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Caro 2013 O Behavirorismo Radical e o Modelo de Seleção Por Consequências

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O Behavirorismo Radical e o Modelo de Seleção Por Consequências

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  • O presente captulo integra a dissertao de mestrado

    SISTEMATIZAO DA CRTICA DE SKINNER CULTURA CONTEMPORENA OCIDENTAL

    de Daniel de Moraes Caro, a ser defendida no Programa de Psicologia

    Experimental: anlise do comportamento, provavelmente em junho p.f.

    A reproduo dele foi gentilmente autorizada por Daniel, para efeitos

    estritamente didticos pelos alunos da disciplina Psicologia Educacional II, do

    Programa De Estudos Ps-Graduados em Educao: Psicologia da Educao (1

    semestre de 2013)

    CAPTULO 1

    O BEHAVIORISMO RADICAL E O MODELO DE SELEO POR

    CONSEQUNCIAS

    O objetivo desta pesquisa sistematizar a crtica de Skinner cultura. Para

    tanto, mostra-se necessrio apresentar sob qual filosfica o autor parte para empreender

    suas crticas. O objetivo ltimo deste captulo se resume a isso. Qual a noo de

    homem do BR? Como os eventos do mundo se relacionam de modo a determinar o

    comportamento? Qual a natureza do comportamento? possvel estud-lo? Todas essas

    questes, de cunho filosfico, sero abordadas de modo a situar o horizonte

    epistemolgico sobre o qual a crtica da cultura deve, ou deveria, se escorar. Em ltima

    anlise, portanto, esse captulo identifica os contornos do ponto de partida que subsidiou

    Skinner em fazer sua crtica. Sero esses contornos que serviro de critrio para avaliar

    se a crtica de Skinner mostra-se harmonizada com essa filosofia do BR, ou se, de

    algum modo, os violam.

    De incio, sero apresentados os aspectos centrais da AC e seus pressupostos

    epistemolgicos bsicos; nessa apresentao, o modelo de causalidade selecionista ser

    destacado uma vez que, como ser visto adiante, tal modelo constitui o eixo do sistema

    conceitual da AC. Em seguida, ser mostrado como esse modelo opera em trs nveis: o

    filogentico, o ontogentico e o cultural. Mais do que descrever esses trs nveis de

    seleo, este captulo ir mostrar a articulao entre eles, articulao que s poder ser

  • detectada no horizonte da evoluo do comportamento. Ao apresentar esta evoluo,

    ser salientando que cada nvel que se segue ao outro supera os impasses gestados no

    anterior. A anlise ser concluda com algumas implicaes fundamentais de se assumir

    o modelo de seleo por consequncias na prtica cientfica.

    Uma necessria incurso nos pressupostos filosficos da AC e a relevncia do modelo

    de causalidade selecionista

    De incio, uma distino importante. A AC uma cincia. BR, diferentemente

    da AC, uma filosofia, mais precisamente uma filosofia desta cincia. O que esses

    termos guardam como relao importante que o BR contm uma srie de pressupostos

    filosficos que confere unidade e coerncia ao sistema conceitual da AC: o BR orienta,

    ou deveria orientar, a teoria da AC. Essa filosofia se preocupa em definir com relativa

    preciso qual o objeto da psicologia, qual a sua natureza, sob que dinmicas ele se

    desenvolve, bem como de que maneira estud-lo. Em Sobre o Behaviorismo (1974),

    Skinner abre o livro fazendo alguns comentrios que atestam essa distino:

    O behaviorismo [radical] no a cincia do comportamento

    humano, mas, sim, a filosofia dessa cincia. Algumas questes

    que ele prope so: possvel tal cincia? Pode ela explicar

    cada aspecto do comportamento humano? Que mtodos pode

    empregar? So suas leis to vlidas quanto as da Fsica e da

    Biologia? Proporcionar ela uma tecnologia, e, em caso

    positivo, que papel desempenhar nos assuntos humanos?

    (Skinner, 1974, p.7)

    Respondendo a essas questes de carter filosfico, o BR lana as bases sobre as

    quais a AC ganhar legitimidade para desenvolver seus conceitos. Se o BR

    materialista (isto , defende a idia de que os eventos comportamentais so de natureza

    material), no faz sentido para a AC apelar para conceitos metafsicos; se ele monista,

    no faz sentido ela distinguir eventos mentais de eventos corporais.

    Feita essa distino, passa-se ento s seguintes questes: o que define a AC

    dentro das abordagens da psicologia? Quais so suas marcas distintivas? Responder a

    essas perguntas exige que se resgatem dois aspectos dessa teoria.

  • Primeiro: a AC tem como objeto de estudo o comportamento, entendendo que

    ele constitui a interao entre eventos ambientais (chamados de estmulos) e aes de

    um organismo (chamados de respostas). Como apontam Andery, Micheletto & Srio,

    Nenhum limite metodolgico deve ser imposto aos estmulos e s respostas que

    constituem o comportamento (Andery, Micheletto & Srio, 2007, p.5). Isto , quando

    se diferenciam estmulos - que se definem por eventos ambientais que afetam o

    responder de um organismo - e respostas - caracterizadas por aes de um organismo

    que ocorrem sob controle (sob influncia) de algum ou alguns estmulos -, nada que

    obedea a essas definies deve ser tratado com status terico estranho a tudo aquilo

    que tambm se inclui nessas definies. Traduzindo: uma resposta encoberta no difere

    de uma manifesta a no ser pelo fato de ser mais dificilmente acessvel; estmulos

    privados no tm qualquer especificidade, quando comparados com os pblicos, em seu

    modo de se relacionar com respostas: Em princpio, um organismo est sempre

    respondendo, mesmo quando muito difcil identificar que est ocorrendo uma

    resposta; a facilidade ou dificuldade para identificar a ocorrncia da resposta no

    critrio para falar de sua existncia 1 (Andery, Micheletto & Srio, 2007, p.5). Esse

    primeiro aspecto de significativa relevncia, pois a histria da psicologia marcada

    por posies diferentes quanto a eventos de acessibilidade distintas: muitas abordagens

    da psicologia optaram por tratar eventos internos como de natureza distinta dos

    externos, tendendo a dar primazia causal para os primeiros (posio mentalista). O BR

    no compartilha essa posio: a diferena entre fenmenos comportamentais pblicos e

    privados meramente de acessibilidade, e no de natureza. O que significa dizer que

    esses dois eventos so de mesma natureza? Significa que suas transformaes so

    regidas pelas mesmas relaes de causalidade: relaes essas caractersticas do modelo

    de seleo por conseqncias, que opera na determinao tanto de comportamentos

    privados como de pblicos. Eis o modelo causal que confere sustentao a essa posio

    monista do comportamento humano, e que constitui a segunda marca distintiva que

    orienta a abordagem conceitual da AC, a ser analisado agora com mais mincia.

    Como j antecipado nas ltimas linhas acima, o segundo aspecto distintivo da

    AC a ordenao de seus conceitos a partir de um modo de entender as causas do

    fenmeno que se encarrega de explicar (o comportamento), e que se encontra formulado

    no BR. Esse modelo, o de seleo por conseqncias, confere coerncia a cada conceito

    1 A ltima afirmao dessa citao, com itlico nosso, tambm vlida se forem substitudos os termos

    respostas por estmulos

  • da AC: quando se fala em reforo, em condicionamento operante e respondente,

    discriminao, generalizao, equivalncia de estmulos etc. um modo de enxergar a

    dinmica das transformaes do comportamento estar sempre presente, ainda que

    implicitamente. Tais conceitos s encontram sentido e valor terico se guardarem uma

    relao com o modelo causal selecionista; a razo de existncia de cada termo da teoria

    deve ser relativo a esse modo de compreender as transformaes dos fenmenos

    comportamentais. Andery (1997a) expressa com clareza a importncia desse modelo

    para a AC:

    A perspectiva de uma cincia abrangente do comportamento

    humano, que j teria unidade metodolgica e epistemolgica,

    em seus vrios nveis, pode ser concretizada de maneira mais

    importante a partir do modelo de seleo por conseqncias

    que empresta a esta cincia unidade a partir de seu modelo

    causal. O que torna o comportamento uma coisa a ser estudada

    de um s ponto de vista [...] que o mesmo modelo causal opera

    em todos os eventos comportamentais (Andery, 1997a, p.183).

    Andery, Micheletto & Srio (2007), em consonncia com a argumentao

    apresentada at aqui, afirmam que:

    Podemos dizer que o modelo causal de seleo por

    conseqncias d unidade ao sistema conceitual da anlise do

    comportamento pois:

    A) os conceitos que compem tal sistema ganham um

    sentido especial quando relacionados com o modelo causal de

    seleo por conseqncias; na realidade, a partir dessa

    relao que o significado desses conceitos podem ser

    claramente especificados [...]

    B) todos os conceitos [...] devem estar inseridos nesse

    modelo; a presena de tais processos como constitutivos do

    comportamento do ser humano deve ser ela mesma explicada

    pelas histrias de variao e seleo. (Andery, Micheletto &

    Srio, 2007, p.41)

  • Essas idias atestam a importncia do modelo causal do BR. Outros aspectos que

    sublinhariam a relevncia desse modelo poderiam ser apontados, mas isso no ser feito

    agora. Considera-se necessrio, antes de apontar as implicaes da adoo desse

    modelo de causalidade, descrev-lo, evitando que a argumentao fique vazia de

    justificativas.

    Um modelo de causalidade adotado por uma cincia um modo de enxergar os

    fenmenos que ela estuda no que se refere sua determinao. Trata-se de um modo de

    enxergar as caractersticas de seus objetos, por que elas se apresentam e como elas se

    transformam.

    Para o BR, o comportamento regido pelas relaes expressas no modelo de

    seleo por conseqncias. O nome desse modelo indica os seus dois elementos

    bsicos. Sobre uma variao aleatria, isto , uma variao que ocorre sem direo

    predefinida, incide um processo de seleo, que permite que as caractersticas

    selecionadas sejam reproduzidas, se perpetuem, por seus efeitos. Essa a matriz bsica

    do modelo de seleo por conseqncias. No entanto, essa descrio foi feita em termos

    abstratos: afinal, em que nvel os processos de variao e seleo ocorrem? O que sofre

    variao? A seleo seleciona o que? Como esses processos se relacionam com o

    comportamento?

    O modelo de seleo por consequncias foi extrado das formulaes

    darwinianas relativas evoluo das espcies. Darwin se preocupou em compreender de

    que modo as espcies se transformavam. A inquietao do cientista estava

    especialmente vinculada s transformaes biolgicas dos seres vivos. Skinner extrai

    esse modo de pensar as transformaes das espcies para sua teoria, mas o

    recontextualiza, para compreender o comportamento. Embora tambm esteja

    interessado em entender as transformaes biolgicas dos seres vivos, tal interesse

    apenas uma ramificao de seu interesse maior em entender o comportamento dos

    humanos. Desse modo, o modelo de variao e seleo no opera apenas no nvel

    biolgico: no cria apenas uma histria especfica para cada espcie; mas mostra-se til

    tambm para compreenderem-se as histrias de indivduos, com trajetrias de vida

    singulares, e as histrias das culturas, como ser visto mais para frente.

    O que se acabou de dizer significa que a variao e seleo, quando

    incorporados s teorizaes skinnerianas, passam a ser fenmenos que operam em trs

    nveis na determinao do comportamento: o das espcies (como Darwin descreve), ou

  • o nvel filogentico; o nvel ontogentico, isto , o nvel de interaes vividas por

    indivduos particulares com histrias nicas; e o nvel cultural, em que prticas de um

    grupo so selecionadas de modo a promoverem a sua sobrevivncia2. O comportamento

    s poder ser suficientemente explicado se levar em considerao esses trs

    determinantes. A seguir, ser visto, ento, como esse modelo, chamado de selecionista,

    opera em cada um dos nveis, bem como a articulao entre eles.

    No que se refere ao nvel filogentico, pode-se comear com uma observao

    simples: os organismos possuem genes que podem determinar caractersticas

    fisiolgicas, anatmicas, morfolgicas e comportamentais (como padres fixos de

    comportamento e reaes em cadeia). Quando se reproduzem, transmitem parte de sua

    carga gentica para seus descendentes. Essa transmisso, no entanto, contm variaes

    que, por sua vez, determinam caractersticas que, embora semelhantes s dos

    ascendentes, no so exatamente iguais a elas. O resultado que, em uma comunidade

    de organismos de uma mesma espcie, h significativa diversidade gentica. Sobre essa

    diversidade, sobre essa variao de caractersticas que determinam relaes com o meio,

    opera a seleo: o ambiente seleciona os organismos que tm caractersticas mais

    adaptativas para sobreviver. Esses organismos que tm maior probabilidade de

    sobreviver tambm tm maior probabilidade de se reproduzir, o que torna seu

    patrimnio gentico algo que se perpetua via reproduo biolgica. O ambiente, em

    outras palavras, seleciona, nesse nvel filogentico, genes que determinam

    caractersticas que tm maior probabilidade de xito adaptativo aos organismos que as

    possuem: sobre o efeito adaptativo desses genes que incide a seleo. Vale notar que,

    nesse nvel, a seleo opera sobre caractersticas que so determinadas geneticamente. 2 Como ser visto mais para frente, prticas sociais selecionadas por produzirem efeitos que favoream

    sua sobrevivncia (isto , que permitam que a cultura lide com os impasses gerados em sua relao com o

    mundo inorgnico e em sua relao com outras culturas) podem, paradoxalmente, tambm produzir

    efeitos que, em longo prazo, impliquem a ameaa da sobrevivncia do mesmo grupo. O paradoxo pode

    ser explicado pelo fato de conseqncias em longo prazo terem seu poder retroativo de selecionar as

    prticas sociais diminudo justamente pelo espaamento temporal alargado que separa a prtica de sua

    conseqncia. Os conjuntos de comportamentos entrelaados que participam da manuteno de uma usina

    hidroeltrica envolvem prticas sociais (comportamentos entrelaados de muitos indivduos, como, por

    exemplo, gerenciamento e diviso de trabalho, consumo e venda de produtos e servios etc.) que

    produzem conseqncias importantes para manuteno e reproduo de um grupo social (abastecimento

    de energia). A longo prazo, no entanto, algumas conseqncias podem ameaar a sobrevivncia desse

    mesmo grupo: a usina pode poluir severamente rios, causar desequilbrios ecolgicos irreversveis, afetar

    negativamente outras prticas sociais importantes para esse mesmo grupo. Na pior das hipteses, todos

    esses impactos ambientais podem se somar a outros de modo a promover o esgotamento do meio

    ambiente. Como essas ltimas conseqncias costumam ser mais atrasadas que as primeiras (que

    selecionaram a prtica), e tm um efeito cumulativo muito gradual, pode ser que quando os impactos

    comearem a retroagir sobre a prtica social, seja tarde demais para que a prtica seja modificada de

    modo a minimizar os danos sobrevivncia do grupo: em surdina, portanto, esse grupo foi produzindo

    seu prprio colapso.

  • Apenas elas podem ser selecionadas, pois somente elas so transmitidas, via

    reproduo. Outro ponto digno de nota, e talvez o mais importante, que essas

    variaes ocorrem ao acaso, aleatoriamente3, sem direo predefinida. obra do acaso

    (pois os mecanismos determinantes de variaes genricas no tm nenhuma fora que

    as orientem rumo adaptao) uma caracterstica determinada geneticamente ser

    selecionada, isto , ser adaptativa: as variaes no ocorrem para tornar os organismos

    mais adaptados ao meio; apenas permitem que isso ocorra. Por fim, cabe ressaltar que,

    nesse modelo de causalidade, impensvel compreender os organismos sem levar em

    considerao os ambientes em que vivem: organismo e ambiente constituem o binmio

    indissocivel nesse modelo de explicao. Andery (1997a) rene e sintetiza os

    principais pontos desenvolvidos at aqui:

    As variaes [...] so importantes no caso de mudanas no

    ambiente que exigem ento novas habilidades dos indivduos.

    Quando essas mudanas ocorrem, aqueles indivduos que

    possuem as caractersticas mais adaptativas sobrevivncia

    nas novas condies so selecionados, isto , sobrevivem e se

    reproduzem transmitindo, a longo prazo, estas mudanas para

    toda a espcie. (p.184)

    Sobre essa dinmica, as espcies evoluram. Mas a transmisso meramente

    gentica trazia consigo uma limitao adaptativa. As caractersticas herdadas s eram

    adaptativas em um ambiente estvel, que no passava por profundas transformaes. As

    caractersticas selecionadas filogeneticamente, descritas at aqui, no so sensveis, isto

    , no se alteram de acordo com as mudanas que o ambiente sofre no decorrer da vida

    de um organismo: so caractersticas inatas, inflexveis, fixas, rgidas; e so adaptativas

    apenas no ambiente semelhante (para no dizer quase igual) ao que selecionou tais

    caractersticas. 3 Os termos acaso e aleatrio podem sugerir que as variaes genticas ocorrem de modo

    indeterminado. Para evitar essa conotao, vale fazer uma ressalva: os termos so empregados apenas

    para aludir ao fato que as variaes genticas (e mesmo as variaes de respostas e de prticas culturais)

    no ocorrerem em direo sobrevivncia; as lgicas que obedecem no incluem nenhuma fora que impulsione as variaes em direo a sobrevivncia da espcie. Isso no implica dizer que as variaes

    so indeterminadas, no so ordenadas, e no se podem extrair quaisquer dinmicas regulares dessas

    transformaes. Nesse sentido, o modelo de causalidade selecionista, ao se fundamentar na variao e

    seleo, no contm nenhuma tenso entre determinismo e indeterminismo; ao contrrio, a variao

    constitui um dos elementos que emprestam ao BR a chave de inteligibilidade para compreender a

    determinao do comportamento (cf. Andery, Srio & Micheletto, 2005).

  • Uma mudana significativa que a evoluo permitiu que os organismos

    desenvolvessem foi o processo de condicionamento respondente, conferindo-lhes maior

    flexibilidade adaptativa. Se, antes dele, estmulos especficos eliciavam respostas

    especficas, agora, parcelas do mundo, antes neutras na determinao do

    comportamento, podem se tornar significativas se fossem pareadas (se acompanharem

    temporalmente e de modo sistemtico) os estmulos eliciadores incondicionados. A

    seleo dessa relao comportamental conferiu um enorme xito adaptativo s espcies

    que a desenvolveram (vale dizer, por acaso). Alm disso, tal relao permitiu que os

    organismos pudessem agora se diferenciar entre si, se individualizarem, ainda que

    sutilmente, pois as histrias particulares que viviam determinavam respostas sob

    controle de estmulos distintos do ambiente. Ainda assim, o processo de

    condicionamento respondente continha uma limitao: embora os estmulos eliciadores

    no precisassem mais ser especficos para eliciarem respostas (afinal podiam envolver

    relaes caractersticas dos reflexos condicionados), as respostas desse processo eram

    sempre pouco variveis, ao menos se comparadas s respostas operantes4

    Essa limitao foi superada a partir do momento em que os organismos

    desenvolveram, a partir das relaes de variao e seleo, sensibilidade s

    conseqncias de seu agir. Com isso, propriedades de suas respostas puderam ser

    selecionadas de acordo com os efeitos da ao do organismo: incrementou-se o

    intercmbio do indivduo com o ambiente, as relaes puderam tornar-se mais

    dinmicas. O processo que se desenvolveu a partir desse momento foi o de

    condicionamento operante. Nele, o indivduo age sobre o mundo produzindo

    conseqncias que afetam seu responder futuro: o ambiente se transforma pela ao do

    organismo ao mesmo tempo em que esse organismo transformado por ele.

    exatamente nessa etapa do processo evolutivo que se inaugura um outro nvel de

    seleo, o ontogentico5: agora no so mais genes que so selecionados, mas classes de

    respostas; a seleo no opera mais somente de modo a promover a sobrevivncia da

    espcie, mas tambm de modo a promover a sobrevivncia individual. Se o

    condicionamento respondente era limitado por envolver eliciao de respostas

    4 Ainda assim, mesmo quando h condicionamento respondente, a resposta eliciada condicionada pode

    ser bastante distinta da resposta eliciada incondicionada (cf., Catania, 1999) 5 questionvel a ideia de que o nvel ontogentico tenha se originado a partir da seleo do

    comportamento operante. Se esse nvel se refere ao histrico de contingncias vividas por um organismo,

    pode-se objetar apontando para o condicionamento respondente, que envolve contingncias entre

    estmulos e, portanto, respostas sob controle de estmulos que dependem do histrico de vida de um

    organismo. No entanto, como ser apontado mais para frente, a conjugao dos trs nveis de seleo

    torna, de fato, muito difcil delimitar as fronteiras que separam um nvel do outro.

  • relativamente fixas (por fixas leia-se respostas que variam muito pouco entre si), o

    operante viabiliza a aprendizagem de respostas novas, inditas e, portanto, constitui um

    salto adaptativo para as espcies em que tal processo foi selecionado. A

    individualizao dos organismos se incrementa agora num ritmo muito maior do que o

    promovido pelo processo de condicionamento respondente, pois agora cada indivduo

    tem maiores parcelas do mundo constituindo seu ambiente e um repertrio operante

    mais diferenciado dos outros membros da espcie. Essa nova possibilidade de interao

    com o mundo confere maior flexibilidade adaptativa aos organismos porque sua ao

    agora afetada no s pelos estmulos eliciadores incondicionados e condicionados,

    mas tambm pelas conseqncias das aes que, por isso mesmo, podem ser modeladas

    e se diferenciarem na histria singular desses organismos. A adaptao torna-se possvel

    em ambientes cada vez mais complexos e mais instveis, uma vez que o organismo,

    agora dotado de uma histria particular que mais crtica na determinao de seu

    comportamento, mais sensvel ao seu ambiente, mais capaz de operar sobre ele de

    modo eficaz (do ponto de vista de sua sobrevivncia individual); dizendo de um modo

    mais leigo, e lidando com maior liberdade com as palavras, pode-se dizer que h um

    organismo com maior jogo de cintura para operar sobre o mundo e enfrentar os

    desafios que ele impe. Novamente, recorre-se a Andery (1997a) para sublinhar e

    sintetizar os pontos mais importantes dos argumentos aqui empregados:

    Estabelece-se assim [com a seleo do condicionamento

    operante] uma possibilidade inteiramente nova de responder a

    um mundo em mudanas. Indivduos suscetveis ao

    reforamento operante podem aprender respostas que no esto

    preparadas filogeneticamente, e uma parcela muito maior do

    mundo pode se tornar significativa para eles.

    [...] Este novo modo de seleo por conseqncias permite

    que [...] esta operao seja na direo agora no mais da

    sobrevivncia da espcie, mas da aquisio do comportamento

    individual que permite a obteno de conseqncias que so

    importantes para o indivduo durante sua vida particular. [...]

    Mais uma vez, so as conseqncias que operam como modo

    causal; entretanto, no so mais as conseqncias filogenticas

    de sobrevivncia da espcie, mas conseqncias ontogenticas

  • de fortalecimento do comportamento individual.

    [...] As contingncias operantes de seleo permitem aos

    indivduos que se tornem mais suscetveis a este tipo de

    condicionamento uma flexibilidade e adaptabilidade ao

    ambiente que os torna muito mais capazes de sobreviver em

    ambientes em constate mudana. [...] As trocas entre indivduos

    e ambientes tornam-se maiores e mais intensas provocando, por

    seu turno, enormes mudanas em ambos. (Andery, 1997a,

    p.185)

    Embora as vantagens evolutivas do condicionamento operante sejam evidentes,

    no se pode esquecer que, ainda assim, o processo contm limitaes do ponto de vista

    adaptativo. As respostas aprendidas passam a fazer parte do repertrio dos organismos,

    agora sensveis s conseqncias de seu agir, como produto de sua interao contnua

    com o ambiente. No entanto, muito daquilo que aprendido, no condicionamento

    operante, tem a durao que distancia a aprendizagem do final da vida do organismo.

    Depois disso, o que foi aprendido desaparece: a no ser por certos procedimentos

    comportamentais6, no h como disseminar a aprendizagem para outros organismos.

    Mas, se o condicionamento operante traz limitaes evolutivas, em seu dinamismo

    especfico que se encontra a semente da superao de tais limitaes. Chega-se, agora,

    delicada transio do nvel de determinao ontogentico para o cultural.

    De incio, o condicionamento operante dinamizou em graus sem precedentes a

    complexidade de interao entre o organismo e seu ambiente fsico. Em seu

    desenvolvimento, porm, teve como a mais fundamental implicao o fato de permitir

    que os outros membros da espcie de um organismo fornecessem conseqncias

    mantenedoras de seu comportamento. O comportamento de um indivduo passou a ter

    conseqncias que eram mediadas por outros, criando, assim, um ambiente social. Se,

    antes da evoluo do nvel ontogentico, os outros indivduos eram importantes por

    oferecer estmulos eliciadores para os comportamentos individuais, agora eles garantem

    estmulos reforadores, fazendo parte no s da estimulao antecedente de um

    organismo, mas tambm da consequente, que agora no mais gerada de modo

    mecnico, como nos intercmbios com o ambiente fsico, mas mediada socialmente.

    6 Que, como ser visto mais para frente, so os de imitao e modelao. Alm desses dois, o

    comportamento verbal, que no procedimento, teve um papel crucial na propagao de operantes.

  • Essa mediao permitiu superar a limitao que o processo apresentava, de incio.

    Agora, repertrios comportamentais podem ser transmitidos no apenas por transmisso

    gentica via reproduo biolgica, mas por comunicao. No mais necessrio viver

    contingncias apenas com o ambiente fsico para produo do repertrio operante; os

    outros podem transmitir parte do que aprenderam aos seus pares.

    Essa nova via de transmisso ganha um enorme incremento a partir do momento

    em que a musculatura vocal passa a ficar sob controle operante (Skinner, 1984). Como

    conseqncia, desenvolveu-se o comportamento verbal: as interaes com o mundo

    puderam ser transmitidas aos outros indivduos sem que eles precisem vivenciar

    contingncias envolvendo interaes meramente mecnicas com o ambiente: possvel

    aprender pela experincia com o outro, produzir e acumular conhecimentos e

    experincias, organizar e difundir estilos e formas de vida e organizao etc. (Andery,

    Micheletto & Srio, 2007, p.40). Desse modo, as limitaes espao-temporais que so

    incontornavelmente impostas em relaes mecnicas7 podem ser superadas via

    comportamento verbal. Em suma, possvel, com a seleo do comportamento verbal,

    produzir cultura, um conjunto de conhecimentos, smbolos, valores etc. que sobrevivem

    com a passagem das geraes, fazendo com que cada uma no precise vivenciar o que

    as anteriores vivenciaram para aprender muitas das relaes que precisa travar com o

    ambiente, permitindo que cada gerao possa acumular saberes, partindo do ponto em

    que a anterior parou. Agora, os organismos so dotados de uma histria, no apenas

    biolgica e pessoal, mas uma histria sociocultural.

    A cultura permite uma certa atemporalidade da experincia no

    sentido de que permite que o mundo seja conhecido atravs da

    experincia dos outros, que nem sequer precisam estar

    presentes fisicamente. Isso traz espcie humana uma nova

    capacidade de adaptao ao meio ambiente, uma adaptao

    que comea libertando o indivduo do contato direto com o

    mundo mecnico na obteno de reforadores e que termina -

    hoje - por tornar esse contato uma necessidade urgente.

    (Andery, 1997a, p.187)

    7 Vale dizer que as relaes mecnicas podem envolver as interaes dos organismos com o ambiente,

    mas essas interaes no se resumem, necessariamente, a elas.

  • Ao desenvolver cultura, no apenas as variaes biolgicas (via seleo natural)

    e pessoais (via condicionamento operante) so selecionadas: as prticas de um grupo, de

    uma coletividade passam tambm a ser selecionadas por seus efeitos na sobrevivncia

    desse mesmo grupo. Tudo aquilo que constitui ambiente para os indivduos (tudo que

    afeta seu responder) importante porque foi selecionado pela sua evoluo filogentica,

    porque foi importante para a sua sobrevivncia individual, e, especialmente, porque

    esteve envolvido em prticas culturais que so importantes para a manuteno do grupo

    social a que o indivduo pertence. Seu comportamento ainda mantido por

    condicionamento operante e respondente; mas, muitas (para no dizer todas, no caso

    humano) das relaes operantes e respondentes s podem ser entendidas por gerarem

    conseqncias importantes para a manuteno da cultura. Emerge, especialmente com o

    desenvolvimento do comportamento verbal, o terceiro nvel de seleo, o cultural, sem

    o qual o comportamento humano no pode ser compreendido em sua totalidade e

    complexidade.

    CONSIDERAES ADICIONAIS SOBRE O MODELO DE SELEO POR

    CONSEQUNCIAS E SUAS IMPLICAES

    Tendo descrito os aspectos bsicos do modelo selecionista como instrumento de

    compreenso do comportamento humano, cabe, agora sim, retomar sua importncia e

    desdobramentos, tanto para o BR, como para o fazer cientfico da AC.

    A interao contnua entre os trs nveis de determinao

    necessrio iniciar com uma implicao que tambm constitui uma reteno e

    um aviso sobre a argumentao precedente. A exposio dos trs nveis de

    determinao do comportamento que se acabou de empreender pode levar a um engano

    muito comum. Embora se tenha procurado mostrar a articulao entre esses trs nveis,

    e por conseqncia, sua articulao na determinao do comportamento, vez ou outra se

    cai na armadilha de dizer que o comportamento humano classificvel em trs

    categorias exclusivas: a biolgica, a individual, e a cultural.

    Nada mais enganoso. A evoluo dos trs nveis se deu de modo que um se

    integrou ao outro, e no de modo que um substituiu o outro. As contingncias

    filogenticas viabilizaram o surgimento das ontogenticas. Ambas, por sua vez,

  • permitiram a emergncia das culturais. O resultado que, em todo comportamento

    humano, os trs nveis do modelo de seleo por consequncias constituem vetores

    importantes de sua determinao. Em outras palavras, a filogenia, ontogenia e a cultura

    interagem, se conjugam, na gnese do comportamento. No existe um comportamento

    humano que seja puramente biolgico, puramente pessoal, puramente cultural. Cada um

    carrega vetores de determinao dos trs nveis.

    Falar em interao entre os nveis leva ao reconhecimento dos

    trs nveis na determinao de todo e qualquer comportamento

    humano; nenhum tipo de reducionismo permitido. No

    podemos diluir as contingncias filogenticas nas

    ontogenticas, ou vice-versa; ou ainda, no podemos diluir

    qualquer uma delas, ou ambas, nas contingncias culturais, ou

    vice-versa. (Andery, Micheletto & Srio, 2007, p.44)

    Nas palavras de Skinner,

    [...] o comportamento humano o produto conjunto de a)

    contingncias de sobrevivncia responsveis pela seleo natural

    das espcies, e b) contingncias de reforamento responsveis

    pelos repertrios adquiridos por seus membros, incluindo c)

    contingncias especiais mantidas por um ambiente cultural

    evoludo [...]. (Skinner, 2007/1981, p.131; negrito acrescentado).

    exatamente esse aspecto que impede de se dizer que os reflexos so puramente

    filogenticos; os operantes, ontogenticos; as prticas culturais, apenas fenmenos de

    natureza cultural. Por exemplo, os operantes tm determinaes filogenticas (como se

    viu, eles s puderam se desenvolver com a sensibilidade inata e, portanto, selecionada

    na histria da evoluo das espcies, s conseqncias do agir). Tm tambm

    determinaes culturais: so modulados, necessariamente, pela cultura do indivduo que

    age, que provavelmente determinar, em parte, o que reforador e o que punitivo.

    A importncia da histria e do contexto

    Como foi visto, o modelo de seleo de consequncias descreve relaes de

  • causalidade, e, portanto, no uma coisa. Ela envolve padres especficos de interao

    entre organismos e o ambiente, e tem como resultado a determinao de

    comportamentos. Assim, diante de qualquer comportamento, um pesquisador jamais

    poder se restringir, se quiser explic-lo, s condies imediatas que o precedem ou

    sucedem. Claro, esses momentos so importantes, mas no encerram a resposta da

    gnese do comportamento. Se comportamento interao, e se essa interao produto

    da histria da espcie, do indivduo e de uma cultura, ele envolve um processo de

    gnese que transcende a imediaticidade de sua ocorrncia. Observar o comportamento8

    importante; mas, mais importante do que isso, identificar o processo de sua

    instalao, manuteno e alterao. O comportamento no brota espontaneamente, mas

    produto de uma sucesso de eventos. Isso significa dizer que o comportamento

    dotado de uma dimenso histrica: essa histria que deve ser investigada se procura-se

    compreend-lo. por isso que a AC se preocupa em estabelecer leis que governam o

    comportamento: como toda lei que conduz um fenmeno, ela no apreendida em um

    ponto especfico do tempo, mas em seu desenrolar.

    Mas, se o comportamento temporal, essa histria no se desenvolve num

    vcuo. Seu curso se d em condies especficas. Alm de ter que se investigar a

    histria de um fenmeno comportamental, necessrio tambm investigar as condies

    em que ele ocorre, o contexto especfico da interao dos indivduos e seus ambientes.

    Em uma citao j famosa de Skinner, encontra-se uma sntese dessas idias: O

    comportamento uma matria difcil, no porque seja inacessvel, mas porque

    extremamente complexo. Desde que um processo, e no uma coisa, no pode ser

    facilmente imobilizado pela observao. mutvel, fluido e evanescente [...] (Skinner,

    1998/1953, p.16)

    Esses aspectos definem o determinismo caracterstico do BR. O comportamento

    no ocorre espontaneamente, mas se liga a outros eventos, que cabe a AC investigar.

    Isso implica, necessariamente, a rejeio da noo de que o homem tem livre arbtrio,

    tem o poder de decidir a partir de si mesmo, de seu julgamento, seu juzo, sua crtica seu

    agir, para citar alguns exemplos. O sujeito no inicia seu agir, mas um elo, sem dvida

    importante, de uma cadeia de eventos que o coloca sob determinao ambiental, e

    8 Formalmente falando, um erro dizer que o comportamento observvel. Sendo um processo, produto

    de uma interao, no vivel entend-lo como algo capturvel, mensurvel, com comeo, meio e fim

    definveis. O que se mede, isto sim, so as respostas e os estmulos que as controlam (e, mesmo assim,

    nem sempre isso possvel). No entanto, resposta e estmulo no encerram a definio de

    comportamento, que deve levar em conta, alm disso, e como aspecto mais importante, a interao entre

    os dois termos.

  • jamais o retira dessa interao. Da que nascem as crticas, polmicas, de Skinner s

    noes de liberdade e dignidade9.

    Sem dvida, a posio determinista delicada, pois, [...] no podemos

    evidentemente provar que o comportamento humano como um todo seja inteiramente

    determinado (Skinner, 1974, p.163). nesse sentido que o determinismo do BR no

    implica a idia de que, cedo ou tarde, todas as variveis controladoras de qualquer

    resposta sero identificadas pela cincia, nem que o pesquisador analista do

    comportamento tem o poder milimtrico (alis, longe disso) de prever e controlar

    fenmenos comportamentais. Assim, o determinismo behaviorista , antes de tudo, um

    determinismo probabilstico (cf. Carrara, 2005)

    A crtica s concepes tradicionais relativas causa do comportamento

    Por fim, cabe ressaltar uma das maiores implicaes que a defesa do modelo de

    causalidade selecionista necessariamente empreende, Novamente, Andery (1997a) pode

    ajudar na linha de argumentao que vem sendo desenvolvida. Diz ela: O que afinal

    Skinner prope e por que to importante? A resposta a esta questo no nica: o

    modelo de seleo por conseqncias importante porque definitivamente separa

    Skinner do mecanicismo. A causalidade deixa de ser descrita em termos mecanicistas de

    um efeito para uma causa. (Andery, 1997a, p.183)

    No modelo mecanicista, cada evento do mundo era pensado como sendo efeito

    de eventos imediatamente anteriores a ele (Skinner referiu-se a ele como o modelo do

    empurra e puxa). Ainda que tendo origem fora da cincia da psicologia, essa rea do

    conhecimento no deixou de sofrer respingos do impacto da generalizao da adoo

    desse modelo em outras cincias. Skinner, em 1974, exemplifica esse modo de pensar,

    incorporado na psicologia:

    Tendemos a dizer [...] que se uma coisa se segue a outra, aquela

    foi causada por esta [...] A pessoa com que estamos mais

    familiarizados a nossa prpria pessoa; muitas das coisas que

    observamos pouco antes de agir ocorrem em nossos prprios

    corpos e fcil tom-las como causas de nosso comportamento.

    9 Essa crtica encontra-se muito melhor caracterizada em Carrara, 2005.

  • Se perguntarem por que respondemos com rispidez a um amigo,

    poderemos dizer Porque me senti irritado. verdade que j

    nos sentamos irritados antes de responder, ou ento durante a

    resposta, e por isso achamos que nossa irritao foi a causa de

    nossa resposta. [...] Os sentimentos ocorrem no momento exato

    para funcionarem como causas do comportamento, e tm sido

    referidos como tal durante sculos. Supomos que as outras

    pessoas se sentem como ns quando se portam como ns.

    (Skinner, 1998/1974, p.13)

    Quando o modelo mecanicista foi reciclado e incorporado psicologia, os

    eventos internos dos indivduos passaram a ganhar um valor sagrado enquanto causas

    das respostas abertas. No difcil entender uma das razes disso, quando o

    mecanicismo constitua a via mais satisfatria para a explicao dos eventos do mundo.

    Diante de um comportamento qualquer, aparentemente, no h eventos observveis

    imediatos que o expliquem. Se, no mundo fsico no vivo, as causas podem ser vistas,

    medidas, e, portanto, pode-se extrair um nexo, uma ligao, entre eventos explcitos, o

    mundo da conduta humana parece escapar a essa lgica. A experincia particular

    mostra que o palco em que ocorrem os eventos humanos inclui tambm eventos

    internos: temos dificuldade em pensar qualquer uma de nossas aes sem que elas

    estejam, por exemplo, acompanhadas de pensamentos, emoes, sensaes. Ora,

    quando se afirma que eventos do mundo ocorrem por conta de causas imediatamente

    anteriores, e aparentemente os eventos observveis que antecedem o comportamento

    no o explicam, parece necessrio supor uma dimenso determinante do comportamento

    que 1. interna ao indivduo, isto , apenas ele pode ter acesso a ela, embora no

    necessariamente o tenha; e 2. pertence a uma dimenso que no contem propriedades

    fsicas, de outra ordem, necessariamente metafsica. Passa a se supor que a

    determinao do comportamento exige uma distino entre fenmenos

    materiais/corporais/abertos, regidos por uma lgica que as cincias naturais explicam

    satisfatoriamente, e os metafsicos/mentais/internos, regidos por lgicas que caberia

    psicologia desvendar, desenvolvendo uma teoria e mtodo inditos e singulares nas

    cincias. essa forma de pensar10

    - vale dizer, tributria de um modo de pensar

    10

    A anlise aqui descrita se resume em atribuir razes tericas para a atribuio das causas do

    comportamento a eventos internos e metafsicos. No se pode esquecer que as teorias se desenvolvem

  • mecanicista - que conduz necessidade de se lanar mo de dimenses metafsicas para

    se explicar o comportamento humano: o psiquismo, a alma, a mente, por

    exemplo. Pensamentos, emoes, sensaes passam a ter um valor causal notvel, pois

    parecem anteceder qualquer comportamento aberto ou ser subjacente a eles; erige-se um

    eu iniciador dos comportamentos (sede do material mais precioso do sujeito, os

    pensamentos, emoes...), a partir do qual o comportamento deve ser estudado; mas

    estudar comportamento apenas uma via indireta para se estudar essa alma fugidia,

    escondida, incapturvel primeira vista, e que habita todos ns, ao mesmo tempo em

    que nos determina. Por trs da fluidez do comportamento, entidades estticas so

    sugeridas para explic-lo, conferem inteligibilidade ao movimento perturbador e

    inquieto dos organismos; o mundo do intangvel contem nossos segredos, ordena nossa

    vida, dirige nosso mundo essencialmente humano. O comportamento um reflexo

    imperfeito, um simulacro, dessa realidade abstrata, etrea, que o governa; um material

    que dissimula e desafia as disciplinas da razo, a conduz ao erro, joga-a para o mundo

    sujo e catico que apenas representa, muito mal, a limpidez do mundo da alma.

    Ora, o que atribuir as causas do comportamento a eventos imediatamente

    anteriores, como pensamentos, emoes, sensaes, vontades, desejos, impulsos, ou s

    entidades metafsicas seno negar o carter processual do comportamento humano, a

    sua contextualizao, e sua determinao histrica? Essas explicaes ofuscam a

    histria de determinao dos indivduos em proveito da suposio de entidades internas,

    que agora so tomadas como causas, velando o carter processual do comportamento11

    :

    temos indivduos autnomos, que determinam a si mesmos, a partir de dentro, e

    dissociados dos laos com seu ambiente. Para se entender cada um, deve-se garimpar

    sua subjetividade, mergulhar em suas profundezas, trazer tona esse eu verdadeiro

    que se relaciona com quase absoluta autonomia com o mundo a sua volta. Eu

    autnomo, s vezes soberano, centrado na conscincia, eu sem gravidade, livre e

    autocondutor: eis os modelos de homem que passam a ser desenhados como

    escoradas em contextos scio-histricos especficos, refletindo conflitos, interesses, mecanismos, que

    exigem uma anlise mais ampla. Tourinho (2009) realiza interpretaes que especificam as razes scio-

    histricas das dicotomias psicolgicas clssicas (interno/externo, privado/pblico, mental/fsico) e que

    retomaremos em etapas posteriores deste trabalho. 11

    A reciclagem de variveis ambientais, transformadas em entidades subjetivas, uma manobra terica

    que Skinner insiste em questionar. Sobre esse ponto, diz: Nas formulaes mentalistas, o ambiente fsico deslocado para a mente e se torna experincia. O comportamento transferido para a mente como

    propsito, inteno, idias e atos de vontade. [...] Dados tais precedentes bem estabelecidos, no de

    surpreender que certas funes comportamentais remanescentes tivessem tambm sido removidas para o

    interior (Skinner, 1998/1974, p.91)

  • conseqncia necessria de se procurarem as causas de seu comportamento em eventos

    imediatamente anteriores ou simultneos ao agir.

    Em que o BR discordaria dessa concepo de homem? O melhor comeo para

    essa resposta dizer que o modelo de causalidade selecionista, ao resgatar o carter

    necessariamente processual e contextual do comportamento, dispensa o apelo a

    entidades metafsicas e s noes de homem autnomo, dono de si, centrado na

    conscincia e iniciador de seus atos. O homem age sobre o mundo em dadas condies,

    produzindo conseqncias que determinam um agir semelhante, em condies

    semelhantes12

    . A ao tem conseqncias - para a espcie, para o individuo, e para

    cultura que retroagem sobre o agir: alteram sua probabilidade futura. O agir, ento,

    no tem como mola propulsora qualquer entidade anterior a ele e de outra natureza que

    no a material. O sujeito no engolfa a realidade, se coloca acima dela, a supera, em

    qualquer instante: est, sim, sempre condenado a agir sob determinao de sua interao

    contnua com o ambiente. Nesse sentido, sentimentos, atitudes, ideias, crenas,

    sensaes, por exemplo, podem at ser relevantes na determinao do comportamento;

    mas o mais interessante, o mais crucial, para um behaviorista radical, a histria de

    interao do sujeito com seu ambiente. nessa histria que os sentimentos, atitudes

    emergem como efeitos, e no como causas; eles so antes selecionados ou eliciados

    pela interao com o ambiente, do que fontes do comportamento. As intenes que

    acompanham as aes, os propsitos, so selecionados junto com elas e, por isso,

    tendem a reaparecer quando o indivduo age de modo semelhante, caso essas aes

    tenham produzido conseqncias importantes para a sobrevivncia.

    Traduzindo essas idias de um modo mais conceitual, seria possvel dizer a

    maior parte do comportamento humano efeito, especialmente, de processos de

    reforamento. As condies antecedentes desse processo ganham trs funes, a partir

    de ento: viram estmulo discriminativo que evocam os mesmos operantes; viram

    estmulo reforador condicionado; e, o que mais importante nessa argumentao em

    curso, eliciam respostas que preparam o indivduo para o recebimento do reforo. A

    comunidade verbal refora o monitoramento consciente dessas aes; preza (isto ,

    refora) descries de respostas antes (na realidade, refora descries de probabilidade

    de agir), durante e aps sua emisso. Assim, junto com uma resposta, ocorrem

    concomitantemente, e de forma geral, descries dessa resposta e respondentes

    12

    Como se ver mais para frente, no s em condies semelhantes, mas tambm em condies

    equivalentes.

  • (includos na noo de emoo ou sentimento13). Se eles acontecem junto com a

    resposta, muito fcil tom-los como causa, j que, historicamente, as pessoas so

    treinadas a assumir como causa as condies imediatamente anteriores ou que

    acompanham uma dada resposta. Mas esses sentimentos (respondentes), idias,

    intenes e pensamentos (descries verbais, encobertas ou abertas, da resposta

    emitida), apenas acompanham tal resposta; nessa condio, quando as respostas so

    reforadas, tantos os sentimentos como os pensamentos so selecionados junto com

    ela. A gnese desse processo tem como varivel mais crtica de determinao o reforo,

    que seleciona, e no os eventos que acompanham a resposta. Facilmente, o que efeito

    do processo de reforamento (os sentimentos, idias...) tomado como causa do

    processo; d-se nfase espuma da onda, e no s suas foras determinantes, ou seja, o

    histrico de contingncias de reforamento.

    Todas essas ideias relativas aos contornos gerais do BR serviro de base para a prxima

    etapa deste trabalho: definir e discorrer sobre cultura. Como foi visto, o BR uma

    filosofia do comportamento; lhe atribui status material, o que significa que sua

    inteligibilidade pode ser identificada no modelo explicativo de seleo por

    consequncias. Foi visto que, na evoluo do comportamento, regida pelas relaes de

    variao e seleo, cada nvel de seleo se originou dos impasses do anterior. No

    entanto, esses mesmos nveis que superaram os impasses gestados no anteiror,

    colocaram novos impasses para o seguinte. Mesmo no terceiro nvel, em que prticas

    culturais so selecionadas, h ainda impasses que podem ameaar a sobrevivncia de

    qualquer cultura. Este captulo foi finalizado com a discusso de alguns desdobramentos

    em se assumir o modelo explicativo de seleo por conseqncias: a importncia da

    histria e do contexto na compreenso e anlise do comportamento; a interao contnua

    entre os trs nveis; e a crtica, incontornvel, s teorias que identificam os principais

    determinantes do comportamento no interior dos organismos. Todas essas ideias

    formam o horizonte filosfico em que qualquer teorizao da AC deve se ancorar.

    Qualquer conceito ou princpio presente na AC e, especialmente, a relao entre os

    conceitos e princpios tem que se harmonizar com os componentes do BR. Isso deve

    ser retido para a discusso que se segue, sobre o conceito de cultura na obra de Skinner.

    13

    A noo de sentimento, em AC, bem mais complexa do que a que se est expondo aqui. Envolvem,

    mais do que apenas respondentes, operantes e operaes estabelecedoras. Skinner descreve com detalhe

    essa noo, descrio essa muito mais minuciosa do que a que se est apresentando (cf. Skinner,

    1998/1953). Alm disso, Tourinho (2009) realiza uma leitura crtica da noo de sentimentos sustentada

    por Skinner.

  • As principais coordenadas exploradas nesse captulo devero estar presentes no modo

    como se define e opera com o conceito de cultura dentro da AC.