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Texto do Carlos Walter
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A GEOGRAFICIDADE DO SOCIAL: UMA CONTRIBUIO PARA O DEBATE METODOLGICO PARA OS ESTUDOS
DE CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMRICA LATINA1
Dr. Carlos Walter Porto-Gonalves2
Resumo: Uma das maiores dificuldades para os trabalhos de investigao de natureza interdisciplinar superar a prpria linguagem que nos constituiu enquanto comunidades especficas de conhecimento como a Geografia, a Antropologia, a Politologia, a Sociologia, a Economia e demais. Na constituio desses diferentes territrios de conhecimento conformaram-se verdadeiras barreiras alfandegrias com seus territrios de poder enquanto tais. Da a importncia dos trabalhos que se colocam para alm das disciplinaridades institudas. Observe-se que importantes contribuies tericas para a compreenso dos processos sociais foram dadas por intelectuais que, a rigor, no cabem nessa diviso do trabalho cientfico, como Marx e Engels, Antonio Gramsci, Paulo Freire, Maritegui, entre tantos e muitos outros, at porque, parafraseando o prprio Marx, esses intelectuais no estavam simplesmente interpretando o mundo, mas tentando transform-lo.
Palavras-Chave: TRABALHO INTERDISCIPLINAR; GEOGRAFIA; MOVIMENTOS SOCIAIS
1 Trabalho apresentado no Seminrio Internacional Conflicto Social, Militarizacin y Democracia en Amrica latina nuevos problemas y desafos para los estrudios sobre conflicto y paz en la regin, realizado em Buenos Aires, Aregentina entre 16 e 18 de setembro de 2002 pelo Consejo Latinoamericano de iencias Sociales Clacso e Agencia Sueca de Desarrollo Internacional Asdi.
2 Coordenador do Programa de Ps-graduao em Geografia da Universidade Federal Fluminense (Rio
de Janeiro, Brasil). autor de diversos artigos e livros publicados em revistas cientficas nacionais e internacionais, sendo os mais recentes: - Geo-grafas: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentabilidad, ed. Siglo XXI, Mxico, 2001; Amaznia, Amaznias, ed. Contexto, So Paulo, 2001; Da Geografia s Geo-grafias: um mundo em busca de novas territorialidades - captulo do livro La guerra Infinita: hegemona y terror mundial Sader, E. e Cecea, Ana Esther (orgs.), Clacso, Buenos Aires 2002. Ex-presidente da Associao dos Gegrafos Brasileiros AGB (1998-2000).
Revista Eletrnica da Associao dos Gegrafos Brasileiros Seo Trs Lagoas Trs Lagoas - MS, V 1 n. 3 ano 3, Maio de 2006
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LA GEOGRAFICIDADE DEL SOCIAL: UNA CONTRIBUCIN PARA EL DEBATE METODOLGICO PARA LOS ESTUDIOS DE CONFLICTOS Y
MOVIMIENTOS SOCIALES EN LA AMRICA LATINA
Resumen: Una de las mayores dificultades para los trabajos de investigacin de naturaleza interdisciplinaria es superar la propia lenguaje que nos constituy cuando comunidades especficas de conocimiento como la Geografa, la Antropologa, la Politologa, la Sociologa, la Economa y dems. En la constitucin de esos territorios de conocimiento se conformaron verdaderas barreras aduaneras con sus territorios de poder. De ah ven la importancia de los trabajos que se colocan all de las disciplinas instituidas. Se observe que importantes contribuciones tericas para la comprensin de los procesos sociales fueron dadas por intelectuales que, a rigor, no caben en esa divisin del trabajo cientfico, como Marx e Engels, Antonio Gramsci, Paulo Freire, Maritegui, entre tantos y muchos otros, ya que, parafraseando el propio Marx, esos intelectuales no estaban simplemente interpretando el mundo, pero intentando transformarlo.
Palavras-claves: TRABAJO INTERDICIPLINAR; GEOGRAFA; MOVIMENTOS SOCIALES
ALGUMAS ADVERTNCIAS PRELIMINARES ACERCA DO TRABALHO INTERDISCIPLINAR
Uma das maiores dificuldades para os trabalhos de investigao de natureza
interdisciplinar superar a prpria linguagem que nos constituiu enquanto comunidades
especficas de conhecimento como a Geografia, a Antropologia, a Politologia, a
Sociologia, a Economia e demais. Na constituio desses diferentes territrios de
conhecimento conformaram-se verdadeiras barreiras alfandegrias com seus
territrios de poder enquanto tais. O Positivismo cuidou que cada fronteira, com a rea
especfica de seu objeto de estudo, fosse delimitada de modo mais preciso e rigidamente possvel. Vrios autores (Santiago Castro-Gmez, Anbal Quijano, Edgardo Lander, Carlos Walter Porto-Gonalves entre tantos outros) vm destacando que as
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cincias sociais so institudas por e instituintes da sociedade contempornea3 e,
assim, a superao da diviso do trabalho cientfico, tal como ela se apresenta, faz
parte da luta pela superao das contradies dessa mesma sociedade. Da a
importncia dos trabalhos que se colocam para alm das disciplinaridades institudas.
Observe-se que importantes contribuies tericas para a compreenso dos processos
sociais foram dadas por intelectuais que, a rigor, no cabem nessa diviso do trabalho
cientfico, como Marx e Engels, Antonio Gramsci, Paulo Freire, Maritegui, entre tantos
e muitos outros, at porque, parafraseando o prprio Marx, esses intelectuais no
estavam simplesmente interpretando o mundo, mas tentando transform-lo.
O que se procura aqui, considerando essas dificuldades e essas possibilidades,
contribuir para uma aproximao comum das cincias sociais desde a geografia.
DA GEOGRAFICIDADE DO SOCIAL
H razes historicamente compreensveis para a recusa de um dilogo mais
prximo entre a Geografia e as cincias sociais em sentido estrito, sobretudo para os
cientistas do social que se colocam de um ponto de vista crtico. Embora o
determinismo naturalista no seja uma inveno propriamente dos gegrafos, vide Montesquieu, encontrou na geografia um campo onde germinou to amplamente que o
que era inicialmente determinismo naturalista tornou-se, com o tempo, determinismo
geogrfico. Essa reduo naturalista tem sido um dos principais obstculos ao
3 Limite entre saberes, limite entre disciplinas, limite entre pases. Por todo lado se fala que os limites j
no so rgidos, que os entes j no so to claros, distintos e definidos como recomendara Ren Descartes. Cada vez mais se fala de empresas internacionais, ou transnacionais ou multinacionais, assim como se fala de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade ou multidisciplinaridade. Enfim, por todo lado so usados os prefixos inter, trans ou multi indicando que as fronteiras, sejam elas epistmicas, sociolgicas ou geogrfico-polticas, se que podemos separ-las, so mais porosas do que se acreditava (Porto-Gonalves, C. W., 2002 - Da Geografa s Geo-grafias um mundo em
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necessrio dilogo entre essas disciplinas. H outros, claro, como o privilgio dado ao
tempo em relao ao espao na tradio do pensamento ocidental que colonizou
coraes e mentes4, assim como a instrumentalizao do saber geogrfico pelo
colonialismo e pelo imperialismo por meio da geopoltica.
Vrias foram as conseqncias desse divrcio entre a geografia e as cincias
sociais, entre os quais destaco, por sua importncia nas questes que hoje se apresentam para superar os impasses tericos e polticos que atravessamos: 1- no
termos conseguido dar uma soluo adequada ao significado da natureza no devir
social, prisioneiros que ficamos de um pensamento eurocntrico onde natureza e
sociedade so termos que se excluem reciprocamente ou so pensados numa relao
de causalidade unilateral seja da natureza para a sociedade (naturalismo), seja da sociedade para a natureza (antropocentrismo) e; 2- ignorarmos a dimenso espacial, na sua materialidade historicamente constituda. Enfim, no consideramos devidamente a
geograficidade do social.
Essa geograficidade deve comear, portanto, considerando o espao geogrfico
enquanto dimenso constitutiva do social, recuperando, inclusive mas no
exclusivamente, a natureza no corpo da anlise sociolgica (Fernando Coronil, 1991 e 2000; H. Lefebvre). A recuperao do espao geogrfico e da natureza na anlise social deve, todavia, considerar todo o legado crtico das cincias sociais ao
naturalismo bem caracterstico do darwinismo social de corte spenceriano, inclusive nas
busca de novas territorialidades in La Guerra Infinita; hegemona y terror mundial, CECEA, A . E. e SADER, E. , (org.), Clacso, Buenos Aires, 2002.
4 - Vide Porto-Gonalves, C.W. Da Geografia s geo-grafas; um mundo em busca de novas
territorialidades, in Sader, E. y Cecea, A . E. (compiladores) La Guerra Infinita: Hegemona y terror Mundial, Clacso, Buenos Aires, 2002.
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suas atualizaes mais recentes, como a sociobiologia. Assim, acautelemo-nos, o
esforo necessrio para recuperar a natureza e o espao geogrfico5 na anlise social
deve se manter longe de qualquer reduo naturalista.
Partimos do pressuposto de que no existe sociedade a-geogrfica assim como
no existe espao geogrfico a-histrico. Assim como todo o espao geogrfico est
impregnado de historicidade, a histria est, sempre, impregnada de geograficidade. A
expresso, por certo, causa um certo estranhamento, embora seja natural dizer-se que o espao que vivemos est impregnado de histria. como se fosse natural falar da historicidade do espao geogrfico e no de uma geograficidade da histria.
Poderamos, guisa de provocao epistemolgica, afirmar que se a histria se faz
geografia porque, de alguma forma, a geografia uma necessidade histrica e,
assim, uma condio de sua existncia que, como tal, exerce uma coao que, aqui,
deve ser tomada ao p da letra, ou seja, como algo que co-age, que age com, co-agente (Porto-Gonalves, 2002). Afinal, o espao geogrfico constitudo pela relao que os diferentes seres estabelecem entre si na sua materialidade.
A centralidade que a espcie humana adquire na conformao do espao
geogrfico decorre, entre outras razes, desse atributo natural de a espcie humana
ser a natureza tomando conscincia de si prpria. Somos, assim, uma corporeidade
que existimos por meio da imaginao, do imaginrio, da representao, animal
simblico que somos. A geograficidade uma dimenso necessria de toda
sociedade. preciso considerar toda a riqueza dessa expresso na medida que se
5 - Que no se reduz natureza como, freqentemente, os cientistas sociais associam.
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trata de Pensar el espacio en trminos que integren su significado socialmente
construido con sus propiedades formales y materiales (Coronil, 1991, p.28).
Toda sociedade um modo prprio de estar-junto (proxemia) e esse estar-junto , ao mesmo tempo, simblico e material. Nomear e Fazer so atributos distintos, mas
indissociveis, de nossa espcie. No entanto, h a possibilidade, sempre presente, de
se falar (nomear) sobre o mundo como se no fssemos do mundo, desse mundo. A relao com os demais seres da natureza uma condio de existncia de toda
sociedade e nenhuma sociedade animal, inclusive a humana, pode prescindir dessa
condicionalidade. Nossas limitaes biolgicas6, como a de dependermos de estruturas
de proteo primrias, como a famlia, at que possamos ganhar maior autonomia que,
diga-se de passagem, nunca absoluta, nos faz sermos sociais, e o fazemos enquanto
espcie humana de um modo sempre prprio, diferente, mesmo sendo da mesma
espcie biolgica. Diferena radical que faz da diversidade sociocultural um dos
maiores atributos da espcie humana e, pode-se dizer, patrimnio da humanidade
enquanto tal.
A geografia ganha aqui uma qualidade importante na medida que a diferena,
esses diferentes modos prprios de estar-juntos - diferentes modos de nomear/fazer - investem o mundo de significaes, emprestam sentido vida, sem o que o mundo no
mundo. A espcie humana no s bebe gua como diz gua, ritualiza-a, sacraliza-a,
idolatra-a, estetiza-a, cientifiza-a. Nossa corporeidade biolgica nos impele a buscar
6 - O reducionismo naturalista tem-nos impedido de buscar uma anlise mais complexa entre o biolgico e
o social. A vida, no seu sentido estritamente biolgico implica, sempre, abertura; implica, sempre, a existncia de poros por onde se vai buscar o alimento, a inspirao. Todo ser vivo autnomo e dependente e a sociedade humana sendo constituda por um ser biolgico que se faz por meio da
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fora de ns mesmos o alimento, inclusive a gua. Deste modo, o trabalho, o fazer, se
impe, embora no faamos a gua, o ar, a terra, o fogo sem os quais no somos, no
vivemos. A palavra gua no sacia a sede, assim como o conhecimento cientfico-
tecnolgico, ou qualquer outro conhecimento, no faz o petrleo, o carvo, a gua, a
fotossntese7.
A materialidade do espao geogrfico , sempre, sign-ificada, de-sign-ada, posto
que , sempre, apropriada, at mesmo pela palavra. Os homens s se apropriam do
que faz sentido para suas vidas e esse sentido , sempre, criao social, e no das
coisas em si e por si mesmas. Afinal, dar nomes prprios j se apropriar e, assim, partilhar em comum um espao de existncia, um espao de significaes, uma
comunidade de destino. O que se oferece apropriao o espao-que-a-est -
implica que haja uma ao no sentido de se apropriar dele que, por sua vez, depende da correlao de foras entre os agentes. No olvidemos que o espao-que-a-est
enquanto espao objetivado habitat - est, tambm, in-corpo-rado habitando os corpos de cada um e de todos habitus (Bourdieu, 1989).
Deste modo, admissvel que uma sociedade que constitui suas relaes por
meio do racismo, tenha em sua geografia lugares e espaos com as marcas dessa
distino social: no caso brasileiro, a populao negra francamente majoritria nos presdios e absolutamente minoritria nas universidades; se uma sociedade se constitui
com base em relaes de gnero assimtricas, os diferentes gneros no freqentaro
cultura (Fazer/Nomear) nem por isso deixa de ser biolgico, embora no seja a dimenso biolgica que faa a cultura.
7 - Caso o conhecimento cientfico e tecnolgico dos Estados Unidos, por exemplo, fosse suficiente para
gerar o carvo ou o petrleo o faria em seu prprio territrio e, assim, o Oriente Mdio, a sia Central ou a Amrica Latina no teriam a importncia que tm na geopoltica mundial. Deste modo, a fora
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os mesmos espaos da mesma forma: as mulheres sabem, numa sociedade machista,
que no podem freqentar qualquer lugar da cidade a qualquer hora do dia; se uma
sociedade se constitui a partir de relaes de produo que canalizam o excedente
(que bem pode ser a mais valia) para um dos plos da relao, sua geografia acusar bairros ricos e bairros pobres ou pases pobres e pases ricos. importante assinalar que essas diferentes configuraes espaciais se constituem em espaos de
conformao das subjetividades de cada qual. Enfim, h toda uma srie de sujeitos sociais cuja compreenso da sua prpria
natureza sociolgica implica considerar o espao e a natureza os camponeses, os
indgenas, os afrodescendentes (com seus palenques, na Colmbia, Panam e na Venezuela, e seus quilombos no Brasil), os ecologistas, os moradores, os jovens-da-periferia (hip hop8), para no dizer do prprio operariado, cuja constituio enquanto classe social teve muito a ver com os bairros proletrios enquanto espaos de
conformao da subjetividade9. O prprio Estado Moderno pressupe o espao geogrfico por meio do territrio.
SOCIEDADE E () TERRITRIO
militar que se coloca como to necessria para o controle daquilo que no fazem a melhor expresso da limitao daqueles que mostram a fora militar.
8 - O jovens que constituem o movimento hip hop produzem um deslocamento da violncia direta das
gangues das periferias urbanas para um sentido esttico com o rap, o break e o grafite entre outras prticas que os caracterizam.
9 - Porto-Gonalves, C.W. Geografando Nos Varadouros do Mundo (Da Territorialidade Seringalista
Territorialidade Seringueira) Tese de Doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, 1998.
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Sociedade e espao no so dimenses que se excluem ou que se precedem
lgica ou ontologicamente. Uma sociedade no se organiza primeiro para depois
constituir o seu espao geogrfico ou vice-versa. Toda sociedade ao se constituir
enquanto tal constitui seu espao geogrfico e este
Es tanto el producto de, como la condicin de possibilidad de las relaciones sociales. Como una relacin social, el espacio es tambin una relacin natural entre sociedad y naturaleza a travs de la cual la sociedad mientras se produce a s mesma transforma y se apropia de la naturaleza (Coronil, 1991, p.28).
Toda sociedade ao se constituir a si mesma constitui seu espao conformando,
assim, seu territrio. Deste modo, o territrio no uma substncia externa, nem
tampouco uma base sobre a qual a sociedade se erige, como queria Hegel. Ao
contrrio, o territrio constitudo pela sociedade no prprio processo em que tece o
conjunto das suas relaes sociais e de poder10. Assim, preciso considerar, sempre, a trade - Territrio, Territorialidade e
Territorializao. Um mesmo espao apropriado e constitudo por uma determinada
sociedade contm, sempre, territorialidades distintas11.
Antonio Gramsci, em seu seminal artigo A Questo Meridional, desenvolveu o
conceito de bloco histrico tendo um claro sentido geogrfico ou, se se preferir,
regional, e melhor seria cham-lo blocos regionais (historicamente construdos) de poder, para compreender a formao do Estado Italiano a partir da aliana entre o
Bloco Histrico (de poder) do Norte e o Bloco Histrico (de poder) do Sul, numa
10 - E aqui deveremos ser capazes de considerar as mltiplas fontes desse conceito jurdico-poltica,
antropolgica, biolgica e geogrfica. 11 - Ver Porto-Gonalves, C. W. Geo-grafas: movimientos sociales, nuevas territorialidades y
sustentabilidad, Siglo XXI, Mxico, 2001.
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circunstncia histrica particular da histria geogrfica italiana. O Estado, observe-se,
no um ente superestrutural que prescinde de um territrio.
A dimenso territorial salta vista nos dias que correm, exatamente quando se
v que o Estado (territorial) entra em processo de redefinio com o realinhamento dos diferentes grupos/classes/estamentos que se fizerem por meio dessa territorialidade
que o Estado Nacional. Anbal Quijano (Quijano, 2000) tem chamado a ateno para o fato de que hoje estamos diante de Estados que se des-nacionalizam e se des-democratizam12, sobretudo na Amrica Latina, ao serem capturados por
setores/grupos/classes que se fazem por meio de uma outra territorialidade que no o
Estado-Nao nesta quadra histrica onde se constitui um novo padro de poder
mundial (Imprio/Imperialismo). interessante observarmos as anlises que Quijano faz dos Estados na Amrica
Latina e Caribe onde destaca que, desde o incio, os elementos da colonialidade se
mantiveram mesmo com o fim do colonialismo, na medida que uma minoria branca
que controla o poder no interior das diferentes formaes dos estados nacionais. Mais
interessante ainda quando verificamos, ainda em companhia de Anibal Quijano, que aps um curto perodo de ampliao da participao de outros e maiores setores da
sociedade, entre 1930 a 1970 (com as variaes anteriores da Argentina, Uruguai e Chile), se v, nos anos 80 e 90 o Estado ser capturado por uma nova configurao de poder mundial quando passam a ser desterritorializados e comandados cada vez mais
por uma dinmica ditada por uma outra territorialidade (Imprio/Imperialismo) o que
12 - Aqui sutil a observao de Quijano pois o des-nacionalizar indica que estamos diante de Estados
que voltam a costas s suas populaes, sobretudo a grandes parcelar dos que vivem de seu prprio trabalho.
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quer dizer por setores/classes/estamentos/grupos que se fazem por meio de outra
territorialidade que no o Estado-Nao. Mais interessante ainda observar que essa
des-nacionalizao, essa des-democratizao, vem ensejando a emergncia cena poltica exatamente daqueles setores que, desde sempre, ficaram margem da
formao dos Estados: os indgenas (os mapuches, no Chile), no Equador e no Brasil; os indgeno-campesinos na Colmbia (Floro Tunubal, governador eleito em Cauca), os zapatistas no Mxico, na Bolvia (a luta contra a capitalizao da gua em Cochabamba e a luta dos cocaleros no Xapare cujo ciclo de lutas proporcionou, pela primeira vez, que um indgena campons, Evo Morales, se destacasse numa eleio presidencial); os camponeses, como o caso do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
do Brasil MST- e no Equador; os afrodescendentes com seus palenques na Colmbia
(Pacfico Sul) ou com os quilombos no Brasil, agora reconhecidos com direito territorialidade nas Cartas Magnas desses dois pases.
O ESPAO: CONDIO PARA A COMPREENSO DO SISTEMA-MUNDO MODERNO-COLONIAL
A dimenso espacial fundamental, ainda, para uma boa caracterizao do
sistema-mundo moderno-colonial (I. Wallesrtein, Anbal Quijano, Edgardo Lander, Enrique Dussel, Fernando Coronil, Santiago-Gmez, Walter Mignolo, Catherine Walsh
entre outros), assim como o papel que a natureza joga na constituio desse mesmo mundo moderno-colonial.
Afinal, a Europa s se afirma como centro geopoltico e cultural do mundo
moderno a partir da constituio da Amrica enquanto periferia colonial (1492) com seu
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ouro e sua prata; com sua tropicalidade, condio natural favorvel, mas no suficiente,
sabemos, para o plantio da cana, do cacau, do algodo, do caf, da banana, ou para a
coleta da canela, da borracha, do caucho; e, ainda por meio do brao escravo
modernamente implantado ou por meio da servido indgena modernamente
direcionada para atender aos ditames de acumulao de capital do conquistador.
preciso considerar os dois lados dessa geografia que constitui o sistema-mundo moderno-colonial e, definitivamente, abandonarmos a idia de uma
Modernidade que se constituiu isoladamente na Europa sem que se considere o papel
que a Amrica, enquanto colnia, teve na constituio do que se viria ser chamado e,
paradoxalmente idolatrado, Modernidade.
A Modernidade se constitui no mesmo movimento que constitui a colonialidade.
Assim, preciso romper com o evolucionismo eurocntrico que v cada lugar do mundo
como se fra um determinado estgio da evoluo europia, o que s possvel a
partir de uma perspectiva terica que toma o tempo como algo linear (o europeu) e ignora o espao, enfim, uma perspectiva terica que pensa a sucesso de eventos
numa linha temporal unidirecional e ignora a simultaneidade constitutiva da histria
(espao-tempo). Pensar com o espao implica admitir mltiplas temporalidades convivendo simultaneamente. Sem considerar o espao geogrfico e a natureza, a
clivagem constitutiva do sistema-mundo moderno-colonial desaparece e o mundo
europeu emerge como se fra por auto-gerao e fruto de uma presumida
superioridade, cuja legitimao sempre corre o risco de cair no racismo.
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O mundo no simplesmente um conjunto de regies atrasadas (pelo relgio de quem?) espera que chegue a modernizao, como se o plo moderno (Europa) fosse o lado ativo e o resto do mundo o lado passivo do devir histrico13.
A Europa no se constituiria como plo hegemnico do mundo sem a Amrica,
insistimos. Nos sculos XVI e XVII, por exemplo, no existia na Europa nenhuma
manufatura que se comparasse s existentes no Brasil (os engenhos de acar, por exemplo) e, assim, o desenvolvimento da manufatura deveria ser buscado aqui mesmo na Amrica e no na Europa como etnocentricamente se faz14. Se essas manufaturas
no foram capazes de gerar sociedades mais justas e auto-sustentveis no foi por no ter um elevado nvel de desenvolvimento tecnolgico, mas sim pelo carter colonial
inerente modernidade que aqui se implantava. Quando da Segunda Revoluo
Industrial em finais do sculo XIX o boom da explorao do ltex - goma elstica
amplamente empregada na fabricao de correias de transmisso nas mquinas, de
batentes, de encapamentos de fios eltricos que tanto propiciaram a expanso das
comunicaes e da transmisso de energia, alm de ser utilizada na fabricao de
pneumticos fez com que se desenvolvesse na Amaznia brasileira, colombiana e
boliviana o fenmeno que, no Brasil, ficou conhecido como correria prtica de correr
13 - Se a conquista da Amrica no tivesse nenhum sentido para a Europa a prpria colonizao no teria
existido. Afinal, no tem sentido dominar o que no tem importncia. Assim, o primado do dominado se revela com toda intensidade como constitutivo da prpria relao de dominao que s existe por meio daquilo que nega.
14 - Evito aqui comparar o que se passava na Europa com outras matrizes de racionalidade, como a Inca,
a Maia, a Asteca, a Zapoteca, a Ashanti, a Guarani, a dos Bantos at porque sendo outras no se prestam a comparaes. Considerando que o projeto moderno foi, desde o incio, colonial, posso comparar o grau de desenvolvimento desigual entre a Europa e a Amrica posto que se trata de nveis distintos do mesmo. O que surpreende aqui que o grau maior de desenvolvimento tecnolgico estivesse aqui, na Amrica, e no na Europa. O mesmo pode ser dito do atual processo de expanso (diz-se modernizao!) do cultivo de soja pelos cerrados do Planalto Central brasileiro, como se fra uma grande novidade. A explorao sempre foi moderna e isso que a ideologia da modernizao esconde.
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atrs dos indgenas para mat-los e, assim, dominar seus territrios para produzir ltex.
Assim, a modernidade que se afirmava na Europa e nos Estados Unidos se fez com a
colonialidade da opresso e da explorao e, mesmo, massacre daqueles cujo nico pecado era o de serem diferentes e habitarem um territrio que detinha recursos sem
os quais a Europa e os Estados Unidos no seriam o que so. A velocidade das
mquinas tornada possvel pela goma elstica com suas correias de transmisso e
batentes era acompanhada de uma outra correria que no era veiculada pelos meios de
comunicao que, tambm, se ampliavam a partir da utilizao do ltex enquanto
suporte material das transmisses 15. Isso tudo j deveria estar suficientemente admitido para que no mais considerssemos, como ainda se faz, que o
desenvolvimento tecnolgico gera necessariamente bem estar para a humanidade
como um todo (tecnocentrismo). No nos esqueamos, tambm, que o racismo e a escravido foram criaes
modernas que geraram riqueza para um dos plos do mundo moderno-colonial, a
Europa, e misria e sofrimento para a Amrica, frica e sia. No h como querer ficar s com o lado bom da modernidade, olvidando-se do seu contrrio historicamente
necessrio, a colonialidade que, como bem salienta Anbal Quijano, pode muito bem sobreviver ao colonialismo16.
15 - Para aqueles que acham que isso era um problema amaznico recomendo que assistam ao filme
Indochina. 16
- o que se v, por exemplo, na ideologia dos que querem ser primeiro mundo, dos que querem ser desenvolvidos, cujo modelo vem sempre se fora . (Des) envolvidos o que so.
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GEOGRAFIA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Independentemente das razes que muitos tericos tentam a priori estabelecer
para compreender a(s) lgica(s) inscritas nos processos sociais, os conflitos expressam a dialtica aberta dos processos instituintes. Consider-los, assim, como contradio
em estado prtico, um primeiro passo terico-metodolgico que, ao recusar qualquer
lgica a priori, seja do capital, seja do que quer que seja, aceita o carter instituinte das possveis ordens sociais inscritas no magma de significaes imaginrias (Castoriadis, 1982). A conflitividade se revelaria, assim, rica de possibilidades tericas e, porque no dizer, polticas. nela que as bifurcaes possveis se tornam reais ou no.
freqente o uso de metforas topolgicas (espaciais) nas cincias sociais base e superestrutura; os de cima e os de baixo; centro e periferia; classe social
como lugar que o indivduo ocupa diante dos meios de produo17; relaes Norte-Sul
indicando que as relaes sociais so, tambm, relaes de poder. O mesmo se pode
observar na linguagem dos prprios movimentos sociais onde, quase sempre,
reivindicam ocupar mais espaos.
Deste modo, devemos considerar com mais ateno o lugar e o espao (em suas diferentes escalas - local, regional, nacional, global) onde ocorre um determinado conflito, ali onde uma determinada luta social pe frente a frente dois ou mais
17 - No aqui o lugar mais adequado para demonstrar que o lugares no esto l para serem ocupados
como se fossem anteriores e exteriores s relaes sociais, conforme se poderia depreender da definio de classes sociais acima indicada. por meio das lutas/das relaes sociais que os lugares e as classes se constituem. Anibal Quijano, numa passagem genial, diz que os camponeses esto se classi-ficando, ao caracterizar o perodo atual das lutas camponeses na Amrica Latina. Quijano, Anbal Los movimientos campesinos contemporneos en Amrica Latina, Revista OSAL, n 02, Set. 2000; 171-180, Buenos Aires. Vide tambm, Porto-Gonalves, C.W. Geografando, nos varadouros do
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protagonistas sociais. Afinal, o lugar , ele mesmo, constitudo por essas relaes
(lutas) e a sociedade se constitui, constituindo seus lugares. Observemos que fronteira deriva de front, expresso do campo militar que significa um espao que ainda est
sendo objeto de luta nos limites espaciais de duas foras em confronto aberto por afirmar seu controle. Definido quem controla o front este se transforma em fronteira que,
depois, passa a ser naturalizada. Da dizer-se que o rio Grande faz a fronteira entre os
Estados Unidos e o Mxico; que o rio Paraguai separa a Bolvia do Brasil e por a vai.
Nenhum rio separa coisa alguma, na verdade, une. A palavra fronteira tem como raiz
front que indica que por trs das fronteiras sempre est a poltica, seja por meios diplomticos, seja por meio da guerra,
Os movimentos sociais adquirem, no contexto terico que abraamos, um lugar
de altssima relevncia por trazerem luz, com sua prpria existncia, no s as
contradies inscritas no espao-tempo como, tambm, os possveis inscritos nessa
prpria realidade (Santos, 1996). Afinal, a realidade constituda no s pelo que , mas tambm, pelo que pode ser e, por alguma razo, est impedido de ser.
Sendo assim, todo movimento social portador, em algum grau, de uma nova
ordem que, como tal, pressupe novas posies, novas relaes, sempre socialmente
institudas, entre lugares. por isso que o pensamento conservador, isto , aquele que quer conservar a ordem social, chama aos movimentos sociais de desordeiros,
procurando assimilar a contestao da ordem que querem manter (da sua ordem) desordem. Freqentemente chama-se de baderneiros aqueles que se movimentam
buscando outras relaes dos homens e mulheres entre si por meio das coisas.
mundo da territorialidade seringalista territorialidade seringueira, Tese de Doutorado em
21
Procura-se, assim, desenvolver estratgias discursivas de criminalizao dos que
contestam a (sua) ordem como se s houvesse uma ordem possvel a sua. Assim, a dialtica entre o ser e o dever ser se instaura no como categoria
abstrata, mas no cho concreto das lutas sociais, nas lutas sociais. Afinal, toda(o) aquela(e) que se sente oprimido ou explorado diz querer mais espao - as mulheres querem mais espao; os negros querem mais espao; os sem-terra ocupam, isto , se
co-locam; os indgenas querem de-marcar suas terras, na verdade, seus territrios; os
desempregados reinventam as lutas sociais bloqueando estradas, bloqueando a
circulao e, assim, retomando seu lugar no espao geral da produo da sociedade,
eles que foram deslocados (desplazados) dos lugares fixos de produo (fbricas, lojas, escritrios, das fazendas...). Enfim, os diferentes movimentos sociais re-significam o espao e, assim, com novos signos grafam a terra, geografam, reinventando a
sociedade. A Geografia, deste modo, de substantivo se transforma em verbo ato de
marcar a terra.
possvel, deste modo, construirmos uma teoria geogrfica dos movimentos sociais levando em conta a experincia dos homens e mulheres de carne e osso
(Thompson, 1983) que atravs das suas lutas esperam mudar de lugar. Assim, a esperana de construo de uma nova ordem posta no centro do debate da
sociedade contempornea. Afinal, movimento , literalmente, mudana de lugar e,
assim, todo movimento social , de alguma forma, em maior ou menor grau, portador de
uma outra configurao social possvel. Eis uma possibilidade de aproximao da
geografia das cincias sociais.
Geografia-UFRJ, Rio de Janeiro, 1998.
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Cuando un sistema histrico est viviendo su etapa de desarrollo normal, el rango de opciones y alternativas para los actores sociales es bastante limitado. Sin embargo, cuando un sistema histrico se encuentra en su fase de desintegracin, el rango de opciones posible se ampla y las posibilidades de cambio son infinitamente mayores (Lpez Segrera, 2000, p.193).
Quando sabemos que o Observatrio Social da Amrica Latina e Caribe OSAL
- registrou, somente do 1 para o 2o quadrimestre do ano de 2001, um aumento de
cerca de 64% (de 1221 para 2003) nos nmero de conflitos, a assertiva de Francisco Lpez Segrera, assim como as consideraes feitas anteriormente, acabam por ganhar
uma importncia ainda maior na medida que a conflitividade social tende a se tornar
mais aberta. isso que a iniciativa de mltiplos movimentos sociais vm demonstrando, num cenrio poltico incerto, como a quadra que se inicia desde os finais dos anos 80,
sobretudo aps o fim do socialismo real.
No entanto, as possibilidades de superao das enormes desigualdades sociais
que marcam a Amrica Latina s tero oportunidade de ser consistentes se, de fato,
forem capazes de incorporar o prprio conflito enquanto dimenso instituinte da vida
social e, assim, oferecer a oportunidade para que novos protagonistas se faam
presentes na vida poltica. Paradoxalmente, admitir o conflito como tenso criativa
pressupe construir uma cultura de paz por parte dos movimentos sociais, posto que a
lgica da guerra acaba por impor a negao do outro (vide George W. Bush). Para isso fundamental a construo de contra-hegemonias, de uma revoluo de tempo longo,
como possvel imaginar a partir de Antonio Gramsci.
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por todas essas razes que nos vimos estimulados a buscar alternativas metodolgicas que, de alguma forma, possam contribuir para uma aproximao comum
para os estudos dos conflitos e dos movimentos sociais.
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