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Carlos Casturino Rodrigues
1
Contos Para Rir e Assustar
Carlos
Casturino
Rodrigues
Curitiba – PR 2019
1ª edição
Contos Para Rir e Assustar
2
Copyright © 2019 by Nogue Editora
Capa: Rodrigo Toniolo
Projeto Gráfico Nogue Editora
Diagramação: Osmarosman Aedo
Revisão: Carlos Casturino Rodrigues
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer parte
desta edição. A violação dos direitos do autor (Lei №
5.988/73) é crime estabelecido
pelo artigo 184 do Código Penal.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICAÇÃO
ISBN: 978-85-92939-32-8
R696 Rodrigues, Carlos Casturino Contos para rir e assustar / Carlos Casturino Rodrigues; Capa de Rodrigo Toniolo __ Curitiba: Edição do Autor, 2019.
101p.il.
1. Literatura Brasileira - Contos 2. Conto Paranaense. I. Toniolo, Rodrigo II. Título.
CDD: 869.9362
Filomena N. Hammerschmidt – CRB9/850
Carlos Casturino Rodrigues
3
A Casa das Centenas de Janelas – pág. 09 A Hiena e o Feiticeiro – pág. 19 A Sanfoneira Encantada – pág. 24 Assombração Animal – pág. 29 Canção Misteriosa – pág. 32 Caipirinha de Liquidificador – pág. 35 Caixão de Defunto – pág. 38 Coma Alcoólico – pág. 41
Doce Velório – pág. 44 Fischer – pág. 50 Galinhas Embriagadas – pág. 53 Herdeiro – pág. 55 Histórias de Caçador – pág. 58 Mais Uma História do Lobo – pág. 62
Í
N
D
I
C
E
Contos Para Rir e Assustar
4
65 pág. Mestre Morgan 67 pág. – Moveis Usados 69 pág. – O Padre e a Mula-sem-cabeça 73 pág. – O Automóvel Mal Assombrado 76 pág. – O Famigerado Boitatá 78 pág. – O Enforcado 80 pág. – O Fantasma do Sítio 82 pág. – O Casarão 84 pág. – O Mendigo e os Ratos 86 pág. – O Fantasma do Coveiro 89 pág. – Pesadelo 91 pág. – Uma Aventura no Cemitério 94 pág. – Um Sorriso Vampiresco 97 pág. – Um Sujeito Contraditório
E
C
I
D
N
Ì
Carlos Casturino Rodrigues
5
Aos meus familiares, amigos,
A todos aqueles
Que me infundiram
E até aos que me confundiram...
Mesmo que estes não leiam.
Dedicatória
Dedicatória
Contos Para Rir e Assustar
6
O escritor e sua trama
O escritor foi acordado diversas vezes em
alta madrugada por seus personagens que queriam
desenvolver suas aventuras. Embora o escritor resis-
tisse se virando na cama de um lado para outro, sua
cabeça não conseguia ficar tranquila. Seus pensa-
mentos o traiam expulsando o seu sono. Sua imagi-
nação estava povoada de vários personagens em bus-
ca de uma novela ou contos inacabados, que depen-
diam de algum desfecho. O sono sumiu de uma vez e
a única saída foi se colocar de pé, dirigir-se ao ba-
nheiro, lavar o rosto, voltar ao quarto depois de pro-
curar caneta e papel para então, desenhar seus perso-
nagens e criar uma trama. Em sua mente surge o ce-
nário e eles estão lá preparados para ganhar vida e se
desenvolverem na história que o escritor criará com
sua imaginação.
O navio fantasma avança mar adentro na-
vegando ao vento. Todos estão imóveis no cemitério
de automóveis. O vento desenha e esculpe nas areias
do deserto. Acontecimentos em vários e outros mo-
mentos aqui e lá ou ali. Ali Babá no deserto ou acolá.
Prefácio
Carlos Casturino Rodrigues
7
Sem pressa, qualquer coisa interessa e tudo
o mais é importante. A concentração na ação irá além
até mesmo o próprio enredo. A narrativa necessita
superar o conteúdo do texto.
Para ganhar o jogo num jogo de palavras, o
mais importante deverá ser a maneira ou o jeito de
contar um conto. Claro que isto lhe custará muitas
noites mal dormidas.
Além da cidade onde existe a saudade. So-
nhando com a fama a gente veleja num mar de lama
em busca da forma ou da fórmula para contar uma
história de tragédia ou de glória. Qualquer conto para
rir ou assustar.
Além do armário a crônica de Ana é ana-
crônica. O telefone não toca nem os ratos saem da
toca. O escritor deve buscar o seu próprio estilo. Se
todo o poeta tem seu nervo lírico. Então é preciso
buscar a poesia no sistema nervoso. Há os que via-
jam pelos sertões de Euclides da Cunha. A viagem
no tempo é longa, mas pode acontecer ao redor do
meu quarto.
Enquanto isso os cães ladram e a caravana
passa e o poeta viaja em suas poesias que estacionam
nas estantes das bibliotecas. Distinto eu me sinto
distante, cavalgando em éguas sonhando com curvas
femininas.
Contos Para Rir e Assustar
8
Assim a extraordinária viagem precisa con-
tinuar em direção ao passado local quimérico de um
sonho idealizado. Alguns reinos encantados, templos
egípcios e sinagogas entre a paz e a discórdia, entre o
amor e a morte, são contos para rir e assustar.
Carlos Casturino Rodrigues
9
A Casa das Centenas de Janelas
A maioria dos vilarejos ou cidadezinha do
interior tem uma pracinha. Durante a semana este é
um local muito pouco frequentado, algumas crianças
brincado e nos finais de tarde casualmente alguns
adultos aparecem por lá. Mas aos domingos a coisa é
outra. Geralmente à tarde as moças e os rapazes vão
passear nestas pracinhas. As mocinhas com suas
amigas e os rapazes com seus amigos, geralmente
tem lá um sorveteiro ou um pipoqueiro, e quase todo
mundo se conhece. Os casais casados e casais de
namorados se encontraram a primeira vez nestas pra-
ças. Os meninos e meninas brincam juntos, crescem
juntos e quando adultos formam seus pares casam-se
e tem filhos e a história se repete.
Algumas vezes aparece por lá alguém desco-
nhecido. O pessoal fica inquieto tentando descobrir
de onde veio o forasteiro e dependendo do compor-
tamento do sujeito a autoridade local decide aborda-
lo para uma averiguação. Assim, algum banco velho,
de uma praça tão ocupada, é por vezes inspirador ou
de receio. Local não mais de se ficar, mas apenas de
passagem apressada, estão ali, como testemunhos de
outros momentos dessa mesma praça, com outros
usos e variadas significações do cotidiano.
Um rapaz estranho e solitário sentado num cer-
to banco daquela praça, observando a paisagem ou
com um livro na mão. Enquanto outros jovens sim-
plesmente desfilavam de um lado para outro para ver
e serem vistos.
Contos Para Rir e Assustar
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Aquele estranho passa a ser um motivo para
chamar a atenção de algumas mocinhas que o obser-
vam, talvez ele tenha sentado ali mesmo com a única
intenção de ler aquele livro. Mas as mocinhas ficam
curiosas cochicham entre elas e sorriem timidamente. – Quem será este moço? É muito bonito e mis-
terioso? Dependendo da real intenção do rapaz, a
mocinha estará disponível.
Algumas vezes este rapaz se atreve a puxar
uma conversa e oferece um sorvete ou um saquinho
de pipoca. E geralmente é assim que ele consegue
conquistar a mocinha.
Numa destas ocasiões à mocinha conheceu e
passou a namorar um forasteiro, ele era um rapaz
galante e cheio de estórias. Contou para ela que vi-
nha de muito longe a procura de um grande amor, e
que assim que a viu percebeu que sua procura havia
finalizado. Estava muito feliz em tê-la conhecido
tinha certeza que ela era a sua alma gêmea. Agora
pretendia voltar casado para sua terra natal e deveri-
am ser muito felizes juntos. Disse lhe que era muito
bem sucedido, de uma família bem estruturada.
A mocinha quis saber mais e ele continuou o
seu relato. Contou lhe que sua casa tinha centenas de
janelas.
– Centenas de janelas? Quantas exatamente?
Perguntou ela impressionada com a quantidade de
janelas da referida casa. Ao que ele respondeu cal-
mamente.
– Uma vez eu até contei, mas agora não me
lembro de quantas são! Mas com certeza, tem bem
mais de cem.
Carlos Casturino Rodrigues
11
Ela já tinha ouvido outras façanhas relatadas
por seu novo namorado. Mas a quantidade de janelas
contidas em sua casa lhe pareceu bem mais interes-
sante. Mas para não demonstrar uma atitude caipira
ela resolveu mudar de assunto.
– O dia hoje está muito quieto, Nem parece um domingo! Você não acha? Disse ela apertando carinhosamente a mão dele. Mas o rapaz porem não se deu por vencido e continuou o seu relato de gabolices. – Um dia como hoje lá em casa e muito ani-
mado. Ela sorriu e pensou de que tipo de animação
ele estaria falando, mas conteve-se. Antes que ele
pudesse dizer mais alguma coisa ela interrompeu. – Um domingo em família é sempre muito
bom e agradável. Mas e você faz oque para viver?
Perguntou deslumbrada e ainda refletindo sobre a
quantidade de janelas... Com uma casa tão grande
assim, ele só pode ser muito rico.
– Eu até há pouco tempo, só vivia de rendas,
mas me cansei disso e resolvi mudar um pouco o
rumo das coisas. Por isso é que eu vim para essas
bandas.
Puxa vida esse cara é mesmo um milionário!
Presumindo que até os muito ricos se entediam de
não fazer nada. Com certeza então, ele deve ter se
entediado daquela rotina de uma vida muito farta, e
resolvido ausentar-se do seu convívio familiar. Sain-
do por aí gastar um pouco do seu dinheiro e experi-
mentar um estilo mais simples de vida.
Enquanto ela ainda imaginava como seria
Contos Para Rir e Assustar
12
maravilhoso viver em uma casa tão grande e confor-
tável, ele continuou falando.
– É muito bom viver por lá. Estamos sempre
cercados de muitos empregados. Entre outras coisas
boas que me trazem saudades e vale a pena lembrar.
Você sabia que as roupas que vestimos uma vez, nós
não a usamos novamente. Estamos sempre a usar
outras roupas, é muito excitante. A cada detalhe que
ele dava, ela se deslumbrava ainda mais.
– Eu já te falei que o meu pai era engenheiro?
Perguntou ele enquanto ela parecia sonhar acordada.
– Ainda não! Disse ela pensando, o que mais
eu poderia ouvir que não fosse maravilhoso.
– Ele foi um grande engenheiro. Apesar de
não trabalhava mais.
A mocinha já não tinha mais nenhuma dúvi-
da, tinha conhecido o amor de sua vida. E melhor
ainda, casaria com um milionário. Viveria a vida que
sempre pediu a Deus.
A cada encontro e novos detalhes de uma
vida farta e muito luxo. Ela que já estava decidida,
não demorou a apresentá-lo aos seus pais, que o re-
ceberam com muito entusiasmo.
Depois de pouquíssimo tempo de namoro, eles
casaram-se e ela o acompanhou para a tão sonhada
casa com centenas de janelas e todo o conforto mere-
cido que almejava.
Seguiram viagem em bela montaria doada
pelos pais da jovem como dote. Segundo o que ele
descreveu para a família da jovem, aquela viagem
seria um pequeno trajeto de poucas horas.
Disse-lhes que não ficassem preocupados,
Carlos Casturino Rodrigues
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pois voltariam a visita-los antes mesmo que pudes-
sem sentir saudades. Ela estava radiante e mal pode-
ria esperar para chegar ao novo lar. Depois de algum
tempo de cavalgada ele disse.
– Aguenta firme ai querida estamos quase
chegando. Ela sorriu para ele demonstrando certa
tranquilidade, e seguiram em frente. Mais alguns
quilômetros adiante e de longe avistaram um casarão
enorme, então ela perguntou.
– É aquela casa? Ao que ele respondeu sor-
rindo.
– Calma querida, estamos quase lá, é um
pouquinho adiante. Ela ficou intrigada porque não se
avistava mais nada depois daquele casarão, a não ser
alguns casebres insignificantes.
Mas para não pressionar o esposo ela preferiu
ficar calada enquanto a estória se desenrolava.
Ao ultrapassar o casarão, ela concluía que
deveria ter um pouquinho de paciência certamente
ainda teriam um longo percurso. Mas ele por ser
amável e educado, havia dito que eram apenas algu-
mas horas de viagem.
Em seus pensamentos a tal casa das centenas
de janelas não deveria ser mesmo um casarão assim.
Por mais luxuoso que parecesse não seria possível
afirmar que tivesse uma centena de janelas. Concluiu
então que deveria ainda estar muito longe. De repen-
te ouviu com surpresa ele dizer.
– Finalmente chegamos minha querida! Esta é
nossa casa! Apontado para um casebre quase em
ruínas.
Contos Para Rir e Assustar
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Foi um grande choque para ela ouvir aquilo,
entretanto se conteve sem dizer nada e simplesmente
o seguiu. Ao adentrarem aquele velho casebre, ela
olhou ao redor de tudo, ou do quase nada que ali
existiam, quinquilharias inúteis. E extremamente
inconformada ela o questionou.
– Mas você tinha falado que morava em uma
casa com centena de janelas?!
– Claro que eu falei, e é a mais pura verdade.
Se você quiser pode contar. Disse-lhe apontando as
frestas na parede entre uma tabua e outra.
– Mas isso aí, são buracos e frestas na parede!
Disse ela decepcionada. Enquanto ela ainda o questi-
onava, ele retrucou dizendo com certa convicção.
– Eu prefiro chamar de janelas... É muito
mais romântico. Diante daquela afirmação ela se
calou e pensou um pouco. Ele deve estar me testan-
do, só para ver se me casei por interesse. Voamos ver
onde isso vai dar, deve ser apenas uma brincadeira.
Ela então sorriu tentado demonstrar uma falsa auto-
confiança e calmamente perguntou.
– E o teu pai? O tal engenheiro. Quando va-
mos conhecê-lo?
– Agora mesmo querida! Disse ele pegando a
pela mão e conduzindo-a para outro casebre onde se
encontrava um velhinho sentado à sombra de uma
arvore próxima da porta do casebre.
– Este é o meu pai... Disse-lhe ao se aproxi-
mar do velhinho.
– A bênção meu pai.
– Deus te abençoe meu filho. O velhinho sor-
riu feliz pelo retorno do filho.
Carlos Casturino Rodrigues
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Ele num gesto de saudosismo abraçou educa-
damente aquele velhinho. Ela educadamente sorriu e
também cumprimentou o velhinho. Esta aqui é a mi-
nha esposa.
O velhinho parecia feliz por finalmente ter
conhecido a sua nora, mãe dos seus futuros netos.
Ele ainda intrigada com as estórias que tinha
ouvido, não hesitou em perguntar.
– Então o senhor é engenheiro hem? Ao que
de imediato ele respondeu.
– Eu era minha filha... Mais depois de uma
vida inteira cortando cana e cuidando de engenho
fiquei doente e não pude mais trabalhar. E agora o
dono do engenho nem olha na minha cara.
Depois de uma breve conversa na qual ela
mais ouviu do que falou. Ela até se esforçava, mas
não conseguia esconder o seu descontentamento en-
tão o puxou pela mão e perguntou cochichando.
– Cadê o resto da sua família? Os muitos em-
pregados e outras mentiras? ...
– Tudo o que eu te falei é verdade! Venha que
vou lhe apresentar a minha mãe.
O velho percebeu que alguma coisa não esta-
va agradando a nora que acabou de conhecer. Mas
não lhe cabia se intrometer afinal o rapaz sempre
soube resolver os seus problemas.
– Papai eu vou procurar a mamãe e lhe apre-
sentar a minha esposa. Depois voltamos pra conver-
sar um pouquinho mais com o senhor. Quero que
senhor conte a ela aquelas suas maravilhosas aventu-
ras. Daquele jeito que só senhor sabe contar.
Contos Para Rir e Assustar
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O velho concordou sorrindo e em seguida
informou que a sua esposa estava no interior do ca-
sebre concentrada em seus afazeres. Ou deveria me-
lhor dizer, que ela estava passando a roupa dos em-
pregados do seu antigo patrão, o dono do engenho.
– A benção mamãe. A velha senhora que ali
estava passando roupa com um ferro de brasas parou
o serviço e correu abraçar o filho recém-chegado.
Ainda no calor das emoções ele apresentou a sua
esposa.
–Mamãe eu havia lhe informado através de
carta, me casei por lá! Esta é a minha esposa. Disse
ele esperando a aprovação de sua mãe. A moça ficou
meio desconcertada, mas procurou ser gentil e amis-
tosa.
A velha senhora agiu com gentileza recípro-
ca, abraçou a sua nora e deu lhe as boas-vindas.
– Minha mãe trabalha como lavadeira. Lava e
passa a roupa de alguns dos empregados do dono do
engenho de cana. Mas a maior parte da clientela é o
pessoal da cidade.
– Estes sim valem à pena. Completou a velha
senhora, e antes que sua mãe dissesse mais alguma
palavra ele continuou.
– Isso porque, a roupa só é entregue aos sába-
dos querida. Disse ele convicto de que ela entenderia
a importância daquilo. E sem dar tempo a perguntas,
ele continuou o seu raciocínio.
– Quando a mamãe leva a roupa limpa para
devolver e receber o pagamento pelo serviço presta-
do, ao mesmo tempo ela pega outras para lavar pas-
sar e entregar só na semana seguinte.
Carlos Casturino Rodrigues
17
Sua jovem esposa ouviu tudo atentamente em
seguida fez a pergunta.
– Por que vale mais a pena entregar a roupa
uma vez por semana? Não entendi? Finalmente ela
fez a pergunta e imediatamente veio à resposta.
– É muito simples meu amor. É assim que nós
podemos usá-las e lavar de novo antes de entregar e
receber o dinheiro do serviço. Dessa maneira é que
nunca usamos a mesma roupa!
– Já entendi tudo! Interrompeu desapontada.
Ele como um bom conquistador ainda tentou
convence-la que tudo era exatamente como havia lhe
contado. Relativamente tudo era apenas como um
simples ponto de vista.
– O que há com você querida? Não parece
feliz? Disse ele acariciando lhe os cabelos. Você há
de concordar que é uma maneira inteligente de eco-
nomizar e não repetir sempre as mesmas roupas.
– A casa velha esburacada com mais de cem
buracos e frestas nas paredes... O pai que ficou doen-
te de tanto trabalhar duramente em um engenho de
cana... A mãe que trabalha como lavadeira e todos
usando roupa que não lhes pertencem...
Ele ouvia os comentários da esposa, mas sem
dar muita atenção a ela, continuou a conversar com a
sua mãe. Estava com saudades, pois estavam separa-
dos há algum tempo.
– Mas ainda faltam respostas. Questionou a
esposa com entonação na voz.
– Onde estão os muitos empregados e aquela
estória de viver só de rendas?
Contos Para Rir e Assustar
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A velha percebendo o desapontamento da
moça ficou meio sem jeito, sem saber exatamente o
que fazer interrompeu dizendo.
– Bom lembrar, meu filho! Você não vai mais
vender renda não? A dona Maria costureira disse que
já está acabando a renda pros vestidos.
– Vou sim mamãe. Eu irei lá amanhã...
Depois disso ficarão todos em silencio por
algum tempo, então ele puxou a esposa para si e a
acariciou amavelmente.
– Você poderá ir comigo até a cidade ama-
nhã. Vai ser bom para você conhecer as pessoas.
Ela então fez uma cara de total decepção e se
deu por vencida. Afinal de contas àquela era a dura
realidade. Teria que aprender a conviver com isso
agora.
– A verdade é que minha mãe sempre entrega
o serviço na hora certa. Também é verdade que os
muitos empregados do engenho estão sempre por
aqui buscando as roupas lavadas e conversando com
a gente afinal de contas eles são nossos amigos...
Carlos Casturino Rodrigues
19
A Hiena e o Feiticeiro
Numa localidade incerta, geograficamente
perdida no tempo e no espaço. Apesar de ser uma
região aparentemente inóspita de difícil acesso.
Àquelas cercanias eram periodicamente visi-
tadas por alguns viajantes e aventureiros. Que por ali
passavam, em busca do inexplorado, aventuras ou
novos horizontes.
Entre os poucos habitantes daquela impercep-
tível localidade, vivia ali um homem muito malvado.
Cuja insensibilidade não lhe permitia perceber a sua
volta algo de bom ou belo. Aquele homem rude e
insensível nunca conseguiu entender o que buscavam
tais viajantes ou aventureiros. Por isso mesmo ou por
motivo nenhum, ele simplesmente detestava qualquer
forasteiro.
Movido de muita insensibilidade ou tão-
somente pura maldade, ele saía quase toda à noite
para colocar armadilhas no caminho. Artifícios que
seriam fatais aos forasteiros desavisados que por ali
se aventurasse. Enquanto ele se dedicava a preparar
cuidadosamente as tais armadilhas. Em seus deva-
neios imaginava o desespero de suas prováveis víti-
mas, e soltava longas gargalhadas.
O silêncio da noite era constantemente inter-
rompido por suas gargalhadas que ecoavam na mata,
enquanto ele vislumbrava as suas prováveis vítimas
se debatendo para escapar das suas armadilhas. Mas
aquela não era uma gargalhada banal, o seu gargalhar
evoluía para uma histeria de lhe fazer doer à barriga.
Contos Para Rir e Assustar
20
No dia seguinte habitualmente ele vinha con-
ferir as suas armadilhas, e sempre dissimulando tal
fingimento que passava ali por acaso. Em um passeio
matinal com a finalidade de apreciar a natureza e
respirar o doce frescor da manhã. Ao encontrar al-
guém preso em alguma de seus artifícios, ele fazia
uma encenação dramática, lamentando aquele horrí-
vel ocorrido. Depois de todo aquele dramalhão, ele
finalmente os libertava. Dizendo que aquilo deveria
ser obra de algum malvado da vizinhança, que fazia
as tais armadilhas.
O simples fato de ver que alguma pessoa em
dificuldades lhe era prazeroso. Um viajante vitimado
em uma de suas armadilhas, já era o suficiente para
lhe causar um grande prazer, fazia então um enorme
esforço para conter o riso e manter uma aparente
lamentação e repudio. Considerava então, aquilo um
grande feito, e a principal satisfação daquele dia.
Os viajantes que se tornavam vítimas de suas
perversidades, e eram posteriormente libertos por ele
mesmo. Acreditavam em sua representação dramáti-
ca. Ficavam muito agradecidos e até lhe davam re-
compensas.
Quando estes o deixavam e prosseguiam em
suas jornadas, ele achava tudo muito engraçado e se
divertia dando longas gargalhadas. Periodicamente
ele mudava os locais das suas armadilhas, escolhen-
do sempre locais estratégicos, onde certamente al-
guém passaria e seriam suas próximas vitimas.
Transcorria o tempo e a sua maldade se tornava cada
vez mais incansável e rotineira, mas como a rotina é
inimiga da prudência.
Carlos Casturino Rodrigues
21
Certo dia ele próprio caiu em uma das suas
armadilhas, entretanto desta vez isso não lhe pareceu
nada engraçado. Como diz o velho ditado ele provou
do seu próprio veneno. Em fim depois de quase um
dia inteiro tentando inutilmente a se livrar da armadi-
lha, e já a beira do desespero ele não conseguia mais
lutar contra aquele doloroso desafio. E antes mesmo
que começasse a refletir sobre os seus atos maléficos.
Um viajante que já tinha sido uma de suas vítimas
estava de volta, caminhava cautelosamente e com
certo receio. Ao ouvir um gemido, o viajor relutou
um pouco. Depois se aproximou lentamente, ao vê-lo
ali ficou bastante surpreso, e com muito cuidado o
libertou. Aparentemente o sujeito nefando ficou mui-
to grato, e repetiu àquela velha desculpa esfarrapada,
o tal malvado da vizinhança precisava parar com
aquilo.
O fato é que aquele incidente lhe deixou uma
sequela. Um ferimento numa das pernas que demo-
rou muito a cicatrizar. Acabou ficando manco dessa
perna. Porem isso ainda não foi o suficiente para
detê-lo. Sempre mancando e com aquele sorriso sar-
cástico, ele continuou com as suas peraltices maléfi-
cas por muito tempo.
Ate que em outra ocasião, um feiticeiro que
por ali passava caiu em uma de suas armadilhas e
ficou muito furioso. Talvez aquele feiticeiro ate con-
seguisse a se libertar, usando algumas de suas magi-
as. No entanto não o fez, uma vez que estava decidi-
do a esperar para ver e punir o autor de tais armadi-
lhas.
Contos Para Rir e Assustar
22
Quando o dito-cujo apareceu mancando e
olhou a sua vítima. Como era de seu costume fez
aquela cara de surpreso. Fingindo de homem piedoso
se apressou para libertá-lo e com a velha desculpa.
Repetindo a mesma ladainha de sempre. Dizendo que
as armadilhas deveria ser arte de algum malvado da
vizinhança...
O feiticeiro que era muito sagaz e sabia ler
pensamentos, não se deixou enganar pelas suas des-
culpas esfarrapadas e lhe amaldiçoou. E assim o
transformou em um animal desprezível, atarracado,
peludo, com grandes maxilares e quartos traseiros
caídos. Um animal sem atrativos e de modo furtivo,
pelo castanho-sujo e andar manquejante. Dizem que
foi assim que aconteceu. Acredita-se que esta é a
origem da primeira hiena, com a sua terrível reputa-
ção.
...
Os antigos acreditavam que se a sombra de
uma hiena caísse sobre a de um cão, este ficaria mu-
do e paralisado. Diziam que a hiena era a encarnação
de espíritos de feiticeiros. Em algumas culturas, pen-
sa-se que as hienas influenciam os espíritos das pes-
soas, roubam túmulos, gado e crianças.
Existem muitos mitos e lendas sórdidas, sobre
hienas. Na Tanzânia e na Índia, a lenda afirma que as
bruxas conduzem as hienas. Uma religião popular
etíope fala de pessoas que são possuídas por demô-
nios e podem se transformar numa hiena.
Na Idade Média, acreditava-se que as hienas
desenterravam e consumiam os corpos dos mortos.
Carlos Casturino Rodrigues
23
O seu grito áspero, os seus hábitos alimentares e o
cheiro desagradável. Fazem da hiena um animal de-
testável. Apesar da sua utilidade na destruição de
animais mortos. Sendo comedora de cadáveres, ela
limpa o terreno, devorando todos os corpos que en-
contra no caminho. Além disso, é eficiente caçadora.
Também ataca, às vezes, animais domésticos; por
esta razão, é caçada sem misericórdia em algumas
partes da África.
Contos Para Rir e Assustar
24
A Sanfoneira Encantada
O povo sertanejo om os seus costumes e
superstições, sempre gostaram de contar estórias e
causos. Muitos destes identificados na linguagem
erudita como lendas folclóricas.
Devemos levar em conta que uma lenda não
significa uma mentira, nem tão pouco uma verdade
absoluta. As pessoas do interior quando contão al-
guma estória, contão com certa convicção sempre
afirmando que é amais pura verdade. É inegável a
afirmação que conhecemos a respeito dessas pessoas.
Contão cada estória que nos parece impossíveis de
acreditar. Algumas dessas lendas chegaram até nós
através de causos, que digamos não encontra lógica
alguma em nosso raciocínio moderno. Entretanto
fazem parte das tradições e cotidiano do homem do
campo.
Claro que o sertanejo do nosso imenso país,
que ainda não foi influenciado pela tecnologia, isso
tem mudado com o passar dos tempos. Também é
razoável afirmar que na maioria das vezes, são pes-
soas simples e bastante solidárias que costumam
compartilhar quase tudo. Assim como as tarefas do-
mésticas que desde sempre dividiram com os seus
familiares. E até mesmo com as crianças.
Num destes rincões distante de nosso imenso
país. Morava um sertanejo com sua mulher e quatro
filhos em uma casinha muito humilde. Na verdade
era um simples casebre oculto no fundo de um pe-
Carlos Casturino Rodrigues
25
queno vale. A pobreza ali estava estampada no mobi-
liário ou na ausência do mesmo.
Os poucos móveis de uma sala e cozinha con-
jugada eram apenas, um armário improvisado de
caixotes, uma mesa velha e um banco de madeira,
um fogão a lenha feito de tijolo e argila. O restante
da casa era um quarto que a família dividia, utilizan-
do uma esteira de palha como divisória para separar
o casal de um lado e as crianças de outro. As camas
eram tarimbas feitas de madeira bruta e colchões de
palha, quase nada que significasse comodidade.
Apesar daquela aparente miséria, tinham duas
vacas de leite e algumas galinhas no terreiro. Aquele
homem sobrevivia do trabalho do campo e sempre
dizia que tinha orgulho disso e se considerava feliz
com sua família e o pouco que lhe pertencia. Um
pequeno sítio com um casebre, um galinheiro, uma
pequena horta e um pasto para as suas vacas.
Aquela humilde habitação estava situada pró-
xima de um bananal que ocultava uma tapera. Era
uma ruína que apresentava vestígios de uma antiga
residência, no ponto mais alto daquela propriedade.
Algumas bananeiras cresceram entre os restos de
velhas paredes que ainda resistiam ao desgaste do
tempo.
Foi numa tarde tranquila de verão, aproxima-
damente dezessete ou dezoito horas, mais precisa-
mente um final de tarde. Quando o sol já começava a
se ocultar no poente. O sertanejo mandou seus quatro
filhos pequenos buscarem folhas e troncos de bana-
neiras para alimentar as vacas. As crianças saíram
contentes por estarem juntos e foram brincando pelo
Contos Para Rir e Assustar
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caminho. Eram três meninos e uma menina, o mais
velho já estava na pré-adolescência.
Ele corria na frente dos outros, para esconder-
se e reaparecia repentinamente, pregando um susto
nos seus irmãos. Durante o percurso a caminho do
bananal foram brincando de se esconder ou distraí-
dos a colher flores e frutos silvestres. Ao chegarem
ali naquele bananal, é que perceberam que já come-
çava a escurecer. Sem perder mais tempo, eles prepa-
ram seus fardos com folhas e troncos de bananeira.
Finalmente todos já estavam prontos para
voltarem pra casa, cada um deles, com seus fardos
amarrados. Os quais levariam deslizando, puxados
por cordas. Aliás, não seria uma tarefa difícil, afinal
teriam apenas uma decida naquele percurso de retor-
no pra casa. As crianças já iniciavam a caminhada de
retorno. Quando foram surpreendidos por uma repen-
tina aparição.
A poucos metros de distância eles viram sur-
gir misteriosamente do nada, diante seus olhos. Uma
mulher muito bem vestida, mas ilusoriamente irreal.
A dita-cuja com um aspecto mórbido e aparição re-
pentina, causou um grande pavor aos pequeninos.
Era uma visão fantasmagórica, envolta por uma es-
tranha luz. A mulher trajava um vestido longo e
branco, sempre sorrindo e tocando uma sanfona que
trazia em seus braços. Enquanto tocava a sanfona ela
caminhava e dançava vindo em direção das crianças.
As crianças não tiveram alternativas a não ser
fugir dali o mais rápido que suas forças permitissem.
O garoto mais velho foi o primeiro a correr, seguido
pelos outros que formaram uma gritaria geral. O sus-
Carlos Casturino Rodrigues
27
to foi tão grande, que eles nunca mais se esqueceram
daquele episódio.
Saíram gritando em disparada até chegarem à
sua casa. Esbaforidos relataram tudo aos seus pais,
que inicialmente relutaram em aceitar a versão dos
meninos, mas acabaram dando credito ao fato.
A mulher do sertanejo sempre que tinha uma
oportunidade espalhava o caso acontecido. Ele por
sua vez, não queria aceitar que acreditava em fan-
tasma. E talvez por esse motivo, ele sempre tentou
dar alguma explicação plausível para aquele ocorri-
do. O tempo passou, os meninos cresceram e conta-
ram essa estória aos seus filhos e netos. Segundo eles
tratava-se de uma “encantada”, uma espécie de fan-
tasma preso a algum tesouro enterrado.
Em outra versão diziam os mais velhos da-
quela região que naquela localidade nos tempos da
escravidão. Morou ali uma fazendeira muito malva-
da. Que mandava castigar seus escravos e enquanto
assistia ao castigo, ela tocava sanfona.
As chibatadas dadas pelo carrasco deveriam
ser ritmadas acompanhando o som da sanfona. O
som das chibatadas e o gemido do escravo açoitado
era para ela a canção ideal para o acompanhamento
de seu instrumento musical. Era uma espécie de xote
da maldade, um folguedo macabro.
Por causa da maldade da sanfoneira, o lugar
ficou mal assombrado. Nas noites de lua cheia ouvia-
se claramente ao longe o som de uma sanfona acom-
panhado por gemidos e estalos de chibatas.
E ninguém ousava passar por ali.
Contos Para Rir e Assustar
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Assombração Animal
Algumas superstições atribuídas à crença
católica. Existem aquelas referentes à quaresma, é
tradicionalmente conhecida à ideia que na semana
santa não se deve comer carne de nenhuma espécie
animal com a exceção de peixes. Principalmente na
sexta feira maior quando também há celebrações
como as procissões, e diversos eventos. Alguns re-
comendados pela igreja e outros apenas tradicionais
como malhar o Judas por exemplo. Mas o mais co-
mum é o ritual que também consiste em comer pei-
xes, o católico mais tradicional afirma que o fato de
não comer carne, neste período, está relacionado com
“fazer um sacrifício”, por Deus, que deu a vida do
seu único filho em sacrifício por toda a humanidade.
Os mais antigos diziam que nas sexta feira
durante a quaresma era proibida olhar no espelho por
que viria outra imagem, algo horripilante, como a
figura do próprio demônio. Entre as superstições
mais conhecidas, e tempo de bruxas e lobisomens,
assombrações e almas penadas. Também não era
permitido ouvir radio nem cantar, assobiar, ou qual-
quer coisa que demonstrasse contentamento. Qual-
quer destes comportamentos seria profano e motivo
de punição divina. Assim era a quaresma e princi-
palmente a semana santa. Quem ousasse a desobede-
cer a qualquer norma de fé, corria o risco de contrair
uma maldição.
Carlos Casturino Rodrigues
29
...
Conta-se que em certa ocasião um colono
resolveu matar uma de suas vacas em plena sexta
feira maior que coincidentemente caia no dia treze,
tornando assim uma data ainda mais mística. O sol já
estava quase se pondo quando o homem disse para a
sua esposa.
– Hei mulher! Acho que vou matar a vaca
mimosa para comermos no sábado de aleluia.
A mulher do colono que era muito religiosa,
nascida em um lar supersticiosamente católico. Ten-
tou adverti-lo para que ele abandonasse aquela infeliz
decisão.
– Olha meu marido essa não é uma boa ideia.
Você sabe que é pecado. Não devemos comer carne
na semana santa. E muito pior é matar qualquer tipo
de animal na sexta feira maior. O homem argumen-
tou de um modo ríspido, não dando atenção a reco-
mendação da esposa.
– Ora essa deixa de conversa fiada. Se eu não
fizer isso agora, amanhã é sábado de aleluia e não
teremos carne para o almoço, e como você já sabe
teremos muitas visitas. Dizendo isso ele chamou o
seu filho mais velho e pediu que lhe trouxesse logo a
vaca. O rapaz ficou meio confuso e apesar da reco-
mendação da mãe, não teve alternativa e obedeceu a
ordem do seu pai.
Sem muita demora o rapaz trouxe a vaca,
quando já começava anoitecer e a entregou ao pai.
Enquanto faziam uma fogueira e os preparativos para
Contos Para Rir e Assustar
30
o abate. A vaca tentou escapar, mas não conseguiu e
foi logo capturada. As horas passaram rapidamente e
a noite avançava, a vaca aguardava imobilizada.
O homem aproximou-se e deu-lhe uma pau-
lada tão forte na cabeça da vaca, que o pobre animal
tombou sem vida. Trouxeram os facões e começaram
a tirar-lhe o couro. O trabalho dos dois parecia uma
luta contra o tempo e já se aproximava da meia-noite,
quando os dois davam os últimos toques para tirar
totalmente o couro.
Era enfim meia-noite em ponto, inesperada-
mente a vaca ressuscitou, levantou-se mugindo e
enfurecida saiu chifrando a todos. Assustadoramente
a vaca ensanguentada e sem couro parecia brilhar a
luz da fogueira.
– Meu Deus do céu é um castigo. Gritou a
mulher apavorada. Eu avisei vocês que era pecado
fazer isso na sexta-feira maior.
Depois de dar uma chifrada em cada um deles
a vaca saiu mugindo e em disparada e desapareceu
no meio do mato. Após a recuperação do susto e ain-
da sem saber direito o que fazer os dois saíram à pro-
cura da vaca, mas nada encontraram.
Cansados eles não se aventuraram a prolongar
a busca, e assim os dois voltaram pra casa. A mulher
quis saber o ocorrido, o pai hesitou em contar, mas o
filhou contou o acontecido. E não foram dormir sem
antes ouvir um sermão. No dia seguinte com a che-
gada dos familiares que vieram visita-los, e também
ficaram sabendo o ocorrido. Os mais corajosos apro-
veitaram a ocasião para se aventurarem na mata.
Formaram então dois grupos, um liderado pelo filho
Carlos Casturino Rodrigues
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com a missão de ir até o vilarejo mais próximo em
busca de carne e outros suprimentos para abastecer a
casa.
O outro grupo munido de espingardas e fa-
cões liderado pelo pai com a missão de vasculhar a
mata a procura da vaca, a aventura durou por longas
horas, sem nenhum resultado satisfatório. Decepcio-
nados encerraram as buscas e tentaram esquecer o
episódio.
A tal vaca nunca foi encontrada. Dizem que o
lugar ficou mal assombrado. Se alguém tiver a ousa-
dia de passar por lá na sexta-feira santa à meia noite
certamente será atacada pelo fantasma de uma vaca
sem couro em carne viva e com os olhos flamejantes.
Contos Para Rir e Assustar
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Canção Misteriosa
Aproveitar as noites de lua cheia para uma
boa pescaria, já era dele um costume que não pensa-
va em abrir mão, a não ser que fosse por um bom
motivo. Sendo assim, ele saiu de seu rancho num
final de tarde, com a intenção de amanhecer pescan-
do a margem de um pequeno rio em meio à mata,
não muito longe de casa. Fazia isso periodicamente
sempre que lhe dava vontade. A caminho da pescaria
ele passou no boteco pra comprar uma garrafa de
aguardente, companheira de pescaria. Para não pare-
cer deselegante e na expectativa de que ninguém o
acompanharia ele convidou alguns amigos ao que de
pronto lhe respondiam. Não poderiam acompanhá-lo
por que tinham compromisso com o trabalho no dia
seguinte.
– Com o perdão da má palavra, ainda bem
que eu não sofro desse mal. Disse em tom de brinca-
deira enquanto saía do boteco.
– Cuidado com alguma assombração. Disse-
lhe um amigo ao que de pronto ele rebateu com uma
pergunta.
– Acaso você pretende aparecer por lá de ma-
drugada? Depois disso ele seguiu em direção ao rio.
Já era noite quando ele atravessou um capão de mato
com o auxílio da lanterna e a escassa luz do luar que
penetrava entre a galhada das arvores. Ao chegar à
margem procurou um local adequado e se instalou ao
lado de uma grande pedra.
Carlos Casturino Rodrigues
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Fez uma pequena fogueira içou anzol aqui
outro acolá e ficou a observar qual vara puxava pri-
meiro. Não tardou um peixe aqui outro ali, um vento
soprou e ele pensou ter ouvido um gemido. Prestou
um pouco mais atenção aos ruídos da mata então
concluiu que era apenas o barulho do vento. Algum
tempo depois aquele gemido se repetia, sentiu um
arrepio na espinha.
Ao se recobrar daquela tensão e medo, se
encheu de coragem e resolveu então averiguar. Per-
cebeu que aquele suposto gemido vinha rio acima, ao
se aproximar, um novo susto. Agora parecia alguém
cantando "Se você não me queria Não devia me pro-
curar”. Ouviu aquela breve canção seguida de um
silêncio profundo.
Ficou paralisado de medo, ao se recuperar
deu mais alguns passos a diante, a canção continuou
“Não devia me iludir Nem deixar eu me apaixonar".
Um novo silêncio seguido de uma ventania repentina
que quase o gelou dos pés a cabeça.
Sua reação de imediato foi voltar correndo ao
local de origem, pensou até em desistir da pescaria,
mas o orgulho falou mais alto.
– Não sou nenhum covarde, mesmo assim eu
vou descer e procurar um local mais descampado e
continuar pescando... Espera aí eu estou falando so-
zinho... Não pode ser... Dizendo isso juntou seus
apetrechos e desceu sentido rio abaixo até encontrar
um local descampado próximo de um sitio que era de
um compadre seu.
Ali ele ficou a pescar por mais algumas horas,
mesmo sem querer admitir, mas estava amedrontado.
Contos Para Rir e Assustar
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Não conseguiu mais tirar aquela canção misteriosa
da cabeça. Percebendo que não pegava peixe ne-
nhum. Sendo assim desistiu e voltou para casa.
No dia seguinte já com sol alto resolveu pôr
fim aquela angustia e voltou ao local do episódio
daquela mal fadada noite. Quando se aproximava do
local suposto mal-assombrado percebeu que o sol se
ocultava atrás de algumas nuvens e o vento soprava a
mata furiosamente. Ouviu aquele gemido em seguida
aquela voz cantada. "Se você não me queria. Não
devia me procurar”. Teve medo, lembrou que agora
era dia e nada poderia lhe causar medo.
Encheu-se de coragem e seguiu adiante, a
canção continuou “Não devia me iludir Nem deixar
eu me apaixonar". O medo lhe apavorava, mas ele
seguia em frente até chegar bem no local de onde
vinha à canção misteriosa. Então avistou na água um
pedaço de disco de vinil preso em um galho, perce-
beu que aquele pedaço de disco girava com o movi-
mento da água e ao passar por um espinho reprodu-
zia aquele trecho de canção.
Carlos Casturino Rodrigues
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Caipirinha de Liquidificador
Toda noite era a mesma rotina, de bar em
bar e de gole em gole ele ia bebendo. Ate que final-
mente chegava a sua casa embriagado. Mal ele entra-
va e já despertava a ira de sua mulher, que estava no
quarto tentando dormir. Ao ser acordada pelo baru-
lho da chegada do marido que geralmente entrava
derrubando alguma coisa. Lá do interior do quarto
ela o execrava.
– Chegou à assombração para atrapalhar o
meu sono. Cachaceiro sem vergonha! E o papagaio
sempre repetia uma parte da frase.
– Cachaceiro sem vergonha!
Ele costumeiramente ao entrar, ia logo prepa-
rar uma caipirinha de liquidificador para tomar antes
de dormir. Assim ele colocava o limão em um liqui-
dificador, batia até que o limão ficasse triturado, de-
pois coava para uma jarra, lavava o copo do liquidi-
ficador para retirar pedaços de limão que tinha ficado
no copo depois disso. Voltava com a mistura coada
para o liquidificador e acrescentava o gelo, o açúcar
e a cachaça. Batia até que todos os ingredientes esti-
vessem bem misturados. Servia em um copo de bati-
da com uma pedrinha de gelo. É claro que nem sem-
pre seguia esta receita dependia do grau de embria-
gues que se encontrava. Geralmente o que acontecia
é que quando ligava o liquidificador fazendo um
grande barulho.
Contos Para Rir e Assustar
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Ouvia a esposa o insultar mais um pouco,
então ela abria a porta do quarto e atirava-lhe um
travesseiro dizendo:
– Dorme ai no sofá. Seu cachaceiro sem ver-
gonha! Se você entrar aqui eu quebro essa vassoura
nos teus cornos. E o papagaio repetia parte da frase.
– Cachaceiro sem vergonha!
Então ele deitava no sofá com a cabeça apoi-
ada no travesseiro e com o copo do liquidificador ao
lado, ia bebendo aquilo até adormecer. No dia se-
guinte acordava com ressaca.
Quando a esposa dele saia do quarto e lá es-
tava aquela bagunça. O liquidificador para um lado e
o copo para o outro, resto de caipirinha derramado,
objetos caídos e aquele fedor de cachaça.
Ela ficava revoltada com aquela cena, apesar
de ser algo rotineiro. Não conseguia acostumar com
aquela situação. Mal saía do quarto já ia arrumando
aquela bagunça e maldizendo.
– Até quando eu vou ter que aguentar este
estrupício? Cachaceiro sem vergonha! E o papagaio
repetia parte da frase.
– Cachaceiro sem vergonha!
Certa noite ele chegou com a barulheira de
sempre os xingamentos da esposa pareciam-lhe mu-
sica aos seus ouvidos. Pegou o liquidificador, um
limão verdinho enfiou no liquidificador tacou açúcar,
tacou cachaça a vontade ligou o liquidificador, a es-
posa atirou-lhe o travesseiro disse-lhe uns desaforos
e meio adormecida voltou para a cama. Ele recostou
a cabeça no travesseiro e sorvendo a caipirinha, to-
mava um gole se engasgava e cuspia.
Carlos Casturino Rodrigues
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A mulher se irritou e de lá do quarto gritou:
que cuspideira é essa? Cachaceiro sem vergonha. Lá
do sofá da sala onde estava ele retrucou:
– É a porcaria desse travesseiro que está fura-
do. Entrando pena em minha boca. A mulher voltou
a dormir.
No dia seguinte a esposa levantou. Olhou de
relance aquela rotineira bagunça e foi procurar o pa-
pagaio. Não o encontrando, voltou à sala e constatou
o ocorrido.
– Desgraçado! Bêbado de uma figa. O que
você fez com o nosso papagaio?
Contos Para Rir e Assustar
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Caixão de Defunto
Ela caminhava tranquilamente por uma es-
trada deserta, não lembrava exatamente o que estaria
fazendo ali. Mas pensou em aproveitar a ocasião para
relaxar um pouco. Então parou respirou andou mais
alguns passos, sentindo a natureza as árvores os pás-
saros. Aquele lugar apesar de aparentemente deserto
lhe causava tranquilidade, mas à medida que andava
a mata parecia ficar mais densa. E depois de algum
tempo caminhando desaparecia aquela tranquilidade
o céu parecia escurecer como se estivesse entarde-
cendo muito rapidamente e isso já lhe causava preo-
cupação.
Quando repentinamente ouviu um gemido,
olhou assustada para os lados. Mas não viu nada an-
dou mais alguns passos desta vez bem apressados,
ouviu novamente o gemido. Olhou para traz e levou
um grande susto, avistou um caixão de defunto e sem
saber o que fazer passou a correr sem olhar para traz.
Depois de certo tempo correndo parou calculando
que já estava longe. Quando pensava em encontrar
um lugar para sentar e descansar, olhou para traz e lá
estava o caixão de defunto, pensou não pode ser eu
corri bastante quase um quilometro, ou melhor, para
não exagerar uns quinhentos metros.
Começou a correr novamente e depois de mui-
to correr pegou uma encruzilhada a sua frente e con-
tinuou correndo. Algum tempo depois já bem cansa-
da resolveu parar, alias certamente já estaria bem
fora do alcance daquela aparição estranha. Olhou
Carlos Casturino Rodrigues
39
para traz e para os lados não vendo nada se sentiu
segura e passou a andar a passos lentos e respirando
para descansar.
Algum tempo depois quando já conseguia
respirar melhor ouviu novamente aquele gemido e
novamente olhou para trás e lá estava aquele caixão
de defunto, parecia um pouco mais longe do que da
primeira vez. Mesmo assim não conseguia entender
aquilo sem muito que pensar começou a correr no-
vamente. Então pensou consigo mesma
– Isso não faz o menor sentido já corri muito
estou em outra estrada, vou parar e olhar novamente
deve ser uma ilusão de ótica. Então se encheu de
coragem e parou e ao olhar para traz. Lá estava o
caixão de defunto, como parecia estar a uma distân-
cia segura e quase acostumada com aquela coisa es-
tranha.
Olhou mais fixamente e percebeu que aquele
caixão estava em movimento, parecia carregado por
seres invisíveis, pensou.
– Mas isso não pode estar acontecendo. Ou-
viu uma gargalhada, olhou em volta e teve a impres-
são de estar sendo observada. Novamente ouviu
aquele gemido, olhou para traz e o tal caixão parecia
estar se aproximando.
Passou a correr desesperadamente, então per-
cebeu uma corda que pendia a sua frente.
Outro susto, não conseguia entender o que
significava aquilo. Sem alternativa continuou corren-
do. Ouviu uma voz que lhe dizia.
– Pegue firme está corda. Ela ainda correndo
olhou para cima e viu um enorme pássaro gigante
Contos Para Rir e Assustar
40
sendo cavalgado por um cavaleiro que lhe pareceu
amigo e lhe dizia insistentemente.
– Pegue firme esta corda vou lhe tirar deste
lugar horrível. Ela hesitou, mas, o homem insistiu lhe
ordenando.
– A corda menina, a corda menina.
Ela olhou em frente e viu que a estrada aca-
bava em um precipício, então sem alternativa. Agar-
rou-se naquela corda com todas as suas forças, fe-
chou olhos e ao abrir novamente percebeu que estava
em sua cama amparada por seu pai que lhe dizia:
– Acorda menina. Ela assustada perguntou.
– Onde estou? E seu pai lhe respondeu.
– Fique calma querida, você teve um pesade-
lo. Mas agora está tudo bem...
Carlos Casturino Rodrigues
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Coma Alcoólico
O bêbado no interior do coletivo importu-
nando todo mundo.
– Eu conheço você. Você não é caminhonei-
ro? O outro não respondeu, apenas pediu licença e
passou adiante.
– Eu já fui caminhoneiro, agora não posso
mais por causa da minha perna. Exibindo a perna
enfaixada.
– Eu quase perdi essa perna... Foi por pouco.
Depois de uma pequena pausa ele fala exaltado.
– Mas eu fiz aquele filho de uma égua paga
bem caro. Examinado a perna enfaixada e exibindo a
outra, a perna sã.
– Ainda bem que sobrou a outra sã. Com um
bom apoio da até pra dar uns chutes. De repente o
bêbado levantou cambaleando com o movimento do
ônibus e foi até o motorista.
– O motorista! Falta muito pra chegar à vila?
Tenta tocar o motorista, mas não consegue por causa
da catraca.
– Estamos quase lá, o senhor vai até o ponto
final? Perguntou o motorista sem olhar para o bêba-
do.
– Claro que não. Eu moro bem antes. Virou
para um passageiro.
– Esse motorista tá tirando uma com a minha
cara. O que eu iria fazer lá? Não perdi nada lá. Enca-
rando o homem a sua frente.
Contos Para Rir e Assustar
42
– Mas é você mesmo que tá aí? Eu te conheço
também. Eu fui caminhoneiro lembra... O homem
fica impaciente e tenta sair de perto do bêbado então
ele olha para o outro e diz.
– Esse não se lembra de nada... Eu moro aqui
há trinta anos, eu já fui caminhoneiro, conheço todo
mundo. Olha para um rapaz que sorri enquanto co-
chicha com uma moça ao seu lado.
– Não acredita né? Eu conheço vocês dois aí
também. Algumas pessoas riem e outras fazem co-
mentários maldosos, o bêbado reage em tom agressi-
vo.
– Eu já fui matador! Já matei três... O último
quase me tirou essa perna. Foi um tiro só e acertou
minha perna... Nunca mais consegui andar direito!
Olhando pra fora.
– É aqui mesmo que eu fico... Neste ponto
para aí motorista!
O bêbado faz um escarcéu sem perceber que
alguém já tinha solicitado a parada.
– Sossega ai amigo eu vou desembarcar tam-
bém!
Disse o homem, e desembarcou junto com o
bêbado. O ônibus seguiu deixando os dois. Eles ca-
minhavam na penumbra da noite.
– Eu te conheço. Disse novamente o bêbado.
– Claro que me conhece! Só não está se lem-
brando de onde. Disse o homem encarando o bêbado
de frente.
O bêbado levou um grande susto ao perceber
que aquele homem se movimentava rapidamente e
Carlos Casturino Rodrigues
43
sem tocar o chão. Mesmo assim ficou meio confuso
acreditando que poderia ser o efeito da bebida.
– Como é que pode isso? Você estava ali e
agora já está aqui e eu nem vi você andar de um lado
para o outro? Olhou firme para o homem e disse.
– Você parece àquele cara que eu matei!
– Isso mesmo. Disse-lhe o homem flutuando,
com os pés a poucos centímetros acima do chão.
– Mas você morreu cara. Como pode ter vol-
tado?
– Eu fiz um acordo com o! Faz uma pausa e
conclui.
– Você sabe quem. O bêbado estremece e
quase se recupera da embriaguez.
– E vim pra levar você comigo. Dizendo isso
o homem que agora parecia transfigurado, colocou o
dedo na testa do bêbado. E este viu tudo escurecer.
A seguir foi levado contra sua vontade por
um grupo de vultos sombrios para um mundo entra-
nho e sem luz, acostumou gradativamente a enxergar
nas trevas e passou a conviver com ratazanas em
uma espécie de esgoto mal cheiroso, vez por outra
ouvia vozes e gargalhadas.
*Seu corpo foi encontrado por familiares e
assim concluíram que ele não conseguiu acordar do
coma alcoólico.
Contos Para Rir e Assustar
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Doce Velório
Um caso surreal teve inicio quando uma
mulher invadiu um velório motivado por desacordo
comercial. O falecido morreu antes de fazer a entrega
dos doces que a invasora havia contratado para a
festa de debutante de sua irmã. A confeiteira que
acabara de ficar viúva já havia avisado a cliente os
motivos do atraso se comprometendo a devolver o
dinheiro da encomenda. Já que os doces não ficarão
prontos na data combinada. A cliente não aceitou a
proposta e foi ate ao velório disposta a fazer confu-
são, entrou filmando e insultado a confeiteira. O caso
acabou na delegacia
– Eu estou sem palavras. Tinha pelo menos
dez clientes para aquele dia, e nove delas entende-
ram, porém, ela não aceitou. Pediu a devolução do
dinheiro em dobro, uma espécie de multa por não
cumprir o combinado. Valor que ela alegou que iria
pagar em um novo pacote. Fui chamada de irrespon-
sável e culpada por estragar a festa da irmã dela. In-
formou a confeiteira ao escrivão de serviço que digi-
tava tudo atentamente.
– Ela disse que iria me processar e várias ou-
tras barbaridades. De nada adiantou eu dizer que de-
volveria o dinheiro, ela insistia em dizer que queria
os doces, mas não queria esperar, e somente aceitaria
a devolução do dinheiro em dobro. Disse a confeitei-
ra concluindo a declaração. O escrivão a deixou por
um instante e foi ate a sala ao lado onde estava o
delegado falando a um telefone.
Carlos Casturino Rodrigues
45
Voltou lhe informando que a audiência seria
no dia seguinte, a outra parte seria intimada ainda
naquela tarde.
No dia seguinte na ocasião da audiência, a invasora
do velório afirmava que tinha sido vítima de uma
cilada. Argumentou que a confeiteira poderia ter to-
mado outras atitudes.
– Eu fui insultada e sou a vítima, fui chamada
de vagabunda, e de vários outros nomes. Eu fui até lá
para receber o dinheiro para pagar para outra doceira.
Mas ela não queria depositar o estorno em minha
conta, o que eu poderia fazer?
– Não foi bem assim ela queria o valor em
dobro e quem a insultou foram outras pessoas que
saíram em minha defesa.
– Eu desci filmando porque ficaram me xin-
gando e meu celular caiu no chão quando eu fui
agredida e o vídeo se apagou. A audiência encerrou
sem que chegassem a um comum acordo e foi parar
no FPC “fórum de pequenas causas”.
O caso foi contado pela mídia local e levan-
tou a questão sobre o cliente ter ou não sempre razão.
Para ela, essa é uma justificativa.
– Claro que sim, meu amor. Por que não de-
positaram o dinheiro? Por que me fizeram descer lá?
Eu estava filmando e, mesmo assim, me agrediram,
mas eu não filmei o caixão do marido dela, filmei
apenas ela. Não vou negar que me arrependo de ter
ido lá. Se eu imaginasse que ela ia fazer tudo isso, eu
teria a mandado sentar no dinheiro. Eu sou uma pes-
soa de classe média, não sou baixa que nem ela. Eu
contratei o serviço dela e, uma semana antes do ani-
Contos Para Rir e Assustar
46
versário, o marido dela teve sei lá o quê. Eu liguei
para saber se ela ia dar conta e ela garantiu que sim.
Essa festa foi planejada há dois anos, e não era só
questão de dinheiro, era o sonho de uma pessoa. Ela
me disse que tinha uma funcionária ajudando e todos
os pedidos seriam entregues. Quando foi de manhã,
eu pedi para antecipar o pedido, quando foi 21h ela
ligou falando que o marido morreu. Eu falei que en-
tendia que ela estava de luto e ia velar o marido, mas
ela me disse que ia entregar os doces porque tinha
uma funcionária. Ela me deu a palavra e depois me
disse que não ia abrir a porta da casa para uma estra-
nha trabalhar, mas era a funcionária dela, afirmou.
Naquela noite a cliente da confeiteira, invaso-
ra de velório, foi dormir com um peso na consciência
e teve um pesadelo, ela sonhou com o seu próprio
velório. Estava nua sobre uma mesa e com o corpo
parcialmente coberto de docinhos e balinhas besun-
tado com leite condensado e doce em pasta. Aqueles
docinhos e balinhas formavam desenhos em seu cor-
po nu, a sua volta paçoquinhas empilhadas como se
fossem velas e outros doces enfeitavam a cena. As
pessoas a sua volta olhavam em silencio e vez por
outra, alguém comia um docinho em silencio ou fa-
zendo algum comentário com certa reverencia. Ela
percebeu que a superfície da mesa sobre a qual esta-
va parecia um pouco mais baixa do que uma mesa
comum, isso porque conseguia ver todos a sua volta
da cintura para cima, as pessoas mais altas um pouco
mais abaixo. Um rapaz passou levemente as pontas
dos dedos em seu seio depois levou aos lábios e lam-
beu dizendo.
Carlos Casturino Rodrigues
47
– Que delicia é doce de leite. Uma moça loira
acariciou suas coxas depois lambeu a mão dizendo.
– É leite condensado.
Ela não estava se-sentindo à vontade naquela
situação, tentou sair dali, mas não conseguia se mo-
ver. Observou que todos ali não percebiam o seu
incomodo e continuavam aquele ritual estranho de
felicidade mórbida. Então se deu por vencida e deci-
diu ficar inerte ali por mais algum tempo e ver o que
mais podia lhe acontecer. Observando enquanto era
observada, pensou.
– Devo ter morrido. Mas porque estou nua
sobre esta mesa e parcialmente coberta de doces,
enfeitada como se fosse um bolo? Percebendo aos
poucos que aquela mesa estava preparada para uma
festa de aniversário. Tinha vários tipos de gulosei-
mas. Algumas pessoas bebendo.
– Mas onde estão as bebidas? Então percebeu
que estavam em outra mesinha num canto da sala,
estrategicamente para que as pessoas se servissem à
vontade e voltassem a observa-la degustando suas
bebidas e se deliciando com suas curvas. Provando
seus docinhos fazendo comentários de erotismo ve-
lado. Outra moça se aproximou e passou a timida-
mente a mão em sua bunda e lambendo a palma da
mão comentou.
– É chocolate.
Ela não conseguia se mover, mas descobriu
uma faculdade mental que antes não tinha, conseguiu
mover-se mentalmente entre as pessoas sem ser vista
por ninguém. Todos e até ela mesma continuavam
vendo-a sobre a mesa. Enfeitada com aqueles doces e
Contos Para Rir e Assustar
48
salgado estranhamente sobre uma toalha preta, rode-
ada por pessoas famintas. Saindo mentalmente da-
quela sala e misturando-se entre as pessoas. Como
não poderia ser vista, era possível circular livremente
e observar até mesmo o seu próprio corpo. Era preci-
so admitir que realmente estava linda ali naquela
mesa. Ficando à vontade para ouvir todo tipo de co-
mentários. Alguém perguntou sussurrando ao amigo.
– Do que foi que ela morreu? O outro respon-
deu.
– Acho que foi diabete.
– É mesmo, e por diz isso?
– Ora o que mais explicaria tanto doce assim!
– Você não está sendo honesto tem salgadi-
nhos também. E olha que estão uma delícia! Um ter-
ceiro se aproximou.
– Não digam tolices. Foi o seu último desejo.
– Como assim, ela queria ser velada nua e
lambuzada de doces?
– Isso mesmo, ela pediu um velório em clima
de festa, sem caixão. Como se fosse à festa de seu
aniversário, com muitos doces e bebidas. Gostaria de
ir como chegou ao mundo, ou seja, nuazinha da silva.
Saindo dali ela foi mais adiante, se aproximou de
outro grupo.
– Como ela é gostosa, você não acha? Disse
um rapaz. O outro brincou.
– As paçoquinhas?
– Claro que não. Eu me refiro à falecida.
– O que é isso rapaz? Que falta de considera-
ção.
Carlos Casturino Rodrigues
49
Neste momento ela voltou ao seu corpo e
decidiu que queria sair dali. Mas sem causar cons-
trangimento. Num esforço que agora lhe parecia físi-
co, ela deslizou suavemente pela mesa levantando-se,
saindo dali sem olhar ninguém e foi para o chuveiro.
Depois de um banho demorado e refletir sobre o que
estava acontecendo ela saiu do banho enrolada numa
toalha e foi até o guarda-roupa e escolheu o seu me-
lhor vestido perfumou-se e penteou bem os cabelos,
vestiu-se e retornou ao salão com a convicção de que
tudo aquilo não passava de uma imaginação fértil.
Ao retornar ao salão tudo estava escuro como
se nada tivesse acontecido ali antes. Ela acionou o
interruptor e teve a surpresa. Todos começaram a
cantar parabéns para você... Era o seu aniversário,
mas as pessoas ali eram todos amigos e familiares e a
mesa em nada lembrava a da cena anterior. Enquanto
era parabenizada fica lembrando os momentos da-
quele velório exótico, mas não arriscava perguntar
nada ficou a dúvida teria sido real ou um pesadelo?
Contos Para Rir e Assustar
50
Fischer
O Fischer era um pobre pescador que vivia
com sua família a beira mar. Levantava todos os dias
antes do sol aparecer preparava as redes e tarrafas e
saia para o mar em seu velho barco. Às vezes conse-
guia uma boa pescaria, mas mal dava para pagar as
dívidas, pois a sua esposa e suas filhas não queriam
saber de ajudá-lo, na realidade viviam reclamando de
tudo. Queriam sempre estar comprando roupas e gas-
tar sem necessidade alguma.
Quando pediam dinheiro e Fischer dizia que
não tinha, começava a reclamação e para não ter que
ouvir lá se ia ele ao boteco do Maneco que ficava ali
próximo do cais. O seu Maneco dono do boteco ven-
dia fiado e ali aumentava o problema porque o pobre
Fischer se endividada a vontade. Bebia até cair.
A esposa e as filhas sonhavam em morar na
cidade e não cansavam em dizer que tinham até ver-
gonha da profissão do velho Fischer. E assim o tem-
po passava sem grandes mudanças até que certa noite
quando Fischer e a família voltavam da cidade o ôni-
bus quebrou e eles então resolveram terminar o traje-
to a pé estavam quase chegando a sua casa. Quando
um carro se aproximou deles e parou.
O motorista e outros dois passageiros oferece-
ram carona. Enquanto Fischer ia dizer que não preci-
sava se incomodar que já estavam quase chegando.
Sua esposa e suas filhas apressaram-se em embarcar
Fischer ficou sem jeito e antes que pudesse dizer
Carlos Casturino Rodrigues
51
alguma coisa o motorista acelerou e saiu com toda
velocidade levando sua mulher e suas filhas.
Fischer ficou sozinho na estrada e preocupado
com a família. Correu um pouco e logo chegou a sua
casa e lá estavam mulher e filhas rindo da brincadeira
de mau gosto que o pobre homem tinha sido vítima.
– O que significa isso? Que brincadeira mais
sem graça foi aquela? Perguntou ele e sua esposa ria
da sua cara.
– Olha a cara dele meninas! Ele nem viu
quem estava no volante. Este homem a noite é mais
sego do que uma toupeira.
– Olha para dizer a verdade não vi mesmo.
Mas fiquei muito preocupado. Poderia ser um se-
questro.
No dia seguinte no boteco do seu Maneco o
pobre Fischer foi à piada do dia.
– Você não pode achar ruim Fischer! Você
disse que não precisava se incomodar que já estava
quase chegando. Mas a sua família aceitou a carona.
Fischer então ficou muito chateado e bebeu
bem mais que de costume, depois de embriagado ele
não voltou para casa ao invés disso pegou seu barco
saiu para pescar ou esfriar a cabeça. No velho barco
enquanto se afastava da margem refletia sobre as
decepções que sua família lhe causava.
Ele amava a sua mulher e suas filhas, porém
não era correspondido. Sua esposa viva esnobando e
suas filhas só lhe causavam decepção.
Além disso, contribuíam para que ele servisse
de chacota. Como estava muito embriagado e ainda
continuou bebendo de alguns litros que tinha no bar-
Contos Para Rir e Assustar
52
co, logo se encontrava sem condições de raciocinar e
continuou em frente até que foi surpreendido por
uma tempestade e seu barco foi arremessado contra
um rochedo. E assim o velho Fischer nunca mais
voltou para casa.
A suposta viúva e as filhas foram enfim mo-
rar na cidade como sempre sonharam e devido ao
fato que sempre se envergonharam da humilde pro-
fissão do velho Fischer, não voltaram mais e nem
deram notícias.
Dizem os habitantes daquela região que em
noites frias e chuvosas é possível avistar um velho
barco acostumado a velejar. Enfrentando tempesta-
des na imensidão do mar. Um velho barco sem co-
mando. Navega pelos mares, e vai ao léu.
Carlos Casturino Rodrigues
53
Galinhas Embriagadas
Um sertanejo andava preocupado com uma
raposa que vivia atacando o seu galinheiro. Não sa-
bia o que fazer, pois tinha adquirido a tal consciência
ecológica, ouviu dizer que as raposas estavam em
extinção. Precisava preservar suas galinhas sem ma-
tar a raposa. Até que um dia resolveu dar um fim a
aquele episódio, então colocou vinho num bebedouro
que ficava do lado de fora do galinheiro na expecta-
tiva de que a raposa sentisse o cheiro do vinho e be-
besse antes de atacar. Certamente ficaria embriagada
e não faria o ataque. Mas no dia seguinte teve uma
surpresa, ao se dirigir ao galinheiro encontrou as ga-
linhas todas estateladas, terreiro a fora. Não teve dú-
vidas, estavam todas mortas. Ficou furioso:
Maldita raposa... Conseguiu se safar, e fez
estrago maior ainda! Matou apenas pelo prazer de
matar. Ficou muito triste e pensativo, olhando uma a
uma e lamentando.
A vermelha poedeira como nenhuma outra,
botava cada ovo graúdo e rosado. A branca também
não ficava muito atrás, botava cada ovo bonito, bran-
co e grandão. A carijó coitadinha, mal tinha entrado
na vida adulta, mas já tinha botado o seu primeiro
ovo.
Coitadinha da carijó responsável por um ovo
só. Lamentou com uma rima em sua homenagem. E
a preta então, a coitadinha botava lindos ovos azuis...
Eram duas. Lembrou o sertanejo.
Contos Para Rir e Assustar
54
Mas um amazonense lá de Parintins, que visi-
tou o sitio e ficou sabendo que elas botavam ovos
azuis. Cismou que elas eram galinhas caprichosíssi-
mas. Ele queria comprar as duas e pagaria qualquer
preço, foi um briga para vender uma só.
Essa ficou porque os meninos formaram uma
choradeira. Lembrou novamente o sertanejo olhando
as galinhas esparramadas pelo terreiro afora.
Se a preta dos ovos azuis era uma caprichosa
então a vermelha era uma garantida! Pensou.
O que faria agora com todas aquelas galinhas
mortas? O jeito seria vendê-las na cidade, como se
diz a preço de galinha morta. Colocou água para fer-
ver e quando já se preparava para depená-las. Perce-
beu alguns frangos se levantando e cambaleando
pelo terreiro, levou um grande susto.
Estariam ressuscitando? Nunca tinha visto
coisa semelhante.
Então o homem lembrou que tinha colocado
vinho no bebedouro, talvez a raposa não tivesse apa-
recido àquela noite e suas galinhas estavam apenas
embriagadas pensou.
É possível, afinal era vinho branco. As gali-
nhas confundiram com água.
No dia seguinte ficou sabendo que o seu vizi-
nho tinha pegado a raposa em um alçapão.
Carlos Casturino Rodrigues
55
Herdeiro
Um ex-morador de rua herdou a fortuna de
seu único tio avarento e solteirão. Ao se tornar um
empresário de grande sucesso, na área gastronômica.
Ele fez questão de esquecer o seu passado de infor-
túnio e bulimia. João era do interior e veio pra capital
para estudar.
Chegou estudar medicina, mas depois que
ficou órfão abandonou a faculdade e se tornou um
viciado em álcool e drogas. Acabou como morador
de rua recebeu de seus colegas de infortúnio o pom-
poso apelido de “Doutor João” ou simplesmente
“Dotô”.
Seu tio avarento sempre soube o seu paradei-
ro, mas sempre fez questão de ignorá-lo. Gerson gos-
tava muito de ir ao teatro, assistia qualquer espetácu-
lo. Com artistas locais e nacionais e estrangeiros.
Desde que fosse entrada franca. Gerson era um ho-
mem bem sucedido, mas gostava de levar vantagem
em tudo. Alguns amigos em vão tentarão alerta-lo
sobre o enorme perigo que existe na ideia de querer
tudo de graça. Mesmo assim ele era uma dessas pes-
soas que caminhava cegamente nessa direção.
Apenas o conceito de compra e venda pode
parecer extremamente desconfortável para quem quer
que tudo nessa vida seja oferecido de forma gratuita.
Pensando assim gastava a maior parte do seu tempo
procurando algo grátis.
— Antes você precisa investir, para depois
colher os frutos. Dinheiro fazendo dinheiro. Disse
Contos Para Rir e Assustar
56
lhe um amigo. Vamos a um raciocínio bem sim-
ples… Se você está em busca de um determinado
conhecimento, é porque ele tem valor para você. A
partir dele você conseguirá gerar dinheiro, paz interi-
or, maestria em uma determinada área ou qualquer
outra coisa. Por que alguém deveria oferecer coisas
tão valiosas completamente de graça?! Não faz senti-
do, certo?
— Tenho muitos amigos e pouco dinheiro.
Costumava afirmar. Entre seus amigos prediletos.
Encontrava-se Ferguson, colega de faculdade do ul-
timo ano. Ano este em que se formou, entre uma
cerveja e outra, ele estava sempre soltando uma pia-
dinha.
— Esse Gerson não tem jeito mesmo, irreve-
rente e gozador! Nunca se sabe quando esta falando
serio.
— Que nada Ferguson, eu apenas coloco uma
pitada de humor na dura realidade.
— E qual e a dura realidade de hoje. Pergun-
tou o amigo. Supondo que ia ter que pagar a conta,
sozinho. Gerson não deixa pôr menos.
— Hoje eu sou convidado especial. Por isso
fiz questão de esquecer a carteira. A amizade dos
dois permaneceu durante a vida toda, a família de
Ferguson adotou Gerson como aquele tio solteirão
rico e sovina.
Por ocasião do falecimento do amigo e a he-
rança deixada a um morador de rua. Ele ficou surpre-
so ao descobrir que tinha sido incluído no testamen-
to. O falecido amigo deixou para Ferguson o sitio
onde eles costumavam passar os finais de semana
Carlos Casturino Rodrigues
57
com a família. Ferguson administrou a empresa atra-
vés de procuração durante dois anos. Nesse meio
tempo João o “Dotô”, permaneceu internado em uma
clinica de recuperação. Depois desse tempo João o
“Dotô” já recuperado finalmente assumiu a empresa
e passou a administra-la com sabedoria.
O ex-morador de rua se tornou um empresá-
rio de sucesso.
Contos Para Rir e Assustar
58
Histórias de Caçador
Um caboclo metido a caçador. Vivia con-
tando vantagens, sobre as suas aventuras de caçador
muito bem sucedido. Aprendi muito cedo. Dizia ele.
Eu e meu irmão desde o tempo de guri. Saiamos qua-
se todos os dias, e geralmente de manhã. Com um
firme propósito de trazer a carne para o almoço. Um
dia era um javali outro dia era um tatu ou uma paca,
às vezes uma anta ou qualquer outro bicho. O que a
gente encontrasse a gente trazia para o almoço e de-
pendendo do tamanho da caça dava para a janta e
almoço do dia seguinte e até pra mais alguns dias.
Quando eu tinha mais ou menos quatorze
anos e meu irmão tinha uns treze, saímos para caçar
e encontramos uma onça. A onça quis vir pra cima
da gente então eu fiz como se fosse pra um lado e fui
para outro e o meu irmão fez o mesmo no sentido
contrário. Daí eu peguei a onça pelo rabo e enrolei o
rabo dela em uma arvore e segurei firme. Então o
meu irmão pegou um pedaço de pau e bateu na cabe-
ça dá onça, bateu várias vezes com bastante força até
matá-la depois levamos o bicho pra casa de arrasto.
Deu um trabalho danado porque era uma onça enor-
me e muito pesada. Depois desta vez caçamos outras
onças. Algumas vezes eu segurava pra ele bater ou-
tras vezes ele segurava e eu batia, mas nunca usamos
arma de fogo. A gente sempre pegava o bicho à
unha, não importava o tamanho do bicho.
O tempo passou e meu irmão que tinha um
padrinho rico foi pra cidade estudar e fez faculdade.
Carlos Casturino Rodrigues
59
O padrinho dele pagou tudo e o ajudou até ele se
formar e estar bem empregado.
Daí meu irmão se tornou veterinário e adqui-
riu essa tal de consciência ecológica, nunca mais
voltou a caçar. Mas eu nunca desisti então eu passei
a caçar sozinho. Afinal eu sou um cabra-macho.
Aprimorei-me ainda mais na arte de caçador. Orgu-
lho-me em lhe dizer que nunca fiz uso de arma de
fogo. Eu sempre peguei o bicho à unha e na paulada
mesmo.
Estas estórias de caçador muito bem sucedido
munido apenas de um porrete e muita coragem. Fo-
ram suficientes para convencer um de seus amigos
que também era apaixonado por caça. Mas que não
se considerava assim tão bem sucedido, e também
não era assim tão corajoso.
Esse seu amigo, poucas vezes que se aventu-
rou a caçar, exagerou no armamento e acabou espan-
tando a caça. Ao se deparar com algum animal aca-
bava entrando em pânico e atirando antes da hora.
Era por assim dizer um atirador precoce.
Mas encorajado pelas aventuras do amigo
caçador experiente. Cismou que deveriam formar
uma dupla e se aventurarem em uma expedição de
caça, e assim fizeram se embrenhando na mata.
Depois de tanto caminharem encontraram um
ranchinho de pau a pique abandonado, tinha vestígio
de que teria sido usado por algum outro caçador e
não fazia assim muito tempo.
Isto significa que estamos no lugar certo, va-
mos se instalar por aqui mesmo. Disse o caboclo, o
outro concordou e aproveitando a deixa e perguntou.
Contos Para Rir e Assustar
60
O que aconteceu com seu irmão? Montou alguma
clínica veterinária na cidade? A resposta veio de
imediato. Que nada ele trabalha no IBAMA. Agora
ele é um amigo da onça!
O ranchinho tinha duas portas, a porta da
frente e a porta dos fundos.
Depois de preparar um bom café, saíram à
procura de alguma caça. Andaram e procuraram mui-
to, mas não conseguiram encontrar nada, o amigo já
cansado resolveu voltar para o ranchinho e preparar
uma refeição. Porém o caçador experiente decidiu
que não voltaria de mãos vazia, iria continuar a pro-
cura até encontrar alguma caça, e de preferência a
sua caça preferida, uma onça. Disse ao outro. Se qui-
ser pode ir, e vai se preparando porque hoje vai ter
carne de onça no jantar.
O outro rumou para o rancho meio desanima-
do, o caçador experiente ficou ali a perambular de
um lado para outro. Negaceando aqui ali ou acolá.
Mas já sem a mesma coragem de antes. Afinal agora
estava sozinho.
Não tinha ali seu irmão que outrora foi seu
companheiro de caça, nem o seu melhor amigo que
sempre lhe dava créditos as suas aventuras.
O tempo passou e ele se distraiu colhendo
alguns frutos silvestres.
Quando de repente levou um susto ao perce-
ber que estava sendo observado. Uma grande onça o
espreitava.
O bicho parecia estar faminto, e não tinha a
intenção de ser o jantar, mas sim de fazer dele, o ca-
çador o seu jantar. E antes que ele pudesse pensar em
Carlos Casturino Rodrigues
61
alguma estratégia. Percebeu que iria ser atacado, não
teve nenhuma alternativa a não ser a de correr o mais
rápido que suas forças aguentassem. Conseguiu es-
capar por entre alguns troncos que bloqueava a pas-
sagem da onça ganhando assim alguns metros de
vantagem. E continuou em fuga, perseguido pela
onça que não lhe dava trégua.
Correu desesperadamente e a onça no seu
encalço, ao aproximar-se do velho ranchinho, entrou
por uma porta e saiu por outra, seguido pela onça.
Olhou para o amigo que por sua própria sorte
estava com um tição de fogo a mão para ascender um
cigarro. Apavorado o homem gritou chacoalhando o
tição de fogo. O que significa isso? E a resposta veio
rápida. É a onça que eu trouxe para o jantar. Vai ti-
rando o couro desta que eu vou buscar outra...
Contos Para Rir e Assustar
62
Mais Uma História do Lobo
Um lobo solitário caminhava pela selva, ele
estava tão só, parecia estar perdido em sua solidão.
Onde estaria a sua família?
– Parece que este pobre lobo se perdeu da
matilha! Pensou a bondosa arvore e ofereceu-lhe a
sombra para abrigá-lo do forte calor que fazia. O
lobo apesar de não entender bem a linguagem da
arvore aceitou o convite e resolveu descansar ali.
Não sem antes criticar lhe a pouca sombra.
– Esta arvore quase não tem sombra. O que
terá acontecido aos seus galhos? Deve ter passado
por aqui um grande vendaval. Concluiu o lobo em
seus pensamentos.
– Que mal agradecido disse à brisa que pas-
sava por ali acariciando as folhas da vegetação e
dando um suave frescor ao clima. A brisa sabia ler
pensamentos, mas raramente se enfurecia e era gentil
até mesmo com os seres mais insensíveis que habita-
vam aquela floresta.
O lobo solitário adormeceu e sonhou que re-
encontrava a matilha. Estava feliz e confraternizando
com seus parentes e amigos. Eram muitos lobos e
todos estavam felizes correndo e brincando e rolando
na relva em perfeita harmonia e felicidade.
Repentinamente ouve-se o estampido de um
tiro de espingarda.
O lobo acorda assustado o sonho então se
desfez, mas o tiro foi real e trouxe o nosso persona-
Carlos Casturino Rodrigues
63
gem à dura realidade. Felizmente o tiro não o acertou
dando-lhe o tempo suficiente para colocá-lo em fuga.
Um caçador não estava nos planos daquele
pobre lobo que saiu em disparada se embrenhando na
mata a tempo de salvar a pele e só parou mesmo
quando teve a certeza de estar em total segurança.
Ouviu outro barulho e levou um susto, mas percebeu
que era o próprio estomago reclamando a falta de
alimentos. A fome aumentava e não encontrava nada
pra comer.
A caça estava cada vez mais rara, não era
fácil competir com os caçadores que também o colo-
cavam em sua lista, sem falar dos madeireiros que
expulsavam os de sua espécie e cada vez mais a bi-
charada tinha menos alternativa.
Devido ao desmatamento e a caça ilegal, to-
dos os animais se tornavam nômades como aquele
pobre lobo solitário e errante.
Incrível como essa história do lobo se repete.
O pobre do bicho nunca sai de cena, jamais perde
espaço, está sempre na mira, mal pode passear na
floresta sem um bando de caçadores na sua cola.
– E por falar em caça e caçador! O tal caçador
que felizmente para o lobo e azar seu errou o tiro.
Perambulou pela floresta a tarde toda e voltou
para casa sem conseguir caçar nada, então pensou.
– É verdade o ditado que diz que um dia é da
caça o outro é do caçador... Com esse pensamento foi
para a cama, como estava cansado logo adormeceu.
Como um caçador frustrado costumava ter pesadelos.
E naquela noite ele também teve um.
Contos Para Rir e Assustar
64
Neste em particular, ele sofria o mal da lican-
tropia e ao se transformar em um lobo assim perma-
neceu até seus últimos dias. Acabou em um zoológi-
co onde conheceu o seu melhor amigo, o tratador...
Ouvi dizer que foi assim, mas de qualquer
forma o mais importante e que deixou de ser caçador.
Realidade do lobo agora é outra, não pensa
mais nos três porquinhos ou na menina de chapeuzi-
nho vermelho, desistiu até da vovozinha, está sempre
preocupado com as novas regras disso e daquilo.
Para ele outros animais o final feliz acabava sempre
em algum zoológico.
Carlos Casturino Rodrigues
65
Mestre Morgan
Num reino muito distante no tempo e no
espaço, havia um jovem rei muito tranquilo e des-
preocupado, pois suas terras eram protegidas por
magos muito poderosos. O poder do rei era um poder
de aparência nada era decidido sem o aval do líder
dos magos. Ignorando isso a população confiava ce-
gamente no rei.
O general do exercito, e o chefe da guarda
real eram fieis ao jovem rei e não faziam questão de
saber quem realmente exercia o poder. O importante
era manter o rei feliz e amado por seus súditos. O
exercito real nunca fora derrotado, suas únicas preo-
cupações eram exibições em desfiles em datas co-
memorativas.
O Mestre Morgan era o líder dos magos,
também chamado de “mago real” Mestre Morgan era
um especialista em ciências ocultas. Dizia que em
seus domínios havia salamandras que viviam no fogo
e faziam casulos, dos quais as mulheres da corte teci-
am roupas que, para serem limpas, eram jogadas às
chamas.
O Mestre Morgan costumava promover pa-
lestras para os príncipes e nobres de sua época. Pre-
viu que em algum tempo futuro a magia deixaria de
ser extraordinária. Alguns magos passariam a vender
o seu trabalho, como qualquer outro. Seriam escra-
vos do capitalismo, passariam a serem simples ilusi-
onistas denominados mágicos cobrando ingressos e
se apresentando em teatros e até festinhas de aniver-
Contos Para Rir e Assustar
66
sário. E pior ainda se utilizariam até de efeitos espe-
ciais.
Mestre Morgan se irritava com perguntas que
considerava inapropriadas, como por exemplo: Por
que as bruxas usam varinha de condão com uma es-
trela na ponta? E os bruxos e magos usam um cajado
com a lua na ponta?
Afirmava que para chegar ao conhecimento
pleno do ocultismo, deveria passar por uma purifica-
ção no fogo. Chegou a admitir a alguns de seus dis-
cípulos que já havia resistido bastante até tomar
aquela decisão, mas que já se tornara inadiável. En-
tão ele umedeceu o seu corpo com uma poção secreta
elaborada por ele mesmo, vestiu uma espécie de rou-
pa de seda ou lã de salamandra e ordenou aos seus
discípulos que lhe amarrassem na fogueira antes de
acendê-la. Adquiriu a invisibilidade ou passou para
outra dimensão.
O certo e que desapareceu instantaneamente
entre as chamas sem deixar vestígios. Dizem que ele
reapareceu alguns dias depois no congresso anual
dos bruxos para se vangloriar de sua experiência...
Dizem também que o Mestre Morgan manipulou
outros reis no futuro e no passado ou vice versa...
Carlos Casturino Rodrigues
67
Móveis Usados
Uma loja de moveis usados situada numa
rua tranquila e de pouco movimento. Seu proprietário
tirava um cochilo enquanto esperava algum possível
cliente. A maioria dos moveis ali estavam em perfei-
to estados de conservação com exceção de alguns
precisando de pequenos reparos. A loja era enorme e
até parecia um museu de moveis antigos, logo na
entrada tinha uma campainha que disparava com a
presença de alguém que ali entrasse. Desta forma o
proprietário poderia tirar o seu cochilo despreocupa-
do. Enquanto ele dormia alguns moveis conversa-
vam. Um velho baú se vangloriava dizendo assim.
– Eu já fui de grande utilidade. Já guardei
joias caríssimas da minha antiga senhora. Ela era
uma dama da alta sociedade... Uma cadeira meio
desconjuntada e ranzinza que estava ali perto, chaco-
teando zombou dele dizendo.
– Eu já derrubei um sujeito muito importante.
Acho que ele era um advogado ou politico eu sei lá.
Concluiu rindo. Aquele comentário desprezível não
agradou e motivou um revide.
– O que há de digno nisso? Abominabilíssi-
ma cadeira destroçada. Recolha-se em sua insignifi-
cância e não me dirija à palavra. Respondeu o baú
revoltadíssimo.
– Insignificante é você bauzinho desprezível.
Retrucou a cadeira, que era mesmo uma cadeira que-
brada. Eis o motivo de ter derrubado o tal sujeito. A
Contos Para Rir e Assustar
68
partir dai o baú que se considerava nobre, preferiu
não dar continuidade aquela discussão.
– Eu trabalhei para um analista por longos
anos e olhe só aonde eu vim parar. Murmurou um
velho divã todo empoeirado.
Uma cristaleira em ótimo estado de conserva-
ção, que se avizinhava do velho divã completou em
sinal de solidariedade.
– É muita ingratidão amigo. Mesmo assim
não devemos entregar os pontos. A conversa foi in-
terrompida pelo som da campainha. O proprietário da
loja acordou assustado e foi atender ao provável cli-
ente que adentrava a loja.
Carlos Casturino Rodrigues
69
O Padre e a Mula-sem-cabeça
Num certo lugar do nosso imenso país, per-
dido no mapa em um rincão distante da civilização.
Durante as noites sertanejas de quinta para sexta feira
e principalmente nas noites de lua cheia um estranho
ser luminoso cavalgava pelas campinas daquele rin-
cão.
Os habitantes do lugar diziam que era a mula
sem cabeça, um animal quadrúpede que galopava e
saltava sem parar, enquanto soltava fogo pelas nari-
nas.
Há quem diga que essa “estória” não teria
lógica. Se a tal mula não tinha cabeça? Como poderia
soltar fogo pelas narinas?
Conta-se que naquele lugar um casal de
amantes viveu um amor proibido. Eles se amavam
muito, mas foram impedidos de se casarem. Ela era
filha de um rico fazendeiro e muito ganancioso. Ele
era um rapaz de família humilde. Por esse motivo ela
acabou se casando contra a sua vontade com outro
rapaz apenas para atender os interesses da família. O
tal rapaz era filho de outro fazendeiro. Era o único
herdeiro, mas por ser esbanjador e mulherengo aca-
bou ficando pobre e decepcionando a todos.
Enquanto isso o rapaz pobre permaneceu sol-
teiro. Ficou muito triste e amargurado por algum
tempo. Desiludido e para agradar sua mãezinha e
suprindo sua desilusão amorosa acabou num seminá-
rio.
Contos Para Rir e Assustar
70
E depois de muitos anos, voltando como o
padre daquela região. Por mais que se esforçasse, ele
nunca conseguiu esquecer aquela que um foi o seu
grande e único amor.
Ela também jamais esqueceu aquela antiga
paixão. Mas como mulher casada e respeitadora de
bons costumes, tentava manter aquela união que só a
tornava infeliz. O tempo passou rapidamente e logo
veio o seu primeiro filho. No dia do batismo do me-
nino. Ela percebeu que aquele sentimento, ainda era
muito forte de ambas as partes e o momento, serviu
para aproximar ainda mais os dois apaixonados.
Ela que era de uma família católica e acostu-
mada a frequentar missas semanalmente, ficou difícil
evitar aquele encontro dominical que lhes parecia
mágico devido a aquela paixão sufocada e com o
tempo não resistiram e passaram a viver um amor
secreto e proibido...
Segundo a lenda, qualquer mulher que namo-
rasse um padre seria transformada em um monstro,
desta forma as mulheres deveriam ver os padres co-
mo uma espécie de “santo” e não como homens, se
cometessem qualquer pecado com o pensamento em
um padre, acabariam se transformando em mula sem
cabeça...
Veio então um segundo filho, e desta vez uma
linda garotinha. A essa altura dos acontecimentos ela
bem que se esforçava, mas já não conseguia disfar-
çar. As evidencias já denunciavam aquele mal feito,
ela passou a viver um dilema não sabendo ao certo
quem era o pai da menina, seu marido ou o padre.
Sabendo apenas que ele a batizou.
Carlos Casturino Rodrigues
71
Desconfiado da esposa o marido fez o teste
que manda a lenda...
Para descobrir se a mulher é amante do padre,
lança-se ao fogo um ovo enrolado em linha com o
nome dela e reza-se por três vezes a seguinte oração:
...
"A mulher do padre
Não ouve missa
Nem atrás dela.
Há quem fique...
Como isso é verdade,
Assa o ovo
E a linha fica...”. ...
Certo dia quando o marido dela voltava de
uma viagem surpreendeu os dois fazendo amor em
sua própria cama. Sem pestanejar ele desferiu dois
tiros certeiros deixando o casal morto e nu abraça-
dos. Depois pegou as crianças sumiu e nunca mais
deu noticias. O casal foi enterrado em um antigo ce-
mitério que posteriormente foi desativado. E passou
a ser apenas um campo improdutivo.
Diziam os habitantes do lugar, que as noites
de quinta para sexta feira e principalmente nas noites
de lua cheia.
Um estranho ser luminoso cavalgava pelas
campinas daquele rincão. Alguns desavisados que
passavam por ali e foram surpreendidos pela terrível
aparição.
Contos Para Rir e Assustar
72
Contaram depois, que vira um padre caval-
gando uma “Mula sem cabeça”, ou seja, no lugar de
cabeça o animal possuía uma chama luminosa. Ilu-
minando assim o imaginário daquele povo e as noites
sertanejas.
Carlos Casturino Rodrigues
73
O Automóvel Mal-Assombrado
Um jovem muito corajoso saiu com seus
amigos para acampar. Depois de várias horas de car-
ro chegaram a um local muito bonito, era o local ide-
al para o acampamento disseram alguns amigos. O
jovem nem se interessou de saber que lugar era aque-
le, estava se divertindo muito consumindo uma cer-
vejinha atrás da outra. Antes de se instalarem alguém
pediu uma cervejinha e descobriram que não havia
mais nada. Então resolveram procurar algum bar de
beira de estrada para reabastecer o estoque. Depois
de algum tempo de caminhada chegaram a uma linda
cachoeira.
Era muito convidativo mais não poderiam
parar ali precisavam da cerveja, mas o jovem bebum
ficou para trás sem que os outros percebessem. En-
trou na cachoeira para refrescar os miolos e só depois
de várias horas é que percebeu que estava sozinho
em um lugar desconhecido e resolveu sair à procura
dos amigos. Depois de muito caminhar e não encon-
trando ninguém acabou por se perder ainda mais, e o
tempo passou rapidamente. Sentou na beira da estra-
da e ficou a pensar no que deveria fazer.
Olhou no relógio de pulso e descobriu que já
era muito tarde e talvez fosse melhor voltar de ôni-
bus sozinho pra casa. Nesse instante viu surgir na
curva da estrada um ciclista que vinha em sua dire-
ção, então ele parou o ciclista para pedir informação.
Perguntou ao homem, que lugar era aquele e a que
horas passava algum ônibus para a cidade mais pró-
Contos Para Rir e Assustar
74
xima. Então o homem lhe disse: ônibus nesse fim de
mundo só amanhã meu jovem. Mas você poderá ir
até o povoado mais próximo e pernoitar por lá, ama-
nhã você pega seu ônibus e volta pra casa. A que
distancia fica esse povoado? Perguntou o rapaz.
Aproximadamente umas três ou quatro horas a pé,
disse o homem. Mas tenha fé pode ser que alguma
boa alma motorizada o alcance e lhe de uma carona,
dizendo isso montou em sua bicicleta e desapareceu
na estrada. O rapaz seguiu andando na direção que o
ciclista lhe indicou, não demorou muito algumas
nuvens carregaram o céu e logo começou a chover.
Anoiteceu rapidamente, o rapaz começou
entrar em desespero num dado momento enquanto
trovões cortavam o silêncio da noite.
Percebeu que um automóvel lhe alcançava em
baixa velocidade entrou na frente do carro com os
braços abertos pedindo uma carona pelo amor de
Deus. O carro parou então ele abriu a porta e entrou
com tudo, o carro se, pois em movimento. Foi então
que ele percebeu que não havia motorista, ficou apa-
vorado abaixou os olhos e começou a rezar era um
carro fantasma. Tentando se controlar olhou e viu
uma curva em frente a uma grota, então pensou, vou
morrer e passou a rezar com mais intensidade. Então
milagrosamente um braço adentrou a janela e girou
firma o volante colocando o carro na estrada.
Ele respirou, aliviado, porem o carro desgo-
vernado continuou em sua marcha, o jovem sentiu
novamente aquele frio na espinha e reiniciou sua
oração. Poucos metros a sua frente outra curva e ou-
tro penhasco, o rapaz pedia pra tudo quanto é santo
Carlos Casturino Rodrigues
75
que lhe viesse em socorro. Novamente um braço for-
te adentrava a janela do carro e girava o volante com
força e o livrava da morte, a essa altura o medo era
tanto que o rapaz estava disposto a abrir a porta e
saltar do automóvel em movimento. Ele entrou em
desespero e começou a gritar, o carro parou ele abriu
a porta, saltou do veículo e correu desesperadamente
sem olhar para traz.
Correu sem parar até chegar ao povoado, no
primeiro bar ele entrou esbaforido pediu uma bebida
engoliu num gole só e começou a contar ao barman
sua terrível aventura. Enquanto ele contava em deta-
lhes e alguns homens se aproximavam para ouvir o
causo do automóvel mal assombrado. Naquele ins-
tante dois homens ensopados de lama adentraram a
porta do estabelecimento, se entreolharam e um deles
disse, apontando para o rapaz.
– Olha ali Pedrão, não aquele folgado que
pego carona em nosso carro enquanto a gente empur-
rava?
Contos Para Rir e Assustar
76
O Famigerado Boitatá
A mulher do caipira contava para a mocinha
da cidade que estava a lhe visitar. O causo que se-
gundo ela era a mais pura verdade. No sitio onde
morava tinha assombração inclusive o famigerado
boitatá.
Certa vez ela, quando ela foi buscar água na
bica, quase desmaiou de medo. Era uma noite de lua
cheia ela viu o boitatá. Não muito longe ela avistou o
boitatá acendia e apagava sempre que ela olhava.
Nunca esqueceu aquela assustadora visão. A mulher
contava o causo com certa emoção e se esforçava
para ser convincente. A mocinha meio incrédula,
mas não ousava contrariá-la prestando atenção ao seu
relato. Até o momento que o homem entrou na cozi-
nha com o facão no lado direito da cintura e o revol-
ver do outro lado. A mocinha que não era acostuma-
da com pessoas armadas levou um susto o caipira
sorriu e disse.
Boa tarde sinhá moça! Que susto foi esse? A
mocinha se refez daquele susto e lhe explicou que lá
na cidade não era comum as pessoas andarem arma-
das. Ele então comentou que na roça é possível ser
surpreendido por alguma fera ou ter que enfrentar
algum ladrão de gado ou coisa do tipo. Mas continu-
em a prosa. A mulher dele continuou a contar o cau-
so do boitatá, o caipira enrolou um palheiro e disse.
Olha sinhá moça esse boitatá aí, eu fui lá pra ver de
perto. Isso porque eu não gosto de desfeita. Eu até
confesso que estava meio ressabiado. Cheguei a uma
Carlos Casturino Rodrigues
77
distância que não podia errar e dei um tiro. E fui ate
lá pra ver de perto, com bastante cuidado eu cheguei
até onde tava o dito cujo.
Não era boitatá coisa nenhuma. Era só um
saco vazio de fertilizante com água empossada, a
água refletia com o brilho da lua. O vento balançava
um galho e a sombra dava a impressa de apagar e
acender.
Esse era o boitatá. Mas se quiser mais algum
causo de assombração, a muié tem vários pra contar.
Deu uma gargalhada e saiu como entrou.
Contos Para Rir e Assustar
78
O Enforcado
Um caixeiro viajante seguia pela velha es-
trada que parecia longa e desabitada. Sabia que iria
dar em um vilarejo e não era totalmente desabitada.
Mas esta era a impressa que tinha. Já começava
anoitecer e ainda não havia encontrado um local para
o pernoite
Uma casa velha abandonada na beira da es-
trada pareceu o local ideal para pernoitar. Não conti-
nuaria mais em suas andanças, estava muito cansado
e não tinha dinheiro bastante que pudesse se dar ao
luxo de passar a noite em uma hospedaria descente.
O clima havia mudado repentinamente e aquela noite
prometia ser longa e chuvosa. Foi isso que pensou o
caixeiro viajante quando se aproximou inspecionan-
do a velha casa. Não hesitou em decidir que ali pas-
saria a noite.
Aproximou-se da porta e a empurrou, e a por-
ta se abril com facilidade. Retirou uma vela da saco-
la, o isqueiro do bolso acendeu a vela e adentrou o
casarão. E então percebeu que apesar do abandono,
o estado de conservação da casa não era dos piores,
seus cômodos eram altos e espaçosos.
– As condições da casa são boas. Não há nem
um risco de desabamento ou coisa do gênero! Pensou
ele, e concluiu que naquela noite estaria seguro.
Achou um quarto aparentemente confortável, se
acomodou por ali. Comeu alguma coisa que trazia na
sacola. E depois trancou a porta do quarto.
Carlos Casturino Rodrigues
79
– Para que algum andarilho não venha me
perturbar o sono! Pensou com um sorriso nos lábios,
entretanto ele nem se preocupou em olhar para cima.
Aliás, já havia feito isso quando entrou na casa.
Lá fora chovia torrencialmente e ali ele se
sentia muito seguro. Improvisou uma cama se deitou
e logo pegou no sono.
No meio da noite teve um pesadelo e acordou
com uma goteira que pingava em sua testa. Olhou
uma janela entre aberta e viu que a chuva havia para-
do. Procurou o isqueiro e acendeu a vela, passou a
mão na testa e percebeu a mão cheia de sangue.
Verificou a possível existência de algum fe-
rimento e descobriu que não havia nenhum. Ficou
apreensivo tentando entender o que estava aconte-
cendo. Olhou para o local onde estava deitado á al-
guns instantes e viu uma mancha de sangue.
Sem entender o que estaria acontecendo,
olhou para cima. Levou um grande susto e quase teve
uma parada cardíaca...
Um corpo jazia pendurado, enforcado e com
os olhos esbugalhados e a língua estendida pingando
sangue, e uma gota de sangue caiu quase dentro de
seus olhos...
Contos Para Rir e Assustar
80
O Fantasma do Sítio
Anunciada nos classificados de um jornal
de repercussão regional aparecia à venda de um sítio.
Segundo o anuncio era uma área de terras com algu-
mas benfeitorias, tendo uma casa precisando de uma
pequena reforma, cinco baias de cavalo, um barra-
cão, um açude quase na porta da casa. Pequeno per-
curso de estrada de chão. Ótima oportunidade para
quem procura a paz do campo.
O candidato a comprador gostou muito do
que leu, afinal era exatamente o que procurava. En-
tão ligou para o anunciante que lhe informou o preço
e as condições de venda. Mais infelizmente não con-
seguiram agendar um dia em comum para os dois.
No dia que um estaria livre o outro tinha compromis-
so inadiável por isso mesmo o proprietário do sitio
objeto da venda não poderia acompanhar o candidato
a comprador. Felizmente o sogro do anunciante mo-
rava próximo do sitio a ser vendido. Na verdade tra-
tava-se de um desmembramento de uma propriedade
bem maior, uma herança de família e fruto de inven-
tario. Sendo assim ficou decidido que o sogro dele
mostraria o tal sitio ao comprador.
No dia agendado o candidato a comprador e
sua esposa e um garoto filho do casal foram até o
local para ver o sitio. Chegando lá eles foram recebi-
dos pelo sogro do dono do sitio, conforme o combi-
nado. O homem aparentemente hospitaleiro ofereceu
água fresca e algumas frutas do pomar, em seguida
rumaram na direção da propriedade.
Carlos Casturino Rodrigues
81
Depois de percorrerem por uma estrada velha
tomada pelo mato, chegaram a uma casa velha aban-
donada. Enquanto caminhava o velho contava causo
de assombração. Segundo ele eram fatos reais que
aconteciam naquela região, durante a noite uma figu-
ra estranha perambulava pela estrada.
A assombração era um homem com roupa
preta e chapéu preto e uma espingarda nas costas,
saia da propriedade que estava desabitada em direção
a estrada e em certo ponto desaparecia misteriosa-
mente.
Aquelas estórias naturalmente desestimula-
vam qualquer interessado em comprara propriedade.
O sitio ficou anunciado por muito tempo, todas as
pessoas interessadas em comprar logo desistiam por
causa da tal assombração.
Quando alguém não dava muito credito ao
velho senhor, sogro do proprietário e perguntava para
algum sitiante das proximidades, estes além de con-
firmar ainda davam mais detalhes.
O sujeito da espingarda costumava chicotear
os cachorros que lhe perseguiam durante a sua cami-
nhada, ninguém se atrevia a se aproximar, mas se o
fizesse ao chegar perto dele então ele repentinamente
desaparecia deixando um forte cheiro de enxofre.
Aquela propriedade nunca foi vendida ate que
o sogro do proprietário faleceu e finalmente a tal
assombração nunca mais apareceu.
Contos Para Rir e Assustar
82
O Casarão
Aquela linda jovem passou por ele, com um
andar delicado e esbanjando todo o seu charme. O
rapaz deslumbrado disse-lhe um oi, e ela correspon-
deu com um sorriso. E seguiu na direção de um
magnífico casarão localizado quase no final da qua-
dra. Não demorou a voltar, mas agora ele sem perda
de tempo, decidiu abordá-la.
Começaram a conversar, e empolgados nem
perceberam o tempo passar. Enfim ela disse que pre-
cisava se recolher, o seu pai a esperava. Ele a acom-
panhou até aquele casarão. Do portão esperou ela
entrar, ficou ali algum tempo até ela aparecer na ja-
nela e dar um último aceno. Só então ele foi embora,
voltou para a sua casa e não deixou de pensar naque-
la linda jovem, e até sonhou com ela. Só então per-
cebeu que estava mesmo apaixonado.
No dia seguinte ele voltou ao local. Ao se
aproximar do casarão, ele notou algo de muito entra-
nho. Percebeu que aquela edificação, na realidade em
nada se parecia com o casarão do dia anterior. Agora
era um casarão abandonado, aparentemente estava
inabitado há muitos anos. Mesmo assim não se con-
venceu e resolveu perguntar na vizinhança. Obteve
como resposta o que já era por ele mesmo esperado.
Aquele casarão não era habitado há quase cinquenta
anos. Ficou muito triste e inconformado com aquela
realidade. Observando melhor, viu que aquele casa-
rão estava mesmo em ruínas.
Descobriu também que estava preservado por-
Carlos Casturino Rodrigues
83
que já havia sido tombado patrimônio histórico e
esperava por uma restauração. Então ele voltou para
casa se perguntando o que realmente tinha ocorrido.
– Ele estaria louco?
Aquela linda moça seria fruto de sua imagina-
ção?
Contos Para Rir e Assustar
84
O Mendigo e os Ratos
Um mendigo observava os ratos da Praça
Tiradentes correndo livremente de um lado para ou-
tro em busca de migalhas. Ratazanas enormes, que
em outros tempos até lhe causariam repulsa, mas
agora lhe pareciam animais comuns eram tantos que
circulavam a noite quanto aos pombos durante o dia.
Então se imaginou pequeno diante daquelas
criaturas. Em um repentino devaneio, ele estava ca-
valgando uma ratazana e conduzindo os demais a um
curral. Aqueles ratos agora eram os animais do sitio
de seu pai. O gramado se parecia com um pasto em
acelerado crescimento e se transformava na inverna-
da do sitio, os ratos corriam como cavalos selvagens.
O mendigo parecia estar melancólico em seu delírio
ele revivia os velhos tempos.
Antes de aventurar em deixar a sua casa para
nunca mais voltar. Em sua débil imaginação aqueles
ratos eram os animais do sitio em que vivia antes de
se aventurar na cidade. Era feliz e não sabia agora ele
era como aqueles ratos ou ate pior sobrevivia de so-
bras ou até de alimentos recolhido do lixo. Depois de
algum tempo observando ele percebeu que alguns
ratos eram bem mais ousados e se aventuravam em
atitude de comando esses com toda a certeza eram os
políticos que detêm o poder. Observou-os por algum
tempo, aliás, tempo era tudo oque ele tinha.
Finalmente acabou vencido pelo sono, se
acomodou por ali mesmo e adormeceu.
Carlos Casturino Rodrigues
85
No dia seguinte ele acordou com o burburi-
nho da cidade ao caminhar mais para o interior da
praça viu-se rodeado de pombos sentou em um velho
banco e ficou a observá-los. Agora aqueles pombos
lhe traziam a lembrança das galinhas no terreiro.
Estava com muita fome, olhou para um pom-
bo e imaginou um franguinho assado. Voltando a
realidade saiu dali e foi revirar o lixo de uma lancho-
nete, foi repreendido pelo atendente, mas um senhor
que acabara de pedir um empadão lhe doou e pediu
outro. O mendigo agradeceu e saiu, depois de comer
voltou a sentar-se no velho banco da praça e nova-
mente a observar os pombos.
Pensou então, estaria na hora de rever seus
conceitos e voltar para a sua casa de onde nunca de-
veria ter saído. Mas será que teria forças para voltar?
Já havia perdido a noção do tempo que estava
a mendigar e não sabia como seria recebido de volta
ao seio da família, mas estava disposto a tentar.
Permaneceu ali por mais algum tempo observando
aqueles pombos, sua atenção foi desviada por tran-
seuntes que conversavam sobre a crise financeira que
assolava o país e o desgoverno da nação, abuso de
poder e injustiça social.
Teve a ligeira impressão de que ele estaria
incluído no assunto. Não soube entender o porquê,
mas lembrou dos ratos de ontem, alguns ratos eram
bem mais ousados do à maioria, e se aventuravam
em atitude de comando. Com toda a certeza eram os
políticos que detêm o poder.
Contos Para Rir e Assustar
86
O Fantasma do Coveiro
Conta-se que um coveiro usou terra do ce-
mitério em que trabalhava, para aterrar o alicerce de
sua casa. O sujeito era muito mesquinho e para eco-
nomizar seria capaz de fazer qualquer coisa mesmo
que parecessem absurdas. Se alguém lhe contrariasse
ele logo atribuía isso a um preconceito em relação a
sua profissão.
Ele dizia que não se incomodava com o pre-
conceito sofrido por conta da sua profissão. Porem
não esquecia certos acontecimentos em sua vida.
Tinha a sua família esposa e filhos, mas lembrava de
uma época de sua juventude que começou a trabalhar
como coveiro. Estava iniciando um relacionamento
com uma moça, e durou até ele contar para ela onde
trabalhava. Depois que ela soube que ele mexia com
os mortos, terminou com ele no mesmo instante. Mas
como ele mesmo afirmava não falta sapato velho
para pés casquentos, sendo assim ele acabou encon-
trando a sua cara metade.
Os anos se passaram e apesar de sua esposa
trabalhar para ajuda-lo nas despesas domesticas e o
fato de ele sempre economizar, ainda não tinha casa
própria. Por esse motivo e apesar de contrariado, ele
morava no cemitério mesmo.
A mãe do coveiro havia falecido aproxima-
damente há uns dois anos, e com o inventário segui-
do da venda de seus bens e a divisão dos poucos re-
cursos entre seus filhos. Coube ao coveiro o dinheiro
Carlos Casturino Rodrigues
87
suficiente para a aquisição de um terreno ali próximo
ao cemitério.
Juntando os poucos recursos que tinha conse-
guido acumular ao longo do tempo foi possível co-
meçou a construção da sua tão sonhada casa própria.
Sua esposa lhe disse.
–É preciso comprar uma carga de terra para
fazer um bom aterro no alicerce da casa. Ao que ele
imediatamente retrucou.
– Não vou gastar dinheiro coisa desnecessá-
ria. Vou encher com caliças e terra que temos por
aqui mesmo. Precisamos economizar ainda mais se
realmente queremos uma casa nossa mesmo e sair
desse lugar.
Até então o coveiro morava numa casa no
interior do cemitério. Estava construindo aos poucos
com os recursos que conseguia economizando de seu
precário salário, muito esforço e ajuda de sua família.
Que apesar de não concordarem com seus métodos,
não conseguiram persuadi-lo, assim ele aos poucos
trazia caliças e terra do cemitério para aterrar o ali-
cerce da casa.
Sempre que a família de algum falecido cons-
truía algum tumulo, lá estava ele pedindo sobra de
material. E assim ele fez ate a conclusão da obra.
Mas não viveu muito depois disso, logo veio a adoe-
cer e morreu.
Conta-se que ele ou o seu fantasma passou a
assombrar a casa. Seus próprios familiares após a sua
morte não conseguiram usufruir da casa por muito
tempo. Resolveram mudar para outro bairro e aluga-
ram a casa.
Contos Para Rir e Assustar
88
Preferiram guardar segredo sobre a principal causa
da desistência da casa, mas o fato é que aparições
misteriosas motivaram a mudança de endereço.
Inquilinos que vieram a ocupar a casa, depois
que a família desistiu de morar ali impressionados
com as aparições. Contaram que a noite um vulto se
dirigia para o quintal com uma pá nas costas e come-
çava a escavar o quintal, algumas vezes acordavam
com batidas nas portas ou passos pela casa.
Carlos Casturino Rodrigues
89
Pesadelo
Ele estava muito cansado e voltava do traba-
lho. Depois de um longo dia na árdua função de ser-
vente de pedreiro. Mesmo cansado ele não deixaria
de passar no boteco para tomar sua cachacinha e re-
ver alguns amigos. Chegando ali se encostou ao bal-
cão e pediu a dose costumeira. Tomou a num só gole,
puxou conversa com um amigo, assunto banal sem
qualquer importância. Fez um sinal ao barman e este
lhe serviu a segunda dose, desta vez degustou a sua-
vemente como se fosse um cálice de vinho. O outro
sorriu e contou uma piada sem graça. Ele pediu outra
dose. Cumprimentou outro amigo que chegava, papo
vai papo vem depois de três ou quatro doses de pin-
ga. Finalmente pediu as contas e saiu.
Tinha ainda uma longa caminhada pela fren-
te. Na verdade nem era tão longe assim, mas devido
à canseira daquele longo dia de trabalho, a distância
parecia aumentar. Ele se sentia meio zonzo devido o
efeito do álcool ou talvez devido ao cansaço. Conti-
nuou caminhando vagarosamente, tinha a impressão
que o seu corpo ficava pesado.
Ao passar por um local ermo e mal ilumina-
do, ele foi repentinamente surpreendido. Avistou
saindo da sombra, um sujeito corcunda e feioso. Com
uma grande foice na mão. Veio em sua direção e
parou bem na sua frente. Vestia uma capa preta e um
capuz tinha um aspecto tenebroso e ocultava a luz.
Mancando e tossindo pra valer como se tivesse tu-
berculose. Entre uma tossida e outra ele perguntou.
Contos Para Rir e Assustar
90
– Do que preferes morrer? De AIDS, tédio
ou over dose?...
Assustado então ele acordou! Como assim
acordou então era um pesadelo?...
Agora estava muito confuso, temporariamen-
te perdeu a noção da realidade. Pareceu-lhe estar
descansando confortavelmente recostado ao tronco
de uma grande arvore, pensou em sair dali, mas não
teve forças. Percebeu que estava sozinho e aquela
visão fantasmagórica devia ser mesmo fruto de um
pesadelo que felizmente ficou para traz. Passou al-
gum tempo pensando, alguns cigarros fumando. Fi-
nalmente adormeceu e novamente sonhou.
Não sei se por falta de sorte, mas ali outra vez
a morte parada em sua frente. Apontava-lhe com o
dedo e dizendo.
– Não tenha medo, você não é mais vivente.
Este seu corpo bonito que você sempre amou. Deixa-
rás na tumba fria, ficará só energia.
Pareceu então despertar de um sono, mas não
estava em sua cama nem mesmo em seu quarto. Fi-
cou perplexo aquela entranha figura permanecia ali
diante dele em tom ameaçador.
– O que significa tudo isso? Parece um pesa-
delo, mas eu tenho certeza que estou acordado. Por
que tudo isso?
– É por que você já desencarnou...
Carlos Casturino Rodrigues
91
Uma Aventura no Cemitério
No cemitério de uma pequena cidade interi-
orana. Havia um pessegueiro que cresceu próximo ao
muro. Seus galhos facilmente podiam ser visto do
lado de fora. O pessegueiro estava carregado de lin-
dos frutos apetitosos. Certa tarde passava por ali dois
jovens corajosos. Eles estavam dispostos à colher
aqueles pêssegos.
Mas eles não podiam fazer isso à luz do dia
porque certamente seriam impedidos pelo coveiro ou
algum guarda municipal. Sendo assim planejaram
voltar à noite e assim fizeram. Era uma noite enlua-
rada apesar de algumas nuvens esparsas. Os dois
cheios de coragem pularam o muro adentro.
Já no interior do cemitério um deles sugeriu
subir na arvore, mas foi logo impedido pelo outro
que disse.
– Não vamos correr o risco de quebrar algum
galho e com o barulho chamar a atenção de alguém.
– Só se for à atenção de alguma caveira ou de
alguma alma penada. Brincou o amigo.
– Deixa de gracinha e vamos logo procurar
alguma vara para que possamos derrubá-los, sugeriu
o outro. Começaram a procurar algum pedaço de
cruz ou galho seco. Improvisaram uma vara e evitan-
do maior barulho passaram a derrubar os pêssegos.
Um derrubava o pêssego com o auxílio da
referida vara enquanto o outro ia à procura do fruto
caído e o colocava em um único monte para facilitar
a posterior divisão. Mas num dado momento, dois
Contos Para Rir e Assustar
92
pêssegos caiu do lado de fora do muro. Imediatamen-
te um dos rapazes já se preparava para pular o muro e
resgatar os frutos. Então o outro acudiu.
– Não faça isso! Vamos acabar logo e dividir
primeiro os que estão aqui dentro. Depois pegamos
os que caírem pra fora.
– Tudo bem! Então vamos logo com isso an-
tes que alguma pessoa passe por aí e nos denuncie.
Terminado a colheita os dois jovens começa-
ram a divisão separando os frutos aos pares. Enquan-
to um segurava as sacolas abertas o outro contava.
– Dois pra você e dois pra mim...
E assim continuou sempre de dois em dois.
– Dois pra você e dois pra mim... Enquanto
isso um bêbado que passava do lado de fora e ouviu
aquela frase e ficou surpreso.
– Dois pra você e dois pra mim. Continuou a
contagem...
O bêbado parou para ouvir melhor e com cer-
to esforço permaneceu em silencio, concluiu que se
tratava da contagem das almas existentes no cemité-
rio e correu chamar o guarda.
– Seu guarda! Seu guarda venha depressa ver
o que está acontecendo!
Disse o bêbado tropeçando nas palavras.
– O que está acontecendo homem? Perguntou
o guarda, mas ao olhar para bêbado lembrou que já o
conhecia de longa data e também já sabia de suas
confusões, por isso não queria lhe dar atenção impa-
ciente disse ele ao bêbado.
–Não me venha com suas histórias! Não es-
tou a fim de perder tempo com você...
Carlos Casturino Rodrigues
93
– Deus e o diabo estão dividindo as almas lá
no cemitério! Seu guarda.
– Que besteira é essa que você está falando?
Disse o guarda.
O bêbado insistiu tanto que o guarda mesmo
contrariado resolveu acompanha-lo. Chegando pró-
ximo ao muro do cemitério o guarda ia dizer alguma
coisa, mas o bêbado pediu silencio e puseram se a
ouvir.
– Dois pra você e dois pra mim... Dois pra
você e dois pra mim...
Depois de algum tempo a contagem terminou.
– Pronto aqui dentro terminamos! Agora só
falta pegar aqueles dois que esta aí do lado de fora!
Ouvindo isso o guarda e o bêbado saíram em dispa-
rada.
Contos Para Rir e Assustar
94
Um Sorriso Vampiresco
Um forasteiro com uma aparência vampi-
resca chegou à pequena cidade e logo tudo mundo
comentava.
– Que sujeito esquisito parece um vampiro,
disse um morador.
– Deixa de falar besteiras. Vampiros não exis-
tem. Respondeu o outro.
O sujeito ficou hospedado em um hotelzinho
da cidade e logo virou comentário de todos. Ele ficou
entusiasmado com a beleza da moça da lanchonete
que por sua vez se deixou influenciar pelos comentá-
rios maldosos dos outros e passou a acreditar que o
sujeito era mesmo um vampiro. E resolveu se preca-
ver ao ver o sujeito entrar na lanchonete e olhar para
ela com aquele sorriso desajeitado e aqueles dentes
irregulares e suas presas enormes.
Pensou logo: – É um vampiro mesmo! Não há
duvida... O sujeito sentou-se a mesa e fez lhe um
sinal, sem alternativa ela se aproximou para atendê-
lo. O sujeito pediu um refrigerante e alguns salgados
para saciar a fome. A moça trouxe o refrigerante e
apresou a lhe preparar duas coxinhas e um pastel
conforma a escolha dele.
Se ele era um vampiro então ela era o sangue
mais doce que ele havia cheirado naqueles últimos
anos. Ele nunca imaginou que um cheiro assim pu-
desse existir. Se ele soubesse que existia, ele já teria
saído procurando há muito tempo. Ele teria vascu-
lhado o planeta por ela. Ele podia imaginar o sabor...
Carlos Casturino Rodrigues
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– Trouxe-lhe primeiro o pastel que pediu e
peço-lhe um tempinho para prepara lhe as coxinhas.
Argumentando que acabara de servir as ultimas para
outro cliente.
– Tudo bem! Mas eu posso escolher algo que
já esteja pronto e poupar-lhe o trabalho. Disse-lhe o
sujeito enquanto comia o pastel seguido de uma go-
lada do refrigerante e lhe sorriu novamente. Ela se
afastou desconfiada enquanto respondia.
– Não é trabalho nenhum moço eu faço ques-
tão de preparar, é rapidinho. Ele com a intenção de
agradá-la concordou.
– Obrigado moça! Você além de bonita é
muito gentil... Enquanto preparava a coxinha o ob-
servava com desconfiança e ele continuava a lhe sor-
rir então ela teve a infeliz ideia de rechear uma das
coxinhas com uma pedra.
Ao retornar com as coxinhas sobre uma ban-
deja, ela cuidadosamente serviu uma e manteve a
outra na bandeja lhe dizendo experimente primeiro
para ver se está do seu gosto, se não estiver eu tento
fazer melhor. Ele então experimentou e disse.
– Esta divinamente saborosa e novamente
deu-lhe um largo sorriso que a deixou apavorada. Ela
deixou a outra e saiu apressada e lá de longe ficou a
observá-lo e ele vice versa. Ele então terminou de
comer a primeira e partiu para a segunda. Ela já meio
arrependida, mas agora já tinha feito e não teria co-
mo voltar atrás, pensou e agora o que faço olhou a
porta dos fundos graças a deus estava aberta então
olhou ao sujeito. Ele pegou aquela coxinha e sempre
com o sorriso assustador levou a boca. Deu uma
Contos Para Rir e Assustar
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grande mordida seguida de um grito estarrecedor. Ela
saiu em disparada fugindo pela porta dos fundos en-
quanto o proprietário corria em socorro do sujeito
desdentado que segurava o dente quebrado em uma
das mãos e a coxinha recheada com perda na outra.
– Queira perdoar a irresponsabilidade da mi-
nha garçonete. Não nos denuncie, por favor, eu faço
questão de lhe pagar o melhor tratamento dentário.
Ele saiu dali direto para uma clinica odonto-
lógico e a moça reapareceu no dia seguinte para acer-
tar as contas com o patrão saiu dali e nunca mais foi
vista na cidade.
Carlos Casturino Rodrigues
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Um Sujeito Contraditório
Era um sujeito muito contraditório, avarento
e calculista. Gostava de levar vantagem em tudo,
viver bem e gastar pouco. Mesmo que isso causasse
prejuízo a terceiros. Desdenhava a propriedade dos
outros com a finalidade de comprar a preço baixo.
Quando queria vender agregava valores fictícios.
Com isso o seu patrimônio só aumentava. Teve fácil
acesso a boas escolas e concluiu curso superior.
Graças ao enorme esforço de seu pai que tra-
balhou muito para lhe garantir uma educação de qua-
lidade. Devido ao seu egoísmo nunca soube reconhe-
cer o esforço de seu pai. Depois de formado e por
incentivo da família ele fez concurso publico e ocu-
pou um cargo de certa relevância. Muitas vezes faci-
litou a vida de alguém em troca de alguma vantagem.
Fazia vistas grossas a determinado ilícito caso lhe
conviesse. Mas nunca fez nada pra ajudar sua famí-
lia. Geralmente ele julgava mal ajuízo dos outros
apostando na indignidade humana. Quando ouvia a
noticia que alguém sofreu um acidente de trabalho
ele dizia logo.
– Certamente desobedeceu alguma norma de
segurança com a pretensão de ganhar o dinheiro do
seguro e com certeza vai processar o seu emprega-
dor. Acidentes automobilísticos eram por ele inter-
pretados sempre como falha mecânica e caberia pro-
cesso ao responsável. O pobre desempregado era
vagabundo e não queria trabalhar. Se não tem estudo
é por que não quis estudar.
Contos Para Rir e Assustar
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Um dia ele partiu dessa para melhor, o sujeito
chegou à alfândega do além. Estava meio confuso,
mas logo ele compreendeu que aquele era um local
desconhecido, estava ali pela primeira vez. Percebeu
também que levava uma mochila pesada nas costas
aquilo o incomodava então pensou em livrar-se do
fardo. Mas antes que ele conseguisse, ouviu uma voz
potente dizendo.
– O próximo, por favor! Olhou e viu que era
com ele, titubeou um pouco e o chamado se repetiu
agora de maneira mais intimidadora.
– Vamos logo rapaz, esta esperando o que?
Se aproxime de uma vez. Ao que ele se aproximou
timidamente. Olhou para aquele que julgara ser um
alfandegário vestindo um uniforme todo preto.
– Vamos ver o que tem em sua bagagem!
Retire tudo, eu preciso verificar o que você traz aí.
Ao abrir aquela mochila se deparou com vá-
rios objetos que lhe pareciam desconhecidos.
– Mas olha só o que você tem aqui! Exami-
nando o primeiro objeto.
– O que é? Perguntou ele sem entender direito
o que estava acontecendo.
– É avareza... Disse o homem de preto, pe-
gando outros objetos foi enumerando.
– Inveja, racismo, egoísmo, corrupção...
– Mas senhor isso não é meu.
– Não é seu? Então você roubou os pecados
de outro? Esta brincando com a minha cara é rapaz?
– A bem da verdade, eu não me lembro dessa
mochila e o seu conteúdo.
Carlos Casturino Rodrigues
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O homem de preto continuou relacionando os
pecados do recém-chegado que ainda não estava en-
tendendo o que estava acontecendo. Enquanto isso
chegou outro homem ao que lhe pareceu outro funci-
onário da alfândega. Esse outro trajava um uniforme
cinza brilhante e aparentemente bem mais gentil.
– Mas o que é isso Capirôto? Intimidando o
recém-chegado? Perguntou ao homem de uniforme
preto.
– Não. Eu não estou intimidando ninguém!
Estou apenas adiantando o serviço. Já que alguém
não estava em seu posto.
– Você e suas insinuações maldosas! Disse
ele sorrindo.
– É de conhecimento geral. Que eu sou muito
solicitado em toda a terra...
A partir daí aquele clima de confusão na men-
te do recém-chegado do mundo dos vivos. Começou
a clarear então percebeu que estava prestes a ir para o
inferno e talvez aquela fosse a sua ultima chance.
– Desculpe-me interromper senhores! Pelo
que estou entendendo é aqui que será decidido. Se eu
vou para o céu ou para o inferno?
– É isso mesmo! Você é muito inteligente
meu caro rapaz! Disse lhe o homem de uniforme
cinza brilhante.
– Mas pelo que eu estou vendo em sua baga-
gem. A sua situação esta bem difícil! Falou em voz
baixa ao seu pé de orelha.
– O Capirôto está bem ansioso para levá-lo.
Mesmo assim de acordo com a lei. Todos são inocen-
tes ate que se prove o contrario. Dizendo isso se diri-
Contos Para Rir e Assustar
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giu a um grande arquivo abriu uma gaveta e retirou
um livro. – Este é o seu livro da vida, disse-lhe.
– Pra que consultar este livro? O que ele traz
em sua bagagem já é suficiente. Disse o homem de
preto.
– Olha meu caro rapaz! Eu não gostaria, mas
vou ter que admitir. Não vejo nada que tenha feito
pra merecer a sua entrada no céu?
– Como assim? Eu facilitei a vida de muita
gente quando trabalhei no serviço publico.
– Claro! Sempre em troca de propina, e isso o
levaria ao inferno. Ao ouvir aquilo olhou atemoriza-
do para o homem de preto, que lhe retribuiu o olhar
com um sorriso intimidador.
– Diga-me pelo menos uma coisa boa que
tenha feito, em beneficio de teu semelhante que não
tenha sido pensando em levar alguma vantagem. Ele
pensou um pouco e disse.
– Estou lembrando uma. Certa vez eu passava
por uma rua deserta a noite e uma gangue de moto-
queiros estava tentando violentar uma jovem. Eu
consegui impedir. Quando vi aquilo foi num impulso
eu reagi e a moça conseguiu fugir e se safou.
– É mesmo? E como foi isso? Perguntou o
São Pedro.
– Eu fui pra cima do líder. Era um sujeito
grandão com uma barba estranha. Uma corrente pre-
sa na orelha direita e a outra ponta da corrente presa
no nariz. Eu arranquei com força a corrente dele. Os
outros largaram a moça e vieram todos pra cima de
mim. E eu corajosamente os enfrentei.
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– É mesmo? E quando foi isso? Perguntou o
São Pedro. Acho que foi mais ou menos há uns cinco
minutos, respondeu.