

Então, afirmar a centralidade de Jesus, longe de obstaculizar o diálogo, viabiliza-

o, na medida em que a prática do diálogo leva ao aprofundamento da própria

identidade cristã que, por sua vez, se configurará sempre mais em termos não

totalitários.

1.1. Cristianismo e pluralismo religioso

Nosso autor busca demonstrar sua tese fundamental a partir de alguns

argumentos chave. O primeiro deles considera nossa situação atual marcada,

segundo ele, pela necessidade de um “ecumenismo planetário”. A aproximação

real das religiões e a necessária convivência entre elas leva, inevitavelmente, a

teologia a considerar adequadamente a pluralidade das experiências religiosas.

Geffré diz que esse contexto corresponde à evolução de nossa cultura ocidental,

que não está somente sob o signo do ateísmo ou do indiferentismo religioso, mas

também sob o influxo cada vez maior de múltiplas experiências religiosas.

Contrariando previsões quase consensuais, a religião não desapareceu. Ao

contrário, ocupa amplos e mesmo surpreendentes espaços na sociedade.64 Esse

novo contexto leva-o a usar a expressão “ecumenismo planetário”, alargando o

sentido normalmente dado à palavra “ecumenismo”, como uma referência ao

diálogo entre as diversas confissões cristãs. Um ecumenismo planetário se

adequaria melhor ao que experimentamos hoje: o diálogo entre as religiões

coincide com uma consciência mais viva da unidade da família humana (a

oikoumene – a terra habitada) e com um sentido mais agudo da responsabilidade

comum das grandes religiões quanto ao futuro do ser humano e do seu meio

ambiente. Esse alargamento do sentido da palavra “ecumenismo” à escala

planetária não significa, em absoluto, uma redução da urgência da concretização

da unidade entre os cristãos.

O segundo argumento de Geffré diz respeito ao reconhecimento de um

pluralismo religioso de princípio. O pluralismo inevitável que percebemos é mais

64 GEFFRÉ, C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 352.

46

um elemento da nova consciência histórica que temos hoje e que nos leva ao

desafio de uma interpretação diferente da verdade do cristianismo. Aqui Geffré

insiste num pluralismo já contido no que chamamos desígnio de Deus, e não

apenas fruto das condições sócio-culturais de hoje.65 Durante séculos o

cristianismo interpretou sua própria verdade e sua unicidade como uma

reivindicação de absoluto. Essa visão considerava as outras religiões como

‘naturalmente’ menores. Se algo de bom ou verdadeiro elas tivessem, isso seria

compreendido em termos eminentemente cristãos. Isso se acentuou, sobretudo,

depois dos êxitos da empresa colonial do século XVI.

Outro complicador é que a Bíblia não nos ajuda muito a descobrir o

pluralismo religioso no desígnio de Deus. A diversidade das línguas e das culturas

aparece sob o signo da ambigüidade, como o revela o mito de Babel. Como diz o

Vaticano II, as divergências entre as religiões podem ser expressões dos limites

humanos e das influências do espírito do mal na história (LG 16). Mas também

podem exprimir o gênio e as riquezas espirituais dispensadas por Deus às diversas

nações (AG 11). Por isso, um critério fundamental para a hermenêutica do diálogo

inter-religioso é a afirmação da vontade salvífica universal de Deus que se estende

a todos os seres humanos (1Tm 2, 4-6; At 10, 34-35). A partir desses elementos,

Geffré afirma a possibilidade do pluralismo religioso ser um destino histórico

permitido por Deus, cuja significação última nos escapa. Mesmo a despeito dos

seus limites, as múltiplas formas religiosas surgidas na longa história da

humanidade podem estar a serviço de uma melhor manifestação da plenitude

inexaurível do Espírito de Deus.66

A grande dificuldade para a aceitação positiva do diálogo inter-religioso

vem justamente do fato de que este justapõe dois princípios irrenunciáveis: a fé na

vontade salvífica universal de Deus e a unicidade da mediação de Cristo. Ora, o

concílio de Florença (1442) declarou solenemente que não somente os pagãos,

mas os judeus, os heréticos, os cismáticos, não podem ter parte na vida eterna

65 GEFFRÉ, C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 353. Aqui o autor apresenta na nota de pé de página nº 1 a influência teológica decisiva que sofreu de E. Schillebeeckx na obra L’Histoire des hommes, récit de Dieu. Paris: Cerf, 1992. Destaca especialmente como o terceiro capítulo o ajudou no que se refere à distinção entre pluralismo de fato e pluralismo de princípio. 66 Id. Ibid., p. 354. Aqui o autor faz referência a João Paulo II no discurso à Cúria Romana sobre o espírito de Assis, proferido em 22 de dezembro de 1986. Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1986/december/documents/hf_jp-ii_spe_19861222_curia-romana_it.html. Acesso em 27/03/2008.

47

(DS 1351). Ocorre que a experiência histórica que os Padres conciliares viviam

naquela ocasião levava-os a não imaginar, sob nenhuma hipótese, outro caminho

de salvação fora do cristianismo. Por isso, rejeitaram espontaneamente o que não

era cristão. Nós, no entanto, não podemos mais sucumbir ao equívoco de

confundir nossa autêntica experiência pessoal de fé com uma verdade

objetivamente absoluta. Essa afirmação soa impensável hoje justamente devido à

nossa consciência histórica, diversa da que existia no século XV. Nós também nos

definimos como cristãos. Por isso, é tarefa nossa conciliar, a partir da mentalidade

do nosso tempo, a confissão central de nossa fé: em Jesus Cristo habitou

corporalmente a plenitude da divindade (Cl 2,9). Como conciliar a manifestação

de Deus na particularidade histórica de Jesus de Nazaré sem fechar a possibilidade

de outras manifestações de Deus na história?

Nossa interpretação dos textos do Novo Testamento e da Tradição

patrística precisa considerar a experiência histórica de pluralismo que se vive

hoje. Nossa experiência histórica é radicalmente diferente. Nós não podemos

imaginar a reação dos Padres da Igreja, por exemplo, diante de uma religião como

o Islã. Em todo caso, a genial intuição patrística das “Sementes do Verbo”

continua com uma atualidade impressionante para que possamos considerar

positivamente as religiões não-cristãs sem colocar em questão a normatividade da

revelação cristã.67

O diálogo inter-religioso apresenta uma tarefa difícil e inédita: pensar a

inevitável pluralidade de caminhos que levam a Deus, sem renunciar à

singularidade cristã. É preciso levar a sério as conseqüências desse pluralismo. O

caminho está aberto.

1.2. Critérios básicos para o diálogo inter-religioso

Geffré defende que o cristianismo tem, desde suas origens, uma abertura

para o diálogo com as diferenças. São três os critérios para o diálogo apresentados

por ele:

67 GEFFRÉ, C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 355.

48

1º. Respeitar o outro em sua diferença. Deveríamos recordar sempre que o

reconhecimento do estrangeiro está na raiz da tradição judaico-cristã. É preciso

distinguir um diálogo que cultive a diferença, de um que tenda à assimilação. A

tradição bíblica coloca o princípio de que o dessemelhante reconhece o outro em

sua diferença (Abraão, Melquisedec, Rute). Num diálogo autêntico, os

interlocutores devem procurar ultrapassar seus próprios preconceitos históricos e,

sobretudo, recusar identificar o que já conhecem de suas tradições com o que pode

apresentar qualquer semelhança com o universo próprio do outro. Ou seja, é

preciso deixar que o diálogo produza seus próprios efeitos. Não se pode começar

um diálogo com todas as conclusões traçadas de antemão. Não se pode paralisar

um diálogo porque emergiram as diferenças irredutíveis que marcam as diversas

expressões religiosas. É isso o que implica respeitar o interlocutor em sua

identidade própria.68

2º Ser fiel a si mesmo, à própria identidade. Aqui reside o paradoxo do diálogo

inter-religioso, porque conduz a uma tensão inevitável entre a deontologia

inerente a todo diálogo e a convicção íntima que o sujeito religioso deve ter de

possuir já a verdade.69 O sujeito mesmo deve se definir a partir de certa identidade

cultural e religiosa. Se, sob o pretexto da abertura e da universalidade, ele anular

sua identidade, isso impossibilitará o diálogo. Sobretudo no contexto atual de

indiferentismo e relativismo, o risco de abolir as diferenças irredutíveis deve ser

evitado. No caso do diálogo inter-religioso, a fidelidade a si mesmo, à sua própria

tradição religiosa, é a condição basilar de um verdadeiro encontro. Isso faz

dissipar a ilusão de que seria necessário colocar a fé entre parênteses para melhor

encontrar-se com o outro.70 O grande desafio da teologia das religiões reside em

aprender a pensar a diferença sem ceder ao relativismo radical.

3º Certa igualdade entre os parceiros. É, sem dúvida, aí que reside a maior

dificuldade no diálogo entre cristãos e não-cristãos. Não é fácil conciliar o

engajamento absoluto que implica a verdade religiosa e a atitude de diálogo e de

abertura à verdade dos outros. É essa coexistência difícil que a teologia deve se

68 GEFFRÉ, C. “Le fondament théologique du dialogue interreligieux”. In: Chemins de dialogue nº 2, 1992, p. 4. 69 Id. De Babel a Pentecôte. Paris: Cerf, 2006, p. 110. 70 Id. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 4.

49

esforçar para pensar. Para viver a fé numa época de pluralismo religioso e de

pluralidade de verdades, é preciso aprender a pensar o absoluto como um absoluto

relacional e não como um absoluto de exclusão ou de inclusão. O cristianismo

também não escapa dessa regra. Muitas vezes, no passado, ele confundiu a

questão da sua verdade com uma espécie de superioridade em relação às outras

religiões. Sem comprometer o engajamento absoluto inerente à fé, é possível

considerar o cristianismo como uma realidade relativa, não no sentido de relativo

como oposição a absoluto, mas no sentido de relacional. A verdade que o

cristianismo testemunha não é exclusiva ou inclusiva de qualquer outra verdade, 71

ela é “relativa” ao que é verdade nas outras religiões.72 A unicidade do

cristianismo pode ser descrita, então, em termos de unicidade relativa e não como

uma unicidade de “excelência” ou de “integração”. Isso não compromete sua

singularidade entre as outras religiões do mundo. A fé reclamará sempre o

engajamento subjetivo absoluto do crente. Mas esse princípio imanente à própria

fé, não pode inibir a possibilidade real da prática cordial da alteridade no diálogo

com os membros das outras religiões.73

Estas são as condições para qualquer diálogo inter-religioso. Um diálogo

genérico não existe. O que está cada vez mais claro hoje é que o diálogo só pode

existir entre pessoas concretas. Isso exige critérios também concretos. Sem essa

consideração, sempre pairará sobre o diálogo, notadamente quando provocado

pelos cristãos, uma suspeição obscura de pretensa superioridade.

O cristianismo é originariamente relacional. A unicidade da fé cristã reside

nessa relacionalidade. Aceitar essa afirmação significa renunciar em insistir numa

pretensa racionalidade que tornaria o cristianismo superior às demais tradições

religiosas. Assim, aceitar a unicidade do cristianismo como uma unicidade

relativa e não como uma unicidade de exclusão ou de integração não compromete

sua singularidade própria entre as religiões do mundo.74

71 Esse problema da verdade cristã será examinado convenientemente dentro do propósito desta tese no capítulo 3. 72 GEFFRÉ, C. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 5. 73 Id. Ibidem. 74 Id. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 358. Ainda para demonstrar a pertinência de preservar a originalidade cristã num contexto de inevitável pluralismo religioso, o autor apresenta três pistas teológicas para fundamentar o caráter dialogal do cristianismo: o face a face de Israel e da Igreja; o paradoxo da encarnação do Verbo e a dimensão kenótica do cristianismo. Essas pistas serão aprofundas mais adiante em nosso estudo.

50

Uma grande tentação será sempre não respeitar suficientemente a diferença

irredutível de cada sistema religioso. O sentido de um sistema religioso deve ser

sempre buscado em sua globalidade, não em elementos particulares apenas.

Reconhecer certa familiaridade entre as religiões como caminhos de salvação é

uma atitude possível. Salvação, no sentido antropológico, se radica no desejo mais

profundo do coração humano em buscar uma alteridade, sem pré-julgar a

existência ou não dessa alteridade (seja entendida como o Deus pessoal ou como a

Realidade última). Isso é insuficiente para compreender as religiões como

respostas a um apelo misterioso.75

A sedução dos outros caminhos que se apresentam como de salvação é

muito forte em nossos dias. Sobretudo os cristãos não adequadamente iniciados na

fé ou com uma catequese insuficiente são atraídos por outras experiências

religiosas. Há numerosos cristãos ocidentais que buscam as religiões de matrizes

orientais, talvez por um desencanto com a modernidade que buscou dessacralizar

indiscriminadamente o mundo, ou com uma sociedade de massa nostálgica de

uma unidade perdida.76 Diante desse quadro, Geffré conclui que o homem

contemporâneo busca uma salvação sem mediações, que seja baseada apenas

numa ética cotidiana, pessoal e solidária.

Nas religiões monoteístas a salvação é sempre teosoteria. A salvação não

pode ser reduzida apenas a uma espécie de ética do cotidiano. Hoje há uma

tendência forte a um agnosticismo voluntário: o Absoluto escapa sempre às

diversas representações históricas que são feitas dele, como pretendem as

religiões. Mesmo para numerosos cristãos, a salvação não está vinculada mais a

uma vida eterna ou a ressurreição depois da morte. Muitos estão preocupados em

buscar uma espécie de sabedoria de vida que os ajude a viver com mais

tranqüilidade o dia a dia. Ocorre que a salvação ofertada pelas religiões

monoteístas não tem somente uma dimensão teologal, mas também escatológica.

Nas religiões messiânicas como o judaísmo e o cristianismo, a vida do crente está

sob o signo da tensão entre o “já’ e o “ainda não” do Reinado de Deus. E mesmo

no Islã, que não é diretamente messiânico, a vida correta do homem justo terá sua

retribuição no paraíso, além da morte. Nas religiões orientais, percebe-se, sob

nuances diversas, uma tensão entre uma salvação intra-mundana e uma extra-

75 GEFFRÉ, C. “Un salut un pluriel”. In: Lumière et Vie, n. 250 - 2001, p. 23. 76 Id. Ibid., p. 25.

51

mundana. Destaque especial merece o confucionismo chinês. Para este, o caminho

da salvação por excelência é a sabedoria: a busca do caminho reto e da bondade.

A sabedoria chinesa testemunha um humanismo que respeita o divino sem ligar-se

a ele.77

Preferimos compreender as religiões como respostas a um mistério que as

perpassa e as ultrapassa. Portanto, como algo além de um conjunto de regras de

bem viver. Concretamente, porém, essa pretensão é ofuscada pelo contraste que

muitas vezes aparece entre o que propõem as religiões e o que elas vivem. Um dos

grandes desafios postos às religiões hoje é manter a coerência entre seus

programas ideais e a ineficácia prática em socorrer os pobres e as muitas vítimas

que temos a nossa volta. Geffré diz que talvez essa seja uma das causas do

crescente indiferentismo religioso, especialmente entre os jovens, no ocidente.78

Mesmo aceitando a diversidade e as riquezas dos caminhos de salvação

que as diversas religiões possuem o cristianismo não pode renunciar à pretensão

de ser um caminho diferenciado. Mesmo se tal pretensão parecer insultante para

os fiéis das outras religiões, a fé cristã não pode abdicar dela. Como responder

adequadamente a esse desafio? Nosso autor propõe enfrentar essa questão da

seguinte forma: de um lado, apresentar a herança da fé apostólica como

fundamento da universalidade da salvação em Cristo; de outro, procurar não

justificar essa universalidade como um monopólio do cristianismo.79

Em resposta a certa teologia que pretendia reduzir a centralidade da

salvação em Cristo, a Declaração Dominus Iesus, de setembro de 2000, repeliu

com vigor qualquer tentativa nesse sentido. É certo que é Deus que salva. Mas é

Jesus Cristo que é a realização plena da salvação do ser humano. Nele

estabeleceu-se a aliança definitiva de Deus e do ser humano e a revelação do

desejo eterno de Deus de fazer com que todos os seres humanos participassem da

filiação divina de Jesus. Diz a Declaração: “O perene anúncio missionário da

Igreja é hoje posto em causa por teorias de índole relativista que pretendem

justificar o pluralismo religioso não apenas de fato, mas também de jure {ou de

princípio}” (DI n.4) 80. Ora, não se coloca em xeque o perene anúncio missionário

77 GEFFRÉ, C. “Un salut un pluriel”, art. cit., p. 28. 78 Id. Ibid., p. 29. 79 Id. “Un salut un pluriel”, art. cit., p. 31. 80 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração Dominus Iesus. Sobre a unicidade e universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2000.

52

da Igreja quando se fala de pluralismo religioso de princípio. Por pluralismo

religioso quer-se entender o desígnio misterioso de Deus que quer, mediante a

diversidade cultural e religiosa da humanidade, expressar a plenitude de sua

riqueza. Essa abordagem não conduz inevitavelmente ao relativismo, como

afirmam alguns. Ao contrário, saber reinterpretar o núcleo fundamental da fé à luz

das exigências e dos desafios de cada contexto histórico sempre foi a condição

para que o cristianismo continuasse a ser significativo para as pessoas. É isso o

que pede o contexto atual: uma nova reinterpretação da fé cristã. Nosso momento

histórico convoca-nos a pensar o pluralismo religioso de forma positiva. Isso

implica em reconhecer que os membros das outras religiões não estão todos esses

séculos impermeáveis à revelação divina, enclausurados em seus erros e

superstições. Implica também em não afirmar que essa situação se deve a uma

espécie de ineficácia da missão cristã. O que ocorre é que o momento atual nos

permite reconhecer o pluralismo como um querer misterioso de Deus em relação a

toda a humanidade: que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade

(1Tm 2,3). Essa vontade divina imutável nos é mais clara hoje do que em outros

períodos da história. Essa é a diferença. Por isso, nos é permitido avançar na

compreensão e na prática desse querer.

Hoje sabemos que situações pontuais levaram a Sagrada Congregação para

a Doutrina da Fé a apresentar na referida Declaração uma espécie de recuo no que

se refere à consideração do valor positivo das outras religiões. Como, aliás, já o

esboçaram Documentos anteriores como Lumen Gentium e Ad Gentes, bem como

a Encíclica Redemptoris Missio de João Paulo II, ou o Documento Diálogo e

Anúncio, publicado pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso.81

Mesmo se, ao longo dos séculos, a Igreja procurou reivindicar uma

universalidade que não se separasse da de Cristo, nós devemos evitar qualquer

identificação entre a universalidade de Cristo e a do cristianismo em suas diversas

configurações históricas. Com efeito, é este mesmo princípio da encarnação, quer

dizer, da presença do Absoluto de Deus na particularidade histórica de Jesus de

Nazaré, que nos conduz a não absolutizar o cristianismo. É esse reconhecimento

81 Em relação às reações à DI, confira as contribuições de teólogos como Leonardo Boff, José Comblin, Benedito Ferraro, Faustino Teixeira, José Maria Vigil, entre outros, na publicação eletrônica: O atual debate da teologia do pluralismo religioso – depois da Dominus Iesus. Volumen 1, versión 1.01 (25/1012005), disponível em www.servicioskoinonia.org/librosdigitales. Acesso em 27/03/2008.

53

de sua particularidade histórica que é condição real para o diálogo com as outras

religiões. Nem os cristãos nem as igrejas são proprietários de Deus ou da sua

salvação. São somente testemunhas do Reinado de Deus que chegou em Jesus

Cristo e, mediante a ação do Espírito Santo, aos corações dos homens e da história

que constroem além das fronteiras da Igreja.82

Com efeito, a história humana jamais foi privada da presença do Verbo de

Deus e dos dons do Espírito. Ela não é apenas a história da busca tateante de Deus

por parte do ser humano, ela é também a história da busca do ser humano por

parte de Deus. Assim, a teologia cristã pós-conciliar pode afirmar os valores

positivos das outras religiões, compreendidos no espírito do que é dito por João

Paulo II: “Se não se excluem mediações participadas de diverso tipo e ordem,

todavia elas recebem significado e valor unicamente da de Cristo, e não podem ser

entendidas como paralelas ou complementares desta.” (RM n.5).

Não se pode deixar de perceber que todas as religiões do mundo são cheias

de ambigüidades. Alguns de seus elementos estruturantes podem mesmo ser

obstáculos à ação do que chamamos Graça de Deus. Ao mesmo tempo em que é

possível perceber em seus textos fundadores, em seus mitos, em suas práticas

ascéticas e místicas, em suas exigências éticas, germes de verdade, de bondade e

mesmo de santidade, frutos, sem dúvida, da vontade salvadora de Deus. Um

critério que pode ser usado para discernir esses germes pode ser perceber tudo o

que favorece o descentramento de si e produz uma abertura a uma Alteridade

transcendente, ao mesmo tempo em que a alteridade do outro. Uma experiência

religiosa autêntica tem sempre qualquer coisa de pascal, como inspira esse

importante texto do Vaticano II: “Com efeito, tendo Cristo morrido por todos e

sendo uma só a vocação última do homem, isto é divina, devemos admitir que o

Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo

conhecido por Deus, a este mistério pascal” (GS 22).

Aquilo que Geffré chama de o irredutível de cada tradição religiosa pode

ser interpretado como manifestação dos valores crísticos disseminados em todas

as culturas e religiões pelo Espírito Santo. Não é plausível falar de uma espécie de

universalidade englobante, uma simetria acrítica entre as diversas religiões. As

diferenças sempre continuarão. É melhor falar, segundo Geffré, de valores

82 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 32.

54

crísticos que seriam recapitulados no último dia, no mistério de Cristo.83 Um dos

objetivos do diálogo inter-religioso é reinterpretar a salvação cristã no face a face

com as outras ofertas de salvação. Isso ajudará o cristianismo a melhor

desenvolver as virtualidades da salvação cristã para além das suas expressões

históricas e tradicionais.

2. O paradoxo cristológico: Jesus Cristo como o universal concreto

Todas as religiões têm certa pretensão de universalidade. A diferença

cristã é que Jesus Cristo é afirmado como a irrupção de Deus na história. Onde

muitos vêem um obstáculo para o diálogo inter-religioso, Geffré vê justamente o

que pode fundamentá-lo. Prefere tirar todas as conseqüências do paradoxo

cristológico.

A melhor maneira de manifestar o caráter não totalitário do cristianismo e

favorecer o diálogo inter-religioso84 é afirmar a centralidade do mistério da

encarnação no seu sentido mais realista, recusando-se lhe atribuir apenas um

sentido mítico.85 A Igreja Apostólica confessa Jesus como o Cristo. Deus revelou

todo seu amor para conosco, mediante a humanidade concreta de Jesus. Nele

acontece o encontro surpreendente entre a realidade transcendente de Deus e a

humanidade. “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2,9).

Esse é o traço básico e irrenunciável do cristianismo. Confessamos que a

plenitude habita em Jesus, mas esta identificação nos reenvia ao mistério de Deus,

que permanece transcendente enquanto se automanifesta a nós.86 Aí Geffré

reconhece o paradoxo absoluto: o mistério de Cristo, inseparavelmente homem e

Deus. Existe uma tensão fundamental entre as exigências postas a qualquer

diálogo, como a igualdade e a reciprocidade, e a legítima pretensão do

cristianismo de ser a religião da manifestação absoluta e definitiva de Deus em

83 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 33. 84 Id. “Le paradoxe christologique comme clé herméneutique du dialogue interreligieux”. In: Chemins de Dialogue n. 19 - 2002, p. 172. 85 HICK, J. A metáfora do Deus Encarnado. Petrópolis: Vozes, 2000. Contestado por Geffré em Crer e Interpretar – a virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 117. 86 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 118.

55

Jesus Cristo. Ele não é um mediador entre os outros, 87 mas a manifestação

definitiva de Deus a todos os seres humanos. A originalidade do cristianismo

reside nessa identificação de Deus como realidade transcendente a partir da

humanidade concreta de Jesus de Nazaré.

Ainda não existe uma resposta teológica satisfatória a esse desafio. Geffré

se propõe a contribuir nessa busca. Começa no ponto focal do cristianismo: a

confissão de Jesus como o Cristo. Portanto, uma teologia das religiões

responsável deve sempre manter a normatividade da cristologia. Pessoalmente, o

autor francês não descarta totalmente certo inclusivismo, quer dizer, uma teologia

da realização plena em Cristo de todas as sementes de verdade, bondade e

santidade contidas nas várias experiências religiosas da humanidade. Seu esforço

será de reinterpretar esta noção de recuperação de todas as coisas em Cristo num

sentido não totalitário. Sem renunciar à confissão de Jesus como o Absoluto, ele

prefere dizer que o cristão deve renunciar a toda pretensão de verdade absoluta,

precisamente porque confessa Jesus como o Absoluto, ou seja, como plenitude

escatológica que não será jamais revelada na história.88 Como se vê, Geffré se

alinha à corrente predominante no Vaticano II que rejeita um eclesiocentrismo

estreito em vista de um inclusivismo cristológico. Nosso autor procura demonstrar

a possibilidade real do diálogo inter-religioso a partir da tradição da

universalidade da salvação em Jesus Cristo. Sem renunciar a essa confissão

fundamental, Geffré defende a plausibilidade de um inclusivismo constitutivo e de

um pluralismo inclusivo que respeitem o irredutível de cada religião como um

caminho possível de salvação. Depois do Concílio Vaticano II, a teologia está

pronta a reconhecer que as outras religiões também são portadoras de valores

salvíficos e que esses valores estão misteriosamente ligados com a única mediação

de Cristo (RM 5). Não abrir mão da unicidade da salvação em Cristo e considerar

positivamente o que as outras religiões têm de irredutível: eis o grande desafio

teológico contemporâneo.

87 O que vai ao encontro da teologia de Mário de França Miranda quando afirma que a mediação salvífica de Jesus Cristo foi peculiar e única. “Contudo, a fé cristã reafirma que outros reveladores são sempre penúltimos, pois, devido à limitação (estruturalmente) e à pecaminosidade (historicamente) inerentes à condição humana, podem estar a absolutizar não a realidade última, mas projeções de seus próprios interesses. A ação do Espírito Santo em Jesus levou-o a plasmar sua existência na obediência ao Pai e no amor incondicionado a seus semelhantes.” Ver desse autor: O cristianismo em face das religiões. São Paulo: Loyola, 1998, aqui p.64-67. 88 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 83.

56

A teologia de Paul Tillich terá uma influência decisiva na abordagem

teológica que Geffré fará do cristianismo perante o desafio inevitável do

pluralismo religioso. Ele lamenta que a morte tenha impedido Tillich de

reescrever sua Teologia Sistemática a partir da perspectiva do diálogo inter-

religioso, embora tenha aberto caminho para isso ao afirmar na sua reflexão

teológica que a cultura é a substância da religião.89 A vigorosa teologia de Tillich

também ressoou na teologia católica, posto que ele manteve a convicção de que

para facilitar o diálogo inter-religioso não se pode sacrificar a normatividade

cristológica.90 O escândalo da encarnação será a chave hermenêutica utilizada por

Geffré para fazer frente a esse desafio.

2.1. O paradoxo do Logos feito carne

Geffré não aborda a questão do “como” se deu a encarnação nem especula

sobre a união hipostática, ele prioriza dirigir a atenção para o sentido soteriológico

deste mistério. Sem dúvida, o escrito onde ele mais aprofunda sua compreensão

do mistério da encarnação é o artigo onde apóia suas reflexões em Paul Tillich.91

Opta por assumir as intuições do grande teólogo protestante, especialmente

quando ele fundamenta o movimento do Logos encarnado, que realiza a

identidade entre o absolutamente universal e o absolutamente concreto. Esse

paradoxo do Logos se assemelha ao paradoxo do cristianismo como religião da

revelação final.

A premência do diálogo inter-religioso nos conduz a refletir mais

profundamente como uma particularidade histórica (Jesus de Nazaré) pode ao

mesmo tempo ter um alcance universal (o Cristo salvador de todos os homens). O

problema se desdobra quando passamos da consideração da universalidade de

Cristo para a universalidade do cristianismo. Uma distinção fundamental a ser

feita, desde já, é entre a particularidade do cristianismo como concreção histórica

89 Tillich fala de uma cultura teônoma, que exprime na autonomia de suas formas, um conteúdo religioso, contraposta a uma cultura autônoma (secularizada), ou heterônoma (eclesiasticizada ou ideoligizada). A religião é a base da cultura, o princípio que dá significado último a todas as formas da cultura e a tarefa de uma teologia da cultura é decifrar o estilo de uma cultura autônoma e encontrar seu significado oculto. Cf. GIBELLINI, R. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p. 90-91. 90 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux.” In: Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques 77 (1993), p. 5 91 Id. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux.”, art. cit., p. 3-21.

57

e a particularidade de Cristo como Mediador absoluto na história. Essa linha entre

a presença plena de Deus na pessoa contingente de Jesus Cristo será sempre o

escândalo da pretensão cristã aos olhos das outras tradições religiosas.92

O autor francês assume em suas reflexões a normatividade da cristologia.

Serve-se do conceito de paradoxo, a partir da noção tillichiana, que entende

paradoxo como um acontecimento que transcende a experiência humana ordinária

e suas expectativas.93 Então, o paradoxo em teologia não é contrário a uma

exigência de racionalidade lógica. O paradoxo não contém uma contradição

lógica, mas um fato que transcende a todas as possibilidades humanas. Tillich

considera que o acontecimento da encarnação é único, pois possibilita a relação

entre Deus e o homem, ou, como expressa o quarto Evangelho, o Logos se fez

carne, que dizer, concretizou a presença de Deus. Ou seja, a pessoa de Jesus

Cristo concretiza uma realidade transcendente numa existência histórica, num

tempo e espaço determinados. O Logos, princípio da automanifestação de Deus no

universo e na história, assume a existência de um ser humano. Esse é o paradoxo

por excelência. Todas as outras determinações no interior do cristianismo são

variações e aplicações desse paradoxo, por exemplo, a doutrina da justificação

pela graça ou a da participação de Deus no sofrimento do universo.94

A tensão entre o particular e o universal, entre o finito e o infinito é

constante. Daí a centralidade do paradoxo da mensagem cristã: nós confessamos

Jesus de Nazaré como o Cristo. Isso quer dizer que, na vida pessoal de Jesus, a

essência do ser humano apareceu sob as condições da existência (finitude,

caducidade, alienação, ambigüidade etc), sem ser vencida por elas.95

Geffré adota a distinção que Tillich faz entre essência, existência e

alienação: toda existência histórica comporta uma alienação (estrangement) com

respeito à verdadeira essência humana. Na pessoa de Jesus, confessado como o

92 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 85. 93 Id. Ibidem, apud: Tillich, P. Systematic Theology, vol. 1. University of Chicago Press, 1951, p. 57: “There is, in last analysis, only one genuine paradoxe in the Christian message. The appearance of that which conquers existence under the conditions of existence under the conditions of existence. Incarnation, redemption, justification, etc., are implied in this paradoxical event.” 94 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p.86, apud: Tillich, P. Systematic Theology, vol. 3. University of Chicago Press, 1963, p. 284. Essa mesma fundamentação é mencionada no artigo já citado “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, p. 7. 95 Id. “Le paradoxe christologique comme clé herméneutique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 173, apud Tillich, P. Systematic Theology, vol. 2, p. 94: “The paradox of the Christian message is that in one personal life essential manhood has appeared under the conditions of existence without being conquered by them”.

58

Cristo, se manifestou o Novo Ser (New Being), cuja função essencial é salvar o

ser humano de sua alienação e renovar toda a criação.96 Tillich alça o conceito de

New Being à condição de norma material de toda teologia sistemática.97 A

teologia de Tillich é profundamente marcada pela doutrina paulina do novo ser em

Cristo e da submissão a Cristo de todas as forças cósmicas. Assim, este teólogo

mantém distância do paulinismo dos primeiros reformadores, que priorizava a

doutrina da justificação pela fé. Tillich busca se alinhar mais com a doutrina

tradicional dos Padres da Igreja sobre o Logos universal e sobre as “sementes do

Verbo” espalhadas em toda a criação.98 Ele coloca esse princípio como

fundamental para toda teologia cristã das religiões.99 Se Cristo é o absolutamente

concreto, então, de certa maneira, o cristianismo como religião particular, já está

implicado nas outras religiões. E estas são, elas mesmas, manifestações

particulares do Logos universal.100

Utilizando ainda o conceito tillichiano de Novo Ser, Geffré afirma que se

Jesus é confessado como o Cristo, então ele se identifica com o Logos, e mais, ele

é a linha de identidade entre o absolutamente concreto e o absolutamente

universal. A palavra “carne” não designa só uma substância material, mas a

existência histórica de um homem.101 Na medida em que ele é o absolutamente

concreto, a relação com ele concerne toda a existência concreta; e na medida em

que ele é o absolutamente universal, a relação com ele inclui potencialmente todas

as relações possíveis. Com esse argumento, nosso autor, ainda seguindo Tillich,

pretende colocar um fundamento neotestamentário nesta identidade do universal e

do concreto a partir das Cartas paulinas, especialmente 2Cor 5,17, quando faz

96 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 8. 97 Id. Ibidem, apud: Tillich, P. Systematic Theology, vol . 1, p. 48. 98 Essa doutrina patrística tradicional que foi recuperada pelo concílio Vaticano II vem sendo usada como um fundamento sólido para o diálogo inter-religioso, visto a partir da ótica cristã. Geffré também dá grande importância a essa doutrina, como demonstramos ao tratar dos fundamentos teológicos para o diálogo propostos por ele. Recentemente, o Papa Bento XVI pronunciou um discurso em que também recorda a doutrina das “sementes do Verbo”, atribuída a Justino, apologista do século II. Muitos, na ocasião, viram esse discurso como mais um freio colocado pelo Romano Pontífice no processo de diálogo entre as religiões. Remetemos à íntegra desse texto recebido com gáudio pelos que se opõem ao diálogo entre as religiões, o que defendemos nesta Tese não somente possível, mas necessário, a partir da contribuição de Geffré para esse processo. Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2007/documents/hf_ben-xvi_aud_20070321_po.html, acesso em 02/05/2007. 99 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 9, apud: Tillich, P. Systematic Theology, vol . 1, p.16-17. 100 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 89 101 Id. Ibidem.

59

referência ao novo ser em Cristo, e em Rm 8, quando evoca a submissão

escatológica de todas as forças cósmicas ao Cristo

Por outro lado, Geffré faz referência também ao mistério de Cristo como o

“universal concreto” a partir da fórmula de Nicolau de Cusa, aliando-a às

intuições de Tillich.

Afirma o nosso autor que a bela fórmula de Nicolau de Cusa serve bem

para desenvolver todas as implicações do mistério de Cristo considerado como

Universal concreto. Depois dos tempos apostólicos, os cristãos confessaram Jesus

como o Cristo. Isso veio significar que Jesus nos revelou o amor universal de

Deus por todos os homens e todas as mulheres não somente por sua mensagem,

mas na e por sua humanidade concreta.

Para Geffré, então, o “universal” é o amor de Deus para com todos os seres

humanos e o “concreto” é a humanidade de Jesus. Foi na humanidade de Jesus

que “habitou toda a divindade” e por ela nos foi revelado o incomensurável e

universal amor de Deus. Jesus é a figura concreta do absoluto amor de Deus por

todos nós. É no evento da Encarnação que acontece o encontro inédito entre o

absoluto e a história, a união paradoxal entre o universal e o concreto. O que traz

um grande problema para a filosofia, como reconheceu Geffré em seu diálogo

com o filósofo Gwendoline Jarczyk registrado na obra Profession Théologien.102

De fato, o particular pode ter um alcance universal, como acontece com certos

valores culturais.

Geffré reconhece que o universal que não se enraíza no particular é um

universal abstrato e que não tem muito interesse. Toda a questão está em saber

qual é o particular que pode ter um alcance universal. Isso é capital para a

compreensão de toda a problemática. Quando se diz que o cristianismo professa a

fé na encarnação de Deus, ele se apresenta como a religião que possui o máximo

do que Paul Tillich chamava da união paradoxal do universal com o particular.

Esta união é a eterna questão que está no coração da fé: o encontro do absoluto e

da história. Filosoficamente é um grande e velho problema. Do ponto de vista

teológico, pode-se simplesmente aderir à incondicionalidade da fé, e assim aceitar

o extraordinário do absoluto na história, o encontro da eternidade e do tempo na

pessoa de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo em que se pode mostrar que essas

102 GEFFRÉ, C. Profession Théologien. Quelle pensée chrétienne pour le XXI siècle? Paris: Aubin Michel, 1999, p. 143-150.

60

afirmações da fé cristã podem também ser compreendidas por analogia com o que

acontece com certos elementos culturais, que também transcendem sua

particularidade e alcançam um valor universal. Geffré chama esses valores de o

humano autêntico. Seja qual for sua origem étnica ou geográfica, se esses valores

colocam em relevo a dimensão fundamental do ser humano, têm o que dizer a

todas as culturas. 103 O autor francês apresenta esse argumento como uma analogia

que se pode fazer para compreender o que aconteceu no fato da Encarnação do

Logos, onde um acontecimento particular assumiu dimensões universais.

Seguindo ainda as reflexões de Tillich, Geffré afirma que a cristologia

desse autor evita cair na mera especulação. Aquele teólogo protestante jamais

aceitaria dizer que a filiação divina de Jesus seria apenas uma “metáfora”. Isso

seria comprometer a identidade de Jesus Cristo. Insistindo na doutrina do Cristo

como o Novo Ser, Tillich afirma que Jesus só pode ser concebido assim a partir

do mistério da páscoa.104 Somente à luz da teologia da cruz é possível vislumbrar

o paradoxo de Jesus Cristo absolutamente concreto e universal. Essa identificação

paradoxal do universal e do concreto na história fornece ainda um fundamento

para a desabsolutização do cristianismo enquanto religião histórica. No diálogo

com as outras religiões, o cristianismo deveria renunciar a uma unicidade de

excelência em vista de uma unicidade singular e relativa.105 A cruz é a condição

da glória. A renúncia a uma particularidade é a condição de uma universalidade

103 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 98-99 - “J’irai jusqu’à dire que l’universel qui ne s’enracine pas dans le particulier est un universel abstrait quin e m’intéresse pas. Toute la question est de savoir quel est le particulier qui peut avoir une portée universel... Cela est capital pour l’intelligence du vrai; en particulier quand il s’agit du christianisme, qui, de par as foi en l’incarnation de Dieu, est bien la religion qui pousse au maximum ce que Paul Tillich appelait l’union paradoxale de l’universel et du particulier. Cette union des deux, c’est l’eternelle question qui esta au coeur de la foi: la rencontre de l’absolu et de l’histoire. Philosophiquement, c’est un très vieux problème. Du point de vue théologique, on peut simplement adhérer, dans l’inconditionnalité de la foi, à ce qu’est l’inouï de l’absolu dans l’histoire, la rencontre de l’eternel et du temps dans la personne de Jésus Christ. Or ce qui fait la portée universelle d’une particularité culturelle, c’est la valeur révélatrice qu’elle implique par rapport à ce que j’appellerais l’humain authentique...Et quelle que soit sa particularité d’origine, ethnique, géographique, linguistique, a une portée universelle à partir du moment où elle met en valeur la dimension fondamentale de l’homme. Dans ce jeu de l’universel et du particulier fait sens a une portée universelle pour toutes les cultures.” 104 Id. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux ”, art. cit., p. 9. 105 Aqui Geffré faz referência à obra St. Breton, Unicité et monothéisme, Paris: Cerf, 1981 como a fonte de onde ele retira essa noção de “unicidade relativa”, entendida como relacional. Esta noção será abordada mais profundamente no capítulo seguinte.

61

concreta.106 Segundo nossa capacidade humana de conhecer, a humanidade

particular de Jesus não pode ser a tradução adequada das riquezas contidas na

plenitude do mistério do Cristo. Se isso fosse possível, Cristo não seria mais o

ícone de Deus, mas um ídolo.107 Para Geffré, Jesus é o ícone, pois aponta para

além dele mesmo. Esse é um aspecto fundamental para o entendimento da

cristologia dele. Ícone é o elemento material organizado de tal forma que

visibilize o representado sem, contudo, esgotar-lhe todo o significado. O ícone

sempre deixa aberta uma possibilidade de interpretação a quem o contempla.

Ícone aqui é usado no sentido de que a humanidade concreta de Jesus remete

sempre para além dela mesma. Essa idéia de Cristo como ícone de Deus é um

elemento fundamental na cristologia de Geffré:

“Para retomar uma outra expressão tradicional, Jesus é o ícone de Deus, o ícone do Deus vivo, e é esse ícone a um título único. Em outras palavras, ele não é um mediador entre outros. A própria palavra mediador é ambígua, pois ele não é um intermediário entre Deus e os humanos. Mas devemos resguardar-nos de identificar o elemento histórico e contingente de Jesus com seu elemento crístico e divino, que é justamente a lei da encarnação de Deus pela mediação da história. De outra forma, Jesus não seria mais um ícone, mas um ídolo. De acordo com a visão dos Padres da Igreja, é, pois, permitido ver a economia do Verbo encarnado como o sacramento de uma economia mais vasta, a do Verbo de Deus que coincide com a história religiosa da humanidade”.108

Nosso autor recorre ainda a uma analogia para clarificar esse seu

pensamento: assim como não há total adequação entre o livro da Bíblia e a

Palavra de Deus, tão-pouco há identificação completa entre a humanidade

particular de Jesus de Nazaré e a plenitude do mistério de Deus.109 Por isso, o

cristianismo não pode excluir outras maneiras de identificar o mistério de Deus.

Mas, essas afirmações precisam ser recebidas com prudência, como

demonstraremos mais adiante.

106 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux ”, art. cit., p. 10. O autor recorre à intuição de Tillich de que o Cristo é, ao mesmo tempo, “Jesus” e a “negação de Jesus”. Ou seja, que Jesus, como homem historicamente situado sacrificou-se a si mesmo em vista do Cristo. Assim, a cruz tem um valor simbólico universal. Também exprime essas idéias em termos semelhantes em De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 90; 121. 107 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 118. 108 Id. Crer e Interpretar – a virada hermenêutica da teologia, op. cit., p. 164-165. 109 Id. “Le fondament théologique du dialogue interreligiuex”, art. cit., p. 99; também Crer e Interpretar, op. cit., p. 165.

62

O teólogo francês tem consciência que se move num terreno delicado, pois

se por um lado ressalta com força a distinção entre a humanidade de Jesus e sua

divindade, por outro pretende manter a união indissolúvel entre ambas, sem se

afastar da declaração dogmática de Calcedônia.110 Distanciando-se de Raimundo

Panikkar, Geffré rechaça toda separação entre o Verbo e Jesus. Afirma que a

tentação de afirmar um Cristo cósmico em torno do qual gravitariam todas as

religiões é muito perigosa. É melhor tirar todas as conseqüências da encarnação

do Verbo.111

Mantendo-se unido à fé eclesial e às intuições teológicas de Tillich, Geffré

sustenta que Cristo e Jesus são exatamente a mesma pessoa. A pessoa de Jesus,

como manifestação histórica do Logos invisível e universal, realiza a identidade

entre o absolutamente universal e o absolutamente concreto. O paradoxo consiste

em que o Cristo, como ser plenamente histórico, está numa união indefectível com

Deus, enquanto que a história está sob o signo da alienação com Deus. De alguma

maneira, a partir do sacrifício da particularidade de Jesus de Nazaré, de sua morte

na cruz, Jesus renasce como o Cristo. A ressurreição restitui misteriosamente a

historicidade de Jesus, unindo-a à universalidade do Cristo. O crucificado renasce

numa dimensão universal, agora liberto de um particularismo que o faria refém da

contingência de sua existência histórica anterior. O ressuscitado não é refém de

sua existência anterior, mas tem nela sua condição de possibilidade. A carne é o

lugar do encontro definitivo do divino e do humano. Esse encontro acontece em

Jesus Cristo, o Novo Ser. O paradoxo continua.

2.2. Cristo é a plenitude da revelação

A abordagem que Geffré faz do paradoxo cristológico leva-o a apresentar a

pessoa de Cristo como plenitude da revelação: Cristo é a revelação de Deus e a

revelação final.

110 BARA, S. B. “Unicidad de Cristo y singularid del cristianismo ante el desafío del pluralismo religioso, segun Claude Geffré”. In: Estudios Eclesiásticos (81), 2006, p. 112. 111 GEFFRÉ, C. Crer e interpretar, op. cit., p. 165-166. O mesmo distanciamento de Panikkar aparece em Profession Théologien, op. cit., p. 146-148. Geffré procura manter-se fiel à fé eclesial expressa no dogma cristológico de Calcedônia, reforçado em pronunciamentos recentes do Magistério acerca dos cuidados inerentes ao diálogo inter-religioso no tocante a singularidade de Cristo. Cf. RM n. 6, bem como DI n. 10, onde se afirma não ser possível desvincular o Verbo e Jesus Cristo, ou a ação salvífica do Logos da ação do Verbo encarnado.

63

O paradoxo da encarnação traz à luz a plenitude da automanifestação de

Deus. Diz nosso autor que Jesus pode ser reconhecido como a figura do amor

absoluto de Deus. Como Deus não pode se manifestar a não ser em termos divinos

é na contingência humana de Jesus que deve ser reconhecido. Essa é a situação

paradoxal da encarnação.112 Ou seja, Deus não absolutiza uma particularidade.

Como nenhuma particularidade histórica é absoluta, em virtude mesmo dessa

relatividade, Deus pode aliar-se sempre à nossa história real.113 É na situação

concreta do ser humano que Deus se revela. O acontecimento Jesus Cristo

condensa e exprime definitivamente essa chegada de Deus à realidade humana.

Ao mesmo tempo em que sedimenta essa certeza, Geffré sustenta que, enquanto

conteúdo inteligível, a revelação continua aberta aos possíveis da história humana,

enquanto lugar de perguntas e respostas. Ele diz que a revelação está concluída

com o acontecimento Jesus de Nazaré, enquanto que, como plenitude da verdade,

ela jamais cessa de manifestar suas virtualidades para a inteligência humana.114

Estabelece-se, então, uma distinção entre plenitude qualitativa e

quantitativa. Jesus Cristo é a revelação definitiva e insuperável da revelação de

Deus, mas nossa percepção desse acontecimento é limitada por nossa contingência

histórica, logo, ela pode ser reinterpretada até que chegue a consumação

escatológica.115 Embora trabalhe com conceitos pouco precisos, não é intenção de

Geffré negar o caráter completo e definitivo da revelação de Deus em Jesus Cristo

ou considerar que essa revelação necessite ser completada pelo conteúdo das

112 GEFFRÉ. C. “Le paradoxe christologique comme clé herméneutique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 173. Também “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 98. 113 DUQUOC, Ch. Dieu Différent. Paris: Cerf, 1978, p. 143 - “Dieu n’absolutise pas une particularité; il signifie au contraire qu’aucune particularité historique n’est absolue et qu’em vertu de cette relativité, Dieu peut être rejoint dans notre histoire réelle”. 114 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 141. 115 Entramos aqui em mais um terreno alagadiço na teologia de Geffré. A distinção entre revelação qualitativa e quantitativa pode levar a equívocos. Se for sustentado excessivamente que a revelação de Deus em Jesus Cristo, por ser limitada pela contingência histórica dele, pode ser “completada” por outras “revelações”, a singularidade de Jesus fica seriamente ameaçada. A percepção limitada que temos do acontecimento Jesus Cristo não pode nos levar a concluir que “falte” algo à revelação que ele faz de Deus. Esses conceitos parecem levar a essa confusão. Não cabe separar revelação plena e verdade total do acontecimento da revelação, mesmo se o acesso a essa verdade só possa se dar a partir do horizonte histórico que dispomos (DI 6).

64

outras religiões. O que ele afirma de fato é que o conteúdo da verdade cristã

moldurado pela linguagem humana é limitado. Mesmo assim, ele continua

palmilhando por terreno movediço.116

A intenção de Geffré é abrir espaço para o reconhecimento de

experiências reveladoras também em outras religiões. Por isso sustenta que a

revelação cristã não esgota a plenitude do mistério de Deus. Este pode ser

enriquecido por outras experiências religiosas da humanidade. Disso não se pode

concluir que ele ceda a qualquer diminuição da singularidade de Cristo como

verdade absoluta. Sempre apoiado em Tillich117, o autor sustenta que todas as

manifestações de Deus na história, antes ou depois da Encarnação, se deram em

referência à manifestação definitiva de Jesus como o Cristo. Jesus Cristo é a

irrupção definitiva de Deus na história.118

Depois que o Verbo se fez carne em Jesus de Nazaré, depois do mistério

de sua páscoa, a história humana adquiriu um sentido completamente novo. A

história humana nunca esteve abandonada a si mesma. Esta história é marcada

pela busca balbuciante do ser humano pelo Absoluto, que corresponde ao desejo

de Deus de encontrar-se com o ser humano.119

Geffré considera que há uma “revelação imanente” que perpassa toda a

história humana. A revelação histórica que coincide com a história de Israel e com

116 GEFFRÉ, C. “L’avenir du dialogue interreligieux aprés Dominus Iesus”. In: Sedos Bulletin 34 (2002), p. 133 - “La révélation en tant que contenu de vérité a la limite de tout ce qui est historique. Du point de vue qualitatif, la révélation dont Jésus est le témoin est incomparable du fait même de sa proximité avec Dieu. Mais du point de vue quantitatif, il s’agit encore de la Parole de Dieu à l’état d’un discours humain. Et d’ailleurs, c’est l’enseignement même de Jésus dans le Nouveau Testament qui nous invite à souligner le caractère eschatologique de la verité que le Père lui a confié. “Lorsque viendra l’Esprit de verité, il vous fera accéder à la verité toute entiére” (Jn 16,13). A mesma argumentação aparece em “Le fondement théologique du dialogue..” p. 98-99. Também em“Le paradoxe christologique comme clé herméneutique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 174. 117 Id. “Le paradoxe christologique comme clé herméneutique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 178. 118 Id. Profession Théologien, op. cit., p. 113-114 - “Ce mouvement de présence, de comunication de Dieu dans l’histoire, va trouver son accomplissement quand on pourra dire d’un homme, de Jésus de Nazareth, qu’il est non seulement la manifestation de Dieu, mais lui-même habitant notre humanité, Dieu présent au coeur de l’histoire, comme l’Emmanuel du Premier Testament, le “Dieu-avec-nous”. .. Si l’on prend au sérieux ce que peut être le mystère du Verbe fait chair, je crois vraiment en une nouveauté absolue. Il est vrai que ce accomplissement ultime nous aide à relire l’histoire comme étant le récit d’une présence de Dieu – présence de Dieu dans le consciences, dans les traditions profonds d’une culture donnée, ce que les peres appelaient la “Sagesse des nations”.... Tout au long de l’histoire, il y a en quelque maniére une présence cachée de Dieu, mais peut-être ne pouvons-nous la déchiffrer qu’à la lumière de cette manifestation, de cette épiphanie suprême qu’est la présence de Dieu en Jésus-Christ”. 119 Id. “Réflexions théologiques sur le pluralisme religieux”. In: Sedos Bulletin 35 (2003), pp. 106-107.

65

a consumação da Nova Aliança se converte em sacramento dessa busca do ser

humano por Deus e de Deus pelo ser humano. As outras religiões seriam

objetivações dessa única vontade salvífica universal de Deus. Suas

potencialidades reveladoras ou salvíficas se devem a essa presença escondida do

mistério de Cristo nelas.120 Presença que se torna manifesta pela ação do Espírito

Santo, que não é outro senão o Espírito do Cristo ressuscitado. Cabe ao Espírito

Santo tecer os fios da história humana como história da revelação e da salvação,

em um dinamismo tal que oriente a história toda a seu ponto culminante: o

acontecimento Jesus Cristo, em que o ser humano chega plenamente a si mesmo e

plenamente a Deus. Nessa direção também apontam os documentos recentes do

Magistério, quando reforçam a inseparabilidade da ação do Espírito e da ação de

Cristo, já que se trata de uma só economia salvífica (LG 3-4; GS 22; RM 5 e 28;

DI 7 e 12).

É essa ação universal do Espírito que fundamenta o conceito de

cristianidade, para significar essa realidade da presença escondida do mistério de

Cristo nas diversas culturas e religiões. Cristianidade implica em certo jeito

crístico de ser que se estende para além das fronteiras do cristianismo histórico. É

uma espécie de onipresença do Espírito de Cristo em todo ser humano. Como

Espírito de Cristo, ele não é outro senão o Espírito de Deus que sopra sobre os

homens, intimamente ligado à história da humanidade. 121

Esta certa maneira crística de ser, essa potencialidade cristã, seria como

uma dimensão antropológica universal, posto que, desde o ponto de vista cristão, o

ser humano não foi criado somente à imagem de Deus, mas à imagem daquele que

120 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 11. Nosso autor assume em sua reflexão a distinção que Karl Rahner fez entre revelação “categorial”, que coincide com o fenômeno histórico da revelação bíblica, e revelação “transcendental”, que é co-extensiva à história espiritual da humanidade – a autocomunicação de Deus à consciência humana. 121 Id. Profession Théologien, op. cit., p. 50-51 - “Qu’est-ce donc christianité? C’est un certain être-christique plus universel, c’est le cas de le dire, que les frontières du christianisme historique, telles qu’elles se trouvent déterminées par des dogmes, par des sacraments, par une institution. En termes théologiques, et au nom même de l’Escriture, on pourrait affirmer que l’esprit du Christ est omniprésent, qu’il coexiste avec l’être humain – l’esprit du Christ, que l’on peut entendre au sens du Christ ressuscité, ‘étant pas un autre que l’esprit de Dieu qui souffle dupuis qu’il y a des hommes, intimement mêlé à cette histoire de l’humanité.” Também em De Babel a Pentecôte, op. cit., p. 291 o autor retoma este conceito neste mesmo sentido. Mário de França Miranda considera importante para o contexto atual essa dimensão universalizante intrínseca à fé cristã, que Geffré chama cristianidade. Este elemento é relevante porque deixa transparecer claramente a impertinência de qualquer tentativa de retorno a uma cristandade uniformizadora. Dimensão universalizante da fé não pode se confundir com absolutização do cristianismo. Cf. Miranda, M. de F. “Religiões particulares e paz universal. A contribuição cristã”. In: Atualidade Teológica nº 23, maio/agosto 2006, p. 194.

66

por excelência é a plenitude mesma do ser humano: Jesus Cristo. Essa marca

crística está efetivamente em todo ser humano, mesmo fora do cristianismo. Cada

ser humano tem como que uma “disposição congênita” para referir-se a Jesus

Cristo em sua abertura à transcendência e à existência humana. A vocação

fundamental do ser humano é, então, ser introduzido na vida divina.122 Jesus, como

o ponto de encontro concreto e definitivo entre o transcendente e o histórico, é o

fundamento do que Geffré chama de cristianidade. Trata-se, sem dúvida, de uma

maneira sensata de perceber a presença escondida do mistério de Cristo co-

extensivo a todos os momentos da história.123 Ele prefere falar de valores crísticos

presentes nas diversas culturas e religiões, do que de valores implicitamente

cristãos que encontrariam seu cumprimento no cristianismo histórico. A

grandiosidade do mistério de Cristo não encontrou sua tradução adequada nos

diversos cristianismos históricos que conhecemos. Por isso, as outras religiões

podem misteriosamente encarnar certos valores crísticos e até mesmo ajudar o

cristianismo a explicitar melhor algumas virtualidades do mistério de Cristo, do

qual ele é portador pleno.124

Em todo ser humano está inscrito o desejo do Absoluto. É essa busca

comum de Deus que pode ser o ponto de partida para um diálogo inter-religioso

fecundo. Da busca sincera do Absoluto passa-se à busca do que é mais profundo

na existência humana. Esta relação autêntica com o mistério capacita o sujeito

religioso a um relacionamento autêntico com os outros. Uma autêntica experiência

religiosa seria marcada pela busca do que é autenticamente humano como

condição de experienciar o autenticamente divino. Essa busca do autenticamente

humano é apontada por Geffré como um critério decisivo para o diálogo inter-

religioso.125

Cristo como o Novo Ser é a irrupção da revelação final de Deus que

alcança a vitória sobre a ambigüidade de tudo o que é histórico. Cristo não

somente dá sentido à história, mas a conduz: ele está no centro da história como

acontecimento definitivo de salvação.126 No entanto, isso se dá a partir da história,

122 GEFFRÉ,C. Profession Théologien, op. cit., p. 134. 123 Id. Ibid., p. 147-148. Aqui Geffré assume que toma o conceito cristianidade das reflexões de Raimundo Panikkar em Invitación a la sabiduría. Madrid: Espasa, 1998, p. 169. 124 Id. Crer e interpretar, op. cit., p. 160. 125 Id. “Pour un christianisme mondial”. In: RSR 86/1 (1998), p. 61. 126 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 112.

67

não a despeito dela. Manifestar-se na particularidade histórica de Jesus de Nazaré

é uma escolha livre de Deus.

Dito de outra forma, nenhuma manifestação histórica de Deus, nem

mesmo o Logos encarnado, pode ser absolutizado. Admitir o contrário disso seria

quase que esbarrar no docetismo e não considerar seriamente a humanidade de

Jesus. Não podemos identificar o elemento histórico e contingente de Jesus e seu

elemento crístico e divino, embora eles nunca se separem. A humanidade de

Jesus é o elemento concreto (o ícone) pelo qual, pela fé, se tem acesso a Deus

como Absoluto. Seguindo as intuições profundas de Tillich, Geffré afirma que o

próprio Jesus está submetido ao julgamento do incondicionado, por mais que ele

pretendesse identificar-se com o absoluto. “Só o Deus de Jesus é o Absoluto, ao

mesmo tempo em que a fé cristã atesta que em Jesus, e somente nele, o Absoluto

se manifestou de maneira única e definitiva”.127 O liame nunca rompido entre o

absoluto e o particular na pessoa de Jesus, confessado como o Cristo, sempre nos

remete a um Deus transcendente, que escapa a toda identificação. É justamente

isso que é paradoxal no cristianismo. Essa desabsolutização de Jesus e dos

diversos cristianismos históricos é o que permite não excluir a priori a possível

manifestação das riquezas do mistério de Deus nas outras tradições religiosas.

2.3. A dimensão kenótica do cristianismo

A partir da referência ao mistério da Kénose do Cristo é possível afirmar

que o cristianismo carrega em si mesmo os seus próprios limites. Geffré defende

que, longe de sustentar uma aura de religião imperialista, o cristianismo deve se

reportar a uma carência, a um não-ser.128 É a kénose de Cristo de sua igualdade

com Deus que permite a ressurreição no sentido pleno do termo (Fl 2, 6-8). Então

o cristianismo deve remeter sua fundação a uma Ausência originária. É a ausência

do corpo do Fundador que é condição para o aparecimento do corpo da Igreja e

para o corpo das Escrituras.129 É essa consciência de uma falta, a consciência de

que somente o abaixamento (anabasis) torna possível a elevação (katabasis), que

pode levar o cristianismo a voltar-se para o diferente. Dessa forma, é possível 127 GEFFRÉ, C. “O lugar das religiões no plano da salvação”. In: Teixeira, F. (org.) O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. São Paulo: Paulinas, 1997, p.126. 128 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 122. 129 Id. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 10.

68

demonstrar como o diálogo com as outras experiências religiosas está inscrito na

sua origem.130

Nosso autor diz estar convencido de que a partir dessa chave hermenêutica

o cristianismo pode se engajar no diálogo inter-religioso sem receios de

comprometer sua identidade própria.131 Sem abdicar de sua unicidade relativa, a

prática do diálogo inter-religioso levará a uma nova compreensão da singularidade

cristã. Esta passará a ser definida justamente a partir da relação do cristianismo

com a alteridade.132

A identidade cristã é da ordem do devir e do consentimento ao outro na

sua diferença. A experiência cristã não substitui as outras experiências humanas

autênticas, quer sejam religiosas ou não, mas confere-lhes um sentido inédito:

tudo o que de bom, de verdadeiro ou de santo que elas tiverem, tem sua origem

em Deus. Esse Deus, na plenitude dos tempos, entrou na história, fez coincidir

tempo e eternidade encarnando-se na pessoa de Jesus e, mediante o mistério de

sua páscoa, fez daquele homem judeu palestinense o salvador de toda a

humanidade. O conjunto da vida de Jesus foi aceito pelo Pai como oferta

definitiva em favor de todos. Por isso o Pai o ressuscita pela força do Espírito,

dilatando ao infinito o alcance de sua vontade salvífica.

Abrir-se ao diferente é, portanto, inerente à fé cristã. O cristianismo já

nasce confessando a alteridade de um Deus que é sempre maior, que vai sempre

além do que podemos apreender dele. A identidade cristã não se define como uma

perfeição já conquistada, mas em termos de devir, de trânsito, de consentimento

ao outro e de serviço fraterno. É isso que Geffré entende quando diz ser próprio

do cristianismo ter uma existência pascal.133

Colocar em relevo essa dimensão kenótica do cristianismo não é nenhuma

estratégia para simplesmente favorecer o diálogo inter-religioso, mas uma

exigência de sua própria natureza. Sem desconsiderar a importância de afirmações

fundamentais recebidas do Vaticano II sobre o mistério de Cristo como realização

plena das promessas da primeira Aliança e sobre o cristianismo como realização

130 Essas idéias são bastante desenvolvidas em “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religiuex”. In: Penser la Foi, op. cit. , p. 351-369. 131 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 118. 132 Id. “Le non-lieu de la théologie selon Michel de Certeau”. In: Michel de Certeau ou la différence chrétienne. Paris: Cerf, 1991, p. 159-180. Neste texto o autor trabalha o aspecto do cristianismo como religião da alteridade. 133 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 123.

69

plena de todas as sementes de verdade, bondade e santidade presentes nas outras

religiões, o teólogo francês se propõe a reinterpretar essas noções em termos mais

adequados aos nossos tempos. Ele compreende ser destino histórico do

cristianismo promover essa realização plena, mas de forma não totalitária.134

Continuando o caminho aberto pelo Vaticano II e por Documentos como

Redemptoris Missio e Diálogo e Anúncio, devemos prosseguir na busca de um

olhar positivo sobre as outras religiões e até mesmo reconhecê-las como possíveis

mediações de salvação para seus membros. No entanto, isso não deve nos impedir

de permanecermos conscientes de que graves ambigüidades as afetam. Um

discernimento adequado é sempre preciso. Diz nosso autor

Não somente todas as religiões não são equivalentes, mas no interior de cada religião não são todos os seus elementos constitutivos que favorecem a abertura para o Absoluto e a prática da justiça em seu sentido de Reino de Deus, que nos foi revelado em Jesus Cristo.135

3. A universalidade de Cristo no concerto polifônico das religiões

A noção tillichiana de revelação final enriquece a fundamentação que

Geffré apresenta para que o cristianismo possa dialogar com um pluralismo

religioso inevitável, sem renunciar à sua originalidade e singularidade. A posição

defendida por Tillich em sua Teologia Sistemática está em consonância com a

tradição católica quando afirma a existência de uma revelação universal que

desborda as fronteiras do cristianismo, por estar fundada na presença universal do

Logos e do Espírito de Deus junto da humanidade. A tese original de Tillich sobre

o paradoxo do cristianismo como religião da revelação final abre um caminho

fecundo para superar a visão de que a revelação cristã detém o monopólio da

revelação divina. Afirmar o cristianismo como religião da revelação final significa

excluir qualquer pretensão de incondicionalidade da parte de um caminho

particular, a começar pelo próprio cristianismo.136

134 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 124. 135 Id. “O lugar das religiões no plano da salvação”, art. cit., p. 129. 136 Id. De Babel a Pentecôte, op. cit., p. 93. Citando Tillich, o autor afirma: “ La révélation finale est celle dans laquelle da dénomination de la révélation est rendue impossible, par le fait que se trouve exclue toute prétention à l’inconditionnalité de la part de la voie de révélation. Mais cela doit être compris dans la voie concrète de salut, c’est-à-dire que le concret et la négation du concret doivent se réaliser dans la voie du salut”.

70

3.1.

A responsabilidade histórica do cristianismo

Para Tillich, o cristianismo é a religião que testemunha a revelação final,

inseparável do mistério pascal de Jesus Cristo. Tillich entende por revelação final

a irrupção do incondicionado no condicionado, na ordem da existência e da

correlação, pois não haveria revelação sem alguém que a recebesse como

“preocupação última” (ultimate concern). O ser humano recebe a revelação de

forma ambígua, o que a expõe a dois grandes perigos: a demonização e a

profanação. Para Tillich, a revelação se demoniza quando deixa de reenviar ao

incondicionado que irrompe nela, e se torna profana quando não consegue ir além

de sua condição de acontecimento finito, ficando reduzida a uma moral.137

Concretizar a revelação final é, pois, envidar todos os esforços para que toda

pretensão de incondicionalidade de experiências particulares seja superada. Uma

revelação é perfeita na medida em que seu caminho concreto de salvação provoca

certo abalo em suas estruturas (ébralement).138

Não há revelação final fora de um caminho concreto de salvação que se

apresente marcado pela incondicionalidade. O paradoxo da revelação final

consiste em conciliar um duplo aspecto: a necessária concretude de um caminho

de salvação e a certeza de que esse caminho será sempre frágil, já que portará

sempre a necessidade de seu alargamento. Enquanto caminho concreto, portanto,

condicionado, ele se perceberá sempre abalado pelo paradoxo de manifestar o

incondicionado.

O cristianismo tem a convicção de que a revelação final se manifestou em

Jesus Cristo como o Novo Ser, aquele que realizou em si mesmo a união entre o

absolutamente concreto e o absolutamente universal.139

137 GEFFRÉ, C. “Révélation, écriture et tradition dans la Dogmatique de 1925”. In: Richard, J; Gounelle, A e Scharlemann, P. (editores). Études sur la Dogmatique de Paul Tillich (1925). Québec-Paris: Cerf, 1999, p. 202-213. 138 Id. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 12 - “Il n’y a pas de révélatation parfaite (ou finale) en dehors d’une voie concrète de salut, car ce qui nous concerne inconditionnellement doit être concret. En même temps, il y a dans cette concretude un élément de protestation qui ébrale la voie concrète. Ainsi, le paradoxe de la révélation parfaite tient au fait qu’elle doit concilier en elle-même le double aspect de la réalization concrète et de la protestation qui fait irruption et qui provoque l’ébranlement”. 139 Id. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 13, apud: Tillich, P. Systematic Theology, vol. 1, p. 134 – “Only as he who as sacrified his flesh, that is, his historial existence, is the Spirit or New Creature”.

71

Geffré recorre à reflexão que Tillich faz sobre essa presença do Novo Ser

na vida do ser humano, na cultura, nas religiões e na história na terceira parte de

sua Teologia Sistemática. Tillich fala de maneira privilegiada da “presença

espiritual”, ou seja, da manifestação do Espírito de Deus no espírito humano e na

história.140 A presença do Espírito divino fez de Jesus de Nazaré, o Cristo, o Novo

Ser, superando as ambigüidades de sua concretude histórica, unindo

misteriosamente sua existência e sua essência.

Essas reflexões de Tillich sobre a presença universal do Espírito e do Novo

Ser na história da humanidade oferecem um dos princípios pelos quais se torna

possível perceber a pertinência salvífica das outras religiões. Por isso Geffré

classifica a teologia da história de Tillich como uma reflexão sobre a vitória do

Espírito sobre as ambigüidades das religiões.141

Tillich atribui à revelação um sentido universal: a humanidade esteve

sempre sob o influxo da Presença do Espírito divino. Graças a essa presença do

Espírito divino no espírito humano, é possível falar de experiências revelatórias

com força salvífica nas outras religiões. Essas experiências revelatórias são

participações fragmentárias na vida do Espírito. O Novo Ser está presente nelas de

maneira fragmentada e antecipada, mas não sem ambigüidades. Tillich estabelece

uma diferença entre “fragmentário” (limitado, localizado no tempo e no espaço) e

“ambíguo” (como o que tem a mesma capacidade para o pecado e para a

santidade). Isso permite considerar as experiências religiosas como antecipações

da vitória do Espírito sobre as ambigüidades da vida. Para Tillich, aqueles que

fazem uma experiência de fé e de amor, ainda que de forma fragmentária, estão

sendo movidos pelo mesmo Espírito.142

A partir dessas reflexões de Tillich, Geffré reforça sua tese de que o

cristianismo pode afirmar sua singularidade de forma não totalitária, ainda que

140 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 14, apud: Tillich, P. Systematic Theology, vol. 3, p. 138 - “The Spiritual Presence, elevating man through faith and love to transcendent unity of unambiguous life, crates the New Being above the gap between essence and existence and consequently above the ambiguities of life”. 141 Id. Ibidem. 142 Id. Ibid., p. 15 - “On pourrait même dire que sa théologie de l’histoire est une méditation de la victoire de l’Esprit contre la religion à la lumière du “Principe protestant” entendu au sens d’un principe méthodologique et non d’un impératif confessionnel. Ce dernier en effet exprime le dépassement par la présence de l’Esprit des ambiguïtés de la religion toujours tentée de ceder aux pièges de la démonisation ou de la sécularisation”.

72

seja o portador da revelação final.143 Essas teses de Tillich apontam, segundo

Geffré, para uma articulação coerente entre a pretensão de cada religião de revelar

o Absoluto e a do cristianismo de ser a religião da revelação final. O cristianismo

é portador de um caminho concreto de salvação, porém não pode absolutizar esse

caminho, precisamente por ser a religião da revelação final. Essas considerações

permitem desmistificar as pretensões das religiões particulares, inclusive o

cristianismo. No entanto, elas também nos convidam a compreender e respeitar o

engajamento e a adesão incondicional que requer cada religião, sem cair no

relativismo. Em nenhum momento Geffré cogita cair numa espécie de relativismo

histórico. Recorda a grande importância que Tillich dava à tradição eclesial como

memória normativa da Escritura e testemunha da irrupção originária da revelação

final na história, e quer, também ele, garantir essa função normativa da

comunidade eclesial. Ou seja, sem a comunidade eclesial, a plena revelação de

Deus em Jesus Cristo, o Novo Ser, não seria acolhida, vivenciada, e transmitida.

A comunidade eclesial é o lugar da “síntese criativa” entre o caminho concreto de

salvação que ela propõe e os outros caminhos propostos pelas outras religiões,

exercitando um adequado discernimento.144

Geffré afirma que o futuro do movimento ecumênico e inter-religioso

dependerá da maneira como cada religião ficar aberta à norma crítica já chamada

“princípio protestante”.145 Somente esta crítica da religião em nome da religião

permite a cada religião particular ultrapassar a tentação de dobrar-se sobre si

mesma e da autoabsolutização, permanecendo aberta ao diálogo.146 Essa abertura

à autocrítica é também importante para a Igreja Católica, sobretudo no que se

refere a seu dever missionário. Se, de fato, absoluta for somente a revelação final

como plenitude do Reino de Deus, nem o cristianismo, nem a Igreja são absolutos.

Nesse sentido, a missão da Igreja há que se concentrar mais no testemunho do

Reino do que numa busca de conversão dos não-crentes às fileiras eclesiásticas.147

A partir do que foi exposto, nosso autor conclui que o pluralismo religioso

não é apenas um fato circunstancial, mas pertence ao desígnio salvífico de Deus.

143 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 11. 144 Id. “Révélation, écriture et tradition dans la Dogmatique de 1925”, art. cit., p. 213. 145 Compreendido como princípio metodológico, não em um sentido confessional. 146 Id. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 20. 147 A maneira como Geffré encara as implicações missiológicas da Igreja em tempos de pluralismo religioso inevitável será tema do capítulo 4 desta Tese, motivo pelo qual aqui apenas se toca de leve nessa temática.

73

É um pluralismo de direito (de droit), que se fundamenta na necessária

desabsolutização das religiões históricas e de suas pretensões de encarnarem a

revelação final. Dessa forma, a regra prática que deveria comandar o ecumenismo

inter-religioso do futuro seria confrontar a questão da verdade do cristianismo148

com a verdade da sua superioridade. A fé cristã sustenta que é nesse caminho

concreto de salvação inaugurado por Jesus Cristo que encontramos a revelação

final de Deus sobre o mundo, sobre o ser humano. Porém essa afirmação também

precisa deixar em aberto a questão de saber se essa revelação final pode ser

estendida às outras religiões.149

Conclusão

Claude Geffré considera legítima a pretensão do cristianismo como

religião da manifestação definitiva de Deus em Jesus Cristo. Essa proclamação

central da fé cristã nunca deve ser colocada entre parênteses no processo de

diálogo inter-religioso. Por isso mesmo esse diálogo se dará sempre sob essa

tensão entre o que afirma de maneira irrevogável o cristianismo e o que afirmam

também de forma convicta as outras religiões. O esforço teológico do nosso autor

visa demonstrar o caráter não totalitário do cristianismo, apesar de tudo. Ele

defende com argumentos sólidos que o cristianismo é estruturalmente dialogal. A

abertura ao diferente é uma marca indelével da fé cristã. Para demonstrá-lo, parte

exatamente do mistério paradoxal da encarnação do Verbo.

A novidade da reflexão teológica de Geffré é exatamente começar o

diálogo a partir de Jesus Cristo, tomando outra direção daquela que outros

teólogos contemporâneos. Ou seja, ele não parte em primeiro lugar do

teocentrismo para depois chegar a Jesus como revelação última de Deus, mas

prefere tirar todas as conseqüências desta centralidade de Jesus, compreendendo

melhor sua singularidade. Então, ele não é propriamente um teólogo pluralista,

nem exclusivista num sentido estrito. Pode-se dizer que se afina com o modelo

inclusivista, colocando novos matizes, até configurar algo como um “pluralismo-

inclusivo”, que mantém um cristocentrismo constitutivo, ao mesmo tempo em que

148 Também essa temática importante será objeto de nossa análise mais adiante, quando consideraremos mais detidamente a singularidade cristã e a verdade do cristianismo num mundo plural. 149 GEFFRÉ, C. “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit., p. 13.

74

reconhece os valores próprios das outras religiões. A teologia cristã das religiões

não pode prescindir da normatividade da cristologia. É o centro mesmo da

mensagem cristã, a saber, a manifestação de Deus na particularidade histórica de

Jesus de Nazaré, que tem a força necessária para exorcizar qualquer pretensão

autoritária e abrir-se sem medo ao diferente. À medida que assume sua

historicidade, o cristianismo necessariamente reconhece o imperativo do diálogo.

Cremos que a cristologia de Geffré resulta bem fundamentada e consegue,

de fato, ser propositiva para o diálogo inter-religioso. Resta-nos, todavia,

continuar o aprofundamento de seu pensamento para constatarmos como essa

irredutível singularidade cristã se coaduna com as outras religiões, quando elas

também reclamam conter algo de irredutível. É o que veremos no capitulo a

seguir.

75

3 UNIVERSALIDADE CRISTÃ E PLURALISMO RELIGIOSO

Introdução Os cristãos de todos os tempos vivem a convicção de que sua religião tem

uma missão universal. Não é uma religião de uma etnia para uma etnia, mas é um

apelo dirigido a todos. A consciência de conservar a memória histórica de Jesus

de Nazaré, confessado como o Cristo, o único salvador da humanidade,

impulsiona a comunidade cristã a sempre sair de si para dar testemunho d’Ele.

Entretanto, essa universalidade da fé cristã nem sempre foi adequadamente

objetivada. Percebe-se historicamente que prevaleceu certa tendência à

intolerância para com sociedades e culturas que viviam sob outras crenças. A

universalidade vivida e representada por um determinado grupo já não é apenas

um simples conceito teórico; torna-se operatória em razão mesmo do engajamento

do grupo no que ele acredita.

A reflexão sobre a singularidade de Cristo e a conseqüente universalidade

cristã não é algo abstrato. Tem que ser histórica. A longa história do cristianismo

mostra as reais conseqüências dessa pretensão cristã. Depois de termos

considerado no capítulo precedente a universalidade e singularidade de Cristo,

como é confessada pela Igreja, e quais as implicações disso para o diálogo inter-

religioso hodierno, neste capítulo vamos lançar um olhar panorâmico sobre como

o cristianismo concretizou historicamente sua abertura à universalidade.

1. A universalidade cristã diante do pluralismo religioso

Claude Geffré defende a possibilidade de um diálogo teológico inter-

religioso que não esteja em contradição com o respeito pelo outro. Ao contrário, é

o enraizamento na própria crença que pode ajudar a melhor compreender a fé dos

que professam outra fé.150 Mesmo sendo uma atitude intelectualmente difícil, é

possível olhar o outro a partir de seu próprio universo de crenças, sem renunciar à

própria capacidade de discernimento e crítica. O respeito à alteridade do parceiro

do diálogo conduz a uma melhor compreensão da identidade de quem dialoga,

150 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit., p. 309.

76

além de estimular uma busca sincera e mais compreensiva da verdade particular

que cada membro do diálogo reclama para sua tradição religiosa. Essa atitude

dialógica das crenças respectivas faz toda a diferença entre uma reflexão teológica

das religiões e o que seria uma história comparada das religiões. Também é

importante distinguir o debate do diálogo inter-religioso. O debate se situa na

ordem da argumentação. O diálogo implica aliar à fé a argumentação e a

convicção.151 É certo também que o diálogo pode soar falso se a convicção vier

acompanhada de uma argumentação insuficiente. Mas, em contrapartida, a

convicção pode nutrir e estimular a argumentação. A teologia de Geffré procura

manter-se fiel a essa concepção de diálogo.

Nosso autor considera que o primeiro campo fecundo do diálogo está entre

as três grandes religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo. Além

de monoteístas, ele prefere chamá-las escriturárias.152 Se elas foram ou são

intolerantes umas com as outras no curso da história, é porque cada uma faz

referência a um Livro considerado como Palavra de Deus, quer se trate da Torah,

da Bíblia ou do Corão.

1.1. A mediação de uma Escritura

Nas três tradições religiosas, há uma tensão necessária entre a Escritura (o

livro sagrado) e a Palavra de Deus. O livro sagrado é um livro humano, escrito em

hebraico, grego ou árabe. Portanto, não pode haver uma perfeita adequação entre

ele e a Palavra de Deus. Mesmo os muçulmanos, que reivindicam tal adequação,

admitem certa distância entre o Corão escrito (Mushaf) e a Palavra de Deus. O

livro que coincide com a Palavra de Deus é um livro incriado e que nos é

inacessível.153 Ao propósito do nosso estudo, interessa apenas ressaltar a

necessária reinterpretação que cada tradição religiosa precisa fazer enquanto

peregrinar na história.

No caso do cristianismo, pode-se dizer também que a interpretação

coincide com o ato do nascimento da religião cristã como tal. O corpo escriturário

151 GEFFRÉ, C. “Révélation chrétienne et révélation coranique”, art. cit., p. 244. 152 Id. Ibid., 244. 153 Id. Ibidem. Para maior aprofundamento desta temática refletida a partir da tradição muçulmana, Geffré remete à obra de M. Arkoun, Ouvertures sur L’Islam. Paris: Jacques Grancher éditeur, 1989.

77

do Novo Testamento condensa, mas não encerra, os diversos testemunhos

suscitados pelo acontecimento Jesus Cristo. Eis porque resulta problemática uma

identificação do cristianismo como uma religião do livro. Isso fica mais claro

quando comparamos cristianismo e islamismo. Se para o islamismo o Corão é a

Palavra definitiva, para o cristianismo esse status cabe ao próprio Jesus Cristo

como a Palavra de Deus encarnada. Por outro lado, as Sagradas Escrituras cristãs

não se remetem apenas a uma comunidade interpretante como é o caso do

judaísmo e do islamismo, mas a um outro pólo ausente e, ao mesmo tempo,

presente, a saber: o Ressuscitado, que coincide com todos os momentos da

história humana.154

Ao tratar do conceito de revelação, Geffré afirma que este é um conceito

plural, sempre dependendo do sistema religioso onde ele se verifique. Mas, a

despeito dessa diversidade, ele aponta sempre para uma transcendência que, de

alguma forma, interage com a consciência humana como fonte exclusiva de

sentido. Eis porque a revelação é sempre correlativa de uma experiência religiosa

específica, que se pode chamar crença, fé ou sentimento religioso. No contexto

cristão, pode-se dizer que a fé é a condição de possibilidade da revelação e que a

fé designa o conteúdo mesmo da revelação.155

Está sempre implícita na noção de revelação uma irrupção do divino no

espírito humano que se percebe atraído para os fundamentos de sua existência.

Para bem se compreender a originalidade de uma experiência religiosa, é preciso

superar a oposição entre o objetivo e o subjetivo. A revelação não se identifica

com a comunicação de um saber objetivo, mas ela é também mais que a

descoberta da profundidade de nossa existência. Mesmo tomando cuidado com as

analogias, é importante constatar que toda existência humana comporta

experiências que apresentam algo que uma reinterpretação meramente subjetiva

não dá conta de explicar. Sobretudo na experiência do amor e na experiência

estética vivenciamos qualquer coisa que transcende nossa experiência e nos

remete a uma nova descoberta da realidade que nos cerca. Interpretação e

experiência estão intimamente ligadas. Mas a interpretação é sempre ato segundo,

154 GEFFRÉ. C. “Révélation chrétienne et révélation coranique”, art. cit., p. 245. 155 Id. “Révélation et Révélations”. In: Encyclopédie des Religions. Paris: Bayard Éditions, Tomo II, 1997, p. 1415-1424, aqui p. 1415.

78

pois faz referência à irrupção de qualquer coisa “nova” que surge na trama de

nossas vidas.156

A revelação é sempre indireta: ela se deixa perceber através dos sinais que

a acompanham. A história das religiões mostra que estes sinais podem ser

diversos. A manifestação do sagrado pode se dar através de acontecimentos

históricos, de objetos, de ritos ou personagens sagrados, de um livro ou de uma

palavra profética. Cada religião, portanto, experimenta uma tensão entre essa

irrupção do divino, naquilo que ele tem de incondicional e inacessível, e as

mediações dessa revelação. A idolatria resulta da identificação de tal ou qual

objetivação do sagrado com aquilo que ele tem de propriamente infinito. Disso

resulta a variada tipologia que as religiões apresentam. Geffré, então, insiste na

necessidade de compreender a revelação em sentido estrito.

A experiência religiosa de Israel traz algo de novo à história religiosa da

humanidade. Nas religiões ditas “pagãs”, Deus ou os deuses se tornavam

presentes aos homens mediante os sinais sagrados misturados no cosmos e nas

coisas criadas, ou então na interioridade mística da consciência religiosa. A

originalidade da revelação bíblica consiste em acentuar mais a Palavra e a

Escritura, ou seja, a importância conferida às mediações históricas. Uma revelação

em sentido estrito se desenvolve necessariamente a partir da palavra de um sujeito

divino que fala e da voz prolongada nas Escrituras consideradas como

testemunhas privilegiadas. A religião de Israel introduz uma polaridade nova na

esfera religiosa: uma palavra recebida da divindade para provocar uma ação

historicamente concreta. O Deus de Abraão, Isaac e Jacó não é o Deus da

natureza, mas o Deus da história. Não é o Deus da fecundidade ou da

imortalidade, mas o Deus que faz bem todas as coisas e que faz aliança com seu

povo. A divinização do mundo ou a sacralidade da natureza recuam diante da

importância dada à Palavra, à vinculação ética ou à história.

No judaísmo, a idéia de revelação designa a ação de Deus na história. Ela

não é uma revelação imediata, no sentido de que seria composta por palavras

pronunciadas por Deus mesmo a um redator puramente passivo. Deus se revela

nos acontecimentos da história, que já são Palavra de Deus. Toda a história é santa

porque Deus está presente e agindo nela.157

156 GEFFRÉ, C. “Révélation et Révélations”, art. cit., p. 1416. 157 Id. Ibid., p. 1417.

79

No cristianismo, a revelação está concentrada numa Pessoa: Jesus de

Nazaré. Para o cristianismo, o livro da Bíblia não se fecha sobre si mesmo e não

se autojustifica. A Escritura Sagrada sempre reenvia àquele que é seu sentido

último: Jesus Cristo, a revelação pessoal de Deus.

Geffré afirma que a originalidade cristã está em que os dois pólos

identificáveis também no judaísmo e no islamismo - o Povo e o Livro - são

remetidos a um terceiro pólo, ao mesmo tempo, ausente e presente: o

Ressuscitado, que coexiste com todos os momentos da história. Isso permite que

se supere uma concepção puramente linear do tempo. Dessa forma, o Corpo das

Escrituras é indissociável do Corpo do Ressuscitado e da Igreja, que também é seu

Corpo. Há, então, uma relação dialética entre os três termos: Jesus Cristo, a Igreja

e a Bíblia. Jesus é a resposta definitiva do Pai ao ser humano e resposta total do

ser humano a Deus. A Igreja é a comunidade reunida por ele e que atualiza sua

memória. É na Bíblia que a comunidade eclesial toma consciência mais profunda

de sua própria identidade.158

Assim, para o cristianismo é impossível atribuir a uma escritura a única

mediação entre Deus e o ser humano. A fé cristã confessa que a Palavra se fez

carne. Este é o grande acontecimento da história da salvação. Deus não se fez

presente aos homens somente através da proclamação de uma palavra, mas por

uma automanifestação, pela irrupção do invisível no visível. Este é o primeiro e

mais importante nível da revelação da Palavra de Deus.

Mas a Palavra se revela também de forma escrita. A isso se chama

Sagradas Escrituras. Elas reúnem o conjunto dos testemunhos suscitados pelo

mistério da vida, morte e ressurreição de Cristo. O Corpo das Escrituras Sagradas

cristãs seria letra morta sem a interpretação da Igreja, sob a guia do Espírito

Santo. Nessa convicção se fundamenta a noção de Tradição no cristianismo.159

Nas três religiões nascidas de Abraão, a revelação tem sua origem no

silêncio de Deus, diz Geffré.160 O silêncio de Deus, que pode ser visto como um

escândalo, é um chamado a sublinhar a originalidade da revelação judaico-cristã

em seu face a face com outras tradições religiosas. O Deus da revelação bíblica

não se impõe por sinais e prodígios, mas provoca o ser humano a buscar por Ele

158 GEFFRÉ, C. “Révélation et Révélations”, art. cit., p. 1418. 159 Id. Ibidem. 160 Id. Ibid., p. 1420.

80

mesmo. Paradoxalmente, poder-se-ia dizer que Deus se revela mais por seu

silêncio do que por suas palavras. A Palavra de Deus não atinge o ser humano de

forma violenta, antes é o silêncio de Deus que expõe o ser humano às suas

próprias questões. Por isso, a Bíblia não pode ser lida como um receituário ou

como um catálogo das respostas de Deus às nossas questões, mas como um

conjunto de testemunhos dos crentes que buscaram a Deus às apalpadelas e,

mesmo assim, não hesitaram em expor-lhe suas questões. A Bíblia testemunha,

então, não somente as questões postas pelos seres humanos crentes, mas também

o processo da busca de Deus empreendida pelos seres humanos.161

1.2. A especificidade histórica do cristianismo

Segundo a concepção bíblica, somente considerando a história é possível

perceber o alcance da Revelação de Deus. O Deus de Israel é o Deus da história,

não somente do cosmos, é um Deus voltado para o futuro. A religião de Israel é

essencialmente uma religião da promessa da salvação de Deus. O Êxodo é o

acontecimento paradigmático dessa ação divina. Deus age antes de falar. Deus

escreve uma história antes de um livro. E no vértice da Revelação, ou seja, da

automanifestação de Deus aos homens, Jesus Cristo é inseparavelmente um

acontecimento histórico e um acontecimento da palavra. É o homem Jesus de

Nazaré, seus gestos e palavras; também o que se disse sobre ele, e o que ele

continua a dizer nos sucessivos momentos históricos que necessita ser

considerado. Essa noção bíblica e histórica da Revelação nos permite manter

distância de uma concepção exclusivamente nocional da Revelação, identificada

com um conjunto de verdades sobrenaturais. A Revelação traria, então, uma

informação que seria mediada pela Igreja sobre certo número de verdades

concernentes a Deus e ao ser humano. Ora, a Revelação não é apenas um

ensinamento teórico composto de múltiplos ensinamentos, mas uma ação do Deus

desejoso de estabelecer relações com o ser humano, até atingir sua plenitude na

pessoa, nas palavras e nas ações de Jesus Cristo.

Devido a esse pressuposto irrenunciável de historicidade, é necessário que

se reconheça uma estrutura fundamental capaz de distinguir, sem separar, o

161 GEFFRÉ, C. “Révélation et Révélations”, p. 1421.

81

mistério inefável da Palavra de Deus e as expressões humanas e históricas desta

Palavra. Trata-se de construir uma situação hermenêutica que seja capaz de ler os

textos sagrados para tirar deles o que realmente é normativo para a fé e os

costumes. Seja qual for a fonte que se atribua ao texto sagrado (ditado diretamente

por Deus, o carisma de um profeta ou a inspiração divina a um redator) é preciso

considerar a passagem da Palavra ao texto escrito. A Palavra originária em

hebraico, grego ou árabe está irremediavelmente perdida. Por isso não se pode

ascender automaticamente de um texto fixado graficamente até seu pretenso

sentido originário.

Aqui emerge a importância da Tradição como instância interpretativa. Se,

como considera o cristianismo, a Tradição é viva e dinâmica, ela tem que trazer

sempre uma novidade. Devido a uma experiência histórica sempre nova, o

passado precisa ter uma recepção ativa. A tradicionalidade circula numa dialética

sutil entre o espaço da experiência que nos precede e que nos liga a gerações

anteriores, e um horizonte histórico sempre inédito.162 Portanto, o cristianismo,

enquanto religião revelada, também não pode excluir-se do fato de que a

mensagem transmitida de geração a geração é sempre a tematização de uma

experiência originária. Como reviver essa experiência originária em outro

contexto histórico sem reinterpretar a mensagem que permanece semanticamente

idêntica?

Essa dificuldade é mais clara ainda para uma religião como o cristianismo,

legitimamente herdeiro do sentimento de eleição da primeira Aliança e também

vocacionado à universalidade. Uma visão obtusa da eleição-aliança trouxe não

poucos problemas ao cristianismo ao longo dos séculos, exatamente pela falta de

clareza do em que consiste tal universalidade. Cremos que, historicamente,

contribuiu para isso certa leitura feita da virada constantiniana que atribuía à

providência de Deus a vitória política do cristianismo no século IV como um

prenúncio de sua verdade universal. Outra convicção importante era de que não

havia nada de errado em impor pela lei a verdade universal. Teologicamente essa

convicção se apoiava na certeza de que o reconhecimento de Cristo como salvador

era inseparável da pertença visível à comunidade que o testemunha. Restava

162 GEFFRÉ, C. “Révélation chrétienne et révélation coranique”, art. cit., p. 248 – “En fonction d’une experience historique toujours nouvelle, il n’y a pas d’efficience du passé sans reception active du passé”.

82

explicitar quais os níveis possíveis dessa pertença. O desfecho desse processo foi

a cristandade como representação legal e social da proeminência da Igreja e de sua

legitimidade em dizer a verdade teórica e prática sobre o imprescindível para a

realização plena do ser humano em todo tempo e lugar.163 Freqüentemente a

universalidade prática do cristianismo se confunde com sua organização visível,

mediação obrigatória para o encontro com Jesus Cristo. Ao se tratar de uma

norma objetiva, ela desconsidera qualquer outra que se lhe apresente.

Isso é sério quando o cristianismo se encontra com outras culturas e

religiões. Ao não se vislumbrar nenhum rasgo de positividade nos outros, não

resta outra saída senão a conversão deles. Ocorre que a condição da conversão às

vezes é mais onerosa do que a própria conversão, já que se impõe renunciar à

própria história e à própria cultura. Ao falar da relatividade histórica do

cristianismo, Geffré aponta para outra maneira de se conceber sua

universalidade.164 Nenhuma realidade humana consegue encarnar o ideal. Nesse

sentido, a dispersão do divino, própria ao contexto plurireligioso de hoje, pode ser

vista de maneira benéfica. Admitir uma relação autêntica com Deus fora das

margens históricas do cristianismo implica em rever o que ainda pode se entender

como o universal cristão. O pluralismo religioso atual nos convoca a concebermos

a universalidade cristã, da qual estamos convictos e a qual não devemos

abandonar, em termos de respeito pela legítima alteridade das outras tradições

religiosas. O específico da universalidade histórica do cristianismo estaria na sua

situação semper reformanda165, o que não lhe permitiria fechar-se sobre si mesmo.

1.3. A originalidade da salvação cristã

A Declaração Nostra Aetate afirma: “Por meio de religiões diversas

procuram os homens uma resposta aos profundos enigmas para a condição

163 DUQUOC, Ch. “O cristianismo e a pretensão à universalidade”. In: Concilium 155 – 1980/5 p. 634-686, aqui, p. 636. 164 GEFFRÉ, C. “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”. In: Penser La Foi, op. cit., p. 362 – “De même que l’Eglise n’intègre pás et ne replance pas Israël, il est permis d’avancer que le christianisme n’intègre pas et ne remplance pas les richesses authentiques des autres traditions religieuses. 165 DUQUOC, Ch. “O cristianismo e a pretensão à universalidade”, art. cit., p. 639: “O universal é constituído no particular da obra, desde que dê chance de nascer a outras obras. É precisamente seu limite como chance para uma outra obra que constitui sua marca de universalidade”. Essa idéia se aproxima muito do que propõe Geffré.

83

humana, que tanto ontem como hoje afligem intimamente os espíritos dos

homens”. (NA 1). Essa busca tão significativamente profunda do ser humano deve

ser considerada seriamente no contexto sociocultural hodierno. Esse tempo

marcado pela globalização e por um individualismo apresentado como algo cada

vez mais valioso, faz surgir também experiências religiosas influenciadas por tais

valores. Afirma-se sempre mais o que alguns estudiosos chamam de “religião à la

carte”, 166 marcadamente emocional e intimista, cuja principal característica é a

relativização dos elementos institucionais e das tradições normativas. O critério

único seria a autenticidade da experiência na busca de realização plena da

pessoa.167

Como já assinalamos acima, a palavra salvação é cheia de ambigüidades.

Principalmente porque sua origem judeu-cristã a refere sempre a um salvador. Ao

admitir-se que mesmo as religiões não teístas podem ser caminhos de salvação

para seus membros, ao menos salvação no sentido de libertação ou transformação

da existência humana, alguns problemas se colocam.

Geffré diz que uma teologia cristã das religiões não pode contentar-se com

uma mera análise comparativa entre elas.168 Também não pode ceder à tentação de

fechar-se numa atitude apologética estreita que não permita considerar a diferença

irredutível de cada tradição religiosa e nem discernir seus valores salvíficos.

Reconhecer o valor da diferença permite assimilar os valores dos outros ao invés

de considerá-los apenas como degradações ou preparações remotas para a

acolhida da versão normativa de toda a religião, que é o cristianismo. É preciso

levar em conta cada elemento religioso particular, quer seja de ordem doutrinal,

cultual ou ética, dentro da globalidade do sistema religioso ao qual pertença. Por

isso, se algum comparatismo entre as religiões é possível, ele não deve ser feito

em termos de elementos estruturais. É muito mais fecundo buscar as

aproximações em termos de analogia quanto à maneira como cada religião

compreende o que chamamos salvação. Do ponto de vista antropológico, a

166 O termo “religião à la carte”, com todas as suas variantes, foi proposto por renomados estudiosos franceses como Champion, F. “Religieux flotant, écletisme et syncrétisme”, in: DELUMEAU, J (dir.) Le Fait Religieux. Paris: Fayard, 1993, p. 741-771. E também por Hervie-Léger, D. La Religion pour Mémoire. Paris: Cerf, 1993. Outro texto emblemático dessa autora é “Les manifestations contemporaines du christianisme et la modernité”, in: VVAA. Christianisme et modernité. Paris: Cerf, 1990, p. 295-316. 167 GEFFRÉ. C. “Un salut au pluriel”. In: Lumière et Vie. Nº 250, avril-juin, 2001, p. 21-38 168 Id. “Le comparatisme en théologie des religions”. In: BOESPFLUG, F e DUNAND, F. (dir.) Dans le comparatisme en histoire des religions. Paris: Cerf, 1997, p. 415-431.

84

aspiração à salvação se enraíza no desejo mais profundo do espírito humano em

sua busca por uma Alteridade. Sem prejulgar a existência ou não dessa Alteridade,

é superficial dizer que esse fenômeno humano deve-se apenas a certa carência ou

alienação. Nosso autor considera que a religião é a resposta a um chamado

misterioso. Sua origem é o transcendente e não apenas o imanente como começo e

fim.169

Afirma ainda que uma das causas da sedução que outras religiões exercem

sobre os cristãos atuais é a carência de uma boa catequese. O pouco conhecimento

das riquezas da salvação cristã, aliado à crescente perda de credibilidade de um

cristianismo mais ensinado que praticado, também serve para ilustrar essa

afirmação. Não é o caso aqui de estudar de maneira rigorosa as diversas ofertas de

sentido e de salvação oferecidas pelas outras religiões. Correr-se-ia o risco de

simplificar ou de sacrificar certas nuances fundamentais. Como nosso propósito é

investigar a singularidade cristã diante do pluralismo religioso a partir da teologia

de Geffré, cremos ser suficiente registrarmos aqui uma hipótese formulada por

esse autor: o homem ocidental contemporâneo, inserido nesse universo

plurireligioso, desejoso de uma experiência religiosa autêntica, busca nas outras

religiões uma salvação sem mediação, uma salvação que seja uma arte de viver o

cotidiano e uma salvação pessoal e solidária.170

As religiões monoteístas atribuem à salvação um caráter teologal. Deus

toma a iniciativa, mas o ser humano precisa responder livremente. É Deus quem

salva. Ora, muitos de nossos contemporâneos não consideram necessária qualquer

mediação para elaborarem sua própria maneira de pensar o Absoluto. De outro

lado, ao se conscientizarem de sua condição terrestre, de sua precariedade

biológica, de suas limitações históricas, eles buscam uma forma de superação

disso tudo. Freqüentemente apelam para uma espécie de intervenção exterior de

Deus com esse objetivo.

A partir daí pode-se entender como uma religião tal qual o budismo é tão

bem aceita no ocidente. O budismo se apresenta como uma medicina de salvação

que liberta não do pecado, mas da finitude humana. Isso se faz sem apelo à

mediação de uma ajuda ou de alguma outra fonte exterior ao homem. É um

caminho de salvação sem Deus, uma salvação não teologal. Não é um ateísmo no

169 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 24. 170 Id. Ibid., p. 25

85

sentido de negação de toda transcendência e da afirmação da auto-suficiência do

homem. O esforço ascético budista não liberta por ele mesmo. Ele consiste em

descobrir o que sempre esteve dentro do homem. O caminho budista pode

somente possibilitar a irrupção do nirvana. O Buda não é um salvador. Ele mostra

o caminho da salvação. A salvação que se aspira não é somente a libertação do

sofrimento e da culpabilidade, mas de tudo o que se refere à nossa

condicionalidade. Aos olhos de certos contemporâneos nossos este caminho da

sabedoria budista pode aparecer mais viável do que uma existência marcada pela

fatalidade do pecado e de um perdão sempre renovável. Geffré diz que o budismo

será a maior provocação religiosa para o homem do terceiro milênio, tão marcado

por um contexto de violência, guerras, enfermidades e sofrimentos tão diversos.

Para esse homem, a visão de um Buda pacificado pode fascinar mais do que a

visão do Cristo crucificado.171

Mesmo para numerosos cristãos, a experiência religiosa resume-se na arte

de viver o cotidiano. Uma concepção de salvação como uma vida eterna ou como

a ressurreição depois da morte, como ainda apresentam certas catequeses, começa

a soar estranho. Em nossos dias, uma salvação que se apresente como uma arte de

viver que ajude a assumir a vida no mais ordinário do cotidiano parece mais

sedutora. A salvação oferecida pelas religiões monoteístas não tem somente uma

dimensão teologal, mas também uma dimensão escatológica. As religiões

consideradas messiânicas como o judaísmo e o cristianismo vivem sempre sob

tensão do “Já” e do “Ainda não” do Reinado de Deus. Mesmo o Islã, que não é

propriamente uma religião messiânica, fala em termos de uma retribuição no

paraíso à pessoa que leva uma vida correta. No entanto, as grandes religiões

orientais, chamadas religiões da imanência quando comparadas com outras

religiões que apelam para uma transcendência, apresentam também, sob várias

nuances, uma tensão entre uma salvação intramundana e uma salvação

extramundana. Mesmo o complexo quadro religioso chinês aponta para um

caminho de sabedoria que ultrapassa a esfera unicamente moral da existência sem

ser explicitamente religioso. O caminho de salvação por excelência, segundo a

171 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 27.

86

religião chinesa, 172 é a busca do caminho reto e da bondade, algo já marcado no

coração do homem, que o faz conduzir-se pela terra rumo ao céu. Na ordem do

agir humano, o famoso Tao, ou a Via dá mais importância à mística e à ascese do

que à sabedoria. A verdadeira sabedoria, segundo o Tao, é um não-saber, um não-

agir, certo deixar-ser. A salvação vinculada ao cotidiano consiste em fazer chegar

ao homem a sua verdade. Uma vida feita de altruísmo e de bondade. Alcançar

uma vida santa sem apelar diretamente à divindade. Proposta muito sedutora para

nossos dias.173

As grandes religiões orientais propõem uma salvação pessoal e solidária.

De fato, pondera nosso autor, certa maneira de apresentar a salvação cristã em

termos excessivamente sobrenaturalista e individualista empalideceu sua

profundidade. Uma salvação pessoal que não mude em nada a situação precária

em que se encontra grande parte dos homens e mulheres é posta em xeque por

aqueles que percebem um hiato entre o que propõem os programas das

instituições religiosas ocidentais e a ineficácia prática em socorrer os mais pobres

dessa terra. É preciso entender a salvação pessoal e solidária, não somente com os

semelhantes, mas também com o meio ambiente e com todo o universo, como

uma característica marcante das religiões orientais. Diante das ameaças do caos

que se vislumbra como conseqüência do aquecimento global, uma proposta

salvífica precisa alcançar proporções cósmicas. Talvez o fascínio das religiões

orientais no Ocidente cristão deva-se ao fato delas, no seu conjunto, não serem tão

dualistas. Deva-se também ao fato de não apresentarem uma distinção entre a

alma e o corpo, entre o ser humano e o restante do universo, entre o ser pessoal e

alma do mundo. O ínfimo como o infinitamente grande, o corpo humano e o

corpo do mundo participam da mesma energia cósmica.

Para o budismo e para o hinduísmo, por exemplo, essa inter-relação entre

tudo o que existe se traduz na compaixão ao se olhar todos os seres vivos num

sentido não-antropocêntrico. No taoísmo em particular, o indivíduo é

ontologicamente ligado à sua família, por isso ele não é salvo independentemente

de seus ancestrais. As faltas dos ancestrais recaem sobre seus descendentes. Ao

172 Não é nosso propósito aprofundar aqui todas as nuances do complexo religioso chinês. Apenas apresentamos uma síntese dos desafios que as religiões orientais, em especial as de matriz chinesa, trazem para o Ocidente cristão. O que chamamos sinteticamente religião chinesa é o resultado complexo do encontro entre o taoísmo, o budismo e o confucionismo. 173 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 29.

87

mesmo tempo, os descendentes podem contribuir para a salvação dos ancestrais

através de atos meritórios e de ritos apropriados. Já no hinduísmo a salvação

integral do homem consiste em fusionar o seu corpo e a sua alma com a força

divina que anima o mundo. A sabedoria chinesa considera o ser humano como um

verdadeiro microcosmo. Não há uma salvação individual que não seja ligada com

a harmonia universal do mundo. Essa solidariedade profunda que existe entre tudo

o que vive é uma característica de grande valor nas religiões orientais. Não existe

uma salvação individual fora dessa inserção orgânica na totalidade do universo.174

Essa breve descrição da diversidade e da riqueza das vias de salvação

propostas pelas religiões orientais deve nos incitar a recolocarmos as bases da

pretensão cristã como detentora da única via de salvação verdadeira. Tal pretensão

é muitas vezes vista como exorbitante e mesmo insultante pelas outras religiões.

Que resposta uma teologia cristã das religiões pode dar a esse problema? Geffré se

propõe a contribuir com essa resposta em duas etapas: a partir da fé recebida dos

Apóstolos e que nos remete à universalidade da salvação de Jesus Cristo; e da

universalidade cristã que não pode servir como justificativa de monopólio do

cristianismo ou da Igreja em ordem da salvação.175

A fé recebida dos Apóstolos nos assegura que somente Deus salva. Mais:

somente Jesus Cristo é a realização plena da vontade divina de salvar o ser

humano. Em Jesus Cristo, a aliança eterna e definitiva de Deus com a humanidade

se cumpriu, e Deus concretizou sua vontade de fazer com que todos os homens

participassem da filiação divina de Jesus. No entanto, mesmo se ao longo dos

séculos a Igreja reivindicou uma universalidade que não se apartava da de Cristo,

é preciso cautela em identificar a universalidade do Cristo com a universalidade

do cristianismo como religião histórica. De fato, como já apontamos no capítulo

precedente, nosso autor considera a centralidade do mistério da Encarnação como

chave hermenêutica imprescindível ao diálogo inter-religioso. Mas, os cristãos e a

Igreja não são os proprietários nem de Deus, nem de sua salvação. Eles são

somente testemunhas do Reinado de Deus que já veio em Jesus Cristo e que vem

174 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 30-31. 175 Id. Ibid., p. 31.

88

aos corações humanos e à história que acontece além das fronteiras

eclesiásticas.176

Considerada assim a unicidade da mediação de Cristo, é possível

reconhecer as experiências salvíficas das outras religiões como sinais ou

mediações da vontade universal de Deus que abarca toda a história. Uma história

nunca privada da presença do Verbo de Deus e dos dons do Espírito Santo. Uma

história que testemunha a busca recíproca de Deus e do ser humano. Por isso tudo,

pode-se falar de “valor salutar” presente nas outras religiões, que, segundo as

palavras da João Paulo II, “tiram seu sentido e seu valor unicamente da mediação

de Cristo” (RM 5).

Enquanto produtos humanos, as religiões do mundo não estão isentas de

ambigüidades. Alguns de seus elementos constitutivos podem até servir de

obstáculos à plena manifestação da graça. Mesmo assim, é possível estabelecer

algum critério objetivo de discernimento das sementes de bondade, de verdade e

de santidade presente nelas. As religiões devem favorecer o descentramento de si,

aliado à abertura a uma Alteridade transcendente e ao mesmo tempo à alteridade

do outro. É esse o critério objetivo. Considerando a existência dessa Alteridade,

essa busca não pode ser definida como simples projeção a partir da experiência de

uma carência. Uma religião que possibilite isso pode ser considerada como uma

mediação possível para uma autêntica experiência salvífica. Toda experiência

religiosa autêntica tem qualquer coisa de pascal, ao menos no sentido que ela

implica certa morte de si. Como somente Jesus Cristo é o fundamento último da

salvação, pode-se também dizer que, respeitada a parte irredutível de cada

religião, elas trazem em si valores crísticos que somente serão recapitulados no

último dia. Ou seja: nenhuma religião pode ser autêntica sem essa referência

última ao mistério da páscoa de Jesus Cristo. Isso pode ser ilustrado por essa bela

afirmação do Vaticano II: “Com efeito, tendo Cristo morrido por todos, e sendo

uma só a vocação última do homem, isto é divina, devemos admitir que o Espírito

Santo oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido por

Deus, a este mistério pascal” (GS 22).

176 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 32 – “Les chrétiens dans l’Église ne sont les propriétaires ni de Dieu ni du salut. Ils sont seulement les témoins du Royaume de Dieu advenu en Jésus-Christ, tout en sachant que Royaume advient dans les coeurs et dans l’histoire bien au-delà des frontiers de l’Église”.

89

O irredutível de cada religião não é necessariamente um implícito cristão.

É um irredutível diferente, mesmo mantendo uma relação misteriosa com Cristo.

É uma virtualidade do mistério de Cristo, mas o mistério da diferença entre as

religiões permanece inteiro. Ele somente será clarificado em termos escatológicos.

O processo histórico do diálogo inter-religioso visto a partir do cristianismo visa

reinterpretar a salvação cristã em vista de uma melhor compreensão das outras

ofertas de salvação. Isso poderá nos ajudar a estender certas virtualidades da

salvação cristã para além de suas expressões históricas.177

O diálogo inter-religioso deve levar a uma melhor compreensão da crença

do interlocutor no respeito à sua diferença própria, mas também na fidelidade à

sua própria identidade. O diálogo deve ir além dele mesmo, possibilitando a cada

uma das partes uma transformação da visão que cada uma tinha de si mesma e da

outra. Uma das conseqüências será perceber certas equivalências juntamente com

diferenças insuperáveis. Quer dizer: é preciso aceitar que o outro tenha sua própria

verdade e considerar legítimo o seu direito a testemunhá-la. Uma boa teologia das

religiões não pode se contentar em apenas “apreciar” a fé e os limites respectivos

das outras religiões.178 Ela terá que ser uma teologia dialógica, motivada a mostrar

seriamente essa realidade transreligiosa que é a salvação. Essa abertura pode ser

ocasião de melhor compreender nossa noção cristã de salvação.

A salvação cristã é primeiramente um dom gratuito. É uma justificação

além dos méritos humanos. Nossa maneira habitual de pensar nos leva a conceber

uma noção utilitarista da salvação, onde Deus aparece mais como “meio” do que

como causa da salvação. Essa função utilitarista precisa ser superada.179

Além de ser dom gratuito, a salvação cristã também é libertação integral

do ser humano. A salvação compreende a redenção do pecado, a reconciliação

com Deus e o dom da vida eterna. A doutrina bíblica da criação pronuncia um

juízo positivo da condição humana como existência histórica. Não é um mal ser

uma criatura finita e a temporalidade ser o lugar da redenção. A salvação de Jesus

Cristo resulta em uma nova criação e a sua ressurreição não é somente a vitória

sobre a morte no fim da vida, ela é também a vitória sobre todas as negatividades

177 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit. p. 33. 178 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 234 – “Or on sait bien que chaque élément religieux particulier, qu’il soit d’ordre doctrinal, cultuel ou éthique, ne prend son sens que ressaisi dans La globalité du système auquel il appartient”. 179Id. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 35.

90

da condição humana que são as alienações, o sofrimento psíquico e moral, a

ignorância, a culpabilidade, a solidão e a decrepitude já no tempo presente. A

salvação cristã é uma espécie de “sanação” que restitui o projeto criador original

de Deus sobre o ser humano. Dessa forma, a salvação integral é não somente a

reconciliação do pecador com Deus, mas a reconciliação da criatura com ela

mesma e com o conjunto da criação.180

A salvação cristã pode ainda ser compreendida como solidariedade entre

Deus e o ser humano. Hoje uma questão intrigante é: como justificar Deus na

presença lancinante do excesso do mal no mundo? Uma teologia que insistisse

menos na redenção do pecado do ser humano e mais na solidariedade de Deus na

cruz de Cristo com o sofrimento humano ajudaria a esclarecer essa questão. Um

artigo emblemático de nosso autor da década de 1980 já apontava nesta direção

O Deus da ciência onto-teológica é o Deus da identidade, da coincidência consigo mesmo, da perfeição não afetada por qualquer alteridade, da auto-suficiência e da contemplação de si. A vida de Deus que se revela em Jesus Cristo é uma vida diferenciada. [ ] A loucura do logos da cruz (1Cor 1,18) é a última palavra sobre o Pai de Jesus. No momento em que Jesus renuncia à presença de um Pai idealizado, ao fazer a experiência de seu silêncio e de sua ausência, o próprio Deus manifesta sua solidariedade com o sofrimento e com a morte do homem. Dá a prova de diferir radicalmente do Deus todo poderoso e apático da tradição filosófica....Deus renuncia às suas prerrogativas para apagar-se na humanidade do crucificado....Mas devemos ir até o extremo de uma teologia da cruz, se quisermos fazer brilhar a novidade do Deus Pai de Jesus, tanto no que diz respeito ao Deus da razão quanto ao Deus de Israel, embora não se trate de um outro Deus.181

Somos convidados, então, a aprofundar a singularidade cristã à luz da cruz.

A cruz tem um valor simbólico universal. Não é possível manter a identidade

cristã no diálogo inter-religioso fora da cruz de Cristo como figura do amor

absoluto de Deus. Jesus não foi morto somente para expiar nossos pecados, mas

para manifestar o excesso de amor de Deus em resposta ao excesso do mal. Essa

concepção guarda certa semelhança com a compaixão budista ou com a não

violência hindu para vencer a violência humana. Mas é nas fontes bíblicas que

essa noção de salvação cristã encontra sua raiz. O conjunto da tradição judaica

testemunha que a redenção prometida a Israel seria um acontecimento público que

se produziria na cena da história e no coração da comunidade judaica. É certo que

180 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit., p. 36. 181 Id. “Pai – Nome próprio de Deus”. In: Concílium 163 – 1981/3, p. 50-59, aqui p. 56 e 59.

91

a salvação cristã nem sempre insistiu em sua relevância para o mundo. Mas,

principalmente no século XX, sobretudo graças às teologias da libertação, a Igreja

redescobriu, na sua fidelidade ao messianismo de Jesus, que tem uma

responsabilidade histórica quanto à libertação integral do ser humano.182

Nossos contemporâneos são conscientes do caráter irrisório de uma

salvação individual que não leve em conta o lado trágico da história humana. Uma

salvação solidária implica também nossa parceria com Deus na sua luta contra as

forças do mal. Essa experiência solidária da salvação leva o ser humano a não

somente apelar a Deus quando as coisas vão mal, mas a juntar-se a Ele e ajudá-lo

em seu combate em nosso favor.

Por fim, Geffré afirma que a unicidade do cristianismo é a unicidade de

um devir, não de uma totalidade já construída, mas de um devir feito de

consentimento e de serviço. Diz nosso autor:

São, portanto, as próprias exigências do diálogo inter-religioso que nos convidam a encontrar a diferença cristã. Diferença sempre tem a ver com a tensão entre o logos grego e o logos da cruz. Segundo seu gênio próprio, o cristianismo não é comparável a nenhuma outra religião, na medida em que se define essencialmente em referência ao Evangelho, isto é, pela transposição da letra pelo espírito, pela distância em relação a toda lei, a todo código, mesmo religioso, que pretenderia justificar o ser humano por ele mesmo. [ ] É no paradoxo de Jesus crucificado e glorificado que o cristianismo cumpre os valores positivos das outras religiões,valores que podem ter sido suscitados pelo próprio Espírito de Deus.183

2. A singularidade do cristianismo como religião do diálogo

O esforço de Claude Geffré é ajudar a delinear uma teologia pluralista das

religiões. No entanto, antes de fundamentar sua reflexão num teocentrismo

generalizado, ele insiste em partir da mensagem cristã propriamente dita, a saber:

a manifestação de Deus na particularidade histórica de Jesus de Nazaré, como a

prova do caráter não imperialista e dialogal do cristianismo. É justamente porque

o cristianismo reivindica legitimamente ser a religião da revelação final que as

diferentes configurações históricas que assumiu não podem definir a sua essência

como religião da revelação última sobre Deus. Dessa forma, abre-se um espaço

182 GEFFRÉ, C. “Un salut au pluriel”, art. cit. p. 38. 183 Id. Crer e Interpretar, op. cit. p. 171.

92

para a necessária desabsolutização do cristianismo como religião histórica.184

Geffré prefere apresentar a singularidade do cristianismo a partir de três pistas

teológicas.

2.1. A dualidade de Israel e da Igreja

Em conformidade com o ensinamento do Concílio Vaticano II, a maior

parte dos teólogos que refletem sobre o lugar das religiões não-cristãs prefere

apresentá-las como “preparações evangélicas” que teriam sua realização plena na

religião da nova Aliança inaugurada por Cristo. Isso não é falso, mas devemos

reinterpretar essa noção de realização plena num sentido não totalitário e que

considere seriamente as outras religiões na sua diferença. Uma reflexão sobre a

dualidade Israel-Igreja pode ajudar em tal tarefa.185

A maioria dos teólogos aceita dizer seguindo o Vaticano II, que, mesmo a

despeito da reprovação divina pela não aceitação de Jesus como o Messias

prometido e esperado, Israel continua depositário das promessas de Deus. Afirma

taxativamente a Nostra Aetate

Testemunha a Sagrada Escritura que Jerusalém não conheceu o tempo de sua visitação; e que os judeus em grande número não aceitaram o Evangelho, sendo que não poucos opuseram obstáculos à sua difusão. Segundo o Apóstolo, no entanto, os judeus ainda são amados por causa de seus pais, porque Deus não se arrepende dos dons e da sua vocação. (NA 4.)

Assim, Israel representa um irredutível que não se deixa integrar à Igreja

durante sua peregrinação na terra.186 Por isso, pode-se afirmar que não há

contradição em dizer que as promessas feitas ao Povo de Deus se realizaram

plenamente na nova Aliança e que, no entanto, a Igreja não substitui Israel. Da

mesma forma, a Igreja é considerada sempre no Novo Testamento como a

realização plena do Antigo, mas isso não significa que ele seria desprovido de

184 GEFFRÉ, C. “La responsabilité de la théologie chretienne à l’âge du pluralisme religieux”. In: DEMAISON, M. (Dir.). La Liberté du Théologien. Paris: Cerf, 1995, p. 123-135, aqui p. 131 – “C’est justement parce que Le christianisme revendique à juste titre d’être la religion de la révélation finale qu’aucun des divers christianismes historiques depuis vingt siècles ne peut prétendre definir l’essence du christianisme comme religion de la révélation derniére sur Dieu”. 185 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 75. 186 Id. Ibidem.

93

sentido fora de seu fechamento. Quer dizer, a novidade do Evangelho é uma

“ruptura” que não abole a parte irredutível da Lei e dos Profetas.187 A ruptura

originária entre Israel e a Igreja nascente é um indício de um diálogo originário

que se inscreve na gênese do cristianismo.

Mesmo se tratando de uma analogia, é possível reportar ao início do

cristianismo, a partir dessa continuidade-descontinuidade com Israel, um modelo

exemplar para a situação atual, quando o Evangelho se encontra com as outras

religiões e culturas. Assim como a Igreja não aboliu os privilégios irredutíveis do

povo de Israel, ela não pode simplesmente integrar em si mesma as riquezas

autênticas das outras tradições religiosas. Esse é mais um argumento forte que o

autor usa a favor da afirmação de que há um pluralismo religioso de princípio que

revela o desígnio do Deus criador e libertador. Pode-se continuar falando em

termos de “recapitulação” de todas as religiões em Jesus Cristo, mas na condição

de que os valores salutares delas não sejam vistos como degraus inferiores e

transitórios, que desapareceriam completamente quando se deparassem com a

mensagem cristã. Cada experiência religiosa guarda qualquer coisa de irredutível

na medida em que pode ser suscitada pelo Espírito de Deus que sopra aonde quer.

Esses valores positivos não precisam ser abolidos, se consideramos que podem ser

metamorfoseados pela ação do Espírito de Cristo para que se tornem sempre mais

semelhantes ao Cristo mesmo.188 Essa confluência com o Mistério de Cristo,

porém, jamais será totalmente tematizada no cristianismo histórico. Daí não ser

possível confundir a universalidade de Cristo com a universalidade do

cristianismo como religião histórica.189

187 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 76. Em termos semelhantes em “La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 359. Também em “La responsabilité de la théologie chretienne à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 132. 188 Id. “La responsabilité de la théologie chretienne à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit. p. 132 – “Cela est certes légitme, mais à condition de ne pas entendre les ‘valeurs salutaires’ des ces religions comme des degrés inférieurs et transitoires qui disparaissent complètement quand elles trouvent leur accomplissement dans Le christianisme. Chaque figure religieuse garde quelque chose d’irréductible dans la mesure où elle a pu être suscitée par l’Esprit meme de Dieu”. Também em “The Word of God and Word Religions and Cultures”. Conference of Interfaith Dialogue (mimeo). Bangkok, Thailand, February – 2001, p. 9. 189 BRIGHENTI, A. “O gnosticismo na Igreja Antiga e na atualidade”. In: REB 267 – Julho 2007, p. 645: “É possível a salvação sem a fé em Jesus, mas jamais sem a fé de Jesus, isto é, sem haver praticado as obras de Jesus, mesmo sem sabê-lo”.

94

2.2. A dialética da cruz

A cruz de Jesus pode ser considerada como o fundamento último da

abertura do cristianismo às outras religiões na sua alteridade. A cruz é o símbolo

mais eloqüente para expressar como uma particularidade pode ter um alcance

universal. Jesus morre à sua particularidade para renascer na figura da

universalidade concreta, na figura do Cristo.190 É a kénose do Cristo de sua

igualdade com Deus que permite sua ressurreição no sentido mais profundo do

termo. A vida de Jesus pode ser descrita em termos de uma “existência para os

outros”. De fato, sua solicitude para com os pobres, pecadores e marginalizados

demonstra isso. Essa perene doação de si tem seu cume em sua entrega na ceia

eucarística (Mt 26, 26-28; Mc 14,24; Lc 22, 14-20; Jo 13, 1-17) e na sua morte de

cruz (Mc 15,39).

Essa solidariedade incondicional de Jesus Cristo com a humanidade é de

grande importância para uma fundamentação teológica do diálogo inter-religioso.

Os textos neotestamentários asseguram um sentido singular à morte de Jesus. Ela

não pode ser vista apenas como o resultado de uma vida humana empenhada na

solidariedade irrestrita para com as pessoas. Isso outras figuras históricas também

podem vivenciar. O sentido salvífico universal da morte de Jesus na cruz está no

fato de que ele o fez “por nós”, quer dizer, “em nosso lugar”, em vista de nossa

reconciliação definitiva com Deus. Porque viveu completamente voltado para

Deus e a serviço dos outros, somente Jesus poderia dar ao sacrifício da cruz uma

dimensão universal. Em resumo poderíamos dizer

[ ]que há uma continuidade entre a vida terrena e a morte violenta de Jesus, mas que o sentido pleno dessa morte não se esgota apenas como conseqüência histórica de sua ‘existência-para-os-demais’, se respeitamos de fato os textos neotestamentários. Intimamente relacionada a essa afirmação está a questão da consciência que teve Jesus de sua morte. Mesmo concedendo-se a possibilidade de interpretações plurais da morte de cruz, revela-se bastante implausível que o sentido do evento central de nossa salvação tenha passado despercebido ao próprio Jesus Cristo. 191

190 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit. p. 77 – “La Croix de Jésus a une valeur universelle. Elle est Le symbole d’une universalité toujours liée au sacrifice d’une particularité. Jésus meurt à as particularité pour renaître em figure d’universalité concrète, em figure de Christ”. Também “La responsabilité de la théologie chretienne à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 133. E em termos semelhantes e mais aprofundados em “Paul Tillich et l’avenir de l’oecuménisme interreligieux”, art. cit. p. 9-10. 191 MIRANDA, M. de F. O cristianismo em face das religiões, op. cit., p. 55.

95

A mediação salvífica de Jesus tem, então, um caráter totalmente peculiar.

Só a ele compete o título de Salvador único e universal, uma vez que, como Filho

de Deus encarnado, ele não é apenas a manifestação, mas a realização histórica do

amor incondicionado de Deus para com toda a humanidade. A encarnação do

Verbo não apenas implicou em assumir nossa condição humana, em não somente

solidarizar-se com os pobres e marginalizados, mas, sobretudo, em entregar a

própria vida por nós. “Na pessoa do Crucificado, aparece o compromisso

incondicionado de Deus conosco”.192

Numa vida assim como a de Jesus, o que pode haver de prepotência ou de

soberba? O que pode haver de autoritarismo em uma pessoa tão modesta e simples

assim? Que arrogância existe na figura de quem se fez tão radicalmente igual a

nós, tão radicalmente solidário com os pobres e marginalizados de todas as

espécies (Mt 25, 31-46)? O que pode ser opressivo num ensinamento como o do

Evangelho de Jesus que coloca a centralidade do amor ao próximo e de uma vida

reconciliada com todos acima de rituais e sacrifícios? Como uma vida como a de

Jesus pode ser um entrave para o diálogo com as outras religiões? São questões

que a teologia de Geffré pretende enfrentar e responder reconhecendo a pessoa de

Jesus Cristo não só como normativa, mas constitutiva da salvação.193 Por isso,

apresenta a cruz como um exemplo eloqüente de uma particularidade que chega à

proporção universal.

Esta dialética da particularidade (Jesus de Nazaré) e de seu

desaparecimento (morte de Cruz) para a abertura a um outro (o Cristo), sem

deixar de ser ela mesma, é importante para repensarmos o problema da articulação

entre a universalidade da mensagem cristã e o contexto plurireligioso em que nos

encontramos. Ao renunciar a toda absolutização na ordem da verdade e da

experiência religiosa, cada comunidade cristã e, por extensão, todo o cristianismo

entenderá sua singularidade em termos relacionais. Dessa forma, é possível

manter a singularidade do cristianismo no concerto polifônico das religiões do

mundo. Não é uma unicidade de exclusão, nem de inclusão. Mas uma unicidade

192 MIRANDA, M. de F. O cristianismo em face das religiões, op. cit., p. 59, apud: HOPING, H. “Stellverttretung. Zum Gebrauch einer theologischen Kategorie”. In: ZKTh 118 (1996), p. 357-360. 193 Como demonstramos no Capítulo precedente ao aprofundarmos a cristologia desse autor.

96

relacional, ou seja, tanto mais o cristianismo se insere na dinâmica do diálogo,

quanto mais ele tem claro sua própria identidade.

2.3. Uma nova figura histórica do cristianismo

Depois de vinte séculos de cristianismos históricos, podemos ver hoje com

mais clareza em que consiste nossa singularidade cristã. Para isso, é forçoso

avaliar se o casamento feliz entre o cristianismo e o helenismo, por exemplo, foi

realmente fecundo. Hoje, certo policentrismo cultural é uma realidade na Igreja

Ocidental. Por isso ela é levada a considerar positivamente também o que não é

nem judeu, nem grego, o que Geffré chama de tertium quid.194 O dualismo que

separa o que é Ocidental do que não é Ocidental precisa ser superado. Não se trata

mais de derrubar somente o muro da inimizade entre judeus e gentios, mas entre

gregos e “bárbaros”. Fala-se de uma passagem aos “novos bárbaros” referindo-se

ao recuo de um eurocentrismo como uma tarefa irrenunciável ao processo de

inculturação do cristianismo nas culturas não-ocidentais. Entretanto, isso não pode

favorecer uma espécie de regionalismo cultural, que faria do cristianismo uma

religião de geometria variável, dependendo sempre da cultura em que se encontre.

Não existe um cristianismo quimicamente puro que se encarne sucessivamente

nas diferentes culturas. A nova figura histórica do cristianismo deverá ter escala

mundial e ser policêntrica. O cristianismo assumirá sempre mais ser um lugar de

fecundação mútua e criativa entre as riquezas próprias de certa tradição cristã

secular e as riquezas antropológicas, culturais e religiosas não-ocidentais. Um

cristianismo mundial, como resultado da interação entre as pessoas das várias

culturas e das reflexões teológicas enraizadas nas diversas culturas particulares,

resistiria aos perigos de um particularismo cultural fechado e a um modelo de

globalização unidimensional.195

194 GEFFRÉ, C. “La responsabilité de la théologie chretienne à l’âge du pluralisme religieux”, art. cit., p. 134. 195 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit. p. 79.

97

3. A mensagem universal do cristianismo em tempos de pluralismo religioso

O cristianismo terá sempre um papel de exceção entre as grandes religiões

do mundo. Como qualquer outra religião, ele pretende que sua mensagem tenha

um alcance universal. O diferencial cristão é que a universalidade de sua

mensagem se refere à mediação histórica de Jesus Cristo, que, por sua vez,

coincide com a irrupção do Absoluto mesmo que é Deus. Nenhuma outra religião

tem a pretensão de reclamar para a pessoa de seu fundador não somente ser um

profeta, mas ser o próprio Filho de Deus. A universalidade da mensagem cristã

não deriva somente do mandato de Jesus: “Ide, formai discípulos meus e batizai

em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28, 19), mas principalmente

do fato de que a Igreja não pode fazer outra coisa que não seja anunciar Jesus

Cristo e o Reino de Deus que nele veio para todo ser humano.196

3.1. A vocação universal da Igreja

Nenhum cristão pode contestar a vocação universal da Igreja. No entanto,

essa universalidade não pode continuar a servir de pretexto para justificar a

pretensão universalista do cristianismo como religião histórica. Tal pretensão não

só é um sério obstáculo ao diálogo real sob as bases da igualdade entre as

religiões, mas contradiz nossa nova experiência histórica e a nova maneira de

considerar a particularidade cristã.

Hoje, passada a euforia da expansão missionária do final do século XIX,

podemos ver com mais objetividade porque não ocorreu a esperada vitória do

cristianismo sobre as outras grandes religiões. Além disso, mesmo com o

expressivo desenvolvimento dos meios de comunicação e da difusão do

Evangelho, a missão da Igreja está longe de estar concluída. Ao contrário, a

missão é urgente hoje como talvez nunca tenha sido. A extraordinária circulação

de informações que se dá no mundo contemporâneo torna ainda mais séria a

missão da Igreja, uma vez que também as outras grandes religiões se tornam mais

196 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 279.

98

conhecidas.197 Essa conjunção de fatores contribui para que a consciência da

relatividade histórica do cristianismo seja cada vez mais forte.

Mas, se a universalidade da mensagem cristã é irrenunciável, como

adequá-la às exigências próprias dos tempos atuais? Como compreender a

universalidade cristã depois que o Concílio Vaticano II pronunciou um juízo

positivo sobre as outras religiões? É certo que o Concílio não chegou a dizer que

elas seriam “caminhos de salvação”, mas incentivou a que sejam vistas com

respeito sincero. (NA 2).

É possível levar a sério a particularidade histórica do cristianismo sem

renunciar à sua vocação universal. A verdadeira universalidade se enraíza sempre

numa particularidade concreta.198 Ao olharmos a história, perceberemos que o

cristianismo nem sempre soube articular adequadamente o conteúdo de sua

mensagem com as formas históricas que foi adquirindo. O resultado foi a

construção de uma espécie de “ideologia unitária”, com a pretensão de

testemunhar e realizar na história a união entre o Reino de Deus e a história

profana.199 O grande desafio sempre foi descobrir como manter a eficacidade do

cristianismo e, ao mesmo tempo, salvaguardar a gratuidade de sua mensagem. As

sucessivas fases históricas que viveu demonstram que ele, por vezes, oscilava

entre um messianismo paradoxal200 como o de Jesus, e um messianismo em

continuidade com a experiência histórica de Israel. Isso repercute diretamente na

oscilação entre uma tendência de atribuir ao cristianismo o poder de transformar o

mundo e outra que sustenta uma doutrina de desprezo pelo mundo, traduzindo

uma visão muito pessimista da criação.201

197 GEFFRÉ, C. “Pour un christianisme mondial”, art. cit. p. 53-54. 198 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p.281. 199 Confira para isso, além do já citado artigo de Ch. Duquoq, todo o número monográfico da Revista Concílium- 155, 1980 com o título geral: Verdadeira e falsa universalidade do cristianismo . 200 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 284, apud: DUQOUQ, Ch. Messianisme de Jésus et discrétion de Dieu. Genève: Labor et Fides, 1994. Por messianismo paradoxal o autor entende que Jesus não se alinhou simplesmente ao messianismo dominante em Israel no seu tempo. Este era caracterizado pela espera do Messias enviado por Deus para restabelecer a paz e a justiça. Mesmo com uma indicação escatológica, o messianismo de Israel era nacionalista. Jesus procura manter distância dessa expectativa messiânica. Ao lado desse messianismo político, terrestre e nacionalista, Jesus instaura um messianismo espiritual, celeste e universal. Porém, mesmo com essa característica, o Reino de Deus anunciado por ele, que não é desse mundo, começaria aqui, no tempo, na história, graças à aceitação e vivência concreta do Evangelho. 201 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 282.

99

3.2. A virada hermenêutica do Vaticano II

O período imediatamente anterior ao Vaticano II caracterizou-se como

uma busca de síntese entre essas duas tendências. A Igreja não podia mais virar as

costas para a história. Sobretudo nos dois grandes textos Lumen Gentium e

Gaudium et Spes e na Declaração sobre a liberdade religiosa o Concílio consagrou

o fim da cristandade e definiu uma nova maneira da Igreja se relacionar com a

história.

A Igreja não mais se definia como sociedade perfeita, mas como Povo de

Deus em marcha para o Reino. Já não insistia mais sobre sua dimensão jurídica,

mas na sua dimensão sacramental e exodal. Ao lado disso, reconhecia a

autonomia da sociedade e a independência do poder político em relação ao

religioso. Estavam lançadas as bases para o reconhecimento inconteste da

sociedade civil como laica, democrática e pluralista. O catolicismo começa a

renunciar à idéia de alguns privilégios que lhe foram concedidos nos tempos em

que era religião do Estado. Ao reconhecer a legitimidade da sociedade pluralista,

reconhece também a legitimidade da pluralidade das opiniões, das crenças e o

respeito à liberdade de consciência e à liberdade religiosa.

O Vaticano II inaugura uma nova maneira de relacionar o Cristo sempre

vivo e a história humana. Depois de séculos de predominância de um grande

pessimismo, a história começa a ser vista de maneira positiva. A Igreja não é a

única produtora de sentido na ordem religiosa, moral e cultural.202 A História é

portadora de sentido em si mesma. O Concílio afirma que Deus fala aos seres

humanos não somente pelas Escrituras e pela tradição dogmática, mas também

através dos “Sinais dos tempos”. Numa atitude de escuta atenta do mundo, a

Igreja revê sua missão como testemunho da boa nova e como anúncio da chegada

do Reino sem exercer um poder direto sobre a sociedade.

Essa virada provocada pelo Vaticano II fez aparecer dois resultados

diferentes, que Geffré chama de dualismo e messianismo. Esse dualismo moderno,

na esteira dos que o antecederam, apresenta certa complacência com a distinção

entre o espiritual e o temporal, a história profana e a história sagrada, a Igreja e o

mundo. A despeito de todos os esforços da chamada teologia da secularização,

202 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 286.

100

esse dualismo continua forte e muito bem nutrido.203 Seus efeitos podem ser

devastadores, uma vez que tende a levar a uma privatização do cristianismo e a

uma hipertrofia da interioridade em detrimento de um engajamento maior com a

história. Desse dualismo passa-se a uma nova forma de messianismo. Os

messianismos sempre permearam a história do cristianismo. Vez por outra

ressurgem movimentos que propõem uma transformação da história a partir da

utopia cristã e da possibilidade de uma fraternidade universal. Geffré diz que, em

nosso tempo, as teologias da libertação da América Latina redescobriram a

dimensão messiânica do cristianismo. Elas refutam o dualismo e o pessimismo

histórico em nome de uma concepção puramente espiritualista e escatológica da

salvação. Criticam, inclusive, as teologias da secularização por sua pretensa

neutralidade política. Ao insistirem na dimensão messiânica do cristianismo, as

teologias da libertação pretendem se encontrar numa certa continuidade com a

pregação dos antigos profetas de Israel ao afirmarem que a opressão não é uma

fatalidade histórica, mas produto da história. Essa perspectiva se alinha à pregação

de Jesus. A libertação histórica dos homens é parte integrante da salvação. O

Reino de Deus que vem pode ter sua antecipação na história concreta em que

vivemos. Essa nova maneira de olhar a história é importante também para ajudar

o cristianismo a renunciar a uma falsa universalidade, que estaria em contradição

com a prática de Jesus. Um cristianismo que insista em manter um controle

autoritário sobre todas as esferas sociais, políticas e morais da sociedade está

fadado ao insucesso.

O abandono dessa ambição universalista não deve levar à marginalização

da fé cristã ou à renuncia de sua vocação missionária. Ao contrário, a nova

situação do cristianismo deve levá-lo a configurar uma nova maneira de estar

presente no mundo. Isso nos convida a também refletir teologicamente sobre sua

particularidade histórica em consonância com o mistério de Cristo. É sempre a

partir de uma particularidade concreta que se pode verificar a catolicidade do

cristianismo como religião mundial.204

203 GEFFRÉ C. Verbete “Sécularisation”. In: Dictionnaire de Spiritualité, t. XV, Paris: Beauchesne, 1989. 204 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 288.

101

3.3. O caráter dialogal do cristianismo

O diálogo é uma característica congênita do cristianismo. Não se trata de

uma estratégia de nossa época de inegável pluralismo religioso, mas faz parte de

sua natureza. É em nome mesmo do Absoluto do mistério de Cristo como centro

da história que é possível considerar a particularidade histórica do cristianismo

entre as religiões do mundo. Tal concepção suaviza os temores de alguns setores

do Magistério da Igreja de que o diálogo inter-religioso desemboque no

relativismo.205 Geffré sustenta a possibilidade de uma elaboração teológica do

pluralismo religioso que seja capaz de se perguntar sobre sua significação no

interior do único desígnio salvador de Deus. O pluralismo religioso necessita ser

compreendido a partir do mistério de Deus que se manifestou concretamente em

Jesus Cristo, o que fundamenta a unicidade de sua mediação salvadora.206

Embora, no decorrer dos séculos, a tendência dominante da teologia tenha

sido conferir ao cristianismo e à Igreja uma universalidade que não se separava da

de Cristo, o paradoxo da Encarnação do Verbo, o aparecimento do Absoluto de

Deus na particularidade histórica de Jesus de Nazaré nos leva a não absolutizar o

cristianismo. Ele não é a única via de salvação em detrimento de todas as outras.

Cabe aqui mais uma vez o conceito de cristianidade, como aquilo de Cristo que

está presente em todo homem e em toda mulher deste mundo, em virtude do

desígnio criador e salvador de Deus que deseja recapitular todas as coisas em

Jesus Cristo.

Geffré se pergunta a partir de quais critérios nós podemos lançar um olhar

positivo sobre as outras religiões. Diz ele: o pluralismo religioso é tão inevitável

205 Cf. Declaração Domunus Iesus e mais recentemente (29 de junho de 2007) da Nota da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé intitulada RESPOSTAS A QUESTÕES RELATIVAS A ALGUNS ASPECTOS DA DOUTRINA SOBRE A IGREJA acerca da correta compreensão do que afirma o Concílio sobre a Igreja de Cristo que subiste na Igreja católica, claramente apontando para um recuo na herança do Vaticano II no que se refere ao diálogo ecumênico e inter-religioso. 206 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 291 – “Cela ne nous conduit pas à remettre em cause l’unicité de la médiation du Christ. Mais cela nous invite à désabsolutiser Le christianisme comme religion historique et à ne pas confondre son universalité avec celle du mystère du Christ”.

102

quanto o pluralismo cultural.207 Essa situação pertence, efetivamente, ao desígnio

criador de uma humanidade plural. E, quaisquer que sejam os limites inerentes a

toda cultura ou religião, o pluralismo é um dom positivo. Na medida em que

nenhuma religião, mesmo o cristianismo, não pode pretender o monopólio da

verdade sobre Deus e sobre o caminho para Deus, este pluralismo favorece uma

melhor manifestação da riqueza multiforme do mistério divino.

É possível colocar um fundamento teológico para o pluralismo religioso

que sempre reconduza à unidade da família humana, ao único plano de Deus e à

presença escondida do mistério de Cristo nas diversas tradições religiosas da

humanidade. De fato, estamos num momento de clara evolução de nossa cultura

ocidental, que não está somente sob o signo do ateísmo e do indiferentismo.

Também a religião é algo determinante em nossos dias. O vigor impressionante

das várias expressões religiosas trouxe um movimento importante para a teologia:

provocou uma reação em nossa interpretação da singularidade de Jesus Cristo.

Pode-se enfrentar esse desafio apresentando fundamentos teológicos que

permitam situar o cristianismo nesse novo contexto. O pluralismo religioso

coincide com uma consciência nova da família humana.208 Junto a isso, brota um

sentido mais profundo da responsabilidade de todas as religiões em relação ao

futuro do ser humano e do planeta terra. Claro que esse ecumenismo planetário

não pode descartar o ecumenismo no sentido originário da palavra: o diálogo entre

as diversas confissões cristãs.

Mais de cinqüenta anos de diálogo ecumênico quebraram certo modelo de

absolutismo católico e favoreceram a abertura da Igreja para o diálogo com as

outras grandes religiões monoteístas e, inclusive, com as grandes religiões do

Oriente. A Declaração Nostra Aetate do Vaticano II e a Carta do Encontro de

Assis (27/10/1986) são gestos emblemáticos desse esforço de abertura da Igreja

Romana ao diálogo. Como aconteceu no início do ecumenismo, agora, no início

do diálogo inter-religioso, nós apenas balbuciamos e entregamos ao tempo a

mudança de velhas maneiras de pensar e compreender o diálogo franco como algo 207 GEFFRÉ, C. “Le pluralisme religieux comme question théologique”. In: La Vie spirituelle 151 (724) – septembre, 1997, p. 11 – “S’il faut assigner un fundament théologique au pluralisme religieux, on est toujours ramené à l’unité-diversité de la famille humaine dans l’unique plan de Dieu et à la presence cachee du mystère du Christ dans les divers tradition religieuses de l’humanité”. 208 Id. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”. In: Chemins de Dialogue nº 2, 1992, p. 74.

103

que conduziria necessariamente a um falso ecumenismo ou ao indiferentismo

religioso. E, assim como o ecumenismo não é apenas um capítulo da eclesiologia,

mas uma dimensão necessária de toda reflexão teológica, o diálogo inter-religioso

tenderá a ser o horizonte futuro de toda teologia cristã.209

Ao procurar fundamentar o caráter dialogal do cristianismo, Geffré

começa por recorrer ao Novo Testamento, onde aparece com clareza o desejo de

Deus que todos se salvem (1Tm 2,4-6; At 10, 34-35). Dessa vontade salvadora

universal de Deus, nosso autor conclui por um pluralismo religioso como

permitido por Deus, cujo significado último nos escapa.210 Ademais, o Concílio

Vaticano II afirma, audaciosamente, que o Espírito Santo oferece a todas as

pessoas a possibilidade de serem associadas ao mistério pascal de Cristo, “de uma

maneira que só Deus conhece” (GS 22).

No tocante ao mistério insondável da vontade de Deus, diz o teólogo

francês, é permitido pensar que a pluralidade das religiões não é somente fruto da

intolerância e das fraquezas humanas, como se elas devessem desaparecer à

medida que o cristianismo triunfasse como a única religião verdadeira que

testemunha a revelação definitiva do verdadeiro Deus. Como afirma o Papa João

Paulo II no seu discurso sobre o espírito de Assis, em 22 de dezembro de 1986, o

engajamento para o diálogo inter-religioso, recomendado e promovido pelo

Concílio, não pode se justificar se as diferenças religiosas não sejam

compreendidas como desígnio de Deus. As diferenças são, em todo caso, menos

importantes que a unicidade desse desígnio. 211

A tarefa mais difícil de uma teologia das religiões é buscar pensar a

pluralidade inevitável dos caminhos para Deus, sem abandonar o privilégio único

da revelação cristã. Isso implica em conciliar a afirmação fundamental da vontade

salvífica de Deus com os outros textos do Novo Testamento que afirmam que não

209 GEFFRÉ, C. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 74. 210 Estaria a liberdade religiosa também nos insondáveis desígnios de Deus? Tertuliano, escritor cristão do segundo Século, parece apontar para isso nessas palavras: “Que um seja livre para adorar a Deus, outro a Júpiter; que um possa erguer as mãos suplicantes para o céu, e outro para o altar da Boa Fé; que a um seja permitido contar as nuvens, ao orar (se acreditais que ele o faz), e a outro os painéis dos lambris; que um possa consagrar a Deus sua própria alma, outro a vida de um bode! Tende cautela para que não seja um crime de irreligião tirar dos homens a liberdade de religião e proibir-lhes a escolha da divindade, isto é, não permitir que eu glorifique a quem quero glorificar, para me forçar a dar glória a quem não a quero dar. Não há ninguém que queira homenagens forçadas, nem mesmo um homem!..” Apologética 24, 5-6. Cf. LIÉBERT, J. Os Padres da Igreja, V. 1, São Paulo: Loyola, 2000, p. 77. 211 GEFFRÉ, C. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 75

104

há salvação fora do conhecimento explícito de Jesus Cristo. No mesmo texto a

Timóteo está escrito: “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao

conhecimento da verdade” e “Deus é único, único é o Mediador entre Deus e os

homens, o Cristo Jesus, que se deu em resgate por todos” (1Tm 2, 4-6). Fica claro,

então, que o contexto atual nos impele a reinterpretar os textos do Novo

Testamento e o testemunho da tradição cristã, até nos perguntarmos, seriamente,

se o pluralismo hodierno não é a expressão contingente de um pluralismo

religioso de princípio.212

Contra essa proposição, poder-se-ia apresentar o fato da Tradição

Patrística conter um julgamento severo em relação às religiões e cultos do seu

tempo, freqüentemente, demonizados. Porém, é forçoso admitir que nossa

experiência histórica hoje é diferente do período patrístico. A preocupação dos

Padres era mais o diálogo com a filosofia do que com as religiões pagãs. Além do

mais, nós não temos condições de imaginar qual seria a posição dos primeiros

teólogos cristãos, por exemplo, diante de uma religião como o Islamismo. É

teologicamente mais interessante saber que no momento em que eles expressaram

tal pessimismo diante das outras religiões, eles estavam também prontos a

reconhecer as “sementes do Verbo” na sabedoria filosófica dos pagãos. Viam

estas manifestações do Logos como prefigurações da plenitude da revelação em

Jesus Cristo. Parece-nos que essa doutrina das “sementes do Verbo” tem uma

permanente atualidade para fundamentar uma valorização positiva das outras

religiões sem colocar em causa a normatividade da revelação cristã. Esse foi o

grande esforço da teologia católica da primeira metade do século XX, que teve

sua consagração nos textos conciliares Lumen Gentium, Gaudium et Spes, Nostra

Aetate e Ad Gentes.

A experiência histórica do cristianismo hoje nos leva a considerar as

conseqüências teológicas de um pluralismo de princípio. Eis porque não se deve

confundir a teologia das religiões com o que se chamava de “teologia da salvação

dos infiéis”. Esta abordagem clássica chegava a considerar a possibilidade da

salvação fora do cristianismo com base na consciência reta, que permitia ao ser

humano ser justificado no caso de uma ignorância, sem culpa própria. Ora, a

212 GEFFRÉ, C. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 75. Este pensamento é central para Geffré. Por isso fazemos sempre referência a ele e no capítulo final desta tese tomaremos uma posição crítica frente o mesmo.

105

teologia das religiões não separa as intenções subjetivas das pessoas das religiões

às quais pertencem. Ela se pergunta sobre o significado dessas tradições na sua

positividade histórica e também se essas pessoas não recebem de suas tradições

seus próprios valores salvíficos. A despeito de seus erros, podem ser reconhecidas

nas religiões não-cristãs “preparações evangélicas”, de alguma forma, ligadas à

plenitude do mistério de Cristo. Mesmo se houver certo imperialismo secreto

nessa atitude, ela, ao menos, tem o mérito de não definir, necessariamente, as

diferenças em termos de “desvios”.213

Geffré questiona como alguns teólogos ditos pluralistas não vêem

dificuldade em admitir a ação universal do Logos e do Espírito Santo ao longo da

história, mas, para facilitar o diálogo inter-religioso, são tentados a colocar em

questão a centralidade de Jesus Cristo. Uma teologia cristã que abandone a

unicidade de Cristo já terá atravessado o sinal vermelho, já estará exposta a

acidentes inimagináveis.214

Plenificação das outras religiões em Cristo não quer dizer induzir o outro a

ser cristão, mas conservar aquilo de irredutível que constitui sua identidade. Pode-

se até pensar numa complementaridade recíproca entre as religiões, no sentido da

ordem de manifestação, não na ordem da economia da salvação. Manifestação

significa melhor compreensão da verdade da qual cada religião é portadora. O

produto final desse processo constatará que as diversas religiões postam verdades

que não são somente complementares, mas incompatíveis, sem, entretanto,

inutilizar o diálogo. Portanto, não se pode pensar numa espécie de fusão entre as

religiões como resultado do necessário diálogo, mas na possibilidade concreta da

coexistência nas diferenças.

Em suma, é preciso não confundir conformação escatológica no mistério

de Cristo de todas as sementes da verdade, de bondade e de santidade

disseminadas nas outras religiões, com o alinhamento destas com o cristianismo,

enquanto religião histórica. Somente num sentido escatológico será possível

entender como se dará a misteriosa convergência das religiões entre si e o seu

lugar no único desígnio de Deus. No tempo presente, cabe ao cristianismo

anunciar a todos, membros de religiões ou não, que a salvação de Deus já chegou

213 GEFFRÉ, C. “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 77. 214 Id. “Le pluralisme religieux comme question théologique”, art. cit. p. 12.

106

em Cristo, respeitando os caminhos misteriosos de Deus até o coração de cada

um.215

O diálogo inter-religioso não pretende uma unidade visível entre todas as

religiões, uma espécie de super-religião mundial. Isso é pura utopia. Uma utopia

perigosa, porque faria desaparecer as riquezas inéditas de cada tradição religiosa.

O diálogo precisa ser visto como uma necessidade suscitada pelas grandes causas

colocadas pela consciência humana. São os recursos espirituais de cada religião

que possibilitam o diálogo como um meio de convivialidade na diversidade da

comunidade humana, mesmo entre os que proclamam verdades diferentes. Essa

igualdade fundamental entre os parceiros está no preâmbulo do diálogo.

4. A verdade do cristianismo num mundo plural

A teologia escolástica, de forte característica aristotélico-tomista, baseada

no princípio de não-contradição, não dá mais conta de responder à realidade

hodierna. Em nosso tempo de um pluralismo religioso sui generis, quando o face

a face das religiões não pode deixar de colocar o problema da verdade de cada

uma delas, a teologia clássica pode, no máximo, considerar as verdades das outras

religiões como “verdades degradadas”, derivações da única verdade da qual a

verdade cristã teria o monopólio. A delicada questão da verdade será nosso objeto

de reflexão agora. Esboçaremos as idéias principais de Geffré sobre esta temática,

contrapondo-as com outras, sem, no entanto, pretender esgotar a questão, devido à

sua complexidade e não ser esse o objeto principal de nosso estudo. No entanto,

como o autor posiciona-se diante da questão da verdade, nós necessitamos

também fazer referência a ela, sem ter, absolutamente, a intenção ir muito além do

que é possível dentro desses limites.

215 GEFFRÉ, C. “Le pluralisme religieux comme question théologique”, art. cit. p. 14.

107

4.1. A verdade da teologia como linguagem interpretativa

Em sua obra Como fazer teologia hoje216, o teólogo francês propõe uma

alternativa ao modelo que ele chama “dogmatista” de fazer teologia, predominante

nos meios católicos do Concílio de Trento até o Vaticano II. Por modelo

dogmatista entenda-se a tendência de considerar, como princípio hermenêutico

principal, o ensinamento do Magistério eclesiástico, ainda que as Escrituras e

alguns poucos teólogos também sejam usados como meras provas na

argumentação. A função da teologia se limitava, em muitos casos, a corroborar o

ensinamento oficial da instância hierárquica, único intérprete autorizado na

produção da verdade.217

Uma série de condicionamentos históricos, os avanços das ciências

humanas e, sobretudo, o encontro e a convivência das diversas culturas,

possibilitaram à teologia assumir um novo modelo, o “hermenêutico”, capaz de

levar em conta a historicidade de toda verdade, inclusive da revelada, e a

historicidade do ser humano como sujeito que a interpreta. A modernidade nos

impele a reconhecer o pluralismo também no que se refere à verdade, o que não

deve nos levar a cair no relativismo generalizado. O pressuposto de uma “ética da

discussão” 218 é uma alternativa para a busca de um consenso mais e mais

universal no respeito às diferenças. É o meu engajamento na minha verdade que

vai se constituir no argumento decisivo para que o estranho não seja considerado

inferior. Isso faz com que a verdade que é objeto de minha convicção absoluta não

seja nem inclusiva, nem exclusiva em relação com outras verdades. Minha

verdade é relativa pelo fato de conceber-se a partir de uma particularidade

histórica.

Geffré afirma que a teologia como hermenêutica é um fenômeno de

releitura a partir de leituras anteriores, um novo ato de interpretação do

acontecimento Jesus Cristo, colocado como correlação crítica entre a experiência

cristã fundamental testemunhada pela tradição e a experiência humana atual.219

Quer dizer, essa maneira de fazer teologia é, necessariamente, plural, pois busca

interpretar a Palavra de Deus e a experiência que o homem religioso faz dessa 216 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit. 217 Id. Ibid., p. 67-90. 218 Id. De Babel a Pentecôte, op. cit, p. 111. 219 Id. C. Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit., p. 72.

108

Palavra, sempre condicionada pelo contexto sociocultural em que se encontre. Por

isso mesmo, se distancia da ontologia clássica e das filosofias do sujeito ao

considerar o ser em sua realidade lingüística.220

4.2. A verdade cristã é da ordem do testemunho

Aceitar esse paradigma hermenêutico implica em repensar a noção de

verdade cristã. Ela será menos da ordem do julgamento, quer dizer, da adequação

formal entre a inteligência e a realidade, que da ordem da atestação, ou da

interpretação incoativa da plenitude da verdade que coincide com o mistério da

Realidade Última, só plenamente manifestada na consumação final.221 O diálogo

inter-religioso conduz à redescoberta da sua própria verdade e ao convite à busca

de uma verdade mais alta, mais compreensiva que a verdade parcial da qual cada

um dos parceiros é testemunha.

Para o cristianismo, a verdade é uma Pessoa. Sem dúvida não temos mais

acesso direto a esta Pessoa, já que o acontecimento Jesus Cristo se traduziu em

uma série de enunciados de fé recolhidos no Novo Testamento. Porém esses

enunciados não podem se separar de seu conteúdo. Os enunciados de fé mantêm

sua verdade. No entanto, sua justa compreensão depende do poder de significação

que eles possuírem em um determinado momento histórico. Assim, Geffré afirma

que

Devemos renunciar à ilusão de uma verdade-adesão ou de uma verdade-adequação, que suporia um objeto imutável e um sujeito conhecente invariante. Desde que Deus se deu a conhecer aos homens, o elemento interpretativo da comunidade cristã pertence ao conteúdo da verdade de fé. A verdade cristã não é, portanto, núcleo invariante que se transmitiria

220 GEFFRÉ, C. “Les déplacements de la vérité dans la théologie contemporaine”. In: EVANS, G. R. e GOUGUES, M. Comumunion et Réunion. Mélanges J-M R. Tillard, Louvain: Peeters, 1995, p. 310. 221 Id. Ibid., p. 312-313. Aqui o autor se apóia no segundo Heiddegger (nossa própria existência, enquanto perpétuo projeto de si, que deve ser entendida como interpretação compreensiva. A linguagem nos interpreta, e é nela que a verdade nos advém.); em Gadamer (que faz da tradição o lugar da interpretação, sendo ela o resultado da diferença entre o passado e o presente. Assim, o conhecimento do passado não é mera reconstituição arbitrária, ele é a compreensão do que chegou até nós ), em Ricoeur (que não renuncia à possibilidade de compreensão do texto, uma vez que a explicação é o caminho obrigatório da compreensão) e também no sentido bíblico de verdade, especialmente, enquanto nos remete a uma verdade que sempre nos ultrapassa. Por isso, se pergunta nosso autor: “Não se pode compreender também a verdade teológica como um devir permanente, que, em função das questões que colocam o futuro do mundo e da Igreja, permanecem sempre abertas a um futuro inédito?” A mesma questão aparece de forma semelhante em Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit., p. 74.

109

de século em século na forma de depósito fixo. Ela é um devir permanente, entregue ao risco da história e da liberdade interpretativa da Igreja, sob a moção do Espírito.222

4.3. A verdade cristã como expressão do consenso eclesial

Embora em um primeiro momento possa parecer, essa perspectiva

hermenêutica não conduz à relativização da verdade ou a uma série infinita de

interpretações. O que Geffré sustenta é que as inevitáveis interpretações sempre se

inscrevem dentro de um quadro interpretativo determinado pela Igreja,

comunidade de interpretação, sujeito adequado da fé. Nosso autor reconhece que

não é muito fácil invocar a Igreja como lugar hermenêutico, capaz de decidir

sobre o que é verdadeiro ou falso em teologia, porque sempre nos sentimos

obrigados a fornecer critérios infalíveis. Acontece que não existem critérios

infalíveis (no sentido de conceitos fossilizados, que prescindissem dos respectivos

contextos socioculturais que os geraram), quando se fala em enunciados bíblicos,

dogmáticos ou de decisões do Magistério. Dessa forma, o juízo teológico busca

sua norma na correlação entre a experiência fundamental do Novo Testamento e a

experiência coletiva da Igreja marcada pelos novos estados de consciência da

humanidade. A responsabilidade do teólogo consiste em mostrar a continuidade e

a descontinuidade da tradição cristã, que é sempre criativa nas respostas

suscitadas pelos desafios postos à fé pelos diversos momentos históricos. Então,

as interpretações não são únicas e não existe apenas uma possibilidade de se ler

um mesmo texto. Por isso, é impossível sacralizar a verdade de um texto. O

progresso da verdade se faz através do reconhecimento mútuo de vários sujeitos

ao testemunharem uma verdade sempre inacessível. 223

A verdade cristã só pode ser afirmada na incondicionalidade da fé. Ela

pertence à ordem da manifestação, sempre nos remetendo a uma plenitude que nos

escapa. É uma verdade profética que comporta, ao mesmo tempo, uma dimensão

cognitiva e uma dimensão ético-existencial na dinâmica do Reino que vem.224

222 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit., p. 85. 223 Id. Ibid., p. 86-87. A teologia bíblica tem mais clareza sobre essas questões. Geffré sabe disso, por isso mantém constante diálogo com as pesquisas bíblicas. 224 Id. “Les déplacements de la vérité dans la théologie contemporaine”, art. cit., p. 319.

110

A verdade cristã é relativa225 diante das outras verdades religiosas

enquanto elas apontam para aspectos do próprio cristianismo, até então,

despercebidos por serem também expressão de uma particularidade histórica. A

verdade do cristianismo não se reduz ao ser pensada desta forma. Geffré apenas

destaca seu caráter relacional. A exceção cristã se refere ao fato do cristianismo

fazer coincidir sua expressão histórica com a irrupção do Absoluto mesmo que é

Deus, na história. Essa é a parte irredutível do cristianismo. Esta é também a

dificuldade permanente para o diálogo inter-religioso, porque pode induzir a um

sentimento de “superioridade” que precisa ser mais bem refletido.

O diálogo inter-religioso se dá sempre entre pessoas concretas. Mesmo se

a teologia cristã já tenha promovido uma revisão radical na sua maneira de

enxergar os judeus, e se ela aceita que o face a face Israel-Igreja constitui uma

dualidade irredutível, os cristãos têm muita dificuldade em aceitar a dessimetria

fundamental entre as duas religiões originadas em Abrão: o cristianismo não pode

se conceber fora de suas raízes judaicas, embora o judaísmo pós-cristão tenha

pretendido passar ao largo de Jesus Cristo e do cristianismo.226

O mesmo se dá em relação ao diálogo com os muçulmanos. Os

interlocutores muçulmanos têm sempre a impressão de que a insistência cristã

pelo diálogo esconde uma armadilha para encampá-los. De fato, mesmo que o

islamismo não reconheça a divindade de Cristo, ele confere a Jesus um papel

proeminente em seu sistema religioso. Jesus é considerado um dos três grandes

profetas. E os muçulmanos estão prontos a receber sua mensagem como Palavra

225 BRETON, S. Unicité et Monothéisme, Paris: Cerf, 1981, aqui p. 16-17. Geffré fala nesses termos a partir do conceito de “unidade relacional”, formulado pelo filósofo francês Stanilas Breton, que estuda o conceito de unicidade desde a lógica de Frege e de Hegel, para aplicá-la depois à unicidade cristã. Breton diz que é possível falar de uma unicidade relativa do cristianismo em referência às outras religiões, a partir da especificidade deste em sua abertura à alteridade, pois o cristianismo tem como dimensão constitutiva ‘ser-para-o-outro’, o que se manifesta no dinamismo profundo da paixão-ressurreição. Por isso mesmo, há no cristianismo um ‘imperativo de modéstia’, que o faz viver com humildade diante do Deus oculto que aparece na loucura da cruz, e a reconhecer seus próprios limites. Esse ser para os outros implica ainda em carregar as fraquezas dos outros e ajudá-los a ir até o fim em sua própria verdade. Pois a verdade, em sentido ontológico, se define como a adequação do que se é com o que se está chamado a ser. Consentir, sem condições, a verdade do outro segue sendo, na prática, o mais difícil para a consciência da unicidade cristã. Toda forma religiosa, por mais rica que seja, não é mais que um sistema que traduz a distância que separa o ser humano da presença ausente de uma Realidade que o transcende. Por isso, todo progresso no caminho do outro incita a um melhor conhecimento de si mesmo. A receita para um bom uso da unicidade cristã é a prática da austera fidelidade do Deus bíblico, sempre o mesmo em suas múltiplas formas de automanifestar-se ao ser humano. 226 GEFFRÉ, C. De Babel a Pentecôte, op. cit. p. 112, apud Martin Buber, Deux types de foi. Foi juive et foi chrétienne. Paris: Cerf, 1991.

111

de Deus, ao menos no que concerne à adoração do Deus único. Por outro lado, os

cristãos não parecem estar dispostos a aceitar a autenticidade da profecia de

Maomé como envidado de Deus. Como reconhecer nele um enviado de Deus,

ainda que ele rejeite a filiação divina de Jesus como idolatria, e professe um

monoteísmo antitrinitário?

E no caso das outras religiões que não têm matriz judaico-cristã, como

seus membros podem aceitar a idéia que sua religião não tem valor salutar e que

elas têm uma ligação secreta com o mistério de Cristo? Como levar a sério uma

experiência espiritual na sua diferença se ela não tem verdadeiro valor religioso

em si mesma, mas somente na medida em que já é implicitamente cristã? Como

falar de um diálogo sob a base da igualdade se, por exemplo, os hindus, fiéis as

suas tradições religiosas, forem considerados cristãos que não sabem que são

cristãos?227 Como se vê, a questão da verdade na trama do diálogo inter-religioso

não é apenas marginal.

O que está no centro da verdade cristã não é um conjunto de verdades

conceituais. É o mistério mesmo da verdade divina no ato de automanifestação em

Cristo Jesus. Ele mesmo disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).

O cristão não testemunha uma verdade de ordem lógica, construída a partir de

proposições contraditórias. A verdade testemunhada é da ordem da atestação,

fundamentada na incondicionalidade da fé. É certo que a autenticidade do

testemunho não pode ser o único critério suficiente da verdade, mas as verdades

testemunhadas, especialmente as religiosas, não são, necessariamente, arbitrárias

só porque não podem ser demonstradas segundo uma evidência científica.228

227 GEFFRÉ, C. De Babel a Pentecôte, op. cit. p. 112. Essas questões são levantadas pelo autor para demonstrar a insustentabilidade do exclusivismo radical e do inclusivismo estrito e como pressupostos para sua tese de um pluralismo inclusivo, capaz de respeitar o que de verdadeiro existir em cada religião. 228 Essa questão está bem no centro das preocupações do atual Romano Pontífice, Bento XVI, em relação ao secularismo. Segundo ele, “A sensibilidade intelectual e a caridade pastoral do Papa João Paulo II o impulsionaram a destacar o fato de que a revolução industrial e os descobrimentos científicos permitiram responder a perguntas que antes se haviam satisfeito parcialmente só desde a religião. A conseqüência foi que o homem contemporâneo tem com freqüência a impressão de não precisar mais de ninguém para compreender, explicar e dominar o universo; ele se sente o centro de tudo, a medida de tudo”. Cf. Discurso ao Conselho Pontifício da Cultura, Cidade do Vaticano, 08/03/2008. Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/march/documents/hf_ben-xvi_spe_20080308_pc-cultura_po.html, acessado em 12/03/2008.

112

4.4. A verdade como manifestação

Os cristãos reclamam uma verdade na ordem do testemunho. Assim é

possível confessar a verdade da revelação numa época de pluralismo religioso. O

fundamento dessa verdade de fé não se encontra nos pressupostos aristotélicos da

adequação entre a realidade e o pensamento. Geffré busca os fundamentos da

verdade religiosa na Bíblia, até afirmar que a verdade bíblica é da ordem da

manifestação que, por sua vez, nos reenvia a uma plenitude de verdade que

permanece sempre escondida.229

Os cristãos têm consciência de que não é possível o acesso total a essa

verdade singular que professam. O Cristo é a identificação da verdade de Deus.

Mas nossa consciência da plenitude das riquezas de Cristo permanece ainda

enigmática. Pode-se mesmo dizer que o Novo Testamento aponta para uma

plenitude que não manifesta todo seu sentido na história. Por isso, nos é permitido

afirmar que a verdade cristã é da ordem da antecipação da plenitude da verdade,

que coincide com o mistério de Deus.

Essa noção de verdade-manifestação230nos ajuda a dar um passo além da

verdade-adequação do pensamento grego. Para além de expressões puramente

conceituais, os enunciados da fé cristã nos enviam a um mistério que nos

ultrapassa. O esclarecimento que ela traz para a inteligência do crente é sempre

acompanhado de um movimento correlativo que a remete ao mistério de Deus. A

verdade nos veio em Cristo, mas ela nos reenvia sempre para além do que,

historicamente, apreendemos de Cristo. Quer dizer, como conclui o Novo

Testamento, somente “O Espírito da Verdade vos conduzirá à verdade plena”

(Jo 16,13).

Geffré compreende a verdade cristã como uma verdade partilhada.231 Isso

não quer dizer que algo da verdade cristã tenha que ser minimizado para favorecer

o diálogo. O diálogo precisa fazer com que cada tradição religiosa aprofunde sua

própria concepção de verdade em vista de ações conjuntas ao serviço das grandes

229 GEFFRÉ, C. De Babel a Pentecôte, op. cit. p. 127. Também em “Le déplacements de la vérité dans la théologie contemporaine”, art. cit., 309-321. 230 TRACY, D. The Analogical Imagination, New York: Crossroad, 1981. Essa noção é aprofundada exaustivamente por este autor nesta obra, à qual Geffré se refere mais de uma vez. 231 GEFFRÉ, C. “La question de La vérité dans La théologie contemporaine”. In: La Théologie à l’épreuve de la vérité (Postface). In: MICHEL, M. (dir.). Paris: Cerf, 1984, p. 281-291.

113

causas da humanidade. Mais do que um diálogo propriamente doutrinal que

implique uma confrontação. O diálogo implica o respeito, e mesmo o amor entre

as pessoas. A partir desse pressuposto, o debate de idéias pela força da

argumentação pode ocorrer. A dificuldade própria do diálogo inter-religioso se

encontra no fato de cada parte estar profundamente engajada em sua própria

verdade. À medida que compreendemos o relativo não como o contrário do

absoluto, a possibilidade da verdade cristã se apresentar como relacional,

partilhada, torna-se concreta. Tal partilha da verdade não nos conduz ao

relativismo nem ao ceticismo. Ela testemunha somente o caráter transcendental da

verdade absoluta que coincide com o mistério de Deus.

Como acontecimento da Palavra de Deus em Jesus Cristo, a revelação é

definitiva e insuperável. Mas, enquanto conteúdo da verdade, ela é histórica e

limitada. Isso nos permite considerar as outras experiências religiosas, não como

raios dessa verdade, mas como testemunhos peculiares do mistério insondável de

Deus. Somente no último dia conheceremos a plenitude da verdade e do desígnio

único de Deus.

A virada hermenêutica proposta possibilita uma atitude mais aberta ao

diálogo inter-religioso. Afirma nosso autor que o aforismo “a verdade é una, o

erro é múltiplo” não basta. Pois, se é certo que a verdade é una, também é certo

que, humanamente, ela só é possuída de maneira múltipla e inadequada. Sem cair

no relativismo, é possível seguir afirmando a verdade cristã e mostrando, ao

mesmo tempo, respeito e estima pelas verdades diferentes pretendidas pelas outras

tradições religiosas. O diálogo sincero e sem a priori leva a uma espécie de

conversão na maneira de confessar e compreender a própria verdade. Só a

experiência do diálogo com o outro me faz descobrir a profundidade da verdade

que testemunho.232

O que se pretende é reconhecer a singularidade da verdade cristã,

assumindo com tranqüilidade suas limitações e sua destinação escatológica.233

Então, é preciso distinguir verdade cristã e superioridade do cristianismo. A

verdade cristã é absoluta, mas o cristão não a possui em plenitude. Há uma

enorme desproporção entre a verdade a qual se orienta o cristianismo e o acesso à

232 GEFFRÉ, C. “La vérité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux”, in: Angelicum 74, 1997, p. 189-190. E em termos semelhantes em “Le paradoxe christologique...”, art. cit., p. 165 e 174 e “Le fondement théologique du dialogue interreligieux”, art. cit., p. 83-84. 233 Id. “Paul Tillich et l’avenir...” art. cit, p. 5.

114

mesma por parte do cristão. Perspectiva semelhante aparece no documento

Diálogo e Anúncio nº 49

A plenitude da verdade recebida em Jesus Cristo não dá aos cristãos individualmente a garantia de terem assimilado de modo pleno essa verdade. Em última análise, a verdade não é algo que possuímos, mas uma pessoa por quem nos devemos deixar possuir. Trata-se, portanto, de um processo sem fim. Embora mantendo intacta sua identidade, os cristãos devem estar dispostos a aprender e a receber dos outros e por intermédio deles os valores positivos das suas tradições. Assim, mediante o diálogo, podem ser induzidos a vencer os preconceitos e a aceitar, por vezes, que a compreensão da sua fé seja purificada.

A Declaração Dominus Iesus nº 6 diz: “A verdade sobre Deus não é

abolida nem diminuída pelo fato que é proferida numa linguagem humana”.

Também o Documento da Comissão Teológica Internacional sobre esse tema

declara que, pelo fato da verdade cristã ser, em última instância, uma pessoa, a

verdade da fé não está à nossa disposição, 234 por isso, não podemos reduzi-la ou

modificá-la para facilitar o diálogo. A teologia de Geffré procura estar em

harmonia com estes textos oficiais. Embora nem sempre expresse isso com

clareza.

Conclusão

Agora podemos entender melhor o que nosso autor quer dizer quando

afirma que há uma carência (manque) no cristianismo em referência às outras

religiões. Compreendendo-se o cristianismo como religião da alteridade, cuja

singularidade se verifica em sua relação com os outros, pode-se sustentar que o

face a face entre as religiões enriquece o cristianismo. Isso não quer dizer que as

outras religiões completem o que lhe faltaria, mas que o encontro e a relação com

as outras religiões pode contribuir para que se manifestem a própria identidade

cristã aspectos novos e mesmo inéditos. Aliás, João Paulo II também chegou a

afirmar isso em algumas ocasiões.235 Não é que falte algo à revelação cristã. Não

se duvida de seu caráter definitivo e completo em Jesus Cristo. O que se afirma é

que, devido ao paradoxo da encarnação do Verbo, concretude histórica que remete

234 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O cristianismo e as religiões. São Paulo: Loyola, 1997, aqui nº 107. 235 Por exemplo, em RM 56. Também textos como DM 35 e DA 50 se expressam em termos semelhantes.

115

sempre para além de si mesma, o que apreendemos dele é sempre condicionado

por nossa historicidade e aberto a interpretações inauditas. Daí a necessidade de

voltarmos sempre ao núcleo conservado pelos Evangelhos.

O Novo Testamento testemunha, inequivocamente, a única filiação divina

de Jesus. Mostra ainda que a presença de Deus em Jesus é uma reivindicação dele

mesmo. O Reino de Deus já chegou com sua presença no mundo.236 Somente é

possível, do ponto de vista cristão, levar a sério o valor intrínseco das outras

religiões como caminhos de salvação, na perspectiva de uma reinterpretação da

unicidade de Cristo como Verbo encarnado e da unicidade do cristianismo como

religião histórica. Resta agora tirar as conseqüências disso para o dever

missionário da Igreja cristã. É do que nos ocuparemos no capítulo seguinte.

236 GEFFRÉ, C. De Babel a Pentecôte, op. cit., p. 355 – “Mais se nous nous définissons comme croyants, nous devrions être capables d’expliquer pourquoi Jésus confesse comme Christ est la seule voie de salut pour nous, alors que nous reconnaissons que Dieu ménage d’autres voies de salut pour d’autres hommes et d’autres femmes”.

116

PARTE II

O FUTURO DO CRISTIANISMO NO ATUAL CONTEXTO PLURALISTA

4 A MISSÃO DA IGREJA COMO DIÁLOGO DE SALVAÇÃO

Introdução O contexto do diálogo inter-religioso atual requer uma profunda revisão da

eclesiologia católica. O fato da coexistência do cristianismo com as outras

religiões não-cristãs é uma oportunidade para que seja ultrapassado um

eclesiocentrismo estreito que tenha a pretensão de agrupar toda a humanidade

dentro da Igreja romana. Não é possível identificar as Igrejas das quais os homens

falam com a Igreja que Deus quer.237 O criador dá a todos a mesma vocação

fundamental: responder à sua provocação de fazer da história humana uma

história de salvação. Se confessarmos que Cristo é o Verbo que ilumina todo ser

humano, não poderemos nos contentar com uma concepção estritamente

cronológica da história da salvação. Como já foi explicitado no segundo capítulo

desta tese, numa ordem ontológica, quem vem primeiro é Cristo como o “Novo

Adão”. Ele é o fundamento de todo sentido da história religiosa da humanidade,

tanto pré-cristã como pós-cristã.

Geffré sustenta que o que se diz do Verbo Encarnado deve-se dizer

também do Espírito do Ressuscitado. Há uma história do Espírito que conduz o

acontecimento Jesus Cristo para além das fronteiras históricas do cristianismo e

para além do quadro das outras religiões do mundo. Por isso, ele insiste numa

concepção mais ontológica que historicista da história da salvação.

Essa sua visão é coerente com a eclesiologia do Vaticano II. A pertença

visível à Igreja de Cristo pela confissão da mesma fé e pela comunhão eucarística

pode ser o sacramento da pertença invisível a Cristo, que vai além das fronteiras

237 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit., p. 309.

117

da Igreja e que pode coincidir com a pertença às religiões não-cristãs e mesmo

fazer referência às experiências não religiosas.238

De fato, a partir do que afirma o capítulo II da Constituição Lumen

Gentium do Vaticano II sobre o Povo de Deus, pode-se notar a substituição de

uma eclesiologia piramidal por uma eclesiologia circular, comunitária, fundada na

condição de cada batizado. No entanto, no entender de Geffré, mesmo a

eclesiologia do Povo de Deus não evita o risco de certo exclusivismo e de certo

triunfalismo.239 Também a Encíclica Redemptoris Missio não consegue discernir

adequadamente certa tensão entre Povo de Deus, imediatamente identificado com

os membros da Igreja católica, e os “outros povos da terra”. A Igreja, como

realidade histórica, não tem o monopólio dos sinais do Reino. A graça de Deus é

oferecida a todos por caminhos só conhecidos por ele. Dessa forma, Deus é maior

do que os sinais históricos que manifestam sua presença. A pergunta que Geffré se

faz é: como os outros povos da terra podem vir a ser Povo de Deus levando-se em

conta o que eles têm de irredutível na sua cultura e religião? A teologia do Reino

de Deus parece apontar para uma possível saída.

A reflexão teológica pré-conciliar não hesitava em identificar a Igreja com

o Reino de Deus e a Igreja católica como a única Igreja. Lumen Gentium n. 8 toma

distância dessa posição quando não aponta para uma identificação pura e simples

entre o Mistério da Igreja e a Igreja católica romana. Porém, isso não se torna tão

claro no conjunto dos textos conciliares. Em continuidade com o Vaticano II, a

teologia distinguirá entre a plenitude escatológica do Reino de Deus e sua

presença efetiva na história. Mas, como entender essa presença do Reino na

história? Ele pode ser identificado com a Igreja visível ou é uma realidade mais

complexa que se estende para além das fronteiras da Igreja? É certo que a

Redemptoris Missio n. 20 reage contra certo reinocentrismo que arriscaria

comprometer a centralidade de Jesus Cristo e a secularizar os valores do Reino.

Uma teologia que busque levar a sério as conseqüências do diálogo inter-religioso

deve poder afirmar que os membros das outras religiões são membros do Reino de

238 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje – hermenêutica teológica, op. cit., p. 310. 239 Id. “La responsabilité de la théologie chrétienne”, art. cit. p. 128-129 – “Mais il me semble qu’une ecclésiologie qui prend au sérieux les conséquences du diaologue interreligieux doit pouvoir affirmer que les adeptes des autres religions sont membres du Royaume de Dieu déjà présent comme réalité historique et que tous ensemble, les chrétiens et les ‘autres’, travaillent à la construction du le monde et dans l’histoire chaque fois qu’ils contribuent à la promotion des valeurs du Royaume conformément au Dessein de salut de Dieu sur l’humanité”.

118

Deus, já presente como realidade histórica. Deve afirmar também que tanto os

cristãos como os “outros” trabalham para a construção desse Reino no mundo,

assumindo os riscos da história, cada um contribuindo a seu modo para o seu

crescimento, em conformidade com a vontade de Deus que quer salvar toda a

humanidade. A missão irrenunciável da Igreja cristã é apressar a vinda do Reino,

transfigurando-o segundo os desígnios do criador.

A missão da Igreja como diálogo de salvação, as inquietudes postas à

inculturação da mensagem cristã nas diversas culturas e o desafio de pensar com

seriedade a dupla pertença religiosa serão os temas abordados nesse capítulo.

1. A Igreja como sacramento da unidade

A pluralidade das culturas e das religiões no contexto atual torna cada vez

mais difícil a consciência de que há algo que constitui a unidade da humanidade.

O diálogo entre as religiões pode contribuir para a superação dessa dificuldade.

De fato, diz Geffré, pode-se perceber que algo novo começa a despertar na

consciência humana com o fenômeno da globalização. Já o Vaticano II, ao chamar

a Igreja “Sacramento da Salvação”, diz também que ela é “sacramento da unidade

da família humana”. Isso é muito forte. Uma vez que sacramento tem uma

densidade maior que sinal, a Igreja não pode se conformar em apenas apontar para

uma possível convivialidade entre as diferenças, mas em ser sacramento eficaz

para tecer a unidade da família humana além das raças, das culturas e das

religiões.240

A vocação histórica da Igreja é ser a parábola de uma unidade que não seja

uniformização e que não comprometa a identidade de cada elemento étnico e

cultural da humanidade. Ela é chamada a mostrar a possibilidade de uma

pluralidade legítima e de um princípio de diferenciação indispensável. Como se

fará isso concretamente? E como a humanidade encarará essa nova

autoconsciência da Igreja? Estes são questionamentos importantes na época em

que vivemos. A construção do universal se impõe sem que desapareça o

particular. Em nenhum outro tempo a humanidade esteve tão exposta ao perigo de

uma mundialização uniformizante e ao paradoxo de uma fragmentação

240 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit. p. 182

119

incontrolável. Esse contexto traz para a Igreja uma tarefa nova: a promoção de

uma comunhão na diversidade.241

Geffré afirma que essa comunhão pode ser construída sobre o que ele chama

de “o humano autêntico”. Isso exigirá uma vigilância constante sobre o que é

contrário a esse humano autêntico e ao que o ameaça. Somente um mergulho

profundo nas grandes famílias espirituais da humanidade e nas outras formas de

sabedoria e de experiências significativas tornará isso possível. Ao apresentar essa

nova tarefa histórica da Igreja, nosso autor não pensa somente na Igreja católica,

mas na única Igreja de Cristo, ou seja, nas Igrejas cristãs em geral, cada uma à sua

maneira, sacramentos do Corpo de Cristo.242 O desafio de ser sacramento da

unidade é posto a todo o cristianismo. De certa forma, a humanidade já é Povo de

Deus sem o saber, e a Igreja é o sacramento eficaz para a concretização da

unidade do gênero humano (LG n. 1). Geffré tem consciência de que esses

conceitos são ambíguos. Ao falar em “Igreja”, não há como não se remeter logo a

seu aspecto institucional no que ele tem de mais negativo. Mesmo assim, ele

241 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit. p. 183. 242 Em 2006 a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma Declaração com o título “Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja”. Basicamente se repetiram os argumentos já contidos na Declaração Dominus Iesus do ano 2000. No entanto, a recente Declaração reavivou certo mal estar entre os parceiros não-católicos no diálogo ecumênico. Em um discurso na sessão plenária da referida Congregação em 31/01/2008, Bento XVI confirmou o teor do documento curial mencionado com as seguintes palavras: “[ ] Vem assim confirmado que a una e única Igreja de Cristo tem sua subsistência, permanência e estabilidade na Igreja Católica e que, portanto, a unidade, a indivisibilidade e a indestrutibilidade da Igreja de Cristo não é anulada pelas separações e divisões cristãs. [ ] Cultivar uma visão teológica que considerasse a unidade e a identidade da Igreja como seus tesouros ‘ocultos em Cristo’, com a conseqüência de que historicamente a Igreja existiria de fato em múltiplas configurações eclesiais, reconciliáveis somente em perspectiva escatológica, não poderia mais que gerar um retardamento e, por fim, a paralisia do próprio ecumenismo. [ ]A afirmação do Concílio Vaticano II de que a verdadeira Igreja de Cristo «subsiste na Igreja católica» (Const. dogm. Lumen Gentium, 8) não considera somente a relação com as Igrejas e comunidades eclesiais cristãs, mas se estende também à definição das relações com as religiões e as culturas do mundo. O próprio Concílio Vaticano II, na Declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade religiosa, afirma que «esta única verdadeira religião subsiste na Igreja católica, à qual o Senhor Jesus confiou a missão de difundi-la a todos os homens (n. 1). A «Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelização» – o outro Documento publicado por vossa Congregação em dezembro de 2007 –, diante do risco de um persistente relativismo religioso e cultural, reafirma que a Igreja, no tempo do diálogo entre as religiões e culturas, não se dispensa da necessidade da evangelização e da atividade missionária junto ao povo, nem cessa de pedir aos homens que acolham a salvação oferecida a todas as pessoas. O reconhecimento dos elementos de verdade e bondade nas religiões do mundo e da seriedade de seus esforços religiosos, o próprio colóquio e espírito de colaboração com elas pela defesa e a promoção da dignidade da pessoa e dos valores morais universais, não podem ser pensados como uma limitação do compromisso missionário da Igreja, que a empenha a anunciar incessantemente Cristo como o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6).” Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/january/documents/hf_ben-xvi_spe_20080131_dottrina-fede_po.html. Acesso 19/03/2008.

120

insiste na pertinência da afirmação da Igreja cristã, em sua visibilidade histórica,

como sacramento da unidade da família humana.243

Diz nosso autor

Mais do que nunca a Igreja deve aparecer como o sacramento universal da salvação, adquirida em Jesus, acima da diversidade das raças, das culturas e das civilizações. Contra uma universalidade ainda abstrata, a Igreja deve dar provas dessa fraternidade concreta com todos os homens. Pode-se dizer que a Igreja se torna universal à medida que assume as causas universais da comunidade humana planetária e à medida que, hoje, luta pelos direitos do homem e se põe a serviço dos mais pobres.244

Essa seria uma maneira concreta de enfrentar o perigo real de uma

mundialização (conceito que Geffré prefere no lugar de globalização), que tende a

sacrificar o valor das particularidades legítimas e aniquilar os pobres da terra. A

Igreja de Cristo tem que ser testemunha da esperança dos pobres. À medida que

concretize a convivialidade nas diferenças, essa Igreja terá credibilidade para

apontar saídas plausíveis à avalanche massificadora da mundialização.

Uma questão relevante ainda permanece: essa autoconsciência da Igreja

pode não ser compartilhada pelas outras tradições religiosas. Isso não

comprometeria o diálogo? Segundo Geffré, essa questão só caberia se todas as

religiões tivessem uma pretensão universal. No entanto, não é isso o que ocorre.

Nem todas as religiões têm essa pretensão. Muitas religiões são apenas locais ou

regionais. As três grandes religiões com pretensões universais são o cristianismo,

o islamismo e o budismo. Sem pretender cair num esquema superficial, ele diz

que apenas as chamadas religiões proféticas têm essa pretensão. Ou seja, apenas

as que fazem referência a um fundador pretendem ter um alcance universal. As

demais, por serem indissociáveis de uma determinada cultura ou região específica,

não têm essa pretensão.245

243 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 184. 244 Id. Como fazer teologia hoje, op. cit. p, 315. 245 Id. Profession Théologien, op. cit p. 185. O autor não inclui o judaísmo como uma religião com abertura universal. Seu argumento é que, embora o Decálogo tenha normas universais, a pertença ao judaísmo é um privilégio de nascença. Esta é a grande diferença em relação às outras. Já as chamadas religiões tradicionais, que não fazem referência a um fundador ou a escrituras sagradas, não teriam mesmo nenhuma abertura ao universal. Esta afirmação não é tão simples de ser aceita. Afinal, não se pode dizer simplesmente que o adepto de uma religião, seja ela qual for, seja indiferente ao seu expansionismo. Qualquer religião quer agregar adeptos. Aquilo que para o fiel é um chamado ao Absoluto faz com ele se empenhe, como resposta a esse Absoluto, para que seja um chamado relevante também para outras pessoas. A partir dessa perspectiva, todas as religiões apresentam certo grau de universalidade.

121

Geffré fala da Igreja sem adjetivos. Para ele, a Igreja é a Igreja de Cristo.

Dessa forma, é a Igreja de Cristo que é sacramento da salvação para todas as

nações. Essa maneira de compreender a Igreja não esconderia certo risco de

imperialismo e dominação? O autor responde que essa autocompreensão da Igreja

não significa que ela pretenda ser o único agente na construção da humanidade

reconciliada. À sua ação deve-se acrescentar a confiança nas outras mediações

que corroboram para a possibilidade da vida humana em sociedade, como as

outras experiências religiosas, a ordem jurídica, as estruturas políticas e culturais.

Nesse sentido, o empenho das religiões para a construção de um mundo

melhor não pode prescindir da colaboração dos esforços de outros atores sociais.

Em nosso mundo globalizado, as religiões são chamadas a dar provas de que

podem ser fiéis ao melhor delas mesmas e ao seu gênio próprio, reinterpretando

seus textos ou mitos fundadores, suas tradições doutrinais, jurídicas e rituais à luz

de certo número de apelos que são objeto do consenso da consciência humana

universal.

A laicidade pode ser considerada como um fator de tolerância entre as

religiões. Pode-se aceitar uma laicidade que não se caracterize somente por sua

postura anti-religiosa, mas que se considere como fiadora de uma convivialidade

entre as diferenças. Essa nova maneira de entender a laicidade poderia garantir a

liberdade religiosa e fortalecer as convicções democráticas contra certas formas de

fanatismo religioso.246

A riqueza multiforme das religiões pode contribuir para dar um rosto mais

humano à história. O que parece faltar por parte das religiões é um esforço sincero

de coerência entre o que pregam seus princípios e o que seus membros vivem. A

mentalidade de hoje não tolera tais incongruências. Embora essas ambigüidades

sejam inerentes às religiões enquanto experiências humanas, elas não devem ser

vistas com uma complacência que impeça um esforço cotidiano em superá-las.

Segundo a compreensão do autor francês, essa possibilidade dada às

religiões pela atual conjuntura histórica deve ser assumida e concretizada. O

cristianismo também deve fazer a sua leitura da situação atual. Ai redescobrirá

que junto com o testemunho de Jesus Cristo está sempre o desafio de edificar,

desde seu interior, o Povo de Deus. Ou seja, uma verdadeira ecclesia onde

246 GEFFRÉ, C. “O futuro da religião entre fundamentalismo e modernidade.” In: SUSIN, L. C. (Org.) Teologia para outro mundo possível. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 333.

122

homens e mulheres pertencem ao Corpo de Cristo e vivem no amor recíproco.

Dessa forma, a idéia de uma Igreja dominadora se dissipa. Esse face a face com a

sociedade forçará a Igreja a uma profunda conversão em seu próprio interior. Ela

descobrirá que seu diálogo com a sociedade e a cultura do nosso tempo não pode

se dar por meio de poder e ostentação, mas unicamente através do testemunho e

da convicção com que viva o que acredita.247

Isso só será possível quando a Igreja tomar consciência de que a situação

de cristandade está totalmente superada. Mesmo no novo contexto em que

estamos, em que a Igreja é muitas vezes marginalizada por setores relevantes da

sociedade, ela não pode jamais renunciar à sua vocação de testemunho. É o

testemunho de quem não pretende mais se impor como o pensamento único, nem

como o modelo de sociedade perfeita, nem mesmo como um modelo de sociedade

alternativa. A Igreja não deve pretender ser uma espécie de terceiro termo, “mas a

eficacidade de uma utopia para uma sociedade una e diversa”.248 Sendo fiel à sua

própria vocação, essa Igreja deve ser capaz de reconhecer em si mesma o que se

poderia chamar de uma diversidade reconciliada. Essa é, primeiramente, a tarefa

irrenunciável do ecumenismo, com a esperança de que um dia as Igrejas separadas

possam refletir a única Igreja de Cristo, conservando suas particularidades e

diferenças legítimas.

Geffré propõe que essa utopia poderia se concretizar hoje em dois

sentidos: através do testemunho do Evangelho e da sinalização à humanidade

quanto às conseqüências desastrosas do desrespeito às particularidades legítimas.

Testemunhar o Evangelho na época atual implica apresentar-se, de certa maneira,

como uma “contracultura” que insista no perigo de uma concepção

unidimensional da humanidade como resultado do fenômeno contemporâneo da

mundialização, sob a égide do mercado, do lucro e da dominação midiática.249

Nesse contexto, a Igreja poderia aparecer como a guardiã das culturas naquilo que

elas têm de próprio e de legítimo. Aqui aparece mais uma vez a vocação mundial

do cristianismo, segundo Geffré. Mesmo a fé cristã sendo profundamente marcada

247 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 187. 248 Id. Ibidem. 249 CHAUI, M. Simulacro e Poder. Uma análise da mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. Aqui a autora trata de maneira magistral do embate entre a solidez do pensamento e a debilidade da imagem, numa época em que o poder dos meios de comunicação é avassalador. Eles não visam apenas nos inculcar valores, mas dizer-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer. Esse poder se realiza pela intimidação que desqualifica o que se lhe opõe.

123

pela cultura Ocidental, ao se encontrar com outras culturas, poderia também

inculturar-se nelas e ser instrumento de salvaguarda e de assunção das

particularidades dessas culturas, até serem reconhecidas no plano providencial de

Deus. Em virtude do desígnio de Deus e da universalidade do mistério de Cristo, o

Reino de Deus pode chegar, à sua maneira, às outras tradições religiosas da

humanidade.250 Em nossa época é permitido falar, pela primeira vez na história da

Igreja, de um diálogo sobre o plano da igualdade entre o cristianismo e as outras

grandes religiões do mundo.251

O anúncio de Jesus Cristo como o único salvador da humanidade não tem

que se dar de forma autoritária e exclusivista. Numa época de pluralismo religioso

como a nossa, o diálogo não é somente um preâmbulo para a missão, esta já é um

diálogo, como diz o Documento Diálogo e Anúncio. O “outro” deve ser respeitado

como aquele que já pode ter respondido ao apelo de Deus e que, por isso, pertence

a seu Reino.

Esse otimismo de Geffré em relação à Igreja não desconhece a dificuldade

real da Igreja católica ainda ter a estrutura política de um Estado e de procurar

manter certas regalias do passado. Ele não entra no mérito da permanência do

Vaticano como um Estado numa situação histórica mudada como a nossa. O

problema não estaria tanto na relevância do Estado do Vaticano perante as outras

nações, mas na ação da Cúria Romana sobre o Corpo da Igreja, especialmente

sobre os bispos, através da intervenção dos núncios na vida concreta das Igrejas

locais. Esse é um problema tipicamente católico que precisa ser enfrentado com

seriedade.

O cristianismo tem ainda uma missão relevante no mundo atual. Face à

nova consciência da humanidade, face à consciência também dos riscos da

mundialização e mesmo do progresso de ordem técnica e científica, as grandes

famílias religiosas da humanidade têm uma responsabilidade histórica para com a

sobrevivência da espécie humana. Cabe às religiões apontar aos seres humanos

aquilo que concerne à sua vida, não só no tempo presente, mas também a médio e

250 GEFFRÉ, C. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 291. 251 Id. La théologie des religions non chrétiennes vingt ans après Vatican II”. In: Islamochristiana 11 (1985), p. 120 – “L’Église, comme ‘sacrement du salut’, ne saurait être identifiée avec le Royaume et sa mission essentielle est de server et promouvoir le Royaume de Dieu partout où celui-là se trouve déjà en germe. [ ] Il est permis de parler pour la première fois peut-être dans la l’histoire de l’Eglise d’un dialogue sur un plan d’égalité entre le Christianisme et les grandes religions non-chrétiennes ».

124

a longo prazo. A Igreja de Cristo, ao lado das outras grandes tradições religiosas,

tem autoridade moral para estabelecer com a sociedade um diálogo de

interpelação recíproca que beneficiaria a todos. Esse diálogo religiões-sociedades

poderia suscitar uma nova maneira do ser humano se relacionar com as coisas

criadas, com os outros seres humanos e com o cosmos. Assim se afastaria do

horizonte da humanidade a ameaça do caos completo que se vislumbra, caso não

se mude a rota por onde segue o progresso técnico-científico orientado pela lógica

do lucro, do consumo e da depredação da natureza.252

O Evangelho tem sempre o que dizer a todos os homens, de todas as

épocas da história e de todas as culturas. E esse anúncio não está acorrentado às

estruturas eclesiásticas, por mais necessárias que sejam. Basta lançar o olhar para

além das fronteiras das Igrejas para se perceber o surgimento de movimentos

espontâneos de solidariedade que não fazem referência imediatamente a nenhuma

religião. No entanto, conseguem fazer com que várias pessoas dêem sentido às

suas vidas e comprometam-se em fazer o bem e em afastar-se do mal, para que a

causa da humanidade não seja uma causa perdida. Isso confirma o que já se disse

acerca da necessidade da fé permanecer num perpétuo diálogo com as dimensões

mais críticas do questionamento humano em cada momento da história.253

Quando a missão da Igreja não fica concentrada na conversão do “outro” a

qualquer preço, como se sua salvação dependesse de sua mudança de religião, ela

revela todo seu sentido como epifania do amor de Deus, como o Evangelho vivido

no cotidiano, como o testemunho do Reino de Deus presente onde os valores

evangélicos são honrados. Assim, a missão permanente da Igreja não deve visar

somente à expansão quantitativa dos seus membros, mas, em diálogo com as

sociedades, as culturas e as religiões, manifestar e promover o Reino, já presente

desde a criação do mundo e que continua a se concretizar na história e além das

fronteiras da Igreja terrestre.254

252 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 193. 253 Id. Ibid., p. 195 – “Il serait dommange que les théologiens qui sont au plus près, je l’espère, des communautés chrétiennes à la base, ne puissent pas faire entendre ce qu’est l’état d’oi en perpétuel dialogue avec les plus critiques du questionnement humain à un moment donné de l’histoire”. 254 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 294.

125

2.

A missão da Igreja no contexto do diálogo inter-religioso

Desde a década de 1970, Claude Geffré já vislumbrava a necessidade de

repensar os fundamentos teológicos da missão.255 A missão da Igreja é

evangelizar. Falar de evangelização significa falar da necessidade do Evangelho

chegar a todo ser humano e do respeito devido à sua identidade cultural e

religiosa. Está implícita na catolicidade da Igreja a capacidade de assumir os

valores culturais e religiosos dos povos com os quais se encontra. Geffré ainda

não fala de inculturação com o conteúdo que conhecemos hoje, mas já apontava a

necessária fecundação recíproca entre o cristianismo já inculturado do missionário

e as tradições religiosas não-cristãs. A questão teológica subjacente é: a

evangelização pode respeitar as culturas? Geffré soma-se àqueles que respondem

positivamente a essa questão. A Palavra deve ser confiada aos outros, ela precisa

criar raízes nas diferentes culturas, nas tradições e costumes que não conhecemos.

Somente assim a Palavra do Evangelho poderá, verdadeiramente, fecundar uma

cultura diferente. Somente se ela se tornar uma Palavra significativa naquilo que

tal cultura tenha de singular, a ponto de poder se exprimir de uma maneira nova, o

encontro Evangelho e cultura terá se dado. Não se trata de anunciar um

cristianismo diferente, mas de favorecer o surgimento de figuras históricas

diferentes do cristianismo. Teríamos, então, expressões históricas diferentes da

mesma fé cristã acolhida, vivida e expressa nas diferentes culturas humanas.256

A historicidade fundamental do cristianismo está no alicerce de todo

pensamento teológico de Geffré. Não é possível a transmissão da mensagem cristã

sem essa atenção à situação histórica em que se encontra o cristianismo. O

acontecimento Jesus Cristo, como referência originária da prática cristã, sempre

precederá a qualquer tentativa de transmissão da fé. Esta será sempre uma

recriação, ou seja, será sempre marcada pela ação das pessoas concretas que a

acolhem, vivem e expressam. Diz nosso autor:

O cristianismo é sempre tradição porque vive de uma origem primeira que é dada. Mas, ao mesmo tempo, é necessariamente sempre produção

255 GEFFRÉ, C. “Perspectivas de uma teologia em face da China atual - Evangelização e cultura”. In: Concilium 146 (1979), p. 86-99. 256 Id. Ibid., p. 89.

126

porque esta origem só pode ser redita historicamente e segundo uma interpretação criadora.257

2.1. Cristianismo e cristianismos

O autor francês faz a distinção entre cristianismo entendido como as

diversas traduções históricas da fé cristã em seus vinte séculos de história e

entendido como o novo espírito inaugurado pelo Espírito de Cristo. Diz que a

existência cristã não se define a priori. Ela existe em toda parte onde o Espírito de

Cristo faz surgir uma nova criatura. Nesse sentido, não haveria um específico

cristão, mas somente um gênero cristão dificilmente capaz de ser discernido. Há

uma maneira cristã de ser humano. E essa maneira é irredutível ao enunciado

explícito da fé. O poder imprevisível do Evangelho parece ser maior do que um

conjunto de ritos e representações simbólicas.258 A ação do Espírito é irresistível e

incontrolável.

Nesse momento de sua reflexão teológica, Geffré já concluía que a

economia do desígnio de Deus deve ser compreendida não somente do ponto de

vista diacrônico, mas sincrônico. Portanto, o cristianismo não seria apenas um

fermento a operar uma “evolução” nas outras tradições religiosas. Sem negar um

papel crítico ao cristianismo, ele se recusa a ver as outras religiões como tabulas

rasas. A fidelidade da Igreja à sua missão universal estaria menos na conquista

dos outros e mais na presença junto aos diferentes, como germe e promessa das

inéditas formas de ser cristão, plasmadas a partir do encontro da mensagem do

Evangelho com a cultura a ser evangelizada.

Pessoalmente, Geffré considera que a missão da Igreja não perde nada de

sua urgência em nosso tempo, e que o diálogo inter-religioso traz um otimismo

muito grande quanto às possibilidades de salvação fora da Igreja, sem

comprometer o sentido mais tradicional de missão. A missão da Igreja não perdeu

nada de sua vitalidade, mesmo se as práticas missionárias venham mudando.259 A

Encíclica Redemptoris Missio de João Paulo II, lançada em janeiro de 1991, é um

bom exemplo de evolução no vocabulário eclesial sobre missão. O Papa, nesse

257 GEFFRÉ, C. “La crise de l'herméneutique et ses conséquences pour la théologie”. In: RSR n. 52 (1978), p. 76. 258 Id. “Perspectivas de uma teologia em face da China atual - Evangelização e cultura”, art. cit., p. 91. 259 Id. “La mission comme dialogue de salut”. In: Lumière et Vie 205, 1992, p. 34.

127

documento, não ignora nada sobre a nova realidade que se desdobra diante da

tarefa missionária da Igreja. Ainda há muitos que desconhecem Jesus Cristo (RM

3). Ao mesmo tempo, percebia certo “relaxamento” do zelo missionário na Igreja,

embora discordasse de que isso se devesse às aberturas proporcionadas pelo

Vaticano II, como advogavam alguns. Esse Documento pontifício insiste em

sublinhar com força a urgência da missão como fundamento da Igreja. Conquistas

irrenunciáveis do Concílio, como a liberdade religiosa (DH) e o diálogo respeitoso

com as outras religiões (NA) não deveriam servir de desestímulo para a missão. O

Papa insiste que o anúncio de Jesus Cristo não viola em nada a liberdade do ser

humano, posto que a fé exige uma adesão livre (RM 8).

Uma má interpretação da intenção do Concílio pode mesmo levar ao

perigo do indiferentismo. A Encíclica insiste em duas verdades incontestáveis: a

possibilidade real de salvação de Cristo para todos os homens e a necessidade da

Igreja para a salvação (RM 9). Reafirma-se assim que a salvação é oferecida a

todos os seres humanos e não somente aos que crêem em Cristo e estão na Igreja.

Isso não a dispensa de continuar a anunciá-lo como o único Mediador e a

apresentar-se como “sacramento da salvação”, ressaltando que há uma “relação

misteriosa” entre todos os que buscam a Deus e a Igreja Corpo de Cristo (RM 10).

A teologia da missão aparece, portanto, estreitamente ligada à teologia da

salvação.260

2.2. Igreja e missão: convergências e distinções

É certo que não há fé cristã sem visibilidade social, sem a concretude de

ritos religiosos. Mas também é certo que, em razão mesmo de sua fidelidade ao

acontecimento Jesus Cristo, o cristianismo não pode absolutizar nenhuma forma

histórica como o estado definitivo da Igreja de Cristo. “O evangelho não é apenas

uma função crítica com relação às outras religiões, mas com relação à própria

religião cristã”.261 Isso significa que a Igreja cristã não pode sair incólume de um

diálogo autêntico com as outras religiões e vice-versa.

260 GEFFRÉ, C. “La mission de L'Église à l’âge de l'oecumenisme interreligieux”. In: Spiritus, 106 (1987), p. 3-10 e “Mission sans frontières”. In: Spiritus, 112 (1988), p. 315-324. 261 Id. “Perspectivas de uma teologia em face da China atual - Evangelização e cultura”, art. cit., p, 93.

128

Tais afirmações somente vêm reforçar a urgência da missão, já que a

missão da Igreja não visa anunciar a si mesma, mas transmitir a verdade

específica da mensagem cristã como significativa e sensata a qualquer pessoa de

boa vontade.262 O que fundamenta a necessidade da missão e o direito sagrado de

evangelizar (AG 7) é a própria gratuidade do amor de Deus, que deseja salvar a

todos, manifestado e concretizado plenamente em Jesus Cristo. Por isso, a

missão não poder se furtar de testemunhar Jesus, traduzindo sua proposta segundo

a sensibilidade de cada momento histórico. Testemunhar não significa,

necessariamente, fazer proselitismo. Antes significa garantir a presença de uma

Igreja samaritana, sacramento universal da salvação recebida de Cristo. A

conversão que cabe no encontro com o Evangelho é uma conversão do coração,

que não exige, necessariamente, dos evangelizados uma mudança de seus ritos

religiosos ou costumes culturais, nenhuma espécie de ruptura demonizante das

tradições ancestrais dos neófitos. Embora também a possibilidade de adesão à

Igreja não seja nunca descartada. A norma absoluta continua sendo a prática de

Jesus. Pode-se ser cristão de maneira plural. Quer dizer, tratando-se do ser cristão

em plenitude, que é de ordem escatológica, existe uma pluralidade de realizações

parciais, seja na ordem da confissão da fé, seja na vivência da fé. A identidade do

ser cristão é sempre um devir.263

2.3. O caminho aberto pela Evangelii Nuntiandi

No final do século XVI, a concepção de salvação subjacente à missão era

“livrar as almas da condenação eterna”, ou juntar à Igreja o maior número

possível de neófitos. Acreditava-se na vitória inconteste do cristianismo como

fruto da ação abnegada de legiões de missionários “especializados”. Esse era o

sentimento histórico de então. A teologia da missão é muito influenciada pela

teologia da história que predomina em determinada época. A questão de que não

262 GEFFRÉ, C. “La mission comme dialogue de salut”, art. cit, p. 39 – “[ ] le concept englobant d’évangélisation tend à supplanter le mot mission, pour souligner qu’au-delà de la proclamation explicite de Jésus-Christ, la mission de l’Eglise englobe des activités comme la promotion de la justice, la libération humaine, le dialogue interreligieux, que ne sont pas taches accessoires mais des formes authentiques d’évangélisation”. 263 Id. “Perspectivas de uma teologia em face da China atual - Evangelização e cultura”, art. cit., p. 94-96.

129

se deve fazer coincidir, sem mais, a história profana com uma história da salvação

sempre ronda a reflexão teológica.264

O Documento mais relevante no pós-concílio sobre esse tema é, sem

dúvida, a Encíclica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI. Aqui se encontra um bom

exemplo de como a concepção atual da missão é condicionada pela consciência

que a Igreja tem de sua responsabilidade histórica diante do conjunto da

humanidade, especialmente, no que concerne aos Direitos Humanos. Paulo VI

chega mesmo a dizer que esses direitos são “exigência do Evangelho”.265 Isso

significa que é impossível dissociar evangelização e promoção humana na única

missão da Igreja.

Diz o Papa

Laços de ordem antropológica, porque o homem a evangelizar não é um ser abstrato, mas está sujeito às questões sociais e econômicas. Laços de ordem teológica, uma vez que não se pode dissociar o plano da criação do plano da redenção, que atinge as situações concretas da injustiça a combater e da justiça a restaurar. Laços dessa ordem eminentemente evangélica, que é o da caridade: como, com efeito, proclamar o mandamento novo sem promover, na justiça e na paz, o verdadeiro e autêntico crescimento do homem? (EN 31).

A Igreja no final do Século XX e no início do Século XXI, chamada a dar

testemunho do Deus vivo e libertador, toma consciência de sua responsabilidade

histórica em relação ao futuro da vida do homem sobre a terra e se dispõe a

trabalhar com todos os homens de boa vontade para a construção de um mundo

verdadeiramente humano. Não lhe cabe somente juntar pessoas, como se fazer

parte visivelmente dela fosse uma condição imprescindível à salvação. O

testemunho que se espera da Igreja num tempo de sociedades secularizadas e

pluralistas deve se basear na vida de cada cristão e das comunidades cristãs, a

partir das escolhas que fizermos, das lutas que assumirmos, da solidariedade que

demonstrarmos como sinal eloqüente da gratuidade do amor de Deus por cada ser

humano. Isso não diminui nem muito menos exclui a necessidade do testemunho

explícito de Jesus Cristo. Trata-se, sobretudo, segundo Geffré, de confiar no poder

libertador da Pessoa e da Palavra de Jesus nesta terra, sempre atualizada pela ação

do Espírito do Ressuscitado que faz chegar a salvação de Deus a todos os homens

264 Cf. a apreciação crítica sobre esse tema na Declaração sobre promoção humana e a salvação cristã da Comissão Teológica Internacional, 1976. 265 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 291.

130

por caminhos somente conhecidos por Ele mesmo. “A todos os homens em busca

de razões para viver, os responsáveis pela missão da Igreja devem revelar o nome

de sua esperança, Jesus Cristo”.266

2.4. As exigências do diálogo

O verdadeiro diálogo comporta a consciência de uma identidade própria e

o reconhecimento do outro na sua diferença. No caso do diálogo inter-religioso, o

respeito ao outro não se funda apenas sobre sua dignidade absoluta, mas sobre

motivos teológicos. Os cristãos sabem que todos os homens são objetos do amor

de Deus (1Tm 2,4), que todos os homens estão sob a influência do Verbo de Deus

(Jo 1, 1-4). Sabem também que a vontade salvífica de Deus estende-se também às

tradições religiosas (AG 3). Isso significa que o interlocutor não-cristão deve ser

escutado, não somente como um pagão ou um infiel, mas como aquele que já é

objeto do amor de Deus e como um ouvinte atento da Palavra de Deus que lhe

anuncia o missionário. Palavra que também já lhe chegou através de sua cultura e

de seus ritos religiosos, pelos caminhos misteriosos de Deus.267

A abertura ao outro é pressuposto fundamental do diálogo. Geffré afirma

que a vocação universal do Evangelho exige a superação de qualquer privilégio

entre as culturas. Cita como exemplo o que ocorreu com o cristianismo nascente e

sua relação com o judaísmo. Jesus Cristo derrubou não somente o muro da

separação entre judeus e gentios (Ef 2,14), mas também entre gregos e bárbaros.

Por isso, é possível falar de algo semelhante em nossos dias, sobretudo quando o

Ocidente cristão se abre às outras culturas da humanidade.268 Essa passagem ao

“diferente”, que coincide com o recuo do eurocentrismo, emerge como a tarefa de

uma verdadeira inculturação do cristianismo nas culturas não-ocidentais.

Mesmo se a história da missão cristã se mostra fortemente marcada pelo

signo da conquista imperialista e da alienação das outras culturas, o

reconhecimento do “estrangeiro” já aparece nas raízes da tradição judaico-cristã.

266 GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 320. Em termos semelhantes numa conferência cujo título é The word of God and world religions and cultures art. cit., p. 9. Também em “La mission comme dialogue...” art. cit, p. 43. 267 Id. “La mission comme dialogue...” art. cit., p, 44. 268 Id. “Athènes, Jérusalem, Bénarès: le rencontre de L'Occident chrétien et de L'Orient”. In: Les spiritulalités au carrefour du monde moderne – traditions, transitions, transmissions. Paris: Centurion, 1994, p. 113.

131

Quando Paulo, um judeu que se tornou cristão, recusa submeter os pagãos ao rito

da circuncisão, idéia que prevaleceu na Igreja nascente (At 15), isso já apontava

para o respeito ao outro na sua diferença.

O diálogo é uma forma da missão, ao lado da proclamação explícita da

mensagem, da presença, do testemunho, do engajamento no serviço à humanidade

(DM 3), especialmente aos pobres. Essa vocação dialogal do cristianismo com

todos fará surgir um cristianismo policêntrico, enraizado nas diversas culturas, e

que busca uma síntese original entre suas raízes bíblicas e ocidentais e as riquezas

próprias das outras grandes tradições religiosas.269 Um melhor conhecimento do

outro nos levará além do diálogo, ou seja, a uma transformação recíproca dos que

dialogam. Se formos fiéis à nossa própria identidade, não caímos em um

sincretismo superficial, mas utilizaremos o diálogo como meio de uma melhor

compreensão de nós mesmos.

Essa missão que vai além do diálogo, que implica numa transformação

mútua dos interlocutores, abre espaço também para o que Geffré chama uma

teologia mundial.270 A valorização das teologias enraizadas nas outras culturas faz

com que elas ganhem, pouco a pouco, sua autonomia em relação à teologia

européia, embora todas as novas teologias participem da herança da teologia

ocidental, que alcançou sua expressão máxima no Vaticano II. Eis a razão de ele

falar numa teologia mundial, capaz de favorecer um cristianismo policultural,

habilitado a resistir às investidas de uma mentalidade que apregoa mais e mais a

indiferença e a unidimensionalidade.271

O diálogo inter-religioso, característico de nosso tempo, é portador de uma

nova chance não somente para as religiões na busca por suas próprias identidades,

mas para o futuro da família humana, que se interroga também sobre suas próprias

angústias e sobre seu próprio futuro. O processo de globalização no qual nos

encontramos deixa evidente suas próprias contradições. No que concerne às

religiões, qual poderia ser o benefício real de um verdadeiro ecumenismo inter-

religioso para melhor discernir as condições de uma mundialização que respeite as 269 GEFFRÉ, C. “Athènes, Jérusalem, Bénarès: le rencontre de L'Occident chrétien et de L'Orient”, art. cit., p. 118. 270 Id. Ibid., 127. Depois o autor vai evoluir na compreensão do que implicaria tal teologia. 271 Id. Ibid., p. 127-128. A teologia ocidental não pode exercer o monopólio no interior de toda a Igreja, nem impedir o surgimento de outras teologias em outras partes do mundo. Ao contrário, deve-se deixar fecundar por elas. “C’est pourquoi jê plaide pour une théologie mondial qui favorise l’avènement d’un christianisme polyculturel, capable de résister aux dangers d’un monde de plus en plus indifférencie et unidimensionnel”.

132

exigências do universal e do particular, evitando, assim, os malefícios de uma

globalização monolítica? Ao lado de uma globalização tipicamente instrumental,

nós somos chamados a construir um novo paradigma de universalidade.272

Um risco muito perigoso ronda o aprofundamento do diálogo inter-

religioso: sacrificar a parte irredutível de cada religião e, em conseqüência,

esbarrar no relativismo. Sobretudo para o cristianismo, há um risco ainda maior:

descolar a centralidade de Jesus Cristo como a irrupção do Absoluto de Deus na

história. Não se trata somente, segundo Geffré, de se fazer uma reinterpretação do

cristianismo à luz do diálogo inter-religioso, mas de construirmos o estatuto

epistemológico do que deveria ser uma teologia inter-religiosa. Para ser fiel à sua

catolicidade, um cristianismo mundial, poderia responder ao desafio da

mundialização.273 Um cristianismo mundial seria a concretização da unidade a

partir das diferenças legítimas existentes nas variadas formas de ser cristão, o que

não se confunde com uma espécie de religião mundial que suprimisse todas as

diferenças e encampasse todas as experiências religiosas numa só.

Assim, a missão deve ser compreendida como um diálogo de salvação, um

esforço em ser fiel à própria verdade, em celebrar uma verdade que vai além das

fronteiras religiosas. O verdadeiro diálogo é sempre uma aventura.

3. Missão e inculturação

Nosso autor considera que a situação sócio-cultural do Ocidente, no final

do Século XX, provocou a Igreja a aprofundar mais seriamente a inculturação.

Problemas suscitados pelo avanço da racionalidade técnica e pela progressiva

secularização, especialmente na Europa ocidental, ajudaram nessa reação. O

ateísmo crescente no Ocidente é um caso único. A prova dessa afirmação é que as

grandes culturas religiosas da Ásia coexistem naturalmente com a irrupção da

mais avançada tecnologia. Ou seja, a secularização e a esterilização da função

religiosa não são conseqüências fatais do progresso técnico.274

272 GEFFRÉ, C. “Pour un christianisme mondial”. In: RSR 86/1 (1998), p. 53-75. Este é o primeiro texto significativo de Geffré sobre essa temática. 273 Id. “Pour un christianisme mondial”, art. cit., p, 54. 274 Id. “Mission et inculturation”. In: Spiritus (109) 1987, p. 408 – “Il est vrai qu’une civilization athée comme de l’Ocident est un cas unique. A titre de contre-épreuve, il semble que les grandes cultures religieuses de l’Asie ne sont pas nécessairement détruites par l’irruption des ressources multiples de la techonologie moderne”.

133

O fenômeno da globalização e essa onda de secularização não são uma

característica só da Igreja da Europa ocidental. Situações semelhantes já vivem as

Igrejas de outros continentes. Por isso, diz Geffré, a maneira como os cristãos do

Ocidente enfrentarem o desafio da inculturação da fé numa sociedade altamente

técnica, científica, urbanizada, complexa, terá um valor para toda a Igreja. A

vocação da Igreja não é somente assumir a diversidade dos valores culturais e

religiosos. Ela também deve estar aberta a considerar positivamente os valores

profanos da civilização técnica planetária.

3.1. O fundamento teológico da inculturação

Considerar teologicamente a inculturação implica em clarificar, antes de

tudo, o conceito de cultura. Esta não é uma tarefa fácil, visto não se tratar de um

conceito unívoco. Nosso autor faz opção por uma determinada abordagem, mas

está consciente de que existem outras. Interessa-lhe apresentar um conceito que

caiba na reflexão que vem fazendo acerca da importância crucial da inculturação

para o diálogo inter-religioso. Geffré utiliza o seguinte conteúdo para a palavra

cultura: “Um conjunto de conhecimentos e de comportamentos técnicos, sociais,

rituais que caracterizam uma sociedade humana determinada”.275 A cultura está

diretamente vinculada com a vida em sua contínua mutação. É, portanto, algo

dinâmico, processual, sempre aberto ao crescimento e discernimento de alguns

elementos e de agregação de outros.

A cultura está também necessariamente vinculada à história. Falar em

cultura é falar em certo enraizamento numa tradição, numa determinada

experiência do passado, mas, ao mesmo tempo, em um horizonte que emerge sob

a forma do imaginário, do social e do lúdico. Essa é a noção de herança cultural

transmitida de uma geração à outra. Citando Paul Ricouer, Geffré diz que cultura

275 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 409. Marcelo Azevedo, por sua vez, a define assim: “Cultura é o conjunto de sentidos e significações, de valores e padrões, incorporados e subjacentes aos fenômenos perceptíveis da vida de um grupo social concreto, conjunto que, consciente ou inconscientemente, é vivido e assumido pelo grupo como expressão própria de sua realidade humana e passa de geração a geração, conservando assim como foi recebido ou transformado efetiva ou pretensamente pelo próprio grupo”. Comunidades Eclesiais de Base e inculturação da fé. São Paulo: Loyola, 1986, p. 336.

134

é como que uma linha invisível, mas muito estreita, que liga um ser humano a

seus antepassados, a seus contemporâneos e a seus pósteros.276

A seguir, ele faz a distinção entre cultura e civilização. Uma civilização é

uma cultura que chegou a um grau elevado de coesão e de durabilidade. A

civilização se situa no plano do estrutural da história, em oposição ao plano dos

acontecimentos conjunturais. O que chamamos de civilização ocidental nasceu da

síntese entre a greco-romana e a judaico-cristã. As civilizações são passageiras,

mas os elementos fundamentais de uma cultura subsistem e entram em síntese

com as culturas diferentes ou radicalmente novas. Daí nasce uma nova

civilização.277

Nosso autor diz ainda que não se pode falar de cultura sem tocar no

problema da violência. A cultura é sempre uma vitória sobre a imediaticidade do

instinto humano.278 Todas as culturas históricas, inclusive a cultura cristã e a

católica, trazem em si mesmas os germes da violência e da exclusão ao olhar o

diferente. Hoje, percebe-se como a dominação cultural que exerce a mentalidade

tecnocrática e consumista, fundada num modelo antropológico individualista,

sustentado pela competição e pela luta pelo poder, entra em choque com um

modelo que insista mais sobre valores comunitários.279

Por fim, estabelece a relação entre cultura e religião. Existe uma interação

recíproca entre ambas em grande parte das grandes religiões. O que há de comum

às duas é o que constitui a noção de herança cultural. A cultura ocidental, por

exemplo, é impensável fora de sua herança judaico-cristã. Paradoxalmente, é o

cristianismo que favorece o surgimento da modernidade, concebida como

automonia do sujeito e, conseqüentemente, da sua liberação da tutela religiosa.

Hoje, pode-se falar de uma cultura que reivindica prescindir da religião: a cultura

moderna ocidental. Mas nas outras grandes civilizações é difícil delimitar o que

concerne à cultura e o que concerne à religião. Como separar o árabe de sua

pertença ao islã? Ou a cultura da negritude da referência às religiões africanas

tradicionais? Como dissociar a pertença ao hinduísmo da cultura indiana? 276 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 409, apud: RICOUER, P. Du texte à l'action. Essais d'herméneutique, II. Paris: Seuil, 1986, p. 398. 277 Id. Ibidem. 278 GIRARD, R. A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 1990, e O bode expiatório. São Paulo: Paulus, 2004. Essas são obras emblemáticas para uma abordagem sociológica da importância da religião na construção da sociabilidade humana. 279 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 410.

135

Portanto, não se pode falar de inculturação do cristianismo numa cultura diferente

sem evocar o diálogo inter-religioso.280

Inculturação é uma palavra típica da linguagem cristã contemporânea.

Geffré a usa apoiado numa vasta bibliografia já disponível em meados da década

de 1980.281 Para o autor francês, a melhor definição de inculturação dada, até

então, era a seguinte:

A inculturação é a encarnação da vida e da mensagem cristãs em uma cultura concreta, de sorte que, não somente essa experiência se exprima com os elementos próprios à cultura em questão (o que não seria mais que uma adaptação superficial), mas também que essa mesma experiência se transforme em princípio de inspiração, norma e força de inspiração, que transforme e recrie esta cultura, dando assim origem a uma “nova criação”.282

Como se pode notar, naquela época o conceito de inculturação ainda

estava em formação. O paradigma da encarnação ainda era invocado para

compreendê-lo. Geffré diz que tal comparação tem a vantagem de sublinhar a

realidade da inculturação. Não se pode ter evangelização sem a tradução do

Evangelho numa determinada cultura, da mesma forma como Deus se revelou

num certo homem concreto e particular – Jesus de Nazaré. Como Jesus não

esgotou a transcendência de Deus, nenhuma cultura pode também esgotar o

Evangelho. Mesmo reconhecendo os limites dessa analogia, Geffré considerava

que ela servia, ao menos, para fundamentar que o Evangelho não existe em estado

puro, alheio às condições culturais concretas onde é anunciado e cria raízes.

Então, quando se fala da inculturação do Evangelho, quer-se referir ao fato

do encontro de duas culturas: certa forma histórica do cristianismo já sedimentada

e marcada com as feições ocidentais, e outra cultura também marcada com seus

próprios traços, em sua maioria, também indissociáveis de uma tradição religiosa.

280 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 411. 281 Por exemplo: BASTIDE, R. Acculturation. In: Encyclopaedia Universalis, I, 102-107; SALES, M. Christianisme, culture et cultures. In: Axes, janvier, 1981; BEAUCHAMP, P. Le Récit, la lettre et le corps. Paris: Cerf, 1982; LUNEAU – A.T., R. Enraciner l'Evangile. Paris: Cerf, 1982; SHORTER, A. Théologie africaine. Adaptation ou incarnation? Paris: Cerf, 1980; TEISSIER, H. La mission de l'Eglise. Paris: Desclée, 1985; CHENU, Br. Théologies chrétiennes des tiers mondes. Paris: Le Centurion, 1987; além de suas próprias reflexões que podem ser consultadas na bibliografia geral desta tese. 282 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 411. Aqui, inculturação ainda é apresentada como sinônimo de encarnação. Mário de França Miranda trabalha o conceito de inculturação como experiência salvífica interpretada. Portanto, “A inculturação acontece quando o Evangelho transforma de tal modo a vida da comunidade que se torna o núcleo dinamizador de suas atitudes, cosmovisões, valores e ações.” Cf. Inculturação da fé – uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001, p. 59.

136

Para Geffré, a inculturação do Evangelho não pode ser uma tarefa confiada

a “missionários profissionais”, a teólogos ou a peritos. É uma tarefa confiada à

comunidade cristã no todo. Ela resulta, assim, num processo complexo de

relações. É nos vários desafios colocados à vida social e familiar que os cristãos

devem dar provas de que é possível conciliar sua identidade cristã com sua

identidade étnica, cultural, lingüística e nacional. Confiar a tarefa da inculturação

a toda comunidade eclesial implica em reconhecer que não se trata somente de

uma mera adaptação entre o Evangelho e as culturas. Também não se trata de

uma mera plantação da Igreja numa terra estrangeira. Não é a Igreja que é o

objeto da inculturação. É do encontro entre o dinamismo próprio do Evangelho e

uma cultura particular que nasce uma nova Igreja, que apresenta uma figura

histórica nova do cristianismo, uma criação inédita do Espírito do Cristo.283

O resultado do processo de inculturação seria, portanto, possibilitar que o

Evangelho fecunde de tal forma uma determinada cultura que ela possa vivê-lo e

expressá-lo da sua forma própria. Essa nova forma de expressão traria para o

cristianismo aspectos inusitados dele mesmo. Não se trata de viver ou anunciar

um cristianismo diferente, mas de favorecer as condições de aparecimento de

outra figura histórica do cristianismo, o que está em plena conformidade com a

catolicidade da Igreja. A perene novidade da mensagem evangélica estaria no fato

de ela não estar vinculada a cultura determinada, mas, ao contrário, estar aberta a

enriquecer e ser enriquecida através dos encontros sucessivos com as diferentes

culturas.

Geffré fundamenta ainda essa posição reafirmando a força do relato

evangélico. O Evangelho tem uma força tal que faz com que seu encontro com

outra cultura coincida com particularidade cultural à qual ele está ligado. O

conceito de relato bíblico é muito importante em sua reflexão. Para ele, atribuir

valor universal ao relato bíblico implica em reconhecer a particularidade de uma

cultura, aquela que gerou tal relato. O relato bíblico é uma maneira paradoxal de

ser universal. Apesar de sua inegável singularidade, ele tem algo a comunicar às

culturas diferentes. Ao entrarem em contato com os relatos bíblicos, as outras

culturas reconhecem neles algo familiar.

A conclusão a que chega nosso autor é que a inculturação do Evangelho na

diversidade das culturas não pode se fazer sem um enraizamento nos relatos 283 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 411.

137

bíblicos. As diversas releituras dos fatos históricos tidos como revelação de Deus

contidos nas Sagradas Escrituras, a releitura que o Novo Testamento fez da

Primeira Aliança, o abandono (relativo) que a Igreja Antiga fez da cultura judaica

primitiva em sua passagem para o mundo grego, são paradigmáticos para a

situação atual do Evangelho ao olhar as outras culturas. A mensagem vai além do

narrador. Ela tem sua força própria e sua maneira própria de traduzir-se em

qualquer situação em que se encontre.284

3.2. O duplo movimento da inculturação

O processo de inculturação obedece a um duplo movimento: inculturação

do cristianismo e cristianização da cultura. Este é um fenômeno lento e complexo,

que obedece a uma lógica própria de assimilação e de discernimento crítico, como

mostra a história do cristianismo.285 Isso é fundamental para mostrar que ambos

os processos estão imbricados.

Geffré diz que esse duplo movimento da inculturação obedece, por sua

vez, a uma dupla dialética: ruptura e continuidade, dialética de assimilação e

dissimilação.286 Por ruptura Geffré entende que o anúncio do Evangelho coincide

com uma novidade no modo de pensar, no imaginário e nas culturas humanas. Ao

chegar o Evangelho, chega algo irresistivelmente novo. Essa ruptura nem sempre

é tranqüila. A questão principal é saber se é em nome do Evangelho que as

dificuldades se apresentam. O problema está no Evangelho ou na cultura

predominante do evangelizador?

Mas há também uma continuidade entre o Evangelho e as pessoas de uma

cultura particular. O esforço de uma evangelização inculturada supera qualquer

tentação dominadora. Os cristãos que se encontrem numa cultura diferente devem

estar dispostos a rever sua própria maneira de viver o cristianismo, a fim de que

ele não seja um fator de alienação dos valores próprios da cultura a ser

evangelizada. Isso os levará a viver um cristianismo diferente. Não outro

284 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p 416. Aqui o autor apresenta os aportes de teoria narrativa que assume para fundamentar seu pensamento. 285 Id. “Thomas d'Aquin ou la chistianisation de l'hellénisme”. In: L'Etre et Dieu. Paris: Cerf, 1986, p. 23-42, onde se diz que a expressão “helenização do cristianismo” é cheia de ambigüidades. Melhor seria falar de uma “cristianização do helenismo”. 286 Id. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 219.

138

cristianismo, mas uma maneira diferente de viver e expressar o que sempre foi

crido e vivido ao longo da história.

Se não for dessa forma, o cristianismo será infiel à sua natureza de

caminho, à sua condição exodal, insistindo em absolutizar certa objetivação

institucional, ritual e doutrinal, como o estado definitivo da Igreja de Cristo.

Concretamente, isso significa dizer que, face ao desafio das outras culturas e das

outras religiões, a Igreja não pode ser fiel à sua catolicidade quando não aceita sua

própria conversão, quer dizer, quando não aceita reinterpretar seu modo de

expressão ocidental.287

3.3. Inculturação e reinterpretação do cristianismo

O processo de inculturação do Evangelho, como descrito até aqui, conduz,

necessariamente, a um discernimento crítico entre os elementos fundamentais da

mensagem cristã e as formas contingentes que o cristianismo histórico assume nas

várias épocas da história. Em nossa época, pela primeira vez em sua história, o

cristianismo ocidental não é o modelo histórico dominante de pensar e de viver.

Ao contrário, vê-se cercado de outras grandes religiões, de outras antropologias,

de outras mentalidades. Esse estado de coisas faz com que a Igreja comece a

considerar um pluralismo também teológico, litúrgico e uma nova maneira

concreta de viver a fé. A inculturação não será um processo plausível sem uma

reinterpretação criativa do cristianismo.

Tal processo exigirá também a superação de uma concepção instrumental

da linguagem da fé, forçando-a a traduzir não somente o sentido, mas a

reinterpretar o próprio conteúdo. Há uma linha tênue entre as palavras da

linguagem da fé e os significantes. Se essa linguagem for renovada, a nova

linguagem pode ser fiel ao que visava a mensagem cristã original, possibilitando

as harmônicas diferenças na percepção global do conteúdo da fé.288

Um aspecto importante precisa ser aqui reforçado. A verdade do

cristianismo não é identificável com nenhuma mediação histórica necessária à sua

concretização. Essa verdade é sempre um devir que busca equilibrar as diferentes

287 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 419. 288 Id. “La révélation comme histoire. Enjeux théologiques pour la catéchèse” In: Catéchèse n.100-101, juil-août, 1986, p. 59-76.

139

proposições de sentido em função do momento histórico em que se encontre a

Igreja encarnada em tal ou qual cultura.289 Para Geffré, uma verdadeira

inculturação do cristianismo exige reatualizar aquela experiência originária

fundamental em um novo contexto histórico e cultural. Essa experiência

hermenêutica complexa exige alguns critérios imprescindíveis. Primeiro, uma

análise dos elementos fundamentais da experiência cristã testemunhada no Novo

Testamento. Segundo, uma análise da experiência histórica, cultural, religiosa das

pessoas concretas às quais o Evangelho é anunciado. Terceiro, estabelecer uma

correlação crítica entre essas experiências. É sempre o mesmo cristianismo,

apenas em situação diferente.

Essa inculturação é sempre arriscada, mas nós dispomos, segundo Geffré,

de, pelo menos, três critérios seguros: o Novo Testamento como releitura do

Antigo; a releitura da Bíblia cristã pela tradição viva da Igreja; o presente

histórico da Igreja como condição de recepção da mensagem cristã. Esse último

critério é o mais decisivo. É tarefa urgente da Igreja atualizar a mensagem cristã

em outras culturas, diferentes da Ocidental. Sem abrir mão do conteúdo essencial

da fé apostólica, do qual é guardiã, a Igreja deve estar sempre disponível a

contribuir na construção daquela unidade querida por Cristo. Uma unidade que

não se incompatibilize com uma pluralidade de teologias, liturgias,

espiritualidades e de práticas.290

O autor aponta dois perigos constantes a todo processo de inculturação: o

sincretismo e a folclorização. O sincretismo caracteriza-se pela abolição pura e

simples das diferenças irredutíveis entre as religiões. Mesmo numa época de

pluralismo religioso como a nossa, um discernimento nessa direção é necessário.

O otimismo intrínseco ao processo de anúncio do evangelho numa cultura e

religião diferentes não deve diminuir a interpelação constitutiva da mensagem

evangélica. Ou seja, o anúncio do Evangelho não deve arrefecer a necessária

avaliação que ele pode e deve fazer dos valores desumanos ou violentos de uma

cultura, bem como ser uma espécie de “catalizador crítico” ao olhar os valores

éticos, espirituais e ascéticos das outras tradições religiosas.291

289 Cf. A singularidade da verdade cristã como relacional no capítulo três desta tese. 290 GEFFRÉ, C. “Pluralité des théologies et unité de la foi”. In: Iniciation à la pratique de la théologie – T 1. Paris: Cerf, 1982, p. 117-140. 291 Id. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 422.

140

Com essas palavras, Geffré não pretende reforçar a teologia do

cumprimento das outras religiões no cristianismo, já criticada por ele. O encontro

da fé cristã com culturas e religiões diferentes não deve levar, inexoravelmente,

nem à inclusão, nem à exclusão das mesmas. O que defende nosso autor é o

caráter relacional do cristianismo, sem cair no absolutismo, nem no relativismo. O

que ele pretende é não identificar simplesmente o cristianismo histórico como

caminho de salvação e a unicidade da mediação de Cristo.292 Isso implica em

reconhecer o que ele chama de “regime das diferenças” entre as religiões. Os

cristãos estão convencidos de que são detentores de uma mensagem que diz

respeito a todos os seres humanos, mas eles não detêm o monopólio da verdade

sobre o homem e mesmo sobre sua relação com Deus. É essa abertura à

imprevisibilidade de Deus que torna a mensagem evangélica sempre nova.

O segundo perigo apontado por Geffré é o que poderíamos chamar de

folclorização. Ou seja, a evangelização não consiste somente no esforço de

inculturação, nem em fazer com que ela sirva de álibe para não perceber a

situação de opressão política e econômica a que estão submetidos muitos povos

que começam a conhecer o Evangelho. Sem essa visão crítica dos sistemas

políticos e econômicos dominantes nos locais e ambientes de evangelização, a

Igreja pode perceber-se apenas mantendo um status quo marcado pela injustiça.

Seu papel, ao contrário, deveria ser de uma instância crítica que favorecesse uma

efetiva libertação do povo evangelizado. O autor critica, sobretudo, a posição

assumida por muitas Igrejas na África, onde quase nunca as mazelas do sistema

colonial ou a selvageria de grupos autóctones são criticadas. As questões cruciais

não são enfrentadas. No lugar da denúncia, o silêncio. O desafio de apresentar um

Evangelho realmente libertador, como o anúncio de uma Boa Nova continua

(Gl 4, 4-5; 5,1-13).293

Quando essa radicalidade não é considerada, o Evangelho perde um pouco

de seu caráter de ruptura decisiva com todo código religioso ou cultural que

pretenda agradar a Deus sem considerar a sacralidade da vida humana. Por isso,

diz Geffré, o Evangelho é, ao mesmo tempo, um apelo dirigido a todas as nações

292 Cf. o capítulo dois de nossa tese, onde aprofundamos esse ponto. 293 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 423, apud: Jean-Marc Ela, Le cri de l'homme affricain. Paris: L'Harmattan, 1980, p. 166. Esse risco de folclorização da mensagem evangélica também existe no contexto latino-americano e no brasileiro, em particular.

141

para se libertarem da escravidão das tradições religiosas.294 O anúncio do Reino

de Deus é o centro do Evangelho. Ele aponta o caminho certo para a entrada nesse

Reino. Esse caminho se resume no ensinamento de Jesus sobre o amor a Deus e

ao próximo, a atitude filial para com Deus e sororal para com todos os outros

homens e mulheres e para com o conjunto da criação.

Em resumo. Para Geffré, o que resultará do processo de diálogo do

cristianismo com as outras religiões não será somente um diálogo inter-religioso,

mas um diálogo intercultural. A missão cristã, em seu esforço de inculturação,

coincide com um discernimento dos valores próprios portados pelo cristianismo e

em colocar em questão a linha necessária entre a mensagem do Evangelho e a

concretude histórica que nasce de seu encontro com determinada cultura.

A Igreja permanece fiel à sua vocação universal, não pretendendo o

desaparecimento das outras religiões, mas convidando-as ao diálogo, a partir do

testemunho devido ao Evangelho, que será o germe da possibilidade do

surgimento de um cristianismo africano, árabe, indiano, chinês, latino-americano.

Assim se cumprirá a promessa de Pentecostes de que todos os povos da terra

entenderão em suas próprias línguas as maravilhas de Deus (At 2,11).295

É próprio do cristianismo experimentar a tensão entre a letra e o espírito,

suas Escrituras Sagradas e as novidades que o Espírito Santo suscita nas

constantes reinterpretações das mesmas. O cristianismo é sempre historicamente

situado. Ou seja, ele não pode ser entendido como uma religião de pura

interioridade ou muito menos como uma abstração. Pela vontade de Cristo, ele é

uma religião sacramental, mas, como qualquer outra religião, comporta alguma

objetivação doutrinal, ritual e institucional. Por essa razão não pode escapar dos

perigos inerentes às religiões em geral, a saber: o exclusivismo, o sectarismo, o

particularismo cultural, o legalismo e a intolerância. Daí ser fundamental não

olvidar a perene tensão subjacente nele: o enfrentamento dialético entre letra e

espírito. O cristianismo deveria se definir mais como a religião da graça e menos

da lei. Dito de outra forma, nunca pode desaparecer de seu horizonte a

necessidade de reinterpretar-se, a fim de que não se transforme numa obra

puramente humana, quando é dom da liberdade de Deus. Somente mantendo os

294 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 425. 295 Id. Ibid., p, 427.

142

olhos fixos em Jesus Cristo, a Boa Notícia do Pai, a Igreja poderá permanecer fiel

à sua vocação originária.296

Levar a sério essas afirmações implica em reconhecer que o cristianismo

deveria ultrapassar a concepção religião como lei, como código. Somente o

Evangelho seria a religião agradável a Deus, porque pode chegar a todas as

esferas da existência humana. A fé e o Evangelho podem impregnar a cultura, a

ética, a sociedade e a política. A existência cristã não pode ser definida a priori. O

que há é uma maneira cristã de ser pessoa, de amar, de trabalhar, de sofrer, de

crer, por causa de Deus, que nos amou primeiro (1Jo, 4,19). Isso não significa

reduzir o Evangelho a uma ética, já que não se pode viver cristãmente sem o

auxílio do Espírito (Jo 14, 26; 16,13; At 2,14-39; Rm 5, 1-11; 7,14-20).

Geffré diz que o Evangelho tem um poder integrador dos diversos níveis

da existência humana e que isso lhe dá um alcance universal. O Evangelho não

liga a salvação a uma lei ou a uma tradição religiosa, a uma raça ou a uma cultura.

O fundamento de sua universalidade é Jesus que morreu para congregar na

unidade os filhos de Deus dispersos (Jo 11,52). O fato de o cristianismo não ter

testemunhado propriamente isso nos séculos de sua existência não o descredencia

a vivenciá-lo agora no início do terceiro milênio.297

Se for verdade que a mundialização que experimentamos hoje constitui

uma grande chance para a missão da Igreja, as pessoas do nosso tempo têm uma

consciência cada vez mais clara da relatividade histórica do cristianismo, ao

mesmo tempo em que as riquezas das outras religiões se tornam mais conhecidas.

Sem dúvida, o Vaticano II deu um grande impulso nessa direção quando passa a

considerar a história de forma mais positiva. Agora a Igreja não é a única

produtora de sentido na ordem religiosa, moral e cultural. A própria história é

portadora de sentido e coloca questões à Igreja. Deus fala aos homens não

somente pelas Escrituras e pelos grandes textos da Tradição dogmática, mas

também pelos sinais dos tempos. Isso pede da Igreja uma atitude de escuta e de

diálogo (GS 26). É preciso levar a sério a história e sua autonomia, o que implica

296 GEFFRÉ, C. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 426. 297 Id. “Mission et inculturation”, art. cit., p. 427.

143

em submeter-se ao julgamento dessa mesma história.298 A Igreja não precisa ter

medo da história. Um julgamento positivo do momento histórico atual,

caracterizado por um pluralismo religioso inquestionável, pode mais facilmente

favorecer a compreensão da particularidade e da contingência histórica do próprio

cristianismo.

A Igreja deve escutar mais os sinais dos tempos.299 Para isso, ela precisa

renunciar ao ideal da cristandade. Ela pode realizar plenamente sua missão

universal sem pretender instaurar uma ordem política que pretenda ser a

antecipação do Reino de Deus. Por outro lado, nós devemos ter uma consciência

da pluralidade histórica do cristianismo. A Igreja não detém o monopólio da

salvação realizada por Jesus Cristo. Em virtude do desígnio de Deus e da

universalidade do mistério de Cristo, o Reino de Deus pode chegar, à sua maneira,

às outras tradições religiosas da humanidade, seguindo seu dinamismo

escatológico (RM 20).

O contexto hodierno inspira a missão evangelizadora da Igreja a

permanecer fiel ao anúncio de Jesus Cristo como o salvador universal. Porém, ao

invés de centrar-se no objetivo de “converter” os outros, ela deveria colocar-se

mais numa atitude de serviço na convivialidade com os outros, em especial com

os que professam a mesma fé em Jesus Cristo.300 Atrair a Cristo pelo testemunho

do amor doado gratuitamente, evangelizar pela prática da vida.301 A missão no

contexto do diálogo inter-religioso implica, portanto, um dialogar com todos os

homens de boa vontade, manifestando e promovendo o Reino de Deus que foi

inaugurado desde o primeiro instante da criação e que continua na história, dentro

das fronteiras da Igreja da terra e muito além delas.

298 GEFFRÉ, C. “La prétention du christianisme à l'universel: implications missiologiques”. Conférence donnée à Rome le 18 octobre 2000, lors du congrès missiologique internationale, tenu à l’Université Pontificale Urbaniana. Mimeo, p. 3 – “Il convient d’ajouter que dans la perspective de la chrétienté, il y a une telle survalorisation du salut dês âmes dans un salut au-delà de histoire que cette dernière n’est pas vraiment prise au sérieux dans son autonomie: elle est privée de toute capacité messianique”. 299 Id. Ibid., p. 7. 300 KUNG, H. KÜNG, H. Teologia a caminho – Fundamentação para o diálogo ecumênico. São Paulo: Paulinas, 1999. 301 RASCHIETTI, E. “Ser e fazer discípulos missionários – Uma leitura do Documento de Aparecida a partir do mandato missionário de Mateus”. In: REB 268 – outubro - 2007, p.929-948. “A prática de vida é o primeiro anúncio. Para fazer discípulos é necessário ser discípulo, viver o Evangelho “sine glosa”. Cf. D. Ap. n. 138.

144

Diante do desafio de culturas e religiões diferentes, a Igreja não pode ser

fiel à sua missão universal sem operar uma conversão e um discernimento

adequado entre os elementos essenciais da mensagem cristã e os elementos mais

contingentes que revelariam a cultura à qual ela esteve historicamente associada.

O fato que, durante vinte séculos, a figura privilegiada do cristianismo tenha sido

a Ocidental, não impede o surgimento de outras figuras do mesmo cristianismo no

curso deste terceiro milênio.302

A missão perene da Igreja é testemunhar o Evangelho. Ela é a testemunha

de uma esperança que vai além dos limites da história e, dessa forma, consegue

fazer com que o cristianismo seja não somente sensato, mas necessário para o

mundo, à medida que insiste em valores fundamentais como a defesa da vida, do

direito dos pobres e a salvaguarda da criação. É isso que a faz “sacramento do

Reino” (LG 1). Nesse tempo de mundialização, o cristianismo não realizará sua

vocação universal se não puder servir de paradigma para a unidade da família

humana. E isso somente será possível se ela favorecer a emergência de uma

unidade que respeite as particularidades legítimas da ordem antropológica e

cultural. É a Igreja de Pentecostes, como diz Geffré, aquela capaz de maravilhar-

se com as maravilhas de Deus na diversidade das culturas humanas, tão

impregnadas pelas diversas religiões.

3.4. Inculturação e dupla pertença religiosa

Ao tratar teologicamente esse tema delicado, Geffré propõe exorcizar duas

tentações, ou armadilhas freqüentes. A primeira armadilha consiste em agregar ao

conceito de inculturação a analogia entre a Encarnação do Verbo de Deus na

humanidade de Jesus e a encarnação do cristianismo numa nova cultura, como já

foi mencionado antes. No momento em que afirmamos o caráter trans-cultural da

fé cristã, pressupomos que a mensagem cristã assumiu a cultura dominante onde

nasceu, vale dizer, ela surge inseparável do esquema mental e do vocabulário

semita e da cultura grega.

Nos primeiros séculos, essa figura originária do cristianismo se encontrou

com a cultura greco-romana e depois com as outras culturas que plasmaram o que

302 GEFFRÉ, C. “La prétention du christianisme à l'universel: implications missiologiques”, p. 9.

145

se chama cultura ocidental. Esse ambiente histórico-cultural forjou uma nova

configuração dominante: o cristianismo ocidental. Hoje, no limiar no terceiro

milênio, a Igreja começa a pensar seriamente numa outra configuração a partir de

uma questão relevante: “É preciso ser espiritualmente um semita e

intelectualmente um grego para ser um cristão?”.303

Pessoalmente, Geffré acredita na grande vantagem de um encontro

fecundo e criativo entre as fontes do Ocidente cristão e os valores próprios das

culturas não-ocidentais, indissociáveis das suas grandes tradições religiosas. O

clima atual permite uma conversação entre as teologias nascidas em outros

continentes e a teologia européia, no que toca a essas questões. Esse passo permite

relativizar certos elementos que pertencem à bagagem cultural e histórica do

cristianismo através dos séculos passados e que criavam a ilusão de remontar a um

cristianismo puro e com dogmas intocáveis. Numa palavra, o encontro do

cristianismo de hoje com uma cultura não-ocidental é sempre o encontro de duas

culturas.304

Outra armadilha a se evitar é o mito de uma inculturação do cristianismo

numa cultura dita pagã sem considerar seriamente as raízes religiosas dessa

cultura. Isso toca diretamente o problema da dupla pertença. Só se pode falar

realmente de inculturação quando o cristianismo respeita plenamente a pertença

étnica, nacional e cultural daqueles a quem é anunciado o Evangelho. Os

Documentos oficiais reconhecem o valor das outras identidades religiosas. Qual a

identidade chinesa fora da complexa simbiose entre taoísmo, confucionismo e

budismo?

Para os ocidentais, a questão se torna ainda mais crucial devido a nossa

dificuldade de discernir, em nosso atual contexto, o que seja cultura e religião, já

que a modernidade estabeleceu um corte entre ambas. Toda religião digna desse

nome tem uma fecundidade cultural, quer seja na ordem do capital simbólico ou

de um acréscimo do ser e do sentido para determinado grupo humano. A cultura

tem uma função humanizante e relacional. A despeito de suas características

próprias, toda cultura comunica-se com as outras culturas, na medida em que abre

303 GEFFRÉ, C. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”. In: GIRA, D & SCHEUER, J. (Dir.). Les Défis de la Multiple Appartenance Religieuse. Paris: L'Atelier, 2000., p. 127, atribuindo essa pergunta a R. Panikkar. 304 Id. Ibid., p. 128.

146

seu horizonte de interpretação, ou seu quadro cultural, para intercambiar o que for

preciso a fim de garantir a vida humana.305

Geffré trabalha com uma concepção realista de inculturação no atual

contexto de diálogo inter-religioso como algo que deve nos animar a rever nossa

visão puramente negativa do sincretismo. Como já vimos, no início do processo

de inculturação, algum sincretismo é preciso. Nossa experiência atual já nos

permite falar de “budismo cristão” ou “hinduísmo cristão” como outra coisa que

não mero confusionismo ou bricolage, mas como uma possível experiência

resultante de um profundo diálogo entre pessoas sérias e sensatas.306

A questão que merece toda nossa atenção é saber se é possível uma

identidade cristã sob o signo de uma dupla pertença religiosa. Nosso autor se

aventura a apresentar alguns elementos de resposta teológica para essa questão.

No processo de encontro com as outras culturas, o cristianismo não exerce

somente uma função crítica ao olhar as totalidades culturais e religiosas, mas uma

função de assunção e de transformação. Alguém que adira ao cristianismo a partir

de uma tradição religiosa diferente não deve, necessariamente, alienar-se de sua

identidade cultural original. É correto afirmar que o Evangelho exercerá uma

função crítica ao olhar outra tradição religiosa, sobretudo, aqueles elementos

incompatíveis com a fé cristã: especialmente os que atentem contra os direitos

humanos fundamentais. O Evangelho é capaz de transfigurar os valores positivos

de uma religião, enquanto sejam reconhecidos como sementes de bondade,

verdade e santidade presentes nela, e, dessa forma, corrigir seus possíveis desvios.

Em 1977 houve um congresso teológico em Paris onde estiveram presentes

teólogos europeus e chineses. Geffré participou desse congresso. Uma questão

debatida lá o questionou seriamente: “É possível ser taoísta, confucionista,

maoísta e ao mesmo tempo cristão?”.307 Nesse momento começa a inquietação de

nosso autor em torno dessa questão teologicamente problemática. Já naquela

305 GEFFRÉ, C. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”, art. cit., p. 129 306 Id. Ibidem. Aqui Geffré se alinha a outros teólogos como Raimundo Panikkar. Para ele, se o diálogo pressupõe a integridade da própria fé pessoal, requer também uma abertura à fé diferente do outro. Cada um dos interlocutores deve entrar na experiência do outro, esforçando-se para acolher tal experiência a partir de dentro. Por isso, Panikkar fala de diálogo intra-religioso como condição indispensável para o verdadeiro diálogo inter-religioso. Ele o descreve como uma técnica espiritual que consiste em 'passar e retornar'. Passar é ir ao encontro do outro, retornar é reformular sua própria experiência a partir do diálogo. Cf. PANIKKAR, R. Il dialogo intrareligioso. Roma: Cittadella Editrice, 1988, aqui, p. 121. 307 Id. “Perspectivas de uma teologia em face da China atual”, art. cit., p. 87.

147

ocasião, ele constatava a pertinência da questão da dupla pertença como uma

exigência da realidade. Em muitas partes do mundo, notadamente onde o

cristianismo está em contato com uma grande religião dominante, registram-se

casos de dupla pertença religiosa. Subjacente ao problema conflitual entre culturas

profundamente permeadas por grandes religiões, como é o caso da Ásia, está o

problema da pessoa religiosa, do sujeito da experiência religiosa.

É possível ser ao mesmo tempo integralmente cristão e integralmente

chinês? Olhando o caso específico da China, Geffré responde positivamente a essa

questão. Ressaltando que a construção dessa síntese deveria ser feita pelos

próprios cristãos chineses. Quando elementos religiosos e culturais se encontram

inextricavelmente ligados, é difícil não considerar positivamente a dupla pertença.

No início de sua reflexão teológica sobre esse tema delicado, nosso autor

se propõe a colocar as balizas por onde a análise do problema deveria começar. O

primeiro aspecto seria discernir os níveis de encontro entre o cristianismo e outra

religião. Tal encontro pode ir muito longe nas diversas maneiras de encarnação da

experiência do absoluto (meditação, oração, compreensão de si e do mundo etc.).

O problema real aparece quando se considera em que medida a fé em Jesus Cristo

será referencial para uma reinterpretação dos elementos que pertencem a uma

tradição religiosa diferente do cristianismo. Quando se tiver clareza sobre a

ruptura que provém da nova estruturação de elementos idênticos a partir de um

centro absolutamente diferente, diz Geffré, é possível uma dupla pertença

religiosa como um estágio necessário, até a prevalência do poder integrador do

Evangelho.308

Nesse estágio de sua reflexão, o autor trabalha com os conceitos de

ruptura e criação como sinônimos de descontinuidade e continuidade. A chegada

do Evangelho em determinada cultura provoca sempre uma ruptura na

mentalidade, no imaginário dessa cultura. No entanto, mesmo sendo uma

novidade, o cristianismo só se faz entender quando se torna um fato de cultura, ou

seja, encontra eco no quadro interpretativo da cultura em processo de

evangelização, a ponto de expressar-se a partir dele. Continuidade e

descontinuidade, essa é a dialética do encontro da fé cristã com as outras religiões.

308 GEFFRÉ, C. “Perspectivas de uma teologia em face da China atual”, art. cit., 89. Mário de França Miranda também aceita esse “sincretismo temporário”, embora não feche questão quanto ao avanço da reflexão teológica a esse respeito. Cf. Inculturação da fé, op. cit, p. 120.

148

Ainda não vislumbrava o que depois afirmará como transformação recíproca das

religiões que se encontram. Sua reflexão precisava avançar.

Em 1987, num outro artigo já referido, 309o autor francês dá um passo além

na sua compreensão da problemática da dupla pertença agregando o argumento do

face a face da Igreja primitiva e de Israel como um paradigma para o encontro

entre o cristianismo e as grandes religiões em nosso tempo. Diz ele que a

economia do desígnio de Deus deve ser compreendida não somente de um ponto

de vista linear ou diacrônico, mas também sincrônico. Como o judaísmo, as outras

grandes religiões podem ter a função de “pedagogas” quanto à descoberta da

verdadeira visão de Deus e da verdade da busca de Deus pelo ser humano e do ser

humano por Deus, que foi manifestada de maneira normativa no acontecimento

Jesus Cristo. Mas, como o judaísmo, as outras religiões também são ultrapassadas

pelo Evangelho.

Nosso autor volta a encarar esse tema num outro escrito mais recente.310

Aqui ele já considera o problema sob a influência da mundialização, da era da

informação e da crise das instituições tradicionais que favorece a livre circulação

das crenças, desvinculadas de suas tradições religiosas. Parte dos sintomas

apontados pela sociologia religiosa para chegar ao que ele chama de uma

paisagem teológica profundamente perturbadora. À medida que leve a sério o

novo paradigma do pluralismo religioso, a teologia cristã deve considerar

adequadamente esse problema. Já existe um largo consenso para renunciar a certa

absolutização do cristianismo como única religião que detém as chaves da

salvação integral do ser humano. Outras religiões também podem ser caminhos da

única salvação de Deus. O próximo ponto de nossa reflexão continuará o

aprofundamento da dupla pertença religiosa acrescida de um fenômeno

tipicamente contemporâneo.

309 GEFFRÉ, C. “Mission et Inculturation”, art. cit., p. 427 310 Id. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”, art. cit., p. 122-143.

149

4. O fenômeno da multi-pertença religiosa

Hoje se acrescenta um novo complicador: dupla pertença ou múltipla

pertença? Discernir esses conceitos não é sem importância. O primeiro termo se

refere ao encontro do cristianismo com as tradições religiosas não ocidentais. O

segundo designa uma situação tipicamente ocidental. A questão crucial é: se nós

pretendemos fazer um discernimento teológico quanto à nova configuração de

uma dupla pertença religiosa no seio mesmo do cristianismo, não podemos

desconsiderar o fenômeno da múltipla pertença, própria da modernidade

ocidental. Para que essa questão não seja confundida com um mero sincretismo,

como parece ser o caso das novas “religiosidades” que florescem nas sociedades

ocidentais, Geffré lembra que é possível olhar o fenômeno da dupla pertença

como uma “conseqüência lógica de uma verdadeira inculturação”.311 Tendo isso

por base, uma avaliação teológica desse fenômeno torna-se viável.

O teólogo francês parte do pressuposto de que o homem religioso moderno

é espontaneamente sincretista. Este configura sua religiosidade a partir de

elementos compilados de diversas tradições religiosas diferentes, fundindo-os sem

ver grandes problemas. O sucesso desses novos movimentos sincretistas está

diretamente ligado ao avanço da mundialização. A mundialização de ordem

econômica tem seu paralelo no domínio da religiosidade. A tecnologia da

informação, característica de nossa sociedade em rede, favorece o contato com

formas de religiosidade até então afastada dos olhos. Em nossos dias, apenas com

um “clic” se pode ver, ouvir e mesmo interagir com expressões religiosas

diversas. O que resulta desse processo é a emergência de um verdadeiro

“supermercado religioso” que oferece aos consumidores sempre novidades. Na

medida em que se aprofunda o fosso entre uma determinada tradição normativa na

ordem da verdade e da prática e essas novas religiosidades, surge uma espécie de

paradoxo: acredita-se sem se acreditar.312 Se essas crenças têm credibilidade ou

não, pouco importa. O critério último é a síntese subjetiva que o sujeito religioso

311 GEFFRÉ, C. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”, art. cit., p. 123. 312 É esse fenômeno que os sociólogos franceses chamam de “croyances flonttantes” e os britânicos de “bilieving without belonging”. Cf. Estudo a esse respeito em “La Documentation Catholique”, n. 2209, 1-15, agosto de 1999, p. 732-745.

150

faz. O que importa mesmo é a autenticidade da experiência pessoal feita,

prescindindo do contexto originário da crença agregada.

Geffré alerta que mesmo os cristãos não estão isentos dessa tentação

sincretista. Alguns se comportam como estrangeiros à tradição normativa de sua

Igreja, podendo continuar suas práticas fazendo uma seleção radical entre os

diversos artigos do credo, ou escolhendo preceitos doutrinais ou morais de acordo

com a índole individual. O que seria contraditório na ordem de uma lógica

conceitual não é mais segundo uma ordem existencial. O acreditável disponível é

o que vai dar sentido à vida do indivíduo.313

Essa tendência sincretista do nosso tempo é atribuída a uma perda de

credibilidade, se não do cristianismo em si mesmo, das Igrejas oficiais, vale dizer,

das instituições religiosas com seus acentos muito dogmáticos, moralistas,

prescritivos. Diante de uma realidade sempre mais precária, no sentido de que a

secularização, o individualismo exacerbado, o consumismo desenfreado, a

degradação do meio ambiente conduzem ao sentimento de uma vida artificial, os

homens e mulheres do nosso tempo buscam uma espécie de “reencantamento”

pelo próprio ser humano, pelo mundo e por Deus. Surge aqui outro paradoxo: de

um lado, o ser humano que redescobre o valor da transcendência, de outro, as

religiões tradicionais que não sabem bem como responder a essa demanda. O

homem religioso de hoje busca um Deus mais etéreo do que um Deus que se

imponha pela força da argumentação metafísica.314

Por tudo isso, diz nosso autor, não devemos descartar simplesmente esse

fenômeno sob a alcunha de uma mera “nebulosa esotérico-mística”, mas devemos

escutar com atenção e estima esta aspiração difusa na espiritualidade hodierna.

Então, ao mesmo tempo em que não pretende afirmar que as religiões monoteístas

detêm o monopólio da transcendência, Geffré também não aceita que o Absoluto,

entendido como pessoal ou não, seja uma espécie de soma do desabrochamento do

ser humano ou uma energia cósmica informe da qual participem, em comunhão,

todos os seres vivos. É verdade que há certo tipo polarização entre certas correntes 313 GEFFRÉ, C. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”, art. cit., p. 124 – “Et de fait, on ne comprendrait rien à la tendance syncrétiste de la religiosité moderne si on ne la mettait pas rien en lien avec l’individualisme contemporain, le souci jaloux de l’authenticité de son expérience personnelle, la perte de mémoire quant à la tradition religieuse dans laquelle on est né. Les chrétiens eux-mêmes n’échappent pas à la tentation syncrétiste”. 314 Id. “La quête de Dieu dans la courants ésotériques contenporains”. In: La Vie Spirituelle n. 718, março de 1996, p. 147-157. Aqui Geffré desenvolve melhor essa hipótese.

151

do cristianismo, umas que insistem na militância social e política, mas que

respondem mal às aspirações mais espirituais de nossos contemporâneos, e outras

que insistem mais no espiritual. Mas, não se pode esquecer que o cristianismo,

enquanto religião do Evangelho, não separa jamais a causa do homem, sobretudo

do homem mais sofredor, da causa de Deus.

Partindo destes pressupostos, a dupla pertença religiosa só é possível

quando não se considera a religião como sistema, mas como uma experiência

interior e como um voltar-se total de nós mesmos ao Absoluto que nos ultrapassa.

É a minha experiência de Absoluto que será mediatizada pelas objetivações de

ordem simbólica, conceitual e ritual diferentes. O cristianismo pode experimentar

uma metamorfose de seus elementos estruturantes, a partir do contato com os

elementos estruturantes das outras tradições religiosas. É esse movimento que

fará surgir uma figura inédita do ser cristão. Geffré chama a esse processo de um

bom sincretismo. Ele não será fruto de uma mera confusão de conceitos ou rituais,

de um ajuntamento irrefletido de elementos diversos e mesmo contrastantes, pois

assumirá contornos diferentes, a partir da situação em que se encontre o homo

religiosus. Ele será mais difícil de ser aceito, por exemplo, no espírito (nível

intelectual), do que no centro da alma e do coração, no nível da experiência

existencial.315

Nosso autor adverte que essa maneira “generosa” de ver a dupla pertença

não tem ainda sólidos fundamentos teológicos. Ela só pode ser aceita por aqueles

corações que considerem o pluralismo religioso como um destino providencial

permitido por Deus, a serviço de uma melhor manifestação da plenitude da

verdade que coincide com o mistério de Deus, cujo ápice é Jesus Cristo. Esta é a

sua tese central, como já expusemos em vários lugares em nosso estudo. E ela está

em coerência como sua proposição de um novo paradigma para a teologia: a

hermenêutica.

No tocante à relação religião-cultura, Geffré insiste que as religiões, como

as culturas, estão sempre sob o signo da ambigüidade, no sentido de que, bem ou

mal, elas são misturadas de maneira inextrincável. As religiões, enquanto

representam uma busca balbuciante de Deus, comportam uma parte irredutível

que terá sua realização máxima no mistério de Jesus Cristo, como manifestação

315 GEFFRÉ, C. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”, art. cit., p. 134.

152

definitiva do amor de Deus. Assim, quando fala da possibilidade real da dupla

pertença, Geffré pensa no sentido de uma síntese inédita entre os valores positivos

do cristianismo e aqueles das outras religiões, com a certeza de que o positivo das

outras religiões pode ter sido suscitado pelo Espírito Santo de Deus. No contato

com o Evangelho, estas sementes de bondade, verdade, santidade não são

abolidas. Elas podem ser transfiguradas, mas podem também revelar as

potencialidades que não foram explicitadas no seio do cristianismo histórico.

Cada tradição religiosa testemunha aquilo de irredutível na sua maneira de

experimentar o Absoluto. Eis porque não é possível se pretender concretizar, no

tempo presente, algo como uma “super religião”, ou mesmo promover uma mera

complementaridade entre as religiões. Não se trata disso. Esse é o maior erro de

todos os sincretismos.

Recolocando no centro a pessoa de Jesus Cristo, poderemos mais

facilmente transfigurar atitudes espirituais, esquemas mentais, representações

simbólicas, ritos e práticas ascéticas que nos tornaria capazes de ver o diferente,

não necessariamente como o oposto, mas em continuidade com aquilo de Jesus

Cristo que já experimentamos. Desta maneira, é possível falar de dupla pertença

sem cair em contradição ou confusão. Essas buscas tateantes de integração são os

germes e a promessa de figuras inéditas da maneira de ser cristão, o que corrobora

a vocação universal do cristianismo em nossa época de insuperável diversidade

cultural e religiosa.316 As religiões são simplesmente diferentes, e é na sua

diferença que elas terão sua realização plena na plenitude do mistério de Cristo.

Nesse sentido, Geffré recorre mais uma vez às raízes históricas do

cristianismo em sua relação singular com o judaísmo. A nova Aliança inaugurada

por Cristo não instaura imediatamente um novo culto, um novo templo, um novo

sacerdócio. Do ponto de vista ético, o mandamento novo de Jesus é apenas a

radicalização do que já continha a Torah, como lei do amor a Deus e ao próximo.

O que provoca um discernimento entre os elementos contingentes da religião de

Israel e a mensagem evangélica é a urgência da missão pós-páscoa. Jesus mesmo

diz que não veio abolir a lei, mas dar-lhe pleno cumprimento. Se há ruptura,

novidade, ela se resume no acontecimento mesmo Jesus Cristo, que coincide com

a chegada do Reino de Deus na história, e com a nova maneira de relação entre

316 GEFFRÉ, C. “Double appartenance et originalité du christianisme – vivre de plusuieurs religions – promesse ou ilusion”, art. cit., p. 136.

153

Deus e nós. A existência cristã não se define a priori, ela se constrói no

seguimento do Mestre de Nazaré. Se o cristianismo é a religião do Evangelho,

quer dizer, se ele se define mais pelo espírito que pela letra, então ele tem uma

singularidade em relação às outras religiões, como já expusemos alhures. O

cristianismo é mais que uma religião, é uma fé, embora necessite da religião para

expressar-se historicamente, com todas as conseqüências que isso traz. Portanto, o

cristianismo não pode pretender exercer um julgamento sobre o caráter “vestuto”

das outras religiões, quando ele próprio tem que submeter-se ao julgamento do

Evangelho.

Como se percebe, nosso autor tem uma visão muito esperançosa. Ele crê

que o cristianismo pode dar um salto de qualidade se tiver coragem de

reinterpretar-se constantemente. Não é preciso outra Igreja cristã, muito menos

outro Evangelho para nossa época de pluralismo religioso insuperável. O que é

preciso mesmo é voltar às fontes, voltar a Jesus Cristo, único salvador do mundo;

voltar ao Evangelho; voltar à missão confiada pelo Senhor à comunidade eclesial:

ser “sacramento do Reino” e instrumento da unidade da família humana a partir de

um testemunho de vida em coerência com a fé recebida dos Apóstolos.

Conclusão

O atual contexto de pluralismo cultural e religioso não é, em absoluto,

incompatível com a pertinência do cristianismo como religião da Revelação final

de Deus. Como vimos nos capítulos precedentes, o cristianismo tem uma

singularidade inconteste no concerto polifônico das religiões do mundo. É

possível manter o apelo universal da religião cristã ao mesmo tempo em que se

respeite verdadeiramente as outras tradições religiosas. A singularidade cristã não

precisa ser afirmada sempre em termos autoritários. A própria experiência

histórica do cristianismo mostra como é possível articular a unidade a partir da

diversidade. Esse é o testemunho pedido hoje à Igreja cristã. Aí está o fundamento

do seu perene dever missionário.

Este capítulo de nossa tese procurou demonstrar que a missão da Igreja

compreendida como diálogo de salvação consegue manter a relevância do

cristianismo no mundo atual. A própria experiência plural que as diversas

configurações do cristianismo fizeram do acontecimento Jesus Cristo corroboram

154

sua intrínseca dimensão dialogal. Essa maneira peculiar de conviver com as

diferenças preservando a unidade pode ser muito útil no atual contexto. Talvez

seja essa a diferença cristã hoje. A partir daí pode-se reinterpretar a missão cristã

nas suas estratégias. Já não se trata mais de se impor autoritariamente, mas de

dialogar fraternalmente. Os não-cristãos podem já estar sob a dinâmica do Deus

gracioso e desejoso de incluir a todos em sua história de amor com a humanidade.

A inculturação da fé como um processo de fecundação recíproca da

mensagem evangélica no encontro com as diversas culturas e religiões humanas é

mais que uma estratégia, é uma exigência do Reino de Deus já presente entre os

homens desde o primeiro momento da criação. É a ação constante do Espírito de

Deus que faz com que a mensagem cristã seja proclamada, entendida, vivida,

acolhida e expressa a partir de dentro das diversas culturas. É o encontro de quem

já vive o Evangelho com quem aprendeu a vivê-lo de seu jeito próprio, com sua

sensibilidade própria. São esses encontros que fazem emergir figuras históricas

inéditas do cristianismo. É a essa aventura que devemos nos lançar com destemor.

Encontro com as culturas e religiões nesse nível implica em ao menos

admitir a possibilidade da dupla pertença religiosa. A eventualidade de uma dupla

pertença só pode ser sustentada concretamente sobre a possibilidade de

coexistência de dois universos religiosos na mesma pessoa. Até que ponto é

possível partilhar duas crenças religiosas diferentes, fazer de cada uma delas a

própria fé e vivê-las simultaneamente na própria vida religiosa? Que critérios

objetivos poderiam embasar tal experiência? Um ponto de partida pode ser esse

princípio clássico: ubi Christus ibi Ecclesia (Quem está no Cristo, está na Igreja).

O que é exatamente ser cristão? Não é encontrar-se verdadeiramente com Cristo e

fazer dele o único caminho para Deus? O que é exatamente esse estar na Igreja?

Muitas pessoas e grupos humanos não pertencem oficialmente à Igreja, mas estão

sob o dinamismo do Reino de Deus, cada vez que agem conforme o Evangelho.317

Como a identidade cristã está sempre em devir, é possível que os vários

graus de pertença à Igreja possam comportar uma existência cristã que conheça

uma multiplicidade de realizações parciais na ordem da confissão da fé e da

prática do Evangelho. Durante muitos séculos, as outras tradições culturais e

religiosas da humanidade foram consideradas como tábulas rasas e inferiores ao

cristianismo. Hoje, nossa experiência histórica parece sugerir outra compreensão. 317 DUPUIS, J. “l’Eglise, le Règne de Dieu et les autres”. Penser la Foi, op. cit, p. 327-349.

155

Afirmar a priori que uma dupla pertença é impossível seria contradizer a

experiência, uma vez que esses casos não são raros, nem desconhecidos. O desafio

posto à teologia das religiões é pensar essa realidade não a partir de métodos

tradicionais, mas de um método primariamente indutivo, quer dizer, partir da

realidade vivida, para depois procurar seu significado à luz da revelação.

Temos consciência de que estamos num terreno movediço. Há elementos

de outras religiões que podem tranqüilamente se harmonizar com a fé cristã. Mas

há também elementos inaceitáveis. Em todo caso, o perigo do caminho não pode

impedir que a caminhada prossiga. O diálogo inter-religioso, para ser autêntico,

requer dos interlocutores um esforço ascético para entrarem na experiência um do

outro. Antes das religiões, são as pessoas que precisam se encontrar. Esse diálogo

intra-religioso é preâmbulo indispensável para que o diálogo entre as religiões seja

fecundo.318

No capítulo seguinte faremos uma apreciação crítica à teologia de Claude

Geffré. A síntese de sua teologia das religiões que fizemos até aqui estará como

pano de fundo nas conclusões que apresentamos a seguir. O diálogo entre as

religiões é um caminho sem volta. Por isso mesmo precisa ser bem pavimentado,

a fim de que alguns acidentes sejam evitados.

318 DUPUIS, J. O cristianismo e as religiões – do desencontro ao encontro. São Paulo: Loyola, 2004, p. 287, apud WHALING, F. Christian theology and word religions. A global approach. Londres: Marshall Pickering, 1986, p. 130-131: “Conhecer a religião de algum outro é mais que ter conhecimento dos fatos da sua tradição religiosa. Comporta entrar na pele do outro, comporta calçar seus sapatos, comporta ver o mundo, em algum sentido, como o outro o vê, comporta pôr-se as questões do outro, comporta penetrar no sentido que o outro tem de ser um hindu, um muçulmano, um judeu, um budista, ou qualquer outra coisa.”

156

5 CLAUDE GEFFRÉ E A TEOLOGIA DO PLURALISMO RELIGIOSO: UM OLHAR PROSPECTIVO

Introdução Nesse último capítulo apresentaremos a síntese que conseguimos fazer do

pensamento teológico de Claude Geffré. Depois de uma leitura vasta e atenta de

sua obra, propomo-nos a tomar uma posição diante das principais intuições do

autor. Evidentemente a leitura que fizemos não tem a pretensão de ser conclusiva.

Um teólogo com mais de cinqüenta anos de produção literária representa uma

fonte de pesquisa praticamente inesgotável. Vários aspectos de seu pensamento

não puderam ser considerados nessa tese. Nem poderia ser de outra maneira. O

que vamos apresentar aqui é o resultado que conseguimos alcançar a partir do

recorte que delimitou nossa pesquisa.

Começaremos por explicitar a força e a fraqueza da teologia sistematizada

pelo autor. Depois alertaremos quanto a alguns pontos de seu pensamento que

necessitam ser mais bem matizados. Em seguida, apresentamos três intuições

oriundas da nossa investigação que podem servir de estímulo à continuidade da

pesquisa teológica das religiões.

1. Vigor e fragilidade: uma avaliação da teologia de Claude Geffré Nosso estudo da teologia de Claude Geffré nos permitiu constatar aquilo

que a reflexão teológica já vem apontando há algumas décadas: uma teologia

cristã das religiões não é só oportuna, mas necessária à época atual. Um estudo

sistemático das religiões não-cristãs que respeite suas diferenças e ao mesmo

tempo reporte seus conteúdos essenciais à revelação cristã é de grande relevância

para nosso momento histórico. Nesse sentido, o Concilio Vaticano II foi decisivo

para que a Igreja católica passasse a considerar as outras religiões positivamente.

Se buscarmos na Sagrada Escritura os fundamentos para uma abordagem

teológica das religiões, inevitavelmente perceberemos que o confronto com outras

experiências religiosas foi sempre delicado para Israel, precisamente por causa da

sua experiência religiosa peculiar. A automanifestação de Deus dá à religião de

Israel uma significação nova, um alcance universal (Is 45, 14-16).

157

A experiência das primeiras comunidades cristãs consignada no Novo

Testamento parte da raiz judaica, mas absorve também influências da cultura

helênica. Um texto paradigmático é At 17, o discurso de Paulo em Atenas. Nesse

texto, Paulo propõe Cristo como a realização plena de toda busca religiosa,

cumprimento de todos os valores positivos já vividos pelas outras religiões e

mesmo difundidos pelos sábios pagãos. Pode-se, portanto, afirmar com alguma

segurança que o conjunto do Novo Testamento não incentiva a abolir as

diferenças religiosas, mas a olhá-las na perspectiva do pleno desenvolvimento

histórico da única salvação de Jesus Cristo.

O desenrolar da história da Igreja não mostra que essa perspectiva

prevalece. Pouco a pouco, o cristianismo vai assumindo um caráter hegemônico,

beneficiado também por condições políticas favoráveis. A visão unitária da

realidade, própria da antiguidade, facilitava a concretização do princípio: uma

terra, um rei, uma religião. Tal maneira de organização não deixa espaço para a

diversidade, antes requer a uniformidade. Sabemos que esse movimento foi

amplamente vitorioso com a aliança cada vez maior entre o poder temporal e o

poder religioso. Dessa forma, as diversas experiências religiosas que fecundavam

as culturas evangelizadas foram desestimuladas às vezes violentamente com a

chegada da religião cristã. Criou-se, então, uma compreensão bastante comum

segundo a qual as outras religiões não passariam de superstições e erros e de que

seus ritos seriam sacrílegos. Poucos pensadores cristãos se propuseram a

pronunciar uma palavra de valor sobre as outras religiões. Uma exceção

significativa foi Nicolau de Cusa (1401-1464). Ele procura desenvolver o modelo

bíblico de profecia e realização plena, articulando diversidade e unidade. Para ele,

o ponto de atrito entre as religiões está na explicação e na contemplação de Deus.

Daí decorrem costumes, leis e ritos religiosos diferentes. Para conseguir a

concórdia entre as religiões é preciso o retorno de certa diversidade explicativa do

Deus único e verdadeiro. A diferença do cristianismo estaria no fato de reunir em

si os elementos de uma autêntica busca de Deus, que apareceriam dispersos nas

outras religiões. Esses elementos convergiriam para a fé cristã e achariam nela sua

expressão mais perfeita sob a forma do amor e do conhecimento do verdadeiro

Deus.319

319 CUSA, N. De Pace Fidei (1452). Apud: BÜRKLE, H. W. “Théologie des Religions”. In: LACOSTE, J-Y (org), Dictionaire Critique de Théologie. Paris: PUF, 1998, p. 987.

158

Esse pensamento não muda muito até o advento do Concílio Vaticano II.

Nele, pela primeira vez na história da Igreja, as outras religiões são vistas como

portadoras de valores salvíficos nelas mesmas. A partir daí, os cristãos são

incentivados a aprofundar um diálogo respeitoso com os não-cristãos. Coube ao

labor teológico pós-conciliar desenvolver as bases desse diálogo entre as religiões

desde esse novo ponto de partida. No primeiro capítulo desta tese já expusemos a

contribuição específica de Claude Geffré nessa direção. Agora passaremos a

considerar mais detidamente até onde a reflexão teológica desse autor pode fazer

avançar a teologia cristã das religiões; onde estão seus pontos mais vulneráveis e

quais os problemas que ainda persistem no tocante ao diálogo entre as religiões

desde o ponto de vista do cristianismo.

1.1. O diálogo como resposta ao atual momento histórico

A obra teológica de Claude Geffré se apóia na convicção de que o diálogo

é uma exigência essencial da fé cristã. Seu ponto de partida é a história. A história

é, ao mesmo tempo, o lugar da experiência humana e do encontro de Deus com o

ser humano. As religiões emergem, então, como mediações dessa busca de Deus

pelo ser humano e vice versa. Dessa forma, elas se inserem no único desígnio

salvador de Deus. Resta fundamentar teologicamente essa convicção.

Já em 1972, o autor postulava uma nova maneira de fazer teologia,320

inspirado pela abertura proporcionada pelos textos conciliares, em especial a

Constituição Gaudium et Spes, que convidava a Igreja a lançar um olhar otimista

sobre a história humana e o tempo presente. Naquela ocasião, ele já percebia o

risco do divórcio entre a autoridade da fé e a autoridade da razão.321 Seu intento

principal era trazer à luz o debate sobre uma teologia mais orientada pela

hermenêutica que pela dogmática, como era compreendida até então. Dizia que a

recusa de uma teologia autoritária corresponde à natureza da hermenêutica bíblica,

nos mostra que a Escritura é menos um dom diretamente inspirado por Deus, que

um testemunho de um livro que se enraíza no movimento de uma tradição

histórica. O propósito da revelação cristã é de não ser somente uma afirmação

320 GEFFRÉ, C. Nouvel âge de la théologie, op. cit. 321 Id. Profession Théologien, op. cit. p, 13.

159

sobrenatural garantida por Deus, mas de ser revelação de Deus na e para a

história.322

O trabalho de construir uma teologia da história visa ultrapassar a oposição

entre a fé e a afirmação da autonomia da razão moderna, a fim de reivindicar a

credibilidade do cristianismo. Geffré se propõe a enfrentar corajosamente a tensão

entre a fidelidade ao testemunho histórico e a exigência de uma teologia que seja

contemporânea. É nesse contexto que elabora seu projeto de aprofundar a

exigência de um diálogo.

Considerar positivamente a contemporaneidade não significa, para o

teólogo francês, apenas adaptar-se à mentalidade da época, mas ir além. Significa

responder à natureza da Palavra de Deus e da fé. Como a Palavra de Deus não se

identifica simplesmente com a letra, não é impossível hoje construir uma nova

linguagem da fé, nem uma reinterpretação desta.323 Contra a perspectiva de uma

separação radical entre a atitude da fé e a justa autonomia da razão moderna, o

autor propõe a hermenêutica e a valorização da história como elementos inerentes

ao pensamento teológico. Tais elementos são capazes de falar uma linguagem que

as pessoas do nosso tempo possam entender. É preciso respeitar a alteridade do

“acontecimento passado” que nos interpela, e a maneira como ele pode se

expressar nos diversos contextos histórico-culturais.

Geffré constrói uma teologia da história que tem como princípio

hermêneutico a história universal. A história como tal pode ser interpretada num

sentido escatológico. Ela é revelação de Deus porque o seu fim foi antecipado no

destino de Jesus de Nazaré e mais particularmente no acontecimento da

ressurreição. Na ressurreição do Cristo como antecipação do fim da história, nós

temos a chave da história universal.324 Para ele, a teologia não pode se contentar

em dar uma interpretação teórica da história, ela deve apontar para uma práxis,

para uma transformação do presente em vista do futuro. Nesse sentido, assume as

preocupações colocadas pela teologia política de J. B. Metz, em seu esforço de

“desprivatizar” a mensagem cristã. Esta dimensão política da fé faz com que os

322 GEFFRÉ, C. Un nouvel âge de la théologie, op. cit., p. 56. 323 Id. Un nouvel âge de la théologie, op. cit., p. 60. 324 Id. Ibid., p, 180-181.

160

cristãos se sintam chamados a provocar na história a realização do futuro

prometido em Cristo.325

Essa aproximação com a teologia política faz com que Geffré enfrente e

aprofunde a crítica dirigida a uma religião separada da vida humana e à idéia de

um Deus estranho ao futuro do mundo. A realidade de Deus está unida à realidade

do mundo. A partir dessa constatação, nosso autor propõe que uma Igreja em

sintonia com as exigências contemporâneas deveria ser uma instituição da

liberdade, sinal prático e eficaz da esperança escatológica.326 Aqui está uma boa

intuição de Geffré. Ele vislumbra uma plausibilidade efetiva para a Igreja cristã

em nosso mundo pluralista. Cabe à Igreja tecer a unidade possível entre as

diferenças irredutíveis apresentadas pelas culturas, religiões e sociedades. Como

uma comunidade humana historicamente situada, mas impregnada de esperança

escatológica, a Igreja pode provocar um movimento de reconstrução do tecido

humano, social e cultural fragmentado do nosso tempo, apontando para a

possibilidade real da unidade a partir das diferenças. Uma unidade que remeta

para além das diferenças, sem suprimi-las. Para isso nosso autor se apóia na

história do cristianismo, especialmente, do primeiro milênio, quando se podem

descobrir elementos estruturantes pertinentes também para o contexto atual.

Apontar uma comunidade de iguais em dignidade como lugar concreto de

humanização e de convivialidade não é pura utopia. É justamente esse caráter

comunal do cristianismo que nosso autor destaca como condição de sua

possibilidade em todos os tempos, inclusive, claro, no nosso. Assumir essa

posição implica em elaborar uma teologia mais modesta, mais interrogativa que

afirmativa. Geffré insiste em que se considerem adequadamente as novas etapas

da consciência humana que se apresentam no tempo atual. Para ele, a atitude

dialogal que se pede hoje deve se guiar pela busca de uma consideração positiva

da pluralidade. A inter-relação de religiões e culturas diferentes habitando um

mesmo território é uma boa oportunidade para a reafirmação de convicções

fundantes da fé cristã quando tem que se confrontar inevitavelmente com o

diferente. Reconhecer a diferença é relativamente tranqüilo. Considerar o

diferente como igual já é um pouco mais difícil. Geffré chega até aqui. No

325 GEFFRÉ, C. Un nouvel âge de la théologie, op. cit., p. 110-111. Aqui o autor apresenta os pontos de contato com o pensamento de Metz. 326 CORTESI, A. “De l’herméneutique théologique à la théologie interreligieuse – dans l’ouvre de Claude Geffré.” In: R. S. P. T. 91 (2007), p. 294.

161

entanto, não apresenta saídas possíveis para os problemas institucionais que o

pluralismo religioso traz consigo.

Parece-nos pertinente associar às intuições certeiras de Geffré alguns

avanços possíveis ao considerar-se positivamente a realidade em que nos

encontramos. A teologia do tipo hermenêutico é necessariamente plural na medida

em que favorece certa circularidade entre a leitura crente dos textos fundadores

que testemunham a experiência originária cristã e a existência cristã de hoje. Tal

movimento pode fazer nascer uma interpretação nova do cristianismo. A

pluralidade considerada desde essa ótica se apresenta como uma expressão da

catolicidade autêntica, ao mesmo tempo em que provoca o cristianismo a repensar

o estatuto de sua verdade, que não está identificada com fórmulas dogmáticas

fixadas de uma vez por todas. Já abordamos no capítulo três desta tese os

argumentos decisivos de Geffré para essa questão. Aqui nos interessa destacar a

definição de teologia que nosso autor propõe. Para ele, a teologia é uma

“reinterpretação criativa da mensagem cristã, um conhecimento interpretativo”.327

A teologia trabalha sobre um texto estando ele mesmo num ato de interpretação,

enquanto codificação de um acontecimento historicamente situado. O discurso

interpretativo é contemporâneo da fé, inerente à experiência fundante da primeira

comunidade, e permanente, enquanto releitura dessa experiência em suas várias

concreções históricas. Tal compreensão ajuda a desmistificar a idéia de um

conteúdo subjacente invariante às traduções teológicas múltiplas e variáveis.

Dessa maneira, a revelação e a fé são tão radicalmente históricas quanto a

teologia.

É em coerência com essa compreensão do caráter da teologia que Geffré

fundamenta sua concepção de verdade como tendo um desenvolvimento

progressivo, graças ao testemunho dos cristãos durante a história e em sua tensão

escatológica. Trata-se de uma verdade vista e jamais possuída,328 uma vez que

permanece sempre a distância entre a Palavra de Deus consignada nas Escrituras e

327 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 93-94. 328 Id. “La vérite du christianisme” art. cit., p. 180; “Le pluralisme religieux et l’indifférentisme” art. cit., p. 23; “Pour un christianisme mondial” art. cit., p. 16; Crer e Interpretar, op. cit., p. 147. Ainda sobre a delicada questão da verdade cristã vale conferir as preciosas afirmações do documento da COMISIÓN TEOLÓGICA INTERNACIONAL. El Pluralismo Teológico. Madrid: BAC, 1972.

162

o Evangelho como plenitude escatológica, ou seja, como memória e promessa ao

mesmo tempo.329

De qualquer modo, hoje já não é possível para o cristianismo um

fechamento presunçoso e que considere a própria verdade como “absoluta” e sem

ligação com a verdade dos outros. Nosso contexto pluralista pede o apreço pelos

outros, não o desprezo; pede a compreensão recíproca, o estudo e o diálogo. É fato

que as grandes religiões do mundo não podem mais ser rejeitadas ou ignoradas. É

preciso continuar o esforço para responder teologicamente ao problema da

salvação da maioria da humanidade que não está nas fileiras das Igrejas cristãs. O

face a face das religiões traz à tona, não a pobreza ou a ignorância, mas a riqueza

e a sabedoria milenares das outras religiões. O que o cristianismo ainda tem a

dizer?

O diálogo possibilita o compartilhamento de convicções historicamente

construídas e seriamente defendidas. Aqui Geffré chega a ponto que requer

cuidado na abordagem. Ao ressaltar que o pluralismo religioso permitido por

Deus leva a emulação recíproca entre as religiões, o que é aceitável, o teólogo

francês diz que as outras religiões não são projeções da única verdade contida na

revelação cristã, nem desvios em relação a esta. A situação começa a se tornar

complicada quando ele diz que “a própria revelação cristã é inadequada em

relação à plenitude da verdade que está em Deus, assim como a humanidade de

Jesus é inadequada em relação à riqueza do verbo de Deus. Ela é ainda uma

tradução”.330 Essa afirmação requer cuidado, porque “inadequação” aqui não quer

dizer incompletude. Não é porque a limitação humana é incapaz de alcançar a

plenitude da revelação de Deus em Jesus Cristo que esta é, de alguma forma,

incompleta. Não é porque o homem Jesus de Nazaré, enquanto sujeito histórico,

certamente não foi capaz de captar tudo da plenitude do Verbo de Deus, que nele

não tenha habitado corporalmente a plenitude da divindade (Cl 2,9). É verdade

que a percepção da revelação pelas religiões, inclusive pelo cristianismo, é sempre

parcial. Há certamente muito da riqueza de Cristo que o cristianismo não

apreendeu ainda. Isso, no entanto, não minimiza o caráter único do cristianismo

no concerto polifônico das religiões do mundo. É claro que essa exceção cristã

não precisa ser afirmada de maneira autoritária, como diz acertadamente o autor.

329 GEFFRÉ, C. Profession Théologien,, op. cit., p. 99. 330 Id. Crer e Interpretar, op. cit., p. 147.

163

A singularidade cristã reside exatamente na confissão vinculante da fé em Jesus

Cristo como a irrupção do Absoluto na contingência da história. Não é possível

continuar cristão abdicando desse engajamento radical em relação a Jesus Cristo.

Essa maneira de conceber o cristianismo deve levá-lo à “prática cordial da

alteridade”.331 Um requisito necessário a todas as religiões enquanto lugares de

apreensão, expressão e celebração de um mistério que as ultrapassa. Assim se

entende a afirmação de que a verdade religiosa deve ser compartilhada para que se

chegue a uma maior compreensão do mistério divino. Essa maneira de entender a

verdade não é de todo estranha ao próprio testemunho bíblico de Jesus Cristo, que

viveu, mostrou e ensinou a prática da alteridade como acesso seguro à salvação

(Mt 25, 31-46). Afinal, a vida de Jesus foi assim: totalmente voltada para o Pai e a

serviço dos outros. A prática do diálogo inter-religioso deverá levar as diversas

tradições à celebração de uma verdade que ultrapassa o caráter parcial de cada

uma. Dessa forma, nenhuma tradição religiosa pode querer para si a exclusividade

da verdade religiosa.332

É nossa convicção que o diálogo inter-religioso não prosperará se ficar

concentrado em torno das questões relativas à verdade. Nosso estudo constatou

que resulta muito difícil equilibrar os discursos sobre essa temática. Nosso

contexto pluralista traz problemáticas novas quanto à construção da própria

identidade. Isso já não se faz com a serenidade plácida de outrora. Hoje somos

forçosamente levados a considerar seriamente a alteridade. Estabelece-se a

identidade própria não mostrando somente que se é diferente do outro, mas que se

é parte do outro. Então, a capacidade de ensinar ao outro e aprender do outro, de

incluir o outro e de deixar-se incluir pelo outro não são atitudes periféricas. Nessa

maneira de ver a realidade, percebemo-nos em condições capazes de fazer-nos

continuar a viagem tremenda e fascinante, na companhia das outras religiões,

rumo ao Absoluto.333

Geffré nos ajuda a perceber que uma teologia cristã das religiões não pode

escusar-se de pensar seriamente o outro enquanto outro. Assim é possível

construir um consenso a partir do respeito às diferenças. Afinal, o estranho não é

331 GEFFRÉ, C. Crer e Interpretar, op. cit., p. 148. 332 MIRANDA, M. de F. “Verdade cristã e pluralismo religioso”. In: Atualidade Teológica ano VII, 2003, fasc. 13, p. 32-49. Vale conferir sobre essa questão delicada as esclarecedoras conclusões desse autor. 333 KNITTER, P. Nessun altro nome? Brescia: Queriniana, 1991, p. 226-229.

164

inferior, o diferente não é, necessariamente, oposto. Não é mais possível permitir

a exclusão do outro por ser diferente. Isso não será tão tranqüilo para as

instituições, acostumadas a “certezas inflexíveis”. Nosso contexto pluri-cultural

exige mudanças de condutas e mentalidades. Concordamos com Geffré quando

afirma ser uma tarefa histórica das religiões do mundo se engajarem na difusão de

direitos coletivos; na vivência da alteridade, da convivialidade possível, mesmo a

partir de diferenças inarredáveis; e na construção de outras formas de

interatividade que supere querelas históricas, posições preconceituosas,

fundamentalistas e integristas.

O face a face das religiões do mundo provoca uma mudança significativa na

autoconsciência das religiões e na consciência que têm umas das outras. Por isso,

uma tese fundamental para o autor é que o pluralismo religioso atual constitui um

novo paradigma teológico,334 daí a importância de considerá-lo seriamente. Em

nenhum outro momento histórico a coexistência do cristianismo com as outras

religiões provocou tanto os fundamentos da fé cristã. Até então, os grandes

adversários da fé cristã eram os postulados da ciência moderna. Agora os

questionamentos à fé cristã estão disseminados em várias esferas e, o que é mais

complicado, esferas que também falam de Deus, em nome de Deus, e são

portadoras de experiências místicas. Quem são esses novos interlocutores da fé

cristã? A reflexão teológica não pode, diante desse novo horizonte, recorrer a

posições dogmáticas ou apologéticas, como outrora. A palavra diálogo surge,

então, com cada vez mais força. Somente através dessa abertura ao diálogo é

possível pensar o irredutível da revelação cristã: a automanifestação de Deus na

história mediante a pessoa de Jesus Cristo, inseparavelmente homem e Deus,

único salvador de toda a humanidade.

334 T. Kuhn fundamenta o que Geffré entende por paradigma. Kuhn apresenta basicamente dois sentidos para compreender o conceito de paradigma: o sentido sociológico, que “indica toda constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhados pelos membros de uma comunidade determinada”. E o sentido filosófico “que denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para soluções para os restantes quebra-cabeças da ciência normal”. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 218. O paradigma é uma referência que faz avançar a pesquisa científica. São as novas demandas que provocam o surgimento de novos paradigmas. Geffré compreende que a emergência do pluralismo religioso como uma realidade histórica inquestionável fez deste também um novo paradigma teológico. GEFFRÉ, C. Crer e Interpretar, op. cit., p. 131. Faustino Teixeira escreve um texto pequeno e entusiasta a esse respeito em Concilium 319-2007/1, p. 24-32.

165

O contexto pluralista atual é um convite para “reinterpretar a unicidade do

cristianismo como religião de salvação entre as religiões do mundo”.335 Não é

possível mais afirmar apenas que a existência das outras religiões se deve a uma

espécie de “cegueira” ou pecado dos seres humanos. Quem sabe a pluralidade de

expressões religiosas não estaria nos planos de Deus, cuja significação última nos

escapa? Para Geffré, o critério fundamental para se interpretar o pluralismo

religioso é a afirmação fundamental da vontade de salvação universal de Deus que

se estende a todos os seres humanos desde as origens.336 O grande desafio posto à

reflexão teológica hoje é

tentar pensar a pluralidade insuperável dos caminhos que levam a Deus sem comprometer nem sacrificar o privilégio único da religião cristã. Trata-se em particular de conciliar a afirmação fundamental da vontade universal de salvação de Deus com todos os textos do Novo Testamento que atestam que não há salvação fora do conhecimento explícito de Jesus Cristo.337

Como já tivemos ocasião de mencionar, nosso autor considera que o

processo atual de globalização acaba por incidir também na premência do diálogo

entre as religiões.338 À livre circulação de bens, capitais e serviços, alia-se a livre

circulação de crenças e práticas religiosas, principalmente influenciadas por

correntes esotérico-místicas. Também no que se refere à religião, o critério

fundamental passa a ser a “escolha”. O mais importante para o adepto é o bem-

estar subjetivo, fruto de sua escolha, não, necessariamente, a adesão a um

conteúdo objetivo de fé. A salvação almejada se sobrepõe a qualquer outro critério

de verificação. Então, ao se olhar a realidade do mundo atual, em especial no

Ocidente, não se pode confundir secularização com descrença. É verdade que a

secularização como a experimentamos hoje tem características marcantes como

laicização, dessacralização e ateísmo. Mas também é marcada por uma grande

religiosidade plural e difusa. Geffré fala em “metamorfoses do sagrado”.339 Quer

dizer com isso que o sagrado não se identifica com as culturas e religiões que

pretendem apreendê-lo, expressá-lo ou mesmo domesticá-lo. Ele supera sempre as

apreensões que dele se fazem na história.

335 GEFFRÉ, C. Crer e Interpretar, op. cit., p. 134. 336 Id. Ibid., p. 136. 337 Id. Ibid., 138-139. 338 Id. “Pour un christianisme mondial”, art. cit., p. 6. 339 Id. Como fazer teologia hoje, op. cit., p. 250.

166

Deparamo-nos aqui com mais um aspecto relevante: a centralidade do

sujeito na experiência religiosa. Somente comunidades constituídas a partir de

pessoas que escolhem conviver e construir juntas projetos duradouros podem

expressar o que é fundamental na experiência cristã de Deus. O mundo fluido de

hoje precisa desse espaço que chamamos comunidade como lugares de

humanização. Essa constatação traz um desafio incontornável para o cristianismo.

É preciso reinterpretar em comum a própria fé, entendida como resposta pessoal e

comunitária à proposta de Deus a um povo e a sujeitos livres. É preciso também

celebrar em comum a fé com as pessoas reais e suas complexidades. Isso implica

levar em conta as potencialidades de cada sujeito e a integração pessoal e

comunitária de suas carências. O cristianismo somente será possível no mundo

contemporâneo se conseguir articular adequadamente a realidade em que se

encontra com o ideal que almeja. Dessa forma, considerar positivamente a

subjetividade não é uma questão marginal em tempos de pluralismo cultural e

religioso. Parece-nos ser específico do cristianismo insistir na plausibilidade de

comunidades configuradas a partir da adesão livre e responsável fundamentada

numa tradição que nos antecede, nos constitui e nos sucederá. A realidade, porém,

nos mostra que isso não se concretizará sem grandes esforços, já que esta se

apresenta fragmentada e efêmera. É difícil postular algo como compromissos

duradouros e vínculos permanentes em um tempo como o nosso. Está em gestação

um novo jeito de ser humano mais consciente de sua liberdade. Está em gestação

também uma nova ética, mais polissêmica, policêntrica, essencialmente subjetiva.

Os atuais avanços tecnológicos contribuem para a configuração dessas novas

subjetividades. Vivemos sob o domínio das novidades. Isso é um problema para

as instituições porque as novidades acabam por escapar ao controle de estruturas

por demais hierarquizadas e fixas.

Claude Geffré se dedica a aprofundar essas questões a partir de 1996. Sua

intenção é buscar um fundamento teológico que fosse capaz de responder a essa

nova realidade. Dez anos depois, ele apresenta o mito de Babel como o paradigma

do pluralismo atual. Quem diz pluralidade de culturas diz também pluralidade de

religiões e isso não impede de pensar que Pentecostes responde a Babel. Ora,

pentecostes é precisamente uma espécie de legitimação que é dada à pluralidade,

vista a partir do mistério de Deus que não pode ser expresso a não ser por uma

167

pluralidade de formas religiosas.340 Aqui se apresenta em sua forma mais concreta

o desafio do diálogo inter-religioso. O futuro do cristianismo passa pela abertura

ao diálogo com as diferenças. O diálogo é fundamento intrínseco à fé cristã, não

uma mera atitude de respeito ao outro, por mais louvável que seja tal atitude. O

diálogo entre as religiões é um meio concreto de percepção do caminho misterioso

de Deus na economia da salvação. Por isso, já é uma forma de missão.

Geffré vai além de uma teologia da realização plena em Cristo ou da

preparação evangélica existente nas outras religiões até se encontrarem com o

cristianismo. Ele propõe, no interior de uma lógica de mediação da Revelação,

considerar as outras religiões como “mediações derivadas”, sempre mantendo o

primado de Cristo. Não seriam mediações que fariam concorrência com a

mediação de Cristo. As outras religiões podem ser consideradas salutares

enquanto participam misteriosamente da mediação de Cristo no seio da história

A palavra mediação é sem dúvida muito forte, na medida em que, no sentido estrito, só convém à mediação do próprio Cristo ou à mediação da Igreja, mas pode-se falar de mediação derivada, tendo em vista que as tradições religiosas são como que quase-sacramentos da presença do mistério da salvação operada por Jesus Cristo.341

Para aprofundar a noção de “mediação derivada”, o autor acrescenta a

noção de valores crísticos presentes nas outras tradições religiosas, o que não

permite que a contingência histórica do cristianismo detenha tudo de Cristo. Mais

de uma vez deixa claro: a universalidade de Cristo não se separa, mas não se

confunde com a universalidade do cristianismo, enquanto realidade histórica. O

paradoxo da Encarnação é a chave hermenêutica que permite manter a unicidade

da mediação de Cristo e o respeito pela pluralidade religiosa.342

Uma atitude dialogal, como requer o nosso tempo, pede das religiões a

possibilidade de uma nova colaboração. O encontro com as outras grandes

religiões do mundo deveria fazer com que o cristianismo redescobrisse a

importância do pólo místico, sacramental e lúdico, ao lado do inalienável dever de

lutar pela justiça, pelos direitos fundamentais do ser humano e, sobretudo, pelo

resgate de uma visão de mundo que não escamoteasse a dimensão escatológica.

340 GEFFRÉ, C. Crer e interpretar, op. cit., p. 137. 341 Id. Ibid., p. 158. 342 Id. De Babel à Pentecôte, op. cit., p. 125.

168

Essa perspectiva de aprofundamento teológico constitui uma novidade na

experiência histórica do cristianismo. As religiões não mais podem ser

consideradas como sistemas fechados, mas como experiências que tocam no mais

profundo do humano e remetem à totalidade da realidade a um mistério maior, a

Deus, fundamento absoluto de tudo o que existe. As intuições de Geffré oferecem

uma contribuição importante para uma teologia que queira estar em sintonia com

os novos desafios postos à fé pelos novos contextos onde se encontre o

cristianismo.

Dialogar é preciso, reconhecer o valor da diferença é preciso. No entanto, é

preciso, da mesma forma, evitar saídas simplistas para problemas sérios que ainda

persistem renitentes no caminho sem volta do diálogo entre as religiões do

mundo. Consideramos a posição de Claude Geffré bastante equilibrada nesse

particular. Mesmo sendo um entusiasta do diálogo, nosso autor não se esquiva de

apontar alguns riscos inerentes a ele. Um dos primeiros a se evitar é pensar que

seja possível uma espécie de “super-religião mundial” como um amálgama das

várias religiões particulares. Tal intento se revela impossível por várias razões.

Uma das principais é que não se pode aceitar a afirmação falaciosa de que todas as

religiões são iguais. Não são. Há diferenças fundamentais entre elas. Há

contradições intransponíveis entre as várias tradições religiosas. Desconsiderar

tudo isso seria pôr por terra tudo o que já se afirmou sobre a real possibilidade da

unidade a partir das diferenças. As diferenças sempre existirão, o que não implica

absolutamente que o diálogo não possa ser construído. Portanto, não se pode

pretender que o que se chama de ecumenismo planetário se transforme em uma

confusão irrefletida, em um sincretismo grosseiro que sobrepuje as diferenças

reais existentes entre as religiões. Geffré resolve essa questão ao sustentar que

cada religião tem algo de irredutível em relação às outras. O diálogo só pode se

dar a partir desses irredutíveis, respeitando-os, delimitando-os, explicitando-os.

Enquanto mediações humanas, as religiões sempre serão ambíguas e diversas. A

raiz da diversidade religiosa está precisamente na mediação humana. A fé cristã

sustenta que Cristo é o ponto de unidade e integração do humano. Ele é Aquele

que ilumina todo ser humano (Jo 1, 9); o Filho enviado pelo Pai para restaurar

n’Ele todas as coisas (Ef 1, 4-5; 10); e Aquele em torno do qual todos os povos

estão convidados a formar um só Povo a partir da diversidade real (LG 16). Não

se pode confundir esse postulado com a plausibilidade da configuração de uma

169

“super-Igreja”, uniformizando todas as tradições cristãs; ou uma religião mundial

suprimindo simplesmente as fronteiras reais entre as diversas tradições religiosas.

Isso não contradiz o que já se afirmou acerca da possibilidade real diálogo inter-

religioso. Apenas o coloca no patamar adequado, desde a perspectiva cristã, já que

não é possível, sob qualquer hipótese, abdicar da unicidade salvífica de Jesus

Cristo e da singularidade do cristianismo como religião da revelação final do Deus

uno e trino. Esse poderá ser um caminho indireto, porém decisivo para melhor

diferenciar o que há de específico em cada tradição. Diferenciar e discernir o que

é histórico daquilo que constitui o absoluto para o engajamento do crente com

aquele que ele invoca como Deus (com os acentos próprios de cada tradição).343

Estamos convencidos de que a teologia do pluralismo religioso de Claude

Geffré também evita cair no perigo do relativismo.344 A evidência e a vitalidade

da pluralidade das formas religiosas sugerem, segundo Geffré, uma ocasião de

aprofundamento da própria fé cristã em relação as suas múltiplas formas de

expressão. Parece-nos que essa intuição merece credibilidade. A fé eclesial

confessa que o jeito de ser cristão é configurado sempre a partir da relação

amorosa entre Deus que se revela e o ser humano que acolhe e responde a essa

revelação. Trata-se, portanto, de uma relação marcada pela historicidade. Disso se

conclui que não existe uma maneira uniforme de ser cristão. Mesmo

considerando-se o sujeito Igreja como referencial último na atestação da

verdadeira fé, o sujeito “Igreja” não existe a não ser hipostasiado em sujeitos

históricos contextualizados e encarregados de não deixarem que se perca o que

conseguiram reter da experiência que fizeram com Jesus Cristo. O diálogo pode

ser ocasião para que percebamos melhor aspectos da nossa fé que aqueles que nos

precederam não conseguiram nos transmitir completamente. É o Espírito Santo

quem conduz às coisas futuras, isso pode significar novas maneiras de

343 GISEL, P. Faire face aux pluralités religieuses. In: JOSSUA, J. P. (Org), Interpréter – Mélange offerts à Claude Geffré. Paris: Cerf, 1992, p. 193-210, aqui p. 208-210. 344 Relativismo aqui se entende como um princípio de explicação das crenças segundo o qual o que cada um julga verdadeiro ou falso não é somente influenciado pelas circunstâncias do tempo e do lugar, mas totalmente independente. O termo data do século XIX, embora o conteúdo tenha raízes mais antigas. Segundo essa concepção, a apreensão do real pode ser total ou parcial, mas ela serve, sobretudo, para todos os julgamentos de verdade. Entretanto, há diferentes modos de apreensão do real, segundo a divergência de opiniões sobre o tema em tela. O relativismo pode servir para afirmar que tal coisa é verdadeira ou falsa. Mas pode, além disso, pretender que essa possibilidade não se explique pelo fato de que ele não tem, de verdade, o domínio do que está em questão. Claro que não se pode aceitar tais pressupostos. Por outro lado, algum relativismo tem que existir. A questão toda está em equilibrar o que não se pode colocar em questão, com o que é possível ceder em vista de um avanço significativo no que se busca em comum.

170

compreender o mistério. Chegar ao conhecimento pleno de Cristo é tarefa para

toda vida (Ef 3, 18). Por isso, os cristãos não podem prescindir da “Igreja” porque

receberam dela a fé. Uma fé sempre inculturada, sempre sujeita aos riscos das

interpretações, mas uma fé constantemente assistida pelo Espírito Santo, que

conduz a Igreja e não permite que ela se limite às suas múltiplas configurações

históricas, ou que se dilua em alguma delas.

Ao encarnar-se, Deus assume também os riscos inerentes às múltiplas

interpretações possíveis de sua presença e de sua ação. Da mesma forma, ao

querer a Igreja, Deus também assume tais riscos. No entanto, não existe outro

lugar para encontrá-lo a não ser no mundo e, de maneira especial, nessa Igreja

imersa no mundo, cheia de ambigüidades, mas que afiança a autenticidade de que,

na plenitude dos tempos (Gl 4,4), ele chegou até nós; que sua ação salvadora é

constante (Mt 28, 20), até que cumpra plenamente sua missão, até que Deus seja

tudo em todos (1Cor 15,28).

Aquilo que Paulo chamava “tesouros em vasos de argila” (2Cor 4, 7), em

tempos de pluralismo religioso, se torna mais delicado ainda. Os toques entre os

diversos vasos de argila, cada um contendo seu tesouro próprio, podem ser uma

ocasião de despertar para a existência do outro, de maravilhar-se com o que o

outro carrega, mas também pode acontecer que esse entrechoque se dê de um jeito

que os vasos comecem a apresentar rachaduras profundas ou até que se quebrem.

Aí os tesouros estariam desprotegidos, estariam por demais expostos; poderiam se

perder no terreno nivelado onde se encontrassem. A mudez tomaria o lugar do

diálogo, já que ninguém saberia ao certo o que dizer.

De fato, o tempo presente só pode apresentar alguma esperança de futuro a

partir da aceitação da alteridade e da diferença. Esse parece ser um movimento

sem volta, embora ainda existam aqueles que não admitem tal possibilidade. Para

estes, o momento atual é propício mais ao retrocesso do que ao avanço. Em todo

caso, esse voltar-se para o outro não é algo assim tão fácil. Para a cultura

ocidental, sobretudo, é muito difícil olhar para o diferente sem, mesmo

implicitamente, considerar-se como o centro que ainda pode nominar e definir o

que lhe é estranho. O outro imaginado a partir da autoproclamação de quem está

no centro é, geralmente, idealizado, projetado. O contexto em que nos

encontramos tende a demonstrar, inequivocamente, que a realidade é policêntrica.

O pluralismo é uma forma de reconhecer isso. Mas, às vezes não se consegue tirar

171

todas as conseqüências dele. Há um preço a ser pago em qualquer pluralismo: o

fato de não haver mais um centro. Aí está uma das razões dos vários conflitos

hermenêuticos sobre a interpretação do presente: não se enfrenta corajosamente a

fascinante e perturbadora realidade do mundo policêntrico. Não adianta ignorar a

realidade. Por isso, os outros devem ser verdadeiros “outros” e não projeções de

quem sempre se acostumou a ditar as normas. Os diferentes não são aqueles que

estão às margens, eles são centros autônomos e, ao mesmo tempo, interligados.

Por isso suas demandas merecem a séria atenção de quem sempre esteve no

centro.345

A massificação promovida pela sociedade em rede, como a nossa, pretende

corroer e banalizar a vida, esvaziar e eliminar toda diferença. Paradoxalmente, o

poder das identidades particulares pulula em todos os pontos dessa rede.346 Do

ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída a partir de

diversos matizes. No entanto, sempre cabe aos indivíduos processarem tais

matizes e reorganizarem seus significados no âmbito da reconstrução de

identidades que defendam princípios comuns. As religiões desempenham papel

importante nesse processo. Junto à propagação arrebatadora da sociedade em rede

vai também sua indisfarçável fragilidade. Então sujeitos privados de suas

tradições e esperanças voltam a colocar as perguntas-limite velhas e novas que as

tradições religiosas colocam e se propõem a responder. A antiga procura humana

pelo sentido pessoal e histórico não será descartada tão facilmente. O nosso tempo

pede a construção de um consenso capaz de equilibrar o que aparece disperso e

difuso, sem descambar no fundamentalismo ou no integrismo.

Teologicamente, uma saída que se vislumbra é a recuperação da via

místico-profética.347 O eu responsável dos grandes profetas, bem mais consistente

do que o falso sujeito autofundante da modernidade, pode assegurar uma relação

respeitosa com a alteridade. A face autêntica do outro liberta-nos do desejo de

totalidade e abre-nos um verdadeiro sentido de infinidade. Esse vis-à-vis com o

outro, considerado na sua originalidade, também pode nos abrir a realidades

religiosas para além das expressas na tradição judaico-cristã. Para tanto, não

precisamos buscar outro fundamento além da mensagem do Evangelho

345 TRACY, D. “Dar nome ao presente.” In: Concílium 227 – 1990/1, p. 68. 346 CASTELLS, M. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura – o poder da identidade. Vol. 2, São Paulo: Paz e terra, 2002, p. 22-27. 347 Sobre esse aspecto discorremos mais adiante com maior profundidade.

172

revivescido, constantemente reinterpretado, portanto, sempre tendo o que dizer

aos sujeitos históricos e as suas lutas concretas contra tudo o que seja desumano.

Essa intencionalidade profunda do Evangelho é atual também porque nos provoca

a aprender a ouvir e aprender dos outros. Uma teologia místico-profética está

sendo gestada em toda parte, a partir de muitos centros. O futuro das religiões só

será possível quando os sujeitos históricos de todos os centros estiverem em

diálogo e solidariedade diante do Deus vivo que quer que todos se salvem

(1Tm 2,3).

Diante de tudo isso, ainda é possível afirmar a viabilidade do cristianismo?

Cremos que sim, na medida em que haja um esforço de fazer da comunidade

eclesial concreta um lugar onde se vive a fé em todas as suas dimensões; onde se

reinterprete a fé a partir dos desafios atuais; onde não se tema o risco da

mensagem cristã poder se exprimir das formas mais variadas, conforme a

variedade das culturas; onde se recrie constantemente a novidade do Evangelho,

onde as pessoas não sejam suplantadas pelas estruturas institucionais e

burocráticas que acabam por impedir os avanços necessários.

2. Os riscos das palavras

Nosso estudo da teologia das religiões elaborada por Claude Geffré nos

permitiu apontar algumas novidades trazidas por este autor, como destacamos no

item anterior, mas também nos é permitido sinalizar alguns limites em sua

reflexão. O primeiro deles é que não é possível propriamente sistematizar o seu

pensamento teológico porque ele próprio não tem essa preocupação. Ou seja, a

produção literária que examinamos apresenta, sem dúvidas, uma rica variedade de

perspectivas que vão evoluindo progressivamente em suas reflexões teológicas e

procurando evitar equívocos fatais. Por outra parte, algumas dessas reflexões

continuam, a despeito de seu esforço, carecendo de maiores fundamentações.

Como diz o próprio Geffré, escrever para ele não é um propósito deliberado ou

espontâneo, mas um esforço de sempre transformar as demandas ocasionais que

acabam aparecendo em meio as suas múltiplas tarefas, quer dizer, não deixar sem

respostas questões que emergem do seu cotidiano,348 sem se preocupar com uma

348 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 67.

173

sistematização coerente do que escreve. O que, aliás, fica claro na diversidade de

escritos que ele publica nos mais diversos veículos, redundando em uma inevitável

repetição de conceitos e argumentações.

2.1. Pode-se mesmo falar em “pluralismo de princípio”?

Uma de suas aporias que precisa ser mais bem matizada é a que considera

que o pluralismo religioso atual não é só de fato, mas de princípio. Pluralismo de

fato é a inconteste diversidade de tradições religiosas coexistindo lado a lado, face

a face. Pluralismo de princípio seria considerá-lo sob a ótica do desígnio salvador

universal de Deus, idéia compartilhada por outros teólogos contemporâneos e

questionada por outros.349 Com pluralismo de princípio quer se dizer que Deus

permite as diversas religiões. Este é um problema delicado, mas não pode ser

desconsiderado somente devido à sua complexidade.

Geffré se propõe a pensar positivamente o pluralismo atual como algo que

coincide com o querer misterioso de Deus. Trata-se, segundo ele, de fazer uma

opção teológica pela valorização das outras tradições religiosas, baseando-se,

sobretudo, na grandiosidade do mistério transcendente de Deus e nas múltiplas

possibilidades do ser humano captá-lo. Porém, ao mesmo tempo em que assume a

plausibilidade teológica do pluralismo de princípio, Geffré diz que esse pluralismo

é “aparentemente” insuperável,350 já que não pode prever o futuro religioso da

349 Esta intuição de pluralismo de princípio aparece com muita freqüência na reflexão de J. Dupuis: “O pluralismo religioso de princípio se fundamenta na imensidão de um Deus que é amor”. Cf. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 528. Em termos semelhantes diz noutro lugar, respondendo à pergunta: Em que base se pode fundamentar a afirmação de um pluralismo religioso de princípio? “Se, ao contrário, a religião e as religiões têm sua fonte originária numa automanifestação divina aos seres humanos, o princípio da pluralidade encontra seu fundamento primário na superabundante riqueza e variedade das automanifestações de Deus à humanidade. Faz parte da natureza da comunicação transbordante do Deus tripessoal à humanidade prolongar para fora da vida divina a comunicação plural intrínseca a essa mesma vida. O pluralismo religioso de princípio fundamenta-se, pois, na imensidade de um Deus que é Amor e comunicação”. Cf. O cristianismo e as religiões – do desencontro ao encontro. São Paulo: Loyola, 2004, p. 318. Também R. Haight se alinha nessa perspectiva. Cf. HAIGHT, R. Jesus, símbolo de Deus, op. cit., p. 485. Da mesma forma, PANIKKAR, R. Entre Dieu et le cosmos. Entretiens avec Gwendoline Jarczyk. Paris: Albin Michel, 1998, p. 166. Mário de França Miranda sugere cautela para com essa questão, considerando-a secundária, já que as religiões não se destinam a “completar” o que faltou em Jesus Cristo, mas sim ao que falta a nossa apropriação da verdade última sobre Deus e sobre o ser humano, que é inevitavelmente contextualizada e histórica. Nessa perspectiva, o encontro com as outras religiões faria com que o cristianismo visse melhor certos elementos de si mesmo, até então impedidos ou atrofiados. Portanto, a mediação salvífica de Jesus Cristo é realmente específica e única. Cf. MIRANDA, M. de F. “As religiões na única economia salvífica”. In: Atualidade Teológica n. 10, jan/abr 2002, p. 19; 22; 26. 350 GEFFRÉ, C. Crer e Interpretar, op. cit., p. 139.

174

humanidade. Ora, esse pluralismo de princípio não é tão sustentável assim. Se for

um “princípio”, não estará tão subordinado às vicissitudes da história. Não seria

melhor considerar a situação de pluralismo atual como uma contingência peculiar

do nosso momento histórico?351 Como é sabido, o pluralismo religioso sempre

existiu. A novidade atual está precisamente na vitalidade crescente das outras

tradições religiosas, mesmo diante do incansável esforço missionário do

cristianismo e da necessidade de hoje considerá-las positivamente. Geffré não vê

nenhuma contradição entre o conteúdo irredutível do cristianismo: a proclamação

de Jesus Cristo como o Verbo de Deus encarnado e a aceitação de um pluralismo

religioso de princípio.

Não vemos como pode ser possível um pluralismo religioso de princípio

sem relativizar a centralidade do mistério de Cristo como irrupção definitiva do

Absoluto na história, com todas as conseqüências que tal acontecimento tem. A

diferenciação que Geffré estabelece entre o absoluto de Cristo e o cristianismo

como religião histórica não soluciona o problema. É verdade que não se pode

identificar, sem mais, Cristo e o cristianismo, mas não se pode também separá-los

sem provocar graves conseqüências. É verdade que a história delimita bem a

alcance do que Geffré chama “paradoxo da encarnação”, ou seja, o fato do

Absoluto, o Verbo de Deus, ter se particularizado no homem Jesus de Nazaré,

assumindo todas as limitações de um ser humano. Mas também é verdade que faz

parte da economia encarnacional do Verbo transcender a história a partir de

dentro. Ou seja, o Verbo assume e ascende a história, encaminhando-a a seu

destino último, mediante sua ressurreição. Cada vez que se tenta separar o Logos

eterno do Jesus histórico, essa unidade constitutiva da única pessoa de Jesus de

Nazaré, o Cristo de Deus, sua única ação salvífica fica comprometida. Sempre que

se tenta romper o vínculo único e exclusivo de Jesus Cristo com Deus, separando

Cristo-logia de Teo-logia,352 corre-se o risco de destruir a própria fé cristã.353

Embora se deva reconhecer a robustez da cristologia apresentada por

Geffré, toda ela baseada em Paul Tillich, dentro do quadro de sua teologia das

religiões, ela não deixa de apresentar algumas fragilidades relevantes. Quando

351 CATÃO, F. Falar de Deus – considerações sobre os fundamentos da reflexão cristã. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 211-212. 352 Como fazem, por exemplo, alguns teólogos pluralistas como P. Knitter em “Jesús y otros salvadores”, In: Theologica Xaveriana 46 (1996), p. 131-137. 353 MIRANDA, M. de F. “A configuração do cristianismo num contexto plurireligioso”. In: Perspectiva Teológica 26 – 1994, p. 380.

175

considera o paradoxo da encarnação, Geffré afirma que Jesus é o ícone de Deus,

não um ídolo, e que tal condição abre possibilidade de aceitar um “algo mais” no

Verbo de Deus além do que se mostrou na humanidade de Jesus, ainda que não

chegue a negar o dogma de Caldedônia.354 Não há dúvida de que esta posição de

Geffré necessita ser mais bem fundamentada. Embora ele afirme tomar distância

de R. Panikkar no que se refere a separar o Logos do Jesus histórico, e de outros

teólogos pluralistas que pretendem apresentar uma dimensão mais cosmológica do

mistério de Cristo, o autor francês acaba por apenas acenar os problemas, lançar

os temas, mas não os aprofunda até que não deixem margens a sérias dúvidas.

Relegar a revelação última e definitiva do Absoluto feita por Jesus Cristo a

um plano secundário ou admitir que ela possa ser superada é algo que o

cristianismo não pode aceitar. Por isso, parece inadmissível conferir à confissão

de Jesus Cristo como o único salvador da humanidade apenas um sentido

litúrgico-doxológico, como pretendem alguns.355 Esse não é apenas um conteúdo

confessante dos cristãos. É uma realidade que diz respeito a toda a humanidade,

pois se trata daquele que é seu único e definitivo salvador. E o cristianismo é a

grandeza histórica que explicita essa ação salvífica universal de Deus.

Pretender amputar Jesus Cristo do cristianismo não é possível por uma

razão aparentemente clara: sem o cristianismo histórico, a memória histórica de

Jesus Cristo teria desaparecido. Mais: não poderia ser conhecida, já que não se

pode efetivamente conhecer o que de alguma forma não se historiciza. Então,

embora não se possa confundir historicamente universalidade de Cristo com

universalidade do cristianismo, também não se pode separá-las de modo que uma

se sustente sem a outra. Jesus Cristo não é a regra definitiva apenas para os

cristãos, mas para todos os seres humanos, para todo o universo (Rm 8, 18-23).

Pode-se aceitar sem problemas que o Cristo não seja “possessão” dos cristãos.

Mas é forçoso também aceitar que o encontro inequívoco com ele não se dá

historicamente sem referência à comunidade eclesial, “guardiã” de sua memória e

última instância a confirmar que ele não é uma espécie de simulacro de Deus.

354 Para uma exposição pormenorizada da cristologia de Geffré, cf. o capítulo dois dessa tese. 355 TORRES QUEIRUGA, A. Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 347-348. Ou como diz H. Küng: “O único absoluto da história é o próprio absoluto. [ ] Para os cristãos fiéis, o absoluto não é algo amorfo e sem rosto. Ao contrário, revelou-se na relatividade do homem Jesus de Nazaré. Para os fiéis – e só para eles – ele é a Palavra, a Imagem, o Caminho.” Cf. KÜNG, H. Teologia a Caminho- fundamentação para o diálogo ecumênico. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 286. Também R. Haight, Jesus, símbolo de Deus, op. cit., p. 385.

176

Jesus Cristo não é apenas uma das várias epifanias de Deus na história356, mas o

próprio Deus que se fez limitação humana.

Somente o Filho de Deus poderia realizar essa ação, já que enquanto

verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, tornaria real a reconciliação

completa entre criador e criatura. Se aceitarmos a premissa de que somente Deus

salva, fica claro que o feito de Jesus Cristo, Deus com o Pai e o Espírito, é único e

inigualável. O que foi realizado por Jesus transcende o tempo e o espaço porque

sua encarnação rompeu para sempre a barreira entre tempo e eternidade. Jesus não

é somente mediação normativa ou manifestativa da salvação, é mediação

constitutiva. Somente ele é o Filho de Deus. Ninguém mais poderia fazer o que

ele fez.357 Nenhuma outra religião faz uma afirmação de tamanho peso teológico.

Essa perene ação salvadora de Cristo é ofertada como possível culminação da fé

que já têm, vivem e expressam as várias tradições religiosas. No entanto, sem

prescindir de um ordenamento misterioso a Cristo e à Igreja (LG 16).

Geffré faz sempre referência ao núcleo cristológico da fé cristã: é a partir do

acontecimento Jesus Cristo que ele olha as outras religiões. A partir também desse

princípio ele se pergunta sobre o sentido do pluralismo religioso em relação ao

absoluto do cristianismo como religião verdadeira e ao Cristo como único

mediador entre Deus e a humanidade. De fato, pronunciar uma palavra de valor

definitivo sobre pluralismo religioso de princípio como desígnio de Deus é algo

que foge a nosso alcance, visto que não podemos concluir nada em definitivo do

que sejam os desígnios de Deus. Não há muito que se dizer sobre os desígnios de

Deus, senão acolhê-los na gratuidade. Mesmo assim, julgamos pertinente a crítica

que fazemos ao uso da expressão “pluralismo de princípio” no contexto da

teologia das religiões de Claude Geffré. A diversidade religiosa pode e deve ser

vista na sua positividade, mas, do ponto de vista da fé cristã, ela não pode servir

de fundamento para a relativização do lugar único de Jesus Cristo e do

cristianismo entre as várias religiões do mundo. O diálogo inter-religioso precisa

avançar, mas com segurança e tendo presente que caminhamos sobre uma

fronteira extremamente tênue, o que requer cuidado redobrado para se evitarem

riscos desnecessários. O próprio Geffré reconhece que sua investigação teológica

356 HICK, J. A Metáfora do Deus Encarnado, op. cit., p. 144. 357 MIRANDA, M. de F. O cristianismo em face das religiões, op. cit., p. 66-67.

177

está inacabada e que pode levar a interpretações contraditórias.358 Isso também se

aplica ao uso mais ou menos generalizado da expressão “pluralismo de princípio”

sem a oportuna matização do que ela, de fato, implica.

2.2. O papel da Igreja como mediação do cristianismo

Outro aspecto duvidoso na teologia de Geffré que já tocamos de leve

alhures e que merece uma abordagem mais profunda é o que se refere à

eclesiologia. Inúmeras vezes ele repete que não se pode confundir a unicidade de

Cristo com o cristianismo histórico. O conjunto da produção teológica de Geffré

que examinamos parece relegar a Igreja a um plano secundário enquanto

mediação histórica da religião cristã. Aliás, esse é o termo preferido pelo autor.

Ele quase não se refere à Igreja católica como tal. O pensamento teológico de

Geffré acerca da Igreja traz, a nosso ver, uma séria ambigüidade. Ao mesmo

tempo em que afirma o valor da Igreja para a salvação e a urgência da missão, o

autor não articula adequadamente o que afirma a fé católica sobre a necessidade

salvífica da Igreja e a possibilidade de salvação fora dela. Afinal, em tempos de

inevitável pluralismo religioso, que sentido tem ainda a Igreja? Geffré dá um

grande valor às outras tradições religiosas como mediações da salvação para seus

membros. Muito bem. Mas, o que fazer com o que sustenta a fé eclesial sobre a

participação dos cristãos e não-cristãos no mistério do único Corpo de Cristo? O

Concílio Vaticano II já apontava para essa necessária articulação em textos

fundamentais (LG 14-16; GS 22). Aí se ressalta o papel proeminente da Igreja

como sacramento de Cristo e sacramento da unidade de todo gênero humano.

Evidentemente Geffré não desconhece esses textos. Ele os cita bastante como

fundamentação do que considera dever ser a nova atitude missionária da Igreja,

como já detalhamos no capítulo quatro. Mas não vai muito mais longe. Vale

ressaltar que um importante documento curial relativamente recente sobre essa

questão recoloca alguns aspectos que não deveriam estar ausentes de nenhuma

reflexão teológica, feita da perspectiva católica, sobre as relações entre o

cristianismo e as outras religiões. Afirma o referido texto

Quando os não-cristãos, justificados mediante a graça de Deus, são associados ao mistério pascal de Jesus Cristo, o são também com o

358 GEFFRÉ, C. Profession Théologien, op. cit., p. 212.

178

mistério do seu corpo, que é a Igreja. O mistério da Igreja em Cristo é uma realidade dinâmica no Espírito Santo. Ainda que falte a essa união espiritual a expressão visível da pertença à Igreja, os não-cristãos justificados estão incluídos na Igreja, “corpo místico de Cristo” e “comunidade espiritual” (LG 8)”.359

O autor deixa transparecer, também nesse aspecto, o caráter fragmentário de

sua teologia, quando apenas passa ao largo dessas questões cruciais. Geffré acena

para esse ordenamento misterioso a Cristo e à Igreja, mas não articula bem isso no

conjunto de sua reflexão. De modo que não fica suficientemente claro como

superar o dilema entre olhar positivamente a diversidade religiosa, considerando

as tradições religiosas salutares em si mesmas, sem, ao mesmo tempo, desvinculá-

las do mistério de Cristo e da Igreja. O pêndulo da teologia de Geffré inclina-se

claramente mais em direção às religiões não-cristãs, omitindo uma palavra de

valor sobre o sentido da Igreja no meio dessa inevitável pluralidade. Não obstante

as lacunas e imprecisões apontadas aqui, a teologia de Claude Geffré traz algumas

intuições importantes que vale a pena retomar como pontos em que se pode

avançar no tocante ao diálogo inter-religioso.

3. Caminhos abertos para a continuidade do diálogo inter-religioso

3.1. O Espírito Santo: artífice do diálogo com as diferenças

Se Geffré não é um teólogo exaustivamente sistemático, ao menos abre

perspectivas, sinaliza para caminhos a seguir, busca não deixar as questões sem

respostas. Sua teologia das religiões é muito centrada na cristologia, certamente

porque aí está a maior dificuldade para adequar o diálogo inter-religioso na ótica

que ele defende com os postulados da fé eclesial acerca de Jesus Cristo. Com isso

ele deixa em segundo plano a pneumatologia. A nosso ver, uma boa reflexão

teológica sobre o Espírito Santo ajuda na fundamentação do diálogo inter-

religioso do ponto de vista cristão e na construção do estatuto epistemológico da

teologia das religiões. Os numerosos escritos de Geffré a que tivemos acesso

mencionam pouco o Espírito Santo e quase não o incluem no seu pensamento

sobre a possibilidade real do diálogo em tempos de pluralismo religioso. É mais

359 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, O cristianismo e as religiões, op. cit., n. 72.

179

uma lacuna que aparece na teologia do autor. No conjunto de seus escritos não

temos mais do que afirmações pontuais como esta

Há, portanto, uma história do Espírito de Deus que é inseparável do Espírito de Cristo ressuscitado e que ultrapassa ao mesmo tempo as fronteiras de Israel e as fronteiras, é claro, da Igreja.360

Claude Geffré, entretanto, não aprofunda o suficiente essa intuição de que

o Espírito Santo é o “artífice” do diálogo entre as religiões. Menciona a

importância do Espírito como quem operacionaliza a unidade das diferenças, mas

não matiza essa afirmação fundamental.

O Concílio Vaticano II já afirmara que o Espírito Santo oferece a luz e a

força para que as pessoas possam responder a sua vocação suprema (GS 10). Há

elementos da Verdade que é Cristo presente nas outras religiões (LG 16) que

devem ser “sanados, elevados e aperfeiçoados” (LG 17). É o Espírito que chama

todos os homens a Cristo (AG 15) e os move a buscarem o sentido último da vida

(GS 41). As ações que os seres humanos empreendem em favor da paz, da justiça,

da defesa da vida são impulsionadas pelo Espírito. A fé da Igreja é que o Espírito

de Cristo age em todo o universo, dirige a história e renova a face da terra

(GS 26).

Também o magistério de João Paulo II enfatizou essa ação universal do

Espírito Santo (RH 6), mesmo antes da chegada do Evangelho na história

(DV 53). Então, para usar uma linguagem paulina, os “frutos do Espírito”

estariam presentes nas outras tradições religiosas, especialmente pela vida

virtuosa dos seus membros e pela seriedade de suas experiências na busca de

Deus.

A história do cristianismo confirma que a fé cristã nunca teve grandes

dificuldades de interagir com os elementos das outras culturas com as quais se

encontrava, tirando delas elementos que a ajudassem a melhor compreender,

expressar e viver o Evangelho. Desde Justino (Século II), a reflexão teológica

cristã considera seriamente a existência de “Sementes do Verbo” disseminadas

nas várias culturas humanas. Aquilo que de verdadeiro, santo e bom elas

produzem pode ser visto à luz da Verdade, Santidade e Bondade de Cristo,

dinamizadas pelo Espírito. A ação do Espírito consiste em despertar a fé de que o

Filho foi enviado pelo Pai à nossa carne e em dá-lo a conhecer, confessá-lo e levar

360 GEFFRÉ, C. Crer e interpretar, op. cit., p. 159.

180

a amar como ele amou (1Jo 4, 14-15; 3, 23). Esse é o núcleo mais antigo do

kerigma cristão. Para concretizar essa missão, o Espírito não dá um testemunho

diferente daquele de Jesus.

Vivemos no tempo do Espírito, no tempo da Igreja. E o tempo da Igreja é

o tempo do testemunho. Sair em missão é um dom do Espírito (Jo 20,20; Lc

24,47-48). Nos escritos joaninos, o Espírito é essencialmente o Espírito da

verdade, que dá testemunho de Cristo, juntamente com os apóstolos (At 1,8. 21-

22). Essa também é a missão dos discípulos ao longo dos tempos da Igreja.361 O

Espírito os conduz ao conhecimento pleno da verdade e até das coisas novas que

estão por vir (Jo 16,13). Mesmo os discípulos da primeira hora não ficaram

imunes a um conhecimento parcial de Jesus e de sua missão. Muitas vezes não

entenderam bem o que seus olhos viam e que suas mãos tocavam. É missão do

Espírito Santo trazer à memória dos discípulos de Jesus os gestos e palavras dele

e, ao mesmo tempo, amadurecer neles um jeito sempre novo de testemunhar,

permanentemente atento aos sinais dos tempos. O tempo do Espírito é o tempo do

que “estar por vir”, isto é, a única ação salvífica de Cristo está em constante

desenvolvimento histórico, sempre provocando respostas novas, inéditas. O

diferencial decisivo é que essas inéditas solicitações do Espírito, embora

motivadas por contextos histórico-culturais diferentes, não podem remeter senão a

Jesus Cristo e ao que o Pai realizou por meio dele (Jo 3,31-36). Portanto, um olhar

positivo sobre a diversidade cultural e religiosa contemporâneas será mais

frutuoso se for considerada seriamente a ação do Espírito Santo nelas.

Que a ação do Espírito do Senhor enche todo o universo e que esse

Espírito sopra onde quer, disso não se pode duvidar. No entanto, é preciso

também considerar que tal ação sempre se dá dentro de um determinado contexto

sócio-cultural e, de certo modo, sujeita às limitações inerentes ao referido

contexto. Essa não é uma dificuldade secundária no processo de diálogo inter-

religioso. Nem tudo o que as tradições religiosas compreendem, expressam e

vivem pode imediatamente ser atribuído à ação do Espírito de Deus. Disso resulta

que é preciso um discernimento maior quando o cristianismo se confronta com as

outras tradições religiosas. Para que esse necessário discernimento não caia em

armadilhas frágeis, é fundamental entrelaçar a dimensão pneumatológica com a

361 CONGAR, Y. Creio no Espírito Santo – V. 1 -Revelação e Experiência do Espírito. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 85.

181

cristológica. O Espírito Santo é o Espírito do Pai e do Filho. Ele nos leva ao

conhecimento mais profundo da Verdade, mas não proclama nada de novo. Ele é

o intérprete e o introdutor na vida nova revelada em Cristo a partir do Pai. A

missão do Espírito é estar a serviço dessa plenificação da vida nova em Cristo, já

disseminada em todas as culturas e religiões. É o Espírito quem capacita os seres

humanos a superarem os obstáculos que os impedem de se aproximarem da

verdadeira vida e da verdadeira liberdade já adquiridas para sempre por Cristo.362

Somente será possível a percepção da ação do Espírito nas religiões não-

cristãs se consideramos adequadamente o ensinamento do Vaticano II de que o

mistério do homem só se torna claro no mistério do Verbo encarnado; que Cristo

manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe mostra sua vocação mais

profunda; que Cristo eleva o ser humano à mais alta dignidade, já que com sua

encarnação, o Filho de Deus se une de algum modo a todo ser humano (GS 22).

Assim a ação do Espírito Santo será uma ação crística, na medida em que conduz

os seres humanos, as culturas e as religiões a sua plena verdade. O que aqui se

afirma não desconsidera que essa ação do Espírito é sempre contextualizada.

Assim se assegura que nenhuma dessas tradições pode ser absolutizada, nem

mesmo o cristianismo, que faz de Cristo uma experiência verdadeira, mas não

exaustiva. Então é possível afirmar que as outras tradições religiosas possam

expressar práticas e frutos autênticos do Espírito vividos, entendidos e expressos

em outros contextos culturais e religiosos.363

O diálogo possibilita que cada um se esforce para ultrapassar até mesmo as

incompatibilidades existentes entre as tradições religiosas. Essas

incompatibilidades permaneceram, mesmo considerando-se a ação do Espírito

Santo por dentro das diversas tradições. Enquanto mediações históricas, as

religiões não podem escapar das contingências e do imponderável, quando entra

em ação a liberdade humana. Portanto, mesmo sob a assistência inconteste do

Espírito Santo, e porque é o resultado da interação das pessoas na busca comum

de responder ao apelo de Deus, as religiões podem acabar por configurar práticas,

ritos e doutrinas bastante contraditórias, somente percebidas quando estão face a

face. Do de vista cristão, é possível afirmar as diferenças e mesmo as contradições

362 HILBERATH, B. J. Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. (org). Manual de Dogmática. Vol II. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 495. 363 MIRANDA, M. de F. O cristianismo em face das religiões, op. cit., p. 152.

182

entre as religiões sem, no entanto, diminuir o valor do diálogo. O que não se pode

aceitar é que tais diferenças estejam em flagrante oposição ao Evangelho. Esse

limite é intransponível. Nenhuma teologia das religiões que queira ser séria pode

ir além desse limite. Não será fruto do Espírito o que estiver em contradição com

as palavras e ações de Cristo. Chegando-se a esse ponto, o diálogo não termina,

mas se estabelece uma pausa para que se apele à racionalidade própria da fé364 em

vista da aceitação em comum do que não pode ser relativizado.

3.2. A alteridade: eixo do diálogo inter-religioso

A consideração da inviolabilidade do outro e do seu direito inalienável de

ser diferente é central no pensamento de Geffré. Não é possível um diálogo

autêntico sem a chance dada ao diferente de ser e continuar sendo, em certa

medida, diferente. Em certa medida porque qualquer diálogo verdadeiro

transforma os interlocutores. O face a face sempre resulta em uma emulação

recíproca. Deixar que o outro fale a partir do seu lugar é condição básica para

qualquer tentativa frutífera de diálogo. Aqui emerge o valor da diversidade com

todo o peso que hoje lhe é atribuído, e que a reflexão teológica não pode

simplesmente passar ao largo. Parece-nos que mais essa intuição de Geffré merece

ser aprofundada.

A possibilidade da convivência com os diferentes brota da sensação de que

os outros não são estranhos, já que também têm seu fundamento no Uno que a

tudo origina, sustém e perpassa. Assim é possível pelo menos suspeitar que é a

mesma Realidade última quem provoca, anima e sustenta toda experiência

religiosa digna desse nome. Esse reconhecimento recíproco supera a intolerância,

a violência, a inimizade. Por que os diferentes têm que ser inimigos? Por que não

se pode viver em paz com aqueles que têm outras crenças, outros ritos, outras 364 Vale a pena conferir sobre esse tema as sempre atuais ponderações de J. Ratzinger em Introdução ao cristianismo, op. cit.,p. 56-59. Nesse texto, o atual Romano Pontífice desenvolve uma de suas teses fundamentais: a convicção de que agir contra a razão está em contradição com a natureza de Deus e, conseqüentemente, em contradição com a fé. Os dilemas do mundo contemporâneo somente serão convenientemente tratados se razão e fé estiverem unidas de uma nova forma. Essa é uma chave preciosa para o diálogo: as religiões não podem aceitar passivamente que não têm nada a dizer diante da supremacia da racionalidade moderna. Serve como ilustração desse pensamento de Bento XVI o controvertido discurso com o título “Fé, razão e universidade. Recordações e reflexões”, proferido na Universidade de Ratisbona e disponível em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2006/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20060912_university-regensburg_po.html acessado em 11/09/2008.

183

maneiras de experimentar o mistério? Um bom exemplo de que é preciso dar voz

ao outro quando se quer uma resposta significativa a questões como estas é a carta

que 138 teólogos muçulmanos escreveram ao Papa Bento XVI e aos outros líderes

religiosos cristãos em outubro de 2007. Basicamente eles recordaram que, mesmo

com sérias diferenças existentes, dois princípios, pelo menos, há em comum entre

muçulmanos e cristãos: a adoração ao Deus único e o mandamento do amor ao

próximo. Esse grupo de teólogos usou a Bíblia cristã e o Corão no mesmo nível de

importância dogmática, buscando nos dois textos sagrados as bases para a

construção de um diálogo fecundo entre as duas maiores religiões do mundo. Os

autores da carta reconhecem que as grandes diferenças entre as duas religiões não

podem ser minimizadas. Mas é possível que as religiões vivam em paz.365 Quando

o outro é respeitado em sua alteridade, prioriza-se a concórdia, a harmonia, a

convivialidade, e não as distensões, as suspeitas e as querelas.

A aceitação da diversidade religiosa permitirá que cada tradição mantenha

seu olhar, sua linguagem e sua sensibilidade própria. Isso somente será possível

quando as diversas experiências religiosas forem consideradas dentro de seus

respectivos quadros interpretativos, sempre fornecidos pelas culturas em que se

encontrem. Ou seja, para o cristão, o quadro de referências é o cristianismo; para o

muçulmano, o islamismo; para o judeu, o judaísmo e assim por diante. Isso já é

determinante para o tipo de experiência que se faça. Pontos de partida diferentes

resultarão em experiências diferentes. E essas diferenças não serão suprimidas

nunca.

As diferenças são fundamentais. Insistir numa espécie de uniformidade

religiosa é perigoso porque sempre se falará a partir de uma cultura ou religião

particular. Falamos a partir da linguagem que conhecemos. Por isso as diferenças

devem ser conhecidas e respeitadas. Somente assim o diálogo será possível.

Diferença real equivale a diálogo real porque serão salvaguardados a identidade

própria, o direito à diferença e a igualdade fundamental dos parceiros.

Nós cristãos não devemos nos contentar em sermos apenas

condescendentes e tolerantes com o diferente, julgando-nos, de alguma forma,

365 Cf. A carta de 138 teólogos muçulmanos à Bento XVI e aos responsáveis religiosos cristãos. Disponível em http://www.gric.asso.fr/spip.php?article139 , acessado em 14/08/2008.

184

superiores. Superar tal arrogância implica em ampliarmos a compreensão que

temos das outras religiões, reconhecendo com tranqüilidade que podemos receber

delas ricas contribuições.366 Essa nossa mudança de postura não quer dizer, em

absoluto, que vamos renunciar ao que sempre acreditamos, celebramos e vivemos.

Ela é uma exigência do nosso tempo. Hoje temos claro que a fé não é matéria de

evidência científica. A incerteza, o “talvez”, também faz parte da religião.367

Portanto, não é mais preciso defender a fé com guerras santas, inquisições ou

anátemas. Reconhecendo-a como um dom, devemos ser agradecidos e

gratuitamente vivê-la, respeitando e acolhendo as diferenças.

A abertura cordial ao diferente implicará na perda do temor de nos

aproximarmos dele. Conhecimento e reconhecimento caminham juntos. O

fundamental é experimentar o tu realmente como tu, ou seja, não pretender falar

algo por ele. O diálogo supõe que os parceiros estejam abertos a dizerem algo

fundamental de si mesmos. Sem essa abertura mútua não haverá vínculo

humano.368 Perder o medo do outro e estar disposto a relativizar o que pode ser

relativizado, eis a questão central. Delicada, mas nem por isso implausível. O

diálogo se alimenta no próprio diálogo. Somente saberemos se vamos nos

entender quando balbuciarmos as primeiras palavras. Essa abertura à novidade do

outro é exigente. Exigirá, de certo, rupturas, às vezes, dolorosas. Quanto mais

amplamente formos fiéis à nossa tradição, mais chance haverá de um diálogo

autêntico e frutuoso. Porque a profundidade do diálogo da qual aqui se fala só será

possível àquele que tiver bem clara sua identidade e nada rejeitar do que for

verdadeiro, santo e bom nas outras religiões (NA 2), ou seja, aquele que não se

366 GEFFRÉ, C. “O lugar das religiões no plano da salvação.” In: TEIXEIRA, F. (org.). O Diálogo Inter-religioso como Afirmação da Vida. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 121 - “Existe mais verdade ‘religiosa’ na soma de todas as religiões do que numa religião separada, inclusive o próprio cristianismo”. Antes dele, seu confrade E. SCHILLEBEECKX já dissera algo semelhante. Cf. História Humana, Revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 2003, p. 215 – “Existem entre todas as religiões convergências e divergências. As diferenças não deveriam per se ser julgadas como desvios que deveriam ser eliminados ecumenicamente; devem ser consideradas positivas.” 367 “O “talvez” é a grande tentação da qual ele (o incrédulo) não consegue fugir e na qual também ele precisa experimentar a irrecusabilidade da fé dentro da própria recusa. Em outras palavras: tanto o fiel quanto o incrédulo participam, cada um à sua maneira, da dúvida e da fé, desde que não escondam de si mesmos a verdade de seu ser.” RATZINGER, J. Introdução ao Cristianismo, op. cit., p. 36. 368 “Quando dois se compreendem, isto não quer dizer que um ‘compreenda’ o outro, isto é, que o olhe de cima para baixo. [ ] A abertura para o outro implica, pois, o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim, ainda que não haja nenhum outro que o vá fazer valer contra mim.” GADAMER, H-G. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 532.

185

despojará de sua diferença em relação ao outro, nem despojará o outro de sua

diferença irredutível.

Essa abertura destemida ao outro é fascinante e perigosa. Exige ousadia,

mas na justa medida, pois não poderá arriscar mais do que permitem as margens

de segurança. Aventuras seguras têm sempre limites previstos. No caso do diálogo

entre o cristianismo e as outras religiões o limite será sempre o que nos diz a

Revelação sobre Cristo e a Igreja. A perda da identidade própria não interessa a

nenhuma das partes que interagem. Um diálogo que transponha

irresponsavelmente os limites que lhe são inerentes falseará seus próprios

fundamentos, pois não resultará em uma visão mais holística dos interlocutores e

de sua busca comum do Absoluto, senão em uma perda de identidade

extremamente danosa para todos.

3.3. A via mística como possibilidade de entendimento entre as religiões

Outro eixo fundamental para o progresso do diálogo inter-religioso na

perspectiva do nosso estudo é a via mística. Do que já vimos até aqui, fica claro

que, quando tratamos de experiência religiosa, somente o discurso racional não dá

conta de explicar tudo. Nem tudo pode ser racionalizado. Haverá sempre espaço

para o que vai mais além do que a razão possa abarcar. O que não quer dizer,

obviamente, que escape a qualquer racionalidade, apenas que pede uma

racionalidade diferenciada, que envolva outras dimensões do ser humano. É nesse

espaço que se insere a mística. E é desse espaço que passaremos a considerá-la

como um caminho que o diálogo inter-religioso pode trilhar seguramente.

Do ponto de vista fenomenológico, todas as religiões têm suas próprias

expressões místicas, sempre em coerência com suas tradições. O atual contexto de

pluralismo religioso, se levado a sério, não permite mais atribuir às formas

místicas das outras religiões um caráter puramente “natural”, como se elas fossem

uma espécie de exteriorização da chamada fé antropológica, sem a profundidade

de uma autêntica experiência com o transcendente. Quando as religiões estão face

a face, o problema passa a ser reconhecer a diversidade de experiências místicas,

procurando preservar suas especificidades e ressaltar a coerência ou incoerência

interna delas com o universo religioso que elas revelam.

186

Na verdade, há uma grande polivalência no que se considera misticismo

religioso. Também no caso do cristianismo é preciso reconhecer que a mística

autenticamente cristã só se dá no interior da complexa estrutura do próprio

cristianismo. Isso quer dizer que não existe apenas uma maneira do misticismo

cristão se expressar. As condições indispensáveis para essa polivalência do

misticismo cristão estão em suas próprias raízes bíblicas. O cristianismo será

sempre uma religião que busca a liberdade e a justiça para todos. Este é o primeiro

traço fundamental. O segundo é o reconhecimento dos outros naquilo que os faz

diferentes. Isso implica em um reconhecimento criativo do pluralismo étnico-

cultural, como o demonstra a história primitiva do cristianismo. O diálogo será

muito mais fértil pela troca de experiências que fizerem entre si as diferentes

tradições sobre como se relacionam com o que cada uma reconhece como a

Realidade última, do que através da argumentação metafísica, das afirmações

dogmáticas ou da linguagem racional da ciência moderna.369

Assumir que as outras tradições religiosas podem ser fundamentais para

uma melhor autocompreensão cristã é um sério desafio de nosso tempo. A

consciência do impacto das outras religiões no cristianismo pode alavancá-lo para

situações inusitadas. Longe de deixar-se paralisar pelo temor do que virá, é

preciso que cada crente das diferentes religiões permaneça fiel à sua própria

tradição, conheça sempre mais profundamente suas particularidades, defenda e

esclareça sua própria identidade. Mas, ao mesmo tempo, lance-se de boa vontade

e com espírito aberto por entre outras tradições e caminhos religiosos, procure

aprender algo de sua beleza e verdade diferentes, concentre-se em sua alteridade

como uma ocasião de compreender melhor sua própria identidade.370

A mística como caminho para a concretização do diálogo entre as religiões

também está presente na reflexão teológica de Claude Geffré. Para ele, a

dimensão mística ou espiritual não pode ser pensada fora de uma referência, de

uma relação com uma tradição religiosa, com uma comunidade.371

É certo, como já aludimos acima, que um ponto de vista não é

forçosamente excludente de outros. Isso permite escutar verdadeiramente o outro.

369 METZ, J-B. “Unidade e Pluralismo – problemas e perspectivas da inculturação”. In: Concílium 224 (4), 1989, p. 82. 370 TRACY, D. “Para além do fundamentalismo e do relativismo – a hermenêutica e o novo ecumenismo. In: Concílium 240 (2), 1992, p. 120-121. 371 GEFFRÉ, C e DEBRAY, R. Avec ou sans Dieu? Paris: Bayard, 2006, p. 70.

187

O valor espiritual das diferentes religiões pode ser colocado em primeiro lugar no

início do diálogo do cristianismo com elas. Procedendo-se assim, a percepção das

outras religiões não se baseará em avaliações de seus sistemas de crenças, mas na

experiência das pessoas que as praticam e na ação de Deus através dessas pessoas.

Ação que se reflete na maneira como tais pessoas vivem e se relacionam com a

transcendência, pelos valores que vivem e pelos compromissos que assumem.

A via mística, entendida como essa busca de união com o transcendente e

como a união espiritual entre as pessoas, é capaz de fazer com que barreiras até

então consideradas intransponíveis entre as religiões sejam superadas. Segundo a

concepção cristã, a aspiração mística é inerente à natureza humana, uma vez que o

ser humano é criado para essa comunhão com o divino. Separada do mistério

acolhido pelo crente no interior de sua crença religiosa, a mística pode se degradar

em um misticismo vazio. Fora de uma mística, por outro lado, o mistério não se

exterioriza e corre o risco de se perder na pura abstração de fórmulas dogmáticas.

A mística é o caminho que interioriza o mistério da fé e o faz fecundar a vida do

crente.372

Esse olhar diferente para as outras religiões trará conseqüências para a

maneira como o próprio cristianismo se percebe. Aceitar a legitimidade das outras

religiões implica em ver a pluralidade como algo positivo. O resultado da

pluralidade não é caótico porque Deus é único, e nós cremos que Ele tem um

plano para a humanidade. Acreditamos ser seu desejo que as pessoas vivam em

paz, liberdade e harmonia. O espírito do diálogo inter-religioso é o de conviver

com as diferenças, aceitando as tensões subjacentes aos relacionamentos humanos

e procurando concretizar a harmonia possível.373

Um importante Documento da Igreja reconhece que crentes radicados em

suas próprias tradições religiosas podem compartilhar suas experiências de

oração, de contemplação, de fé e de compromisso como expressões de sua busca

do Absoluto. O diálogo nesse nível preserva os valores espirituais mais altos,

favorece a comunicação fraterna da própria fé e não se detém diante das

inevitáveis diferenças. Diz ainda que o cristão tem no diálogo a possibilidade de

372 DE LUBAC, H, “Préface”. In: XAVIER, A (Dir) Les mystiques et la mystique. Paris: Desclée, 1965, p. 11. 373 AMALADOSS, M. “Interreligious dialogue: a view from Asia.” In: International Bulletin of Missionary Research. Vol. 19, n. 1, January, 1995, p. 4-5.

188

apresentar ao outro, de maneira existencial, os valores do Evangelho (DM 35). A

própria Jornada Mundial de Oração pela paz promovida pelo Papa João Paulo II

em Assis em outubro de 1986 foi um acontecimento emblemático na tentativa de

construir o diálogo pelo caminho da oração. Membros de diferentes religiões

rezaram juntos, cada um segundo suas próprias tradições, e em suas próprias

línguas, pela paz mundial. O Papa estava convencido de que aquele era um meio

de concretizar a vontade do Concílio Vaticano II de ver positivamente as outras

religiões. Ainda mais: ao promover aquele evento, a Igreja estava também

concretizando o que diz o Concílio a seu respeito, quando afirma ser ela o

sacramento da unidade da família humana. Essa sensibilidade do Papa ao diálogo

inter-religioso não deixou de trazer algumas inquietações à cúria romana, como

ele próprio deixou claro em um discurso que pronunciou no final daquele ano,

quando reafirmou as bases teológicas do diálogo que ele procurava promover.374

O Documento Diálogo e Anúncio, publicado alguns anos depois, diz que a

proximidade do diálogo faz brotar nos parceiros o desejo de compartilhar o que

crêem. Por isso, não deveria ser surpreendente, mas normal, que os seguidores de

outras religiões possam desejar sinceramente compartilhar a sua fé. Todo diálogo

implica reciprocidade e tem como objetivo eliminar o medo e a agressividade (DA

83). Palavras muito pertinentes e, mais do nunca, atuais, em tempo de crispações

entre grupos religiosos, por um lado, e ressurgimento de fundamentalismos

integristas, por outro.

Em 1996, num artigo em que analisava o fenômeno das novas correntes

esotéricas, Claude Geffré compartilha da opinião de que se deve ter cuidado ao

abordar temas como mística e espiritualidade em nossos dias. Ele considera que

essa “inflação” de correntes místicas modernas revela certa decomposição do

religioso e ao mesmo tempo uma maneira confusa de remediar o desencantamento

do mundo e do ser humano modernos.375 O advento da modernidade preocupou-se

em retirar do mundo sua aura mágica. Ao desencantamento do cosmos seguiu-se o

do ser humano sob o signo de uma racionalidade instrumental que se propunha

libertá-lo e torná-lo forte diante da faticidade de um mundo desprovido de sentido.

374 JOÃO PAULO II. Discurso à Cúria romana. Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1986/december/documents/hf_jp-ii_spe_19861222_curia-romana_it.html. Acesso em 31/07/2007. 375 GEFFRÉ, C. “La quête de Dieu dans les courants ésoteriques contemporains”. In: La Vie Spirituelle, 1996, p. 147.

189

Tal intento não logrou o êxito esperado. Agora o ser humano estava ficando

também desencantado. Deu-se, então, início a um processo de reencantamento do

mundo e do ser humano. E aí as religiões ressurgem com uma força surpreendente

nesse novo cenário.

Geffré considera que a oração, como um mistério de gratuidade, pode ser

um caminho de unidade das pessoas entre si e com Deus.376 Segundo o uso

comum, gratuidade é o que se obtém sem contrapartida. Ela é o contrário do que

tem um preço. Teologicamente, a origem da palavra gratuidade é “graça”, no

sentido de dom gratuito de Deus que precede toda obra, todo esforço e todo mérito

do ser humano. O gratuito é o contrário do necessário. O gratuito é o mais que

necessário.

Dessa forma, a oração pode se situar no rol das atividades mais gratuitas

dos seres humanos. Experiência sempre mais difícil quando a pessoa se deixa

levar unicamente pela lógica da eficiência e da produtividade. Nosso momento

histórico experimenta o chamado retorno do sagrado, bem como a redescoberta do

sentido da oração. Esse movimento crescente do valor da dimensão religiosa

testemunha a irredutibilidade do ser humano, que não pode se definir somente

como um ser de necessidades muitas vezes fabricadas, mas como um ser de desejo

e de aspiração a uma Alteridade. Redescobre-se que a religião não é

necessariamente a expressão de uma alienação do ser humano. A oração já não

pode ser considerada psicologicamente como expressão de uma carência, de uma

insegurança ou de uma crença arcaica. A oração é expressão de uma positividade,

de uma criatividade, de uma gratuidade, de uma solidariedade com todo o

universo e com as outras criaturas. Então a oração expressa um acréscimo do ser,

não uma carência.377

Há uma linguagem universal da oração que transcende a diversidade das

religiões do mundo. Quando os crentes oram juntos percebem que há algo em

comum entre eles, percebem que é possível superar querelas históricas, conflitos,

violências, intolerâncias e fanatismos. Quando oram, todas as religiões atestam

uma Realidade última que ultrapassa a finitude do ser humano e os limites da

história. Não há religião sem oração, não há oração sem descentramento de si, ou

376 GEFFRÉ, C. “La prière des hommes comme mystère de gratuité”. In: La Vie Spirituelle, n. 726, 1998, p. 121-131. 377 Id. Ibid., p. 124.

190

seja, não há oração que não leve o crente a abrir-se à gratuidade da Realidade

última, a recusar toda forma de violência, a converter o coração, até que, pouco a

pouco, se comprometa com a construção da paz e da convivialidade nas

diferenças.378

Ultrapassando seus próprios limites doutrinais, rituais, éticos e

institucionais pela oração em comum, as religiões podem e devem,

paradoxalmente, conservar o que têm de irredutível. Ou seja, é legítimo

estabelecer uma hierarquia entre as diferentes religiões, já que diferenças

inarredáveis existem. Mas, sejam quais forem os limites e imperfeições das

religiões e, mesmo suas perversões, todas elas têm a ambição de trabalhar para a

salvação e a cura do ser humano na sua integridade. Longe de afirmar uma

dissolução da singularidade da salvação cristã, esta atenção às outras tradições

religiosas deve conduzir a uma afirmação mais lúcida da novidade do Evangelho

da salvação cristã. Ao contrário de outras propostas religiosas, a salvação cristã

não tem a pretensão de curar milagrosamente o mal-estar da condição humana.

Ela propõe, sobretudo, a reconciliação do ser humano com Deus mediante o

reconhecimento de sua condição filial em Jesus Cristo e, por isso mesmo, o

rechaço de tudo o que desfigure o rosto desse ser humano na história.379

Quando se considera que não se pode separar a vida religiosa pessoal dos

membros de outras religiões da respectiva tradição à qual pertencem e que orienta

suas vidas, abre-se um caminho fecundo de diálogo. Se sua resposta ao chamado

divino se concretiza e se sustenta através dos elementos objetivos que compõem

suas tradições, tais como suas Escrituras sagradas e suas práticas rituais, é

possível admitir que as tradições religiosas em si mesmas contenham “momentos

sobrenaturais da graça” para seus membros.380 Ao responderem a esses elementos

da graça que lhes trazem a salvação, eles estão incluídos na dinâmica do Reino de

Deus. Assim, as outras tradições religiosas contribuem, de maneira misteriosa,

para a construção do Reino de Deus através de seus membros. O diálogo a partir

da experiência religiosa leva o outro a uma verdadeira conversão, de modo que se

378 GEFFRÉ, C. “La prière des hommes comme mystère de gratuité”, art. cit., p. 125-126. 379 Id. “O futuro da religião entre fundamentalismo e modernidade.” In: SUSIN, L. C. (Org.) Teologia para outro mundo possível. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 330. Id. “El desafio del pluralismo religioso y del indiferentismo para el servicio de las Instituciones Católicas.” In: STUDIUM, Filosofía y Teología. Tomo III, Fasc. V, 2000, p. 30. 380 DUPUIS, J. “Communion Universelle. Églises chrétiennes et religions mondiales.” In: Cristianesimo nella Storia. n. 16, 1995, p. 375.

191

estabeleça entre os parceiros uma comunhão no Espírito. Essa ascese que leva à

comunhão no Espírito pede de cada parceiro compreensão e simpatia pela

experiência do outro. Somente desarmados espiritualmente podemos nos

reconhecer sob a ação do mesmo Deus. Nesse estágio do diálogo, as diferenças já

serão enxergadas mais claramente, de modo que já não impedirão que os parceiros

se reconheçam nas experiências religiosas distintas.

Recolocar a questão da centralidade do ser humano de forma equilibrada é

mais que necessário nos dias atuais. Disso não dará conta somente uma ética dos

direitos humanos. Faz-se necessário também que se apele às leis escritas na

consciência humana. Estas não se resumem a uma mera ética distributiva, mas

também implicam uma ética da subordinação dos interesses de poucos às

necessidades de muitos, especialmente dos mais pobres. Aí têm lugar tanto o

respeito ao estrangeiro da tradição do Antigo Testamento, quanto a misericórdia

do sermão da montanha, ou a lei muçulmana da hospitalidade, ou a compaixão

budista, ou a espiritualidade do Gita hindu com sua dimensão da experiência

cósmica da presença de Deus,381 ou a busca do equilíbrio entre o ser humano e o

conjunto da criação como garantia da conservação da vida presente nas religiões

afro-brasileiras.382

O diálogo inter-religioso haure seu sentido na troca de palavras, na escuta

mútua atenta e respeitosa em pé de igualdade entre todos os membros de cada

tradição religiosa, na oração em comum. Sabemos que experiências de oração em

comum não se darão sem certas dificuldades concretas, mas isso não deve

desencorajar as tentativas possíveis.383 As chances reais de um diálogo assim só

serão plausíveis a partir de um conhecimento dos outros nas suas diferenças, de

uma melhor compreensão da própria tradição e da abertura à emulação recíproca

em vista da missão comum que une as diversas religiões.

O justo reconhecimento exigido pelas outras religiões traz consigo a causa

dos pobres. Os corações dos pobres se encontram na contemplação do sagrado,

381 PAINADATH, S. “The integrated spirituality of the Bhagavad Gita – An insight for Christians: a contribution to the hindu-christian dialogue.” In: Journal of Ecumenical Studies, 39:3-4, summer-fall 2002, pp.305-323. 382 SILVA, C. A. “Tudo o que vive merece viver – a contribuição da experiência religiosa para a conservação da vida.” In: REPENSAR, Ano 3 n. 2, 2007, p. 29-41.

383 STAMER, J. "Prier avec les musulmans?". In: Se Comprendre N° 99/09 - Novembre 1999, p. 7; 9. Disponível em http://www.le-sri.com/99_09.htm, acessado em 14/08/2008.

192

hospedando as diferenças sem medo, intuindo que as muitas fontes levam ao

único rio.384 As religiões são paisagens de muitos caminhos. Dialoga bem quem

facilita o caminho até o pobre, que é lugar da epifania de Deus (LG 8c).385 A

pobreza na concretude dos pobres clama por nossa solidariedade, visto que eles já

têm a solidariedade de Deus.

Nossa breve reflexão sobre religião e mística já nos permite concluir que

os místicos não pertencem apenas às suas tradições religiosas. A intensidade da

experiência feita por eles, de certa forma, faz com que transcendam as fronteiras

de suas próprias tradições. A experiência mística conduz ao amadurecimento da

própria experiência religiosa. O místico já não crê somente porque lhe disseram,

mas porque fez a experiência do que lhes transmitiram. Experimenta o Absoluto

nos fragmentos e aí percebe que não são os ritos, as doutrinas, a atuação da

hierarquia sacerdotal, o cumprimento de códigos morais ou canônicos que

garantem a presença do Absoluto, mas o acolhimento de toda alteridade que se

revela como é, sem disfarces, que vai além da espessura da cultura ou da

religião.386

Parece-nos claro que o diálogo inter-religioso não pode mais ser pensado

apenas como tarefa de especialistas buscando convergências em termos

doutrinais, nem também pode ser concebido apenas como a busca de uma

coexistência pacífica entre pessoas de tradições religiosas diferentes. Uma

autêntica convivialidade entre os seres humanos será muito facilitada pelo

reconhecimento da dimensão religiosa que lhes é também constitutiva. A mística

real da pluralidade que nos envolve já acontece na vida das pessoas religiosas

antes de uma tematização teológica sobre ela.

384 MEULENBERG, L. Cipriano – a única fonte e os muitos rios. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 67. Este autor cita um apelo de Cipriano de Cartago na obra A unidade da Igreja Católica em um período em que o cristianismo estava ameaçado por sérias divisões: “E ainda que jorrem muitos rios de uma única fonte, ainda que tudo se dissolva aparentemente numa espumante abundância, a unidade fica sempre conservada na origem.” 385 SUESS, P. “Da revelação às revelações.” In: Concilium 319, 2007/1, p. 48. Este faz referência a um belo texto do então Cardeal Ratzinger apontando o que fundamenta a credibilidade do cristianismo: “A pobreza é a verdadeira aparição divina da verdade.” RATZINGER, J. Die Vielfalt der Religionen und der Eine Bund, Bad Tölz, Urfeld, 2003, p. 116. 386 SUSIN, L. C. “O absoluto nos fragmentos – a universalidade da revelação nas religiões.” In: TOMITA, L. E., BARROS, M. e VIGIL, J. M. (Orgs.). Pluralismo e Libertação – Por uma teologia latino-americana pluralista a partir da fé cristã. São Paulo: ASETT, EATWOT, Loyola, 2005, p. 125-143, aqui, p. 136.

193

Por fim, mesmo em tempos de pluralismo religioso como o nosso, o

cristianismo, enquanto a confissão de Jesus como o Messias, o Cristo ofertado a

todos, conserva toda sua universalidade e singularidade. Quando a fé se dirige não

só para o Cristo como centro, mas para o centro de Cristo, a perspectiva do

senhorio universal de Jesus Cristo muda radicalmente. Quem quer que se achegue

verdadeiramente a Jesus chega a um coração despojado, pobre, totalmente

descentrado, ex-cêntrico em direção ao Pai em seu mistério abissal, para quem

sempre está voltado; e em direção ao Espírito que incessantemente o leva aos

outros, inclusive na sua alteridade cultural e religiosa, e especialmente aos

pequenos e abandonados de todos os quadrantes do mundo,387 porque nada nos

separará do amor de Cristo, nada está fora do alcance de sua ação salvadora

(Rm 8, 19-20; 31-39). Jesus Cristo não pode ser um problema para o diálogo entre

as religiões. Pelo menos o Jesus confessado pelo Novo Testamento e pelas

primeiras comunidades cristãs. Nele nada há de autoritário ou soberbo. Ao

contrário, ele é a máxima expressão da proximidade absoluta do Absoluto junto de

todos. Ele que era rico e se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza (2Cor,

8,9).

Nenhuma religião precisa desaparecer. Tão pouco o cristianismo precisa

desaparecer. Afinal ele se concretiza na comunidade querida por Deus para

preservar a memória de Jesus Cristo no tempo e na história, até sua que missão

seja concluída (1Cor, 15,28). Graças à fidelidade da fé cristã à memória de Jesus,

hoje podemos e devemos reinterpretá-la em vista de uma resposta original à

pergunta “e vocês, quem dizem que eu sou?” (Mt 16, 15). A maturidade adquirida

pelo cristianismo em sua longa história permite também uma resposta madura

como aquela de Simão Pedro: “Tu é o Messias, o Filho do Deus vivo.” (Mt

16,16). Sabemos que essa resposta é fruto de uma longa caminhada catequética da

comunidade mateana. O evangelho de Mateus tem uma clara abertura

universalista. Segundo ele, o Reino proclamado por Jesus é mais aceitável pelas

outras nações do que pelos judeus. Desde cedo, os cristãos judeus necessitaram

aprender a conviver com os cristãos gentios sem invejas ou ciúmes. A Igreja de

Mateus é uma comunidade mista, aberta a incluir os diferentes com a única

exigência que aceitem entrar na dinâmica do Reino de Deus. Ao usar a expressão

387SUSIN, L. C. “O absoluto nos fragmentos – a universalidade da revelação nas religiões.”, art. cit., p. 135.

194

“minha igreja” aplicada a um grupo heterogêneo como o seu (Mt 16, 16), o

evangelista demonstra sua fé que Jesus não considera que os gentios mancham a

pureza do verdadeiro Israel. A parábola do joio demonstra a cautela que a

comunidade deve ter diante das misturas inevitáveis quando se vai em direção ao

diferente (Mt 13, 24-30. 36-43). A Igreja deve mostrar paciência e misericórdia.

Diante do conflito, diante da confusão das interpretações, é preciso sempre voltar

a Jesus. A intenção teológica de Mateus é insistir em que se ouça a voz de Jesus.

O evangelho do Reino pregado por Jesus precisa chegar à vida de todas as pessoas

(Mt 9, 35). Para o evangelista, a voz de Jesus nunca poderá ser abafada na Igreja.

É a voz dele que permanece sempre normativa. E é essa a dificuldade que sempre

acompanhará o cristianismo: a mensagem de um Jesus não-institucional só pode

ser preservada através de uma instituição.388 Mas será sempre a voz do Jesus livre

dos limites inerentes às instituições que deve ser buscada.

“E vocês, quem dizem que eu sou?” Nós hoje devemos responder a essa

inquietante pergunta do Senhor com a mesma maturidade expressa por Simão

Pedro outrora. É preciso, antes de tudo, permanecermos fiéis à voz de Jesus, que é

a mesma sempre. Por isso suas palavras, conservadas nos evangelhos, são para

nós, aqui e agora. A própria diversidade com que os quatro evangelhos guardam

as palavras mostra a necessidade real de que elas sejam adaptadas às reais

circunstâncias em que esteja a Igreja. A diferença na interpretação não falsifica a

mensagem original, mas ajuda na aproximação ao seu sentido para nós.389

A resposta de Pedro em Mateus 16, 16 expressa a fé em Jesus e em sua

missão de modelo para a comunidade eclesial. Nessa confissão de Pedro há uma

dinâmica de palavra relacionada à ação. É uma palavra que desencadeia

processos, gera atitudes, provoca a fidelidade criativa da comunidade eclesial a

uma revelação recebida.390 É Deus quem concede à comunidade eclesial a

revelação de Jesus como o Cristo (Mt 16,17), ao mesmo tempo em que a

encarrega de ser a agente dessa revelação (Mt 14,33; Jo 11,27). O Espírito Santo,

que é o Espírito de Cristo, o Senhor da história, constantemente remete a Igreja às

novas solicitações dos sinais dos tempos. Historicamente ela tem correspondido

de maneira fiel e criativa. No tempo atual não pode ser diferente.

388 BROWN, R. As Igrejas dos Apóstolos. São Paulo: Edições Paulinas, 1987, pp. 157-185. 389 MESTERS, C. Com Jesus na contramão. São Paulo: Paulinas, 1995, pp. 8-11. 390 NOGUEIRA, P. “Pedro, a pedra e a autoridade fundante no cristianismo primitivo”. In: Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. N. 27, 1998, p. 75.

195

“E vocês, quem dizem que eu sou?”. Agora mais livres e mais frágeis,

porque despojados de certezas inabaláveis e formulações dogmáticas herméticas,

os cristãos podem se inspirar nas palavras de Isaías ao povo no exílio: “Vocês que

buscam a Deus e procuram a justiça, olhem para a pedra de onde foram talhados,

olhem para a pedreira de onde foram extraídos. Olhem para Abraão seu pai e para

Sara sua mãe. Quando os chamei, eles eram um só, mas se multiplicaram por

causa da minha bênção.” (Is 51, 1-2). Ali se falava de um novo recomeço para o

povo de Deus. Com Jesus também houve um recomeço e um alargamento da

eleição-aliança, com o Reinado de Deus chegando, através do Espírito Santo, a

todos os povos, culturas e religiões. A multiplicidade das religiões pode ser o

efeito da bênção do Deus único em seu desejo incontrolável de comunhão com

todos os seus filhos e filhas, criados à imagem do seu Filho único e resgatados

para sempre pelo mistério de sua entrega total por amor.

Não há outro caminho possível para um diálogo fecundo entre as religiões

a não ser através da mística. Quando concluímos que nem tudo na experiência

religiosa pode ser racionalizado, é preciso confiar no mistério inesgotável de

Deus. Então, as palavras calam, a contemplação aprofunda o discurso, e os

parceiros do diálogo se reconhecem a si mesmos a partir da maneira como

aprenderam a olhar as diferenças. Aprenderam a olhar como Deus mesmo olha e a

amar como Deus ama.

196

Conclusão

“Temos o direito a ser iguais, quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.391

Ao final desta nossa pesquisa, desejamos afirmar nossa mais profunda

convicção de que as intuições teológicas do autor que estudamos abrem pistas

seguras para a continuidade e o aprofundamento dos desafios do diálogo inter-

religioso. No último capítulo desta tese já tentamos apresentar tais pistas

juntamente com nosso posicionamento pessoal perante elas. Aqui apenas

resumimos as principais conseqüências que o estudo que fizemos traz para a

teologia cristã das religiões e como elas podem repercutir no processo de

evangelização da Igreja em nossos dias.

A posição eqüidistante tanto de um inclusivismo eclesiocêntrico, quanto de

um teocentrismo radical assumida por Claude Geffré, torna palatável sua teologia.

O objetivo central de nossa tese era demonstrar que este autor traz algo de novo à

teologia cristã das religiões. Cremos ter atingido tal meta. Um traço absolutamente

central em seu pensamento é que um cristianismo de diálogo somente será

possível a partir de uma cristologia normativa. Seu intento é manter o Cristo como

centro, mas sem fechar-se à fecundidade da interlocução com a pluralidade

religiosa de hoje. O elemento novo que Geffré traz à reflexão, em continuidade às

intuições do Vaticano II, é considerar as religiões inseridas no projeto salvífico de

Deus. Por isso cada tradição religiosa necessita ser considerada com seriedade.

Afinal elas não são fruto do acaso, nem resultado do mero esforço humano na

busca de Deus. A pujança das religiões em nosso contexto histórico aponta para

algo sério: dois mil anos depois do acontecimento Jesus Cristo e de intensa

atividade missionária da Igreja, o que Deus estaria querendo nos dizer ao permitir

a diversidade e a expansão irrefreável das religiões em nossos dias? Nosso autor

ajuda a reflexão teológica a admitir a possibilidade de que recursos diferenciados,

convergentes e complementares disseminados nas religiões não-cristãs apontam

para uma meta comum: Deus em seu mistério. É necessário que o cristianismo

391 SANTOS, B. S. Reconhecer para Libertar – Os caminhos do cosmopolitismo multicultural. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 458.

197

aceite a coexistência com as outras religiões e a reciprocidade com elas como um

querer de Deus.

É legítima a pretensão cristã de ser a religião da manifestação definitiva de

Deus em Jesus Cristo. Essa proclamação central da fé cristã nunca deve ser

colocada entre parênteses no processo de diálogo inter-religioso. Por isso mesmo

esse diálogo se dará sempre sob essa tensão entre a convicção cristã e a convicção

das outras religiões. O cristianismo é estruturalmente dialogal. O paradoxo da

encarnação do Verbo de Deus na história humana é a prova mais inconteste dessa

afirmação. O primeiro movimento de sair ao encontro do diferente é de Deus.

Então, nunca deverá ser estranho ao cristianismo o apelo a sair de si, encontrar e

interagir com o diferente de si.

Diferente de outros teólogos das religiões, Geffré escolhe começar o

diálogo a partir de Jesus Cristo. Prefere tirar todas as conseqüências desta

centralidade de Jesus, compreendendo melhor sua singularidade. É o centro

mesmo da mensagem cristã que tem a força necessária para exorcizar qualquer

pretensão autoritária e abrir-se sem medo ao diferente.

Entendendo o cristianismo como religião da alteridade, cuja singularidade

se verifica em sua relação com os outros, nosso autor sustenta que o face a face

entre as religiões enriquece o cristianismo. A plenitude da revelação cristã

somente chegará ao seu final em termos escatológicos. Durante seu peregrinar

histórico, o cristianismo também terá o que aprender das outras religiões. Isso não

quer dizer que as outras completem o que faltaria ao cristianismo, mas que o

encontro e o diálogo inter-religioso podem contribuir para que se manifestem à

própria identidade cristã aspectos que até então não tenham sido percebidos. A

história da humanidade é testemunha da busca tateante do ser humano por Deus,

mas também da pluralidade dos meios utilizados por este à procura daquele. É

esse movimento de busca recíproca do humano pelo divino e vice versa que

prevalece sobre as diferenças objetivas das diversas tradições religiosas. É

possível, do ponto de vista cristão, levar a sério o valor intrínseco das outras

religiões como caminhos de salvação, somente na perspectiva de uma

reinterpretação da unicidade de Cristo como Verbo encarnado e da singularidade

do cristianismo como religião histórica.

O cristianismo tem uma originalidade inconteste no concerto polifônico

das religiões do mundo. Isso precisa ser afirmado com tranqüilidade. O que não

198

significa, necessariamente, que hoje devamos restaurar atitudes autoritárias para

com os não-cristãos ou restabelecer o modelo de missão como conquista dos

infiéis, conversão forçada deles e seus registros nas fileiras eclesiásticas. Geffré

concebe a missão da Igreja como diálogo de salvação. O outro, afinal, já pode

estar sob o dinamismo da ação salutar de Deus, respondendo ao apelo divino

desde seu próprio contexto cultural e religioso. O capítulo quatro de nosso estudo

procurou tirar as conseqüências objetivas desse novo modelo de missão. No lugar

de imposição autoritária, o diálogo fraterno. Essa atitude pode devolver ao

cristianismo sua relevância histórica numa época como a nossa.

Fé, essa existe somente inculturada. É a ação constante do Espírito de

Deus que faz com que a mensagem cristã seja proclamada, entendida, vivida,

acolhida e expressa a partir de dentro das diversas culturas. É o encontro de quem

já vive o Evangelho com quem aprendeu a vivê-lo de seu jeito próprio, com sua

sensibilidade própria, que será capaz de manter atualizada a mensagem cristã. É a

essa aventura que devemos nos lançar sem temores excessivos.

Outro tema abordado com pertinência por Geffré é a identidade cristã em

tempos de pluralismo religioso. O que da originalidade cristã deve ser preservado

durante o processo de diálogo? O diálogo inter-religioso, para ser autêntico,

requer dos interlocutores um esforço ascético para entrarem na experiência um do

outro. Isso não se fará sem certos riscos. No entanto, não é o perigo da viagem que

deve impedir a partida. Com prudência e coragem é possível avançar.

Nossa tese demonstrou que o face a face das religiões que habitam um

território comum traz à tona a necessidade do diálogo entre elas. Incorporar a

diversidade inevitável torna-se tema corriqueiro em nossos dias. A correlação de

conceitos como diferença e igualdade é feita a partir de diversos vieses.

Reconhecer a legitimidade da diferença é tranqüilo. O mesmo não se dá com

relação à igualdade. Evidentemente a teologia não permanece imune a essa tensão.

Também ela é provocada a dizer sua palavra quando essa discussão chega ao seu

campo de investigação. Mais que uma resposta definitiva, nosso estudo aponta

para possíveis pontos de partida para ulteriores aprofundamentos.

Uma primeira conclusão a que chegamos é que o reconhecimento de certa

incompletude das religiões enquanto grandezas históricas é condição

imprescindível para a concretização do diálogo inter-religioso. Nenhuma religião

pode pretender escapar aos condicionamentos históricos e suas influências

199

concretas na maneira como estas se configuram. O que também vale, é claro, para

o cristianismo. Vincular definitivamente revelação e história talvez seja um dos

maiores contributos da teologia do Século XX à Tradição eclesial. A experiência

judaico-cristã de Deus não pode prescindir da história. A conseqüência direta

disso é que não pode também escapar do processo hermenêutico, como

demonstramos nesta tese. Reinterpretar os principais conteúdos da fé cristã a

partir do pluralismo religioso hodierno é um dos desafios mais agudos postos à

reflexão teológica. Esse desafio não poderá ser seriamente enfrentado sem uma

renúncia a qualquer pretensão de superioridade autoritária por parte do

cristianismo. Uma concepção idealista do diálogo inter-religioso poderá esquecer

rapidamente que este somente se dará através de uma simultaneidade de tradições

diferentes. Por simultaneidade entendemos aqui a legitimidade da diferença e a

irrenunciável igualdade entre os parceiros do diálogo. Essa equação não resulta

fácil, especialmente se, como é o caso do cristianismo e das outras grandes

religiões, esses parceiros compartilham um longo passado de relações

sistematicamente assimétricas. A questão crucial é: como superar na atualidade

querelas antigas perpetradas por uma religião que se apresentava superior às

demais e que agora as convida ao diálogo? Após séculos de relações desiguais,

será plausível agora falar em termos de igualdade? Até onde o cristianismo deverá

silenciar para dar espaço à pronunciabilidade das aspirações das outras tradições

religiosas? Tentamos demonstrar que uma nova concepção de universalidade

cristã é possível e que, mesmo sob suspeitas justificáveis dos que historicamente

tiveram o cristianismo como algoz, a construção de um diálogo autêntico é

plausível.

Para uma religião como o cristianismo que sempre se reconheceu e se fez

reconhecer como completa e superior, aceitar os riscos do diálogo não é uma

decisão tão simples. No mínimo ele encontra-se diante de um dilema: fechar-se

em si mesmo e recusar qualquer possibilidade de que os outros possam lhe trazer

qualquer espécie de contribuição, ou abrir-se ao diálogo e correr o risco de

flexibilizar certezas herméticas. O diálogo inter-religioso como uma exigência de

nosso tempo pressupõe um nível suficientemente alto capaz de anular o risco de

uma mera assimilação de uma tradição religiosa por outra, mas não tão alto que

impeça a própria possibilidade do diálogo pelo medo da inevitável interpelação

recíproca.

200

Longe de serem entidades monolíticas puras, as religiões, como as

culturas, são grandezas porosas e com grande variedade interna. Quanto mais as

religiões são submetidas à hermenêutica, tanto mais elas tomam consciência dessa

diversidade. O diálogo vai se nutrir daqueles conteúdos que vão mais longe no

reconhecimento do outro, que favorecem a reciprocidade. Isso não significa

escamotear as diferenças irredutíveis, mas valorizá-las naquilo que têm de original

e que devem ser trabalhadas à medida que o diálogo avance. Por isso, o tempo do

diálogo necessita ser estabelecido concomitantemente pelos parceiros. Cada

tradição religiosa deve ter a liberdade de decidir quando está pronta para o diálogo

com as outras tradições. Não reconhecer isso é aceitar a falácia da completude,

própria daqueles que se acham em um patamar capaz de determinar quando os

outros devem ou não corresponder às suas aspirações. Este pode ser o caso de uma

parte do cristianismo que durante séculos não demonstrou qualquer

disponibilidade para o diálogo, mas agora, diante da mentalidade difusa de que

dialogar é preciso, tende a crer que as outras tradições religiosas estão igualmente

disponíveis e ansiosas para estabelecer o diálogo com ele.

O início do diálogo entre as religiões deve resultar de uma convergência

entre as tradições envolvidas. Não há nada de irreversível no processo dialogal.

Uma determinada comunidade religiosa pode necessitar de uma pausa antes de

avançar no diálogo, ou pode ainda concluir que o diálogo, nesse momento, a

enfraquece além do que é suportável, por isso deve suspendê-lo. A reversibilidade

do diálogo é condição indispensável para que ele não se transforme em uma

conquista de uma religião por outra ou em um fechamento recíproco entre os

parceiros. É essa dialética de avanços e recuos que possibilita ao diálogo ser um

processo aberto às novidades do próprio dialogar. Sem acordos prévios nessas

bases, o diálogo pode se configurar apenas em uma fachada benevolente que

perpetua relações desiguais. O conteúdo do diálogo deve ser escolhido por mútuo

acordo. Aí talvez esteja o requisito mais delicado no processo de reinterpretação

das tradições religiosas a partir da prática dialógica. Os temas não podem ser

colocados unilateralmente. Por isso essa convergência não é tão simples de ser

alcançada. Em todas as religiões há elementos muito importantes para serem

colocados em comum sem o estabelecimento de critérios básicos de

reconhecimento e respeito mútuos. O diálogo autêntico pressupõe que o princípio

da igualdade seja equiparado ao princípio do reconhecimento da diferença.

201

Diante disso, como a Igreja instituição avalia o impacto que a realidade do

pluralismo atual traz para seus membros, seus ritos, suas estruturas? Considerar

positivamente o pluralismo implica em alterar ações cotidianas; aproveitar as

oportunidades para o diálogo com os diferentes, a começar dentro das próprias

comunidades eclesiais. A Igreja católica tem excelentes documentos que apontam

e incentivam o diálogo, como fizemos referência no desenvolvimento de nossa

tese. O desafio é aproximar o que dizem tais documentos com as práticas

pastorais. Concretamente, os programas pastorais das Igrejas locais devem refletir

essa exigência priorizando enfoques e atitudes que promovam o diálogo

ecumênico e inter-religioso. As várias instâncias catequéticas das Igrejas não

podem ficar alheias a esse processo. Os esforços nessa direção não devem ser

minimizados nem confiados apenas a especialistas. É imprescindível que toda

comunidade eclesial se sinta envolvida no desafio de construir a unidade a partir

das diferenças. Esse passo a levará a buscar estabelecer relações interpessoais

mais simétricas, incentivando experiências relevantes de convivialidade,

desenvolvendo pedagogias críticas que ajudem a desmascarar preconceitos e

sedimentar direitos e deveres coletivos inspirados nos pressupostos da fé e

voltados para a construção de uma sociedade que espelhe mais os valores do

Reino de Deus.

Nosso estudo da teologia das religiões de Claude Geffré nos ajuda a

manter uma tensão criativa entre a situação de pluralismo aparentemente

insuperável em que nos encontramos e o caráter essencialmente missionário do

cristianismo. Não é verdade que tudo seja tranqüilo quando se coloca o diálogo

entre as religiões em pauta. Há problemas sérios envolvidos; há obstáculos que

necessitam ser assumidos e superados; há inclusive espaço para questões que

ainda não foram colocadas. Reconhecemos que é louvável o esforço de Geffré em

conciliar o conteúdo perene da mensagem cristã, o engajamento absoluto do

crente com sua própria religião e a necessária abertura para a religião do outro. No

entanto, esse esforço não desfaz a tensão. Ela permanece subjacente.

Assumimos e defendemos ao concluir nosso estudo que o momento de

nossa reflexão teológica sobre as religiões requer mais a poiesis do que a theoria.

Geffré fala que o diálogo requer cortesia espiritual, assentimento do coração, antes

da razão. O diálogo se manifesta primeiramente no encontro de corações

enamorados pelo Divino, não em esquemas mentais. É antes de tudo no coração

202

que devemos aceitar, sem relutâncias, a existência de religiões diferentes. Não é

possível dialogar com alguém com quem nos ressentimos ou em cuja presença

não nos sintamos bem. Estar com pessoas de outras religiões faz parte do

cotidiano da grande maioria dos cristãos. Por isso mesmo a teologia cristã só pode

ser dialógica. A fala monológica está fadada ao insucesso absoluto.

Como o diálogo autêntico pressupõe compromisso, ele não pode sacrificar

o testemunho das próprias convicções. Cremos que Geffré trabalha bem isso com

a noção de “pré-compreensão”. Com isso quer dizer que ninguém começa um

diálogo partindo do nada, como uma tábula rasa. A experiência religiosa não é

algo supérfluo para o crente, sua própria vida está vinculada a ela. Por isso não se

pode negligenciar tal experiência. Daí que resulta impossível um diálogo que não

seja baseado no que cada parceiro traz consigo para colocar em comum.

Testemunhar as mais arraigadas convicções e escutar atentamente o diferente são

condições basilares para qualquer diálogo. Isso quer dizer que o elemento

confessional não é incompatível com a prática do diálogo inter-religioso. Ao

contrário, este só é possível a partir das experiências diferentes confessadas pelos

parceiros.

Quando tratamos de religião lidamos com o mistério que precede, perpassa

e ultrapassa a realidade na qual o crente se reconhece situado. Entendendo-se

assim, é viável conceber o diálogo como um movimento em direção do Deus que

nos precede no encontro com as pessoas nas suas próprias tradições religiosas.

Deus mesmo já quebrou as barreiras. E o Espírito Santo constantemente opera

para que a única salvação de Cristo chegue a seu destino: a pessoa humana na sua

totalidade e em cujo coração Deus já se encontra. Os cristãos não somos

“possuidores” de Deus. Somos tão somente donatários da graça compartilhada

com todos os que O buscam de coração sincero. Nossa atitude na aproximação

com outras religiões deve ser, portanto, de reverência, já que Deus sempre chega

na nossa frente, embora nem sempre seja fácil discernir os sinais de sua presença.

A fé cristã não pode dissociar diálogo, missão e anúncio. Por isso, essas

atitudes só podem se concretizar a partir de uma profunda humildade. Geffré

trabalha bem isso ao destacar a dimensão kenótica do cristianismo e a dialética da

cruz, como aprofundamos no segundo capítulo desta tese. Talvez a palavra que

melhor se adéqüe ao cristianismo no seu encontro com as outras religiões seja

vulnerabilidade. A abertura ao diferente torna-nos inevitavelmente vulneráveis.

203

Mas não há outro caminho. A fraqueza e a debilidade podem ser ocasiões de um

profundo crescimento. Essa atitude corrige também certo exagero de alguns

cristãos que arrastam uma culpa sem sentido pelos equívocos cometidos no

processo de evangelização do passado. Ser humilde implica também em respeitar

os que nos precederam na fé, reconhecer o seu legado, mesmo que isso nos deixe

em situação embaraçosa pelos vieses sexistas, racistas e autoritários que algumas

atitudes assumiram. Não é verdade que tudo no trabalho de evangelização que se

fez no passado tenha sido equivocado, que não tenha restado nada de positivo. É

inegável que ao lado de erros reconhecidos e que devem ser adequadamente

reparados, as sementes do Evangelho também fizeram germinar frutos valiosos

onde foram plantadas. Consideramos um excesso o exagero de autopunição de

alguns membros da Igreja diante dos equívocos de outrora, mesmo porque, devido

à nossa contingência histórica, não estamos incólumes a eles também em nossa

época.

Outra convicção profundamente arraigada em nós é que as religiões

precisam ser valoradas por elas mesmas, em suas diferenças irredutíveis. Elas são

efetivamente outras. Não são meros ecos do cristianismo. Há sempre um limite

tênue entre considerar positivamente as religiões e a tentativa de instrumentalizá-

las. Evita-se esse risco deixando lugar para a tensão criativa que deve sempre

existir entre a Tradição eclesial e a situação concreta onde esteja o cristianismo,

sem absolutizar uma ou outra.

Quando se consegue tal equilíbrio, o diálogo não substitui a missão. O

diálogo autêntico não pode excluir a missão. O testemunho cotidiano dos cristãos

é o alimento do diálogo e este retroalimenta o testemunho. Se hoje temos claro

que o diálogo faz parte do código genético cristão, a natureza essencialmente

missionária também o faz. A Igreja cristã não pode deixar de anunciar Jesus

Cristo como caminho, verdade e vida (Jo 14, 6). A fé cristã não pode deixar de

proclamar que o paradoxo da encarnação do Verbo inaugurou um modus operandi

novo e definitivo de Deus oferecer a toda a humanidade a reconciliação e a

comunhão plena com Ele mesmo. A isso a fé cristã chama salvação. É preciso

entender esse conceito além da superficialidade de algo prometido para depois da

morte. Uma percepção a-histórica desse ponto chega a ser espúria. Não é somente

para salvar-se depois da morte que alguém deva tornar-se cristão, aderindo a um

determinado sistema de ritos e dogmas. Um cristão não é somente uma pessoa que

204

apresenta melhores condições de ser salva, mas alguém que assume Jesus Cristo

como a orientação fundamental de sua vida e aceita engajar-se completamente no

serviço a Deus e ao seu Reino, à maneira do Mestre de Nazaré.

Por fim, defendemos que é possível para o cristianismo abrir-se

efetivamente ao diálogo e continuar a ser essencialmente missionário. A vontade

salvífica universal de Deus e a possibilidade de salvação fora da pertença visível a

Igreja cristã podem coadunar-se com a necessidade da mesma Igreja para a

salvação e com a atividade missionária à qual não pode renunciar. Essa aparente

incompatibilidade desaparece aceitando-se que persiste uma tensão não-resolvida

e que ainda não temos certeza definitiva de como solucioná-la, por enquanto.

Quer dizer, não podemos ter todas as respostas, pois estamos no contexto de um

conhecimento penúltimo. Entrar no diálogo é uma aventura irresistível cujo

desfecho nós não podemos prever com exatidão matemática. Resta-nos apenas

deixar-nos guiar pelo Espírito. Somente essa atitude de profunda humildade,

docilidade e reverência diante do mistério de Deus pode nos manter serenos

durante o percurso. Afinal, somos simples servos. Somos testemunhas: não

podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos (At 4,20). Somos

embaixadores da paz (2Cor 5,20), não um exército em ordem de batalha, nem

vendedores de um “produto” melhor que o dos outros. Somos testemunhas de algo

que não é uma invenção humana, mas de Alguém que o Deus invisível fez descer

do céu para o meio de nós com clemência e mansidão. Deus o enviou como ser

humano e para os seres humanos; enviou-o para salvar, para encantar e seduzir, e

não para violentar, pois Deus não admite a violência (Carta a Diogneto, 7). Os

frutos do diálogo aparecerão no próprio dialogar. Já não dá mais para voltar atrás.

Diante de nós somente a distância a ser percorrida através de muitos caminhos e

apenas com uma certeza: é Deus que nos conduz!

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