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Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03) Marcelo Auler Eugênio Aragão, o que faz os delegados federais terem medo dele no ministério da Justiça? (Foto - reprodução) Prezado Ministro. Lá se vão 25 anos do nosso primeiro encontro, em Rio Maria, no sul do Pará, quando do "Dia Municipal contra a Violência e a Impunidade", em 12 de março de 1991, um mês depois da morte do líder sindical Expedito Ribeiro da Silva. Eu, a serviço do extinto Jornal do Brasil. Você - e me permito este tratamento por sermos da mesma geração, sem lhe faltar o devido respeito - junto com o seu então colega José Roberto Santoro, acompanhavam o Procurador Federal da Defesa dos Direitos do Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, ao mesmo tempo que, designados pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, elaboravam um dossiê sobre a violência em toda região. Na época, a contabilidade era macabra: em 11 anos, 17 líderes trabalhistas assassinados e muitos dos acusados por esses crimes, livres, ameaçavam a todos. Estava lá também Luiz Inácio Lula da Silva.

Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03) - PT na Câmara · 2018-06-08 · procurador na época, chegou a subprocurador da República e eu continuei na missão de reportar

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Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03)

Marcelo Auler

Eugênio Aragão, o que faz os delegados federais terem medo dele no ministério da Justiça? (Foto - reprodução)

Prezado Ministro. Lá se vão 25 anos do nosso primeiro encontro, em Rio Maria, no sul do Pará, quando do "Dia Municipal contra a Violência e a Impunidade", em 12 de março de 1991, um mês depois da morte do líder sindical Expedito Ribeiro da Silva. Eu, a serviço do extinto Jornal do Brasil.

Você - e me permito este tratamento por sermos da mesma geração, sem lhe faltar o devido respeito - junto com o seu então colega José Roberto Santoro, acompanhavam o Procurador Federal da Defesa dos Direitos do Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, ao mesmo tempo que, designados pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, elaboravam um dossiê sobre a violência em toda região. Na época, a contabilidade era macabra: em 11 anos, 17 líderes trabalhistas assassinados e muitos dos acusados por esses crimes, livres, ameaçavam a todos. Estava lá também Luiz Inácio Lula da Silva.

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Em 1991,o jovem procurador Eugênio Aragão, em missão no sul do Pará, onde a violência reinava e a impunidade também (Foto: arquivo pessoal)

Pouco depois, já na Veja, a partir de outra investigação sua com o Santoro, fui, com o fotógrafo Paulo Jares, ao "Garimpo do Sangue", em Matupá (PA). Mas esta é outra

história.

Neste quarto de século, muita coisa aconteceu. Nos distanciamos, você de jovem procurador na época, chegou a subprocurador da República e eu continuei na missão de

reportar. Mas, cada um na sua trincheira, lutamos pelos mesmos objetivos: o fim da impunidade, o restabelecimento, a partir da Constituição de 1988, do tão desejado

Estado Democrático de Direito onde predominam as leis e, em consequência, a civilidade.

Fomos nos reencontrar de maneira rápida, na quinta-feira passada (17/03) quando testemunhei o início desse seu novo desafio, ao ser empossado como ministro da Justiça. De tão concorrida a cerimônia, mal nos cumprimentamos.

Sem dúvida, sua nova função é espinhosa. Não a invejo. Mal chegou e já recebe

críticas por falar o óbvio, isto é, que a lei existe para ser cumprida, principalmente

por quem recebe do Estado para fazer cumpri-la. Nada de tão misterioso, mas na

cabeça de alguns isto soa como ameaça. Por quê?

A preocupação dos delegados expressa em suas páginas no Face book

Aparentemente, sua fala, que muitos viram como autoritária, de tão evidente, merece o aplauso de todos. Afinal, cobrar o cumprimento das leis, é garantir a todos os cidadãos que a Polícia, que existe para lhes dar segurança e, em consequência, ao Estado, não

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cometerá arbitrariedade com ninguém, o que não significa ser conivente com crimes e criminosos.

Seu alerta também mostra aos agentes, no caso os operadores da Lava Jato, que agindo no estrito cumprimento legal jamais serão acusados de ilegalidades tais como colocar grampos sem autorização, forçar delações premiadas, tomar partido em investigações, optar por investigar A e esquecer B, faltar com a verdade, esconder fatos desabonadores, e tantas outras coisas que dificilmente o povo que aplaude quem combate a corrupção acreditaria que eles fossem capazes de fazer. E mais, jamais os apoiariam. O que o povo quer, é preciso acreditar, é o cumprimento de todas as leis, em todos os momentos da apuração da execrável corrupção. Ou haverá quem repudie o Estado Democrático de Direito? Não acredito.

No Face, acusam o ministro de chegar para remover agentes da Operação Lava Jato.

Protestos sem fundamento - Ao ler que delegados federais, através da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) sentiram-se ameaçados com sua chegada ao Ministério a ponto de reverberarem esse medo por suas páginas no Face book (veja ao lado) e pela imprensa, "denunciando" que a Operação Lava Jato passou a correr risco, suspeito que eles já gozavam da autonomia pela qual dizem estar brigando através da PEC 412. Ou será que antes eles não entendiam dever explicações ao seu chefe imediato, isto é, o ministro da Justiça?

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É obvio que, como bacharéis em Direito, todos eles sabem que as funções de um ministro são mais administrativas e bastante limitadas em termos jurisdicionais. Não há como ele interferir nas investigações.

Pode, sim, transferir agentes e delegados, mas isso não significa abafar a investigação pois, não só existem agentes, delegados, escrivães e peritos tão habilitados quanto os do Paraná dentro da Polícia Federal, como por detrás da Operação há um Ministério Público atuante, um juiz dedicado ao extremo neste caso - a ponto, dizem, de se sentir infalível - e todos os tribunais superiores que não permitirão isso. Nem tampouco lhes são dadas condições políticas para abafar algo desta natureza. Hoje, qualquer atitude nesse sentido será como acender um palito de fósforo no barril de pólvora que outros montaram e que, como citou Luiz Fernando Veríssimo em sua coluna de domingo passado - "O primeiro morto" -, está prestes a fazer um primeiro cadáver.

O real motivo do medo - Na verdade, prezado Aragão, há mais motivos de medo do que sua simples fala de que não permitirá ilegalidades.

No fundo, suspeita-se, eles temem que você, no ministério, resolva pedir ao diretor

geral do DPF, Leandro Daiello, explicações sobre alguns fatos ocorridos nestes

últimos 24 meses e jamais esclarecidos.

Em 12 de novembro o corregedor do DPF anunciou que a finalização da sindicância seria remetida ao juízo até o final daquele mês...

No último dia 17, por exemplo, muito se falou sobre os dois anos da Lava Jato, mas a grande imprensa toda se calou sobre um outro fato paralelo ocorrido na mesma data: a

instalação de um grampo ilegal na cela de Alberto Youssef. Não preciso me estender mais sobre o assunto, pois aqui no blog já há postagens suficientes explicando em

detalhes tudo o que aconteceu. Cito apenas uma, publicada no início de novembro, a partir de um ofício assinado pelo corregedor do DPF, delegado Roberto Mario da Silva

Cardoso: Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade.

Nesta postagem, consta o ofício que volto a reproduzir ao lado. Nele, o corregedor prometeu, em 12 de novembro de 2015, ao juiz Sérgio Moro, que até o final de

novembro lhe remeteria o resultado da nova sindicância que investigava o grampo

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achado pelo doleiro, em abril de 2014, em sua cela. Nova porque a primeira, ao que tudo indica, teve uma falsa conclusão - de que o grampo estava ali há mais tempo e

inativo.

Conviveremos com ilegalidades confirmadas? - Porém, ministro, já se passaram quatro meses da promessa do corregedor e o resultado da sindicância continua misterioso. Nem seus colegas do Ministério Público Federal os quais, por dever da lei, deveriam fiscalizar a atividade da Polícia, nem o juiz Moro se preocupa em cobrá-la. É um mistério.

Youssef e o grampo encontrado: o "resgate" em duas versões conflitantes

Mas há uma possível explicação. Trata-se, na verdade, de uma suposição que não apenas eu, mas muitas das minhas fontes do Paraná e da Polícia Federal dividem

comigo: o responsável por tudo isso deve ser - e é nova suspeita - o delegado Alfredo Junqueira, da Coordenadoria de Assuntos Internos da Corregedoria do DPF, por ser justamente um policial sério, íntegro e dedicado. Ele teria concluído que o grampo

existiu, conseguiu recuperar áudios captados na cela. Tudo, como já se sabe, sem autorização judicial. como narramos em Surgem os áudios da cela do Youssef: são

mais de 100 horas.

A divulgação desta sindicância, ministro, torna-se assim, uma ameaça muito mais palpável à Operação Lava Jato do que a promessa de punir quem vazar informação. Caso ela seja revelada - e, talvez, não a tenha sido justamente por isso - será preciso punir quem mandou instalar um grampo ilegal. Ou a Polícia Federal, o MPF do Paraná e o juiz Moro irão conviver com uma ilegalidade confirmada?

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Rosalvo Franco (esq.). Igor de Paulo (centro) e Marcio Adriano (dir.), três peças importantes da Operação Lava Jato denunciados por envolvimento com o grampo ilegal na cela de Youssef. Como conviver com a ilegalidade?

A punição, acontecendo, atingirá três peças importantes em toda a estrutura da Superintendência Regional do DPF no Paraná (SR/DPF/PR), a começar pelo superintendente, delegado Rosalvo Ferreira Franco. Ele, segundo o testemunho do agente que confessou ter colocado o grampo, Dalmey Werlang, estava presente quando o delegado Igor Romário de Paulo, Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR) lhe deu a ordem de instalação, na manhã do dia 17 de março de 2014, data em que Youssef foi preso e levado para aquela cela. O terceiro a ser atingido será o delegado Márcio Adriano Anselmo, que é ninguém menos que o chefe das investigações da Lava Jato. Ele esteva presente quando a ordem foi dada e, junto com a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, recebia as gravações transcritas em pen-drive.

Isto, ministro, sem falar no delegado Maurício Moscardi Grilo que foi o responsável pela primeira sindicância realizada, na qual constatou que o grampo era antigo, estava ali com ordem do juiz Odilon Oliveira, do Mato Grosso do Sul, e desativado. Além das conclusões possivelmente inverídicas, ele desrespeitou uma ordem do superintendente - que mandou periciar o aparelho, o que não foi feito - e, junto com os procuradores, a ordem do juiz Moro, que determinou o acompanhamento do MPF na sindicância. Nada disso aconteceu. Como ficaria a situação dele diante da conclusão diversa na nova sindicância daquela quem ele assinou?

Delegado Maurício Moscardi: nova sindicância encontra áudios que ele disse não existirem - Foto: Altino Machado

Tem mais, porém, ministro. Como noticiamos no blog, em 25 de outubro, na reportagem "Lava Jato: um fato e duas versões na PF-PR. Mentira?, em juízo os

delegados Igor de Paulo e Márcio Adriano deram uma versão para o resgate do aparelho de escuta em poder do doleiro Alberto Youssef na cela. A mesma versão - um encontro

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fortuito durante uma vistoria normal em que se procurava celulares - foi endossada por Moscardi na sindicância 04/2015.

Ela difere do que foi narrado na CPI da Petrobras pelo delegado Rivaldo Venâncio (ex-chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes e ex-substituto de Igor na chefia

da DRCOR da SR/DPF-PR). Todos estavam sob o compromisso de dizer a verdade. Alguém mentiu e, testemunha mentir em juízo ou na CPI, é crime.

A favor de Rivaldo, há o depoimento do delegado de Polícia Civil do Paraná, Rockembach. Ele foi ouvido na sindicância presidida pelo DPF Junqueira. Foi ele quem soube da existência do aparelho nas mãos do doleiro. Ao ser informado disso pelo perito

contratado pela defesa de Youssef, ligou para o superintendente do DPF que mandou Rivaldo ao seu encontro. De posse da informação, o então chefe da DRE comunicou a

Rosalvo e Igor que determinaram uma busca na cela para o resgate do aparelho de escuta. Logo, não foi encontro fortuito, mas uma varredura com objetivo determinado.

Como lidar com quem mentiu em juízo, ou em uma sindicância, caso a história real venha à público?

Agente Dalmey Werlang (à esquerda) e DPF Mario Renato Fanton, denunciados por calúnia após revelarem o grampo ilegal.

O medo dos delegados do Paraná e, de resto, dos seus colegas pelo chamado "spiritus corpus", porém, ministro, vai além. Há ainda o caso do grampo encontrado no fumódromo da SR/DPF/PR. Este, segundo já admitiu o delegado Junqueira em ofício à CPI da Petrobras, também não tinha autorização judicial. Na versão do APF Dalmey, em depoimento tomado pelo delegado Mario Renato Fanton, - o qual, publicamos em "Lava Jaro revolve lamaçal na PR-PF" - ele foi instalado por ordem da delegada Daniele, que era a sua chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP). A ordem dela foi respaldada, à época, pelo delegado José Washington Luiz Santos, Diretor Executivo, que substituía Rosalvo nas férias deste. Igor e Daniele são casados. Ou seja, são mais dois delegados que, teoricamente, cometeram irregularidades na Superintendência. Ao pé da lei ,são fortes candidatos a responder, no mínimo, a Processos Administrativos.

Esses são apenas dois episódios ao longo dos últimos dois anos na Polícia Federal do Paraná e que, por si só, já envolvem seis delegados ligados à Lava Jato com possíveis irregularidades cometidas. Os casos, porém, se multiplicam: o uso de celular na cela

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pelo doleiro Youssef; a tentativa de obter dados telefônicos de pessoas com foro especial sem mandado específico para isso; a venda de favores na custódia; a inusitada situação da doleira Nelma Kodama; delações premiadas feitas à revelia dos advogados de defesa constituídos; o processo por calúnia que seu colega do MPF tenta abrir, a pedido dos delegados, contra o DPF Fanton e o APF Dalmey; os inquéritos instaurados (três) contra o mesmo DPF Fanton, que permaneceu em Curitiba poucos meses, e que só foram abertos depois dele sair de lá, aparentemente como retaliação; o inquérito arquivado contra o presidente do Sindicato dos Policiais Federais, Fernando Augusto Vicentine, que foi à carceragem buscar informações para a revista Veja; as ameaças para que os presos fizessem delações premiadas; sem falar nos vazamentos seletivos que ocorreram, alguns deles praticados pela delegada Érika Mialik Marena, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, que recebia a reportagem da Folha em sua sala, como chegaram a filmar.

Enfim, prezado Aragão, como disse acima, não lhe invejo pelo cargo. O pepino é grande. Mas o imagino com condições, capacidade, coragem e firmeza, sem fugir à legalidade e à ética, para enfrentá-los. Certamente, quando o fizer, não receberá aplausos de parte da corporação e, talvez, nesse momento, nem mesmo da maioria enraivecida da população que não conhece detalhes como estes, pois a grande imprensa não os veicula.

Sinceramente, não sei se seu antecessor tomou conhecimento de tudo isso, embora muita coisa já tenha circulado por aqui pelo blog. Mas acho que não o tive como leitor. Espero lhe conquistar. Na expectativa de você me ler, aqui vai um último alerta principalmente para o carioca que adotou Brasília há muito anos: cuidado com as versões da capital.

Preferencialmente, sem desmerecer as informações oficiais que lhe passam, procure as fontes na origem, ou chame-as ai. A diversificação de versões, certamente, lhe ajudará a chegar mais próximo da verdade. E a verdade está muito distante do que mostram os canais de TV e as páginas da chamada grande imprensa. Boa sorte.

Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos

vazamentos (16/03)

Marcelo Auler

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O anúncio da nomeação de Eugênio Aragão preocupa delegados da Polícia Federal os

quais, no passado, representaram contra o hoje subprocurador.A discussão foi em

torno de vazamento de documentos de operações policiais. Foto: Gil Ferreira/Agência

CNJ.

O anúncio do nome do novo ministro da Justiça, o subprocurador da República Eugênio Aragão, de 56 anos, trouxe preocupação há muitos e logo começaram a surgir "velhas denúncias" contra o mesmo em uma tentativa de mostrar que seu objetivo é, controlar o Departamento de Polícia Federal (DPF) para paralisar as investigações da Operação Lava Jato.

Nos bastidores, como sabem que um ministro da Justiça não tem poderes administrativos, judiciais ou mesmo político para tamanha façanha, a luta é para evitar o controle do DPF que, no entendimento de muitos, ficou solto nestes anos de governo de Dilma Rousseff.

Aragão é ligadíssimo a Rodrigo Janot e certamente não jogará contra o procurador-geral. Sem falar que, como vice-procurador eleitoral, no TSE, foi contra a tese da defesa da presidente Dilma de que provas emprestadas da Lava Jato não poderiam ser usadas no processo reaberto para analisar as contas de campanha dela. Opinou favoravelmente justamente na ação que a oposição vê como uma das chances de retirá-la, junto com o vice Michel Temer, das cadeiras que ocupam.

O que realmente deve preocupar a Polícia Federal é que o passado de Aragão mostra um posicionamento firme na defesa dos direitos do cidadão, do principio do processo legal e, obviamente, contra os vazamentos que a polícia e também seus colegas da Procuradoria praticaram e continuam a praticar. Ele próprio foi vitima deles. Também por causa de ter buscado medidas para conter os vazamentos de documentos obtidos em Nova Iorque, virou alvo de uma representação assinada pelos delegados Luis Flávio Zampronha e Erika Mialik Marena. Esta última, hoje, além de ser uma das chefes na Operação Lava Jato é também representante da ADPF em Curitiba.

Érika é citada como uma das estrategistas dos vazamentos na Operação Lava Jato em um depoimento ouvido pela delegada Tânia Fogaça, da Corregedoria Geral do DPF em Brasília, no Inquérito Policial 737/2015. Na ocasião, lhe foi relatada a prática do vazamento de informações para a imprensa, como forma de blindar a Operação Lava Jato. A tática de vazamento visa atrair atenção da mídia e da opinião publica, e a partir dai evitar q se abafe a investigação.

Ao se tornar público detalhes da investigação, cria-se constrangimento ao governo e evita-se assim pressões políticas e/ou administrativas. Nesse depoimento explicaram que a delegada Érika foi uma das que importou esta estratégia do trabalho na Operação Satiagraha. Mas a tática do vazamento, como lembra o subprocurador Aragão, também foi usada na Operação do Banestado em que ela teve papel importante, tanto que assinou com o chefe a representação contra o então procurador da República. Também consta do depoimento o relacionamento próximo dela como o repórter Mario Sérgio de Carvalho, da Folha de S. Paulo. Uma relação profissional iniciada na Operação Satiagraha, em São Paulo. Com frequência, ele foi visto e chegou a ser filmado saindo das sala da delegada, no início da Lava Jato, segundo relataram à delegada Tânia.

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como de hábito, ao surgir a indiciação do subprocurador para algum cargo, reaparece

a história de que teria atrapalhado investigações em 2005. Reprodução site Veja.

Vazamentos para a imprensa - Em 2005, Aragão, junto com a servidora Wanine Santana Lima, coordenadora-geral do Departamento de Recuperação de Ativos e

Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, criado no governo Lula pelo ministro Marcio Thomaz Bastos, foram acusados pelos dois delegados de tentarem impedir que autoridades norte-americanas repassassem documentos sobre

contas bancárias de brasileiros nos EUA. Uma delas seria a do publicitário Duda Mendonça. A denúncia rapidamente circulou na imprensa: Ministério atrapalha

investigação, diz PF, publicada na Folha de S. Paulo, em 5 de novembro.

Toda vez que o nome de Aragão aparece indicado para algum cargo, a história volta a ser relembrada. Foi assim quando participou de uma lista sêxtupla para ministro do

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Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando, por duas vezes, cogitaram seu nome para o Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, não foi diferente. Na terça-feira, a nota saiu no

Radar da Veja (reprodução ao lado).

A representação foi entregue ao então diretor geral do DPF, delegado Paulo Lacerda. Mas quem fez uso dela foi o subprocurador Moacir Machado Guimarães que a usou para representar contra o colega na Corregedoria da PGR. Aragão já havia presidido

uma Comissão de Inquérito contra ele.

Foi a representação de Guimarães ao corregedor Eithel Santiago, hoje membro do Conselho Superior do Ministério Público, que gerou o inquérito administrativo contra

Aragão. Como ele recorda, disseram "que eu fui para os Estados Unidos para atrapalhar o trabalho da Polícia, para beneficiar – olha só – Duda Mendonça, que eu nem conheço.

Nunca vi mais gordo". A história, na sua versão, é outra:

"Na verdade, o Antônio Fernando - procurador-geral à época -me mandou para os Estados Unidos para botar ordem no "chiqueiro". Portanto, dizer que eu estava querendo manipular só se o Antônio Fernando quisesse manipular. E olha que ele estava à frente do mensalão. Ele me mandou para lá porque delegados e de procuradores ia ao gabinete do procurador de Manhattan, pegavam provas que bem lhes aprouvessem, passavam no consulado do Brasil, carimbavam os documentos no consulado, traziam debaixo do braço e usavam como prova aqui. Sem nada. Sem passar pelo DRCI. Só que essas provas – que eram extratos bancários e coisas do gênero – no dia seguinte apareciam na imprensa: Globo e Veja". Pelo seu relato,foi por conta dos vazamentos que lhe mandaram a Nova Iorque:

"Eu fui lá mostrar para as autoridades americanas que não dava para ser assim

porque estava havendo vazamento. Eu mostrei para eles, inclusive, o vazamento

que estava tendo em O Globo. O cara quase caiu para trás. Ficou furioso. Porque

nos EUA, se uma prova aparece no jornal, aparece em público, antes que o grande

júri tome conhecimento, a prova torna-se imprestável. Estavam aparecendo as

provas que tinha um caso nos EUA, porque era compartilhamento de prova. Então

ele ficou furioso. Ai ele reuniu os delegados comigo do lado e, conforme minha

recomendação, disse, 'doravante ninguém vai mais levar papel daqui. O que vocês

podem fazer são as anotações para fazerem os pedidos formais e, como base nisso a

gente encaminha via Departamento de Justiça para o Ministério da Justiça e aí vai

para a mão de vocês dentro do caminho indicado pelo acordo Brasil-EUA de cooperação judiciária'".

Unanimidade no arquivamento - Surgiu daí a representação dos delegados para o diretor Paulo Lacerda. "Só que a representação, antes de chegar ao Lacerda, já chegou na Globo, Folha de São Paulo e tal. Aí os cara me detonaram", lembra. O novo ministro, que assume o posto nesta quinta-feira (17/03), teve que responder a um inquérito no Conselho Superior do Ministério Público. Como as testemunhas eram os delegados, a Comissão de Inquérito da Procuradoria se deslocava para Curitiba.

"Eu tive que me defender lá em Curitiba, pagar passagem, advogado e tudo mais para ir a Curitiba me defender. Foi em Curitiba porque lá é que estava correndo a Operação Banestado. porque as testemunhas estavam lá, os delegados.Mas, por unanimidade, foi arquivado", recorda.

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Curiosamente, o subprocurador Guimarães, membro do Conselho Superior do MPF, não se deu por impedido para apreciar a representação de sua autoria. Os dez votos foram pelo arquivamento sendo que nove conselheiros entenderam que nada do que relataram tinha ocorrido. Contaram, inclusive, com o depoimento do procurador-geral, Antonio Fernando, assumindo que foi ele quem mandou Aragão a Nova Iorque. O voto de Guimarães, embora pelo arquivamento, teve a justificativa da prescrição

Paulo Lacerda: houve uma acomodação de um momento novo que se vivia. Marcio

Thomaz Bastos foi essencial, pois era uma pessoa respeitada.

Na lembrança de Paulo Lacerda, tudo foi decorrente de um período novo que se vivia.

"Aquele momento foi um divisor de água do processo de obtenção de informações

no exterior. Começou exatamente ali, pós 11 de setembro de 2001. O governo Lula

começou em 2003, portanto muito próximo. Os americanos queriam facilitar a

troca de informações, o intercâmbio de informações com a finalidade de saber não

apenas sobre questão de corrupção, como também eventuais ações, por detrás, de

lavagem de dinheiro de terrorismo. Por isso eles facilitavam muito. Com a criação

do DRCI, houve uma disputa institucional pela primazia da atribuição no tocante

a esta área de lavagem de dinheiro e recuperação de ativos no exterior, entre o

DRCI, o MP, e a Polícia Federal. Naturalmente que todos aqueles que tinham

acesso a estas informações tinham também o seu relacionamento com este ou

aquele repórter e foi isso que aconteceu. Mas, o Ministério Público também vazava muito. Foi o Dr. Marcio quem acomodou tudo isso".

Em tempo, como lembra Lacerda, Duda Mendonça acabou absolvido no processo do mensalão.

A "acusações" a Aragão não para por aí. Vira e mexe, como aconteceu novamente esta semana, surge também a história de que ele, no cargo de procurador-geral da UNB, em 1986, teria feito a defesa do uso da maconha dentro do campus universitário. É algo que circula há anos e sempre volta ao noticiário quando o nome dele reaparece.

"Esta saiu ontem (segunda-feira, 14/03) na coluna do Reinaldo Azevedo, da Veja. Ele disse que eu fiz a defesa do uso da maconha no campus. É uma notícia estapafúrdia. Sustentei que a autonomia universitária não os ampararia. E que se quisessem ir pela desobediência civil, tinham que arcar com as consequências legais. O inquérito foi arquivado. Isso tudo só dá para rir, pois eles ficam se esforçando para pegar uma coisa

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de 1986 para me difamar. A última que falam é que eu sou “daimista”. Que eu sou do Santo Daime. Eu fui da União do Vegetal, eu bebia o vegetal, bebia o chá. Mas, não frequento há mais de 10 anos. Eu fui. E daí? É permitido", explica.

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ADPF resolveu apressar a campanha pela autonomia do Departamento de Polícia

Federal, em mensagem que pedem para não repassarem a agentes, peritos e escrivães

Apoio da sociedade - O fato é que a posse do subprocurador Eugênio Aragão, nesta quinta-feira, de certa forma gera apreensão entre os policiais federais.

Certamente se engana quem pensa que ele poderia ter poderes para paralisar as investigações. Não os tem e nem deve lhe interessar esse jogo. Mas, provavelmente, poderá exercer autoridade sobre o DPF exigindo esclarecimentos de diversas pendências que ficaram no ar a partir do trabalho da Força Tarefa da Operação Lava Jato. Diante disto, delegados federais começam a se mobilizar também.

Prova é a nota que a a Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) emitiu aos seus associados conclamando-os a intensificarem a luta pela autonomia do departamento:

"Colegas, os próximos passos do governo para controlar a PF serão extremamente

prejudiciais para nós todos. Precisamos acelerar a campanha da autonomia em duas

frentes nesse momento. A PEC 412 na Câmara dos Deputados e a PEC 101 no

Senado. Essa é nossa missão para defender nosso cargo e a PF como

queremos. Então, como ação de emergência, todos os deputados e senadores devem ser visitados nos próximos dias", afirma o presidente da ADPF-Bahia, delegado Rony José Silva.

Ele ainda acrescenta ao final: "Outra missão de extrema importância é conseguir

apoio para nossa campanha com entidades da sociedade civil, ONGs, igreja, tudo que

puderem. A bandeira da autonomia tem que ganhar a sociedade civil. Essa

mensagem acima pode ser levada a grupos regionais exclusivos de Delegados. Não

deixem chegar essa informação aos EPAs. Contamos com a participação efetiva de todos".

EPAs é a sigla como são tratados internamente os "Escrivães, Peritos, e Agentes" federais. Ou seja, além de apreensivos, continuam disputando com agentes, escrivães, peritos e demais categorias do Departamento, numa briga interna que parece que jamais terminará.